Você está na página 1de 362

Copyright© 2021 ROSE LYNN

Revisão: Andrea Moreira


Capa: Sil Zafia
Imagens Diagramação: Banco de imagens
Diagramação: Kevin Attis
____________________
Dados internacionais de catalogação (CIP)
DEPOIS DA MENTIRA
DUOLOGIA LIE — LIVRO 2
1ª Edição
1. Literatura Brasileira. 2. Literatura. 3. Romance. Título I.
____________________
É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por
qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos
xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de seu editor
(Lei 9.610 de 19/02/1998). Esta é uma obra de ficção, nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor,
qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos desta edição são reservados pela autora.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa (1990), em vigor desde 1º de janeiro de 2009.
Sinopse
Liz acredita ter sido magoada da pior maneira, mas mal sabe ela que o
futuro lhe reserva mentiras, traições, recomeços e a descoberta de quem
esteve por trás de tudo.
Será Liz capaz de superar tudo e finalmente viver ao lado daquele que
a completa e a faz feliz?
Perdido e sem saber o que fazer, a única coisa que Davon pensa é em
uma maneira de reconquistá-la. O que está sendo difícil, mas ele está disposto
a fazer o impossível.
Será que eles encontrarão o caminho de volta depois da mentira,
mesmo com a volta de pessoas do passado ressurgindo na vida dos dois?
Playlist
A playlist do livro encontra-se disponível no Spotify e é possível acessar clicando
aqui.
Epígrafe
“E mesmo se tentarmos esquecer, o amor lembrará” ― Selena Gomez.
01
“Eu tenho perguntas para você, por que você tentaria me enganar?
Eu nunca, jamais, deveria ter confiado em você”
I Have Questions • Camila Cabello

Liz
Minha playlist está se repetindo pela milionésima vez. Faz algumas
semanas que voltei do Canadá e ainda me encontro me perguntando como
pude me entregar totalmente a alguém que só me fez sofrer.
Passo quase o tempo todo em meu quarto, sentada no sofá que fica
perto da janela. Pela primeira vez, está sendo meu lugar preferido da casa.
Meus pais fazem o possível para me tirar do quarto e me animar, mas
sinto uma certa pena dos dois, pois em momento algum consigo dar um
sorriso sequer.
Escuto uma batida à porta e logo a cabeça do meu pai aparece, me
perguntando se pode entrar. Mesmo que ele queira que eu fique bem, em
momento algum me pressiona ou sufoca, ele sabe respeitar meu espaço. Ao
contrário do Steve, que está sempre tentando me tirar dessa fase ruim e acaba
piorando a situação, mas eu o entendo e não reclamo.
Depois que permito sua entrada, ele entra lentamente.
― Como meu anjo está hoje? ― Beija a minha testa e se senta na
minha frente.
― Como ontem? ― Sorrio de lado.
― Tem planos para amanhã?
― Sim, tenho. Vou ouvir todas as músicas tristes da minha playlist
pela milésima vez.
― Falou com algum dos seus amigos hoje?
Nego com a cabeça. Desde que sai de Kingston, estou ignorando as
ligações de todos, até mesmo do Kyle, que me liga todo dia. Preciso de um
tempo para mim, para pensar em tudo o que aconteceu sem ter que ficar
ouvindo “Sinto muito”. Não suporto mais essas palavras.
― Estão preocupados com você. Eles não desistiram de vir pra cá ―
ele sorri ― e chegam essa semana.
Fico admirada com a persistência deles.
― Você tem pessoas ao seu redor que te amam, querida. Não deixe o
que aconteceu afastar isso de você. O que é uma pessoa em comparação a
todos eles ao seu lado?
Quando é alguém que se ama e a faz sofrer, faz toda diferença.
― Está na hora de deixar a vida levar tudo que aconteceu embora e
ficar no passado. Não será sua primeira desilusão amorosa, a gente acaba
passando por tantas coisas, que aprendemos a anestesiar tudo. Daqui a um
tempo será só uma lembrança ― conclui e me puxa para os seus braços.
― Tudo ficará bem no final. Se não está bem, não é o final. ― Ele
beija a minha cabeça. ― John Lennon disse isso, quem somos nós para
discordar de um Beatle?
Afasto-me dele, tentando segurar o riso, mas não aguento.
― Ah, pai. Te amo muito. ― Beijo seu rosto e me aconchego melhor
em seus braços.
― Eu também, querida.
Meu pai fica comigo até eu pegar no sono, a mesma coisa que fazia
quando eu era pequena e precisava da sua atenção.
Acordo antes das onze, mas me permito ficar na cama até que a fome
se faça presente. Depois de tomar um banho e parecer um pouco
apresentável, vou à cozinha procurar algo para comer. Se eu tiver sorte, Steve
terá deixado meu almoço no micro-ondas.
Fico surpresa quando chego à cozinha e o encontro de costas para
mim, mexendo em algo no fogão.
― Pai? ― Ele se vira, sorrindo. ― Achei que estaria no trabalho
hoje.
― Oi, meu amor. ― Ele vem até mim e me beija na testa. ― Decidi
ir mais tarde, quero almoçar com você. Achei que levantaria mais cedo e
poderíamos passar um tempo juntos.
― Se eu soubesse, teria feito isso.
― Sim, eu sei. Coloca a mesa para mim? ― pede. ― Octavio me
disse que seus amigos chegam esta semana.
― Uhum.
― Já planejou o que vão fazer? ― Steve parece bem interessado.
― Não. Pra dizer a verdade, não estou animada. ― Sento-me depois
de arrumar a mesa.
― Vai passar as suas férias sem nada pra fazer? ― Já sentado, Steve
levanta a sobrancelha em questionamento. ― Filha, só quem pode mudar
essa situação é você. Se não se esforçar em esquecer, nunca vai superar ―
aconselha e me entrega o prato com a comida.
― Eu sei, pai, estou tentando, mas não é fácil.
― Eu sei que não, mas precisa se esforçar. ― Assinto. ― Vamos
comer agora.
Depois que terminamos de comer, eu o ajudo a arrumar a cozinha
antes de me sentar no sofá e procurar alguma coisa para assistir na televisão.
Decido ver se tenho novas mensagens e acabo encontrando uma de Kyle.
“Estou preocupado com você, linda, sei que aconteceu alguma coisa.
Me ligue quando puder.”
― Quer que eu traga algo pra você quando voltar? ― Steve pergunta
enquanto veste seu casaco, me afastando da decisão de ligar ou não para o
Kyle.
― Não precisa.
― Qualquer coisa, me ligue. Amo você. ― Ele beija meu rosto antes
de pegar as chaves do carro e sair.
― Eu também ― murmuro, já sem ânimo por ficar com a casa vazia.
Tento me concentrar nos programas da TV, mas nada me atrai. Se
fosse antes estaria rindo das coisas bobas que está passando. Cansada de ficar
parada, vou para a sala de música, onde está o piano que meu pai comprou
quando eu ainda era uma criança e disse que queria aprender a tocar. Sorrio
ao me lembrar da expressão surpresa dele quando pedi um piano de presente.
Levanto a tampa e passo os dedos pelas teclas, então posiciono o tripé com o
celular para que pegue um bom ângulo antes de me sentar no banquinho e
iniciar a gravação.
Toco as primeiras notas me lembrando de todos os momentos que
tivemos. É difícil acreditar que o que vivemos foi uma mentira, que tudo era
parte de uma vingança. Com a garganta apertada, apoio o cotovelo nas teclas
enquanto abaixo a cabeça.
― Eu tenho tantas perguntas...
Não consigo segurar algumas lágrimas quando caem, fico ali por um
tempo e acabo pegando no sono.
Quando desperto, olho para a janela e vejo que a tarde está se
transformando em noite atrás da cortina. Meu pescoço está dolorido, e meus
olhos, um pouco inchados. Massageio a nuca e me lembro de Ethan, às vezes
ele me salvava com suas massagens. Sinto falta dele. De todos, na verdade.
Retiro meu celular do tripé e só então desligo a gravação. Faço o corte
do vídeo enquanto o assisto.
De repente, a conversa com meus pais me vem à mente. Está na hora
de seguir em frente, voltar a falar com meus amigos, retomar a vida que eu
tinha antes de conhecer o Davon. Preciso enterrar, aos poucos, tudo o que
aconteceu, incluindo meus sentimentos. E começarei entrando em contato
com as pessoas que realmente se importam comigo. Pego meu celular e fico
um pouco nervosa quando seleciono o contato e espero atender. Sorrio ao
pensar no quanto isso é bobo, até escutar a voz dele.
― Liz? ― Sua voz demonstra o quanto está surpreso e aflito.
― Oi.
― O que aconteceu, linda? Fiquei muito preocupado, não consegui
pensar em nada que pudesse ter acontecido.
― Me desculpe. Mas eu estava precisando ficar sozinha. ― Suspiro
alto.
Ele fica em silêncio por alguns segundos.
― Quer conversar? ― O tom da sua voz deixa claro que já sabe do
que se trata.
― Sim, preciso desabafar um pouco, preciso de alguém para me
ouvir. ― Sorrio.
― Passarei a noite toda te ouvindo. ― Mesmo brincando, sei que é
verdade.
― Pessoalmente seria melhor, não acha?
― Com certeza, mas como você está tão longe, não temos escolha.
Mas não se preocupe, irei imaginar que você está bem na minha frente, pode
ser? ― Ele ri da própria sugestão.
― Não precisa imaginar nada. Estou na Califórnia.
― Sério? ― pergunta, animado. ― Quer jantar comigo? Ou podemos
nos encontrar só para conversar, se quiser.
― Para mim está ótimo. Vou me arrumar e nos encontramos no
endereço que vou te enviar.
― Tudo bem.
Antes que eu possa desligar, ele volta a falar:
― Liz, pode contar comigo sempre. Estarei aqui pra você, linda.
― Obrigada.
Me levanto e vou para o quarto, pensando no que irei usar. Acabo
decidindo por algo bem básico. Estou pronta para sair quando meus pais
chegam. Meu pai me observa antes de perguntar qualquer coisa. Steve, por
outro lado, parece esperançoso.
― Vai sair? ― Ele pendura o casaco.
― Vou jantar com Kyle.
Meu pai troca um olhar com Steve.
― Hum ― franze os lábios ―, vai demorar?
― Pai, é um jantar. As pessoas conversam, depois comem, então sim,
vou demorar um pouco.
Steve, que já está ao meu lado, ri.
― Não liga para o seu pai, querida ― beija meu rosto ―, só se
divirta. ― Ele sai e me deixa com um Octavio um pouco emburrado.
― Tudo bem, qualquer coisa, me ligue. Vai de Uber? Vá com meu
carro, me sentirei melhor.
― Tudo bem. ― Beijo seu rosto, pego a sua chave e meu casaco em
seguida, com seus olhos em mim o tempo todo.
Ligo o som bem alto, afastando qualquer pensamento ruim. Quero
que pelo menos essa noite seja normal, tranquila. Assim que estaciono, eu o
vejo me esperando ao lado do seu carro. Mal desligo o carro e Kyle já está do
lado de fora, abrindo a porta para mim e me ajudando a descer antes de me
puxar para um abraço apertado.
― Assim vai me esmagar ― brinco, soltando uma risada.
― Não suma mais dessa maneira, fiquei extremamente preocupado.
― Consigo sentir um pouco de aflição em sua voz. ― Me mande uma
mensagem, nem que seja para te deixar em paz, somente para saber que está
bem. ― Ele se afasta e segura meu rosto com suas mãos quentes.
― Estou feliz em te ver. ― Sorrio.
― Eu também. Você nem imagina o quanto. ― Ele sorri, beija meu
rosto e passa o braço por trás de mim, fechando a porta do carro. ― Vamos
― segura a minha mão ―, temos muito o que conversar.
Assinto e o sigo para dentro do restaurante. Então nos sentamos e
fazemos os pedidos, Kyle me dando espaço e opção para que eu fale o que
quiser e quando quiser.
― Acho tão engraçado o modo como pareço conhecer você. ― Ele
me desperta dos meus pensamentos. ― Sei quando as coisas não estão bem
só em olhar para os seus olhos. Você nem precisar dizer nada.
― Pelo jeito é um dom que você tem com todos.
― Não, por incrível que pareça, é só com você.
― Esses últimos dias não foram nada fáceis. ― Suspiro. ― Descobri
que a pessoa que eu namorava não era quem demostrava ser. Ele me usou
como quis, e me machucou como nunca. ― Rio com amargura.
― Quer contar o que aconteceu? ― pergunta, com a expressão
totalmente diferente.
Por mais que eu queira, não é o momento. Quero me distrair esta
noite, não estou preparada para me abrir.
― Não. Na verdade, quero esquecer só hoje.
― Então é o que faremos. O que pensa em fazer nessas férias?
Sorrio, feliz por saber que ele entende e está respeitando o meu
espaço.
― Não tenho nada em mente, nenhum planejamento ― faço careta de
desgosto ―, pretende mudar isso?
― Com certeza. Precisamos te ocupar bastante nestas férias ― ri ―,
e estou falando sério. Agora vou cobrar as vezes que prometeu que sairíamos.
― Está usando a oportunidade perfeita para cobrar.
― Por que não usaria? Esperei tantos meses para passar um tempo
com você, não posso desperdiçar.
― Ai, como é dramático ― declaro e caímos na risada.

― Meus amigos devem chegar esta semana. Podemos marcar pra te


conhecerem.
― Acha que seria legal? ― pergunta.
Estamos caminhando para o estacionamento depois de termos jantado
e conversado muito.
― Sim. Quero que conheçam você.
― Vou me sentir especial desse jeito. ― Ele arqueia as sobrancelhas.
― Nossa, hoje além de dramático está muito convencido ― falo
assim que paramos ao lado do meu carro.
― É o efeito de todo esse tempo longe de você. ― Ele me puxa para
um abraço de despedida. ― Boa noite, linda. Fica bem.
― Obrigada pela noite ― sussurro. ― Boa noite. ― Beijo seu rosto
antes de entrar no carro. ― Kyle ― eu o chamo assim que o vejo virando as
costas ―, você é especial pra mim, um grande amigo.
― Você também é, e muito. ― Ele acena e sorri quando sai do
estacionamento, indo embora.

Estou feliz por ter encontrado Kyle esta noite, estava precisando
disso.
Entro em casa e encontro o meu pai sentado no sofá.
― Ainda acordado? ― Eu me aproximo dele e beijo seu rosto.
― Trabalho. Acabei resolvendo esperar você chegar. ― Dá de
ombros.
― Cheguei sã e salva, pode ir dormir agora. ― Ele se levanta e sorri.
― O que foi?
― Chegou com um sorriso também. O que quer que tenha acontecido
esta noite... agradeço por ter feito a minha filha sorrir novamente. ― Ele
beija a minha testa. ― Boa noite, querida.
― Boa noite, pai.
Subo para o quarto e coloco meu pijama, então me deito. Será a
primeira vez, desde que cheguei aqui, que não precisarei da minha playlist
pra dormir. Sei que dormirei bem e em paz esta noite.

*
Acordo quando escuto sussurros pelo quarto, mas continuo com os
olhos fechados, tentando descobrir quem está por aqui.
― Será que devemos acordá-la? ― alguém pergunta baixinho. Acabo
reconhecendo a voz e me seguro para não rir.
― Sim. E tem que ser agora. Ela vai ficar surpresa por ver seus
melhores amigos.
― Não sabemos a reação dela ao nos ver. Não nos atendeu e nem deu
notícias durante a semana.
― Ainda acho que não deveríamos ter vindo antes do previsto.
― Acha que ficará feliz com a nossa presença?
Abro os olhos e vejo Nina, Alex e Ethan em pé, perto de mim,
olhando um para o outro.
― Tenho certeza de que ela ficará muito feliz com a presença dos três
― digo, sorrindo, enquanto os rostos se viram para mim.
As meninas gritam e pulam em cima de mim. Ethan dá um sorriso e
se aproxima, beijando minha cabeça.
― Sentimos a sua falta.
― E eu a de vocês.
Olho para a porta e encontro meu pai encostado, sorrindo. E mais uma
vez agradeço mentalmente pelas pessoas que tenho ao meu redor e todo amor
que recebo.
O que seria de nós sem as pessoas que amamos para nos ajudar e
apoiar em momentos difíceis?
02
“Eu escalaria todas as montanhas
E nadaria todos os oceanos
Só pra estar contigo
E consertar o que quebrei.”
You Are The Reason • Calum Scott
Liz
Estou me sentindo tão bem com a presença dos três. Noah e Anastácia
não conseguiram vir, estão viajando, ela está aproveitando a avó.
Estou deitada com a cabeça no ombro do Ethan, que está encostado na
cabeceira da cama, com o braço ao redor dos meus ombros, enquanto as
meninas estão de frente para mim.
― Não está chateada por termos vindo antes? ― Ethan pergunta,
virando a cabeça para me olhar.
― Não, longe disso. Estou muito feliz por estarem aqui, já estava na
hora de sair do luto.
― Então chegamos na hora certa. O que é melhor para curar um
coração partido do que noites em pubs pela cidade? ― Alex balança as
sobrancelhas, sorrindo.
― Alex ― Ethan e Nina a repreendem.
― O quê? Foi somente uma sugestão. ― Ela dá de ombros, me
fazendo sorrir. ― Sou inexperiente nessa área, nunca tive um coração
partido.
― Torço para que não tenha ― digo.
― Como você realmente está? ― Nina pergunta, pegando minha
mão.
― Estou juntando os caquinhos.
― Você sabe que não precisa fazer isso sozinha, estamos aqui por
você.
― Eu sei, mas eu precisava de um tempo sozinha. Um momento só
meu, entendem? ― Eles assentem. ― Mas agora está tudo se ajeitando.
― Tio Octavio falou que ontem foi a primeira vez que você saiu
desde que chegou... e que voltou sorrindo.
― Ai, meu pai é muito fofoqueiro. ― Dou uma gargalhada.
― O que aconteceu de tão especial ontem? ― Lex está bem curiosa, e
não somente ela, tenho certeza.
― Não aconteceu nada de mais. Só sai para jantar com um amigo. No
fundo, estava precisando sair e me distrair um pouco.
― Uhum. ― As duas sorriem maliciosamente.
― Que tal irmos à praia? Está um dia tão bom. ― A animação da
Alex me contagia. Ela abre as cortinas, mostrando o sol brilhando lá fora.
― Ah, não. Estou sem ânimo para isso. ― Faço um biquinho.
― Nada disso. Vamos te animar hoje, tirar a expressão sofrida do seu
rosto.
― Concordo com a Alex. Agora você está em uma nova fase, Liz. ―
Ethan beija a minha testa.
Nina assente, sorrindo.
― Saia com seus amigos, querida ― meu pai entra no quarto,
entregando uma xícara de café para cada um ―, você está muito pálida,
precisa de um solzinho.
― Pai! ― Fecho minha expressão. ― É um complô contra a minha
pessoa?
― Não seja dramática, Elizabeth ― é a vez dele de fazer cara feia,
mas está se divertindo com a situação ―, levante-se e vá trocar de roupa.
Vou preparar algumas coisas para levarem.
Ethan se levanta da cama, rindo.
― Seu pai é uma figura. Vou me trocar, espero vocês três lá embaixo.
― Sai, fechando a porta do quarto.
― O que está fazendo aí sentada ainda? Levante-se logo. ― Nina
mandona não é a personalidade dela que mais gosto.
Resmungo enquanto me levanto e vou até o meu guarda-roupa.
― Vocês duas são umas chatas. Não custava nada ficarmos aqui,
assistindo algo.
― Custa tudo, iríamos perder esse dia maravilhoso por culpa da sua
animação. ― Alex faz aspas com os dedos, enquanto prende o biquíni.
Só agora percebo que a mala das duas estão no meu quarto.
Depois de pronta, prendo meu cabelo em um rabo de cavalo e passo
protetor solar antes de sair do quarto.
― Alguma de vocês vai levar bolsa? ― pergunto.
― Eu não vou ― Alex diz, então nos viramos para Nina e sorrimos.
― Ah não. Por que sempre tenho que levar as coisas de vocês?
― Porque é a única que sempre leva bolsa.
― Engraçadinhas.
Eu me aproximo dela e beijo seu rosto.
― E que nos ama. ― Nós três somos interrompidas do abraço quando
Ethan bate à porta para nos chamar.
Chego na sala e vejo sua expressão de tédio.
― Uma mulher se arrumando demora, imagine três. Não quero perder
meu dia esperando por vocês ― resmunga.
― Não viu nada, Ethan. Quando a Nina vinha pra cá, eu tinha que
ficar no pé das duas se quiséssemos sair no horário.
― Nossa, tio Octavio, nem é pra tanto ― Nina fala, sorrindo
docemente.
― Eu que o diga.
― Vocês dois hoje estão uma chatice. Tenho até medo de você pegar
algumas manias do meu pai. Vai voltar para o Canadá um Octavio em pessoa.
― Aponto para o meu amigo e rio com as meninas.
― Engraçadinha ― eles falam juntos, revirando os olhos.
― Está vendo? Só algumas horas juntos e já estão assim? Poderia se
passar por filho do meu pai de boa.
― Verdade ― as meninas concordam.
― Vamos, antes que comecem a fazer cena. ― Pego a cesta que
Octavio arrumou e sigo para fora da casa.
― Se cuidem, crianças ― meu pai diz, sorrindo.
― Sim, senhor. ― Alex faz continência.
Entramos no carro do meu pai, Alex entra no banco do carona, e liga
o som, enquanto Ethan e Nina se sentam atrás. Vamos o caminho todo rindo
das as coisas que Nina conta que Alex aprontou nessa semana no Canadá.
Assim que estaciono, Ethan pega as coisas do porta-malas. Saio do carro,
fechando os olhos e sentindo a brisa do mar no meu rosto, me permitindo
ficar assim por alguns segundos, com o sol atingindo minha face.
― Liz? ― Ethan chama. ― Vamos?
Eles já tinham tirado tudo do carro e o fechado. Assinto, passando
meu braço pelo dele antes de descermos para a areia.
― Nossa, aqui tem muito homem bonito ― estava esperando por esse
comentário da Alex― não sou cega.
― Pra homens? Você nunca é ― Ethan comenta, rindo.
Estamos procurando um lugar para nos sentarmos, quando me viro
para o lado e sorrio.
― Não acredito ― digo, sorrindo, assim que Kyle para na nossa
frente.
― Você está me seguindo, Liz? ― pergunta, rindo.
― Eu ia fazer a mesma pergunta. ― Me afasto de Ethan e vou
abraçar o Kyle, que beija o meu rosto.
― É muito bom te ver aqui ― diz, sorrindo enquanto nos encaramos.
― Cof, cof. ― Ethan finge tossir.
Viro-me para ele e o encontro com os braços cruzados e uma
expressão séria no rosto. Nina dá um empurrãozinho nele, fazendo-o
descruzar os braços.
― Meninas, vocês já conhecem o Kyle, mas acho que não foram
apresentados como deveriam. Ethan, esse é o Kyle, um amigo. Kyle, essas
são minhas amigas Nina e Alex, e meu amigo Ethan.
― Prazer, meninas. ― Ele beija o rosto das duas e estende a mão para
o Ethan. ― Você deve ser um dos guardiões da Liz.
Desconfiado, meu amigo aceita a mão estendida e cumprimenta Kyle.
― Estou mais pra massagista ― dá de ombros, brincalhão ―, mas
não precisa saber os detalhes, somente que estou de olho em você.
Kyle levanta as mãos.
― Comigo não precisa se preocupar. ― Eles ficam se encarando por
alguns segundos antes de começarem a rir.
― Você é o responsável por ter feito bem a essa moça ontem? ―
Nina mais afirma do que pergunta.
― Bom, eu tentei. ― Kyle sorri para mim.
― Não só tentou, como parece ter conseguido. ― Lex dá um sorriso
malicioso.
― Então minha missão foi um sucesso.
― Como foi ― as duas dizem juntas.
Ethan revira os olhos. Dá para ver o ciúme em sua expressão.
― Meninas! ― chamo a atenção delas, rindo. ― Já está indo
embora? ― digo ao me virar para ele.
― Não. Acabei de chegar.
― Acabamos de chegar também, quer se juntar a nós? ― Alex
oferece e pisca para mim.
― Claro.
Lembro-me de ele ter dito que passa os fins de semana na praia
quando não tem trabalho. Seu corpo bronzeado não o deixa mentir.
Procuramos um lugar melhor para que possamos nos sentar e aproveitar o
dia. As meninas tiram a saída de praia, ficando só de biquíni.
― Vamos dar um mergulho? ― Nina pergunta, enquanto Alex já está
caminhando para o mar.
― Talvez depois. ― Sorrio e ela assente, afastando-se em seguida.
― Hoje você está bem melhor ― Kyle comenta ao se sentar ao meu
lado.
― Sim. Ter pessoas que levantam o seu ânimo é outra coisa.
― Sim ― concorda, olhando para mim.
― Vamos jogar vôlei? ― Ethan nos convida ao se aproximar. ― E
não aceito um não.
― E quem disse que eu recusaria? ― Rio, segurando sua mão
estendida para me ajudar a levantar.
Começo a jogar com ele, até que as meninas voltam e a Nina fez
dupla com Ethan enquanto Kyle é o meu parceiro. Ganhamos uma partida,
perdemos outra, mas rimos muito. Passo o tempo todo recusando convites
para entrar na água. Depois de um tempo, cansada, eu me sento e Nina se
junta a mim, deixando Kyle e Ethan conversando e gargalhando.
― Gostei dele ― comenta enquanto olha para Kyle. ― Dá pra ver o
motivo de ele ter feito você sorrir ontem.
Observo o Kyle, concordando com as palavras da Nina. Ele realmente
é um cara incrível, um grande amigo.
― Não é à toa que a Liz ficou com ele. Ele é perfeito. ― Alex, que
agora está ao meu lado, me cutuca.
― Concordo com a Lex. ― É a vez da Nina dizer.
Me levanto e fico de frente para as duas.
― Ai, vocês duas...
As meninas sorriem quando olham para algo atrás de mim. De
repente, sinto meu corpo ser levantado e acabo soltando um grito.
― Agora você entra na água ― Kyle diz, sua voz divertida.
― Kyle. ― Começo a rir. ― Ainda estou de short.
― Não tem problema. ― Entramos na água, com ele ainda me
segurando pela cintura.
Caímos na água e mal tenho tempo de me recuperar quando ele
começa a jogar água em mim. Rindo, tento fugir dele enquanto ele me
persegue. Olho para o lado e vejo meus amigos se aproximando, se
amontoando perto de nós, então começamos uma guerrinha de água.
Aos poucos, posso dizer que a minha vida voltará aos eixos, mesmo
que ele continue a fazer parte dos meus pensamentos.

Davon
Falar que eu não venho aqui todo dia é uma mentira. Durante esse
tempo, todas as tardes me sento no mesmo banco que costumávamos ficar, e
fico olhando para o lago. Mantenho a esperança de que ela irá me encontrar
aqui, por mais insano que esse pensamento seja.
Assim que me sento no banco, recordo tudo que eu fiz, cada erro
cometido. Se eu tivesse a chance de voltar atrás, qual seria a primeira coisa
que faria para não a perder?
Deveria ter conversado com ela no momento em que descobri que seu
pai era um agente. Deveria ter contado tudo sobre minha vida, desde o
acidente, anos atrás, até a troca do nome e sobrenome.
Eu teria a proteção do FBI, e talvez um dia a minha vingança fosse
concluída quando visse a Katherine sendo presa por todos os crimes
cometido.
Agora, nem tenho mais vontade de me vingar daquela mulher. Tudo
perdeu o sentido quando a minha garota se afastou de mim. Respiro fundo.
Que merda eu fiz?
Escuto uma música ao longe e me viro para ver de onde vem.

“There goes my heart beating


Cause you are the reason
I'm losing my sleep
Please come back now”[1]

Como quero que ela volte logo.


Perdi qualquer chance de uma vida com ela. Passei cada momento
tentando falar com ela, mas ela me bloqueou em todas as redes sociais.
Liguei para o Ethan, mas ele fez questão de jogar na minha cara tudo o que
perdi, e depois de ter desligado na minha cara também me bloqueou.
Não tenho como entrar em contato com ela, preciso esperar que ela
volte.
Meu celular toca e eu pego, vendo o nome na tela. Sam. Ela é a única
que no momento se importa comigo. Meu melhor amigo está viajando, mas
sei que mesmo chateado comigo, posso contar com ele.
Desligo meu celular sem atender a ligação da minha irmã, não estou
pronto para conversar com ninguém, então nunca atendo as suas ligações.
Não ter notícias de Liz me deixa aflito, me enlouquece.
Depois de tudo o que causei, não só na vida dela, mas de todos ao
meu redor, tomei a decisão de mudar. Não quero mais saber do Davon
egoísta, infantil e irresponsável. E isso não é para o meu bem-estar, mas de
todos, principalmente da Sam e da Liz.
Respeitarei o espaço dela, mas quando tiver a oportunidade de
reconquistá-la, de mostrar que mudei, que pode confiar em mim novamente,
eu vou aproveitar.
Levanto-me olhando uma última vez para o lago e sigo até a minha
moto. Vou passar algumas semanas com a Sam e Amy. Vou o caminho todo
pensando em como a Liz deve estar neste momento. Estará tão destroçada
como imagino ou sendo forte, não se deixando abalar depois de tudo que a fiz
passar?
Assim que estaciono em frente à casa, já é tarde da noite,
provavelmente as duas estão dormindo. Uso minha chave para entrar na casa
e sigo direto para a sala, colocando minha mochila no chão e me sentando no
sofá, apoiando meu rosto entre as mãos. Depois de alguns minutos, escuto
passos se aproximando e sorrio quando vejo a Amy. Ela me entrega uma
caneca de chá quente e se senta ao meu lado, me observando, como se
sondasse o terreno. Ela faz um barulho com a língua e balança a cabeça.
― Pode me contar o que está acontecendo ― pede, já sentindo que
tem algo errado. Não é à toa que me conhece, praticamente me criou desde
pequeno.
― Estraguei tudo ― tento engolir, minha garganta se fechando
novamente ―, perdi a chance que eu tinha de uma vida boa com a garota que
eu amo.
― Não é assim, filho. As coisas podem se acertar. ― Ela pega a
minha mão, como fazia quando queria me consolar.
― Dessa vez não tem conserto. Estraguei tudo, da pior forma. Eu a
enganei, menti, eu a usei. Tudo que alguém não faria com a pessoa que ama.
Tudo por culpa do meu pai. Você sabia que ele fazia muita coisa errada? Que
se envolveu com a pessoa que destruiu a nossa família? ― Rio de desgosto
enquanto ela nega com a cabeça. ― Com a mulher que é a mãe da Liz.
Ela coloca a mão na boca, em choque.
― Ele traiu o melhor amigo. Até pouco tempo eu nem sabia que
Octavio me conhecia desde pequeno, ou que era o melhor amigo do
Christian.
― Octavio era uma boa pessoa para vocês. Mesmo você não se
lembrado dele, ele o tinha como filho. Naquela época, não sabia o motivo de
ele ter se afastado aos poucos, agora entendo. Seu pai nunca pareceu uma
pessoa com bom caráter. Muitas vezes eu via isso na reunião na casa de
vocês, mas nunca imaginei que ele realmente seria essa pessoa.
― Agora machuquei a Liz. Achei que o pai dela estivesse envolvido,
junto com o FBI, na morte dos meus pais. Na Itália, acabei chegando à
conclusão que ainda estava envolvido com a Katherine. Por isso voltei com a
decisão de usar a Liz, mesmo negando meus sentimentos por ela. ― Abaixo a
cabeça, segurando meus cabelos entre as mãos. Como gostaria que o tempo
voltasse.
― Se conversasse comigo antes, se me contasse tudo o que estava
acontecendo e sobre o Octavio, eu teria dito a verdade sobre ele, mesmo não
sabendo sobre o seu pai. Octavio nunca foi ruim, Davon.
― Esse foi o meu erro, ter tirado minhas próprias conclusões sem
antes conversar com você, com a Liz ou até mesmo Octavio. ― Coço meus
olhos, que ardem com lágrimas não derramadas.
― Não posso falar que talvez ela volte para você, depois de tudo o
que fez ― fala com honestidade ―, mas posso dizer para esperar. Se
realmente tiverem que ficar juntos, tudo vai se acertar no final.
Ela se levanta, segurando o meu rosto como a mãe que é para mim,
então beija a minha testa.
― Tenha fé. Agora vai se deitar, precisa estar bem descansado, já que
terá que se explicar para a sua irmã o motivo de ter ignorado as ligações dela.
Sabe que ela não vai facilitar para você, ainda mais por estar com raiva.
― Eu que o diga. Será difícil acalmar aquela ferinha. ― Sorrio. ―
Boa noite.
Ela se afasta, me deixando sozinho. Levanto-me depois de um tempo,
pego minha mochila e subo para o meu quarto, mas antes de entrar nele
decido ir ao quarto de Samantha. Entro e encontro a pessoa minúscula
adormecida na cama. Aproximo-me e acaricio seu rosto, beijando sua
bochecha logo em seguida.
― Vou mudar por vocês duas.
Caminho até a porta e me viro para olhar para ela mais uma vez antes
de sair.
03
“Desesperada, tão consumida por
Toda essa dor
Se você me perguntar o porquê, não
Saberei por onde começar.”
Take Me Home • Jess Glynne
Liz
Já faz um tempo que estou sentada ao lado da janela. Posso ter me
desligado do mundo, mas volto quando as meninas me chamam.
― Liz.
Escuto meu nome ser chamado mais uma vez e sinto um toque no
meu braço.
― Oi. ― Desperto, virando o rosto para as duas, que me olham
preocupadas.
― Você está bem? ― Nina pergunta enquanto limpa meu rosto.
― Eu tenho agido como se estivesse bem, mas não estou. ― Sento-
me melhor para ter a atenção das duas. ― Chamam isso de coração partido,
mas, na verdade, sinto a dor por todo o meu corpo.
Nina suspira e segura a minha mão, me puxando para me sentar na
cama com as duas.
― Ethan saiu com seus pais, então temos mais privacidade. Agora é o
momento de conversarmos.
Assinto, respirando fundo.
― Davon não é quem achávamos que era. Na verdade, o nome dele é
Taylor Cohen. Seus pais foram assassinados há uns cinco anos, foi isso que o
fez trocar de nome.
― Espere aí ― Nina pede, com uma expressão incrédula. ― Taylor
Cohen? ― Assinto. ― Não é o sobrenome do caso que seu pai estava
investigando no Canadá? ― Assinto mais uma vez.
― Investigando? ― Alex questiona, perplexa. ― Ele é tipo agente do
FBI? ― pergunta, rindo.
Nina e eu assentimos.
― Não brinca.
Sorrio quando a vejo chocada.
― Desculpe não ter te contado antes. É uma longa história que
pretendo te explicar depois ― digo, vendo-a assentir. ― Depois de tudo o
que aconteceu com os pais dele, ele decidiu encontrar a pessoa que destruiu
sua família. É aí que eu entro. No Natal, ele descobriu que meu pai era um
agente e achou que ele estava atrás dele, uma vez que pensava que o FBI
estava por trás de tudo, e que meu pai estava envolvido com a Katherine.
― Que loucura! ― Lex solta.
― Então decidiu que me usaria, e assim traria a Katherine para perto
de mim. De alguma forma ele se vingaria da mulher que acabou com sua
família.
― Esperava tudo dele, menos isso. Não achei que seria tão baixo a
ponto de estar disposto a te machucar para um propósito tão egoísta. Sinto
muito, amiga.
― Nem eu sonhava com isso, Nina. Achei que realmente tudo que
estávamos vivendo fosse verdadeiro ― fungo ―, que teve importância.
Estava somente me usando. O pior de tudo é que ele disse que me amava. ―
Começo a chorar. Só de lembrar de tudo, meu coração, que já estava
despedaçado, se quebra mais.
Nina me puxa para seus braços ao mesmo tempo em que sinto a mão
da Alex em minhas costas, me consolando.
― Não sei como você está conseguindo aguentar ― Nina diz.
― Acredite, não estou tão bem quanto pareço. ― Soluço.
― Só porque as coisas estão acontecendo com você agora, não quer
dizer que elas sempre serão assim, Liz ― Alex diz, ainda me confortando
com a mão ―, e as coisas vão mudar. E você nunca sabe o que vai acontecer
depois.
Me afasto dos braços da Nina e olho para a Lex, que sorri.
― E isso deixa as coisas empolgantes, assustadoras e divertidas.
Então, fique bem.
Assinto, enxugando meu rosto.
― É a última vez que vou chorar por ele. Escreva o que estou
falando.
― É assim que se fala, amiga ― Nina declara, empolgada.
― Eu não vou me apaixonar nunca mais ― digo, convicta da minha
nova fase da vida.
― Depois de uma ressaca a gente sempre diz que nunca mais vai
beber.
Nina e eu olhamos para Alex, que dá de ombros, e caímos na
gargalhada em seguida.
― É tão bom ter vocês aqui comigo. ― Puxo as duas para um abraço
desengonçado.
― Vamos parar com esse sentimentalismo todo e assistir a um bom
filme. Aproveitar que os homens estão fora. ― Alex pula da cama e vai em
direção à porta.
― Aonde você vai? ― pergunto, franzindo a testa.
― Procurar algo na geladeira para comermos. ― Sorri, sapeca,
correndo para fora.
― Acho que nós somos o equilíbrio uma da outra ― Nina diz, se
jogando na cama. ― O que seria da gente sem aquela maluca?
― Sempre me pergunto isso.

Davon
Assim que desperto com a claridade das cortinas abertas da janela,
foco em uma figura sentada na ponta da cama e me assusto. Poderia ser uma
cena até macabra, se não fosse a expressão no seu rosto. Sam me olha com
atenção.
― Está tudo bem? ― pergunta, ainda me observando.
Afasto os lençóis e bato minha mão na cama para que se deite
comigo. Sem demora, ela se aproxima. Beijo sua cabeça depois que se
aconchega na cama e me abraça.
― Vamos dormir mais um pouquinho ― peço.
O cômodo fica em silêncio, mas antes que eu possa cair no sono
novamente, escuto sua voz.
― Amy me contou meio por cima o que aconteceu. Perdoo você por
não ter atendido as minhas ligações antes. ― Ela sorri.
― Não sei o que faria sem você neste momento.
― Eu sempre vou estar aqui por você, fratello. Como você sempre
esteve por mim. Você sempre cuidou de mim. Não posso virar as costas para
você, Davon. Você é meu irmão, minha única família. Estamos aqui um para
o outro.
Aperto-a mais em meus braços, beijando sua testa.
― Mas você foi um babaca. Só agora percebi o quanto meu irmão
não tem cérebro ― resmunga. ― Eu, no seu lugar, teria feito o contrário.
― Sabia que por trás de palavras doces, viriam as repreensões. ―
Suspiro. Eu já esperava essas palavras dela.
― Você queria o quê? ― Se afasta para me olhar nos olhos. ― Que
eu aplaudisse os seus erros? Negativo. Sou sua irmã, não a sua mente fraca.
― Ei, está me ofendendo. Sei que errei, admito meus erros.
― Deveria fazer pior. Ficar sem falar com você. Mamãe ficaria
decepcionada.
― Não, não ficaria. Porque nada disso teria acontecido se eles não
tivessem morrido.
― Ninguém sabe.
Estreito meus olhos para ela e me lembro que o Octavio era o amigo
do Christian. Se isso não tivesse acontecido, talvez eu teria crescido com a
Liz, e eu nunca saberia se teríamos algo também.
― Se não for dormir, acho que você pode sair do meu quarto. ― Não
quero mais falar desse assunto.
― Não falei que não queria dormir ― sorri, voltando a me abraçar
―, mas que é um bobo, isso você é.
― Mesmo depois de tudo o que disse, ainda repito: não sei o que seria
de mim sem você.
Ela ri, me beliscando na barriga.
― Eu te amo.
― Eu também.
Não consigo mais pegar no sono, então me levanto, deixando-a
dormindo enquanto vou tomar um banho. Um tempo depois, vou para o andar
de baixo e encontro a Amy tirando um bolo do forno.
― Bom dia, querido. ― Beija meu rosto. ― Cadê sua irmã? ―
Questiona quando não a vê comigo.
― Pegou no sono. Deve acordar daqui a pouco. ― Me sento à mesa e
corto um pedaço de bolo quente.
― Contou para ela sobre o seu pai? ― Ela se senta na minha frente,
me entregando uma xícara de leite.
― Ainda não. Estou pensando em sair com ela. Talvez não receba
bem essa notícia, e algum lugar mais aberto pode fazer bem a ela.
― Faz certo, não quero minha menina perturbada.
Depois de algum tempo na mesa com a Amy, escutamos passos
apressados pela escada. Sam aparece com uma expressão aflita.
― Ah, você está aqui ― constata, sorrindo.
― Não era pra estar?
― Não sei ― dá de ombros, ainda parada na entrada da cozinha ―,
achei que tinha ido embora e passaria mais alguns dias sem atender as minhas
ligações. ― Ainda está magoada, claro.
Chamo-a com a mão, puxando a cadeira para se sentar ao meu lado.
― Vou passar algumas semanas com vocês. ― Beijo seu rosto
quando se senta ao meu lado.
Toda vez que tenho que voltar para a fraternidade, é difícil para nós
dois ficarmos longe um do outro. No começo, que tive que ficar mais tempo
lá pelas aulas, suas crises de pânicos eram frequentes, me deslocava sempre
para estar perto dela.
― Depois que tomar café vamos sair um pouco.
― Sério? Aonde vamos? ― pergunta, eufórica.
― A vários lugares, hoje o dia é nosso. ― Dá para ver que está
radiante com a ideia. ― Vamos dar uma folga pra Amy, assim ela não
precisa ficar vendo nossa cara. ― Rio.
― Larga de bobeira, menino ― recrimina, não gostando do meu
comentário. ― Amo os dois como se fossem meus filhos, não preciso de
folga.
Parece ficar emburrada, então nos levantamos para enchê-la de beijos.
― Seus levados ― segura nosso rosto e nos beija em seguida ―,
agora vão, se divirtam bastante.
― Pode deixar.
Deixo Sam terminando seu café, enquanto me arrumo e a espero na
sala. Não demora muito para ela descer correndo novamente.
― Até que foi rápida dessa vez ― implico, passando meus braços
pelos seus ombros enquanto saímos.
Vamos com o carro da Amy, pois se quisermos comprar algo, teremos
mais espaço. As músicas que Sam escolhe para tocar não é bem do meu
gosto, mas rio quando a ouço cantar.
― Vamos parar aqui. ― Estaciono em frente ao parque.
― Pensei que o nosso dia seria divertido. ― Sam me olha, parecendo
confusa.
― E vai. Mas antes preciso te contar algo que descobri há pouco
tempo. ― Sua expressão muda para preocupada. ― Vamos.
Fecho o carro e fico ao seu lado, caminhando pelo parque. Tenho
medo da reação dela.
― É sobre o Christian. ― Suspiro.
― Nosso pai? ― Assinto. ― O que descobriu?
― Que ele não era a pessoa que demostrava ser. Foi por causa dele
que quase fomos mortos, e ainda assim morreram.
― Como assim, fratello? ― O desespero em sua voz não me passa
despercebido.
― Ele acabou se envolvendo com coisas erradas, Sam. Se envolveu
com uma mulher chamada Katherine, ele a ajudava nos negócios que fazia.
Ele tinha um cargo importante no FBI, e usava isso para arquivar casos e
sumir com provas que envolvia ele e a parceira dele. ― Olho para ela, que
tem uma expressão assustada.
― Não pode ser, Davon. Nosso pai, não. ― Nega com a cabeça.
― Tenho algumas provas, Sam. Vi tudo o que fez, foi difícil
acreditar.
― Significa que traía a mamãe?
Assinto.
― Não só ela, mas o melhor amigo dele, que no caso, é o pai da Liz.
Ele que me contou tudo, me mostrou as provas. Octavio é uma boa pessoa,
Amy o conhece e me disse a mesma coisa.
― Por culpa dele, estamos assim hoje ― fala, com uma expressão
congelada.
Me aproximo mais dela, com medo de que tenha alguma crise.
― Por culpa dele, mamãe morreu. Destruiu nossa liberdade, uma vida
normal ― diz, enquanto lágrimas descem em seu rosto. ― Ele é um monstro,
fratello.
Abraço-a, tentando confortá-la. Eu já sabia que de nós dois, ela seria a
que mais sentiria as coisas, porque tinha uma visão melhor do Christian.
― Temos um ao outro, Sam. ― Levanto seu rosto. ― Agora, mais do
que nunca, eu a protegerei. Não sei o que pode acontecer, mas não quero que
se machuque mais.
― E não quero que você também se machuque. Principalmente com
essa obsessão por vingança. Não quero perder a minha única família, fratello.
― Não vai ― passo meu braço por seu ombro e voltamos a caminhar
―, não tem mais sentido seguir com isso. Por causa dela, perdi o amor da
minha vida, perdi meus amigos. ― Olho para ela e beijo sua testa. ― Decidi
que vou mudar por você e Liz. Quero protegê-las.
― Mesmo não estando mais juntos?
― Mesmo não estando mais juntos ― confirmo.
Pensar nisso doí muito. É difícil não a ter por perto, principalmente
em meus braços. Ela era o meu lar.
― Se isso que está dizendo é sério, ela vai ver sua mudança. E talvez,
quem sabe, não dê mais uma chance para vocês?
E lá está a esperança renascendo cada vez mais forte.
Sorrio, assentindo.
― Agora vamos nos divertir? Pensei em assistirmos a algum filme, e
depois passarmos em algumas lojas. O que acha?
― Eu topo. ― Sorri, tentando se animar.
Dá para ver que depois da nossa conversa, toda a verdade assombrará
seus pensamentos, mas estarei por perto para que isso não aconteça.
Ter a imagem de um herói destruída acaba sendo difícil aceitar.
04
“No meu coração com as memórias do que fizemos
Escondi-as, mas elas ainda estão frescas
Não tem como eu esquecer.”
Never Not • LAUV
Liz
Durante a semana que se passou, poderia dizer que estava bem melhor.
Não imaginava que a vinda dos meus amigos me faria bem. Além de cada
palavras de consolo, respeitaram meu espaço.
Havia acabado de deixá-los no aeroporto. Pegaram o voo de volta
para o Canadá, de lá cada um irá para a casa da sua família.

Na hora da despedida, foi difícil me despedir dos três. Nina se


aproximou para me abraçar.
― Você vai ficar bem sozinha? ― sussurrou, enquanto estávamos
abraçadas.
― Acho que não, mas preciso aprender a ficar. ― Suspirei.
― Se quiser ficar comigo e meus pais, sabe que é bem-vinda. Iriam
amar tê-la conosco. ― Nina segurou minha mão.
― Eu sei. Se eu mudar de ideia, ligo pra você.
― Por favor, não deixe de atender as nossas ligações. ― Foi a vez
da Lex se aproximar, me abraçando. ― Se cuida, amiga.
― Pode deixar.
― Agora é minha vez. ― Sorri para o meu amigo. ― Pensei em
pedir para você voltar com a gente, mas eu sei que ainda não é o momento.
Assenti.
― Não vai demorar tanto assim para nos vermos novamente. ―
Tentei amenizar aquele clima ruim de despedida.
― Você que o diga. Terei que passar mais de três meses sem sua
companhia.
― Tem o Noah. ― Rimos.
― Nosso amigo às vezes sabe ser muito folgado, Liz. Quero você bem
logo e com a gente. ― Beijou minha testa, me abraçando em seguida.
O voo deles foi anunciado novamente, então se afastaram. Acenei de
volta, perdendo os três de vista.
*

Me veio à mente os dias que passei com eles, o esforço que tiveram
para me divertir, as conversas animadas. Mas uma conversa em especial que
tive com a Nina vem me fazendo refletir.

― Falou com o Evan desde que veio para cá?


Neguei com a cabeça.
Estávamos com colchões no chão do quarto, com a Alex dormindo ao
lado.
― Não estou preparada para ter nenhuma conversa com ele no
momento.
― Escutei o tio Octavio falando com ele pelo celular, achei que já
estariam se falando.
― Não. Todo esse tempo longe me fez pensar em muitas coisas, me
fez, de certa forma, entender o motivo de não ter me contado nada quando
descobriu, se preocupando o bastante para entrar em contato com meu pai.
― Suspirei. ― Mas ainda não estou preparada pra falar com ele.
― Entendo. ― Ficou em silêncio ― Oliver me manda mensagem
quase sempre perguntando sobre você. Está preocupado também.
― Pode até ser, mas não duvido que não use isso para informar ao
amigo dele sobre mim. No momento, de todos, Oliver é o único que não
quero ter contato.

Nina entende minha mágoa. As mentiras me machucaram demais.


Seguirei pensando se em algum momento ligarei para o Evan.

Aconteceram muitas coisas boas com eles aqui. Se dependesse dos


meus pais, não teriam ido embora. Eles tratavam meus amigos como amigos
deles também. Ethan e meus pais tiveram um momento só de homens quando
saíram juntos, que não quiseram contar para a gente. Acho que se meu pai
tivesse um filho homem com os mesmos gostos que ele, teria alguém para
levar em várias ocasiões.
Entro em casa, escutando o silêncio novamente. É estranho, depois da
agitação que estava esses dias.
Me deito na minha cama, pegando meu celular e indo
automaticamente para a galeria de fotos. Sinto meu peito apertar por ainda
ver essas fotos aqui.
Por que ainda as mantenho?
Meu sorriso é a primeira coisa que percebo ao abrir a primeira foto,
Davon me olhava enquanto eu tirava a foto. Sua intensidade poderia parecer
até verdadeira para quem não soubesse que por trás tinha toda uma armação.
Na seguinte, seu sorriso enquanto me olhava fazer caretas. Lembro-
me de quando tiramos as fotos. Tenho várias outras de momentos que achei
que eram especiais para nós dois.
Encontro um vídeo escondido entre as fotos. Havia passado
despercebido por mim. Dou play e, em seguida, vejo seu rosto. Eu estou
dormindo ao seu lado, enquanto grava nós dois, não é um vídeo de dez
segundos que faz meus olhos se encherem de lágrimas, mas as palavras
sussurradas.
“Eu te amo”
Volto o vídeo algumas vezes para ter certeza de que não tinha ouvido
demais.
Ver tudo isso me faz tão mal. Excluo todas as nossas fotos, até o
vídeo que acabei de assistir.
Jogo meu celular para o outro lado da cama e me deito de costas,
olhando para o teto enquanto limpo meu rosto.
Meu celular apita, então me viro e o pego, vendo o nome do Kyle na
tela.
“Nosso encontro ainda está de pé?”
Havia esquecido completamente, tínhamos combinado de sair. Mas
não estou tão bem assim hoje.
“Acho que teremos que remarcar. No momento, só quero ficar
quietinha. Desculpa.”
A resposta demora um pouco para chegar.
“Quer a minha companhia?”
Sorrio quando eu leio a mensagem. Não esperava essa resposta.
“Você é uma boa companhia. Você e a Netflix.”
Ele me responde de volta rindo e que chegará em meia hora.
Aproveito e mando o endereço.
Enquanto não chega, tomo um banho e procuro o que poderia fazer
para nós dois comermos. Meus pais provavelmente irão demorar para chegar,
o que significa que comerão algo antes de vir para a casa.
Depois de mais de meia hora, me ligam da portaria perguntando se
podem liberar a entrada do Kyle. Assim que desligo, abro a porta e o espero
chegar. Vejo seu carro estacionar na frente da casa e ele descer com sacolas
na mão, sorrindo quando se aproxima e as levanta.
Sua aparência demonstra que havia tomado banho há pouco tempo,
pelos cabelos molhados. Assim que para na minha frente, eu o abraço
enquanto ele beija meu rosto. Kyle me entrega as caixas de pizza e continua
com as bebidas na outra mão.
― Pizza e Netflix com a pessoa certa... isso faz o pior dia virar o
melhor. ― Ele sorri.
― Você é incrível, sabia? ― Estou agradecida pela sua companhia, e
além de tudo, saber quando eu preciso.
Ele continua me olhando, ainda sorrindo.
― Eu não sei o que seria de mim se você não estivesse aqui.
― Nossa, você está muito sentimental hoje. Desse jeito me emociono
e vamos ser dois bobos chorando.
― Tá bom. ― Rio. ― Nada de sentimentalismo. ― Coloco as caixas
de pizza na mesinha em frente ao sofá. ― Fique à vontade. ― Faço um gesto
para que se sente. ― Já que você se deslocou até aqui, eu o deixo escolher o
filme.
Escuto-o rindo, enquanto vou à cozinha pegar dois copos.
― Espero que não se oponha a minha escolha de filme.
― Não vou. ― Nos sirvo e abro as caixas de pizza.
― Seus pais não estão? ― pergunta, pegando o copo.
― Ah não, ainda não chegaram.
― Não vão se importar de me verem aqui? ― Sua expressão fica um
pouco insegura.
― Não. Meus pais são de boa. Se brincar já até sabem quem você é.
Se bem conheço meu pai, poderia imaginar que já teria procurado
tudo sobre o Kyle.
― Eles conhecem todos os meus amigos. ― Sorrio, fazendo aquela
expressão sumir. ― Então, vamos começar o filme?
Sento-me ao seu lado, puxando a caixa de pizza para mais perto.

Octavio
Já estou voltando para a casa. O dia na agência, como sempre, foi
bastante agitado, além disso, não parei de pensar na Liz. Agora que seus
amigos haviam ido embora, não sei como ficará. Ela não superou ainda o
Davon, o que me faz lembrar que preciso ligar para ele e saber como está.
Ainda quero conhecer a Samantha, saber como foi crescer depois de
tudo o que aconteceu. Quando ela nasceu, eu já tinha me distanciado do
Christian. Mesmo com tudo isso, os dois são importantes para mim, não por
causa do pai deles, mas sim da mãe, que era uma grande amiga.
― Estou preocupado com a Liz agora que os meninos foram embora
― Steve fala ao meu lado.
― Era exatamente isso que estava pensando. ― Suspiro. ― Não sei o
que fazer se ela voltar a ficar como chegou aqui.
― Acho que é só questão de tempo. Ela vai melhorar e isso não vai
passar de uma experiência na vida dela, Octavio.
― Assim espero.
― Recebeu mais alguma mensagem de ameaça? ― pergunta, aflito.
Depois daquela mensagem, tentamos rastrear o número, mas não deu
em nada. Não recebemos mais nenhuma, mas eu não baixo a guarda, é a vida
da minha filha no meio disso tudo.
― Não. Mas estou com um pé atrás com esse silêncio todo.
Entro no condomínio, cumprimentando o porteiro.
― Não vamos facilitar pra ela também, se é isso que está pensando ―
sua voz sai firme ―, vamos proteger nossa menina.
― Vamos. ― Aperto sua mão. Antes de estacionar, percebo um carro
parado na entrada. ― Tem alguém aqui.
Descemos apressados. Olho a placa do carro e me lembro de já tê-la
visto antes. Steve abre a porta de casa e para quando vê quem é. O rapaz se
levanta, olhando para nós dois. Encaro Liz, que dá um sorriso.
― Oi, pais. Esse é o meu amigo Kyle. Kyle, esse são Octavio e Steve,
meus pais.
Ele estende a mão, me cumprimentando primeiro, em seguida, Steve.
― É um prazer conhecer os dois.
Ele não parece surpreso em saber que os pais da Liz são dois homens.
― Espero que também seja um prazer te conhecer. ― Olho para ele
com desconfiança.
Uma coisa é investigar os amigos da minha filha, outra totalmente
diferente é conhecê-los pessoalmente.
― Pai... ― Liz me dá aquele olhar que conheço bem.
Ele me olha desconfortavelmente, tento até dar um sorriso, mas sai
mais como uma careta. Pensei que a encontraria deitada na cama, ouvindo
música deprimente, e não com uma boa aparência. E ainda por cima
acompanhada.
― Pensamos em pedir algo para o jantar ― Steve diz ―, mas acho
que não precisa. Não pra vocês.
Olhamos para a pizza em cima da mesinha.
― Sentem-se com a gente ― Kyle convida ―, acabei comprando
muitas pizzas. Não vamos conseguir comer tudo. ― Ele olha sorrindo para a
Liz.
― Vamos adorar, não é, querido? ― Sento-me enquanto olho para
Steve, que bufa, fazendo um gesto com a cabeça em negação. ― O que estão
assistindo?
― Velozes e Furiosos. ― Enquanto fala o nome do filme, olho para a
Liz, que me encara atenta.
― Gosto desse. ― Steve vem da cozinha trazendo dois copos. ―
Seus amigos embarcaram bem?
― Sim. Já sinto saudade dos três. ― Ela sorri.
― Me acostumei com eles aqui, estranho chegar e não ouvir a gritaria
de vocês. Uma pena ficar sem a companhia deles.
― Sim, mas tem o Kyle. Sei que vou me divertir com ele também.
― E muito. ― Estreito os olhos para ele, que dá um sorriso sem graça
quando se vira para mim.
― Espero que sim. Liz está precisando muito de pessoas boas no
momento. ― Quase peço para que o Steve não fale mais nada.
― Ela está em boas mãos. ― Observo o sorriso dela, e me sinto
relaxar um pouco. Ela confia nele.
O filme volta a passar, e, em quase todo momento, dou uma espiada
nele, que parece tranquilo, comentando sobre o filme vez ou outra. Acho que
deixarei a parte do interrogatório para depois.
Quando o filme acaba, uma hora depois, ele se levanta e se despede
de todos.
― Vou te acompanhar até lá fora ― Liz diz, pegando seu casaco.
― Kyle ― chamo-o antes de sair ―, espero nos vermos mais vezes.
Obrigado por se preocupar com a minha filha, sei que é por isso que está
aqui.
Ele fica surpreso, mas assente.
― Não precisa agradecer. Liz é uma ótima amiga, e merece o melhor
― diz, olhando para ela. Antes de sair, ele aperta a minha mão, agradecendo
a noite.
― Que cena ridícula ― Steve diz, assim que os dois saem.
― O quê? ― Me faço de desentendido.
― Não se faça de bobo. O rapaz não merece essa sua reação, foi todo
educado ― acusa, descontente.
― Nossa filha já está sofrendo por um rapaz. Não quero que isso se
repita ― me aproximo, beijando seu rosto ―, então tire a expressão fechada
do rosto.
Sorrindo, vou em direção ao quarto, porque em nenhum momento o
rapaz demonstrou ter medo. Dá para ver que gosta e respeita a Liz.
05
“Todos os dias
Nós rimos, choramos, continuamos sonhando.”
One Love (feat. R3HAB) • Now United

Samantha
Vou dormir de madrugada, pensando no que o Davon me disse e
fazendo de tudo para que nada que foi dito afete de alguma maneira o meu
tratamento, mas é impossível não pensar na grande traição com a nossa
família. Ele não pensou no futuro dos filhos. Não arruinou somente a vida
dos filhos, mas a nossa segurança.
No dia anterior, Davon fez de tudo para que eu esquecesse o assunto e
me divertisse. Hoje quero passar o dia sem pensar em coisas ruins. Então a
primeira coisa que faço assim que acordo é sorrir, já planejando o que farei
amanhã. Claro que o aniversariante faz questão de passar o dia em branco.
Bom, meus planos não são os mesmos que o dele.
Saio da cama e me apresso para me aprontar para enfrentar o dia.
Preciso falar com a Amy antes de ele descer para o café da manhã.
Tenho a sorte de não o encontrar no andar de baixo, então aproveito a
oportunidade.
― Amy ― beijo seu rosto ―, preciso da sua ajuda.
― Meu Deus, menina. Quer me matar? ― Coloca a mão no peito.
― Não, senão quem me ajudaria com a surpresa de amanhã? ―
Sorrio cinicamente.
― Que menina interesseira. ― Ela ri. ― O que precisa?
― Sabe que amanhã é o aniversário do Davon, né? ― Amy assente.
― Quero fazer uma surpresa pra ele. E é aí que você entra. Não posso
comprar o que preciso com ele no meu pé ― bufo ―, então vou precisar que
faça isso. ― Dou um sorriso sem graça.
― O que vocês não me pedem sorrindo que eu não faço chorando? ―
Suspira dramaticamente. ― Preciso da lista.
― Sem drama, Amy. Você ama a gente. ― Abraço-a.
― Sorte de vocês.
Rimos.
― Vou fazer a lista, daqui a pouco te entrego.
― O que tanto as duas conversam? ― Ele aparece na cozinha,
bocejando.
― Nada de mais. ― Ele beija nossos rostos, sentando-se em seguida.
― Parece que não dormiu bem ― constato ao ver sua cara de cansado.
― Faz um tempo que não tenho uma boa noite de sono ― comenta,
virando o rosto para que eu não veja sua expressão.
Não preciso perguntar o motivo. Ele tenta não demostrar muito o que
sente pela Liz, mas é impossível. Isso me faz pensar como será seu dia
amanhã.
Não sei o que responder, mas minha preocupação está evidente em
meu rosto.
― Não precisa se preocupar, as coisas logo voltam ao normal ―
declara com esperança, mas nenhuma convicção.
― Assim espero.
No mesmo instante, lembro-me de algo que pode fazer diferença para
ele no dia de amanhã. Só preciso de um jeito para fazer com que dê certo.
― Que sorriso é esse? ― pergunta ele, arqueando a sobrancelha.
Nem me dei conta que estou sorrindo.
― Não é nada. Só acordei bem hoje. ― Me levanto da cadeira, com a
caneca de café.
― Aonde vai? Não tomou café direito ― me chama.
― Ai, fratello, quer controlar até quando vou ao banheiro? Assim não
dá ― resmungo, deixando-o desconfortável.
Escuto a risada da Amy quando saio da cozinha.
Minhas expectativas para o dia de amanhã estão a todo vapor.
Davon
Assim que ela sai, posso escutar seus passos indo para o andar de
cima.
― Ela está muito afrontosa ― constato.
― E queria o quê? ― Amy sorri. ― Vocês dois têm isso em comum.
Meu celular toca em cima da mesa e eu olho o nome na tela,
estranhando.
― É o Octavio ― falo, olhando para a Amy.
― Atenda, querido.
Assinto e pego o aparelho, saindo para os fundos da casa. Não
consigo imaginar o motivo da ligação, mas me preocupo que possa ser algo
com a Liz.
― Alô?
― Davon, aqui é o Octavio.
― Sim. Hã, aconteceu alguma coisa? ― Vou direto para a pergunta.
― Não, estou ligando pra saber como está.
― Estou bem. ― Tenho certeza de que ele percebe que não é verdade
pelo meu tom de voz. ― Alguma notícia de Katherine?
― Nenhuma, mas continuamos investigando o paradeiro dela,
qualquer coisa eu o informarei.
― Não tem nada que eu possa fazer pra ajudar? ― É agoniante saber
que tudo que fiz não levou a nada, só atrapalhou.
― Sim, a única coisa que pode fazer é se manter em segurança, junto
com a Samantha. Tê-lo envolvido ainda mais nisso só complica.
Suspiro.
― Entendo. Não quero que qualquer erro meu prejudique a Sam e
nem a Liz. ― Ele fica em silêncio. ― Aliás... ela está bem? ― pergunto, por
fim.
― Olha, Davon, não acho que isso seja da sua conta. ― O tom da sua
voz muda. ― O que importa é que a Liz está onde tem que estar.
― Eu sei, mas... preciso saber se ela está bem. Sou o responsável pelo
que ela está passando agora.
Octavio fica em silêncio por alguns segundos, mas sua resposta vem
logo em seguida.
― Na medida do possível.
Passo a mão pelos cabelos.
― Sei que não tenho direito de pedir nada, mas se algo acontecer, me
ligue.
― Não tem mesmo esse direito. ― Sua voz grossa sai séria e indica
que não aceitará o meu pedido. ― Liguei para saber como está, e se precisar
de alguma coisa, me ligue.
― Tudo bem. Obrigado, Octavio.
― Não agradeça, filho. Se cuide. ― Sua voz fica branda ao dizer.
Mesmo depois da ligação encerrada, continuo sentado do lado de fora
da casa. Olho para a janela do quarto da Sam e a encontro com os olhos em
mim. Ela me dá um sorriso triste e sai da janela. Alguns minutos depois ela
aparece e se senta ao meu lado.
― O que iremos fazer hoje?
― Nada ― respondo, sem ânimo.
― Quem era na ligação? ― Dá para sentir sua curiosidade de longe.
Sorrio, balançando a cabeça.
― Octavio. Queria saber como estávamos.
― Ah! Mesmo sem ter tido contato com a gente antes, dá pra ver que
se preocupa conosco. Tenho vontade de conhecê-lo um dia, saber se ele é
como imagino. Acho que a Liz tem sorte de tê-lo como pai, ele parecer ser
muito protetor.
― Sim, ele é ― confirmo.
― Mesmo não sabendo como ela está no momento, tenho certeza de
que está bem só por tê-lo como pai. ― Faz uma pausa. ― Nunca saberei o
que é ter a proteção e amor de um pai, já que o nosso nem isso nos dava.
― Mas tem do seu irmão. ― Abraço-a de lado.
Sam assente e se aconchega melhor ao meu lado.

― Preciso de algumas coisas para a minha aula de violino. ― Escuto


a voz alterada da minha irmã ao entrar no quarto.
― O quê? ― Levanto a cabeça, desnorteado. ― Tá de brincadeira?
Por que não esperou que eu acordasse primeiro?
― Pra você não esquecer. ― Dá de ombros. ― Ah, e antes que eu me
esqueça, feliz aniversário. ― Beija meu rosto. ― Agora se levante, preciso
das coisas pra hoje.
― É isso que eu ganho no dia do meu aniversário?
― Sim, você não vai fazer nada de importante hoje mesmo, então...
― Segue para a porta.
― Você nem sabe dos meus planos para o meu dia.
― Me diga um de seus planos pra hoje ― pede.
― Dormir mais, sem ter a irmã enchendo o saco. ― Sorrio,
recebendo seu olhar irritado em troca.
― Nem é tão cedo assim.
Cubro a cabeça com o travesseiro, não querendo escutar sua voz.
Quando acho que ela saiu do quarto, pelo silêncio, tiro o travesseiro e me
assusto ao encontrar Sam bem perto de mim.
― Você não desiste?
― Não. Mais uma coisa que temos em comum. ― Seu sorriso cínico
aparece. ― Acho que não vou precisar das coisas para agora de manhã, mas
pra tarde, sim.
― Então à tarde eu saio pra comprar.
Sorri enquanto sai do meu quarto, batendo a porta em seguida.
― De nada, Samantha ― grito para ela ouvir.
Vinte e quatro anos.
Em todos os meus aniversários, penso o que devo fazer de diferente,
nas conquistas que queria e na tão esperada vingança. Mas dessa vez será
diferente, esse ano não tenho mais vingança para pensar. Meu único objetivo
é terminar a universidade e ser alguém diferente.
Pego meu celular, com esperança de ter alguma mensagem dela.
Nada. Tem somente uma mensagem do Oliver me parabenizando. Agradeço
e me levanto da cama.
― Feliz aniversário, querido. ― Amy me abraça apertado. ― Que
tenha muito juízo.
― Tá precisando mesmo ― Sam sussurra, dando risada.
― Obrigado, Amy ― dou ênfase no nome dela, fazendo Samantha
revirar os olhos ―, por tudo. ― Beijo seu rosto.
― Fiz seu café preferido.
― Parece delicioso ― digo ao ver na mesa tudo do que gosto.
*

Samantha passa a parte da manhã me enchendo, até que decido sair


para comprar as coisas que precisa para a sua aula. Olho para a lista que ela
me entregou.
― O que você quer com...
― É pra aula também ― me corta, impaciente, antes que eu termine a
pergunta.
― Que estranho. Tudo bem. Por que não vem comigo? ― questiono,
já na porta.
― Tenho algumas coisas no meu quarto pra organizar.
Tenho que ir de Uber, já que a Amy saiu com o carro. Sigo para as
lojas para comprar as coisas que a Sam precisa. Falta a última coisa da lista,
então tenho que rodar a cidade toda atrás dela, quando já estou quase
desistindo acabo encontrando.
Meu humor mudou totalmente com todas essas voltas que dei. Chego
a minha casa irritado.
― Samantha, na próxima vez que me fizer rodar a cidade toda atrás
dessa...
― Surpresaaaa. ― Ouço e me viro para trás, encontrando os três ali
parados, cantando parabéns.
Dou um sorriso enorme. Não esperava encontrar meu amigo ao lado
da Sam e Amy. Samantha pula em mim depois de terminar de cantar, está
toda feliz.
― Feliz aniversário, fratello ― felicita, em meus braços.
― Imagino que isso tudo seja ideia sua. ― Ela assente, rindo. ―
Obrigado, pequena.
Abraço a Amy e depois o Oliver.
― Ela está planejando isso desde ontem ― ele diz.
― Não é à toa que estava bem eufórica ― constato, lembrando-me de
como ela me rondou. ― Não acredito que você está aqui.
― Você achou que eu faltaria ao aniversário do meu irmão?
― Já não bastava ter um irmão mais velho, agora tenho dois. ― Sam
finge choramingar. ― Que injusto. Mais um pra pegar no meu pé.
Todos riem do seu drama, inclusive ela.
― Sou o irmão liberal, Sam. ― Puxa-a para um abraço.
― Nem vem, não a deixe mal-acostumada. ― Sou incisivo.
Os dois se olham e começam a rir.
― Dá pra apagar as velas? ― pede.
Vou até a mesa que colocaram ali, onde há um bolo e alguns
docinhos. Assopro as velas e me sinto grato por ter essa família, mesmo que
no momento esteja faltando a Bess.
― Estou muito feliz por estar aqui ― falo com meu amigo, que me
abraça mais uma vez.
Depois da comemoração, de comermos o bolo e ouvir o planejamento
da Sam para o meu aniversário, Oliver e eu ficamos na sala para conversamos
melhor.
― Vai ficar muito tempo? ― pergunto a ele, enquanto jogamos.
― Pensando em passar o resto da semana com vocês.
― Ótimo. Tem notícias do Evan? ― pergunto, ainda prestando
atenção no jogo.
― Não. Tentei ligar pra ele algumas vezes, mas não me atendeu, nem
mesmo a Liz. ― Olha de soslaio para mim. ― Mas converso com a Nina,
sempre tentando saber dos dois.
― Nem isso eu consigo. ― Rio sem humor. ― Não tenho notícias
nenhuma deles.
― Espere o momento certo para falar com os dois. Eles querem
espaço.
Assinto, concordando totalmente com ele.
― Obrigado por ter permanecido ao meu lado e não ter me dado as
costas. ― Sou sincero, pausando o jogo.
― Não precisa agradecer, somos amigos. Além disso, você é meu
irmão, minha família. Estamos juntos.
― Sim, estamos.
― Vamos voltar ao jogo, quero ver se ganha de mim dessa vez.
06
“Não volte a me procurar
Que não vou estar aqui
Não volto a me apaixonar
Por você, por você, por você.”
22 • TINI (part. Greeicy)

Liz
Acordo sorrindo. Mesmo tendo ido dormir tarde na noite passada, estou
disposta. Cada dia que passa fica melhor, meu coração partido está se
curando. Nesse tempo que passou, muitas mudanças aconteceram em mim.
Depois que meus amigos foram embora, fiz vários programas legais
com meus pais e Kyle. Mas não muitos com Kyle, porque, por conta do
trabalho, ele acaba não tendo tempo. Um dia desses acabei me lembrando do
aniversário do Davon e fiquei um pouco deprimida, mas tentei esquecer, não
quero que nada que o envolva me afete de maneira alguma.
Levanto-me da cama, ligo o som e aumento o volume. Minha paixão
por música latina só aumenta.
― Ya son más de las doce[2] ― canto junto com a voz da TINI.
Vou ao banheiro dando passos no ritmo da música, me olho no
espelho enquanto canto e prendo o cabelo em um coque. Escovo os dentes
murmurando a música. A música é bem a minha cara, acho que é por esse
motivo que estou tão viciada nela. Abro meu guarda-roupa e procuro algo
confortável para o dia de hoje. Desço a escada cantando e encontro Steve no
caminho, beijo seu rosto e continuo caminhando para a cozinha. Percebo que
ele parou de andar e está me observando, contente.
― No me vuelvo a enamorar ay, no, no, no, no, no.[3]
Entro na cozinha e vejo meu pai no celular com alguém, assim que
me nota, me encara com uma expressão impassível.
― Seu pai me ligou me comunicando. ― Sorri enquanto fala com
alguém do outro lado da linha.
― Com quem está falando? ― pergunto, baixo.
― Com o Evan.
― Deixe-me falar com ele ― peço.
Depois de um mês e meio, será a primeira vez que falarei com ele, já
é o momento certo.
Meu pai passa o celular, ainda incerto, então aproximo o aparelho do
ouvido.
― Evan ― cumprimento-o.
― Lizzie, é você?
― Claro ― rio ―, como você está? ― Vou em direção ao armário
com o olhar do meu pai sobre mim.
― Neste exato momento... surpreso. ― Dá uma risada nervosa. ―
Você está bem? ― Sua voz parece cautelosa.
― Estou. ― Acho que é a primeira vez que respondo a essa pergunta
para um dos meus amigos com uma certeza absurda. ― Não quer vir passar
uns dias aqui com a gente?
Pela pausa que ele faz, sei que ficou surpreso com o convite. E não só
ele. Quando olho para o meu pai, percebo que está chocado também.
― Claro. Posso ver se tem passagem para hoje à noite.
― Ótimo, te espero, então. ― Passo o celular para o meu pai, que
volta a conversar com ele mais animado.
Sento-me na cadeira para tomar meu café.
― Tudo bem, tenha uma boa viagem ― se despede e se aproxima,
beijando minha cabeça antes de se sentar ao meu lado e sorrir. ― Estou feliz
por você ter resolvido conversar com o Evan. Seria triste ver a amizade de
vocês acabar assim.
― Durante esse mês, eu pensei bastante e vi que ele só queria o meu
bem, e entendo a decisão que tomou ― falo com sinceridade.
Ele sorri e pigarreia em seguida.
― Não vi você chegando ontem à noite ― diz como se não quisesse
nada.
― Acabei chegando tarde. Fui dar uma volta com Kyle, logo ele viaja
para o Canadá para ver alguns apartamentos. ― Mordo a torrada.
― Vocês passam muito tempo juntos, né?
― Sim, ele tem sido um porto seguro pra mim aqui, não sei o que
seria de mim se não o tivesse por perto. Na verdade, não sei o que seria de
mim sem vocês.
Ele me observa por um tempo.
― Eu vejo que ele te faz bem. Que você está bem, até acordou
cantando hoje. Não via a hora de te ver assim novamente.
― Estou realmente muito bem ― confirmo.
― Acho que agora posso dizer que foi um prazer conhecê-lo. ―
Rimos.
― Ah, pai. ― Abraço-o, beijando seu rosto.

Ethan
Olho para meu relógio mais uma vez enquanto entro no aeroporto.
Tudo indica que o avião do Kyle já havia pousado. Acabei me atrasando, mas
consegui chegar a tempo.
Enquanto o espero no desembarque, mando mensagem para ele
avisando que já o aguardo. Eu o convidei para ficar no meu apartamento
durante esses três dias que permanecerá por aqui. Irei com ele procurar
alguns apartamentos.
Avisto-o se aproximando com uma mala de mão.
― E aí? ― cumprimenta, me estendendo a mão para apertar.
― Como foi a viagem?
― Tranquila. Vamos almoçar primeiro e vemos os apartamentos
depois? ― pergunta, enquanto seguimos para fora do aeroporto.
― Por mim, tudo bem.
Preferimos almoçar em um restaurante próximo ao aeroporto, assim
não perderemos tempo procurando outro, já que o Kyle tem horário marcado
com a corretora.
― Uma pena a Liz não ter vindo ― digo, depois de fazermos os
pedidos. ― Seria legal com ela aqui.
― Sim. Convidei-a para vir comigo, mas entendo que não está
preparada.
― Ela te contou tudo o que aconteceu?
― Não, mas estou respeitando o espaço dela. Não quero que seja
obrigada a me contar. Sei que no momento certo ela falará.
Não sou bobo, já percebi que tem um sentimento ali por ela.
― Sim. Você está sendo um ótimo amigo para ela no momento, é
tudo o que ela precisa, de alguém por perto. Confesso que no começo fiquei
com um pé atrás sobre você, mas vi que é um cara legal.
Rimos.
― Que bom que agora vê isso. Longe de mim machucar a Liz. Não
sou o babaca do ex-namorado dela ― constata.
― Não mesmo.
― Decidi ficar mais tempo na Califórnia pra ficar com a Liz, não
quero deixá-la sozinha.
― Às vezes acho que você gosta da Liz mais do que como amiga. ―
Sorrio ao ver o seu desconforto sem saber o que me responder. ― Tranquilo,
cara. Nosso segredo. Espero que seja por enquanto. ― Rio, fazendo-o
concordar.
Almoçamos e conversamos sobre o planejamento do dia, que será
bem longo. Saímos do restaurante e vamos direto para o primeiro
apartamento que iremos ver. Não me passa despercebido que é próximo ao
prédio das meninas. Pelo jeito, será mais um motivo para ter a Liz perto dele.
Seguro a risada, disfarçando quando Kyle olha para mim.
Encontramos a corretora nos esperando na portaria.
― Senhor Soyer, prazer. Sou Alyssa Hall, a corretora de imóveis. ―
Estende a mão, cumprimentando-o e fazendo o mesmo comigo em seguida.
― Somente Kyle. Meu amigo Ethan. ― Aponta para mim.
Ela nos mostra os imóveis com a descrição que Kyle havia pedido. E
assim passamos a tarde, conhecendo vários apartamentos.
― Amanhã vamos ver alguns do outro lado da cidade, vai gostar
também ― afirma, simpática.
― Tenho certeza. ― Dá para ver que está cansado. ― Boa noite,
Alyssa.
― Boa noite.
Nos dirigimos para o carro e suspiro alto assim que entramos.
― Não sabia que era tão divertido conhecer imóveis. ― Sou
sarcástico, fazendo-o rir.
― Não consigo ver mais nada hoje ― conclui ―, mas não é preciso
vir comigo amanhã, posso fazer isso sozinho.
― Que nada, fora que a Liz me intimou a te fazer companhia. ―
Sorrio.
Seguimos para o meu apartamento em um silêncio bem-vindo.
Estamos cansados. Kyle pega sua mala quando chegamos, então subimos
para o meu andar, assim que entramos, encontramos o Noah sentado no sofá.
― E aí? ― Olha para mim, em seguida, para o Kyle.
― Esse é o Kyle, amigo da Liz da Califórnia.
― Noah, também amigo da Liz. ― Levanta-se para cumprimentar.
Ambiente cheio de testosterona.
― Então seremos amigos também. ― Kyle ignora o tom de voz do
Noah, levando numa boa.
Se realmente quer estar próximo da Liz, Kyle tem que saber que os
amigos dela são bem protetores.
― Vamos sair para comer alguma coisa? ― pergunto.
Ambos concordam.
― Deixe-me te mostrar o quarto antes. ― Seguimos para o quarto de
visita. ― Fique à vontade, vou tomar um banho antes de irmos.
Saio do quarto e fecho a porta para dar privacidade a ele. De repente,
meu celular anuncia a chegada de uma nova mensagem. Liz.
“Espero que vocês dois estejam bem”
“Conseguimos sobreviver o dia de hoje” mando, junto com emojis
rindo.

Kyle
Poderia dizer que em nenhum momento passei o dia pensando nela,
mas seria uma mentira. A cada lugar que íamos, eu pensava qual seria o
comentário dela. Até me peguei sorrindo várias vezes. A companhia da Liz é
indispensável.
Com ela sempre tenho que me conter, não quero sufocá-la com várias
mensagens no dia ou ligações. Desde a primeira vez que a vi, senti algo.
Querer a presença dela é como vício.
Escutei-a, dei conselhos sobre seus sentimentos por outro cara,
mesmo que no fundo soubesse que ele não merecia. E nossa amizade só
cresce, é impossível não começar a sentir algo por ela, não querer seu bem e
vê-la feliz.
Por ela decidi adiar a minha mudança para o Canadá por mais
algumas semanas, para termos mais tempo juntos. Nossa noite ontem foi
divertida, vi o quanto ela havia melhorado desde que foi para lá. Está mais
descontraída, fazendo seus comentários engraçados, me levando a observá-la
muito mais.
Saio do quarto e encontro o Ethan e Noah me esperando. Dá para
perceber que eles são bem protetores em questão a Liz, e gosto disso, mostra
que nunca estará sozinha.
― Podemos ir. ― Ethan se levanta do sofá, dizendo.
No carro, me sento no banco de trás, mas percebo os olhares do Noah
para mim.
― Posso saber como é que conheceu a Liz? ― pergunta diretamente.
Ethan olha de soslaio para o amigo.
― Vim passar alguns dias na cidade, e nos conhecemos em um pub
daqui.
― Hum.
Encontro o olhar do Ethan no retrovisor e sorrio, fazendo-o me
acompanhar.
― Acho normal você querer saber por ser amigo da Liz, mas, só pra
lembrar, eu também sou. Acho que se ela aprovou a minha amizade, não
precisa se preocupar com isso.
― Eu não penso assim ― retruca ―, mas fui com a sua cara. ― Dá
de ombros.
Rimos, vendo que a tensão entre a gente sumiu. Assim que entramos
no King, percebo que está bem movimentado, então procuro uma mesa vazia.
― Olha as meninas ali. ― Ethan aponta para o outro lado.
Reconheço a Nina e Alex. Tem mais uma com elas, então me lembro
vagamente de tê-la visto quando conheci a Liz. Nos aproximamos, e logo as
três se levantam para nos cumprimentar.
― Não sabia que vinha pra cá ― Nina diz, olhando para mim. ―
Kyle, essa é nossa amiga Anastácia, acho que se lembra dela. Stacia, esse é o
Kyle, amigo da Liz.
― Já era hora de conhecer o boy da minha amiga ― afirma e as três
riem.
Não sei se rio ou fico desconfortável com o comentário.
Nos juntamos a elas, e em nenhum momento me deixam de lado na
conversa. Falo sobre a minha vinda em breve para cá, sobre a administração
da empresa. Acabo conhecendo um pouco mais de cada um.
Na saída, ao nos despedirmos das meninas, Nina nos convida para
fazermos algo antes da minha volta para Los Angeles. Antes de chegarmos ao
carro, Ethan acaba esbarrando em um cara, que logo vejo que é conhecido
deles, mas tem um clima estranho.
― Oi ― o cara cumprimenta o Ethan, depois olha para o Noah, que
não demonstra nenhuma reação, e por último para mim.
― Oi. Não sabia que estava na cidade ― Ethan responde.
― Vim passar o fim de semana, para ver como as coisas estão na
fraternidade.
Um silêncio constrangedor aparece, mas logo é cortado com a
despedida do cara.
― Vou indo, boa noite.
― Tchau.
Decido comentar algo sobre o climão quando voltamos a caminhar.
― É impressão minha ou tinha um clima estranho entre vocês?
― Não é impressão. ― Suspira. ― Aquele é o Oliver, amigo do
Davon. ― Olha de soslaio para mim.
Não digo nada, mas dá para ver o motivo da tensão de todos. Na
volta, Ethan deixa o Noah em casa e seguimos para o apartamento.
― Estou cansado ― resmunga, assim que entramos.
― Eu também. Já vou me deitar. ― Me viro para ele. ― Obrigado
pelo convite pra ficar aqui, e pela ajuda também.
― Não por isso. ― Assente, sorrindo, batendo em minhas costas
antes de ir para o quarto. ― Boa noite.
― Boa noite. ― Tiro a camisa e a calça jeans, vestindo uma calça de
moletom assim que saio do banheiro. Me deito na cama, e depois de apagar a
luz, pego meu celular para mandar uma mensagem para a Liz.
“Boa noite, linda. Espero que o seu dia tenha sido mais divertido que
o meu.”
Sua resposta chega segundos depois, me fazendo sorrir.
“Não tanto, mas foi criativo. O seu não foi tão bom assim, né?”
“Foi, mas estou bem cansado. Precisava encerrar meu dia falando
com você.”
“É?”
“Sim. Porque o dia não é bom quando não falo com você.”
Mando, achando que não irá me responder. Fico surpreso quando a
mensagem chega depois de alguns minutos.
“Não é só com você.”
Fico feliz por saber disso. São respostas assim que me dão esperança
de que talvez, no futuro, possamos ter alguma coisa.
“Tenha uma boa noite de sono, linda. Se cuida.”
“Você também. Até amanhã.”
E o que eu disse na mensagem é verdade. Mesmo com o dia
cansativo, falar com ela faz qualquer coisa ruim se tornar boa.
07
“Riqueza é colecionar bons momentos
Tá perto de tudo que afasta a tristeza
Só vou me preocupar em não me preocupar.”
Relax • Melim (part. Rael)

Liz
Estou terminando de me arrumar quando meu pai bate à porta,
perguntando se pode entrar. Assinto, sorrindo.
― Já está indo buscar o Evan? ― pergunta, se sentando na minha
cama.
― Sim. Vai para a agência?
Assente. Observo a sua expressão que conheço muito bem.
― Pode perguntar, pai. ― Sorrio.
― Você sabe alguma coisa da família do Kyle?
― Sim. Sei que eles moram em Porto Rico. Kyle nasceu lá, e depois
veio para cá. Esses dias conheci a família dele por chamada de vídeo. São
ótimas pessoas. ― Volto a olhar para ele. ― Eles já me convidaram para ir
lá.
Ele parece não ter gostado dessa última parte, mas não comenta nada.
― Você sabe em que o pai dele trabalha? ― Continua com as
perguntas.
Me sento ao seu lado na cama.
― Sim, ele me contou. O pai dele é policial. Nunca que eu ia
imaginar.
― Você não achou que era importante eu saber disso? ― Levanta a
sobrancelha.
― Não. ― Dou uma risada. ― E não é como se você não soubesse,
pai. Investigou tudo sobre ele, que eu sei.
― Claro. Esse é meu dever.
― Então sabe que estou em segurança com ele? ― pergunto,
sorrindo.
― Sei ― resmunga. ― E você, contou para ele que eu sou do FBI?
― Ainda não, mas vou contar. ― Me levanto, beijando seu rosto. ―
Preciso ir, senão o Evan vai ficar me esperando, avisei que iria buscá-lo.
― Nos vemos à noite. Vão ficar bem? ― pergunta enquanto
descemos a escada.
― Vamos. Nos vemos a noite. ― Dou um beijo em seu rosto e me
afasto.
Fico com o carro dele, enquanto meu pai vai com o Steve para a
agência. Consigo chegar ao aeroporto alguns minutos antes de Evan
desembarcar.
É estranho estar ansiosa para vê-lo, ao mesmo tempo estou nervosa
por ser a primeira vez que nos veremos depois de toda a verdade. Vejo-o ao
longe, com uma bolsa de mão, me procurando no meio das pessoas. Assim
que me vê, dá um sorriso tímido e caminha em minha direção.
Para próximo a mim, parecendo não saber como reagir. Sorrio, me
jogando em seus braços. Segundo depois de pura surpresa, ele me abraça de
volta e ficamos assim por um tempo.
― Oi, Lizzie, como senti sua falta. ― Beija meu rosto.
― Eu também. ― Suspiro. ― Como você está? ― pergunto quando
nos afastamos.
― Seria clichê se eu dissesse que melhor agora? ― Rimos. ― Mas é
a verdade. Me sinto melhor agora, vendo que está bem.
― Agora estou. Confesso que não passei por momentos bons no
último mês ― sorrio ―, mas tenho melhorado a cada dia.
― Fico feliz por saber disso. Olha, a minha intenção nunca foi...
― Eu sei, Evan, eu sei. Não precisa se explicar. ― Dá para ver um
pouco de culpa na sua expressão. ― Eu entendi. E naquela época eu
precisava de um tempo para pensar. Agora que está aqui, vamos aproveitar e
não ficar pensando no que aconteceu. Tudo bem?
― Por mim está ótimo. ― Me abraça mais uma vez. ― O que
planejou para nós dois hoje?
― O que fazíamos nos velhos tempos. Vamos passar o dia todo na
rua, só pra começar.
Ele ri e me abraça de lado enquanto saímos do aeroporto. Vamos
conversando sobre o que faremos primeiro, e acabamos decidindo ir à
Universal Studio, como sempre fazíamos.
Depois de pagarmos a entrada, vamos ao Starbucks antes de
seguirmos para a primeira atração. Evan me puxa para irmos primeiro ao The
Walking Dead, a sensação sempre é assustadora. Vamos em vários outros e
não pode faltar Harry Potter. É como entrar pela primeira vez, mesmo não
sendo.
Entramos nas lojas, e não consigo sair de lá sem os feijõezinhos. Dou
uma gargalhada quando vejo a expressão do Evan.
― Lembra de quando a gente vinha aqui quando criança? ―
pergunto, batendo meu ombro no dele.
― Impossível esquecer, Lizzie. ― Ele ri. ― Se parar pra pensar,
passávamos mais tempo aqui do que em qualquer outro lugar.
Rio, concordando.
Passamos o dia todo nos divertindo e tirando várias fotos. Saímos de
lá no final da tarde e vamos andar um pouco na praia. Seguimos para o píer e
ficamos vendo o sol se pôr em um silêncio confortável.
― Quando você vai voltar para o Canadá? Ou não vai voltar? ―
Continua olhando para a paisagem na frente.
― Até parece que não me conhece. Eu jamais deixaria tudo pra trás
por causa de um cara. ― Faço uma longa pausa. ― Sempre foi meu sonho
estudar lá, e eu vou voltar, sim, mas não agora, só no final das férias.
Ele assente e não pergunta mais nada.
― Como está a sua relação com os meninos?
― Desde que tudo aconteceu não falei com nenhum dos dois. Oliver
tenta se aproximar, mas não dou brecha. Estou pensando em sair da
fraternidade e morar sozinho, não vejo mais clima em morar lá. Talvez eu
volte algumas semanas antes pra ver isso.
― Acho que você deve pensar direito. Querendo ou não, vocês eram
melhores amigos.
― Eu me senti traído. Éramos os três melhores amigos, contávamos
tudo um para o outro. Me senti traído de tal forma, que não consigo mais
imaginar morando no mesmo teto que eles ― conclui.
― Pensa direito. Vou te apoiar independentemente da sua decisão.
Concorda, passando o braço pelos meus ombros, me abraçando.
― Eu também já pensei em sair do apartamento das meninas para ir
morar sozinha. ― Rio. ― Mas desisti, ainda não é o momento.
― Então podemos morar juntos ― sugere, me fazendo rir com ele.
― Daria supercerto ― debocho, sentindo-o beliscar minha barriga.
Ficamos andando por mais algum tempo, e vamos jantar em um
restaurante que costumávamos frequentar. Já cansados pelo dia, voltamos
para o condomínio. O clima está leve, descontraído, diferente de quando nos
vimos mais cedo.
― Meus pais já chegaram ― digo quando vejo o carro do Steve
estacionado.
Assim que ele pega a bolsa no banco de trás, entramos em casa.
Encontro Steve no sofá, que se levanta logo que nos vê.
― Oi, tio Steve ― cumprimenta-o, abraçando.
― Como está? ― pergunta para o meu amigo, enquanto me beija no
rosto. ― Oi, querida.
Meu pai aparece na sala e sorri assim que nos vê.
― Ei, rapaz. ― Os dois se cumprimentam. ― Era de se esperar que
os dois juntos sumiriam por aí. Se divertiram, pelo menos? ― Ele beija meu
rosto.
― Muito ― falamos juntos. ― Vou subir para um banho.
Evan acaba ficando com meus pais na sala. Assim que entro no
quarto, tiro o celular da bolsa para ver se há alguma mensagem do Kyle.
Sorrio quando abro sua mensagem e conto como havia sido o meu dia.
Deixo o celular na cama sem esperar sua resposta e vou ao banheiro.
Imagino como está sendo esses dias no Canadá, se está se divertindo, ou
sentindo falta do clima da Califórnia.
Depois de vestir meu pijama, penteio meu cabelo e me sento na cama
para ler a mensagem dele. Quando estou respondendo, Evan entra no quarto
de banho tomado, com uma vasilha de pipoca.
― Sessão pipoca? ― pergunta, se jogando na cama e derrubando
algumas pipocas.
― Claro ― pego um bocado, enfiando na boca ―, escolhe o filme.
Volto para a mensagem, sorrindo enquanto eu digito e a envio em
seguida. Assim que bloqueio o celular, percebo que Evan me olha intrigado,
então sorrio para ele.
― O que foi?
― Nada. ― Ele pega o controle e me dá algumas olhadas enquanto
vemos o filme.
Acabamos pegando no sono em algum momento e Evan dorme
comigo no quarto.
Assim que acordo na manhã seguinte, deixo-o dormindo e desço para
tomar café com meus pais. Tentamos sempre manter esse momento entre nós
três, mesmo sendo impossível às vezes.
― Evan ainda está dormindo? ― meu pai pergunta quando entro na
cozinha e beijo o rosto dos dois.
― Sim.
Eles não ligam em ter o Evan dormindo comigo, é algo normal há
muito tempo, desde bem antes do nosso namoro.
― Vou buscar o Kyle no aeroporto à noite ― informo, já mordendo
uma torrada.
― Pensei que ele passaria mais tempo lá ― Steve comenta. ―
Podemos marcar um jantar, assim o Evan o conhece também.
― Posso ver com ele. Com certeza vai aceitar.
― Quem vai aceitar o quê? ― Evan entra no ambiente, beija meu
rosto e cumprimenta meus pais logo depois.
― O amigo da Liz. Kyle ― meu pai responde sua pergunta.
― Ah. ― Olha para mim. É o único que não conhece o Kyle ainda.
― Kyle?
― Sim, meu amigo que mora aqui. Ele está em Kingston vendo
alguns apartamentos com o Ethan. Você o conhecerá logo, hoje mesmo ele
volta.
Ignoro sua atenção em mim e a curiosidade de eu não ter contado
sobre ele ainda.
― Ele vai morar no Canadá?
Assinto.
― Ele vai administrar uma empresa filial daqui. Deve estar indo em
breve. ― Não deixo que a tristeza em minha voz fique visível.
― Parece ser legal.
Olho para os meus pais, que tentam esconder o sorriso. Eles
conseguem ler nas entrelinhas o ciúme bobo de amigo.
Meus pais saem para a agência logo depois do café. Nós dois saímos
logo em seguida, hoje é a vez do Evan escolher os lugares para irmos.

Nosso dia não foi nada diferente de ontem. Acabamos de chegar e


estamos esparramados no sofá. Fomos a vários lugares, e meus pés estão
doendo de tanto que andamos.
― Me lembre que na próxima vez, deixar que me carregue quando
formos sair ― resmungo, fazendo-o rir.
― Não está tão cansada assim, Lizzie. ― Jogo uma almofada nele. ―
Seu cansaço vai atrapalhar a nossa ida ao pub hoje?
― Não. Mas hoje não vou poder, tenho compromisso.
Semicerra os olhos para mim.
― Deixe-me adivinhar. Kyle, não é mesmo? ― questiona.
― Sim, irei buscá-lo no aeroporto. Vamos ter que deixar para outra
noite. ― Me levanto para me sentar ao seu lado. ― Pode perguntar o que
quiser.
Ele me puxa para mais perto e ficamos abraçados.
― Não tinha me falado sobre ele.
― Não tive a oportunidade. Nos conhecemos quando ele foi para o
Canadá, desde então nos tornamos amigos. Se eu estou bem hoje, é graças a
ele também.
Evan fica calado, enquanto acaricia a minha cabeça.
― Ele é uma pessoa muito boa, acho que serão ótimos amigos.
― Quero conhecê-lo ― pede.
― Você vai. ― Me levanto. ― Preciso me arrumar, não quero me
atrasar. Não cheguei a te agradecer. ― Continuo olhando para ele. ―
Obrigada por ter vindo e ter tornado esses dias tão especiais.
Levanta-se também e me abraça.
― Não precisa disso. Eu sempre estarei por perto quando precisar de
mim. ― Beija meus cabelos. ― Agora vai.
Consigo me arrumar e sair de casa no horário previsto. Quando desci,
Evan estava arrumando algo para o jantar, o que me fez fazer algumas piadas,
então acabei sendo expulsa da cozinha.
Fico o caminho todo ansiosa com a chegada dele. Cheguei uns bons
minutos adiantada. Fico olhando a hora, e quando o avião dele pousa, é difícil
não ficar procurando seu rosto entre outras pessoas.
Avisto-o caminhando tranquilamente com sua bagagem, e quando me
vê parada mais a frente, sua expressão é de surpresa.
― Oi, linda. ― Ele larga a mochila no chão e me abraça em seguida.
― Estou tão feliz por você ter voltado ― digo, sorrindo.
― Eu também. ― Me solta. ― Falei pra você que não precisava vir.
― Eu sei, além de dar uma carona pra você, queria te ver. Nunca vim
tanto ao aeroporto como esses dias.
Ele ri e prende uma mecha do meu cabelo.
― Eu também queria te ver. ― Ele segura a minha mão, beijando-a
em seguida.
― Vou aproveitar a sua carona e te convidar para comermos algo
antes da senhorita me deixar em casa.
― Sim.
Escolhemos um lugar descontraído. Enquanto esperamos o nosso
pedido ficar pronto, faço o convite do jantar.
― Meus pais te convidaram para jantar lá em casa. Acho uma ocasião
legal para conhecer meu amigo Evan.
― Eu topo. É só marcarem o dia. ― Ele ri. ― Todos os seus amigos
são bem protetores e ciumentos, certo? ― Mais afirma que pergunta.
― Sim. Todos ele. O Evan é um dos amigos mais antigo que tenho,
então, talvez seja mais desagradável que os outros.
― Não ligo ― sorri, pegando minha mão ―, quem tem que gostar de
mim é você.
― Não precisa mais se esforçar pra isso. Eu gosto de você.
― É bom ouvir isso.
Ficamos nos olhando, sorrindo um para o outro.
― Como foram esses dias lá? O apartamento?
― Foi bom, me diverti com seus amigos. Mas foi bem cansativo por
um lado, nunca pensei que conhecer apartamentos fosse tão chato.
Rio da sua expressão.
― Mas vi um bem legal, que por sinal é perto do prédio onde você
mora.
― Sério? Nem vamos precisar sofrer com a distância. ― Rimos ― E
quando você se muda?
― Só quando você voltar ― fala, observando meu rosto. ― Vou
junto com você.
Não sei o que dizer, estou surpresa com o que havia falado.
― Mas... e a empresa que vai administrar? Não quero que fique por
achar que eu preciso, por causa de...
― Não se preocupe com isso ― me corta ―, ficarei por aqui mais um
tempo antes de precisar ir. E é uma decisão minha, e não porque precisa de
mim. Na verdade, eu que preciso estar perto de você ― ele não fala
brincando, tem muita seriedade em cada palavra.
― Obrigada, Kyle.
08
“Com cada pequeno desastre
Eu vou deixar as águas continuarem
A me levar para algum lugar real.”
Home • Gabrielle Aplin

Liz
Kyle abre a porta do seu apartamento sorrindo, e quando olha para as
minhas mãos cheias de sacolas, franze a testa.
― Esperei que me mandasse mensagem para te buscar em casa ―
diz, enquanto pega as sacolas das minhas mãos.
― Não era preciso. Meu pai me trouxe, já que é caminho dele
também. ― Fecho a porta, seguindo-o para a cozinha. ― Parece que o tempo
está fechando.
― Verdade, vi isso assim que acordei. ― Olha para mim. ― Fique à
vontade, mi casa es su casa[4] ― fala em espanhol, piscando para mim.
― Você bem que poderia me ensinar mais a sua língua ― peço, me
sentando na cadeira da bancada.
― Minha língua? ― Levanta a sobrancelha, sorrindo. ― Achei que
você já a conhecesse, tivesse sentido. ― Ri, distorcendo a minha fala.
― Você entendeu o que eu quis dizer.
― Sim, entendi. Não custava nada provocar. ― Continua sorrindo. ―
Posso passar algumas coisas que você não sabe. Não acho que precise, já que
fala muito bem.
― Não quero passar vergonha quando conhecer a sua família.
Ele volta a olhar pra mim depois que guarda as coisas.
― Não se preocupe, eles falam inglês também. Sabem conciliar muito
bem as duas línguas. ― Mais uma vez o sentido da frase é outro.
Rindo, acerto nele o pano que está ao meu lado.
Combinamos de passar o dia na casa dele. Faz alguns dias que o Evan
foi embora. O jantar que tivemos foi muito bom. No começo, a cena que meu
amigo fez foi digna de muitas risadas. Agora percebo o quanto meus amigos
são protetores.
Os dois se deram muito bem depois, saíram juntos, me deixando de
fora. E tenho certeza de que o Evan reforçou alguma conversa sobre meu
bem-estar com o Kyle, tentando o intimidar. Conversei com o Kyle, para
arrancar dele algo relacionado a isso, mas ele me garantiu que nenhuma
conversa rolou. Homens, nunca dão o braço a torcer.
― Meus pais gostaram do jantar que tivemos. Querem fazer outro, e
pediu para te chamar.
― Eu gostei também, uma pena que o Evan tenha ido embora. ―
Começa a rir. ― Seus amigos têm personalidades tão diferentes, mas todos
têm algo em comum: amor e proteção por você.
Sorrio, assentindo.
― Vocês vão ter a chance de se conhecerem melhor quando se mudar
para Kingston. ― Aceito a caneca que me oferece com café.
― Sim. Sobre o jantar, poderia ser aqui. Assim seu pai sossega a
preocupação de vez. ― Faz graça.
Quem dera!
― Eles confiam em você, Kyle. Octavio só não demonstra.
― Sim, linda. Ele e o meu pai se dariam bem. Se eu não soubesse que
ele é empresário, diria ser um policial. ― Ri. ― Meu pai tem todo aquele ar
sério do seu.
Se souber o que realmente meu pai é, entenderia.
― Então, o que vamos fazer além de assistir a filmes e comer
besteiras? ― Nos jogamos no sofá.
― Achei que só faríamos isso hoje. ― Olho para ele, sorrindo.
Ele assente, olhado para mim por alguns segundos.
― O quê? ― pergunto, ainda sorrindo.
― Nada. É bom te ter aqui.
― É bom estar aqui.
Ele sorri. Passamos o restante da manhã jogando, e dá para ver que
somos bons. Pausamos para ele fazer o almoço, e eu o ajudo com o que
precisa.
― Deixe-me ensinar um jeito mais fácil. ― Ele vem por trás de mim,
segura a minha mão e a cebola. ― Com delicadeza, dessa maneira elas saem
mais finas e você não corta os dedos. ― Sorri.
Sua aproximação me faz sentir a respiração próxima ao meu pescoço,
me deixando arrepiada. Ele percebe isso, pois o sinto sorrir, ainda me
ensinando. Então chega mais perto da minha orelha e sussurra:
― Acha que consegue agora?
Viro-me para ele, ficando com nossos rostos próximos.
― Tenho certeza. ― Sorrio, olhando em seus olhos.
Kyle dá uma risada, enquanto se afasta.
― Você aprende rápido ― observa.
― Tenho um bom professor.
Ele termina de preparar o almoço, então nos sentamos para comer.
― Tem algo que você não seja bom? ― pergunto, saboreando a
comida.
― Não precisa exagerar, linda ― ele ri ―, não sou bom em tudo.
― Até agora me mostrou o contrário.
Sorri, negando. Está sendo modesto. Depois de comermos, ajudo-o a
limpar a cozinha. Quando vamos para a sala, pela janela, vejo que o tempo
havia fechado mais.

Olho pela décima vez pela janela e nada da chuva diminuir, parece
estar até mais forte, para o meu azar. A chuva havia começado na metade da
tarde e até agora, às sete horas da noite, não tinha parado.
― Pelo que parece, ela não vai diminuir. ― Viro-me enquanto falo
com o Kyle, que também está olhando para fora.
― Vai passar a noite assim. ― Olha para mim com uma expressão
culpada. ― Posso te levar para casa, linda. Não acho seguro ir de táxi.
― Do mesmo jeito que não acho seguro você me levar. É melhor a
gente não sair com essa tempestade, é perigoso.
Além da chuva forte, dá para se ouvir os trovões e relâmpagos.
― Se não passar, vai ter que dormir aqui. ― Sorri. ― A chuva nos
pegou de surpresa, não dava pra prevê-la.
Está sendo impossível torcer para isso, como disse, passar a noite
nesse clima.
― Devia ter olhado a previsão de hoje.
― Você tem que falar com seu pai, ele vai ficar preocupado. Vou
separar uma roupa minha para você. ― Ele sai da sala, então aproveito para
pegar o celular.
― Liz. ― O tom da sua voz deixa claro que já sabe o motivo da
minha ligação.
― Não vai dar para voltar pra casa com esse tempo ― falo, escutando
seu suspiro.
― É, eu sei. Acho melhor ficar por aí.
Levanto a sobrancelha, surpresa. Não que tivesse outro jeito, mas a
forma que falou soou tranquila.
― Não se preocupe, estarei segura por aqui.
― Eu sei. Qualquer coisa liga, amo você.
― Amo você.
Desligo a ligação e me viro para Kyle, que se aproxima.
― Me diga que eu vou viver mais tempo. ― Faz drama, mas com
tom de brincadeira.
― Ele não está aqui, está? ― Rimos juntos.
― Separei algumas roupas pra você, acho que vai servir. ― Olha para
o meu corpo e volta para o meu rosto, dando um sorriso de lado em seguida.
― Tem toalha limpa no banheiro. Fique à vontade.
― Obrigada.
― Não vai ser de graça, vai ter que cantar algo pra mim ― brinca.
― Isso vai ser fácil ― digo, caminhando para o quarto dele.
Olho para a cama dele e sorrio com a escolha das roupas. São maiores
que as minhas, a blusa chegará no meio das coxas, e a calça de moletom
ficará um pouco folgada na cintura.
Encontro tudo organizado no banheiro, totalmente a cara dele. Como
tinha constatado, as roupas ficam folgadas, mas confortáveis. Quando saio do
quarto, ele já havia preparado um lanche para comermos.
― Ficaram boas em você ― fala, ainda olhando para as peças no meu
corpo. ― Bom, fiz um lanche, espero que não se importe.
Nego com a cabeça, pegando meu prato e indo me sentar no sofá.
― Está muito bom.
Assim que terminamos de comer, ele se levanta e vai para o quarto.
Segundos depois, volta trazendo o violão e a coberta.
― Não esqueci. ― Ele me entrega. ― Pode escolher a música.
Me acomodo melhor no sofá, enquanto cubro nossas pernas.
― Me pegou desprevenida. ― Sorrio.
Preparo para começar as notas da música. Ele sorri, me olhando com
o que parece ser fascinação. Passo cada momento da música, não só me
dedicando a ela, mas sentindo a letra, demostrando os meus sentimentos.
Assim que termino, Kyle ainda me olha, e sua seriedade me intriga. Por estar
próximo, não é difícil para ele segurar algumas mechas do meu cabelo, ainda
com os olhos em mim.
― Quanto mais eu te conheço, mais me surpreendo com você ― diz,
depois de colocar meu cabelo atrás da orelha e acariciar meu rosto.
O momento é cortado quando o som de uma chamada de vídeo soa
pela sala. Kyle se levanta para pegar o notebook em cima da mesa e sorri
quando vê quem é.
― É a Luna. ― Continua sorrindo quando atende assim que deposita
o notebook na mesinha a nossa frente.
― Liz ― exclama animada assim que me vê ―, não sabia que estava
aí. Não estou atrapalhando, né? ― Dá um sorriso, olhando de mim para o
Kyle.
Ao mesmo tempo que eu respondo “Não” Kyle fala “Sim”. O olhar
que eu dou para ele faz com que levante os ombros.
― O que faz me ligando a essa hora? É tarde aí ― diz, demonstrando
preocupação.
― Não aconteceu nada. ― Ela continua nos olhando e dando o
mesmo sorriso. ― Só queria te ver, e pedir para convidar a Liz para o meu
aniversário. Mas já que ela está aí com você, não vai precisar.
― Seu aniversário?
― Sim. Meus pais já fizeram o convite para nos visitar, agora tem um
motivo melhor. Você pode vir com o Kyle ― sugere, toda eufórica. ― Não
aceito um não.
― Ah, obrigada, Luna. ― Sorrio, olhando para o Kyle. ― Podemos
ver isso depois.
― Sim. O convite está feito.
A irmã dele é bem animada. Assim que nos falamos pela primeira
vez, nos demos muito bem, até o Kyle ficou surpreso. Os pais deles também,
um casal carismático, e me fizeram muitos elogios.
Passamos mais alguns minutos conversando, até que nos despedimos.
Já é tarde, há uma diferença de fuso considerável.
― Minha irmã está certa, acho que deveria viajar comigo para lá. ―
Reforça o convite assim que desliga a chamada.
― Gostei da ideia. Acho que vou aceitar. ― Sorrio.
― Se for, tem muitos lugares que quero que conheça, tenho certeza
de que não iria se arrepender.
― Tenho certeza também.
Seus olhares intensos para mim ainda continuam, e é impossível
desviar o olhar.
― Você pode dormir no meu quarto, será mais confortável.
― Não quero te incomodar. Não me importo de ficar no sofá ― falo.
― Mas eu sim. Não há necessidade dormir aqui sendo que tem a
cama no meu quarto. ― Sorri, tentando me convencer.
― Me sinto mal.
― Não precisa, linda. Pode me recompensar assistindo a mais um
filme comigo. ― Me puxa para mais perto e liga a televisão em seguida.

Pego o Kyle mais uma vez olhando para mim, sorrindo enquanto
dirige.
― O que foi?
― Não acredito que dormimos naquele sofá, minhas costas estão
protestando.
― E meu pescoço também.
Acabamos pegando no sono no sofá, acordando com protestos e rindo
feito bobos. Não tive muito azar com as dores como ele, já que dormi com a
metade do meu corpo em cima dele. Estou com dó dele. Mas além disso, foi
bom passar cada momento com ele.
Depois que tomamos café da manhã em uma lanchonete perto do
prédio dele, viemos para a minha casa. O dia está nublado, com a chuva bem
fraca, diferente da noite passada.
― Quero conversar com seu pai sobre você viajar comigo. ― Muda
de assunto.
Olho para ele surpresa, claro que eu falaria com os dois, mas não
esperava esse gesto dele.
― Quero garantir que vai estar segura comigo.
― Ele vai gostar disso. ― Sorrio. ― Pode ser agora se quiser, os dois
estão em casa ― falo assim que paramos em frente à casa.
― Então vamos lá. ― Sai do carro e dá a volta para abrir a minha
porta.
Abro a porta de casa com a minha chave e encontro os dois na sala,
que nos veem assim que entramos.
― Bom dia. ― Me aproximo e os beijo no rosto. ― É bom encontrar
os dois aqui. ― Estou animada para falar sobre a viagem.
― Bom dia ― Kyle fala, recebendo o cumprimento de volta.
― E por quê? ― Steve pergunta.
― Kyle gostaria de conversar com vocês ― digo.
― O que você precisa conversar com a gente? ― meu pai pergunta
com aquele jeito dele. Já o imagino fazendo a mesma coisa quando está
interrogando alguém na agência.
― Minha família convidou a Liz para o aniversário da minha irmã.
Não sei se ela contou, mas minha família mora em Porto Rico.
― Sim, ela nos falou ― Steve afirma.
― A Liz aceitou ir comigo para lá, será apenas alguns dias. Então
decidi falar com vocês antes. Sei que os dois se preocupam com ela e
entendo, mas quero garantir a segurança dela. Ela estará segura comigo e com
a minha família.
Olho para meus pais, que mesmo não demonstrando, estão surpresos.
Sorrio mais quando olho para o Kyle, que retribuiu o sorriso.
― Acho que é hora de você saber uma coisa ― meu pai diz. ―
Minha filha mostrou que realmente confia em você, e você mostrou que é
merecedor dessa confiança. Então confio em você para protegê-la longe da
gente. ― Ele espera que o Kyle assinta para continuar. ― Talvez você
estranhe essa nossa proteção com ela, mas é necessário por causa da minha
profissão.
Kyle franze a testa sem entender, uma vez que acha que meus pais são
empresários.
― Sou diretor do FBI, então não é à toa toda essa preocupação. Acho
que você entende.
― Entendo. Meu pai é policial, e tem toda essa proteção com a minha
irmã e eu, até mesmo de longe. ― Ele olha para mim, e não consigo decifrar
se está magoado por não ter contado sobre meu pai para ele.
― Acha que eu devo confiar em você para protegê-la nessa viagem?
― Para o Kyle pode ser exagero, mas para mim e meus pais, que entendem o
perigo que eu estou passando, não é.
― Não acho, tenho certeza ― diz, decidido. Não canso de me
surpreender com ele. ― Sou treinado e saberei defender a Liz, se for o caso.
Meu pai também vai estar lá, pode ficar tranquilo.
― Gosto da sua atitude, Kyle. E é raro eu confessar isso. ― Olho
para o meu pai, que sorri. ― Tudo bem. Liz vai com você. Mas quero o
contato do seu pai.
― Tudo bem ― concorda, rindo. ― Acho que já está resolvido ―
fala para mim.
― Pode ficar para almoçar com gente ― convido.
― Sim, acho uma boa ideia. Assim você nos conta como é em Porto
Rico ― Steve concorda também. Está bem interessado.
― Fique rapaz.
― Tudo bem, aceito o convite. ― Sorri mais à vontade.
Kyle responde todas as perguntas, participando ativamente do
interrogatório. Com meus pais fora da sala, aproveito a oportunidade para
falar com ele.
― Desculpe. Espero que não esteja chateado por não ter lhe contado
antes sobre o meu pai ― peço, sentando-me ao lado dele.
― Não se preocupe com isso. ― Segura minha mão, sorrindo,
enquanto a acaricia. ― Tenho certeza de que tem seus motivos. Vou sempre
respeitar isso. ― Beija minha mão.
É impossível não ficar mais encantada com ele, feliz por ter sua
amizade.
09
“Você só queria que te tratasse bem
Você tem 19 anos e eu 23
E comecei a planejar
Quando nos veríamos outra vez.”
Cristina • Sebastián Yatra

Liz
Entro no aeroporto ansiosa, procurando avistar Kyle em algum lugar.
Me atrasei um pouco, mas tinha chegado antes do voo ser anunciado. Steve
está comigo, puxando a minha mala, nem um dos dois quis que eu viesse
sozinha. Como meu pai não poderia vir, sobrou para o Steve aguentar toda a
minha ansiedade.
― Querida, anda um pouco devagar, tenho certeza de que entrará
naquele avião ainda hoje. ― Ri, tentando me alcançar.
― Não dá, estava esperando muito por essa viagem ― digo, me
virando para o esperar se aproximar.
― E eu não sei? Passou as últimas semanas falando disso, já
conseguia imaginar todos os lugares que descreveu sobre o Porto.
― Desculpa. ― Faço biquinho.
― Minha bebê. ― Ele me abraça de lado, beijando meus cabelos.
Andamos mais um pouco antes de avistar Kyle em pé, pela sua
expressão parece estar inquieto. Está tão atento ao celular que não nos vê
chegando.
― Kyle.
― Liz ― alívio transparece em seu rosto ―, achei que não viria mais,
já ia te ligar.
― Mulheres sempre atrasam, rapaz. ― Steve o cumprimenta com
aperto de mão.
― Sim, preciso me acostumar. ― Kyle me abraça, beijando meu
rosto em seguida. ― Pronta pra conhecer o lugar que mais amo no mundo?
― Estou há muito tempo ― afirmo.
Fazemos o check-in e despachamos as nossas malas. Antes de entrar
no portão de embarque, abraço Steve para me despedir.
― Fique bem, querida. Qualquer coisa nos ligue que daremos um
jeito de ir até você.
― Eu sei, pai. Tenho certeza de que isso não vai ser preciso. ―
Abraço-o mais uma vez. ― Amo você.
― Eu também. ― Ele olha para o Kyle. ― Cuide da minha filha. ―
Dessa vez ele não usa o tom descontraído, mas o sério.
― Vou cuidar. ― Kyle tenta tranquilizá-lo.
Kyle segura minha mão quando entramos. Depois de todas as etapas
feitas para embarcar, estamos sentados um ao lado do outro. Nosso voo será
de sete horas, estaremos chegando quase oito horas, com o fuso horário de
Porto Rico.
Assim que o avião começa a decolar, sinto Kyle pegar minha mão e
me dar um sorriso.
― O que assistiremos para o tempo passar mais rápido? ― pergunta,
depois de um tempo.
― A escolha é sua.
Algumas horas depois, acabo pegando no sono. Quando acordo, estou
com a cabeça encostada no peito do Kyle, sua carícia nos meus cabelos é a
coisa mais gostosa de se sentir. Denuncio que estou acordada assim que
suspiro.
― Estamos quase chegando ― sussurra. Faço menção de levantar a
cabeça, mas ele não deixa, continuando com os dedos nos meus cabelos. ―
Não, fique aqui.
― Acho que dormi demais. ― Ele solta uma risada baixa. ― Ansioso
para ver sua família?
― Também, mas estou mais ainda para que conheçam você.
― Estou imaginando o que acharão de mim. ― Acho que isso se
chama insegurança.
― Vão achar o quanto você é uma garota incrível, inteligente e
descontraída. ― Elogios que ele não cansa de dizer. ― Eles já gostam de
você, não tem que se preocupar com nada.
― A sua certeza me anima.
Anunciam para colocarmos o cinto, pois iremos pousar. Enfim
chegamos!
Sinto a diferença do clima assim que descemos do avião. Já é noite,
mas não me impede de já ir vendo a beleza nas coisas.
Desembarcamos e pegamos nossas malas. Assim que descemos da
escada rolante, vejo uma garota com os mesmos tons de castanho-claro. É
ainda mais bonita pessoalmente. Ela tem um sorriso grande no rosto e segura
uma placa grande escrito “Melhor irmão do mundo”.
Escuto a risada do Kyle quando abre os braços para ela, que vem
correndo abraçar o irmão. Sorrio da forma carinhosa entre os dois.
― Liz ― é a vez de ela me abraçar, toda animada ―, estava ansiosa
para te conhecer.
― Eu também. ― Retribuo o gesto.
― Vai se divertir muito aqui. Você é muito linda, por sinal. ― Se
afasta e balança as sobrancelhas para o irmão.
― Você é mais linda pessoalmente.
― As duas são. ― Kyle sorri. ― Podemos ir? O voo foi longo e
estamos cansados.
O pai deles estava trabalhando e a mãe ficou em casa preparando tudo
para a nossa chegada. Durante o caminho, a conversa é contagiante. Luna fala
do andamento da preparação da sua festa, que será amanhã à noite, e de como
está feliz por eu ter conseguido vir.
Me impressiono quando vejo que a casa deles fica de frente para a
praia, dá até para escutar as ondas. A casa é grande e linda, como imaginava.
Kyle me ajuda com a minha mala, já que Luna me puxa para dentro.
― Mama, chegamos ― grita.
Ela sai de um cômodo sorrindo. Assim que vê o filho, já vai puxando-
o para os braços dela, enchendo-o de beijos.
― Que saudades, meu filho ― diz, ainda o abraçando.
― Também. ― Beija o rosto dela.
Ela o solta e me olha, ainda sorrindo.
― Vem cá, garota linda. ― Seu abraço é forte e apertado.
― Um prazer conhecê-la, senhora Soyer.
― Nada de senhora, somente Carmen.
Um homem alto, com as mesmas feições do Kyle, aparece. Ele
poderia ser confundido com o filho se não fosse mais velho.
― Filho ― abraça o filho ―, concordo, pode me chamar de Juan. ―
Estendo a mão para apertar a dele. ― Seja bem-vinda.
― Obrigada. ― Sorrio.
― O jantar está pronto, podemos comer ― Carmen nos comunica.
Sento-me ao lado do Kyle, de frente para a Luna, que fica sorrindo o
tempo todo.
― Como foi de viagem? ― Juan pergunta para nós dois.
― Foi tranquila, passei a maior parte dormindo ― digo e eles riem.
― Esperamos que goste de Porto Rico.
― Tenho certeza de que irei. ― Sorrio.
― Agora entendo mais ainda o seu interesse por ela, Liz é
encantadora ― Luna diz, recebendo uma repreensão da mãe.
Olho para o rosto do Kyle e percebo que está constrangido, sorrio
com isso.
― Tudo bem. Ele tem muitas qualidades incríveis.
― Que te interessa também? ― Luna pergunta, sorrindo.
― Luna ― é a vez do Kyle a repreender.
Nosso jantar continua divertido e acaba surgindo o assunto dos meus
pais.
― Seu pai é um sujeito interessante ― Juan comenta, rindo. ―
Conversamos por ligação, faz sentido ele ser do FBI com aquele jeito dele.
Olho surpresa para ele. Meu pai não havia me contado que conversou
com o pai do Kyle.
― Sim. Ele sabe ser... ― Não consigo encontrar uma palavra para
descrevê-lo. ― Pai. Ele sabe ser um ótimo pai.
Depois de muitas conversas, acabo me retirando para dormir. Kyle,
vendo meu cansaço, me leva para um quarto ao lado do dele.
― Tem tudo o que precisa, se faltar algo, pode me falar ― diz,
solícito. ― Descanse, amanhã seu dia vai ser agitado. ― Beija a minha testa
demoradamente.
― Obrigada.
Fecha a porta quando sai. Preciso de um banho e cama. Mas não antes
de falar com uns certos homens protetores.

Acordo escutando uma música ao longe. A sensação de acordar em


outra cama é diferente, então me recordo de onde estou e sorrio. Levanto-me
e vou para o banheiro. Troco de roupa e arrumo a cama antes de descer.
Hoje é a festa de aniversário da Luna, e a casa está com muito
movimento. Cumprimento algumas pessoas que vejo na sala, diferente da
sala de ontem.
― Liz ― viro-me e encontro um Kyle vestido de bermuda e regata
―, já ia subir pra te chamar.
― Bom dia. ― Sorrio.
― Bom dia. ― Ri e beija o meu rosto. ― A casa está cheia. São
amigos da Luna e dos meus pais. Vamos tomar café.
Vamos direto para a cozinha e me sento à mesa.
― Tá uma bagunça aqui. ― Ele vai colocando coisas variadas na
mesa.
― Não precisa disso tudo. Meu apetite pela manhã não é tão grande
assim como o seu ― brinco.
― Não quero que falte nada pra você. ― Ele se senta ao meu lado.
― Está de bom tamanho.
Enquanto vai comendo, ele me diz o que vamos fazer para ajudar na
festa ― pouca coisa, na verdade. Kyle se sente culpado por não irmos
conhecer a cidade hoje.
― Kyle, não seja bobo. Não ligo em ficar aqui pra ajudar. Além
disso, temos amanhã para fazer isso, na verdade, temos uma semana ainda.
― Sorrio, tranquilizando-o.
― Não se importa mesmo?
― Claro que não. Gosto dessa agitação de preparar festa. Faço muito
isso com meus amigos.
― Bom ouvir isso. Não vou dar mole pra você, então.
Fico com a Luna ajudando a decorar a parte de fora da casa. Na parte
de trás, observo a linda paisagem. O lugar é amplo e verde, há um caminho
de pedra que leva mais à frente, a uma escada que desce para a praia. Está tão
perto.
― Isso é incrível ― digo para ela, que está ao meu lado.
― Sim, não me canso de ficar olhando, principalmente o pôr do sol.
― Sorri. ― Percebi que temos os mesmos gostos.
― Sim.
Fazemos umas paradas para almoçar ou tomar algo. Carmen e Juan
sempre atenciosos para saber se estou bem ou precisando de algo.
O resultado fica lindo. Subo para o quarto para tomar um banho e me
arrumar. Mal vi o Kyle o dia todo.
A noite está com um clima bom, então escolho um vestido em tule
floral e faço cachos nas pontas do meu cabelo. Estou terminando a
maquiagem quando Luna entra no quarto.
― Ah, eu vim saber se estava bem, mas nem precisa. Está
maravilhosa ― me elogia, sorrindo.
― Não tanto como a aniversariante. ― Ela tem estilo e está linda. ―
Antes de ir, preciso entregar seu presente. ― Pego o pacote de cima da cama
e entrego a ela. ― Espero que goste.
― Vou amar, tenho certeza. ― Ela fica me olhando, sorrindo por um
tempo. ― Preciso ir, estão me esperando. Te vejo lá embaixo.
Rio e volto ao banheiro para terminar a maquiagem. Antes de descer,
escuto batidas à porta, já imaginando quem é. Kyle está lindo.
― Está linda ― me observa mais um pouco ―, bem no clima da
festa.
― Sim, e você também.
― Fiz o possível. Vamos?
Assinto, fechando a porta e aceitando sua mão estendida. A casa está
cheia, e vamos direto para os fundos. Todos estão descontraídos, alguns já
dançam ao som de uma música latina.
Como o lugar é grande, ele foi dividido pela mesa de comida e
bebida. Uma parte é uma pista de dança, enquanto a outra tem lugares para se
sentar, tudo bem organizado.
― Vamos beber algo. ― Leva-me para a mesa e pega um copo para
mim e outro para ele.
― Kyleee. ― Nos viramos para a voz melosa que surge atrás da
gente.
Ela quase pisa no meu pé ao se jogar em cima dele, abraçando-o. Dou
um passo para trás para não ser derrubada.
― Não sabia que tinha sido convidada. ― Ele a afasta e me dá um
olhar rápido.
― Ah, e não fui. Mas eu não podia perder o aniversário da Luninha.
Ele revira os olhos ao ouvir as palavras de sei lá quem.
Ela percebe a minha presença e faz uma careta, deduzo que era para
ser um sorriso.
― Quem é você, docinho? ― pergunta com a mesma voz melosa.
― Elizabeth ― respondo sem querer papo com ela ―, amiga do
Kyle.
― Ah, eu nunca te vi por aqui. É a nova conquista do Kyle? ― Ela
solta um risinho, tentando me colocar para baixo.
― Se sou uma nova conquista dele, você não tem nada com isso. ―
Sorrio e vejo que ela vacila.
Ela se vira para o Kyle novamente, aumentando o sorriso.
― Está tão lindo. ― Passa a mão pelo braço dele. ― Senti saudades.
― Angelina, agradeço o seu elogio. Mas, no momento, estou
acompanhado. E sem querer ser grosseiro, está me atrapalhando. ― Ele tira a
mão dela que ainda estava nele.
― O.k. ― Ela se afasta um centímetro.
― Mesmo sem ter sido convidada, espero que curta a festa. ― Ele
segura a minha mão e me leva para outra área. ― Luna não a suporta.
― Deu pra ver, já que não foi convidada.
Afastados da mesa, paramos lado a lado. Fico calada, tomando a
minha bebida. Ele percebe, mas o tempo todo fica na dele. É até engraçado
imaginar Kyle namorando-a. Como isso foi possível?
― Ela gosta de você ― digo, sorrindo.
― Claro que gosta. O que há para não gostar?
Rio, empurrando-o.
― Convencido. ― Rimos juntos.
― Você viu que ela me chamou de docinho? ― Ele gargalha.
― Nossa, ela não faz seu tipo ― digo, depois dos risos passarem. ―
Vocês não combinam.
― E quem você acha que faz meu tipo? ― pergunta, me olhando.
― Eu, óbvio. ― Dou risada.
― Quem sabe. ― Pisca para mim.
O pai dele acaba nos chamando para nos apresentar a um casal de
amigos, então deixo o episódio desconfortável da Angelina para trás.
Conheço alguns amigos da Luna, são todos divertidos. Kyle está conversando
com alguns amigos do outro lado, que também me foram apresentados.
Estou dançando algumas músicas com a Luna quando decido parar
para beber algo. Carmen está próxima e sorri quando me vê.
― Estou vendo que está se divertindo.
― E muito.
Sinto segurarem a minha mão, então me viro e encontro Kyle todo
sorridente.
― Olha, é a música que você gosta.
Rio quando ele me puxa para dançar.
Essa música lembra a que estava tocando quando nos conhecemos. E
acredito que ele ache a mesma coisa.
Canto enquanto ele segura a minha mão para dançar no ritmo da
música. Ele me rodopia enquanto rimos, nós damos uns bons passos
sincronizados enquanto continuamos cantando. Já terminando a música, ele
me roda mais uma vez e me puxa para os seus braços em seguida, antes de
passar os dedos pelo meu rosto.
Levo minha mão ao seu rosto, dando permissão para o que tem em
mente. Nossos olhos não se desgrudam, ele se aproxima mais, deixando seus
lábios a alguns centímetros, até se encostar aos meus. Suaves como me
lembro do nosso primeiro beijo. Vendo que não me afastarei, ele segura os
meus cabelos para aprofundar melhor o beijo, sem se preocupar com que está
ao redor. Sorrio quando ouço seu nome ser chamado.
― Na melhor parte ― sussurra, ainda com a boca na minha, me
fazendo rir.
Uma amiga da Luna está ao nosso lado, constrangida por ter que
interromper o momento.
― Luna está te chamando para tirar algumas fotos. ― Dá o recado e
se afasta rapidamente.
― Já volto. ― Dá um beijo no meu rosto e sai para encontrar a irmã.
Me afasto para não atrapalhar quem está dançando. Durante as fotos
que tira, ele me olha e trocamos sorrisos. O clima divertido e descontraído
muda para mim quando ouço o toque da música que começa a tocar.
― Não acredito ― sussurro.
Olho para Kyle, que está alheio a minha expressão, já que conversa
com as pessoas próximas. A música me remete ao momento em que aceitei
aquele pedido de namoro.
A música Words continua tocando e é como se fosse a voz dele ali, a
voz dele que estou escutando.
“I wanna tell you you're the reason why, The earth spins and the stars
hang in the sky”[5]
Me afasto alguns passos, chegando até mesmo a esbarrar em algumas
pessoas pelo caminho, pedindo desculpas no automático. Me deparo com a
escada que dá para a praia, e decido descer. Vou caminhando até não
conseguir mais escutá-la.
Fico parada olhando para a frente por alguns minutos, pensando em
tudo que aconteceu naquele dia. Mesmo depois de tudo, lá no fundo, me
preocupo com ele, preciso saber como ele está.
De repente, ao longe, ouço a voz de Kyle me chamando.
― Eu sabia que ia te encontrar aqui. ― Não consigo olhar para ele,
meu rosto se mantém voltado para o mar. ― Liz, o que houve?
― Desculpe ter saído sem avisar.
― Ficou chateada por causa do beijo? ― pergunta, com a voz aflita.
― Não, claro que não. Mas ― respiro fundo ―, aquela música me
lembrou uma pessoa. Eu não te contei o que realmente aconteceu por não me
sentir à vontade.
― Linda, não precisa contar. ― Ele se aproxima, tocando o meu
braço.
― Eu sei, mas eu quero.
Ele me puxa para me sentar ao seu lado na areia, me dando espaço
para começar a contar no momento que sentir vontade.
E é o que eu faço, conto cada momento desde que dei a segunda
chance ao Davon até quando descobri a verdade. Kyle me abraça de lado
enquanto eu fungo.
Prometi que não choraria por ele, e é verdade. Aquelas lágrimas são
por todo o momento bom que passamos juntos, e não por ele em si.
― Tudo vai ficar bem ― diz, me acalentando.
Ficamos em silêncio, dá para ouvir ao longe a diversão de todos.
― Não quero que estrague sua noite por minha causa ― digo,
olhando para ele, que seca meu rosto.
― Não está estragando nada. Não teria graça ficar lá sem você, não é
a mesma coisa.
Sorrio, voltando a me aconchegar nele. Depois de um bom tempo
sentados só aproveitando o silêncio, fazendo alguns comentários, percebo que
as pessoas já haviam ido embora. O som já não é mais ouvido, está tudo
quieto.
― Vem, vamos para um lugar mais confortável. ― Ele me ajuda a
levantar, e continua a segurar a minha mão.
Subimos a escada que dá para a sua casa, e acabo me sentando em um
banco confortável que tem uma vista melhor do mar enquanto ele entra para
pegar uma coberta.
Quando volta, ele passa a coberta pelos meus ombros e se senta ao
meu lado, cobrindo-se também. Minha cabeça está em seu peito, e seu braço
ao redor dos meus ombros. Escuto-o me chamando, então percebo que
cochilei.
― Liz, olha! ― Aponta para a frente.
Vejo os primeiros raios solares aparecendo, então me ajeito melhor e
sorrio com a paisagem. Estou encantada.
― Estarei com você do crepúsculo ao amanhecer ― sussurra a letra
perto do meu ouvido.
Sorrio e dou um olhar de agradecimento. Então voltamos nossa
atenção para o sol nascendo a nossa frente.
10
“Toda minha vida você esteve ao meu lado,
Quando ninguém esteve me apoiando
Todas essas luzes não podem me cegar.”
Drag Me Down • One Direction

Davon
Samantha ao meu lado não sabe conter a euforia de enfim estar
podendo entrar pela primeira vez na fraternidade. Talvez esteja sendo louco,
mas ela precisa disso, liberdade fará bem a ela. Octavio me fez entender isso,
por mais que eu quisesse mantê-la escondida, não fará bem.
Depois da primeira ligação, ele passou a ligar frequentemente. No
começo achei que pudesse ser para saber se Katherine tinha dado algum sinal
ou se eu tinha desistido da ideia maluca de vingança. Mas, por fim, percebi
que ele se preocupa comigo e Sam. Em uma dessas ligações, pediu para falar
com a Amy, que ficou muito feliz em, depois de muito tempo, poder falar
com ele.
A conversa entre os dois durou bastante tempo. Deu para ouvir
algumas vezes falando de mim e da Sam. Como foi passar esses cinco anos
depois da tragédia.
A segurança que ele arrumou para nós, me fez rever minhas decisões
de deixar a Sam escondida.
― Provavelmente a casa estará vazia por conta das férias. Muitos só
voltam semanas antes do início das aulas ― comento, já estacionando o carro
em frente à fraternidade.
― Não importa. Quero conhecer o lugar onde vive, onde frequenta.
Estou aproveitando antes de voltar pra casa e você decidir que tenho que ficar
presa novamente ― debocha.
― Quem te ouve dizer isso, vai pensar que vive em um cativeiro,
Sam. ― Reviro os olhos.
― Pra mim é a mesma coisa. ― Desce do carro, resmungando.
― Você tem sua liberdade, só não vive como outros adolescentes, e
você sabe o porquê.
Ela simplesmente assente.
Abro a porta da casa, que já se mostra silenciosa. Ela começa a
observar a sala toda arrumada. Tenho certeza de que está imaginando a
bagunça que tantos caras juntos fazem.
Começo a subir a escada, com ela ainda na sala, quando ouço o
barulho da porta se abrindo. Eu me viro e vejo Evan entrar e parar quando vê
a Sam.
― Oi, eu sou a Sam. ― Ela sorri, estendendo a mão para o
cumprimento.
Ele continua olhando para ela, sem se mover.
― Você deve ser o Evan, né? ― pergunta.
― Sim. ― Olha desconfiado para ela. ― Como você sabe?
― Vi fotos suas com o Davon e Oliver.
Desço a escada, entrando no campo de visão dele.
― Acho que já conheceu minha irmã ― digo ― Samantha.
É estranho ter que ser cauteloso com ele que, até certo tempo, era um
dos meus melhores amigos.
― Prazer, Samantha. ― Ele segura a mão dela, que ainda estava
estendida. ― Você não se parece tanto com seu irmão.
― Dou graças a Deus por isso todo dia. ― Evan ri, para a minha
surpresa. ― Longe de mim ter toda essa teimosia dele.
― Gostei de você. ― Sorri. ― É uma pena não poder ficar muito pra
conversar, estou com um pouco de pressa. ― Ele me dá um olhar de lado
antes de subir a escada.
― O que está fazendo aqui ainda, vai lá conversar com ele ― Sam
aconselha e revira os olhos.
Subo a escada correndo e entro em seu quarto, já que a porta está
aberta. Assim que o faço, vejo alguns pertences dele em umas três caixas no
canto do quarto.
― Está pensando em doar suas coisas?
Ele se vira para mim, então aponto para as caixas.
― Não. Estou pensando em sair da fraternidade.
― Como assim sair daqui? ― Oliver diz ao entrar no quarto. ― Você
mora aqui com a gente, aqui é o seu lugar, não faz sentido.
Não sou o único que não tinha gostado de ouvir aquela resposta.
― Sim, o Oliver está certo. Sei que as coisas não estão boas entre nós,
mas não quero que vá embora por causa disso ― digo.
Ele fica em silêncio nos olhando, negando com a cabeça em seguida.
― Mesmo que eu fique aqui, o clima não vai ser o mesmo, e vocês
sabem disso. Acho que esse não é mais o momento ― dá de ombros ―, vai
ser melhor assim.
― Pra você. Não vai ter mais graça começar um novo semestre com
tudo diferente, não sendo como era antes ― falo e o vejo franzir a testa.
― Não vamos agir como se tudo estivesse normal, Davon. As coisas
mudaram e afetaram nossa amizade. E foi você quem escolheu isso, não se
esqueça.
― E você não quer deixar isso de lado por orgulho.
― Não se trata de orgulho. Se trata de falta de confiança. No
momento não daria certo, haveria sempre um impasse, desconfiança. Pelo
menos da minha parte. ― Ele olha para o Oliver. ― Mas não posso dizer o
mesmo de você, já que apoia todas as decisões e confia nele cegamente.
― Não é assim...
Oliver começa a dizer, mas é interrompido pelo toque do celular do
Evan. Ele o pega e ao ver quem é olha para mim e sai do quarto, atendendo-o.
― Lizzie. ― Escuto o nome dela ser pronunciado, me aproximo mais
da porta sem que esteja no campo de visão de Evan.
― Evan, você precisa ver o quanto este lugar é lindo ― diz, eufórica
―, da vontade de morar aqui.
Ouço sua risada e isso me faz sorrir também. Posso estar parecendo
um bobo aos olhos do Oliver, mas no momento não ligo.
― Precisa me mandar as fotos e me contar sobre os lugares que
visitou ― Evan continua falando. Dá para sentir que está feliz por ela,
significava que ela está bem. E lá no fundo me sinto aliviado por isso.
― Claro. Usted amaría este lugar. ― Ouvi-la falando em espanhol
me faz querer rir, é tão linda. ― Onde você está?
― Tenho certeza. Estou na fraternidade, mas estou saindo.
― Ah! Bom, vou desligar, vou tentar te ligar mais tarde. Beijos.
Me pego suplicando para que o Evan continue falando com ela, assim,
pelo menos, terei isso dela depois de tempos sem ouvir sua voz. Não estou
pronto para sua despedida.
― Tá bom. Beijos!
Eles desligam e sou pego de surpresa quando o Evan me vê próximo à
porta, e pela minha expressão, ele sabe que estou afetado com aquela ligação.
― Está tudo bem? ― pergunto. Ele sabe que essa pergunta não é
direcionada a ele, mas sim a ela.
― Sim.
A conversa que estávamos tendo antes parece ter sido esquecida.
Quero resolver isso, mas quando penso em voltar a conversa, ele começa a
falar.
― Vou ter que ir, voltei pra cidade para ajudar algumas coisas na
festa do Ethan. Ele está me esperando.
Não sei de nenhuma festa do Ethan, e pela cara do Oliver, nem ele
está sabendo.
― Vou indo. ― Faz um movimento com a cabeça, saindo do quarto.
Nós o seguimos para fora do quarto. Ele se despede da Sam, que está
sentada no sofá com expressão de tédio.
― Foi um prazer te conhecer, Sam. ― Sorri para ela e sai da casa em
seguida.
Não culpo o Evan em querer ir embora daqui, como ele disse, para ele
não será o mesmo.
― Pelo jeito não vamos ser convidados para a festa do Ethan ―
Oliver diz ao se sentar no sofá.
― Não esperava por isso ― falo com desgosto.
― Não sei do que estão falando, mas queria ter sido convidada.
― Você nem conhece o Ethan, não sei o que faria lá ― digo.
― Me divertir, óbvio, fratello. É o que fazemos em festas. Iria
aproveitar um pouco da liberdade que tenho agora. ― Sorri, debochada,
enquanto Oliver dá risada.
Não falo nada, não adianta rebater o que ela diz.
*

Depois de tanto Samantha me cobrar que tinha prometido sair com ela
para comer, acabo cedendo, mesmo sem vontade alguma. Passo boa parte da
conversa em devaneio. E só piora quando Sam aumenta o volume do som do
carro no momento que toca One Direction.
Foi bom ter ouvido a voz da Liz, teria sido melhor se eu a tivesse
visto. É impossível não ansiar por isso, o momento que a verei novamente.
Ela joga a cabeça no ritmo da música, me fazendo rir. Se não
estivesse dirigindo, estaria gravando esse momento. É bom vê-la assim. Mas,
então, vejo Oliver com o celular gravando-a enquanto sorri.
Com a escolha dela, chegamos ao Burguer King. Suas bochechas
estão vermelhas pelo seu momento descontraído. Abraço-a de lado enquanto
seguimos pela entrada.
― Minha cantora. ― Beijo sua bochecha, escutando sua risada.
Acabei trazendo minha câmera, fazia um tempo que não a usava, não tinha
muita vontade. As últimas fotos que havia tirado foram da Liz.
Enquanto procuramos um lugar para nos sentarmos, vejo a Nina e
Alex olhando em nossa direção. Sam está alheia aos olhares que recebemos
enquanto fala sobre o que quer comer. Oliver vai fazer os pedidos, e assim
que nos sentamos, escuto a Sam exclamar:
― Ei, aquelas ali são suas amigas ― diz, já se levantando, sem me
dar tempo de falar nada.
Me levanto e vou atrás dela.
― Oi ― cumprimenta as duas ―, sou a Samantha, irmã do Davon.
― Sorri.
― Olá, Samantha ― Nina a cumprimenta ―, sou a Nina e essa é a
minha amiga Alex.
― Oi. ― Alex acena para a minha irmã.
Logo elas me veem atrás da Sam. Nina não esconde seu desagrado ao
me ver.
― Oi, Davon.
Respondo com um gesto de cabeça.
― Sempre quis conhecer os amigos do meu irmão. ― Sam sorri,
mesmo sabendo que no momento minhas amizades se resumem a ela e
Oliver.
― É bom conhecer você também. ― Alex é sincera. Elas não
parecem aborrecidas com a presença da Sam, somente com a minha.
Oliver aparece em seguida, questionando com o olhar o motivo de
estarmos em frente à mesa das meninas. Ele percebe logo em seguida quando
vê a Sam se convidando para nos sentarmos à mesa com elas.
― A gente pode se sentar aqui?
Vejo a troca de olhares entre a Nina e Alex.
― Tudo bem. ― Nina sorri, e parece ser verdadeiro.
Oliver e eu estamos sendo excluídos da conversa entre as três, mas
prestamos atenção em tudo que falam.
Em alguns momentos, percebo o olhar das meninas nas cicatrizes que
a Sam tem nas mãos e pulso. Mesmo estando vestida com uma blusa de
manga longa, elas são visíveis. Se a Sam percebe, não demonstra.
― Ah, fiquei sabendo da festa do Ethan ― Ollie me tira dos
pensamentos quando comenta sobre a festa.
― Quem te contou? ― Nina pergunta, curiosa.
― Evan falou algo, sem muitos detalhes.
― Ainda estão planejando ― Alex comenta ―, o aniversário dele
será mês que vem.
― Eu queria ir. ― Sam sorri.
― Você não tem idade pra festa ainda. ― Corto seu sorrisinho.
― Chato. ― Revira os olhos e as meninas riem. ― Às vezes é chato
ter um irmão tão protetor.
― Sim. Eu não tenho irmãos, mas tenho amigos, sei como é ― Nina
responde e muda de assunto.
Ficamos mais um tempo até que decido ir embora. Nossa, como
mulheres têm tantos assuntos para falar. Estou até surpreso pelas meninas
aceitarem a Sam tão bem, já parecem íntimas.
― Precisamos ir ― digo, já me levantando. E pela pressa do Oliver,
sei que ele quer se mandar daqui também.
― Uma pena ― Sam diz ao se despedir das meninas com beijos no
rosto.
― Quando vier para a cidade, talvez nos encontremos de novo. ―
Alex me olha enquanto fala.
― Teria que ser um milagre ― Sam comenta, rindo.
E enfim saímos do ambiente, com Sam comentando como as meninas
são legais e tal.
― Você sabia que o clima estava estranho, e mesmo assim foi até a
mesa delas. E ainda se convidou para nos sentarmos juntos ― reclamo
quando estamos voltando para a fraternidade.
― E daí? ― Dá risada. ― Queria conhecê-las e ao mesmo tempo ver
como reagiriam ao me conhecer. Não é porque sou sua irmã e que errou que
vou me privar de me aproximar também.
― Claro ― resmungo.
― Queria ter conhecido a Liz.
― Vocês se dariam bem.
― Com certeza ― Oliver concorda ―, a personalidade das duas são
parecidas.
Ligo o som para encerrar a conversa, e os dois percebem isso. Não
que falar da Liz seja ruim, mas com toda a lembrança que eu tenho, só faz a
saudade apertar mais.
11
“Você torna a escolha muito fácil
Tem um toque de maldade,
Não consigo recusar (não, não consigo recusar).”
Intentions (feat. Quavo) • Justin Bieber

Liz
Estão sendo dias maravilhosos, mas, infelizmente, hoje será nosso
último dia aqui antes de voltarmos para Los Angeles. Saímos somente nós
dois pela cidade, Kyle quer me mostrar alguns lugares que eu ainda não havia
visitado. Nosso voo sairá à noite
Já havia saído somente com a Luna ou sua mãe, que por sinal é um
amor. Juan, por causa do trabalho, consegui vê-lo à noite.
Depois da lembrança que tive do Davon na festa, não ocorreu mais
em nenhum momento. A mesma coisa com o beijo que Kyle e eu tivemos, ele
parece esperar o momento em que eu o beijarei. Entendi que depois que
expliquei tudo o que aconteceu, ele está respeitando, não querendo avançar e
me deixar desconfortável. Ele é um fofo. Mas não deixa de mostrar com seus
olhares que deseja mais.
― Uau! É impossível não me surpreender com esses lugares lindos ―
comento, depois de olhar para o mar.
Já havíamos andado muito, caminhar pelas casinhas coloridas e ruas
de paralelepípedos azulados é uma riqueza. Cada lugar passa alegria para
quem visita, e não é à toa que muitas pessoas voltam para passar mais um
tempo em Porto Rico. Já está sendo difícil me despedir desse lugar.
Estamos agora em Fuerte San Felipe del Morro, nossa última parada
antes de comer e voltarmos para a casa dos Soyer, para nos arrumarmos e ir
ao aeroporto.
― Foi construído no século XVI. A vista daqui é linda ― diz, parando
ao meu lado. ― Queria que tivéssemos mais tempo para te mostrar melhor.
― Não seja bobo, estou amando. ― Olho para ele, sorrindo.
― Precisamos ir, senão vamos nos atrasar para a reserva que fiz no
restaurante.
Assinto, mordendo o lábio.
― Antes precisamos tirar uma foto neste lugar lindo. ― Ele pega seu
celular, e de costas para o mar, com sorrisos no rosto, tira uma foto nossa.
Ele segura minha mão quando voltamos a caminhar, levando-a à boca
para beijá-la. Sorrio, com toda a certeza essa será a viagem que me lembrarei
com todo carinho.
Nossa caminhada até o restaurante leva cerca de vinte minutos. A
entrada do restaurante é sofisticada e chamativa.
― Acho que vai gostar do lugar. Tenho que vir aqui pelo menos uma
vez sempre que venho passar uns dias.
― No caso é uma tradição? ― pergunto, dando risada.
― Pode se dizer que sim. Não poderíamos ir embora sem que
conhecesse mais um dos meus lugares favoritos.
― Me sinto sempre especial quando diz isso. ― Sorrio.
― Deve mesmo, porque você é. ― Ele beija meu rosto, antes de o
maître nos interromper para darmos o nosso nome.
Ele nos leva para nos acomodarmos na mesa, nos entregando o
cardápio. Depois dos pedidos feitos, voltamos para uma conversa em que não
falta assunto. Assim que nossos pedidos chegam, enquanto nos serve o vinho,
pego meu celular.
― Ei, olha pra mim. ― Tiro uma foto, pegando-o desprevenido.
― Ah, não acredito que tirou uma foto minha.
― Mais uma que irá para os melhores momentos.
― Se é pra guarda este momento, que seja uma foto de nós dois. ―
Pega meu celular e se aproxima de mim, tirando várias fotos, tanto sérias
como as de careta e língua para fora.
Comemos entre muitas risadas, com Kyle me contando suas
travessuras e constrangimentos. Voltamos para a casa dele de Uber. Com o
resto de tempo que temos, nos arrumamos e descemos com as malas do
quarto. A minha está voltando um pouco mais pesada, pelo fato de ter
comprado muitas coisas. Fiz a festa.
Os três nos acompanham até o aeroporto, e quando nosso voo é
anunciado, só se vê muitos abraços apertados, agradecimentos e uma
promessa de que eu voltarei.
― Espero que seja em breve ― Luna diz, me soltando. Ela olha para
o irmão que está sendo abraçado pela mãe. ― Tenho que dizer que fico mais
aliviada. Me preocupava pensar que não tinha ninguém perto dele em Los
Angeles, não uma amizade verdadeira como a sua. Me sinto melhor, porque
agora ele tem você.
― Eu também me sinto bem em tê-lo na minha vida.
― Cuide dele.
Assinto e aceno mais uma vez antes de sumirmos de vista.
― Está bem? ― pergunta.
― Não, queria poder ficar mais.
Ele ri quando entende o motivo da minha tristeza.
― Voltaremos depois. ― Ele passa o braço pelo meu ombro, me
puxando para perto e beijando meu rosto repetidas vezes.

Kyle
Estou feliz por estarmos voltando para casa com a sensação de
alegria. Saber que a Liz se divertiu e está feliz pela viagem me dá um ar de
dever cumprido. É isso que quero, que esqueça tudo.
Sei que em dado momento algo a fez relembrar o que aconteceu com
o relacionamento dela anterior, e o fato de ter confiado em mim para dizer
tudo, me fez sentir bem e importante.
Assim como foi quando estávamos indo para Porto Rico, estamos
voltando. Sua cabeça no meu peito, e minhas mãos em seus cabelos, e, claro,
que não posso deixar de sorrir. Isso me faz lembrar da conversa com a Luna
antes de nos despedirmos.
― Você está totalmente a fim da Liz ― ela disse, dando risada,
enquanto olhava para Liz, que conversava com nossos pais.
― Não, somos apenas amigos ― eu disse, olhando para ela.
― Claro que são ― disse, debochada.
Ela e Liz se aproximaram muito durante esses dias, a todo momento
que via as duas juntas, estavam sorrindo ou rindo de algum comentário.
Tinham se dado bem desde que chegamos.
Anunciam o nosso pouso quando a Liz acorda.
― Já chegamos?
― Quase. Está cansada? ― pergunto, meu nariz em seus cabelos,
sentindo o perfume deles.
― Um pouco.
Assim que o avião pousa, nós descemos. Ela me disse que seu pai já
estava esperando por ela. O aeroporto tem pouco movimento por ser quase
três horas da madrugada. Percebo que nossas mãos, em todo o processo, estão
grudadas.
― O quê? ― pergunta quando percebe que estou olhando para nossas
mãos e sorrindo.
― Eu nunca conheci alguém como você. ― Sorrio. ― Sabe como eu
sei disso? ― Nega com a cabeça. ― Porque ainda estaria com ela se a tivesse
conhecido.
Ela para de andar, ficando de frente para mim, então segura o meu
rosto e me beija em seguida.
― Esse beijo já foi longo demais. ― Escutamos a voz do Octavio,
que está parado mais adiante.
Liz dá risada e vai ao encontro dele para abraçá-lo.
― Que saudades ― diz, beijando seu rosto.
― Eu também estava. ― Abraça a filha mais uma vez. ― Vejo que
cuidou bem dela. ― Olha para mim.
― Cumpri minha promessa.
Pode ser coisa da minha cabeça, mas no momento que começamos a
andar para a saída do aeroporto, sinto que ele fica em alerta, parece tenso, e
sua expressão logo se fecha quando olha para trás. Como eu sei disso? Meu
pai, por ser policial, fica dessa mesma maneira toda vez que tem algo sério
acontecendo.
― Pai, está tudo bem? ― Liz pergunta, por ter percebido também.
― Sim.
Não vi nada estranho, mas por ter olhos experientes as coisas são
diferentes para ele.
― Seu carro ficou aqui? ― pergunta quando saímos de dentro do
aeroporto.
― Não ― respondo ―, vou pegar um táxi.
― Não precisa. Te deixo em casa. ― É curto, sem deixar brecha para
negar.
Olho para a Liz, que me encara e dá de ombros.
Já estamos saindo do estacionamento quando, mais uma vez, Liz
pergunta se está tudo bem.
― Faz algum tempo que vi um carro na saída do condomínio. ― Ele
olha pelo retrovisor. ― Achei estranho, mas antes que eu pudesse observar
mais, o carro não voltou a aparecer. Hoje, quando desci do carro para entrar
no aeroporto, vi o mesmo carro, a placa era a mesma e o homem estava
encostado nele, fumando. Ele não me olhou, mas me seguiu para dentro.
Estava lá até o momento em que chegaram.
― Você acha que ele está te seguindo esse tempo todo?
― Não acho que seja eu, mas você. ― Olha para ela por alguns
segundos, voltando a sua atenção para a rua. ― Te observando.
O silêncio que invade o carro é horrível. Liz se afunda no banco, com
uma expressão aflita. Seguro sua mão, trazendo-a mais para perto.
― Vai ficar tudo bem ― sussurro.
― As coisas vão mudar de agora em diante ― Octavio diz, não
demonstra tanto, mas está preocupado.
Até eu estou preocupado, tinha caído a ficha do que havia escutado.
― Adeus minha liberdade. ― Suspira.
― Vai ser melhor assim ― digo, tentando confortá-la.
Octavio passa a viagem até minha casa em silêncio, dá para ver que
parece lutar com o que quer que esteja passando em sua mente. Fico abraçado
a Liz, que não está bem com tudo isso. Beijo sua testa quando paramos em
frente ao meu prédio.
― Amanhã te ligo. Obrigado, Octavio. Gostaria que me mantivesse a
par das coisas. Quero ajudar a manter a Liz segura.
― O.k. ― responde simplesmente. Entendo a situação e não esperava
uma conversa.
Desço, pegando minha mala, entrando no prédio em seguida. Será
uma noite longa e cheia de preocupação.
Nina
Chego toda animada em Los Angeles. Passarei alguns dias com a Liz,
que vai me ajudar a preparar algumas coisas para a festa do Ethan, que logo
estará vindo também. Não é só porque ela está longe da gente que a deixamos
de fora de tudo.
Imagine a minha cara ao chegar e pegar o clima tenso entre o tio
Octavio e Steve? Percebo que tem algo errado assim que entro na casa. Ele
me contou o que havia acontecido e fiquei desesperada.
Subo para o quarto dela e a encontro ainda dormindo. Sorrio ao abrir
as cortinas e ouvir seu resmungo.
― O que está fazendo aqui? ― Ela me olha, surpresa.
― Esperava abraços, e não essa reação quando eu chegasse de
surpresa. ― Dou uma de magoada, fazendo-a se sentar e levantar os braços,
rindo.
Me jogo em cima dela, nos derrubando na cama.
― Agora me diz, o que está fazendo aqui?
― Vai me ajudar nos preparativos para a festa do Ethan. ― Reviro os
olhos. ― Eu já tinha comentado.
― Eu sei, mas não achei que seria louca de vir pra cá.
― Não vamos te deixar de fora. ― Sorrio. ― Você volta para o
aniversário do Ethan?
― Talvez eu não vá. Tenho certeza de que meu pai te contou o que
aconteceu, ele está muito inseguro agora, com medo. Acho melhor não o
deixar preocupado ficando longe, até ter algumas coisas resolvidas.
― Ethan vai ficar muito triste em saber disso, mas vai entender ―
digo.
― É culpa dela. Tudo o que está acontecendo comigo. Vou ter que
andar com seguranças agora, meu pai não vai querer que eu vá. ― Ela respira
fundo.
― Isso é um saco. Como foi a viagem? ― Mudo de assunto e noto o
sorriso crescendo.
― Foi maravilhosa. Conheci tantos lugares, amei a culinária. Os pais
e a irmã do Kyle são uns amores, já tenho a Luna como uma irmãzinha. ―
Ela sorri.
― E você e o Kyle? ― Sorrio, maliciosa. ― Me conta o que está
rolando entre vocês. ― Viro-me melhor na cama e encontro seus olhos
brilhando.
― Só rolou alguns beijos, Nina.
― Tenho certeza de que pode rolar muito mais se você se permitir.
― Não vai, e você sabe o porquê. ― Ela solta.
― Eu sei e é uma pena, ele parece ser um cara legal.
― E ele é, só não estou pronta para isso ainda. ― Assinto.
― Como estão todos lá? ― Muda de assunto.
― Estão todos bem. Anastácia ainda está viajando com a avó, Noah
com os pais. Só sobrou Alex, Ethan e eu. Ah, conheci a irmã do Davon. ―
Solto como quem não quer nada, acho que ela precisa saber.
― Como? ― questiona, se virando de lado.
― Alex e eu saímos para comer, e o vimos. Ela veio até a nossa mesa
se apresentar, achando que éramos amigas dele. ― Dou um sorriso
sarcástico. ― Gostei dela, diferente do irmão. Ela é bem divertida. Acho que
iria gostar dela.
Liz continua em silêncio.
― Vi algumas cicatrizes no pulso dela, não fazia ideia de que o
incêndio tinha afetado tanto ela.
― Pelo o que meu pai disse, além do seu corpo ter tido muitas
queimaduras, ela tem um trauma, teve um dano emocional muito grande. ―
Sua voz está afetada. ― É difícil pensar em como uma criança pode ter
sofrido tanto, e crescer com isso.
― Sim. Nem conseguiria imaginar, estava toda sorridente e fazendo
piadas que envolvia o irmão dela. Comentou o quanto a proteção dele com
ela a sufocava. ― Ela tenta sorrir com o tom de brincadeira que fiz. ― É uma
menina doce e carismática. Parece um pouco com você, pela personalidade
forte.
― Então é uma garota incrível. ― Faz piada, se mostrando
convencida.
― Sim ― me levanto da cama ―, agora se levante, precisamos ver
algumas coisas para o aniversário do Ethan. Não vim do Canadá pra cá para
resolver tudo sozinha.
Resmungando e me dando um olhar assassino, ela me faz rir e correr
para o andar de baixo.
12
“Eu acho que não podemos controlar
O que está fora da nossa capacidade
Seja minha, seja minha, sim
A qualquer momento, a qualquer hora.”
Fallin' All In You • Shawn Mendes

Ethan
Nina já me espera com seu sorriso no rosto assim que saio do
desembarque. Eu sabia que a Liz não viria com ela, já que me explicou o que
havia acontecido alguns dias atrás. Sei que não é fácil para ela passar por
tudo isso.
Beijo seu rosto depois que a abraço.
― Estou bem cansado de aeroporto ― digo, rindo.
― Não é só você. ― Ela passa o braço pelo meu. ― Deixei a Liz
responsável por algumas coisas dos preparativos, enquanto vinha te buscar.
― E como ela está?
― Tenta demonstrar que não está frustrada, mas é impossível. Ela te
falou que não vai para a sua festa? ― pergunta, com cautela.
― Infelizmente me deu essa notícia. Até pensei em cancelar a festa e
fazer algo pequeno quando estivesse conosco, mas ela me proibiu.
― Podemos comemorar seu aniversário só entre nós depois, Ethan.
Nosso caminho até o condomínio é rápido. Assim que Nina estaciona,
Liz abre a porta para me receber, pula em mim, me abraçando. Só tenho
tempo de largar a mochila no chão para segurá-la.
― Isso tudo é saudade? ― Rio, abraçando-a com força.
― Ainda tem dúvida? Não gosto de ficar longe dos meus amigos. ―
Ela beija o meu rosto.
― Nem eu.
― Você foi recebido melhor do que eu ― Nina resmunga quando
para ao nosso lado.
― O que você queria? Tinha me acordado, sabe que não raciocino
bem assim que acordo. ― Ri, abraçando a nossa amiga. ― Amo ter você
aqui, boba.
― Vai ter que fazer mais pra me convencer ― diz, fingindo não ligar
com o que ouviu.
Entramos na casa rindo. A sala já está com as típicas preparações para
a festa, nada organizado.
― Não estão deixando o Octavio e o Steve loucos com isso, né? ―
pergunto, rindo. ― Pelo jeito, já adiantaram muito.
― Sim. Temos algumas ideias para a decoração do seu apartamento,
você só precisa escolher.
A festa será no meu apartamento, claro que não é para muitas pessoas,
e como não podemos ficar altas horas com som alto e bagunça, terminaremos
a comemoração em um pub.
Me junto às meninas para ajudar e dar palpites. As ideias delas estão
bem a minha cara, pensaram em tudo.
À noite, a Liz nos diz que iremos ao cinema com o Kyle no dia
seguinte. Com o seu trabalho, ele está muito ocupado, principalmente agora
que tinha acabado de voltar de Porto Rico.
Finalizamos nossa sexta com o que fazíamos de melhor, assistindo a
um filme e comendo besteiras.

Já estamos no shopping para assistirmos ao filme. Só está faltando o


Kyle, que havia se atrasado um pouco, e com isso resolvi esperá-lo no andar
que combinamos, enquanto as meninas foram a algumas lojas por perto.
Avisto-o se aproximando depois de alguns minutos que Liz e Nina
tinham saído. Percebo que ele começa a olhar para o meu lado à procura da
Liz, mas sem perder o sorriso.
― E aí, cara? ― Ele dá batidas nas minhas costas quando nos
cumprimentamos. ― Cadê as meninas? ― Volta a olhar para os lados. ―
Desistiram de me esperar?
― Até parece que íamos assistir a esse filme sem você. ― Dou
risada. ― Elas estão passeando pelas lojas, não quis acompanhá-las.
Nos sentamos no banco para esperarmos as duas.
― Estão te deixando doido com os preparativos? ― pergunta,
sorrindo.
― Nem me fale, deveria ter sido eu mesmo preparar a festa. Pra gente
é tão mais fácil, é só comprar algumas cervejas, pizzas e convidar as pessoas.
― Verdade. Só não conte para elas que concordei com você. ― Ele
ri.
― Relaxa. Elas têm toda essa coisa de organização.
― Ainda bem que escapei.
― Sorte sua. Liz me contou como foi a viagem de vocês, já tem
planos de voltar pra Porto Rico de novo.
Ele sorri, concordando.
― Na próxima vez poderia ir com a gente.
Assinto, sorrindo.
― Me diz o que foi ― peço.
― Já conheceu alguém que emite luz por onde passa?
Dou risada.
― Sim, claro que conheci.
― Pode parecer clichê, mas acho que o mundo é colorido graças a
ela.
Continuo sorrindo enquanto escuto tudo o que diz.
― E quando dirá essas palavras a ela?
Ele vira o rosto para me olhar.
― Não sei se devo. ― Sorri, sem graça. ― Não quero forçar a barra...
― Penso diferente, não acho que estaria forçando a barra. Ruim é
você guarda isso e não compartilhar com ela. Todo mundo já percebeu como
estão mais próximos, e como ela se apegou a tudo relacionado a você.
Olho para o lado e vejo as duas caminhando em nossa direção, Liz
ainda não notou Kyle ao meu lado.
― Olha quem está voltando ― digo, fazendo-o olhar na direção que
eu encarava.
Ele abre um sorriso e se levanta ao mesmo tempo em que ela o vê.
Assim que se aproxima, os dois se abraçam.
― Você demorou ― Liz diz quando se afasta.
Kyle abaixa a cabeça para beijar o rosto dela.
― Só um pouco ― diz, rindo.
― O importante é que já está aqui, e o nosso filme já vai começar ―
Nina interrompe o clima dos dois, rindo.
Kyle segura a mão da Liz enquanto seguimos para o andar do cinema.
Nina e eu trocamos olhares cúmplices e sorridentes. Concordamos que a
relação dos dois fará bem a ela.
Na sala da nossa sessão, os dois se sentam juntos, mas dando atenção
a nós. Nossa diversão é do começo do filme ao fim, já que havíamos
escolhido uma comédia. Combinamos que voltaremos para a casa da Liz,
Octavio sugeriu que jantássemos juntos.
― Você poderia voltar com o Kyle ― falo para Liz, sorrindo. ― Me
passa a chave. ― Estendo a mão.
Ela ri e me entrega a chave.
― Nos vemos já já. ― Nina pisca para ela, já abrindo a porta do
carro.
Nós os esperamos saírem para seguirmos logo atrás.
― Tá na cara que ele gosta dela. ― Nina ri.
― Verdade. ― Acompanho, rindo. ― Mas a Liz não está pronta para
um relacionamento.
― Sim, ela ainda gosta do babaca do Davon.
Nossa entrada no condomínio é rápida, já que o porteiro nos conhece.
Octavio pediu para que tivessem uma segurança melhor para isso. Não quer
que nada rompa a proteção que está com a Liz. Poderiam até passar
despercebido os dois seguranças distantes da gente o tempo todo. Assim que
entramos, o carro do segurança fica do lado de fora.
Estaciono o carro atrás do Kyle. Eles descem e nos juntamos a eles
para entrar na casa. Vamos direto para a cozinha, nossa conversa alta alerta
Octavio da nossa chegada.
― Como foi o filme? ― pergunta depois de cumprimentar o futuro
genro.
Rio, capturando a atenção deles.
― Foi bom.
O jantar já está pronto, e ele só aguardava a nossa chegada. Desde que
chegamos, não tínhamos visto o Steve.
― Cadê o Steve? ― Nina pergunta, tirando da minha mente o que
pensava segundos atrás.
― Já era para ele ter chegado ― Octavio responde, o tom mudando
um pouco. ― Deve ter acontecido algum imprevisto. Mas podemos ir
jantando.
― Posso ligar para ele, e saber onde está? ― Liz sugere, pegando o
celular.
― Não precisa. ― Ele nega rapidamente.
Nos sentamos à mesa e nos servimos. O jantar vai ser divino, sei disso
só pelo cheiro.
― Tem amigos por aqui, Kyle? ― Olho para a Nina, não entendendo
sua pergunta.
― Essa pergunta tem alguma intenção além de curiosidade? ―
pergunto, rindo.
― Claro que não. Só perguntei por que o Kyle nunca nos disse nada
sobre isso.
Kyle ri, não acreditando na sua resposta.
― Só tenho alguns colegas de trabalho, não posso dizer que são
amigos. ― Dá de ombros. ― Mas já tive um amigo alguns anos atrás,
infelizmente perdemos o contato.
― Uma pena. Talvez meu pai possa te ajudar nisso ― Liz sugere,
olhando para o pai.
― Acho meio impossível. Ele simplesmente desapareceu, nem sei se
está vivo ou aconteceu algo. ― Dá um sorriso sem graça. ― Que eu me
lembre, foi o amigo mais próximo que tive. Vivíamos juntos, Luna amava a
irmã dele, éramos todos próximos. Seria uma mentira dizer que isso não nos
afetou.
― Acho isso horrível. Evan e eu somos amigos desde a infância, me
afetaria também caso isso acontecesse com a gente.
Assentimos. Olho para Octavio, que observa o que o Kyle diz, sem
pronunciar nada, só balançando a cabeça em concordância.
― Você tem bastante agora ― digo, dando tapinhas no seu ombro.
Nossa conversa toma rumos diferentes, às vezes Octavio participa nos
contando algumas coisas sobre o dia a dia do seu trabalho, mas sempre
omitindo algumas coisas que não pode dizer.

Octavio
Não me sinto bem ver que a Liz não está confortável com os
seguranças, até eu não gosto, mas, no momento, é a única opção. E espero
que seja por pouco tempo. Não a quero presa, se privando das coisas por
causa da Katherine.
Já havíamos terminado de jantar, e liberei os jovens da missão de
lavar as louças. Achei que estava sozinho na cozinha até ouvir os pratos
serem juntados.
― Não precisa, Ethan.
― Com a minha ajuda terminará mais rápido.
Pensando assim, não nego sua ajuda.
Minha preocupação não é somente com a Liz no momento, mas a
ausência do Steve. Ele havia mandado uma mensagem no meio do jantar
dizendo que se enrolou no trabalho.
― Sinto muito a Liz não poder estar presente na sua festa ― digo,
ajudando a tirar a mesa.
― Eu compreendo, além disso, não quero colocar a Liz em risco por
ser egoísta forçando-a a ir ao Canadá. O importante é a segurança dela.
Concordo, feliz por ouvir isso. Não quero arriscar permitindo que ela
viaje para longe neste momento sem ter a certeza de que está tudo bem com a
sua segurança. E mesmo não estando feliz com isso, concordo.
― Tenho uma dúvida. ― Ele faz uma pausa. ― Como vai ser quando
as aulas iniciarem?
― Eu ainda não pensei sobre isso, mas vai dar tudo certo.
― Tenho certeza.
Arrumamos a cozinha, conversando sobre assuntos que não envolve
minha insegurança sobre a Liz e muito menos o Davon.
Davon e eu mantemos contato frequente, fico menos preocupado em
saber que os dois estão bem, principalmente agora com essa da Liz ser
seguida.
― Acabei esquecendo de te dar o recado do Noah ― Ethan diz para
Liz assim que se senta na sala. ― Ele ligou pra falar com você, mas não
estava contigo na hora.
― Eu vi que tinha algumas ligações perdidas. Tentei ligar, mas não
consegui.
― Difícil falar com ele nessa viagem com os pais. Mas mandou dizer
que não vê a hora de te ver. Acho que estamos todos sentindo falta do nosso
grupo.
― Ele está incomunicável ultimamente. ― Suspira de forma
dramática.
Olhando para ela, rindo das suas facetas, agradeço por ela ter puxado
totalmente a mim.
13
” Tento ser feliz, mas às vezes, é difícil
Mas a vida (mas a vida)
Parece acontecer diante dos meus olhos
Porque eu sinto que não estou lá.”
Hard Sometimes • Ruel

Liz
Estou deitada assistindo a um filme, mas, para ser sincera, não estou
absorvendo nada do que passa. Plena tarde de sábado. Estou chateada por não
estar neste momento no Canadá. O aniversário do Ethan acontecerá essa
noite.
Faz alguns dias que ele e Nina tinham ido embora. À medida que o
dia da festa se aproximava, mais frustrada eu ficava. Isso ficou bem claro
para os meus pais, que decidiram não questionar, já que sabiam o motivo.
Ouço a porta da frente ser fechada e a voz do meu pai me chamando.
Não respondo, porque quando não me encontrar no andar de baixo, acabará
vindo para o meu quarto.
Ele aparece segundos depois, se encostando no batente da porta para
me observar. Dá um sorriso de lado, que retribuo de forma manhosa.
Suspirando, ele se aproxima.
― Não gosto de ver essa expressão ― diz, beijando meu rosto e se
deitando ao meu lado. ― O que está assistindo? ― pergunta, mesmo sabendo
a resposta.
― Ah... Não sei, uma comédia, acho.
Ele pega o controle e desliga a televisão.
― É importante para você estar lá ― mais afirma que pergunta. ―
Pensei muito nisso, e acho que você deveria arrumar uma pequena mala.
Devo ter soltado um gritinho, pois vejo quando fecha os olhos e faz
uma careta.
― Sério mesmo?
Assente, então beijo seu rosto várias vezes.
― Obrigada, pai. ― Eu me levanto e vou até o guarda-roupa.
― Agradeça ao Kyle, o crédito é todo dele. ― Me viro para ele. ―
Com a condição que ia junto, e claro, ele topou na hora, até comprou a
passagem para vocês dois.
Posso estar estranha sorrindo desse jeito, mas estou feliz.
― Já conversei com um amigo que mora em Kingston, pedi para
providenciar sua segurança. Não achou que estaria livre disso, né?
― Se tratando do senhor, papai, não achei mesmo. ― Solto, dando
risada.
Ele beija minha testa antes de sair.
― Só se cuide.
― Obrigada. ― Sorrio.
Ele sabe o quanto estar presente com meu amigo nesse momento é
importante para mim. E, claro que agradecerei ao Kyle por isso.

Não é difícil arrumar uma pequena mala, coloco poucas roupas, já que
voltarei no domingo mesmo. Estou me arrumando quando meu celular toca,
indicando o nome de quem, nos últimos meses, está fazendo a diferença na
minha vida.
― Não sei como te agradecer ― digo antes de qualquer coisa.
― Você já sabe. ― Ele ri.
― Claro. Meu pai disse que o crédito por ter deixado é todo seu.
Obrigada.
― Ele está sendo modesto. ― Sei que está sem jeito. ― Mas não
precisa agradecer se é algo que te faz feliz. ― Pausa. ― Mas tenho uma
notícia não tão boa pra te dar.
― O que é?
― Não vamos conseguir chegar no começo da festa, não consegui
passagens para mais cedo.
― Uma pena, mas só em podermos estar lá para comemorar poucas
horas com ele já vale a pena.
― Sim.
Conversamos um pouco antes de dizer que preciso desligar para me
arrumar. Decido não contar a novidade para nenhum dos meus amigos, quero
fazer uma surpresa, tanto para o Ethan, como para os outros. Pela contagem
que fiz, chegarei perto da hora da comemoração no pub. Estou tão eufórica
que só penso na cara de todos quando me virem.
Kyle chega no exato momento em que estou descendo a escada com
minha pequena mala. Claro que pode parecer desnecessária, porque voltarei
amanhã mesmo, mas a necessidade de mulher é grande. É isso que eu digo
aos três que me olham questionando a mala na cor prata ao meu lado.
― Estou pronta.
Me aproximo do Kyle, beijando seu rosto. Steve sorri enquanto olha
para nós dois. Estou sentindo falta da sua presença ultimamente, ele me disse
que está com muito trabalho, e por isso chega tarde em algumas noites. Meu
pai parece indiferente a isso, mas percebo que tem algo por trás.
Os dois nos levam ao aeroporto, só assim para deixá-los mais
tranquilos. No caminho até lá, meu pai dá instruções ao Kyle, que ouve
atentamente ao meu lado. Meu lado frustrado me deixa com vontade de
revirar os olhos com o exagero, mas o outro, está feliz porque é com o Kyle
que meu pai fala, não com um desconhecido que poderia estar neste momento
me acompanhando.
Na despedida, é algo rápido, não precisa de tanta enrolação, já que
estarei de volta no dia seguinte.
Nas exatas quatro horas depois, estamos pousando em Kingston,
então pegamos um táxi e seguimos para o meu apartamento.
― O apartamento é a cara das três. ― Kyle continua observando
depois que havia trocado de roupa.
― Tem mais das meninas ― digo. ― Vai ter tempo de ver tudo
quando voltarmos.
Assente, passando o braço pela minha cintura e acariciando o rosto
com uma mão.
― É sempre bom ver este sorriso. Mas precisamos ir agora, senão
será impossível te largar.

Davon
Ainda falta um mês para as férias acabarem e está demorando uma
eternidade. Se conto os dias para poder vê-la? Claro que sim. Mesmo sem a
certeza de que ela voltará depois de tudo. Mas conhecendo a minha Bess
como conheço, ela não deixará de seguir seus sonhos por erros de outras
pessoas. Meu erro.
Depois que trouxe a Sam para ficar comigo aqui uns dias na
fraternidade, voltamos e fiquei mais um tempo com as duas, antes de decidir
voltar para cá.
Aproveitei algumas manhãs para sair e explorar lugares com a minha
câmera — muitos momentos das pessoas, paisagens que me traz paz. É disso
que preciso, me sinto melhor fazendo o que amo.
Conheci lugares que eu nunca havia parado para descobrir, e me
questionava o motivo de não ter feito isso antes.
Alguns dos meninos da fraternidade voltaram mais cedo das férias e
aproveitamos para jogar basquete. Não é a mesma coisa sem o Evan.
Ele ainda não havia se mudado, mas passa mais tempo fora com o
Ethan e as meninas. Não forcei mais a barra em manter uma conversa depois
da última.
Hoje é a festa do Ethan, e como não esperava nenhum convite, não fiz
muita questão. Mas, no fundo, me importo sim, queria estar lá não só com a
Liz, mas cercado pelos meus amigos, e os que vieram depois que a Liz entrou
na minha vida.
Eu achei que ela viria para o Canadá, mas quando o Oliver me contou
que isso não aconteceria, me vi decepcionado. Mas, mesmo não participando,
quero ir ao pub onde continuará a comemoração. Não é proibida a minha
presença ali. Iremos eu e o Oliver.
Desço a escada pronto para irmos quando o Oliver surge vindo da
cozinha, mastigando alguma coisa. Como sempre.
― Pronto? ― pergunto e ele assente com a boca cheia.
Vamos no seu carro, e como constatamos no caminho, o pub está
cheio. Antes de entrar já dá para ouvir a música. Tem um DJ logo a nossa
frente quando entramos, caminhamos para o bar, percebendo um movimento
maior em um lado do local.
Vejo os rostos conhecidos com outras pessoas que presumo serem
convidados do Ethan.
― Ela não está aqui ― Oliver diz quando percebe quem eu procuro.
― Não vai cumprimentá-los? ― Mudo o rumo da conversa.
― Não tem por que eu ir até lá se não sou bem-vindo. ― Sua risada é
amarga. ― Não viemos para ficar olhando a diversão deles. Estamos aqui
para beber.
Concordo. Nossas bebidas chegam. De vez em quando olho na
direção do grupo. Claro que a minha presença no local já deve ter sido
percebida. Pego Evan nos olhando, nos questionando só com o olhar.
Levanto meu copo, fazendo um gesto como se brindando.
― Sabe o que eu estava pensando? ― Nego com a cabeça. ―
Podemos fazer uma viagem, nós dois, ou com a Sam e Amy juntas,
aproveitar antes do início das aulas.
Encaro-o melhor, interessado na conversa.
― Você foi o único que não viajou, e não considero ir ao outro lado
da cidade para ficar com a Sam uma viagem. O que acha? ― me pergunta,
animado.
― Estou começando a achar que está certo. Algum lugar em mente?
― Não pensei nisso ainda, não achei que iria topar. ― Ele ri. ― Acho
que será algo bom pra Sam também.
Assinto, já imaginando a euforia dela.
Antes que eu possa responder, a voz do DJ soa pelo microfone,
chamando a atenção de todos.
― Cadê o aniversariante? Tem uma surpresa pra você ― ele diz,
então olho para o Ethan, que já tem sua atenção voltada para o palco. No
momento que escuto aquela voz, viro imediatamente minha cabeça para a
frente, visualizando a garota que anseio ter na minha vida sempre.
― SURPRESAAAAAA! ― grita, toda animada, dando alguns pulinhos.
14
“Dançando sozinha no escuro, sombras por toda parte
Você brincou com meu coração por muito tempo,
Isso foi um grande erro.”
Happiness • Little Mix

Octavio
Minha cabeça está entre minhas mãos, o som frustrado sai engasgado
da minha garganta. Frustrado porque ainda não tenho nenhuma evolução no
caso da Katherine. Minha equipe havia encontrado o carro que vinha
seguindo e observando a Liz. Estava abandonado longe da cidade, sem
nenhuma prova ou algo que nos leve a ela.
A porta se abre, mas não levanto a cabeça. Sei que é o Steve, não há
mais ninguém em casa. Ele para atrás de mim, colocando as mãos nos meus
ombros, iniciando uma massagem.
― Precisamos conversar ― diz, ainda continuando os movimentos
circulares.
― Agora que vem me dizer isso? Depois de dias? ― Tiro suas mãos
dos meus ombros.
Ele suspira, dando a volta na mesa e se sentando na minha frente.
― Precisava ter a certeza de que seria seguro, até mesmo com a Liz
longe.
Fico alerta quando assimilo suas últimas palavras.
― O que é?
― Ela entrou em contato comigo ― esse ela, se refere a Katherine ―,
e está na cidade.
― E quando me contaria isso? Não achou que era importante? ―
Levanto-me.
― Claro que achei. Mas precisava ter certeza do que ela quer,
Octavio ― diz.
― Certeza? Não se arriscou só em ir ao encontro dela, Steve, colocou
a vida da minha filha em risco. ― Minha voz está alterada.
― Ela também é minha filha.
― Não é o que parece. ― Minha resposta me faz perceber que peguei
pesado, há ofensa em sua expressão. ― Vai pelo menos me dizer onde ela
está?
― Não sei. ― Seu tom de voz está magoado, mas se for preciso ser
duro para manter todos em segurança, serei. ― Ela entrou em contato com
número protegido, e marcava o lugar. Tentei descobrir algo para te dizer, mas
nada.
― O que ela queria?
― Você sabe o que ela quer. ― Respiro fundo, voltando a sentar-me
à mesa. ― Agora mais do que nunca temos que proteger a Liz. Ela voltou
querendo vingança, porque o Davon foi atrás das coisas, fez com que o FBI
fosse atrás dela. Ela sabe que seu ponto fraco é a nossa filha.
Assinto, preocupado não só com ela, mas com o Davon e a Sam.
― Me preocupa que ela mande alguém fazer algo com o Davon e a
Sam.
― Vamos encontrar um jeito ― diz, seguro.
Ele faz menção de pegar a minha mão da mesa, mas, vendo que ainda
permaneço irritado e preocupado, ele a deixa no mesmo lugar.
― Vou falar com minha equipe, quero todos de olho em cada
centímetro dessa cidade.
Levanto-me e pego meu casaco. Antes de sair da sala, me volto para
ele.
― Na próxima não esconda as coisas de mim. Preciso estar a par de
tudo, não quero que destrua a nossa família.

Liz
― Cadê o aniversariante? Tem uma surpresa pra você ― o D J diz,
fazendo meu amigo se virar quando apareço no palco pulando e gritando pelo
microfone.
― SURPRESAAAAAA! ― No mesmo momento que me vê, ele vem com
passos rápidos para o palco.
― Não acredito que está aqui. ― Ethan me puxa para um abraço
apertado, me fazendo rir. ― Melhor presente que eu poderia ganhar.
― Estou feliz por estar aqui. ― Continuo sorrindo.
Ele volta a me abraçar, e de onde estou consigo ver o Kyle se
aproximando da mesa onde meus amigos estão.
Ethan passa o braço pelos meus joelhos, me pegando no colo e
descendo alguns degraus. Rio quando meus amigos comemoram a minha
presença. Fico de pé a tempo de ver as meninas pulando em cima de mim.
― Por que não disse que viria? ― Alex pergunta, me soltando do
abraço.
― Foi uma decisão de última hora, além do mais, não teria nenhuma
graça perder a expressão surpresa de vocês.
Noah se aproxima, me tirando do chão com seu abraço.
― Como senti sua falta. ― Beija meu rosto.
― Eu também. ― Sorrio.
É a vez do Evan, que sorri, mas sinto que está tenso.
― O que foi? Não está feliz com a minha presença? ― brinco,
sabendo que não é isso.
― Claro que estou, é que...
Ele olha para o lado, mas a voz que surge atrás de mim responde a
minha pergunta.
― Bess. ― Ouvir sua voz depois de tanto tempo me faz ficar parada
alguns segundos, antes de me virar para encará-lo.
Meus amigos ficam em silêncio, observando. Não achei que o
impacto ao vê-lo seria tão grande, e tenho certeza de que com ele foi a mesma
coisa.
― Nem acredito que está aqui ― sussurra.
― Eu que não acredito, que depois de tudo, ainda tem a coragem de
falar comigo. ― Encontro minha voz de alguma forma.
Olho para o lado e noto Kyle observando Davon com uma expressão
que não sei descrever.
― Liz...
Antes que eu possa falar algo, escuto a voz do Kyle.
―Taylor? ― Ele se aproxima mais.
Olho para ele, confusa. Davon, que continua na minha frente, olha
para ele, chocado. Comigo não é diferente.
― Kyle?
Então me toco que eles se conhecem, e pelo nome que o Kyle o
chamou, foi antes do acidente com a família dele. Me vem à mente a noite do
jantar que Kyle comentou sobre o amigo que havia perdido o contato, então
cai a ficha que é ele.
― Não é mais Taylor. Agora ele se chama Davon. ― Soo debochada,
voltando meu olhar para o homem que é irreconhecível para mim agora.
― Cara, o que aconteceu? Você sumiu ― Kyle pergunta,
visivelmente curioso. Dá para ver que também está encaixando as peças.
― Aconteceu muita coisa ― Davon responde, trocando o olhar entre
mim e o antigo amigo.
― Que mundo pequeno ― Alex fala perto de mim, mas se não fosse
em um clima tão tenso, seria cômico.
Mesmo com a música ainda tocando alto, o silêncio desconfortável
presente no nosso grupo é grande.
― Davon, acho melhor irmos. ― Noto Oliver pela primeira vez perto
do amigo.
Ele continua me encarando, mesmo a contragosto, assentindo
enquanto olha para o Kyle. Ali sinto um resquício de remorso, enquanto
decide se dá uma explicação para a pessoa que foi importante para ele em
algum momento da sua vida.
― Espero poder ter uma chance de conversamos.
― Eu espero que não. ― Dou as costas para ele.
As batidas aceleradas do meu coração são um indicativo de como
tudo isso me afetou. Kyle se aproxima de mim depois de alguns segundos.
― Você está bem? ― Assinto. ― Preciso falar com ele, quero
entender tudo depois desses anos ― diz, parecendo ansioso para ir atrás do
Davon.
― Tudo bem, acho que merece uma explicação.
― Não vou demorar ― diz, pegando minha mão e a beijando antes de
sair do pub.
― Que loucura ― Nina diz, me puxando para me sentar. ― Depois
dessa, tenho certeza de que precisa de uma bebida bem forte.
― Preciso concordar.
― Vou buscar. ― Ethan sai para pegar.
Me sinto mal por pensar que talvez tenha estragado um momento
importante para ele.
Estamos todos desorientados com a descoberta recentes dos dois.
Amigos? Nunca imaginaria.

Os minutos que se seguem eu intercalo meus olhos entre a entrada do


pub e nos meus amigos. Me sinto aliviada quando o Kyle passa pela porta,
vindo para a mesa. Ele vem balançando a mão.
― O que aconteceu? ― pergunto, estranhando seu gesto.
― Aquele não é mais o cara que eu conheci.
― Por que você bateu nele?
― Você ainda pergunta? Por mais que tenhamos sido amigos um dia,
hoje eu não o reconheço mais, ainda tem o que ele fez com você ― diz,
nitidamente chateado.
Dá para ver que ele não irá falar os motivos que o levou a fazer isso,
não me quer magoada.
― Desculpa por não ter ligado os pontos antes.
― Não precisa se desculpar, não tinha como você saber mesmo
depois de eu ter explicado tudo.
― Mesmo assim.
Tudo isso é uma loucura.
As meninas, percebendo que o clima continua estranho, me puxam
para dançar, tentando me fazer esquecer o que havia acontecido antes. Kyle
se junta aos meninos, mas sempre voltando para perguntar se está tudo bem.

Acordo com braços e pernas jogados para todo o lado. Da maneira


que chegamos, só nos jogamos na cama. Como surgiu a ideia de dormimos as
três juntas na minha cama? Não sei. Chegamos bem alegres na madrugada,
tinha quase certeza de que os meninos ficaram para passar o resto da noite no
nosso apartamento também.
Tiro o braço da Alex do meu rosto, e a perna da Nina da minha
barriga. É um emaranhado de membros que fico confusa sem saber o que é
meu. Vou para o banheiro para tomar banho e despertar.
Deixo as meninas dormindo ainda e sigo para a cozinha, escutando a
movimentação de vozes e panelas.
Sorrio quando paro na entrada, vendo Noah, Ethan, Evan e Kyle,
arrumando a mesa para o café da manhã, que mais parece almoço, pelo
horário.
― A verdade é que sabemos nos virar bem ― Evan responde, dando
continuação ao assunto deles.
― Além do Ethan, quem é chato por organização? ― Noah pergunta.
― Essa é uma pergunta típica de quem é bagunceiro. ― Ethan revira
os olhos para o amigo.
Vejo Kyle levantar a mão enquanto mexe algo na frigideira.
― Sou organizado. Nada contra quem é bagunceiro ― dá risada
enquanto olha para o Noah ―, mas prefiro ter tudo organizado, fica mais
fácil encontrar o que procuro.
― Resposta típica de quem é organizado. ― É a vez do Noah imitar a
fala do Ethan.
Rio, balançando a cabeça. Com isso, chamo a atenção dos quatro.
― Concorda, Lizzie?
― Não me metam no assunto de vocês. ― Levanto minhas mãos,
indo para a bancada pegar alguma coisa para comer. ― Vocês, homens, têm
papos estranhos, quando não é sobre mulher, claro.
― E algum esporte.
Beijo o rosto dos meninos.
― E, vocês, mulheres?
― Isso até eu consigo responder, Evan. Roupas, sapatos, salão de
beleza, viagem... Estou certo? ― Noah pergunta, convencido de que tinha
acertado.
― Faltam muitas coisas nessa lista, mas tem uma bem importante. ―
Todos os olhos me questionam, esperando a resposta. ― Festas com...
― Muitos homens bonitos ― Alex completa, entrando na cozinha.
Os meninos começam a fazer barulhos de que não tinham gostado da
resposta.
― Vocês não aceitam isso porque somos suas amigas. ― Ela dá de
ombros.
Olho para o Kyle que sorri, está mais próximo dos meus amigos, bem
confortável, como se já se conhecessem há muito tempo.
― Nina ainda não acordou? ― Evan pergunta e Lex nega.
Ele dá um sorriso para Noah, antes de irem para o meu quarto. Não
espero um minuto completo para ouvir os gritos da Nina do quarto.
Olho para o Kyle, que está sorrindo, mas sua atenção está em mim.
― Os pombinhos podem ignorar que estamos aqui ― Alex declara,
puxando Ethan para a sala.
Ele vem até mim, me abraçando e beijando meu rosto.
― Dormiu bem? ― pergunto. Ele assente, mas aparenta estar
incomodado com algo. ― Está tudo bem?
― Não. Não vou mentir que a conversa que tive com o Taylor mexeu
comigo. ― Suspira. ― Nem consegui ligar para a Luna e dizer que o
reencontrei. Ela pegaria o primeiro avião para cá. Ela sofreu muito com a
falta da Sam.
― E você do amigo ― digo.
Não me responde, mas não precisa. Lembro que me disse ontem à
noite depois da conversa deles. Ele não estava preparado para ver outra
personalidade do Davon.
― Acho que deve esperar voltarmos para Los Angeles antes de falar
com ela.
Ele assente.
Não falarei que não é só ele que tinha ficado mexido com a presença
de Davon. Tudo é recente, não faz nem três meses direito, olhar para ele me
faz lembrar das mentiras, palavras não ditas e uma cicatriz no meu peito que
está se fechando aos poucos.
― Vou matar vocês dois. ― Nina aparece na porta depois que os
meninos passam correndo pela gente. ― Vocês não perdem por esperar. ―
Ela vai para o quarto batendo os pés.
Olho para os dois, que estão com caras de sapecas.
― Vocês não prestam ― digo, já rindo ―, fiquem espertos, a
vingança da Nina pode ser pior do que imaginam.
― Vamos nos cuidar ― respondem juntos.
Tomamos café tranquilamente, mesmo com a Nina fulminando os
dois com o olhar.
Kyle e eu conseguimos ficar mais algumas horas antes de irmos para
o aeroporto, já com a ideia de como serão as coisas assim que ele se mudar
para o Canadá. Vamos de táxi para o aeroporto, mas em nenhum momento,
desde que chegamos até irmos embora, passou despercebido a presença de
alguns homens de preto. Cortesia do meu pai.
Estou voltando com a certeza de que quando voltar para Kingston
novamente, tudo será diferente.
15
“Tenho que fugir e me esconder?
Eu nunca disse que queria isso
Esse fardo veio até mim
E me fez de sua casa.”
Monster • Imagine Dragons

Kyle
Sigo-o para fora do pub, ainda desnorteado com a descoberta. Nunca
ia imaginar que o Davon, ex da Liz, é o Taylor, meu amigo de infância.
― Taylor ― chamo-o e o vejo parar e se virar lentamente, fazendo
um gesto para o seu amigo seguir em frente. ― Davon... cara, que confusão.
Ele me encara quando me aproximo mais dele.
― Você não pode sair assim sem explicar o que aconteceu nesses
anos ― digo. ― Davon. ― Solto uma risada sem humor. ― Trocou de
nome. Isso é surreal.
― Tive um motivo para isso ― diz, como se explicasse tudo.
― Tenho todo o tempo para ouvir ― falo, determinado. ― Por que
você sumiu sabendo que eu estava lá pra te ajudar?
― O que queria que eu fizesse? Não podia arrastar vocês para a
merda que aconteceu na minha família. Por pouco Sam e eu não morremos
naquele acidente. Procurar vocês só os colocaria em risco.
― E decidiu fazer tudo isso sozinho? ― questiono. Tinham tantas
maneiras de ajudá-lo.
― Pra não ter a consciência pesada se acontecesse algo com vocês,
preferi fazer tudo sozinho. Sei que está pensando agora que eu poderia
procurar as autoridades. Mas não tinha em quem confiar. Naquela época, não
confiava no FBI, achei que estivessem por trás do ataque.
Balanço a cabeça, não sei o que pensar.
― Nem mesmo no meu pai? Que te considerava tanto? ― pergunto,
vendo-o negar com a cabeça.
― Como eu disse, não queria que se arriscassem por algo que eu nem
sabia o motivo.
Consigo entendê-lo, mesmo discordando da decisão que tomou.
― E a Samantha?
― Ela está bem. Nos primeiros anos foi difícil, teve o trauma, as
sequelas do incêndio. Mas ela foi forte, é forte. Passou por tudo. ― Ele
demonstra estar bem orgulhoso da irmã.
Imagino o que a Luna achará disso, depois de anos, reencontrar uma
amiga que não tem notícias. É de se esperar que venha assim que souber.
― Eu quero reencontrá-la, não consigo nem lembrar mais do rosto
daquela menina.
― Não sei se é o momento.
― Como assim? Você sumiu durante anos, isolou a Sam, não acha
que está na hora de ela rever os conhecidos. Luna precisa disso, as duas
precisam.
Nega com a cabeça.
― Não é o momento. Primeiro quero conversar com ela, nem tenho
certeza se ela ainda se lembra de algo antes do acidente. Ela nunca conversa
sobre isso. Não sei se a machucaria recordar de algo que é tão perto do
inferno que passou. ― Vejo preocupação na expressão dele, proteção. Pelo
menos isso parece não ter mudado, agora, de resto...
― Sabe que não vou desistir ― digo.
― Não sabia que conhecia a Liz. ― Então chegamos ao assunto que
no momento está me irritando.
Saber que tinha sido um idiota ao magoar a Liz tornou mais fácil
odiá-lo, principalmente por não ter um rosto para imaginar. Mas agora que
ele tem rosto, nome e uma história por trás, é difícil aceitar que ele havia sido
capaz disso.
― Do mesmo jeito que não sabia que tinha sido você a magoá-la.
― Não te devo explicação alguma ― fala rudemente.
― A Liz já me contou tudo, mas seria interessante ouvir o seu lado
também, já que nunca imaginei que você seria capaz de enganar e usar uma
pessoa daquele jeito. Alguém que tinha sentimentos por você.
― Tive os meus motivos, mas se o tempo voltasse, faria diferente e
não a machucaria.
― Infelizmente o tempo não volta, e marcas ficam pelo resto da vida.
― Meu tom de voz já havia mudado, então tento me acalmar.
― Não é da sua conta o que aconteceu entre a gente, deveria ficar
fora disso.
Ele para, me observando, e quando sua expressão muda, eu sei que
havia lido no meu rosto o meu sentimento por ela. No início ele dá uma
risada amarga e balança a cabeça.
― Como você é inacreditável. Agora entendo essa sua reação.
― Entende? ― pergunto, debochado.
― Você sempre se interessou pelas garotas que eu ficava. ― Balanço
a cabeça, achando loucura o que estou ouvindo. ― Está gostando dela.
― Não é da sua conta.
― Não penso assim. Vai fazer a mesma coisa que fazia quando
éramos adolescentes? Vai ficar com ela, provar e depois descar...
Não espero que termine sua frase, dou um soco na sua boca, fazendo-
o recuar. Ele segura o queixo e cospe sangue, dando uma risada em seguida.
― Até onde eu me lembro, quem fazia isso era você, e era eu que
consertava as suas burradas. ― No momento não sinto dor, o sangue corre
quente pelo meu corpo de tanta raiva. ― Você não é a mesma pessoa. Está
irreconhecível ― digo, me arrependendo de ter me importado e vindo atrás
dele.
― Não é como se eu te conhecesse também. Pessoas mudam, Kyle.
― Infelizmente você mudou para pior ― declaro, decepcionado.
― Não me lembrava que você acostumava julgar antes de conhecer
os motivos dos outros. ― Limpa a boca, me encarando antes de ir embora.
Volto para dentro do pub, massageando minha mão. Não sabia se
esperava o pessoal do lado de fora antes de entrar, mas me lembro que a Liz
pode ficar preocupada com a minha demora. Não irei contar sobre a nossa
conversa, não a quero mais magoada do que já está.
*

Sento-me na cama, com a toalha enrolada na cintura. Havia chegado


ao meu apartamento há mais ou menos uma hora, depois de ter deixado a Liz
em casa. Tomei um banho, enquanto decidia se ligava para a Luna e contava
que havia encontrado o Davon.
A chamada toca algumas vezes antes de ela atender, toda amorosa,
como costuma ser.
― Achei que estaria com a Liz ― diz, depois dos cumprimentos. ―
Nem esperava uma ligação sua, já que chegaria cansado da viagem.
― Não ia ligar. Mas tem algo que preciso te falar, pensei muito antes
de decidir te contar.
― O que é? ― Sua voz muda para temerosa.
― Reencontrei o Taylor em Kingston.
A linha fica em silêncio por alguns segundos, e eu espero, porque,
assim como eu, ela está em choque. Não esperava por uma notícia dessas.
― E como foi? ― enfim pergunta.
― Nada agradável, como imagina. Ele é o ex da Liz e usa o nome de
Davon.
― O quê? Como é possível? Por que trocou de nome? ― me
questiona, sem esperar que eu responda cada uma.
― Uma pregunta de cada vez, irmã ― peço.
Ela se acalma, e assim consigo explicar toda a história, de como foi o
nosso encontro no pub até a conversa. Luna sabe que o namoro da Liz não
tinha dado certo, mas não sabe os motivos, e não irei contar.
― Não é mais aquele amigo que conhecia. ― Suspiro. ― Está bem
mudado.
― E a Sam? Como ela está?
― Não a vi, mas disse que está bem. Falou que não acha uma boa
ideia vê-la.
― Ele está sendo egoísta ― diz, furiosa. ― Preciso ver como minha
amiga está, Kyle. São mais de cinco anos sem notícias. ― Sua voz está
embargada. ― Vou arrumar minhas coisas, chego aí o mais rápido possível.
― Não, Luna. Primeiro vamos ver como serão as coisas, deixei claro
que a veria. Mas não pode vir pra cá sem ter certeza de nada. Nem sei onde
ela está, pra começo de conversa.
― Mas, Kyle...
― Eu sei que quer muito vê-la, mas precisa esperar. Preciso falar com
nossos pais, quero que saibam de tudo. Tudo bem?
― Sim, sim.
― O.k. Preciso desligar. Mas conversamos melhor assim que der.
― Não deixe de mandar notícias, por favor.
― Não deixarei.
Com muita relutância da parte dela em finalizar a ligação,
encerramos. Mas não tiro da cabeça todos os pensamentos de como
conduzirei a situação daqui para frente.

Davon
A dor no meu queixo não se compara com o que sinto com o que
havia acontecido nessa noite. A surpresa em ver a Liz não chega perto do
choque em rever meu antigo amigo. Agora que estou ciente de tudo, tenho
certeza de que não tenho mais esse título.
Merda maior ainda é saber que está nutrindo sentimentos por ela, o
impacto de ter visto isso na sua expressão me atormenta. Ainda tem o fato de
a Liz não querer falar comigo. Em nenhum momento achei que essa
abordagem seria fácil.
Entro no carro, limpando a boca com a manga da camisa.
― Que merda aconteceu? ― Oliver pergunta, assim que me vê.
― Acho que só em ver meu rosto dá pra imaginar ― respondo, meu
mau humor bem visível.
― Belo presente de reencontro você ganhou ― fala, fazendo graça,
pouco se importando com meus olhos o fuzilado. ― Quem diria que
encontraria seu amigo depois de anos.
― Nem eu esperava uma proeza dessa. ― Olho para fora da janela
enquanto os prédios passam por nós. ― Ele gosta dela ― digo depois de
alguns minutos.
― Isso já sabemos. Me diz quem não gosta da Liz? É impossível ―
diz sem entender ao certo o que estou dizendo.
― Não nesse sentido. ― Suspiro. ― Ele realmente gosta dela.
Percebi isso enquanto conversávamos.
― E?
― Não sei o que pensar. Talvez a Liz não retribua... não sei o que
pensar disso ainda. Ele quer ver a Sam também, isso é outra coisa que me
preocupa, não sei como vai reagir.
― Precisa falar com ela, então. Não vai deixar sua irmã fora dessa,
né? Às vezes rever as pessoas pode ajudar.
― Foi isso que Kyle disse. É até estranho pronunciar esse nome
depois de anos.
Não que havia me esquecido dele ou da Luna. Mas é uma realidade
para mim que não podia inclui-los. Não com aquela obsessão que tinha por
vingança.
Assim que estaciona em frente à fraternidade, ele espera que eu desça.
― Não vai entrar?
― Minha noite ainda não acabou. ― Ele ri. ― Nos vemos amanhã.
Bufo, batendo a porta do carro, fazendo-o gargalhar ainda mais. Pelo
jeito, somente eu terei uma noite ruim.
Meu sono não vem, e passar a noite em claro não ajuda no dia
seguinte. E é assim minha madrugada, escuto a porta da casa abrindo, depois
fechando, indicando a chegada de algum dos meninos.

Já é a tarde quando decido ir até o apartamento da Liz. Tentarei mais


uma vez falar com ela, e torço para que dê certo.
Assim que chego à entrada, tenho uma sensação de déjà vu. Estive
aqui a alguns meses atrás da Liz, e tudo se repete.
Bato à porta e não preciso esperar muito, a porta é aberta pela Alex,
que me olha nem um pouco surpresa.
― Estava pensando que horas ia aparecer ― diz, sarcástica. ― E
antes que pergunte, ela não está. Já voltou para Los Angeles.
Minha decepção está bem à mostra.
― Não sei por que ainda tenta, Davon.
― Não vou perder a esperança de falar com ela, em algum momento
ela vai me ouvir ― digo.
― Se você diz. Se era só isso, vou voltar para o meu filme.
Ela está fechando a porta quando a impeço.
― Só mais uma pergunta. Kyle voltou também?
― Sim. Quem diria que já foram amigos.
Assinto.
― Liz e ele estão tendo algo? ― Faço a pergunta com medo da
resposta.
― Eu não acho que isso seja da sua conta. Era só isso o que você
queria saber? ― Assinto. ― Tenha um ótimo dia.
Só ouço o barulho da porta sendo fechada, e mais uma vez me dou
conta que a deixei ir embora.
16
“Ei, irmão
Há uma estrada infinita para redescobrir.”
Hey Brother • Avicii

Davon
Decidi falar com Sam. Realmente pensei muito e cheguei à conclusão
que pode ser uma coisa boa para ela. Não esconderei nada dela que a
prejudique depois. Antes de tomar a decisão de ir até o outro lado da cidade,
me pego lembrando dos cinco anos antes do acidente, de como era minha
vida, minha amizade com o Kyle, meu relacionamento com meus pais. Logo
fará seis anos de toda a tragédia que meu pai causou a nossa família.
A nossa amizade era uma coisa única, de irmãos. Ele sempre me
tirava das enrascadas que eu me metia. Principalmente quando me escondia
na sua casa por causa do meu pai. Era uma coisa frequente.

― Queria entender o que faz seu pai ser assim? É óbvio que você
também não colabora. ― Jogo o travesseiro que estava deitado nele, que o
pega rápido demais. ― Mas ele pega pesado.
― Pega pesado mesmo sem eu ter feito nada, só para deixar claro ―
digo. ― Acho que só por isso sou um pouco rebelde.
― Pouco? ― Começa a rir. ― Às vezes me pego pensando como
somos amigos, somos muito diferentes.
― Sabe que não sei? ― Paro para refletir também. ― Acho que era
pra ser, precisava de alguém sensato para me colocar na linha.
Ele devolve o travesseiro, que acerta o meu rosto. Escutamos batidas
na porta, que abre em seguida.
― Luna, já pedi para esperar que eu autorize sua entrada. ― Ela
bufa, se jogando na cama para se sentar. ― Uma hora pode pegar algo
desagradável.
― Não sei o que seria. Você não faria nada de errado que eu sei. ―
Ela se vira para mim. ― Por que não trouxe a Sam?
Para uma garota de doze anos, ela é bem esperta.
― Ela saiu com minha mãe.
― Uma pena, queria que ela dormisse aqui hoje para fazermos uma
noite do pijama. ― Me olha com olhos pidões.
― Acho que posso resolver isso para você ― digo, vendo-a dar
pulinhos ―, mas não é certeza.
― Sei que dará seu jeito. ― Sorri, voltando para o seu irmão. ―
Preciso que monte a minha cabana no quarto.
― Pra que uma se vão dormir no quarto.
― Qual a graça de não ter uma na noite de pijama, nós, meninas,
gostamos de ter imaginação. ― Ela se levanta da cama. ― Vou pedir para
fazer algumas coisas para a nossa noite.
Assim que sai, posso ouvir sua animação, soltando alguns “Uhuuul”.
As duas são bem apegadas, lembro-me que no mesmo instante que se
conheceram, viraram amigas.
― Bom que não fico de babá se meus pais forem em mais algum
jantar. ― Reviro os olhos.
Era sempre assim, meu pai gostava muito de aparecer, mostrar a
família perfeita que éramos. E minha mãe era muito submissa, claro que não
sempre, sabia se opor ao meu pai também.
― Podíamos sair ― sugiro. ― Tem algumas festas que vão rolar na
casa de alguns colegas nosso. Topa?
― Por que não? Além do mais, não vou só pra curtir, tenho que ficar
de olho em você para não entrar em mais uma briga desnecessária. ― Sua
atenção está em algumas pesquisas no computador a sua frente.
― Não foi desnecessária. A garota do cara deu em cima de mim, em
nenhum momento pensei que ela era comprometida ― me defendo.
― Ah, não? ― Olha para mim, e eu nego. ― Você gosta de se fazer
de santo. ― Dá uma risada.

Éramos uma boa dupla, mesmo com as nossas diferenças.


Hoje eu entendo toda a demonstração de família feliz. Era tudo papel,
encenação para que pudesse fazer suas armações com a Katherine sem que
ninguém percebesse. E toda a pegação no meu pé poderia ser porque em
algum momento faria parte dos seus planos, sua armação.
Em nenhum momento implicava com a minha amizade com o Kyle,
eu achava que era por terem cargos na polícia e no FBI. Mas não, era só uma
forma de despistar.
Me recordo da conversa que tive com o Kyle fora do pub. Me toquei
que peguei pesado por acusá-lo de fazer papel de babaca com as meninas,
sendo que, na verdade, esse papel era meu. Ele era para namorar e, eu, para
curtir.
Claro que a raiva que senti me fez dizer aquilo por causa da Liz. Não
conseguia pensar que a mulher que eu amo pudesse estar com alguém que foi
importante na minha vida. É difícil aceitar, e, provavelmente, isso não irá
acontecer.

― Por que sempre sobra pra mim as meninas que você magoa? ―
resmunga.
― Não vamos falar sobre isso de novo. Quem sabe não encontra
alguém bacana hoje para você ficar? ― sugiro.
― Uhum ― responde, sem interesse. ― Talvez fique só com as
bebidas hoje.
Depois de alguns minutos na festa, cutuco o Kyle, que olha para a
frente.
― Acho que minha noite já está garantida ― digo, enquanto
observamos a garota vir em nossa direção.
― Está com sorte ― responde, admirando a beleza dela.
Já me preparo para jogar meu charme, quando ela para olhando
para o Kyle. Levanto minha sobrancelha questionando, e meu amigo dá de
ombros discretamente.
― Olá, você é o Kyle, né? ― pergunta.
― Ah, sim ― responde, sem entender. ― Precisa de alguma coisa...?
― Brianna, e sim, de companhia. Talvez possa me oferecer a sua.
Ele olha para mim sorrindo, mostrando que quem se deu bem havia
sido ele.
― Claro, Brianna. Taylor, nos vemos depois.
Parando para olhar bem, percebo que a garota não é bem o tipo que
está acostumada a ficar. De sentimentos estou fugindo, e é isso que rola com
garotas como ela. Minha fama de pegador é conhecida por todos. Não é à
toa que a maioria escolhe o Kyle para se envolver, é uma garantia de não ter
o coração partido.

Suspiro.
Essas lembranças parecem ser de dias atrás, e não anos. Kyle sempre
foi um cara legal, amigo fiel, filho que dá orgulho. Seus pais eram como pais
para mim também. Principalmente Juan, que me dava conselhos, sempre
preocupado comigo.

Ele encara o corte na minha testa enquanto a tia Carmen limpa o


meu rosto. Faz pouco tempo que bati o carro, e dou graças a Deus por estar
bem e o Kyle não estar comigo. Nem imagino a cara dele quando souber.
Primeiro que se estivesse comigo, ele não me deixaria dirigir bêbado.
É mais fácil chover canivete. Assim que houve a batida, a primeira pessoa
que liguei foi para o pai dele, Tio Juan foi ao meu socorro rapidamente.
Percebi seu alívio assim que chegou ao local.
Meu pai ainda não sabia que havia batido um dos carros dos Cohen.
― Não acredito que fez isso, hijo. Poderia ter se machucado ― tia
Carmen fala, toda preocupada.
Estou é com medo do que pode vir do Juan, que ainda não havia
falado nada desde que foi me ajudar e resolveu tudo. Viemos calados até sua
casa.
Depois de limpar meu rosto, Carmen sai, me deixando sozinho com
ele.
― Pensei em várias coisas para dizer a você, Taylor. Mas não direi
nada. Quero que saiba que estou muito decepcionado. Achei que da última
vez que tínhamos conversado, você tinha entendido o quanto fazer isso é
arriscado.
Assinto, envergonhado.
― Esperava mais de você. ― Ele se levanta, colocando a mão no
meu ombro. ― Irei ligar para o seu pai agora.
Sai, me deixando além de envergonhado, triste por tê-lo magoado.

Entendo que a sua decepção era um remédio melhor e mais eficaz


para o meu aprendizado, do que os sermões depois daquele dia.
Foi a última vez que nos falamos, a última vez que vi os três e meu
amigo, já que foi naquela madrugada que a explosão aconteceu. E sentia
muita falta deles.

Encontro a Sam sentada na sua cama, praticando seu violino. É lindo


ver sua paixão. Fico parado na porta ouvindo um pouco sem que perceba, já
que olha para suas partituras. A música que toca é The Scientist, a sua
delicadeza é algo mágico.
― Fratello? ― Me desperto quando me chama. ― Está tudo bem? ―
Vou até ela, beijando seu rosto.
― Sim. Tá ficando cada vez melhor ― elogio, fazendo-a sorrir e suas
bochechas corarem.
― Obrigada ― me abraça de lado ―, mas tem algo pra dizer. Não
tem?
Ela se senta de frente, para poder ver meu rosto melhor.
― É algo importante e não sei qual será sua reação. ― Ela me
incentiva a continuar. ― Nesse fim de semana, reencontrei um velho amigo,
que acho que nem é tão amigo assim agora. Mas enfim, vi o Kyle.
― Kyle? ― Arregala os olhos. ― Kyle, o irmão da Luna? ―
Assinto. ― Nossa! Como foi? A Luna estava lá?
― Não foi um reencontro tão agradável assim.
― Por quê?
― Eu o vi com a Liz...
― A Liz voltou? ― pergunta, ainda mais surpresa.
― Só para o aniversário do Ethan, ela voltou para a Califórnia no dia
seguinte com ele.
Ela fica em silêncio por alguns instantes, me observando, atenta ao
machucado no meu rosto. Vendo que eu não irei me pronunciar quanto a isso,
ela bufa e faz a pergunta:
― E esse machucado no seu rosto?
― Kyle me deu um soco. Creio que não consegui segurar a língua e
falei demais. Como sempre. ― Suspiro.
― É, você tem essa mania mesmo. ― Bate seu cotovelo na minha
barriga. ― Quero ver a Luna ― pede. ― Quero ver a minha amiga de
infância. ― Ela dá um sorriso contido.
― Darei um jeito nisso. Tenho certeza de que Kyle e eu não
deixaremos as diferenças de agora atrapalhar a relação de vocês. ― Puxo-a
para o meu lado, beijando seu rosto.
― Obrigada por me contar.
― Confesso que tinha medo de que relembrar pessoas do nosso
passado pudesse piorar alguma coisa pra você.
― Essa é a coisa boa, eu nunca os esqueci. Tenho lembranças boas,
momentos bons. Fez parte de uma época boa que não quero esquecer. ―
Abraço-a mais apertado. ― Kyle é a mesma pessoa que lembrávamos?
Do pouco que eu vi, é a mesma pessoa, de caráter, personalidade e
fiel. Vi no começo toda a preocupação com o amigo desaparecido, antes das
merdas faladas por mim.
― Sim. ― Sam sente minha tensão. ― O Kyle é perfeito para ela ―
digo, demonstrando aquilo que está me deixando inquieto.
A minha insegurança começou quando percebi o sentimento dele por
ela. Não culparei a Liz por querer alguém que não tenha uma carga do
passado.
Mas não desistirei dela, ainda continuarei demonstrando que estou
mudando e que a quero em minha vida.
― Não aceito você se colocando pra baixo. Mesmo com seus erros e
defeitos, você é digno de ser amado. Os dois são totalmente diferentes um do
outro, se via isso quando eram adolescentes. Mas se tem algo rolando entre os
dois, a escolha é da Liz, perfeitos ou não.
Sorrio com suas palavras. É sempre verdadeira e sincera. Samantha
está certa, a escolha será sempre dela. Só não sei se estou preparado para o
que decidir. Mas a sua felicidade é o que importa para mim.
― Obrigado por me amar do jeito que sou ― digo, parecendo estar
brincando, mas sabemos que é verdade. Eu não poderia ter uma irmã melhor.
17
“Quando eu te vi
Tudo sumiu por um instante e deixei de existir
Tipo perdido no tempo
E voltei a me encontrar graças a você.”
Sola • Luis Fonsi

Liz
Na minha volta para Los Angeles achei que nada poderia ficar mais
estranho, mas, infelizmente, estava errada. Primeiro, que quando cheguei a
minha casa o clima entre meus pais estava estranho, esperei pacientemente
para que pudessem dizer o que está acontecendo. Sem sucesso.
Depois, para completar tudo, senti Kyle me evitando. Achei que
poderia ser impressão minha, mas as minhas tentativas de marcamos algo
durante esses dias não deu certo, sempre falando que estava ocupado com o
trabalho ou com as coisas da mudança.
Não conseguia ignorar o que havia acontecido no fim da semana
passada, a informação é importante para que não conte ao meu pai.
Tentando ocupar minha mente sobre o que pode estar acontecendo
com o Kyle, fico sentada ao lado da janela do quarto acessando sites que nem
mesmo me interessa. Meu celular toca em cima da cama, e imaginando que
pode ser o Kyle, corro para pegá-lo, com direito a tropeçar nos meus próprios
pés.
Estou sentindo a falta dele, e não é pouca. Me acostumei com tudo
que o envolve. Conversas, risadas e uma simples mensagem com emojis
durante o dia.
Bufo desiludida ao ver o nome da Nina. Me sinto mal por ter tido essa
reação.
― Achei que a minha amiga poderia me ajudar a escolher um vestido
que estou prestes a comprar. Mas só pelo tom de voz, imagino que tem algo
errado. ― Solta depois de me ouvir atender a chamada.
― É somente impressão.
― Não vai me fazer pedir para contar, vai?
― Não. ― Sento-me novamente ao lado da janela. ― É o Kyle.
― Não me diga que já rolou entre vocês e não me contou ― exclama,
eufórica.
― Não ― dou risada ―, mas é que senti que o Kyle está me evitando
depois que voltamos daí. ― Suspiro. ― Recusou todos os meus convites para
sairmos, dando a desculpa que está ocupado com o trabalho e as coisas da
mudança.
― Hum. Às vezes é isso mesmo.
― Não é. ― Escuto-a rir do outro lado. ― Eu sei que não é, entende?
Eu o conheço. Kyle realmente está... distante.
― Talvez ele tenha se afastado por gostar de você, pode estar
inseguro. Talvez goste de você mais do que imagina. ― Continuo em
silêncio, e vendo que estou muda, ela continua. ― O que você sente?
― Não sei ― respondo com sinceridade.
― Então você tem que descobrir. Não é justo deixar que ele se iluda
para lá na frente você não permitir algo além do que vocês têm agora. Não
pode dar esperança a ele.
― Eu sei. Não quero machucá-lo por isso.
― Depois dessa conversa, te pergunto o que está esperando para ir até
o apartamento dele? Convite que não seria, né?
― Também não sei o que estou esperando ― concordo, me
questionando por que não havia feito isso antes. ― Vou até lá pedir uma
explicação.
Decido contar o que está me incomodando desde que cheguei.
― Também não é só isso. Durante essa semana, estou sentindo um
clima estranho entre meus pais. Quando estamos os três juntos, evitam
conversas ou fingem sorrisos ― desabafo, suspirando em seguida.
― Vai ter que questioná-los ou esperar que venham até você e digam
o que está havendo. ― Assinto, mesmo não podendo me ver. ― Os dois só
pensam no seu bem-estar.
― Sim. Sempre preferiram não me preocupar com coisas sérias. Você
precisa da minha ajuda para o que mesmo? ― pergunto, me lembrando do
motivo da ligação.
― Não era nada de mais, não é tão importante, diferente do que
precisa fazer depois que desligar.
― Nina...
― Nada disso. Me diz depois o resultado da sua conversa com ele.
Beijos.
Desliga antes que eu possa concordar. Pensar na conversa que
tivemos, me faz ter mais certeza ainda que é isso que devo fazer. Me arrumo
e desço para o escritório do meu pai para avisá-lo. A porta está aberta quando
me aproximo, então escuto os dois conversando. É algo importante só pela
alteração de voz e as expressões no rosto dos dois.
― Tem algo acontecendo aqui? ― pergunto, já entrando, olhando de
um para o outro.
― Não ― meu pai responde.
Levanto a sobrancelha para ele, e é a vez do Steve se pronunciar.
― Não é nada. Somente uma conversa importante sobre o trabalho.
― Não pareceu isso. Estão estranhos desde que cheguei do Canadá,
sinto que estão escondendo algo ― acuso os dois, vendo que os peguei de
surpresa.
Por um momento, penso que pode ser uma crise no relacionamento
deles, e com isso virá a separação. Só de imaginar isso acontecendo sinto um
aperto por dentro. E um desespero que beira a borda do descontrole.
― Não é nada, querida. Impressão sua. Estamos cansados da semana
que tivemos, então todo esse estresse acaba vindo com a gente pra casa. ―
Meu pai se aproxima, segurando meus ombros e sorrindo em seguida.
― Sim. Perdoe seus pais por não terem percebido isso antes. ― Steve
me abraça.
― Não tenho que perdoar vocês, só não quero que nada atrapalhe a
nossa relação.
Meu pai passa o seu braço pelos ombros do Steve, abraçando-o de
lado. Vejo quando dá um beijo casto em seus cabelos, e esse gesto parece
aliviar algo dentro de mim.
― Vai sair? ― Muda de assunto, me observando arrumada, com o
casaco e chave do carro na mão.
― Sim, só vim para avisar. Vou à casa do Kyle, acho que tem algo
acontecendo para todo esse afastamento dele ― digo, já que os dois sabem
do que estou falando. Já havia comentando com eles durante a semana.
― Talvez o Kyle esteja se sentindo inseguro com esse encontro que
teve com o Davon, e ter descoberto tudo sobre vocês ― meu pai diz a mesma
coisa que a Nina. E isso só me faz ter uma visão diferente da situação.
― Se for isso mesmo, espero que me conte.
Beijo os dois no rosto antes de sair pela porta do escritório. Não fico
fora esperando que voltem à conversa que estavam tendo antes de eu
aparecer. Confiarei que está tudo bem com os dois.

No caminho para o apartamento me vem uma pergunta que nunca tinha


parado para me fazer antes.
O que o Kyle é para mim?
Essa pergunta me faz ir à fundo, me faz lembrar desde que cheguei
aqui. O apoio dele sem saber o que estava acontecendo, todas as nossas
conversas, tentando sempre me animar. As mensagens simples que me fazia
sorrir. Sua presença constante, e quando não estava sentia a sua falta.
Antes de sair do carro, olho para o seu prédio, torcendo para que
esteja em casa. Respiro fundo e desço. Cumprimento com a cabeça a figura
que sempre está na minha cola. Já estou me acostumando com o agente que
meu pai colocou atrás de mim.
Paro em frente à sua porta, imaginando o que farei assim que colocar
meus olhos nele. Questionarei antes ou depois de verificar se está bem? Não
é nenhuma das duas opções, já que assim que abre a porta, corro para abraçá-
lo.
― Liz... ― O som do meu nome é cortado com o impacto dos nossos
corpos.
Ele me abraça de volta, me apertando, afundando seu rosto na curva
do meu pescoço.
― Senti tanto a sua falta. ― Respirando seu perfume, me permito
ficar naquele abraço mais alguns segundos, minutos até. Só não quero soltá-
lo.
― Eu também senti ― sussurra. ― Me desculpa por não estar tão
presente.
Me afasto, com nossos braços ainda entrelaçados um no outro. Fico
olhando para o seu rosto por algum tempo, até escutar sua risada.
― O que tanto está olhando?
― Você se tornou uma pessoa importante na minha vida ― digo,
pegando-o de surpresa.
― Isso é um problema pra você?
Nego com a cabeça, sorrindo.
― Mas talvez seja para você.
― Por quê?
― Porque talvez eu não consiga corresponder da maneira que você
espera.
― Você sabe que eu nunca forçaria a barra, não é?
― Eu sei, mas então por que você se afastou?
― Me desculpa ― pede. ― O impacto de saber que meu melhor
amigo era apaixonado pela garota que eu tam...
― Kyle... ― Tento cortá-lo.
Meu celular resolve tocar nesse momento. Continuo olhando para ele,
esperando que termine a frase, mas ele não continua.
― Não vai atender? ― pergunta.
― Vou. ― Me afasto dele para pegar o celular.
Meu celular já tinha parado de tocar quando o peguei, mas volta a
tocar novamente, mostrando o nome do meu pai na tela.
― Pai?
― Está tudo bem? Demorou pra atender.
― Sim, ele estava na bolsa.
― Só liguei pra saber se irá jantar em casa.
― Na verdade, pai ― me viro e encontro Kyle me observando ―,
vou dormir aqui hoje.
― Tudo bem, vou jantar fora com o Steve ― diz, e pelo seu tom de
voz já imaginava que eu não voltaria para casa.
― Faça isso, os dois estão precisando de um momento só de vocês.
Amo vocês.
― Te amamos também, querida.
Vou para o sofá e pergunto:
― Tudo bem eu dormir aqui?
― Claro. Vamos assistir algum filme.

Acordo antes do Kyle, sentindo seu braço em volta de mim. Passo os


dedos lentamente por sua mão antes de me levantar e ir para o banheiro.
Estou tendo uma ideia, então faço uma ligação e percebo que terei que sair
agora. Deixo um bilhete para o Kyle ao seu lado e saio do apartamento.
O salão que frequento conseguiu um horário para mim, então quando
entro já estão me aguardando. A cabelereira me pergunta se tenho algo em
mente, e respondo o que quero fazer. Meu cabelo cresceu bastante desde a
última vez que tinha ido ao salão. Decido somente aparar as pontas e fazer
mechas.
Por fim, o resultado fica melhor do que eu esperava ao me ver pelo
espelho que vai do chão ao teto.
Kyle mandou uma mensagem enquanto ainda estavam trabalhando
em meu cabelo.
“Não esperava acordar e não te ver por aqui.” em seguida, chega um
emoji com a carinha triste.
“Precisei sair cedo, mas por uma boa causa. Podemos almoçar juntos
hoje, e assim você possa ver o motivo.”
“Hum. Me deixou mais curioso ainda.”
Mando para ele o nome do restaurante que nos encontraremos, e
assim que saio do salão, passo no shopping para comprar algo para vestir.
Não dará tempo de passar em casa para trocar de roupa.
Não levo muito tempo para estacionar em frente ao restaurante e o
encontrar de pé do lado de fora me esperando. Assim que me vê descendo do
carro, noto sua expressão de surpresa.
Ele sorri e me abraça, e deixa claro o quanto gostou do meu novo
visual.

*
É uma coisa louca tudo o que está acontecendo com a gente. Não
esperava que pudesse me apegar tanto a uma pessoa em tão pouco tempo. As
últimas semanas tinham passado voando, e não é só impressão minha, Kyle
tinha me confidenciado a mesma coisa. E como faltam poucos dias para a
nossa volta ao Canadá, a correria de ajudá-lo a embalar algumas coisas para
levar é cansativa.
― Acho que terminei de embalar algumas coisas na sala. ― Ele
aparece no quarto, me abraçando por trás e dando beijos no meu pescoço.
― Acha?
― Bom, não encontrei mais nada que precise ser colocado nas caixas,
acho que isso é um avanço, não?
― Um avanço de pouca coisa do que ainda precisamos guardar ―
constato, me virando e presenciando seu suspiro dramático.
― Sabe o que acho? ― Nego. ― Que deveríamos deixar para
arrumarmos isso depois e sairmos para fazer algo. Toda essa bagunça está me
deixando agitado.
― Você sabe que temos pouco tempo para guardarmos o que precisa
levar. Se sairmos agora, vai atrasar todo o nosso trabalho.
Suspira de forma verdadeira dessa vez, me puxando para me deitar
com ele na cama.
― Tem razão. Mas podemos pelo menos fazer uma pausa? ―
Assinto. ― Vamos pedir algo para o nosso almoço, perderemos menos tempo
assim.
Kyle havia decidido levar apenas as coisas essenciais na sua nova
vida em Kingston. De resto, comprará o que precisar para o apartamento, já
que o alugou mobiliado.
Para ser sincera, não estou nem um pouco animada para voltar a
minha rotina anterior. Gostaria de ter mais tempo para aproveitar essa fase da
minha vida aqui na Califórnia. Mas não é uma escolha, se bem que, para o
meu pai, eu posso continuar aqui, me transferir para alguma universidade
daqui. Isso o deixaria menos preocupado e de olho em mim.
Não será a mesma coisa se isso acontecer, terei que deixar tudo o que
comecei lá. Não serei covarde, isso não combina comigo, não faz parte de
mim.
― O que está pensando?
― Na minha volta para Kingston, universidade, amigos, rotina.
Parece que deixei isso a muito tempo para trás. Não é louco sentir isso?
― Não. Você só se deixou levar para o que a fazia bem aqui. É
normal se sentir insegura ao pensar em voltar para tudo aquilo que continua
fazendo parte da sua vida.
Concordo.
― Já pensou como vai ser ter que ver o Davon sempre por perto? ―
Sua expressão pode até mostrar um questionamento comum, mas sua voz tem
um tom inseguro ainda.
― Tenho pensado nisso nesses últimos dias. Sendo sincera, acho que
vai levar um pouco pra me acostumar. Mas vou seguir como se nada tivesse
acontecido. ― No momento é isso o que eu quero, ignorar tudo que ainda
posso estar sentindo por ele. ― E você?
― Infelizmente não vou poder ignorá-lo. Ainda quero ver a Sam, e
ele é o meio para chegar até ela. Tem muitas coisas que ainda quero entender
e questionar.
― Falou com seus pais sobre tê-lo reencontrado?
― Ainda não. Sei que assim que começar, meus pais já estarão
fazendo as malas para vir pra cá. Não é algo que ignorariam, eu não
ignoraria, não quando são pessoas que foram importantes na sua vida. E é
assim com meus pais.
― Vai ter que falar com eles, então. Não estou certa de que a Luna
vai conseguir guardar isso por muito tempo. Daqui a pouco ela estará batendo
na sua porta, com um sorriso de orelha a orelha.
― Não duvidaria disso.
Nos permitimos ficar deitados por alguns minutos, sentindo o calor
um do outro, até que é impossível ignorar nossa fome, então temos que ligar
para algum restaurante.
Mudo as músicas, procurando algo que me anime a voltar a
encaixotar alguns objetos do Kyle. Sua playlist é bem variada, mas assim que
paro em uma, sinto sua mão me puxando para dançar a música lenta. Rio
quando ele me roda e depois me puxa para mais perto. Passo os braços pelo
seu pescoço enquanto nos movimentávamos no ritmo. Ele beija meu rosto,
até que nosso momento é cortado pelo som do interfone tocando. Nosso
pedido chega.
Ainda temos um pouco espaço do sofá para nos sentarmos para
comermos. O apartamento está lotado de caixas. Kyle segura minhas pernas,
colocando em cima do seu colo.

Já é noite quando terminamos de embalar todas as coisas que levará.


Estamos exaustos. Mesmo Kyle pedindo para passar a noite com ele, eu
recuso. Quero aproveitar a companhia dos meus pais nesses últimos dias
antes de voltar.
Ele estaciona na frente da minha casa.
― Não vai entrar? ― Sorrio para ele.
― Não, linda. Ainda preciso organizar algumas coisas. ― Ele se
inclina para me beijar, deixando claro que sentirá minha falta. ― Vou te ligar
antes de dormir.
― Tá bom.
Aceno um tchau e entro na minha casa. Antes de subir para o quarto,
escuto um pigarrear vindo da cozinha.
― Oi, paizinho. ― Vou até ele, beijando seu rosto.
― Achei que você já tinha mudado de casa ― brinca.
Nos últimos dias estou ausente por passar mais tempo com o Kyle.
Sorrio, deixando vários beijos em seu rosto.
― Impossível. Não ia te abandonar assim.
― Percebi. ― Beija minha testa. ― Posso saber por que de toda essa
ausência, sorrisos?
― Claro. Não tenho certeza do que estamos tendo, mas posso dizer
que é algo novo e está me fazendo bem. ― Sorrio.
― Estou vendo. ― Retribui meu sorriso. ― Espero que o Kyle cuide
bem de você, já que não poderei estar lá para cuidar disso.
― Tudo vai ficar bem. Não se preocupe.
― Vai jantar em casa? ― Assinto. ― Depois desce pra me ajudar,
então.
― Se ajudar significa só cortar alguns ingredientes, tá ótimo ― digo,
rindo.
― Onde errei com você? ― questiona, dramatizando, mas voltando
para a cozinha.
― Eu nasci perfeita, pai ― respondo de volta, ouvindo-o concordar
do outro lado.
Assim que saio do banho, ouço o toque do Skype e vou ver quem está
me ligando.
― Hey! ― ela grita do outro lado, me fazendo rir.
― Que saudades, Ana. ― Faço um biquinho. ― Se eu não tivesse o
seu relatório ou mensagens suas da sua viagem, diria que aconteceu algo.
― Eu também estou. Vamos nos ver logo. Como você está?
Novidades? Kyle e você? ― Dá um sorriso malicioso.
― Estamos bem próximos, minhas férias foram algo que eu não
esperava. Pra quem achou que ia passar meses chorando, a resultado foi
surpreendente.
― Eu que o diga. Estou feliz por você estar bem.
― E você?
― Passar o tempo com a minha avó foi inexplicável. Estávamos
precisando disso. Ela principalmente, por ter passado anos sozinha.
Assinto. É bom ver que estão recuperando o tempo perdido.
― Mas não foi por isso que liguei.
― Não? ― pergunto, confusa.
― Não, Liz. Como eu poderia esquecer o dia de amanhã. Está
animada? Preparou algo pra fazer?
― Por incrível que pareça, não preparei nada. Agora não sei meus
pais ou o Kyle.
― Uma pena. Você é a pessoa que mais tinha que comemorar. Se eu
estivesse aí, sairíamos e voltaríamos pra casa com o sol nascendo.
Meu pai me chama do andar de baixo.
― Tenho certeza que sim.
― Amanhã eu te ligo. ― Ela manda beijos. ― Manda um abraço para
o seu pai.
― Pode deixar.
Não acho que o dia de amanhã será diferente de todos os anos
anteriores. Claro que foi um ano que conheci novos amigos, tive várias
experiências, tanto ruins, como boas. Eu tenho sorte de ter pessoas
maravilhosas na minha vida.
― Amanhã vamos jantar fora para comemorar seu dia ― meu pai diz
assim que entro na cozinha. ― Já chamei o Kyle.
― Meu restaurante preferido?
― Sim, seu preferido. ― Comemoro, escutando meu pai rir em
seguida. ― Vem me ajudar aqui.
Steve entra na cozinha e sorri assim que me vê.
― É um milagre ver você por aqui. Achei que a veria só quando fosse
pegar suas coisas para voltar para o Canadá.
― Nossa, pai. Que exagero ― digo, rindo.
― Não é ― responde, aproximando-se do meu pai e beliscando algo
que está cortando. ― Querido, criamos a nossa filha pra ela sumir e passar
mais tempo com o namorado.
― Hey, isso não é verdade. Mandei mensagens e liguei sempre. E o
Kyle não é meu namorado.
― Ainda, né? ― Sorri, beliscando meu nariz antes de passar por mim
e pegar pratos para pôr na mesa.
Meu pai só sorri enquanto conversamos, sem fazer nenhum
comentário. Venho percebendo que o clima está melhor em casa, mas ainda
sinto que algo mais está acontecendo.
― Não sei. Vamos ver onde isso vai dar. ― Pisco para ele.
― Nossa, bem decidida, gosto disso.
― Aprendi isso com vocês. Tenho muito orgulho dos dois.
― Ah, meu amor ― Octavio vem para perto e abraça Steve e eu ao
mesmo tempo.
Sentirei falta deles, dos nossos momentos. É difícil ficar longe deles,
mesmo entendendo que é preciso. Penso no meu desejo de independência e
que valerá a pena. É o meu desejo desde que me entendo por gente.

Logo de manhã ligam da portaria dizendo que tem uma entrega para
mim. Fico surpresa ao abrir a porta minutos depois e ver o entregador com
um buquê enorme de rosas em um tom bem claro, quase branco.
Acho que o entregador está acostumado a ver as reações das
mulheres, pois só sorri ao ver minha expressão incrédula.
Assim que entro, pego o cartão e confirmo quem me enviou.
“Quero que seu dia já comece especial. Nós vemos à noite, linda.”
O nome dele vem logo abaixo, me fazendo sorrir ainda mais. Isso me
faz lembrar do sorriso coringa da Alex. Como isso é possível? Rio feito uma
louca.
“Com toda certeza ele já começou especial.” Mando uma mensagem.
Acabo de colocar o celular na bancada de cozinha, quando ele toca.
― Feliz aniversário para a minha melhor amiga ― Ethan exclama,
eufórico, do outro lado da linha.
― Obrigada. Cuidado para a meninas não ouvirem isso.
― Estou garantindo minha sobrevivência antes. Queria que estivesse
aqui para comemorarmos juntos.
― Também. Mas estarei em poucos dias, vamos poder comemorar
meus vinte e dois anos.
― Ainda bem.
Conversamos mais um pouco, e assim que finalizamos, me pego
cheirando as rosas. Deixo-as no balcão e noto o carinho dos meus pais ao
deixarem meu café da manhã pronto. É uma tradição, fazemos isso no
aniversário de cada um.
Tento aproveitar, mas por várias vezes atendo a ligação dos meus
amigos. Me divirto com cada uma, com o jeito de eles me parabenizarem.
À noite, quando meus pais chegam, já estou pronta para irmos ao
restaurante jantar. Eles me abraçam, entregando o presente que compraram
juntos.
Vamos para o restaurante e encontramos o Kyle nos esperando na
entrada. Sorri quando me vê, e logo me abraça.
― Feliz aniversário ― diz, beijando meu rosto assim que se afasta.
― Está linda. É pra você. ― Estende um embrulho dentro da sacola.
― Obrigada. Achei que as rosas fossem meu presente.
― Elas fazem parte. ― Ele se vira, estendo a mão para os meus pais,
que só observam.
― Ansioso para morar em Kingston? ― meu pai pergunta para o
Kyle enquanto jantamos.
― Sim, agora mais do que nunca. ― Olha para mim, sorrindo. ― Já
está tudo organizando. A empresa que irei administrar me espera.
― Isso é bom. Pretendo fazer algumas visitas para a Liz no Canadá,
quero garantir que estará em segurança.
― Concordo. Acho que não precisará se preocupar muito, tomarei
conta dela ― responde.
― Ei! Estou bem aqui, até parece que sou uma criança.
― Ainda continua sendo a nossa menininha. ― Steve solta, me
fazendo revirar os olhos. ― Nunca vamos nos acostumar com essa distância.
― Vamos tentar nos falar todo o dia ― garanto, assim como fiz antes
de viajar pela primeira vez para Kingston.
E em determinado momento retiram os pratos e colocam um bolo
pequeno na mesa, já com umas velas acesas. Sorrio, é bem a cara dos meus
pais.
Cantam parabéns para mim, alguns clientes perto da nossa mesa
também, então sorrio, agradecida.
― Estamos ficando velhos, nossa menininha tá crescendo ― Steve
comenta com meu pai, que concorda.
Rio e me levanto para abraçá-los.
― Obrigada. Serei sempre a menininha de vocês ― sussurro,
confidenciando somente para eles, mas vendo que o Kyle havia escutado. ―
Sem uma palavra sobre isso ― ameaço, sorrindo.
Ele levanta as mãos em forma de rendição.
― Nenhuma ― garante ―, não ainda. ― Solta no final, e começa a
gargalhar.
Está sendo um dos melhores aniversário da minha vida.
18
“Mesmo que passemos alguns meses sem se falar, sim
É como se não tivéssemos perdido tempo nenhum.”
No Judgement • Niall Horan

Liz
E aqui estamos, acabamos de chegar em Kingston. Faz poucos
minutos que pegamos um táxi. Kyle preferiu ir direto para o meu
apartamento, dizendo que quer garantir que eu chegarei bem.
Assim que paramos em frente ao prédio, enquanto o motorista nos
ajuda a descer as malas, comento:
― Poderíamos ter ido direto para o seu apartamento, assim eu
conhecia o seu novo lar. ― Aponto para as suas malas. ― Tem mais malas
que eu.
― Como eu disse, primeiro quero garantir que chegue bem em casa.
― Me sinto mal em fazê-lo vir até aqui. Você está cansado e começa
na empresa amanhã ― digo, enquanto vamos andando para dentro do prédio.
― Não sinta. Tenho certeza de que vai ser tranquilo amanhã. ― Beija
o meu rosto, todo atrapalhado enquanto tenta puxar as malas.
Percebo que enquanto o elevador vai subindo, ele parece cada vez
mais ansioso. Assim que me pega olhando-o, ele sorri. A porta do elevador se
abre e nós saímos, puxando as malas.
Não me preocupo em pegar a chave na bolsa, as meninas sabem que
eu estou para chegar. E como constato, a porta se abre quando viro a
maçaneta. Sem estar preparada, me assusto com o grito que meus amigos
dão.
Rio, colocando a mão no peito. Enquanto cantam a música, eles vêm
me abraçar, então me toco que é uma comemoração surpresa.
― Feliz aniversário e bem-vinda de volta ― todos falam enquanto me
abraçam.
― Você sabia de tudo? ― Me viro, perguntando para o Kyle. ― É
claro que sabia, por isso a insistência em virmos para cá.
Ele só sorri e assente.
― Queríamos fazer algo especial. Mesmo uma comemoração
pequena, desejávamos isso com você ― Ethan diz, voltando a me abraçar.
― Não acredito. Obrigada a todos, sou muito grata por ter vocês na
minha vida.
― Nada de sentimentalismo, Lizzie ― Evan debocha. ― Precisa
apagar a vela ainda.
Olho para a mesa posta na sala, e vejo o bolo com a vela acesa.
Caminho até lá sorrindo. Antes de fazer isso, olho ao meu redor e vejo cada
uma das pessoas que faz a diferença na minha vida, para só então assoprar a
vela.
― Ah, não acredito que fez mechas no cabelo ― Alex exclama. ―
Está maravilhosa.
― Voltou da Califórnia muito diferente.
― Acho que sabemos um dos motivos para isso ― Ana responde,
enquanto olha descaradamente para o Kyle, que por incrível que pareça, se
mostra envergonhado com toda atenção que está recebendo.
― Esse crédito não é meu. ― Ele sorri, fazendo um gesto com a mão
indicando que não é isso. ― São de todos vocês também, talvez não achem,
mas fez e faz toda a diferença para a Liz.
― Se eu chorar, saibam que a culpa é toda de vocês.
Depois de mais abraços, cortamos o bolo e nos sentamos no chão
mesmo para conversarmos. Os meninos pegam algumas bebidas que
trouxeram, e nossa conversa se arrasta por horas.
Em certo momento se despedem, já que no dia seguinte começamos
mais um semestre. Para o Evan será o último antes de se formar. Ele não
deixa de demonstrar o quanto está feliz por isso.
Antes de ir embora, ele me puxa para um canto e pergunta:
― Está bem mesmo? Pronta para voltar para Queen´s e ter que
encarar...?
― Sim estou. Não se preocupe com isso. ― Sorrio, tranquilizando-o.
― Que bom. Decidi que não vou sair da fraternidade, é meu último
ano aqui, não tem por quê. Vejo que talvez eu não precise me preocupar tanto
com você. ― Olha para trás. ― Kyle faz muito bem o trabalho de guarda-
costas.
― Ah não, Evan. ― Dou um soco em seu braço.
― Só estava brincando. ― Gargalha ainda mais, e eu o acompanho.
― É bom tê-lo aqui no Canadá.
― Sim. ― Olho para ele, que está do outro lado da sala falando com
as meninas, até com a Anastácia, que dormirá aqui essa noite.
― Aí, esse olhar ― cantarola e eu arqueio a sobrancelha, pedindo
explicação. ― Nada. Já vou indo, te vejo amanhã. É bom te ter de volta, não
seria a mesma coisa sem você.
― É bom estar de volta.
Se despede das meninas e do Kyle, indo embora em seguida.
― Acho que vou indo também ― ele diz ao se aproximar. ― Nos
vemos amanhã?
Olho para as meninas que estão com a atenção em nós.
― Você ainda pergunta? ― digo, brincando.
― Boa noite, meninas.
Acenam para ele e se aproximam um pouquinho para ver o que
acontecerá. Fecho a porta atrás de mim, mas não antes de dar um sorriso
maquiavélico para elas, que resmungam.
― Boa sorte no seu primeiro dia.
― Pra você também. ― Dá para ver que nem um dos dois quer dizer
tchau.
Ele se aproxima, acariciando meu rosto enquanto olha nos meus
olhos.
― Se acontecer alguma coisa, me ligue. ― Assinto. ― Se cuida,
linda.
― Você também.
Espero até que entre no elevador para que possa seguir para o
apartamento, mas nem preciso de muito, a porta se abre e sou puxada para
dentro pelas minhas amigas eufóricas e ansiosas para saber de tudo.
― Não acredito que não nos contou nada ― Nina reclama,
aborrecida.
― E pelo jeito nem iria. ― Anastácia me leva para me sentar no sofá.
― Não tenho o que contar. Nós somos amigos que às vezes têm
alguns benefícios.
― Que safada! ― Lex exclama, rindo.
E assim a nossa conversa segue até a madrugada, nos fazendo ir para
a cama arrastadas, nos lembrando que na manhã seguinte estaremos acabadas
de tanto sono. Mesmo assim estou feliz.

Davon
Enfim as férias tinham acabado e meu último semestre começado.
Assim que entrei na universidade, por mais que eu tivesse toda a curtição,
festas, mulheres, tinha o desejo de acabar logo o curso, focar em encontrar a
Katherine e poder passar mais tempo com a Samantha.
Agora, parando para pensar, não sei mais o que quero. O que eu farei
quando terminar o curso e começar a exercer a profissão que escolhi na vida.
Terei um lado meu infeliz por não ter conseguido o perdão da Liz, ou eu a
terei ao meu lado?
Havia parado para pensar se ela não me perdoasse, não tivesse mais
futuro para nós e fosse somente eu? Esses pensamentos se fizeram mais
presentes no dia do aniversário dela. Não poderia estar com ela como
desejava, então passei o dia tocando violão e imaginando como estava sendo
o seu dia.
Claro que imaginei que estivesse com o Kyle no seu dia especial, não
conseguia imaginar quem não quisesse estar do lado dela, amigos, família e...
namorado.
Desço para a cozinha com a mochila e o capacete, faz um tempo que
não ando na minha Harley. Assim que entro, vejo o Evan fechando a porta da
geladeira, então franzo a testa, confuso.
― Ah, oi ― diz quando me vê.
― Oi. Bom, achei que não o encontraria aqui. ― Ele me olha
confuso. ― Você disse que ia sair da fraternidade, então... ― Dou de
ombros.
― Decidi ficar. É meu último ano, acho que dá pra aguentar mais uns
meses ― responde sem me olhar.
― É... Legal. ― Pego um copo para beber água. ― É bom saber que
vai ficar aqui, mesmo não fazendo nenhuma diferença para você.
Ele não responde. Já é muito tentar uma conversa, não forçarei nada,
darei espaço. Pego minhas coisas do balcão e saio da casa. Oliver já havia ido
para a universidade, e assim como eu não, parece muito feliz no primeiro dia.
Assim que estaciono na única vaga restante, penso em sorte e azar. O
que faz a pessoa ter um dos dois. E o destino, realmente existe? Se existe,
gosta de tirar uma com a nossa cara. É isso que penso depois que desço da
moto e vejo a Liz sair do carro também.
Seria azar para ela ser eu a primeira pessoa que vê assim que chega, e
sorte para mim por estar vendo-a. Sorrio, balançando a cabeça.
Antes de dar alguns passos em direção a ela, penso se é realmente o
certo. Com toda certeza serei ignorado. Ela fica parada assim que me vê, acho
que pensando a mesma coisa que eu. Sorte ou azar?
Dou alguns passos cautelosos na direção dela, aproveitando seu
choque. Ela está linda, noto que fez algo no cabelo. Ela parece bem, estou
feliz por isso.
― Oi, Liz. Foi seu aniversário esses dias, né?
― Sim ― responde, se mostrando indiferente.
― Feliz aniversário atrasado. ― Dou uma risada sem graça. ―
Espero que tenha aproveitado bem o seu dia.
― Aproveitei ― confirma.
Logo percebo a certa distância dois homens de preto olhando
atentamente para nós, na verdade, para a Liz. Estão do outro lado da rua,
então me toco que são guarda-costas. Quero saber por qual motivo ela precisa
andar com eles agora, pode ter acontecido alguma coisa. Descobrirei isso
depois.
― Que bom. É bom te ver de volta. ― Estou parecendo um
adolescente que não sabe chegar na garota que gosta. Estou pisando em ovos.
― Bom primeiro dia pra você.
Ela assente, então volto a andar para a entrada da Queen´s, mas não
antes de dar mais uma olhada para trás e vê-la ainda parada me olhando.

*
Saio do meu bloco, respondendo as mensagens da Sam. Durante toda
as aulas, ela me encheu de mensagem, então precisei desligar o celular. Com
isso, acabei não vendo a do Oliver, que deve estar me esperando lá fora.
Assim que começo a descer a escada, vejo Oliver ao lado da Liz um
pouco mais à frente. Paro, levantando a sobrancelha, surpreso. Continuo a
descer a escada e estou próximo o suficiente para escutar a voz do meu
amigo, que está abaixado pegando alguns papéis do chão.
― Me desculpa ― ele diz, se levantando e entregando a ela.
― Não foi nada. ― Liz pega de volta.
Ela volta a andar, então me aproximo do Oliver, que não havia me
notado ainda. Percebo que está chateado.
― Tenho certeza de que em algum momento ela vai voltar a ser sua
amiga. ― Bato em suas costas, incentivando-o a andar.
― Sinto falta de como o nosso grupo era antes.
― Não só você. ― Suspiro.
― Ei, por que demorou para me responder? Achei que já tivesse ido
embora ― questiona.
― A Sam ― reviro os olhos ― ficou me atormentando durante as
aulas, acabei desligando o celular.
― Nossa irmã é uma figura. ― Ele ri.
― E você só a incentiva mais a fazer essas coisas. Se tem você para a
apoiar, sou o irmão ruim.
― Na vida sempre tem um irmão bom e divertido ― aponta para ele,
dando um sorriso convencido ― e o irmão chato e rabugento. ― Então
aponta o dedo para mim.
― Ah, não enche ― digo, rindo, empurrando-o de lado. ― Você ama
fazer as vontades dela, então nunca venha reclamar pra mim.
Chegamos ao local em que o seu carro e a minha moto estão
estacionados.
― Sabia que o Evan decidiu não ir embora da fraternidade? ―
pergunto, colocando o capacete.
― Fiquei sabendo ontem à noite. Ele me falou, achou que eu deveria
saber. ― Dá de ombros. ― É bom ter Evan lá, só espero que não fique um
clima insuportável na fraternidade.
― Também espero. Até já!
E assim foi a metade do meu dia, ainda preciso ligar para a Sam e
narrar minhas aulas, e mais tarde falar com o Octavio, estamos muito
próximos, me surpreendo com o interesse dele com o meu bem-estar e da
Sam. Me sinto estranho depois de tantos anos ter uma figura masculina que
se preocupa com a gente, antes disso era somente o tio Juan. E não acho isso
nem um pouco ruim, me sinto bem e protegido como há muito tempo não
sentia.
19
“Bem-vindo à nova era, à nova era
Bem-vindo à nova era, à nova era.”
Radioactive • Imagine Dragons

Liz
Já havia passado uma semana desde a minha chegada, e as aulas estão
indo bem. Tirando o fato que vez ou outra vejo o Davon na universidade.
Depois do nosso encontro na Queen´s, com toda aquela conversa tensa, não
nos esbarramos mais. Para ser sincera, nunca esperei aquela atitude dele.
Passei o final de semana no apartamento do Kyle, e só fui embora
ontem à noite por conta da aula dessa manhã. Mesmo com todo o cansaço e a
correria na empresa, nossos dois dias juntos têm sido legais.
Saio do quarto e encontro as meninas tomando café na mesa.
― Não falem nada ― corto antes que possam abrir a boca.
― Ei, só íamos perguntar como foi seu final de semana? ― Lex,
como sempre, dá seu sorriso malicioso.
― Sim. Não íamos reclamar da sua ausência nesses dois dias ― Nina
debocha.
― Sei que não ― ironizo, enquanto me sento.
― Acabei nem perguntando como foi a conversa entre você e Davon,
no estacionamento. Você só comentou o acontecimento naquela manhã.
― Foi estranho. Ele me desejou feliz aniversário e disse que era bom
eu estar de volta. Bom, claro que fiquei surpresa por ele ser a primeira pessoa
que vi.
― Que azar ― Nina responde.
A verdade é que tinha sido exatamente isso que pensei quando o vi.
― Não pediu pra conversarem ou voltarem. Tipo: “Me dá outra
chance, Bess?” ― Alex pergunta, imitando-o direitinho.
― Só me desejou um bom primeiro dia de aula, virou e entrou na
Queen´s.
― Acho que está respeitando o seu espaço.
― E que assim continue e deixe a Liz em paz ― Nina responde a
Lex.
― Enfim, sexta, quando sai da Queen´s, eu o vi entrando no carro
com uma adolescente, acho que era a irmã dele.
― Sim, era ela. Vi os dois também.
― Ao que parece, nós a veremos muito esse ano, parece que estão
mais próximos.
Assinto.
― Mudando de assunto, vai ficar com o Kyle no apartamento dele no
próximo fim de semana também? ― Nina pergunta. ― Ou vamos ter que
agendar para sair com você?
― Isso tudo é ciúmes? ― Dou uma risada.
― Óbvio ― é a vez da Alex responder ―, passou as férias toda com
ele e nos fins de semana vamos ter que aceitar os dois juntos. Queremos um
pouquinho da nossa amiga também. ― Faz biquinho.
― Suas ciumentas ― sorrio ―, não vão precisar agendar nada, estou
disponível.
Elas reviram os olhos juntas.
― Pensei em fazermos algo no sábado. Os pais e a irmã do Kyle
estarão chegando e vou dar privacidade a eles.
― Por quê?
― Kyle contou para eles que reencontrou o Davon, e querem vir para
ver ele e a irmã. Até entendo a pressa, passou esses anos sem saber o que
havia acontecido de fato.
Kyle havia me contado como foi a conversa dos três, o choque foi
grande e teve muito choro da mãe dele. Falou também sobre o
questionamento feito pelo pai, por Kyle não ter contado antes, e a decisão do
quanto antes vir para Kingston.
― Que expressão é essa, Alex?
― Estava aqui pensando, toda essa história do Davon, reencontro e
tal... daria um livro ― diz. ― Já pensou no nome do livro?
Nina e eu rimos.
― “O garoto que não tinha sorte”.
― Ai credo, Lex.
― O quê? Só acho que venderia muito. ― Dá de ombros. ― Por mais
merda que o Davon tenha feito, fico pensando nas coisas que deve ter
passado, os pais mortos, sem casa...
― A Sam também ― Nina completa ― e ela é um doce, mas tenho
certeza de que não foi fácil para ela também.
― Não consigo imaginar. ― Levanto-me e coloco o copo na pia.
Sempre que minha mente se aproxima desses pensamentos, eu fujo.
Tentar imaginar a dor dos dois é perturbador. Por um lado, me impressiono
por ele ter dado a volta por cima, ter cuidado e protegido a irmã, mesmo sem
os pais ou familiares. Mas, por outro, a decepção por tudo o que fez para se
vingar ainda está presente em mim. Mesmo negando isso.
― Vamos? Tenho aula em vinte minutos ― chamo.
As duas se levantam, com os olhos em mim, mas não pronunciam
nada.
― E sobre o próximo fim de semana, vamos falar com a Ana para
marcarmos alguma coisa entre nós.
― Agora sim. ― Nina comemora com uma dancinha.
Passo os braços pelas duas, abraçando-as.
― Amo vocês, ciumentas.

Já estamos na quarta, e com toda rapidez que a semana está indo,


Kyle e eu quase não tínhamos conversado, então me chamou para jantar no
seu apartamento. Assim que bato à porta, ele a abre e me puxa para um
abraço.
― Parece que faz uma eternidade desde domingo ― diz, quando nos
afasta.
― Sim. ― Sorrio.
― Vem. Prefere jantar agora? Sei que prometi cozinhar pra gente ―
ele dá uma risada ―, mas fui vencido pelo desejo de aproveitar essas horas
com você, então pedi nosso jantar.
Rio.
― Gostei dessa ideia. ― Sorrio. ― Então vamos comer.
Seguimos para a cozinha, onde a mesa já está posta, só pelo cheiro
tenho certeza de que está uma delícia. Sento-me a sua frente, e mesmo
contestando, ele me serve e, em seguida, enche nossas taças com vinho.
Sorrio, apreciando toda a cena e agradecendo o seu cuidado.
― Se adaptou bem na empresa?
― Sim. Algumas coisas ainda estou apanhando para pegar, mas é só
questão de tempo.
― Sim.
Percebi que ele estava tenso esses dias, depois de ter dado a notícia
para os pais deles sobre o Davon e Sam.
― Acho que você não precisa se preocupar com a vinda dos seus
pais, vai dar tudo certo.
― É difícil não ficar imaginando o que pode acontecer quando se
virem. Meus pais sempre foram muito apegados a eles. Meu pai era como um
pai para o Davon.
Percebo como é difícil para ele chamá-lo por esse nome.
― Me encontrei com ele e contei que havia dito aos meus pais, e que
estavam vindo nesse fim de semana. Por um momento vi meu amigo de anos
atrás, temeroso pelo sermão do meu pai e ao mesmo tempo ansioso para vê-
los.
― É engraçado imaginar o Davon com medo das broncas do seu pai.
― Ah, mais isso vai ter e muito, depois dos abraços, claro. ― Rimos.
― Nunca achei que a minha relação com ele fosse ficar assim.
― E Luna? Como está com tudo isso?
― Bem ansiosa, ela quer vir logo, me liga todo o dia. Mesmo não
tendo visto a Sam ainda, tenho certeza de que quando as duas se virem, vão
fazer a festa.
― Tenho certeza.
E realmente tenho. Me peguei desejando poder estar presente no
reencontro das duas, mesmo sem nenhuma intimidade com a Samantha.
Depois do jantar, ficamos no sofá e assistimos a um filme. Acabo
tendo que me despedir mesmo não querendo voltar para casa. Preciso estar de
pé pela manhã.
Assim que saio do prédio, a mesma sensação de estar sendo
observada de dias atrás retorna. Olho para os lados, tentando ver algo, mas
nada. Meus seguranças estão a pouca distância do meu carro, de olho em
mim.
Entro rapidamente no carro e sigo para o apartamento. É hora de
conversar com meu pai.

Sou recebida no apartamento pelo silêncio, o que comprova que as


meninas já estão dormindo. Depois de um banho e estando confortável na
minha cama, pego meu celular e ligo para o meu pai.
― Oi, pai. Como vão as coisas por aí?
― Não são as mesmas sem você, mas estou bem. E você? Precisando
de alguma coisa?
― Não, não. Vai tudo bem. Os pais do Kyle chegam no fim de
semana, então estou ansiosa para ver a Luna.
― Ele me disse. Acho que vai ser bom para os dois ver rostos
conhecidos ― diz, se referindo ao Davon e Sam.
É engraçado como Kyle e meu pai estão sempre em contato um com o
outro. Bom, meu pai não está só mais próximo dele, mas do Davon também.
Octavio deixa bem explícito isso, não tenho por que me opor. Quem sabe,
tendo meu pai por perto, ele não aceita uns conselhos.
― Também acho.
― Sinto que tem algo te incomodando ― diz ― não é de me ligar
nesse horário, não que esteja reclamando, falar com a minha filha sempre é
maravilhoso. ― Ri do outro lado.
Mas não consigo acompanhá-lo de tanto que estou tensa. Respiro
fundo, antes de contar para ele. Não o quero preocupado, até pensei que
pudesse ser impressão minha, ou que isso ia passar, mas não.
― Acho que tem alguém me vigiando ― pauso ―, sabe quando você
tem a impressão de que estão de olho em você? Estou com essa impressão o
tempo todo.
― Não é dos seus seguranças? ― pergunta, cauteloso.
― Não, não por causa deles. Já me acostumei com a presença dos
seguranças. ― Suspiro.
Ele fica em silêncio por alguns segundos.
― Vou conversar com eles. Preciso que você tenha em mente tudo o
que te ensinei, e me ligue se acontecer qualquer coisa. Não estarei menos
preocupado, ainda mais com essa distância.
― Queria que tudo isso acabasse logo, não aguento mais ― desabafo,
sentindo meus olhos se encherem de lágrimas. ― Quero paz pra nossa
família.
― Eu sei, meu amor. Estou fazendo tudo o que está ao meu alcance
para acabar logo com isso. Minha preocupação é sempre você.
― Se o Davon não tivesse ido atrás dela...
― Sim. Mas quem nos garante que ela não voltaria algum dia, que
não esperasse passar alguns anos para vir atrás de mim ou de você. Ou até
mesmo do Davon e da Samantha se descobrisse que os dois não foram mortos
naquele incêndio? São perguntas que nunca saberemos a resposta, filha. É por
isso que nunca desisti de procurá-la.
Fungo, as lágrimas haviam descido faz tempo.
― Não vou negar o erro do Davon, ele foi sim errado e
inconsequente. Mas assim como nós, merece viver em paz e livre dessa carga
que carrega há anos. Não concorda?
― Sim.
― Não gosto de te ver assim, me sinto impotente por não estar ao seu
lado, para garantir o seu bem-estar ― confessa, aflito.
― Vou ficar bem, pai.
― Quero que fique. Vou precisar desligar, descobrir se algo está
acontecendo.
― Tudo bem. Amo você.
― Eu também te amo, querida. Fique bem. Qualquer coisa, me ligue.
― O.k.
Deito-me na cama e fecho os olhos. Como eu queria que tudo isso
sumisse com um passe de mágica.

Katherine
Passo mais uma vez pelas fotos que me mandaram da Liz, e paro em
uma que tem o ângulo dela todo. Ela sorri para o rapaz ao seu lado, o mesmo
que esteve com ela na Califórnia. Ela não perde tempo, temos algo em
comum.
― Não é que ela parece comigo? Pelo menos alguma coisa herdou de
mim. Esse sorriso ― dou zoom na foto ―, em pensar que poderia ser usado a
meu favor.
― O que tem parecido com você na beleza, não tem nada no caráter
― desdenha. ― Não chegaria nem perto do que você já fez. Sinto te
informar, mas ela não é má ― debocha.
― Puxou isso do imprestável do pai. ― Bufo. ― Se eu a tivesse
levado quando fui embora, Elizabeth seria bem diferente do que é hoje. Mas
ela só teria atrapalhado meus planos, não me serve de nada hoje.
Jogo o tablet no sofá e me levanto.
― Alguma novidade sobre o Davon? ― pronuncio seu nome, rindo.
Que garoto mais tolo. Achou que mexendo comigo não seria afetado.
Passa tanta coisa na minha cabeça para fazer com ele e sua irmã, que fico até
com dó.
― O mesmo de sempre ― diz, observando suas unhas. ― O velho
ainda mantém agentes na cola dele.
― Octavio, sempre o mesmo! ― Abro a garrafa de uísque e encho o
copo. ― Sempre tentando ser o herói ― me viro para ele ―, só espero que
seja útil para mim.
― Espero que não esteja me confundindo com alguns dos seus
capangas, ou o cara que mora sob o mesmo teto que o Octavio. ― Sua
atenção ainda está voltada para as unhas. ― Temos muita coisa em comum.
― Levanta o rosto, sorrindo. Não posso negar que seu sorriso me lembra
muito uma época da minha vida.
― Assim espero, não aceito que ninguém fracasse comigo. ―
Retribuo o sorriso. ― E sobre o Steve... eu o tenho na minha mão, e no
momento está sendo muito útil. Ele sabe que se pisar na bola, as coisas
podem ir muito mal pra ele.
Olho para fora da janela, estou tão perto de todos e ninguém imagina.
Entrar no Canadá foi a coisa mais fácil, e me manter aqui também. Ainda
continuarei sem dar as caras, é esse o plano.
― Quero relatórios sobre o novo casinho dela. Tudo o que envolve a
Elizabeth preciso saber.
― Vou providenciar, madame. ― Levanta-se, fazendo uma
reverência debochada, e sai dando risada.
Meu celular toca ao mesmo tempo em que a porta é fechada. Sorrio.
Falando no fracassado.
― Para ser incomodada, espero que seja algo importante. ― Sento-
me no sofá e tomo um gole do meu uísque.
― Onde você está? ― Pelo seu tom de voz, teme a confirmação do
que já imagina.
― Cuidando do que obviamente você não conseguiu.
― Por que você não desiste disso? Está se arriscando demais.
― Eu já cheguei muito longe para desistir agora. ― Sorrio, me
sentindo a mulher mais poderosa neste momento.
Não, neste momento não. Mas sempre.
20
“Estamos longe demais? Não sei por onde começamos
Acho que não sei
Mas fizemos uma curva errada,
Tudo ficou mais difícil.”
Mean It • Gracie Abrams

Davon
Nada tira da minha cabeça a visita de Juan, Carmen e a Luna. Quando
Kyle me procurou e disse que havia dito aos três que tinha me encontrado,
meu primeiro pensamento foi querer saber o que pensavam de tudo que fiz. A
decepção que devem estar sentindo, mas também me fez pensar o que
achariam quando visse que não sou mais aquele garoto irresponsável. Estou
cursando algo que amo, cuidando da Samantha, mesmo que de um jeito
protetor demais. Mas também estou ansioso para vê-los, não só eu, Sam
também.
Estou tão absorto nas minhas lembranças, que nem percebi que a
Samantha está revirando o meu guarda-roupa. Observo-a tirando algumas
peças e olhando com reprovação.
― O que está fazendo? ― Sento-me na cama. ― Você terá que
arrumar toda essa bagunça, certo?
― Isso não me preocupa. Como é possível você não ter nada
apresentável para amanhã, fratello?
― Claro que tenho.
― Não tem, não. Precisa ir ao shopping comprar algo melhor. ―
Levanta uma camiseta e torce o nariz. ― Você não vai usar isso.
― Tá parecendo nossa mãe, Sam.
― Não reclame por querer cuidar de você.
Acabo rindo do seu tom de voz.
Decido ir ao shopping, não por que preciso de roupas novas, mas para
tentar relaxar um pouco e não ficar pensando no encontro ou na Liz.
É difícil estar longe dela, não sei se o espaço que estou dando está
ajudando. Tudo isso me deixa aflito.
― Tem razão, vou sair pra comprar algo legal.
― Sempre tenho. ― Sorri. ― Antes de comprar me mande uma foto,
quero ajudar a escolher.
― E por que não vai comigo?
― Vou ajudar Oliver na cozinha. Hoje é a vez dele de fazer o almoço.
― O.k.
Assim que desço, encontro-o na sala e aviso que vou sair, então peço
para ficar de olho na Sam. Pego as chaves do carro dele, preferindo ficar mais
confortável se voltar com sacolas.
Estaciono próximo ao shopping, fica mais fácil para sair. Antes de
entrar pelas portas do prédio, vejo a Liz mais adiante, caminhando para fora,
apressada. Parece aflita e preocupada.

Liz
Meu coração está acelerado, e a única coisa que penso em fazer é
tentar ligar para o meu pai.
Estava dentro de uma loja no shopping quando percebi que tinha algo
errado. Assim que sai, não encontrei nenhum dos meus seguranças, até achei
que poderiam estar a alguma distância, mas depois de um tempo percebi que
não.
A sensação de estar sendo observada permanece, mas é como se
estivesse mais forte. Me afasto da loja, e sinto que alguém está atrás de mim,
me seguindo. Olho para trás para ver se são os meus seguranças, e não vejo
nenhum deles. Quando percebo, já estou quase saindo do prédio com meu
perseguidor logo atrás.
― Liz.
Paro bruscamente ao sentir uma mão em meu braço.
― Está tudo bem?
Olho para ver o Davon franzindo a testa.
― Será que a gente pode conversar?
― Agora não, Davon ― digo, sem prestar atenção nele totalmente.
― Liz...
Ele me segue até meu carro. Dá para ver que está com uma expressão
confusa.
― Entra no carro ― mando, sem nem perceber que estou sendo
arrogante. Mas meu desespero é grande.
Entramos, e logo saímos do estacionamento.
― O que está acontecendo? ― pergunta, preocupado.
Olho pelo retrovisor e noto um carro preto logo atrás.
― Merda. Estamos sendo seguidos ― digo
― Como você sabe? ― Olha para trás.
― Porque fui treinada ― explico, minha atenção sempre na frente. ―
Meu pai me orientou em tudo.
Pego o meu celular do bolso da calça, conectando ao carro, e ligo para
o meu pai.
― Liz?
― Pai, estou sendo seguida.
― Tem certeza? ― Ouço sua movimentação do outro lado da linha.
― Não são seus seguranças?
― Não, não vi meus seguranças desde que saí da loja.
― Você está com...?
― Ela está aqui. ― Tento me manter calma, como ele me ensinou,
para o caso de estar em uma situação como esta.
― Não hesite em usá-la se precisar. ― Olho para Davon, que tem
uma expressão assustada, diria que é até cômico. ― Fique calma, mandei
uma equipe pra te ajudar. Te enviei uma localização, preciso que você siga.
― Do que seu pai está falando? ― Davon pergunta depois que
desligo a chamada.
Aponto com a cabeça para baixo do banco do motorista. De relance,
eu o vejo se assustar quando vê o que é.
― Você sabe mesmo usar isso?
― Claro que sei. ― Mesmo tensa, dou um sorriso de lado.
Aperto na localização que meu pai havia mandado e foco somente
nela. Pelo que vejo, parece ser um prédio do outro lado da cidade, mais ou
menos trinta minutos daqui. Continuo desviando de carros, pegando um
trajeto que me favoreça a despistar o carro que me segue.
Quando estou no meio do caminho, olho pelo retrovisor e vejo dois
carros saírem de uma rua lateral e entrarem atrás de mim, sinto-me aliviada
assim que percebo que é a equipe que meu pai mandou.
Tento não olhar para o lado e ver a expressão do Davon, constatar se
está bem. Acho que o perigo tão próximo dele causa outra reação, diferente
de quando se procura o risco. Tenho certeza de que ele tem uma leve noção
de quem estava nos seguindo momentos atrás. Olho pelo retrovisor e não vejo
mais nada suspeito, então continuo seguindo a ordem do meu pai.
Assim que nos aproximávamos do local, as emoções começam a
tomar conta de mim. Pensamentos do que poderia ter acontecido se não
tivesse tido a chance de entrar no carro e falar com meu pai. A pressão da
situação que eu nunca havia passado antes, mesmo tendo sido orientada para
se caso isso acontecesse.
Quem está de fora vendo tudo, pode até pensar que é surreal.
Quando me aproximo do prédio, o portão enorme se abre, indicando
que devo entrar. O espaço não é iluminado por luz solar, mas a presença da
luz elétrica é forte.
O local parece ser uma garagem de tão grande. Estaciono o carro no
meio do local e respiro fundo. É como só agora tivesse caído a ficha.
Sinto o toque no meu braço, e olho para ver se ele está bem.
― Liz.
Fico algum tempo olhando para ele.
― Você está bem?
Ele assente.
― Você...
Me esquivo quando ele levanta o braço para me tocar.
― Só preciso sair daqui. ― Abro a porta do carro e só então percebo
a movimentação.
Braços me puxaram, me prendendo em um abraço apertado.
― Calma, já passou. ― Escutar a voz do meu pai me deixa muito
mais aliviada. ― Está segura agora.
Carros param, enquanto meu pai tenta me acalmar. Em poucos
segundos, vejo um Evan desesperado ao lado do meu pai, sem conseguir tirar
os olhos de mim.
Me jogo em seus baços, enquanto choro tamanho foi meu susto.
― Tá tudo bem agora, Lizzie ― passa as mãos em minhas costas ―,
seu pai me ligou, e vim o mais rápido que pude. ― Sua voz demonstra o
quanto está aflito.
― Me tira daqui ― peço, sem forças para dizer mais nada ―, por
favor.
Meu pai, que está próximo da gente, assente.
― Leve-a para casa. Vou pedir que sigam vocês e fiquem por lá o
quanto for preciso ― diz. ― Vou precisar ficar, tenho de resolver isso. Vou
para o seu apartamento assim que der.
Começamos a caminhar para o carro do Evan, então olho para trás
para confirmar se Davon está bem.
― Vem! Vou cuidar de você. ― Entramos no carro e seguimos para o
meu apartamento.

Octavio
Suspiro quando vejo os carros saindo e tendo a certeza de que a minha
filha está bem. Olho para o outro lado e avisto Davon sentado no chão, com a
cabeça entre os joelhos. Pela postura, está tenso com toda a situação.
Me aproximo e toco seu ombro, fazendo-o sobressaltar.
― Está tudo bem, garoto? ― É uma pergunta idiota a se fazer.
Ele assente, sem ainda olhar nos meus olhos.
― Desculpa, Octavio.
― Pelo o quê?
― Por ter ido atrás dela, por colocar a sua filha em risco.
― Não se culpe tanto, Davon. Ninguém me garante que ela não
voltaria. ― Ele parece refletir as minhas palavras. ― Não se preocupe, a Liz
vai ficar bem.
Não quero que se sinta mais culpado ou preocupado.
― E você também vai. ― Mesmo não respondendo com palavras, sei
que nega isso em sua mente. ― Precisa ir para a casa descansar desse susto.
― Vai ser impossível com tudo isso.
― Mas precisa. Pedirei para alguém buscar o carro que ficou no
shopping e levarem para a fraternidade. Agentes vão te levar para a casa e
ficarão por lá também. Vou me sentir melhor se você estiver seguro. ―
Estendo a mão para ajudá-lo a se levantar. ― Ainda vamos poder conversar
melhor.
Bato em suas costas antes de fazê-lo entrar no carro e sair também.
Depois que a Liz me ligou dizendo que tinha a sensação de estar
sendo vigiada, não pensei duas vezes antes de pegar o avião e vir para
Kingston. Eu sentia que algo estava errado também.
Havia decidido que não comunicaria que estava no Canadá, não antes
de descobrir alguma coisa, mas, infelizmente, não tive muito tempo para agir,
já que ela me ligou, e foi a ligação mais perturbadora que recebi, ainda mais
sendo da minha filha.
Pego meu celular do bolso da calça e ligo para o Steve, preciso estar
ciente do que havia acontecido.
― Querido?
― Tem alguma notícia da Katherine? Ela entrou em contato
novamente?
― Nada além da última ligação que tivemos. Aconteceu algo?
― Sim. Liz foi seguida na saída do shopping, me ligou, nervosa.
― Meu Deus! Ela está bem? ― Sua voz altera para preocupação.
― Sim. Penso que foi sorte ter vindo logo para cá. Ainda preciso
descobrir o que houve com os dois seguranças que estavam com ela. Não
conseguiram pegar quem estava seguindo a Liz, mas conseguimos imagens
das câmeras de segurança das ruas.
― Não quero imaginar se não tivesse aí para ajudá-la.
― Sabemos que foi algo da Katherine, Steve. O que me deixa irado é
que não consigo encontrá-la. Não consigo acabar logo com tudo isso.
― Fique calmo. Sei que vai conseguir. Se ela realmente voltou, não
vai me dar nenhuma pista do lugar ou o que pretende fazer.
― Sei que não, só preciso saber se está disposto a ajudar no que for
preciso.
― Não esperava por essa dúvida. ― Suspira. ― Farei qualquer coisa
para o seu bem e da nossa filha. Amo vocês, sabe disso.
Não é dúvida, mas preciso ter certeza. É um risco que não quero
correr. Depois de ter escondido de mim o primeiro contato da Katherine,
ainda não estou seguro.
― Vou precisar desligar.
― Tudo bem. Vou ligar para a Liz e ver como está.
Desligamos a ligação. Sabe Deus que horas sairei daqui hoje, tenho
muito o fazer ainda.
21
“Todo mundo sabe meu nome agora
Mas algo sobre isso ainda parece estranho
Como olhar em um espelho, tentar se firmar
E ver outra pessoa.”
Lonely • Justin Bieber

Davon
Depois do dia de ontem, me sinto inquieto e culpado por toda a
situação. Isso, mais a visita dos pais do Kyle, me fez perder o sono. Passei a
noite em claro, me virando na cama até decidir me levantar.
Assim que cheguei à fraternidade, acompanhado dos agentes, Sam e o
Oliver ficaram assustados e precisei explicar toda a situação, garantindo que
Liz e eu estávamos bem. Dava para ver a vontade que o Ollie tinha em falar
com ela, ficava mais frustrado ainda em ser ignorado.
Agora estou na sala, esperando Juan e Carmen chegarem. A ansiedade
me faz andar de um lado para outro. Depois de tanto insistir para que a Sam
desse uma volta com o Oliver, pedindo um pouco de privacidade para
conversar com os dois primeiros, ela cedeu. Kyle fará a mesma coisa com a
Luna.
Escuto uma batida à porta e paro, respirando fundo e sentindo o
coração acelerado. Abro a porta, com medo do que poderei encontrar.
Não preciso de muito para abrir um sorriso assim que vejo os dois
rostos que mais foram os meus pais e que tanto amei. Carmen chora quando
me vê, me quebra por dentro ser o causador das lágrimas. Olho para o Juan,
que mesmo sem expressão, tem tristeza e ao mesmo tempo alívio no olhar.
Abre os braços e não penso duas vezes antes de abraçá-lo, me
permitindo chorar por toda dor que estava sentindo pela saudade. Parece
pesar ainda mais quando me lembro dos anos que passei longe deles, de tudo
que passei sozinho. Hoje penso que não teria sido assim se tivesse pedido
ajuda para as pessoas mais próximas de mim.
― Meu filho. ― Ouço a voz da Carmen enquanto ela me abraça. ―
Como sentimos a sua falta.
Me afasto do abraço dos dois, então ela segura meu rosto, enxugando
minhas lágrimas.
― Eu também, muito! ― Fungo.
― Como você cresceu e está ainda mais bonito. ― Seu olhar materno
me enche ainda mais de amor.
Sorrio e olho para o Juan, temendo o que ele tem a me dizer. Ele
limpa o meu rosto e sorri.
― Se tornou o homem que eu havia imaginado. Um pouco sem juízo,
mas não seria você se não faltasse isso. ― Rimos.
Nos abraçamos novamente.
― Que bom reencontrá-lo, filho. Não sabíamos mais o que pensar
depois que sumiu.
― Desculpa, não queria ter preocupado vocês ― peço. Como me
arrependo das escolhas que fiz.
― Vamos entrar, ainda temos muito o que conversar.
Passo meu braço pelo de Carmen, enquanto entramos. Espero que se
sentem para logo em seguida fazer o mesmo, só que de frente para eles.
― Não estamos aqui para julgar você pelas suas escolhas ― ele diz
―, mas queria muito que tivesse nos procurado quando tudo aconteceu.
― Naquela época, eu só pensava que as pessoas que eram as corretas
perante a lei fossem as culpadas. E não achava certo envolvê-los, ainda mais
correndo o risco de vida, como eu e a Sam estávamos.
― Entendemos o que você pensou naquela época ― Carmen
concorda.
― Saibam que eu teria feito diferente se tivesse o mesmo pensamento
que tenho hoje.
― Eu sei. Hoje está maduro, a vida te fez entender e aceitar a reação
de cada ação, de cada escolha.
As palavras dela me fazem lembrar da Liz.
― Isso só me faz imaginar tudo que passou, querido ― pausa ―, viu
sua vida ruir diante dos seus olhos, tendo que fazer escolhas e sofrendo
sozinho com a Sam. O que minha menina não sofreu durante esses anos? ―
Vejo lágrimas caindo do seu rosto.
― Depois de tudo o que passamos, o pior foi ter que presenciar os
traumas da minha irmã, os ataques de pânico, a recuperação das queimaduras
que teve naquela noite, os gritos... ― Fecho os olhos.
Sinto quando seus braços me abraçam, me consolando.
― Ela está vencendo tudo isso. É forte e determinada. Posso dizer
que até mais que eu. ― Solto uma risada. ― Ela ama tocar violino.
― Sinto orgulho dos dois. Cresceram somente com o apoio um do
outro. Não sabe o quanto me faz feliz saber que estão bem.
― Não deveria sentir orgulho de mim, só fiz coisas erradas.
― Isso não importa, querido.
― Amy soube cuidar muito bem da gente. Sempre foi um anjo pra
nós.
Olho para Juan, que presta atenção em cada palavra que eu digo.
― Sei que sim. Tenho muito a agradecer a ela. ― Sorri.
― Ela vai adorar ver vocês. Ficou muito feliz quando contei que
estavam vindo pra cá.
― Vamos passar uns dias por aqui. Então, ainda teremos muito o que
conversar. Quero saber dela tudo o que aprontou. ― Carmen faz um tom
severo, aquele tom de mãe.
Rimos.
― Como imaginei, escolheu fotografia para cursar ― Juan comenta.
― É a minha paixão. ― Sorrio.
― Acha que não sabemos disso, lembro das suas conversas com o
Kyle. Fez uma ótima escolha.
― Christian não teria aceitado isso ― comento, lembrando-me do
meu pai.
― Talvez, se estivesse vivo, não. Mas sempre te apoiei na sua escolha
de profissão. Pra mim, era sempre mais importante se formar naquilo que
gostava. Tenho certeza também que você teria batido o pé e seguido com a
sua escolha, mesmo ele sendo contra.
― Acho que precisam saber de algumas coisas que descobri dele ―
digo, me sentindo envergonhado por todas as coisas que tinha feito.
― Não precisa falar, filho. Sabemos das coisas que seu pai fez.
Quando Octavio me disse... seu pai teve o final que ele escolheu. Horrível foi
ter levado a sua mãe junto e quase os filhos também. ― Não fico surpreso
por ele saber disso.
― Meu pai era o vilão o tempo todo. ― As palavras saem com
desgosto da minha boca.
― Não se culpe por não saber sobre ele antes, agora você sabe.
― Sim.
― E como está a sua relação com Kyle?
― Não temos. ― Sorrio, sem graça. ― Acho que ele deve ter
contado isso a vocês.
― Não aceito que a amizade de vocês tenha acabado ― diz,
parecendo triste.
― Não sei se ainda vamos voltar a ser amigos depois de tudo o que
aconteceu. Ainda tem a Liz
― Sinto muito por isso. Mas espero que amizade de vocês volte a ser
como antes. ― Assinto. ― Você sabe por que o Kyle não foi com a gente
para Porto Rico, depois de tudo o que aconteceu?
― Não.
― Foi por sua causa. Ele tinha esperança de que você fosse voltar,
que fossem realizar o sonho de vocês de estudarem juntos, tudo o que
planejaram. Ele tinha medo de que no momento que partisse com a gente,
você voltasse e não encontrasse ninguém, então ele ficou para trás,
esperando. Só que você nunca apareceu.
Todas as palavras ditas são como peso em mim. Choro, não esperava
nada disso do meu amigo.
― Sinto muita falta do meu amigo. ― Ele me abraça.
― Eu também tenho certeza de que ele sente a sua falta.
Independentemente de a Liz estar no meio de vocês ou não, precisam lembrar
o quanto vocês eram importantes um para o outro. Pra mim você ainda é o
Taylor, vai continuar sendo o nosso Taylor. Que temos como filho e sempre
amamos.
Como eu sou grato por continuar tendo essa família na minha vida
depois de anos longe.
― Não me admira vocês dois terem se apaixonado por ela. ― Dá um
sorriso. ― Ela é uma pessoa incrível. Mas você não soube dar valor. ― Me
olha com tristeza.
― Infelizmente eu não soube mesmo. ― Abaixo o rosto.
Somos interrompidos pelo barulho da porta.
― Ah, pelo amor de Deus, Oliver. Não precisávamos ter demorado
tanto ― resmunga. Quando vai continuar a reclamar com meu amigo, ela nos
vê na sala olhando para ela.
Sam parece envergonhada, mas sorri quando reconhece os dois, e nem
espera que a Carmen se levante direito, corre para poder abraçá-la.
― Ah, minha menina ― beija o rosto dela, e Sam, assim como eu,
não aguenta segurar as lágrimas ―, como cresceu.
― Está a cara da sua mãe ― Juan diz quando é a sua vez de abraçá-
la.
― Como estava com saudades. ― A voz da minha irmã sai trêmula.
― A gente também. ― Beija a cabeça dela.
― Cadê a Luna? ― pergunta.
Nem preciso responder, já que a porta se abre novamente e eu a vejo
entrando na sala.
― Escutei meu nome? ― Ela sorri, mas está emocionada quando vai
ao encontro da Sam.
Escuto o grito dela quando se vira e vê a amiga de infância na sua
frente. É lindo de se ver o quanto estão felizes.
Vejo Kyle parado na entrada da sala, sorrindo, enquanto observa a
cena das duas. Quando percebe que estou olhando para ele, faz um gesto com
a cabeça como cumprimento.
― Como está linda ― Luna comenta, limpando o rosto da Sam, e ela
fazendo o mesmo. ― Não acredito que estamos nos vendo agora, esperei por
tanto tempo isso.
― Eu também. Sonhei com isso várias vezes. Não quero te largar
mais ― comenta, fazendo Luna rir.
― Então não vamos ― confirma ―, ficaremos grudadas.
Volto a olhar para o Kyle e me aproximo dele.
― Será que podemos conversar?
― Claro.
Me segue para os fundos da fraternidade, onde nos sentamos no banco
que tem ali. Ficamos em silêncio, até ele começar a falar.
― Ela está bem, se é isso que quer saber ― fala, se referindo a Liz.
― Não era isso, mas obrigado por me dizer. ― Assente. ― Tia
Carmen me disse o motivo de não ter ido embora com eles para Porto Rico.
― Solto depois de um tempo. ― Não sabia.
― Sim. Mesmo se o tempo voltasse atrás, teria feito a mesma coisa,
do mesmo jeito. Não teria mudado nada ― confessa, ainda olhando para a
frente.
― Eu faria o mesmo por você também. Quero realmente pedir
desculpas por não ter voltado. Pensei nisso tantas vezes durante esses anos,
não foi fácil, mesmo com a Sam me sentia sozinho.
― Sabe que não precisava ter sido assim. Talvez teríamos entrado na
universidade juntos, nos formados juntos. Tudo aquilo que planejamos fazer.
― Uma pena nossos planos não terem dado certo e nossa amizade ter
terminado assim ― desabafo, vendo-o concordar.
― Sabe que, se eu soubesse o que a Liz significa para você, eu jamais
teria me envolvido com ela, né? ― Faz a pergunta sem que eu a espere. ―
Mas agora não consigo imaginar a minha vida sem ela.
Como havia imaginado antes, é verdadeiro o sentimento que ele tem
por ela.
― Eu sei. Sempre fomos leais um ao outro, agora não sei como vai
ser. Eu amo a Liz...
Assente.
― Mas ainda espero que a gente arranje uma maneira de continuar a
nossa amizade.
Sou pego de surpresa, também não esperava por essa confissão.
Assinto, é o que eu quero também.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, fico imaginando como será
se a nossa amizade voltar ao que era antes.
― Nunca imaginei que você fosse capaz de fazer o que fez com a Liz,
parece que não o reconheço mais.
― Nem eu, até uns tempos atrás, não me reconhecia. Fui um
completo idiota com ela, estava mais focado na minha vingança do que nos
sentimentos que sentíamos. Estraguei tudo.
― Sim. Eu sei que a Liz ainda sente alguma coisa por você, mas eu
também sei que ela sente alguma coisa por mim. ― Olha-me de canto de
olho.
― Você sabe que não vou desistir dela, né?
Ele dá um sorrisinho.
― Me admiraria se você fizesse isso.
Rio também.
Kyle se levanta e volta para dentro da casa. Espero alguns minutos
antes de entrar e voltar a sorrir com a Luna e Sam. Juan olha para mim e
Kyle, antes de dar um sorriso. Ele sabe que estamos tentando, mesmo que
não dê nenhum resultado no final.
Volto dos pensamentos quando a Luna se aproxima e me dá um
abraço.
― Oi, encrenqueiro. ― Sinto-a sorrindo enquanto diz as palavras.
― Oi, sua exigente ― digo, também rindo, lembrando-me do quanto
exigia de mim e Kyle para ter seus pedidos atendidos.
― Hahaha! Era para rir? Isso não me ofende. ― Me solta, rindo. ― É
bom te ver, Tay.
Por incrível que pareça, não me incomoda ouvi-la relembrar do
apelido que eu tinha antes.
― É bom ver você também, Lua. ― Aperto seu nariz e constato que
ela ainda odeia quando faço isso.
Nos viramos para ver o Kyle abraçando a Sam, eles sempre se deram
bem.
― Sabe o que seria bom fazermos neste exato momento? ― Juan
pergunta, abraçando a esposa de lado. ― Irmos almoçar. O que acham?
― Concordo. É um sonho ver meus filhos reunidos novamente,
mesmo não sendo da maneira que eu queria ― Carmen comenta, não
passando despercebido o olhar que dá para o Kyle e a mim.
Todos precisamos desse momento descontraído depois da séria
conversa. É como voltar a minha adolescência e reviver cada momento junto
com eles.
22
“Eu não quero ir, acho que vou piorar
Tudo o que sei me traz de volta para nós
Eu não quero ir, já estivemos aqui antes.”
Miss You, I’m Sorry • Gracie Abrams

Davon
Não sei descrever a sensação de enfim a Liz aceitar falar comigo.
Alívio? Talvez. Mas quero ter uma conversa produtiva dessa vez. Quero
poder me desculpar melhor e, além de tudo, saber se está bem.
Pensei muito na conversa que Kyle e eu tivemos, e decidi falar com a
Alex ― mesmo correndo o risco de receber um não ― para que pudesse falar
com Liz para mim, preciso muito falar com ela. Minha surpresa foi receber a
resposta horas depois, e ainda positiva.
Passamos o domingo em harmonia. Me senti tão bem com aqueles
que sempre considerei minha verdadeira família. Relembramos de momentos
que tivemos, alguns entre mim e o Kyle, que mesmo com o clima
desconfortável entre a gente, tentávamos conversar toda vez que a tia Carmen
nos incluía.
Juan resolveu marcar algo entre nós três, acho que ele imagina que
precisamos desse momento, não só pelos anos sem nos vermos, como a
minha amizade com seu filho.
Na segunda, antes de dirigir até o prédio da Liz, passo na fraternidade
depois das minhas aulas, quero dar tempo para ela antes de aparecer na sua
porta. Estou aliviado pela Sam estar com Luna.
Pego a minha Harley, mesmo ansioso com o nosso encontro, o
nervosismo me faz ir devagar, pensando em várias formas de como a
conversa terminará. Assim que estaciono a moto em frente ao prédio, eu a
vejo sentada nos degraus que dá para a portaria.
Ando calmamente em sua direção e me sento ao seu lado, uma
distância confortável para nós dois. Ficamos em silêncio, sem nos olharmos
ou dizermos nenhuma palavra.
― Desculpa, Liz. Tudo o que está acontecendo hoje é por minha
culpa. Não queria que se machucasse.
― Eu te culpei muito, sabe? Eu te culpei por tudo de ruim que
aconteceu e o que poderia acontecer.
Ela respira fundo enquanto eu assinto, mesmo ela não vendo.
― Mas hoje eu me pergunto que garantia a gente tinha que ela não
fosse vir atrás de mim? Até porque, meu pai também estava envolvido nesse
caso. Você ter ido atrás dela, Davon, só acelerou as coisas, mas eu não te
culpo, não por isso. ― Ela vira o rosto para mim. ― Mas não consigo te
perdoar por ter mentido, por não ter confiado em mim. Não agora.
― Eu entendo.
― Eu sei pelo o que você passou, Davon, mas nada justifica você ter
me usado. Prejudicou todos nós.
― Eu sei, hoje eu sei. ― É difícil ouvir essas palavras,
principalmente dela.
Voltamos para o silêncio, e eu reflito cada coisa dita.
― E nós? ― Preciso perguntar, saber se ainda existe esperança. ―
Ainda tenho alguma chance?
― Não existe mais um nós, Davon.
― Eu não vou desistir de você, Liz ― digo, determinado. Ainda
quero mostrar que as coisas podem dar certo dessa vez.
― Mas deve. ― Olha para mim uma última vez antes de se levantar e
entrar no prédio.
Passo as mãos pelo rosto e cabelos. Me sinto frustrado com o rumo
que tudo está tendo. Mesmo que não voltemos, só o tempo dirá o que
acontecerá com cada um de nós.
Samantha
Estão sendo os melhores dias da minha vida. Faz tanto tempo que não
me sentia em família, mesmo com o Davon e a Amy. Depois que fomos
almoçar no domingo, passamos o final da tarde juntos, conversando sobre as
novidades que aconteceram nos anos que não estávamos juntos. Luna me
contou tudo que fez, até ficou decepcionada com o Davon por ter me tirado
um pouco a liberdade, mas entendeu o motivo.
Kyle e Davon sempre participavam das conversas, mesmo cada um no
seu canto, até tivemos muitas recordações da época da adolescência. Tia
Carmen sempre tentando colocar os dois no mesmo assunto.
Luna me pediu para passar a noite com eles, assim teríamos mais
momentos nossos. Estão hospedados no apartamento do Kyle. No final da
tarde, Davon se despediu para voltar para a fraternidade, mas não antes do
Juan combinar com ele de saírem juntos, como faziam antes. Se meu irmão e
seu amigo acharam ruim a ideia, não disseram, só concordaram.
Luna e eu passamos a noite conversando, e em um momento o nome
da Liz acabou surgindo. Luna me contou como foi conhecê-la e passarem os
dias juntas em Porto Rico. Minha curiosidade em conhecê-la pessoalmente só
cresce. Ouvi tantas coisas boas sobre ela, tenho certeza de que é uma boa
pessoa.
― Poderíamos chamá-la pra sair com a gente amanhã. O que acha?
― pergunta, deitada ao meu lado.
― Acho uma boa ideia.
― Não ficaria chateada por causa do Tay? ― Mesmo com a troca do
nome, minha amiga ainda persiste em chamá-lo pelo apelido.
― Não tem por que ficar, o erro foi do meu irmão, não meu ― digo,
sorrindo.
― Disse tudo. ― Ela bate palmas. ― Sabe, durante esses anos,
sempre ficava imaginando como estariam vivendo vocês dois. Em nenhum
momento esqueci da nossa amizade.
― Nem eu. Sei que já falei isso mais de mil vezes, mas, estou feliz
por termos nos encontrado. ― Rimos.
― Se pararmos para pensar, isso só aconteceu por causa da Liz.
Quem iria imaginar que um dia conheceria o Taylor e o Kyle em momentos
diferentes da vida, e que se reencontrariam depois?
― Era o destino, acho. ― Faço uma careta. ― Kyle conversa sobre o
Davon com você?
― Não muito. E seu irmão com você? ― devolve a pergunta.
― Não. Acho que eles não querem nos envolver no que está
acontecendo entre os dois, que fiquemos divididas.
― Eu também acho. É até melhor assim. Que os dois resolvam as
diferenças logo ― diz, rindo.
― Uma pena que, além de nós, os tios estejam tristes com tudo isso.
― Suspiro, me lembrando do olhar dos dois no dia anterior.
― Sim, é difícil aceitar. Eles têm vocês dois como filhos, eram
acostumados a verem o Kyle e o Tay como chicletes, não se desgrudavam.
Com isso acontecendo, deixa o clima estranho.
Assinto.
― Queria ser um bichinho só para ver o que vai rolar no encontro dos
três amanhã.
― Eu também. Quando éramos mais novas, tínhamos um dom de
espionagem, talvez isso ainda não tenha mudado. ― Dá um sorriso
convencido.
― Talvez não. ― Balanço as sobrancelhas.
Escutamos batidas na porta, e, logo em seguida, a cabeça do Kyle
aparece.
― As duas não vão dormir? ― pergunta, sorrindo. ― Irão parecer
dois zumbis amanhã.
― Não vamos. ― Rimos. ― Queremos chamar a Liz pra sair com a
gente amanhã. Acha que ela vai topar?
Ele nos olha surpreso e depois dá um sorriso.
― Tenho certeza de que ela vai gostar do convite. Você vai gostar de
conhecê-la, Sam. É bom ter uma amiga aqui, depois que a Luna for embora
― Kyle diz a última frase para implicar com a irmã, que atira o travesseiro
nele. ― É brincadeira.
― Claro que é. Não era pra você está dormindo também?
― Me enrolei com alguns assuntos da empresa, estou indo agora. Boa
noite, meninas. ― Manda um beijo, fechando a porta em seguida.
― Kyle continua o mesmo que me lembro. ― Sorrio. ― Todo
protetor.
― Vai ter isso de sobra agora, vai até enjoar da cara dele de tanto que
vai pegar no seu pé ― diz, rindo.
― Como se não bastasse o Davon. Mas até que gosto. Oliver é o
único que ainda faz as minhas vontades, fratello disse que ele está me
estragando.
― Isso é puro ciúmes. Davon vai continuar sendo o irmão que pega
no seu pé, e, o Oliver, o irmão que te mima.
Concordo, rindo.
Havia contado tudo a Luna, as amizades do Davon ― na verdade, o
que parecia ter restado delas ―, sobre o Oliver, que é como irmão para nós, e
é o mais próximo.
― Pode ser que o Tay tenha ciúmes do Kyle também, tenho certeza
de que irá te mimar, assim como faz comigo. E pode até ser que meu irmão
vai gostar de provocá-lo.
Passamos mais alguns minutos conversando antes de decidimos ir
dormir.

Luna tinha mandado uma mensagem para a Liz mais cedo


perguntando se ela gostaria de sair, e na mesma hora ela aceitou. Preferimos
não contar que eu estaria junto, acho que será uma surpresa para ela me ver
lá.
Ficou combinado de encontrarmos com ela no shopping. Assistiremos
a um filme e depois iremos comer alguma coisa.
Assim que chegamos e subimos para o andar onde ela está, minhas
mãos começam a suar de nervoso. Não sei o que ela achará de mim ou da
minha presença com a Luna.
Avistamos a Liz perto da entrada do cinema, e pela sua expressão ao
me ver, de alguma maneira, ela sabe quem eu sou. Está acompanhada de dois
seguranças a uma distância considerável dela, mas que não passam
despercebidos. Claro que também têm seguranças comigo e Luna, Octavio
fez questão de não os tirar depois do evento de sábado.
― Oi ― Luna exclama, toda animada, indo abraçar a Liz, que retribui
da mesma forma. ― Liz, essa é a Sam.
― Sou a irmã do Davon ― completo, dando um sorriso sem graça.
― Ah! Sou a Liz ― sorri sem jeito ―, e ouvi falar de você.
― Não tanto quanto ouvi de você. ― Sorrio.
― Já começamos bem, as duas sabem uma da outra, só precisava de
um encontro. ― Luna ri. ― Vão ter muito o que conversar ainda, mas agora
precisamos comprar nossos ingressos.
Liz e eu sorrimos uma para outra, mesmo ainda sem jeito. Luna passa
os braços entre nós duas e nos puxa para a bilheteria. Escolhemos uma
comédia romântica que acaba de estrear, se me lembro bem. Estou louca para
assistir.
Compramos pipocas e outras coisas antes de entrarmos na sala. Tudo
está ocorrendo muito bem. No final do filme, decidimos ir à praça de
alimentação. Enquanto caminhamos para o local, vamos comentando sobre as
cenas do filme.
― O que vão querer? ― Luna pergunta enquanto olha o cardápio. ―
Vou fazer nosso pedido, mas antes preciso passar no banheiro. ― Sorri.
― Podemos ir enquanto vai ao banheiro, se quiser ― Liz oferece.
― Não precisa. Fiquem aqui, volto já. ― Levanta-se, pegando o que
queremos e seguindo logo para o outro lado.
O silêncio que fica na mesa é desconfortável. Olho para ela e dou um
sorriso de lado, que retribui da mesma forma.
― Você é muito bonita ― digo, sem pensar direito. ― Você é mais
bonita do que eu imaginava, e de algumas fotos que eu vi.
― Obrigada. Eu também te achei muito bonita. ― Sorri.
― Sempre quis conhecer você, mas não foi possível. Queria ter te
conhecido em outro momento, que não fosse nesse. ― Pauso e olho para ela,
que está atenta a tudo o que eu digo. ― Espero que o que houve entre meu
irmão e você não impeça de nos aproximarmos. Eu tive medo de que você
não gostasse de mim ― confesso.
― Não tem nada a ver ― sorri, me tranquilizando ―, quando eu
soube da sua existência, eu queria sim te conhecer. E o que aconteceu entre
mim e Davon jamais iria interferir em uma possível amizade entre nós duas.
É bom ouvir essas palavras, saber que podemos ter contato sem que o
que aconteceu atrapalhe.
― Acho você uma pessoa muito forte. É tão nova e já passou por
tantas coisas. E está aqui, sorrindo, mostrando o quanto conseguiu superar
cada momento. ― Seu tom de voz é de admiração.
― Nem sempre foi assim, ainda é difícil pra mim. ― Passo os dedos
pelo meu pulso, fazendo com que ela olhe nessa direção.
Não sinto vergonha, não mais. São marcas que mostram que venci nos
momentos mais difíceis, eu as levarei no meu corpo com orgulho da pessoa
que me tornei.
― Mas estou feliz de estar aqui agora, estou feliz de termos
reencontrado a Luna, os pais dela, o Kyle. E mesmo que o Davon tenha feito
tudo o que fez, e acontecendo tudo o que está acontecendo, estou feliz,
porque agora estou... tipo voltando a viver. Não sei se faz sentido. ― Franzo
a testa, rindo.
― Faz todo o sentido ― responde. ― Eu gostei de você, Sam. E acho
que podemos ser boas amigas. ― Sorrimos. Estou ainda mais feliz por ouvir
isso. ― E não se importe com o seu irmão b... ― Para, ficando sem graça
com o que ia sair.
― Babaca? ― pergunto, já sabendo a resposta. ― Mas ele é mesmo.
Não se preocupe, aproveito sempre que tenho a oportunidade para lembrar
isso a ele. ― Rimos.
― Está tudo bem por aqui? ― Luna aparece, olhando desconfiada
para nós.
― Estava conversando com a minha nova melhor amiga ― Liz diz e
pisca para mim, enquanto segura a minha mão. Além das palavras, esse gesto
diz que eu posso contar com ela também.
Sorrio, mostrando o quanto estou grata ao apertar a sua mão.
― Fico feliz por isso. ― Luna sorri, olhando toda feliz para nós duas.
― Você demorou ― comento. ― Não diga que se perdeu.
― Digo sim. ― Tem a cara de pau de confirmar, sem nos encarar
direito.
Olho para a Liz, que também tinha sacado o plano da nossa amiga.
― Ainda bem que se encontrou ― Liz comenta. ― Não sei o que
seria de nós duas sem você. ― Ela não diz isso apenas na brincadeira, mas
sobre ela ter feito de propósito, nos dando um tempo para conversarmos a
sós.
No começo daquela tarde, estava insegura com o rumo que esse
encontro poderia ter, mas agora, penso no quanto fui boba ao ter todo esse
medo. Estou me divertindo muito, e no final nossa tarde é além do que havia
imaginado.
Katherine
Merda!
Meu dia não tinha começado como eu havia planejado.
― Como assim ela morreu? ― pergunto, furiosa, passando a mão
pelo meu rosto.
Tiro a mão dele de cima de mim, me levantando e indo para o
banheiro.
― Morreu ― diz, simplesmente.
― Assim, do nada? Acha que sou alguma idiota? ― grito. ― Não me
interessa como, mas vai dar um jeito. Não te pago para que eu tenha que fazer
o seu serviço. Sabe bem disso.
Mexer com tráfico de mulheres não é uma das coisas mais fáceis do
mundo. Tem que ter ganância, sem um pingo de piedade e, acima de tudo,
uma boa mão para os negócios, e isso eu tenho de sobra. Ninguém estraga
meus negócios.
― Coloca outra no lugar dela ― mando.
― Não é possível. O FBI está na nossa cola. Qualquer passo que
dermos agora, eles nos encontram.
― Porra. ― Ele sente a minha ira. ― Você tem sorte de estar bem
longe de mim neste momento ― desligo a ligação.
Fecho os olhos, respirando fundo algumas vezes.
Logo sinto beijos sendo distribuídos pelo meu pescoço, e mãos
grandes massageando meus ombros.
― Ei, relaxa. Respira fundo ― pede, mordendo minha orelha, me
deixando arrepiada.
― Era para as coisas estarem dando certo ― digo, entregue aos seus
beijos e mãos pelo meu corpo.
― Você sabe, mais do que ninguém, que algumas coisas sempre dão
erradas. Tenho certeza de que depois dessa conversa agradável que seu
empregado teve com você, ele dará um jeito de consertar o erro rapidinho. ―
Desce a mão, passando por dentro das minhas coxas.
― Assim espero. ― Me contorço nos seus dedos. ― E eu achando
que o Octavio levaria meu susto a sério. Pelo jeito, não adiantou a
perseguição que a Liz teve.
― Homem tolo. ― Ele me vira, segurando meus cabelos, antes de
morder meu lábio. ― Ele não sabe o que o espera. ― Me ergue, colocando
em cima da pia, sorrindo malicioso. ― O que está pensando em fazer agora?
― Me olha nos olhos, enquanto eu passo as mãos em seu peito, subindo
pelos seus braços fortes, puxando-o pelo pescoço.
― Que tal uma ameaça mais forte? ― Ele dá uma risada diabólica. ―
Estou decidida que é hora de conhecer a Liz. Assim o Octavio vai saber o que
é ter medo de verdade.
Rio, saboreando as minhas próximas ações.
― Ainda vou deixar o rapaz de olho na Elizabeth e no Davon pra
mim, ter todas as novidades do que os rodeiam nunca é demais. Vai me
ajudar muito no meu próximo plano.
― Adoro esse seu ar malévolo. ― Me olha satisfeito e segura a
minha cintura com força, me puxando de encontro a ele. ― Mas será que
podemos deixar os negócios de lado por ora, e falarmos somente do que
interessa neste momento?
― E o que seria?
Me dá a resposta ao entrar em mim com brutalidade, me fazendo
morder seu ombro para não gritar.
― Que tal?
― Não achei que ainda precisasse de permissão ― provoco.
― Você sabe que nunca preciso. ― Então me leva para o quarto.
Em todo o caminho até a cama, imagino o quanto o Octavio não sabe
o que está por vir.
23
“Sem estresse, sem brigas, estou curtindo, a vida é boa
Estamos só agradecendo porque estamos vivendo como deveríamos.”
Sunday Morning • Now United
Davon
Antes de sair de dentro da casa para entrar no carro estacionado em
frente, penso se é uma boa ideia estar no mesmo ambiente que o Kyle. Ainda
é cedo para tentar alguma aproximação, mas se não tentar não terei garantia
que vai evoluir em alguma coisa.
Pego meu casaco e saio da fraternidade enquanto o visto. Abro a porta
de trás e entro.
― E aí, garoto, preparado para perder hoje? ― Juan pergunta,
olhando para trás, antes de ligar o carro.
― Preciso saber qual é o jogo que estou arriscando perder.
― Você nem imagina qual. ― O tom debochado do Kyle com a
escolha do pai me faz rir.
― Não me diga que é boliche?
― Estou com um espírito bastante competitivo hoje, vocês dois vão
ficar lá embaixo ― diz, todo convencido.
― Isso eu quero ver ― Kyle e eu dizemos juntos, fazendo Juan rir.
No boliche, pegamos os calçados e nos preparamos para começar o
jogo. Durante cada rodada, mesmo com o desastre do Juan, deixo com que
ache que está ganhando quando erro propositalmente as minhas jogadas.
Acho que o Kyle pensa a mesma coisa que eu. No final, tio Juan está
em primeiro lugar, e Kyle e eu empatados.
― Ou vocês estão enferrujados ou me deixaram ganhar ― diz,
enquanto saímos do boliche. ― Porque a minha pontuação não foi nada boa.
Dou de ombros, segurando o riso.
― Claro, pai. Davon e eu demos o nosso máximo.
Vamos caminhando para o pub que tem perto do boliche. A noite está
boa para andar.
― Vou ligar para a sua mãe para avisar que estamos bem. ― Ri,
ficando alguns passos a nossa frente.
― Você não acha estranho? ― pergunto, depois de alguns segundos.
― O quê?
― A gente aqui, depois de tanto tempo, como se nada tivesse
acontecido.
Ele olha para mim, assentindo.
― Realmente é estranho. Mais estranho ainda é ver meu pai jogando.
― Ele ri e eu o acompanho.
― Não achei que veria aquilo algum dia. Aquela dancinha antes de
jogar a bola foi hilária.
― Não sei como aguentei ficar sério.
Faço o gesto com a mão, tirando mais risos da gente, até o Juan olhar
para nós, confuso, antes de voltar sua atenção para a frente.
― Eu achei que íamos nos reencontrar um dia, mas não que fosse
dessa maneira. ― Volto ao assunto anterior.
― Eu também achava. Agora nossa relação é tão estranha ―
confessa.
Eu sinto que estamos pisando em ovos o tempo todo. Temos a Liz no
meio, e saber que o cara que cresceu comigo também é a fim da minha garota
dificulta a nossa amizade a voltar a ser como antes. Mas está claro que vamos
tentar.
― Você podia sair comigo qualquer dia, com o Oliver. A gente
costuma jogar basquete. Está convidado.
― Ah, claro. Eu chamo os meninos também.
― Seria legal. Jogamos um contra o outro. ― Sorrio. ― Vai com o
pensamento de que tem uma grande chance de perder.
― Ainda sou muito bom em basquete.
― Isso eu quero ver ― provoco.
― Você sabe que gosto de uma boa aposta.
― Claro que sei. ― Finjo estralar meu pescoço e dedos das mãos. ―
É por isso que estou te desafiando.
― Como nos velhos tempos. ― Finge reclamar, retribuindo o sorriso
desafiador. ― Combinado, vamos marcar o dia. Vai ser épico vê-lo perder.
― Um de nós irá com a vitória pra casa, e tenho certeza de que serei
eu.
― Vai sonhando ― debocha. ― Lembra daquela vez que jogamos
contra Andrew e a turma dele pelo direito à quadra.
― Claro. Impossível esquecer aquele dia. Fomos pra casa com alguns
arranhões, mas valeu cada queda ― digo, nostálgico.
― Depois que o encontramos na festa, deixou bem claro a todos a
surra que ganharam no jogo daquela tarde.
― E a gente achando que eles iriam arranjar confusão ― completa.
― Bons tempos. Você teria ganhado uma boa bolsa se tivesse
continuado no time do colégio naquele ano.
― Sim. E por que você não tentou?
― Não teria sido a mesma coisa sem você ― comenta, mudando de
assunto. ― Penso que era para ser assim.
― Sim. Mesmo amando o basquete, acho que a minha praia é a
fotografia.
― Manda bem nisso, vi algumas fotos que mandou para o meu pai.
― Valeu. Você sempre teve essa cara para negócios, não é estranho te
imaginar de terno e gravata. ― Acabamos rindo.
― Não sabe a parte ruim disso. No final do dia, não quero nem ver
terno e nem gravata. Aquilo às vezes sufoca.
― Não tá acostumado a não ter as praias da Califórnia a seu favor ―
provoco. ― Surfar sempre foi seu forte.
― Acho que não terei essa escapada tão cedo.
Percebo que estamos chegando à entrada do pub, e que o Juan já não
está mais na ligação, mas que havia decidido dar esse espaço para a gente.
Entramos procurando uma mesa, mas nosso plano é deixado de lado
quando o Juan nos intercepta com duas cervejas.
― Não vou poder extrapolar hoje, mas vocês sim. ― Entrega as
bebidas. ― Vamos, iremos jogar sinuca.
Ah! Nisso ele é bom. Tenho até dó de nós dois.
Liz
Estaciono o carro em frente à fraternidade, esperando encontrar o
Davon ali. Passadas algumas semanas desde o meu primeiro encontro com a
Sam e a vinda dos pais do Kyle e a Luna, continuo mantendo contato com
ela. Havíamos saído algumas vezes quando a Luna estava por aqui e foi bem
divertido. Uma vez que a minha amiga voltou para Porto Rico, decidi não
deixar mais a Samantha sem a minha presença.
Bato à porta, e alguns segundos depois Mason a abre e me olha com
surpresa, mas logo sorri.
― Oi, Mason. Como está? Sabe me dizer se o Davon está por aí?
― Estou bem, e ele está sim. Quer entrar?
Nego com a cabeça.
― Pode só chamá-lo pra mim?
― Claro. Um minuto.
Ele deixa a porta aberta e sobe a escada que dá para os quartos. Não
demora muito para que Davon apareça.
― Ah, oi. ― Me olha confuso. ― Precisa de alguma coisa?
― Oi. Sim, gostaria do endereço da Sam, se não se importar em
passar. Vou perguntar se ela quer passar esse fim de semana comigo e as
meninas no meu apartamento.
Ele continua me olhando com a surpresa estampada em seu rosto. Não
só com a minha presença, mas com o meu pedido.
― Claro. Acho que é uma boa pra ela também. Não ia conseguir ir
pra lá esse fim de semana.
― Obrigada.
― O Oliver está indo para lá, pode ir com ele ― sugere.
― Acho melhor não ― recuso.
― Você que sabe. ― Dá de ombros.
Davon se vira e vai pegar um papel para anotar o endereço, enquanto
isso penso se não é uma boa ideia ir com o Oliver como companhia. Ele volta
com o papel na mão e me entrega.
― Obrigada. ― Viro-me para ir embora. Dou alguns passos e paro,
antes que me arrependa, me viro e encaro Davon, que ainda me observa. ―
Sabe me dizer se ele vai demorar? ― pergunto, logo vejo um sorriso
convencido surgir nele.
― Não. Ele já estava de saída quando você chegou.
― Vou com ele, então. Esperarei aqui.
Davon sorri e assente. Rapidamente, Oliver aparece.
― Liz.
― Oi, Oliver. Bom, acho que já está pronto para irmos.
Oliver encara Davon, com um olhar de confusão em seu rosto.
― Liz vai com você ver a Sam. ― Davon sorri, achando graça da
expressão do amigo.
― Ah. O.k. Vamos?
― Podemos ir com o meu carro? ― pergunto.
― Claro.
Davon acena de forma debochada da porta, antes de entrar, rindo.
Ligo o som em um volume que não deixe o clima tão desconfortável
no carro. Sinto que Oliver fica aliviado com isso, enquanto dá algumas
batidas na coxa com os dedos, seguindo o ritmo da música.
Começo a murmurar a canção enquanto começamos a sair da cidade.
Do nada, Oliver gargalha, então olho para ele de relance.
― Do que você está rindo?
― Se lembra do dia que fomos para a casa do Evan, e a gente
começou a cantar essa música no carro? E obrigamos o Davon a cantar com a
gente? Foi bem engraçado.
Começo a rir também ao me lembrar de como naquele dia foi uma
confusão de vozes cantando.
― Lembro, claro. ― Rimos por mais alguns segundos.
― É bom te fazer rir de novo.
― Oliver...
― Não, Liz, é sério. Desculpa, sei que eu errei em esconder de você,
mas ele é meu melhor amigo, sabe? Nada que eu fale vai justificar o que fiz,
mas quero que você saiba que sinto muito. A sua amizade faz falta, a sua
presença, da gente rindo junto, das nossas festas, das nossas idas ao pub.
Enfim, tudo isso.
Escutar suas palavras faz meu coração apertar ao descobrir o quanto é
verdadeiro o que ele me diz.
― Eu também sinto ― confesso. ― No começo tive muita raiva de
você, Oliver, mas passou. Pensei muito e entendi várias coisas durante esse
tempo. Estou superando, mas não deixo de sentir falta.
― Eu sei que não vai ser como era antes, até pelo lance do Davon e
agora o Kyle.
― Realmente, impossível. Não estamos tentando algo aqui agora? ―
Ele sorri. ― Então? ― Dou de ombros.
― Acho muito legal você se preocupar com a Sam, trazendo-a para
mais perto. Ela não tem ninguém além da gente. Durante anos foi só Davon,
Amy e eu. Agora ela tem você, os tios e os amigos que reencontrou. Isso é
muito legal. Eu só gostaria de fazer parte da amizade.
― Eu realmente senti sua falta, Ollie. ― Sorrio novamente.
― Isso é bom, não queria passar esse constrangimento sozinho. ―
Rimos. ― A Sam vai surtar quando vir a gente chegando juntos.
― Você acha?
― Eu tenho certeza. Conto pra ela todas as histórias da gente
cantando nos pubs, no carro, das nossas danças no Halloween, e ela sempre
acha graça. Ela queria tanto ter te conhecido nessa época. Teria sido legal.
― Sim, teria. Mas também vai ser legal agora.
― Sim, vai ser.
Como passamos a viagem toda conversando, chegamos mais rápido
do que eu esperava.
Então percebo que desse lado da cidade é onde a vó da Anastácia
mora. No dia que saí para com a Ana e sua avó, Davon devia estar visitando a
Sam, por isso me viu.
Paramos na frente da casa e descemos em silêncio para pegar a Sam
de surpresa. Quase próximos à porta, Oliver me chama e me faz parar e virar
para ele, antes de me puxar para um abraço. Suspiro, descansando minha
cabeça em seu peito, retribuindo o aperto da mesma forma.
― Senti falta desse abraço ― sussurra.
― Eu também. ― Sorrio. Quando nos soltamos, deixo um beijo em
seu rosto.
Segurando sua mão, vamos para a entrada, e bato à porta.
― Oliver, ainda bem que chegou. ― Ouço sua voz antes de ela abrir
a porta. ― Não acredito. Liz. ― Nos abraçamos. ― O que está fazendo aqui?
― Vim te buscar para passar o fim de semana comigo. Não foi difícil
convencer seu irmão.
― Duvido que tenha tido algum esforço.
― Ela não teve. Sempre consegue tudo o que quer ― Oliver comenta,
rindo. ― E meu abraço? ― Ela pula nele, abraçando-o. ― No meu caso seria
somente uma visita, mas acho que ganhou mais tendo a Liz te levando para
ficar com ela.
― Sim ― diz, eufórica. ― Entrem. Quero que conheça a Amy. Nossa
babá, que está mais para mãe pra mim e o Davon.
Entro e observo a casa. Logo aparece uma senhora, que sorri assim
que nos vê.
― Amy, essa é a Liz.
― Eu sei. Como você é linda, querida. ― Segura meu rosto. ― Meu
menino sempre dizia, e Octavio não poupou elogios para a filha. ― Rio,
envergonhada. ― Graças a genética do Octavio, parece muito com ele.
Octavio às vezes sabe me constranger com seus exageros.
― Obrigada.
― Venha, sente-se comigo, vamos comer alguma coisa.
― Opaa! ― Oliver segue rapidamente para a cozinha.
― Esse não perde uma oportunidade ― resmunga ―, mas pelo
menos vem mais que o desnaturado do Davon.
Samantha sobe para arrumar sua bolsa, enquanto me sento para tomar
um café e experimentar um bolo que Amy tinha acabado de fazer.
― Não posso deixar de dizer que meu menino foi bobo em deixar
você escapar. ― Oliver se engasga, tentando não rir. ― Coma devagar,
Oliver. Não sei o porquê dessa pressa.
Rio do puxão de orelha que ela dá nele.
Sam desce logo depois, se sentando ao meu lado enquanto sorri.
― É muito bom ver que as duas se deram bem. ― Sorri
carinhosamente para a Sam. ― Ainda bem que ela tem você, uma vez que
Luna está longe.
Sei que Kyle e sua família vieram ver a Amy antes de voltarem para
Porto Rico. Kyle me contou o quanto foi emocionante.
― Sim ― respondo, sorrindo para as duas.
― Você poderia vir no próximo fim de semana ficar aqui. Com as
meninas também, se toparem ― Sam convida.
Sinto que ela ainda está um pouco insegura, não está acostumada a ter
amizades próximas.
― Gostei dessa ideia. Podemos falar com elas. Hoje você vai
conhecer a Anastácia, vai ver o quanto ela é legal.
― Acho que já podemos ir ― Sam diz, já se levantando.
― Vocês, jovens, estão sempre com pressa ― Amy diz, sorrindo.
― Prometo voltar com mais tempo para conversarmos. ― Beijo seu
rosto e a abraço.
― Obrigada por cuidar da minha menina ― sussurra, agradecendo.
― Não precisa agradecer ― respondo, me afastando dela.
― Especial como seu pai ― aperta a minha mão ―, vão com
cuidado.
― Tomaremos ― aponto o carro preto perto do meu ―, mesmo
tendo esses seguranças com a gente.
Oliver e Sam se despedem dela com beijos e abraços carinhosos,
acenando quando estamos saindo com o carro.
― Que tal fazermos novos momentos? ― pergunto para os dois,
olhando para o Oliver, que logo entende o que quero dizer quando aumenta o
volume do rádio assim que uma música de um grupo que estou amando
ultimamente começa a tocar.
― Eu adoro esse grupo ― Sam grita.
― Eu também ― grito de volta.
Oliver nos olha como se fôssemos loucas.
― Dá para vocês colocarem uma que eu conheça ― pede, rindo, se
divertindo ao nos ver entregues à música. ― Desisto.
Mesmo não conhecendo a música, ele balança a cabeça enquanto nos
observa cantar. Quando a música acaba, ele a coloca para tocar de novo. Olho
para ele e arqueio a sobrancelha em questionamento.
― Já que é pra guardar este momento, que seja pelo menos eu
tentando aprender a letra.
Rimos.
Ainda bem que voltei atrás da decisão de vir sozinha, eu precisava
deste momento com Oliver.
24
“Nunca esqueceremos esse momento
Ficará sempre novo
Porque te amarei
Outra e outra vez, de novo.”
Over and Over Again • Nathan Sykes

Liz
Kyle e eu chegamos ao pub que tínhamos combinado com nossos
amigos. Ele segura a minha mão, beijando-a de vez em quando. Meus amigos
gritam quando nos aproximamos deles.
― Achei que não viriam mais ― Ethan comenta depois de me beijar
no rosto.
― Pensamos em não vir ― Kyle responde ao meu lado, rindo. ― Só
em fim de semana tenho a Liz somente para mim.
― Justo. Mas precisam sair com os amigos também. Um pode enjoar
da cara do outro se ficarem trancados no seu apartamento ― Anastácia diz,
dando risada.
― Impossível. ― Kyle beija meu rosto depois que responde. ― Vou
buscar algo para a gente beber.
Assinto e me sento ao lado das meninas.
― Davon está aqui também ― Nina comenta, apontando para o outro
lado.
Me viro e o vejo com o Oliver e mais alguns meninos da fraternidade.
Davon, que já havia percebido a minha presença, sorri quando nossos olhos
se encontram.
― Não podemos evitar todos os lugares que vamos.
Kyle volta com o Evan e me entrega uma bebida, então olha na
direção que eu estava olhando há alguns segundos. Ele faz um gesto com a
cabeça para o Davon, que retribui.
A relação dos dois está indo bem. Já haviam saído para jogar basquete
com os meninos algumas vezes, e até onde sei deu tudo certo.
Volto minha atenção para a conversa do nosso grupo, até que algo
chama a nossa atenção.
― Ah, não.
Davon está no palco, segurando o microfone e olhando diretamente
para a nossa mesa, para mim, para ser mais exata.
― Boa noite, pessoal ― cumprimenta a todos. ― Vou cantar uma
música para uma pessoa muito especial pra mim. ― Sorri. ― Na verdade,
quero chamá-la para cantar essa música comigo. Liz, pode subir aqui?
Nego com a cabeça. Não subirei no palco para cantar com ele.
― Por favor ― pede.
― Vai lá, Liz ― Kyle diz, me incentivando. ― É só uma música.
― Tudo bem. ― Suspiro e beijo seu rosto antes de me levantar.
Escuto aplausos das pessoas assim que percebem que aceitei o pedido.
Ele sorri para mim e coloca a música logo depois que pego o outro
microfone. O toque de Over and Over Again começa a tocar.
A letra me lembra de quando estávamos nos conhecendo, então sorrio
com as boas lembranças.
É como se o lugar ficasse em silêncio para nos ouvir cantar ao
perceber a energia que compartilhamos.
Encaro Davon e me preparo para cantar a minha parte. É impossível
negar que temos uma conexão, quando cantamos juntos, parece que existe
somente nós dois. Percebo que o Davon sente a mesma coisa que eu só pela
forma de me olhar.
Seguro firme o microfone, tentando afastar a avalanche de
sentimentos que está começando a surgir. Terminamos de cantar e o silêncio
das pessoas logo é cortado por palmas, assobios e gritos, enquanto Davon e
eu continuamos nos encarando.
Seguro sua mão e o puxo para o canto do palco.
― Davon, eu não sei como te pedir para desistir disso, da ideia de que
podemos ter algo...
― Não peça, só não peça. Eu sei que você também sentiu, Liz, não
negue isso. ― Nego com a cabeça. ― Liz, eu preciso saber... Você não me
ama?
― Davon, eu ainda amo você ― digo, notando o choque em seu
rosto. ― Mas eu me odeio por ainda nutrir esse sentimento. ― Respiro
fundo. ― Se você me ama mesmo, você vai respeitar a minha decisão de
querer ficar longe de você.
Ao dizer isso para ele, eu me toco que não posso negar o que sinto.
Ele me encara, suplicante.
― Liz, por favor.
Não consigo mais ficar ali, então não digo nada, escolho esse
momento para descer do palco. Chegando a nossa mesa, eu não encontro o
Kyle, e antes que eu possa perguntar por ele, Nina me informa que ele saiu.
Corro para o lado de fora e o encontro parado mais à frente do pub,
com a cabeça inclinada para cima e os olhos fechados.
― Kyle. ― Ele se vira para me olhar. ― Está tudo bem? O que está
acontecendo?
― Comigo nada, mas estou vendo que entre você e o Davon... ―
Para de falar, como se insinuando alguma coisa.
― Kyle, você está viajando. Não tem nada acontecendo entre mim e
Davon. ― Meu tom de voz sai incrédulo.
― Liz, todo mundo percebe a conexão de vocês, e eu me toquei que
estou sobrando aqui. ― Ele realmente está chateado.
― Kyle...
― Amanhã a gente conversa ― me interrompe e vai embora.

Tiro o dia para passar com meu pai. Havíamos almoçado juntos e
agora estamos passeando na praça enquanto tomamos sorvete. Ainda não
disse para ele o que tinha acontecido ontem. Sentamo-nos no banco para
olharmos o movimento e o lago, então decido contar tudo.
― Ontem eu e o Kyle nos desentendemos ― conto e ele logo se vira
para mim.
― Por quê? ― questiona.
― Porque ele acha que tem algo entre mim e o Davon.
― E o Davon? O que ele acha disso?
― Eu não sei. ― Suspiro.
― O que você sente por ele, minha filha?
― Pai, eu sei que uma parte minha ainda o ama, ainda tenho
sentimentos por ele. Só que quando eu paro para pensar no que a gente teve,
não consigo ver que era um relacionamento. A gente não sabia nada um do
outro. ― Suspiro. ― Pode parecer bobo, mas eu não sabia qual era a cor
preferida dele, ele não sabia a minha, a gente não se conhecia, a gente não se
conhece, na verdade.
Ele me escuta atentamente.
― Tudo o que eu achava que sabia, descobri que não sei. Eu não
sabia nem o nome dele. E quando eu tentava descobrir sobre o passado dele,
ele mudava de assunto. E nunca mostrou interesse em saber algo sobre mim.
Mas a gente levou porque eu gostava muito dele e achava que com o tempo
isso ia mudar, mas não mudou.
Meu pai segura a minha mão e a aperta de leve.
― Quando ele me deixou no Natal eu fiquei acabada, e quando ele
resolveu voltar para a minha vida, eu não questionei. E acho que errei aí, e a
gente viveu isso de novo. Eu sei que ele errou, mas eu também errei em não
ter questionado nada e ter me deixado levar, sabe?
Assente, ainda em silêncio, me dando espaço para continuar falando.
É tipo um desabafo, em nenhum momento, desde que Davon e eu tínhamos
terminado, tive uma conversa como essa com ele.
― Você sabe que eu sempre quis alguém que me entendesse, que
estivesse ao meu lado, e, infelizmente, eu não tive isso com ele.
Ele assente e passa o braço pelos meus ombros, me puxando para
mais perto dele.
― Se ele tivesse te contado quando descobriu quem eu era, você o
teria perdoado?
― Sim ― respondo com sinceridade ―, poderíamos não estar juntos,
mas eu teria o ajudado no que fosse. Hoje em dia eu não sei mais. Em um
momento eu odiei o Davon, hoje não odeio mais. Acho que temos que seguir
nossas vidas, e quem sabe agora eu não conheça o verdadeiro Davon, não é?
― Sorrio.
― Seria bom para os dois seguirem a vida em paz, sem o peso do
passado.
Assinto.
― Só o tempo tem a resposta para isso ― respondo.
Permanecemos em silêncio, curtindo a companhia um do outro e a
calmaria do lugar, perdidos em nossos próprios pensamentos.
25
“Ninguém disse que seria fácil
É uma pena nos separarmos
Ninguém disse que seria fácil
Mas também não disseram que seria tão difícil.”
The Scientist • Coldplay

Kyle
Pego meu celular do bolso da calça jeans e ligo para a pessoa que eu
sei que vai entender a situação como ninguém, principalmente por conhecer
tão bem eu e o Davon.
― Pai?
― Oi, meu filho. ― Ouço sua voz rouca do outro lado.
― Te acordei? ― Acabo me sentindo mal ao pensar nisso.
― Não, ainda estou acordado. Está tudo bem?
― Queria dizer que sim, mas não é verdade. Preciso conversar com a
única pessoa que pode me entender nesse momento.
― Me conta o que houve. ― Seu tom compreensivo já diz que fará de
tudo para me ajudar, mesmo com a distância enorme entre nós.
Me sento no banco próximo e desabafo sobre o que venho sentindo e
acontecendo. Sobre a minha insegurança, que não é paranoia.
Ouço seu suspiro assim que finalizo e espero a sua voz soar.
― Você já conversou com ela?
― Ainda vamos conversar sobre isso.
― Não gosto de ver vocês passando por isso. Do mesmo jeito que
você é meu filho, tenho o Davon também como filho. Vocês são irmãos e
nunca desejaria isso aos dois, quero vê-los felizes, mas, infelizmente, é uma
situação complicada. Eles têm uma história também, assim como você e ela
estão construindo a de vocês. Mas você não vai lutar por ela?
― Eu não posso lutar sozinho, pai, não quando o coração dela chama
por outra pessoa.
― Sei que vai tomar a decisão certa, mas te aconselho a conversar
com ela, colocar as claras tudo o que vem sentindo, é o certo nesse momento.
De resto, o que for para ser vai ser, só não quero que sofra.
Agradeço o conselho e por ter me escutado. Ainda fico um tempo
sentado, vendo nada mais que borrões. Meu celular toca e o nome da Liz
aparece na tela, mas não quero falar com ela ainda.
Amanhã, com mais calma, teremos essa conversa.

Me encosto na parede do elevador, fecho os olhos e suspiro, enquanto


ele sobe para o meu andar. O cansaço físico e mental batendo em cheio.
Precisei viajar novamente por alguns dias, o que resultou em adiar a conversa
que Liz e eu precisamos ter.
Nos dias ausente, trocamos mensagens, mas sem tocar no assunto que
tanto me incomoda e a ela também, dava para sentir em cada palavra trocada.
Nem mesmo com o Davon consegui conversar. Para tomar a decisão que eu
tanto preciso, tenho que manter distância.
Saio do elevador com a minha pequena mala e tudo o que mais anseio
é um banho e cama, mas assim que abro a porta, encontro a Liz parada em pé
na minha sala.
Olhamo-nos enquanto eu fecho a porta. Sinto o peso de tudo nas
minhas costas, tudo que eu vinha sentindo começa a pesar e eu não sei como
me acalmar e tirar o peso de mim. Me aproximo devagar, ainda não consigo
ler a expressão do seu rosto.
― Oi ― digo.
― Oi. ― Seu sorriso, aquele lindo e brilhante que eu estou
acostumado a ver, não está presente.
― A gente precisa conversar, não é mesmo? ― Peço para que ela se
sente e tiro toda a coragem de algum lugar antes de começar. Mesmo que eu
a ame tanto, é o certo a fazer.
― Você está desistindo da gente?
― Acho que a gente parou de existir assim que colocamos os pés no
Canadá, só que não percebemos antes. ― As palavras me machucam ao sair
da minha boca.
― Tem a ver com o Davon? Tem a ver com o que rolou na semana
passada? Não aceito isso. ― Sua voz sai determinada.
― Não é só ele, tem muita coisa envolvida. Seus sentimentos por ele
são mais fortes do que eu imaginei. ― Me levanto para ficar mais perto dela.
― Você nunca imaginou que em algum momento fosse capaz de perdoar o
Davon, por isso é tão difícil para você aceitar isso.
― Você está enganado.
― Eu conheço você, Liz. Nesse tempo todo que passamos juntos,
comecei a te conhecer mais do que você imagina.
― Mas eu te amo.
Ver as lágrimas caindo livremente por seu rosto, seu desespero em
dizer as palavras, me fere.
― Eu sei que você me ama, mas me ama como amigo. Estive por
perto quando precisou. Você só não me ama do jeito que eu queria que você
me amasse. Dói muito falar isso, mas quero que seja feliz, e sei que não sou
capaz de te fazer feliz, não do jeito que você merece, não do jeito que quer.
― Desculpa, Kyle. Eu nunca quis te fazer sofrer.
Eu a puxo para os meus braços, não só para confortá-la, mas para
senti-la nos poucos momentos que ainda me resta.
― Eu estraguei tudo ― declara, desolada.
― Não, você não estragou nada, só tinha que ser assim. Eu sei que
não foi sua intenção, e sei também que tudo o que vivemos foi verdadeiro. ―
Passo a mão em suas costas para acalmá-la.
Ficamos em silêncio enquanto ela chora. Não seguro as lágrimas que
descem pelo meu rosto. Sinto um buraco no meu coração, e não sei quando
será remendado.
― Preciso que saiba que vou te amar sempre, aconteça o que
acontecer. Você foi meu amigo e companheiro no momento mais difícil da
minha vida ― ela diz, com o rosto enterrado no meu peito. ― Nunca irei me
esquecer disso.
Seu choro se torna mais forte quando começa a soluçar, então eu a
aperto com mais força.
― Não vou me esquecer.
Essa é a decisão mais difícil que tomei na vida, que foi pensada com
toda calma e será para o nosso bem. Depois disso, não terei mágoas e nem
um possível machucado.
A coisa mais difícil é ver a pessoa que você ama amar outra pessoa.
Eu só gostaria que seu amor por mim fosse suficiente, mas não é.
Todos os nossos momentos especiais passam pela minha cabeça.
Mesmo com as lágrimas, sorrio por pelo menos ter as lembranças boas.
Ela se solta dos meus braços depois de vários minutos, então limpa o
rosto e pega a sua bolsa em silêncio. Seguimos para a porta do meu
apartamento, por onde muitas vezes ela entrou sorrindo, me abraçando e
beijando.
Ela se vira para mim antes de ir embora.
― Você merece alguém que te ame, Kyle, e agora vejo que essa
pessoa não sou eu. ― Assinto com a cabeça. ― Foi muito especial tudo o
que a gente viveu. Você vai fazer muita falta na minha vida. Nós vamos
encontrar uma maneira de sermos amigos, não é?
― Eu espero que sim.
Ela respira fundo, tentando conter as lágrimas, mas é em vão, então
me abraça novamente. Depois disso, só a vejo indo embora sem falar mais
nenhuma palavra. Fecho a porta, encostando minha testa e me deixando sentir
tudo nesse momento, até mesmo o rosto molhado pelo choro.

Havia passado dois dias desde a minha conversa com a Liz. Esses dias
se resumiram em ir para o trabalho e ficar em casa. Já sinto o vazio de não a
ter por perto, as mensagens e as ligações. Antes estávamos sempre nos
conectando e isso fazia parte do meu dia.
Hoje recebi a ligação do Davon, imaginei que soubesse de tudo. Na
hora resolvi não atender, quero conversar com ele pessoalmente. Mas não
precisei esperar muito tempo. Eu já imagino quem é quando batem à minha
porta. Eu a abro e o vejo com as mãos dentro dos bolsos da calça, parecendo
tenso.
― Me perguntei quanto tempo demoraria pra você vir até aqui ―
digo.
― Eu soube o que aconteceu.
Não respondo, dou espaço para ele entrar e logo indico o sofá para se
sentar.
― Você está bem? ― pergunta, cauteloso.
― Sim, e você?
― Bem.
Parecemos dois idiotas tentando não deixar o clima ainda mais
estranho. Ficamos nos encarando por poucos segundos antes de eu falar.
― Pode perguntar, eu sei que quer fazer isso.
Ele ri nervoso, mas assente.
― Por que desistiu dela?
Não respondo novamente, fico refletindo sobre a pergunta, então o
ouço falar novamente.
― Ela gosta de você.
― Nem sempre gostar é o suficiente ― respondo. ― E não era o
momento, cara, eu e a Liz não fomos feitos para ficarmos juntos. Agora
entendo isso. Eu fiz por mim. ― Suspiro. ― Eu quero ser feliz, e não sei se
estando com a Liz eu teria essa felicidade e a faria feliz também, sabendo o
que ela sente por você.
― Algo vai mudar entre a gente? ― Ele quer saber, simplesmente
sorrio e nego.
― Jamais. Só preciso de um momento agora. Vou me afastar um
pouco, mas se você precisar, vou estar aqui para você, como sempre estive.
― Me desculpa pelo que eu fiz você passar esses anos, por nunca ter
te procurado. Hoje vejo a burrada que fiz por não ter ido procurar apoio com
o meu melhor amigo.
― Já passou, Davon. Vamos viver o hoje.
Ele assente.
― Eu quero que você seja feliz e que ela seja feliz também, mesmo
que não seja comigo. E eu sei que em algum momento os caminhos de vocês
vão se cruzar de novo. Espero que não pise na bola novamente.
― Não farei isso, não sou mais aquele cara.
― Eu sei, mas é só um aviso. ― Sorrio.
Ele se levanta e eu também. Davon me puxa para um abraço e damos
batidas nas costas um do outro.
― Estou feliz por ter você de novo na minha vida ― diz.
― Eu também. Sou grato a Liz por ter feito nossos caminhos se
encontrarem novamente.
Nos afastamos, e ele assente enquanto nos encaramos. Precisávamos
dessa conversa para que tudo se resolvesse entre a gente.
26
“E se você fechar os olhos
Quase parece que
Você já esteve aqui antes?
Como posso ser otimista sobre isso?”
Pompeii • Bastille

Liz
Kyle e eu terminamos há um mês. É até estranho falar isso, já que
nunca tínhamos assumido realmente o namoro.
Naquela noite, quando cheguei ao apartamento, Ana estava com Nina
e Alex no sofá, e ao verem minha cara, logo se levantaram perguntando o que
havia acontecido.

Nos sentamos no sofá e contei tudo para elas.


― Você está bem? ― Nina perguntou para quebrar o silêncio da
sala.
Neguei com a cabeça.
― Mas vai ficar. ― Alex comentou.
― Ele falou sobre a minha conexão com o Davon.
― A gente já percebeu também ― Ana disse. ― Por mais que você
goste do Kyle, quando você está com o Davon é diferente.
― Não foi só o Kyle que percebeu. Todo mundo percebeu ― Alex
confirmou.
― Todo mundo vê a ligação que vocês têm ainda. Quando cantam
juntos parece que só existem os dois. Só você não percebeu. ― Foi a vez da
Nina dizer, mesmo fazendo sentido, eu ainda não sabia o que pensar.
― Eu não sei mais o que pensar ― eu disse em voz alta.
Deitei a cabeça no colo da Nina, enquanto ela acariciava minha
cabeça.
― Eu acho que quando se tem uma ligação com uma pessoa, isso
nunca acaba, sabe? Você volta a ser importante para a pessoa porque ainda
é ― Nina começou a dizer sobre o que ela via de tudo isso. Assenti, porque
era verdade. ― Você pode ter amado muito o Kyle, mas não é ele que o seu
coração chama.
― Tenho certeza de que o Kyle não vai desaparecer da sua vida.
Você precisa se resolver se quer realmente ficar com o Davon, só assim para
ver como vocês vão ficar.
― Ainda não é o momento de pensar nisso. Eu preciso ficar um
tempo sozinha, organizar minha mente, então ver o que vai dar depois.
― É a melhor coisa que você faz.

Pensar no meu futuro é como ver uma tela em branco. Não sei que
acontecimentos virão, que afetarão a minha vida de forma boa ou ruim. É
uma mistura de medo com incerteza.
Não estou tranquila nem mesmo com a Katherine solta por aí, capaz
de fazer qualquer coisa para afetar a minha vida e de todos a minha volta.
Não consigo pensar em coisas realmente importantes nesse momento,
então ocupo minha mente com trivialidades.
Nesse último mês, Sam e eu nos aproximamos mais, sempre que
podemos fazemos algo juntas no fim de semana. Acabei indo dormir com ela
e Amy, e nos divertimos muito juntas. E pelo que ela me disse, Davon apoia
a nossa aproximação.
Depois da nossa última conversa no pub, não nos esbarramos
novamente. Claro que o vejo de longe na universidade, mas somente isso. É
melhor assim, falarmos somente quando for preciso.
Entro na loja e vejo que os agentes ficam na entrada, como sempre
fazem, enquanto vou atrás do que estou procurando. Estou dando uma olhada
em algumas araras de vestidos quando escuto chamarem o meu nome.
― Elizabeth.
Não reconhecendo a voz, eu me viro. Fico paralisada logo que
reconheço quem é.
― Acho que você já percebeu as semelhanças, não é mesmo,
filhinha? ― diz ironicamente, rindo e dando um passo para perto de mim.
― Katherine ― digo seu nome, ainda em choque. ― O que está
fazendo aqui?
Volto meu olhar para a entrada da loja, para ver se também a tinham
reconhecido ou dar um sinal.
― Não se preocupe, não vou fazer nada com você. Pelo menos não
ainda. ― Ela sorri. ― Só vim deixar um recado para o seu pai. Eu o quero
fora do meu caminho, acho que ele ainda não entendeu depois do susto que
tomou quando foi perseguida.
― O que te faz pensar que ele vai ficar fora do seu caminho? Te
deixar livre?
― É isso ou ele vai perder o bem mais precioso dele. ― Continua
com aquele sorriso dissimulado. ― Também quero aquele garoto longe dos
meus negócios, senão ele também vai se arrepender. ― Seu tom se torna frio.
― Já não basta ter que lidar com o Octavio, agora preciso me preocupar com
um garoto.
Ela se aproxima mais e para a minha frente, então levanta a mão e
passa a unha pelo meu rosto. Viro meu rosto para afastar seu contato e dou
alguns passos para trás.
― O recado foi dado. Divirta-se em suas compras. ― Coloca os
óculos escuros e se distancia logo em seguida.
Fico parada, me recuperando do choque de vê-la na minha frente.
Como tem coragem de aparecer?
Me desperto do estupor e corro para fora da loja.
― Vocês a viram? ― pergunto para os dois agentes.
― Ela quem?
― A Katherine. Ela esteve aqui, falou comigo... Acabou de sair
daqui. ― Nervosa, pego o meu celular na bolsa.
Explico rapidamente a forma como ela está vestida, logo um deles
fala com alguém no celular e vai na direção da saída do andar, enquanto o
outro fica comigo.
― Vamos ― ele diz, me levando para o elevador.
Meu celular toca e ao ver o nome do meu pai, atendo rapidamente.
― Você está bem?
― Estou. Ela só disse que iria deixar um recado, não fez nada
comigo.
No fundo, eu o ouço dando ordens, pedindo imagens das câmeras
próximas de onde eu estou.
― Derek vai te deixar em casa, peço para levarem seu carro depois.
Se cuida.
Está tão desesperado em encontrar alguma coisa, que não espera que
eu responda de volta, simplesmente desliga a ligação.

Katherine
Pronto, já tinha concluído o meu plano de encontrar a Liz. Agora é
ver se o idiota do Octavio aceitará bem o recado. Toda essa perseguição está
me tirando do sério, acabando com meus planos e negócios.
Algumas horas desde o encontro com a Liz, meu celular toca pela
quinta vez e percebo que o Steve não me deixará em paz enquanto não o
atender.
― Não tem mais o que fazer do que ficar me enchendo com as suas
ligações?
― Ficou louca em ir atrás da Liz?
Reviro os olhos.
― Steve, não me diga que ligou só para isso? Está com medo de que
eu possa fazer algo com a sua filha? ― pergunto, debochada. ― Só não se
esqueça do seu papel nisso tudo. Você não quer que eu te lembre, não é
mesmo?
Ele fica calado, o que me faz rir alto.
― Por que você quer machucar a Liz, a sua própria filha?
― Não acho que te devo explicação, mas, pelo fato do meu plano ter
dado certo hoje, terei a boa vontade em te responder. A única forma de
machucar o Octavio e o Davon é ferindo a Liz. Ela é o único elo entre os
dois. Nunca achei que a Liz valeria algo para mim, mas estou fazendo um
bom uso disso. Vou usá-la para tê-los longe de mim.
― Não faça nada que a machuque, por favor ― implora.
― Como você é patético. Acha que está no direito de pedir algo? ―
Dou uma gargalhada.
― Sim, por tudo que já fiz por você, durante anos. Não faça nada com
ela.
― Agora vejo o quanto se tornou fraco, dependente de amor. Eu
poderia até dizer que entendo, mas, infelizmente, aprendi que no nosso
mundo não temos o que é chamado de amor, Steve. O importante é sempre o
poder e o que ele traz junto. Você está cansado de saber disso, e pelo jeito
esqueceu.
― Katherine...
― Não, você está bem vulnerável, sugiro que pense bem nas suas
próximas escolhas, no que realmente quer, e não me faça pedidos que sabe
que não vou cumprir.
Desligo a ligação, não permitindo que diga mais nada.
Só quero saber se surtirá efeito a minha aparição de hoje, se Octavio
levará a sério o meu recado. Ele sabe que nunca blefo.
Escuto baterem à porta, e depois de dizer para entrar, seu rosto jovem
aparece logo em seguida.
― Quer falar comigo?
― Sim. Quero que fique a postos, qualquer momento posso precisar
dar o próximo passo.
― Acha que o Octavio não vai sair da sua cola?
― Estou contando que ele não faça isso. ― Sorrio. ― Só assim posso
mostrar que não estou de brincadeira. ― Me levanto e caminho pela sala.
― O pequeno susto da perseguição, minha aparição hoje... Acho que
ele está precisando de algo mais...
― Chocante?
― Não diria que seria essa palavra para o que tenho em mente, mas
combina.
27
“Agora eu estou sorrindo do palco enquanto
Você bate palmas no final da plateia.”
Thunder • Imagine Dragons

Davon
É uma merda saber o que tinha acontecido com a Liz semanas atrás e
não poder fazer nada para ajudar, muito menos poder estar ao lado dela para
ver se está bem.
Mesmo depois de ter passado todo esse tempo, ainda me vem à
cabeça a conversa que tive com o Kyle. Resolvi dar todo o espaço para a Liz,
não quero pressioná-la, mesmo sabendo que ela também tem sentimentos por
mim. Não quero forçar a barra, quero que tudo seja no seu tempo.
Depois que eu soube da aparição da Katherine, liguei para o Octavio
para saber como ela estava e também o andamento da procura dela. É
sufocante toda essa situação. Mesmo tentando deixar esse passado para trás,
só irei conseguir quando ela estiver presa.
Estou focando mais no meu último semestre do curso, na Sam e estar
mais próximo dela. Estou gostando da aproximação dela com a Liz, está
fazendo muito bem a ela, e ainda mantém contato com a Luna, mesmo a
distância. As duas pegaram para me encher o saco para deixar a Sam viajar
para o Porto Rico. E como sempre, eu disse que pensaria depois.
Por ser sexta, a saída da Queen´s é sempre movimentada. Desço a
escada procurando o Oliver, já que voltarei com ele por ter deixado minha
moto na oficina que, por incrível que pareça, é na que o Noah trabalha.
Vejo a Liz mais a frente conversando com o Ethan. Fico observando-a
e noto algo estranho quando eles vão atravessar a rua para entrar no carro
dela. De onde estão, não conseguem ver o carro vindo em alta velocidade na
direção deles.
Corro até eles e grito seu nome enquanto empurro as pessoas que
ficam no meu caminho. No momento não estou me importando em pedir
desculpas. Eles percebem que o carro está bem próximo aos dois quando me
jogo entre eles, puxando-os para a calçada novamente.
― Merda ― resmungo, me levantando. ― Liz, você está bem? ―
Ajudo-a a se levantar, verificando se tem algum ferimento além de leves
arranhões.
Ela demora um pouco, mas assente parecendo desnorteada.
Olho para o Ethan, que responde a minha pergunta assentindo com a
cabeça.
― Me passa a chave do seu carro ― peço, estendendo a mão. ―
Cuide dela ― falo para o seu amigo.
― O que vai fazer?
― Vou seguir o carro ― pego a chave ―, e ligue para o seu pai.
Corro para entrar no seu carro, escutando-a gritar que não é uma boa
ideia. Não respondo, não tenho tempo a perder. Talvez essa seja a chance de
obter algo sobre a Katherine.
Vou na mesma direção que vi o carro seguir. Mesmo longe, o carro
surge no meu campo de visão. Se eu tivesse com a moto seria mais rápido.
Consigo alcançar o carro e fico na cola dele. O motorista, percebendo
isso, acelera tentando colocar uma distância entre a gente. Ele entra em uma
avenida movimentada para dificultar que eu continue a perseguição.
Faço uma ultrapassagem e fico lado a lado da SUV preta. O vidro do
carro abaixa e posso ver perfeitamente o motorista.
― Que merda é essa?
Vejo o rosto que há muito tempo não via. A vontade de socá-lo na
cara quase me faz perder o controle. Ele gargalha e me dá um tchauzinho
antes de fechar o vidro e acelerar.
Percebo que o sinal mais a frente vai fechar, mas acelero junto com
ele para tentar passar, porém, um carro entra na rua, bem a minha frente,
então sou obrigado a frear enquanto ele acelera mais, sumindo do meu campo
de visão.
― Porra! ― Bato no volante com o punho fechado.
Na mesma hora meu celular toca, então o pego no bolso e vejo que é
Octavio.
― Onde você está? ― logo pergunta, noto que está preocupado.
― Eu estou bem. Estou parado em um sinal fechado.
― Merda, Davon! O que você tem na cabeça?
― Eu precisava saber quem quase atropelou a Liz, a sua filha ―
retruco. ― Desculpa, mas eu não poderia ter deixado a oportunidade passar,
precisava ir atrás pra descobrir alguma coisa.
O sinal abre, então pego a avenida para voltar.
― Conseguiu alguma coisa?
― Sim, além da placa. Mas o que tenho pra dizer vai ter que ser
pessoalmente. Estou voltando.
― Tudo bem. Estarei te esperando.
Minha volta é mais rápida, mesmo assim não deixo de pensar e
controlar a raiva que estou sentindo ao descobrir a pessoa que causaria
ferimentos graves na Liz, ou até mesmo pior.
Estaciono em frente ao prédio da Liz e subo para o andar dela, tendo
uma leve nostalgia de quando eu ainda tinha acesso ao apartamento.
Bato à porta, que é aberta pela Nina. Ela me cumprimenta com um
gesto simples de cabeça e me dá passagem.
― Como ela está?
― Bem ― ficamos parados ao lado da porta ―, teve alguns
arranhões, o Ethan também, mas estão bem.
― Isso é o que importa. ― Antes de poder ir até onde ela está sentada
com o Octavio, Nina segura o meu braço.
― Sei que você vai dizer que não é preciso agradecer, mas não
consigo imaginar o que teria acontecido se você não estivesse presente.
Obrigada. ― Assinto. ― Só acho que foi louco em seguir o carro. ― Não
noto brincadeira em seu tom de voz.
― A essa altura, você sabe que tenho loucura de sobra ― tento
brincar, fazendo-a sorrir.
Assim que me aproximo deles, Octavio se levanta do sofá.
― Você está bem? ― pergunto para Liz
Ela se levanta e assente antes de me abraçar. Fico surpreso com essa
reação, mas não deixo de retribuir um segundo sequer.
― Obrigada, Davon.
― Não precisa agradecer, faria de novo sem pensar duas vezes. ―
Ela se afasta rápido demais, na minha opinião. ― Fico aliviado e feliz por
saber que está bem. ― Olho para o amigo dela ao lado. ― E o Ethan
também, claro. Podemos falar agora? ― pergunto para o pai dela.
Saímos do apartamento, e quando a porta é fechada, não faço rodeios.
― Eu sei quem quase atropelou a Liz.
― Antes de eu saber quem foi, quero deixar claro que me importo
com a sua segurança, e quando eu soube que foi atrás da pessoa, por um
momento me senti impotente por não saber o que fazer primeiro.
― Eu sei, me desculpa.
― A gente pode não ter mantido contato depois que me afastei do seu
pai, mas você e Sam são importantes pra mim agora.
Sem saber o que dizer, balanço a cabeça.
― Se na próxima vez fizer algo que arrisque a sua vida, saiba que vou
ter que ser obrigado a te dar uma lição, como um pai corrigindo um filho.
Começo a rir.
― Estou falando sério, Davon.
― Entendido. ― Mordo os lábios para segurar a risada que quer
escapar. ― Foi o Matt. Ele que estava no carro.
― Matt? O mesmo que...
― Sim, o mesmo escroto que precisei dar uma surra quando tentou
abusar da Liz na fraternidade. Achei que nunca mais veria a cara daquele
merda. Tenho certeza de que era ele.
― De alguma forma ele está envolvido com a Katherine ― Octavio
comenta, pensativo.
― É o que parece. Aquele encontro que ela teve com a Liz foi só um
aviso. ― Passo as mãos pelo meu rosto, frustrado. ― Se eu o tivesse pegado,
saberíamos onde a Katherine está.
― Você fez muito se arriscando em segui-lo, agora é comigo. Vou
ver o que consigo sobre ele.
― Só de imaginar que esse tempo todo era ele que mantinha a
Katherine informada, as fotos que eu vi na Itália, tudo.
― Davon, não quero você enchendo sua cabeça sobre isso, entendeu?
― Impossível quando a Liz quase morreu hoje, e essa assassina está
por aí, sendo um risco para todos nós. ― Essa situação deixa todos
vulneráveis.
― Vem, vou te levar para a fraternidade. Vamos conversando pelo
caminho.
Assinto, voltando o meu olhar para a porta do apartamento fechada.
― Ela vai ficar bem ― confirma ao perceber o meu olhar.
― Eu sei, ela sempre fica. ― Me viro para ele, seguindo para o
elevador em seguida.

Matt
No momento estou curtindo muito lembrar da expressão do otário do
Davon ao descobrir quem era atrás do volante do carro que quase atropelou a
amada dele. Dei muita gargalhada quando enfim ele ficou para trás. Mas isso
não me tira a vontade de socá-lo depois da cena que ele fez, querendo ser o
super-herói quando acabou com meus planos com a Liz naquela noite.
Assim que comecei a namorar com a Nina, não imaginava que a
amiga “Liz” fosse justamente a filha abandonada da Katherine. Sabendo
disso, logo a informei, e ela me deu o trabalho de ficar de olho nela. Claro
que todo o plano não deu certo.
Deixei que eles achassem que eu havia sumido de vez para se
esquecerem, mas eu estava por perto, tirando fotos, indo a fundo em cada
pessoa que fazia parte da vida da Liz. Isso foi só o começo. Até que o idiota
do Davon começou a atrapalhar e entrar no caminho. Tive várias
oportunidades de ter feito alguma coisa com ele, mas a Katherine não
permitiu, ela quer esperar a hora certa.
Agora eu entendo o seu raciocínio. Toda a sua frieza e crueldade.
Entendo também as escolhas que fez no passado, não só relacionado ao
abandono da Liz, ou a escolha de matar a família Cohen, muito além disso.
Dou mais algumas voltas pela cidade, antes de pegar o caminho para
o lugar onde a Katherine está. Todo cuidado é pouco. O FBI está ainda mais
na nossa cola, não quero deixar nenhum rastro.
Claro que tem uma longa história por trás de como conheci a
Katherine e por estar a ajudando. Mas o importante nesse momento é a
confiança que ela tem em mim. Isso fica bem nítido quando entro em seu
escritório depois de algumas horas e vejo seu sorriso de satisfação.
― Parabéns, Matt ― bate palmas ―, fez um ótimo trabalho.
― Disponha. ― Me jogo na cadeira a sua frente. ―, mas temos um
problema. Davon me viu, agora sabem que estou te ajudando.
― É o de menos, não precisamos nos preocupar com isso. Uma hora
ou outra iriam descobrir que você está envolvido ― diz,
despreocupadamente.
― E quando souberem da verdade, principalmente a Liz?
― É algo para pensarmos em outro momento, Matt. O importante
agora é que passamos a mensagem que queríamos, só precisamos esperar o
que o Octavio vai decidir.
Sorrimos.
Queria poder ver a cara da Liz quando souber que eu estava no carro.
Que era eu que passava toda informação para a Katherine. É uma sensação
tão boa saber que estou chocando as pessoas que me humilharam. Eu sabia
que a minha vez de dar troco chegaria.

Octavio
Passo as mãos pelos cabelos, frustrado com toda a situação. É um
inferno tudo isso. Farei de tudo para deixar a minha filha longe dessa
situação, ela é meu ponto fraco, e a Katherine sabe disso.
Estou no apartamento dela, não irei conseguir passar a noite longe,
ainda por cima pensando o pior. Eu não conseguirei dormir. Fico na sala para
trabalhar e revisar tudo o que sei da Katherine, talvez eu esteja deixando algo
passar.
Depois de uma longa conversa com o Davon, assim que o levei
embora, me certifiquei que também estaria seguro antes de voltar para o
apartamento das meninas.
Eu tenho todo o silêncio da madrugada, e quanto mais me esforço,
menos consigo me concentrar. Pego meu celular, que está cheio de
mensagens e ligações do Steve que decidi ignorar.
Retorno a ligação, sabendo que está acordado, mesmo sendo tarde em
Los Angeles. Ele sabe o que havia acontecido com a Liz, e está bem
preocupado. No primeiro toque ele atende.
― Ah, graças a Deus! Achei que teria que pegar um avião e ir para o
Canadá.
Sorrio quando ele resmunga aliviado.
― Está tudo bem ― digo o que ele já sabia, e solto um suspiro de
cansaço.
― Eu sei, mas quero saber como você está?
― Acho que você consegue imaginar. ― Ele, mais que todo mundo,
sabe como essa situação me deixa.
― Descobriu alguma coisa? Liz não soube me dizer nada.
― Sim. A pessoa que estava dirigindo o carro quando tentou atropelar
a Liz. Na verdade, quem descobriu foi o Davon.
― Quem é a pessoa?
― Matt. Você conhece ou já ouviu falar? É o mesmo moleque que
tentou...
― Matt? ― Sua voz logo fica distante.
― Sim. Conhece? Katherine falou dele alguma vez para você? ―
questiono. Ele é a única pessoa que pode saber de algo.
― Não. Não sei quem é. Mas posso tentar conseguir algo pra você.
― Claro. O que conseguir pode ajudar.
― O que pretende fazer agora, depois desse susto? ― Ele muda de
assunto.
― Decidi que vou me mudar para cá até tudo isso se resolver. Não
posso deixar a Liz agora que a louca da Katherine apareceu.
― Eu também acho. Nossa filha precisa mais de você ― concorda e
fica em silêncio.
― Acho que é isso ― digo.
― Amo vocês dois, não se esqueça disso, Octavio ― sussurra. ― E
se cuide, e cuida da nossa filha também.
― Irei, pode ter certeza. Nós te amamos também. Boa noite, querido.
Encosto a cabeça no encosto do sofá, tentando imaginar como tudo
isso vai acabar.
― Pai.
Levanto a cabeça e encontro Liz em pé ao meu lado.
― Está tudo bem? ― pergunta.
― Sim. ― Levanto o braço para que ela se sente ao meu lado. ―
Estava em uma ligação com o Steve.
Ela se deita, colocando a cabeça no meu peito.
― Falei com ele mais cedo. Estava bem preocupado e me deixando
doida para falar com você.
― Eu sei. Steve sabe ser insistente. Por que está acordada essa hora?
― Não consegui dormir, com as imagens de hoje na cabeça. Mas
sobre o que você e o Steve conversaram?
― Eu disse que decidi me mudar para cá, até ter tudo isso ser
resolvido. Além de ter você por perto, fica mais fácil toda a investigação.
― O melhor a se fazer neste momento é eu ir morar com você. ―
Passo a minha mão em seus cabelos. ― Não quero colocar as meninas em
risco por minha causa. A gente sabe que a Katherine é capaz de tudo. Não
quero ter isso para me culpar pelo resto da vida, se acontecer algo com as
duas.
― Eu entendo e concordo com você. Você é uma ótima amiga,
querida.
― Eu também acho isso. ― Rimos. ― Difícil encontrar amigas como
eu hoje em dia ― diz, brincando, tentando tirar toda a tensão da conversa.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, e quando acho que ela já
está dormindo, me chama:
― Pai?
― Sim.
― O que foi que o Davon te disse... sobre hoje? Ele descobriu algo?
― Quer mesmo saber? ― Ela assente. ― Não quis contar nada para
não deixar você e as meninas mais alarmadas do que já estão, mas acho que é
até melhor ficarem sabendo que foi o Matt que tentou te atropelar.
Ela levanta a cabeça.
― Matt? Mas, eu achei...
― Pelo jeito, a ideia foi essa, deixar que todo mundo achasse que ele
tinha sumido e o canalha estava ajudando aquela mulher.
― Será se ela sabia desde o começo quem eu era?
― Não sei, mas a preocupação agora é o que ele pode fazer a mando
dela. Sabemos que ela não está blefando, vai tentar te machucar para me
afetar e desistir de encontrá-la.
― Sabe que não pode fazer isso ― diz ―, você, além do FBI, é a
única pessoa capaz de encontrá-la, mesmo sendo arriscado. A pessoa que a
teve mais próxima.
― Vamos conseguir pegá-la, no menor vacilo que der, até mesmo
esse garoto. Talvez ele seja a chave para conseguir uma pista de onde ela
esteja.
― Sim, estou torcendo para isso.
― Vai contar para as meninas?
― Acho que elas precisam saber, principalmente a Nina. ― Ela se
cala depois disso, sei que muitas coisas estão passando pela cabeça dela.
Fico tão absorto nos meus pensamentos, que nem percebo que a Liz
pegou no sono. Pego-a no colo e a levo para o quarto.
― Nossa, você não é mais menininha faz tempo ― sussurro,
sorrindo, me referindo ao seu tamanho ―, mas para mim é como se fosse.
Beijo sua testa, antes de sair do quarto e voltar para a sala. Não terei
descanso por enquanto.
28
“Como se eu não te conhecesse
Meu coração acelera
Como uma noite passageira.”
Recuerdo (part. Mau y Ricky) • TINI

Liz
Minha entrada na agência é liberada e, rapidamente, já estou no andar
que meu pai trabalha. Alguns agentes que conheço me cumprimentam e eu
sigo para esperá-lo em sua sala.
Mas antes que eu possa entrar, a porta da sala ao lado se abre e
algumas pessoas saem, incluindo uma figura alta e conhecida.
― Ryan?
Ele se vira quando ouve a minha voz.
― Elizabeth? ― Ri, caminhando em minha direção. ― Vem cá, me
dá um abraço.
Nos abraçamos, enquanto eu sorrio, vejo meu pai saindo da sala
também.
― Quanto tempo! Achei que a gente nunca mais ia se ver.
― Estava com saudades de mim, né, pirralha?
― Nem me lembrava da sua existência. O que você está fazendo
aqui?
― Não posso mais vim ver vocês? ― pergunta, todo pomposo, me
fazendo revirar os olhos. ― Na verdade, acabei de chegar à cidade, e pelo
jeito vou ficar por um bom tempo.
― Agora ele faz parte da equipe, vai ser meu braço direito por um
tempo, e vai me ajudar na sua segurança também. ― Meu pai se aproxima e
beija a minha testa.
― Você não vai se ver livre de mim pelo jeito, né?
― Quero nem imaginar.
― Pessoal, preciso da atenção de todos, rapidinho ― meu pai pede
para todos que estão no ambiente. ― Este aqui é o Ryan Baxter, ele vai
passar um bom tempo aqui com a gente. Será meu braço direito nesse meio
tempo. Seja bem-vindo.
― Espero dar o meu melhor aqui ― declara e agradece ao meu pai.
Todos cumprimentam e dão boas-vindas a Ryan.
― Então, vamos almoçar? ― pergunto ao meu pai.
― É exatamente por isso que pedi para vir para cá. Ryan vai almoçar
com a gente, imaginei que seria legal vocês matarem a saudade.
― Pensou errado, pai ― implico. ― Não suporto o Ryan.
Passo o braço pelo o do Ryan e seguimos para o elevador.
― De onde ele tirou isso?
― Também não sei. ― Rimos.
― Tenho que dizer que quando você se junta com a minha filha, vira
uma criança.
― Acho que é porque eu sou uma ― sussurra para ele.
Já dentro do elevador, me lembro do Evan.
― O Evan vai pirar quando o vir ― comento, empolgada.
― Nossa, você ainda fala com aquele almofadinha? Esperava mais de
você, Elizabeth ― brinca, todo revoltado. ― Estou vendo que terei que te
mostrar o que é uma boa companhia.
― Isso é porque não conheceu o cara por quem ela é apaixonada ―
meu pai solta.
― Pai ― retruco.
― O quê? Só você que não quer aceitar isso.
― Ai, Deus. Estou vendo que tem muitas coisas que preciso saber. ―
Ryan lança um olhar sugestivo para mim.
― Você nem imagina. ― Sorrio para ele.
― Achei que o combinado era você se casar comigo. Não me quis por
causa da idade?
― Não exagera, você só é oito anos mais velho que eu. Tudo mudou
porque você foi embora.
― Quem escuta vocês falando assim, acredita nessa conversa. ―
Meu pai ri.
Ele tem razão, é somente brincadeira, não sei como aguenta quando
estamos juntos.
― Anda treinando ainda? ― pergunta.
― Sempre, não perco meus treinos nunca.
Meu pai pigarreia.
― Sempre que tenho trégua dos meus estudos, melhor assim, pai?
Ryan ri.
― Está rindo por quê? Consigo te dar uma surra ainda.
― Duvido disso, Elizabeth. A gente pode ter sido treinado pelo
melhor ― olha para o meu pai, que sorri ―, mas ganho de você depois de
anos.
― Hahaha! É o que veremos. Como você disse, fomos treinados pelo
melhor, e além do mais, sou filha dele, genética boa. ― Bato meu cotovelo
no seu braço.
Ryan e eu crescemos juntos, seu pai era um agente do FBI e amigo do
meu pai, mas morreu em serviço. Depois que ele morreu, meu pai sentiu que
deveria cuidar dele, ele gostava muito da família do Ryan.

Ryan entra na cozinha e me dá aquele olhar de pura implicância


quando me vê. Ele se senta à mesa posta para o café da manhã.
― Achei que não trabalharia hoje ― digo, ao morder a torrada.
― Tenho muito trabalho para resolver, ainda não vou poder me dar o
luxo da folga.
― Já entendi, senhor missão cumprida. ― Sorrimos.
― Ryan, por que você voltou? ― pergunto, sem rodeios. Estou
querendo saber disso desde ontem.
Ele se engasga com o suco que toma.
― Nem adianta dizer que foi por saudade, já que você passou tanto
tempo longe ― finalizo.
Ele estende a mão, segurando a minha.
― Desculpa.
― Por quê? Não mente para mim. Você sabe que eu sei quando está
mentindo.
― Voltei para te proteger. Você e o seu pai.
― Você sabe de alguma coisa que eu não sei?
― Elizabeth... ― Seu tom de voz deixa claro que não vai responder a
essa pergunta. ― Uma coisa eu posso afirmar, farei qualquer coisa por vocês.
Por mais que eu tenha ficado tanto tempo longe, eu sei de todos os passos de
vocês.
Se refere ao meu pai e a mim. Ryan sempre mostrou ser grato por
tudo o que meu pai fez por ele.
― Eu soube o que o Davon fez com você, e tive vontade de vir até
aqui para quebrar a cara dele, mas, infelizmente, tive que ficar longe. ― Dá
um aperto na minha mão ainda presa a sua. ― É por ele que você ainda está
apaixonada, não é? ― Assinto. ― Quero proteger vocês, então estava na hora
de voltar. Vocês precisam de mim aqui.
Assinto, grata.
― Você e sua proteção. Nunca perdeu a mania. ― Rio, brincando.
― Em se tratando de vocês, não. Não é mania. Quem além de vocês
vão me aturar pelo resto da vida?
― Verdade. Mas ainda não esqueci que foi embora, me deixando
sozinha.
― Você tinha o Evan ― pontua.
― Ele não se compara a um irmão mais velho. ― Dou de ombros. ―
Além do mais, logo ele foi embora também.
― Um almofadinha mesmo. Quando tudo vier à tona, Elizabeth,
espero que você não fique chateada comigo.
― Tenho motivos para isso?
Ele não me responde, fica calado enquanto tira sua mão da minha,
para dar continuidade ao seu café da manhã.
― Estou feliz que você tenha voltado. ― Decido por ora levar a
conversa por outro caminho.
― Eu também. ― Sorri.

*
Algumas semanas passam, nesse meio tempo, Ryan já tinha
conhecido meus amigos e o Davon, estou feliz por tê-lo por perto agora, mas
não nos vemos tanto. Com o trabalho na agência, meu pai e Ryan vivem
muito tempo ocupados. Eles andam frustrados com o caso e fazem o possível
para não demonstrar na minha frente, mas é impossível.
Não quero passar mais um fim de semana sozinha, quero poder sair e
fazer algo divertido com meus amigos.
Meu pai se senta à mesa para tomar o café da manhã comigo depois
de ter me dado um beijo na testa. Enquanto toma o seu café forte, fica me
olhando, como se conseguisse ver através da minha alma.
― O que foi?
― Só estou tentando descobrir o que está aprontando para esse fim de
semana.
Nem finjo uma expressão surpresa, ele me conhece bem.
― Você e seus amigos estão quietos. Devo me preocupar?
― Não tenho nada em mente, só não garanto que eles não tenham. ―
Sorrio.
― Filha, eu te conheço tão bem, que essa sua resposta não foi capaz
de me convencer.
― Nesse momento, sou sua filha ou uma interrogada?
― O bom de ser um agente é que posso usar minhas experiências com
você. Que pai acha que eu seria se não tivesse esse dom? ― Pisca, não sendo
nem um pouco modesto.
― Muito convencido ― declaro ―, mas não está errado.
Rimos.
Logo a porta da frente é aberta e vejo Evan entrando na cozinha, todo
sorridente.
― Bom dia! ― Arrasta a cadeira para se sentar ao eu lado. ― Oi,
Lizzie.
― Nossa, o que é toda essa animação?
― Hoje é sexta, tem dia melhor que esse? ― Pega um pedaço de pão
e o enfia na boca.
― Juro que se não fosse café da manhã, poderia te confundir com o
Oliver.
Meu pai, que observa tudo, ri.
― Ah, Liz. Acordei cedo só pra alegrar seu dia, e você me trata
assim? Bela amiga você é.
― Nada de drama, querido. ― Aperto sua bochecha.
― Mas não foi pra isso que vim aqui ― responde, se virando para o
meu pai. ― Tio Octavio, meus pais convidaram todos para passar o fim de
semana em Halifax. E pediu pra dizer que não aceita um “não”.
Sorrio em êxtase com a novidade. É disso que precisamos. Tiro meu
sorriso do rosto e logo olho para o senhor Octavio, fazendo a minha melhor
cara de coitada para ajudar a conhecê-lo.
― É só um fim de semana, pai.
― Sim, tio. Acho que todo mundo precisa relaxar, estão todos tensos
com tudo o que vem acontecendo.
― Sim, e poderíamos viajar hoje mesmo. ― Pisco meus olhos.
― Assim, em cima da hora? Temos as passagens para comprar ― ele
revida.
― Não se preocupe, isso eu já resolvi. ― Evan sorri, convencido.
― Não dá pra cancelar mais, pai. ― Dou de ombros.
― Juro que às vezes não sei o que fazer com vocês dois, quando se
juntam com uma ideia na cabeça, é impossível negá-la.
Dou um grito, pulando da cadeira e dando a volta na mesa para
abraçá-lo.
― Te amo, te amo, te amo. ― Beijo seu rosto várias vezes.
― Por mais que eu esteja amando todo esse amor, precisa arrumar as
malas ― diz, me afastando.
― Isso aí. Temos cinco horas antes do nosso voo. Ah, mais uma
coisa, quando eu disse que ia todo mundo, é todo mundo mesmo.
Olho confusa para ele, que logo vai explicando.
― Além das meninas, vai o Oliver, Ethan, Noah ― vai contando nos
dedos ―, Davon ― me olha sem graça ―, Samantha, e chamei o Kyle e
Ryan também, mas eles não vão. Kyle por causa do trabalho, e Ryan disse
que vai ficar responsável pelas as coisas na agência, já que o tio Octavio vai
com a gente. ― Lança um olhar animado para o meu pai.
Me sinto feliz que mesmo que Kyle e eu não estejamos juntos, meus
amigos e ele ainda mantêm contato e nada mudou. E entendo que talvez o
motivo de não querer ir com a gente na viagem seja porque ainda precisamos
desse afastamento.
― Mas eu nem concordei ainda. ― Desperto com a resposta do meu
pai e damos risada. ― Preciso ver algumas coisas antes de viajar com vocês.
Quero ter certeza de que estaremos seguros em Halifax.
Concordo. Ele logo sai, me deixando sozinha com o Evan.
― Ah, Lizzie, você não vai ficar mal por Davon ir, né?
― Claro que não. Por que ficaria?
― Por que será? ― Revira os olhos. ― Eu o quero junto também,
somos um grupo, e estou tentando melhorar a minha relação com ele e a Sam
também.
― Eu amo a Sam, não seria a mesma coisa se ela não estivesse
presente.
É bom saber que o Evan está se esforçando para ficar numa boa com
o Davon.
― Que bom. ― Ele me puxa para abraçá-lo. ― Vai ser ainda melhor
do que a outra vez, mas agora preciso ir, nos encontramos no aeroporto.
Assim que sai, só tenho tempo de arrumar as malas. Saímos duas
horas antes do voo previsto e chegamos ao aeroporto e encontramos todo
mundo na entrada. Octavio vai logo cumprimentando os meninos. É claro que
tem um pouquinho de gritaria só das meninas. Quando me aproximo, vejo
Davon se aproximar também.
― Oi, Liz ― me cumprimenta.
― Oi.
Todos já estão bem na frente, com a Sam. Ouço quando a Alex grita
para nós.
― Vocês vão ficar aí?
Damos risada quando começamos também a nos dirigir para o avião.
Já dentro do avião, eu me lembro de quando fomos para Halifax. Foi a
primeira vez que ele e eu conversamos sem ter uma discussão. Pude conhecer
o lado dele engraçado, que me divertiu a viagem toda. “Davon 2.0”. Sorrio ao
me lembrar o que tinha dito a ele no dia.
― O que está pensando?
― Nos lugares que fomos quando viajamos no ano passado.
― Se der tempo, podemos ir de novo.
Assinto.
Nos separamos quando vamos nos sentar, eu ao lado do meu pai, e
ele, da Sam.
*

John e Grace, os pais do Evan, nos recebem muito bem, os sorrisos no


rosto em nos ver novamente é de pura alegria. Eles amam quando têm o filho
para passar um tempo com eles, mas quando tem isso mais os amigos é uma
diversão sem fim.
Meu pai rapidamente se afasta para conversar com o John. Os quartos
são separados para as mulheres e os homens, como da última vez. Grace já
tinha feito um lanche leve para todos, então seguimos para a sala para
conversarmos.
― Ficamos surpresos de ter decidido vir também, Octavio.
― Sim, acho que eu estava precisando de uma folga, além do mais,
não poderia deixar todos esses jovens sem uma supervisão, né?
― Está passando uns dias em Kingston, com a Liz? ― tia Grace
pergunta.
― Sim, estou com um trabalho lá também, então ficou ainda mais
fácil estar com ela.
Toda a missão tem seu sigilo, quanto menos pessoas souberem, melhor.
― Mais fácil para ele ficar de olho em mim, certo, pai? ― Sorrio.
― Claro que não ― nega, com ironia.
Passamos horas conversando, os mais jovens fazendo planos para o
dia seguinte. A tensão que achei que teria por estar por perto do Davon não
existe, o clima está bom. Ele participa das conversas bem tranquilo, dando
ideias para os dois dias seguintes, vez ou outra repreendendo a Sam por ela
querer liberdade demais. Típico irmão protetor.
― Davon, deixe a Sam se divertir um pouco também ― peço, rindo.
― Nós tomamos conta dela, estará mais segura. O que não acontecerá
se estiver com vocês ― Anastácia retruca.
― Nem vem Stacia, Alex não é nem um pouco confiável ― Ethan se
mete.
― Ei, isso é uma afronta, Ethan.
― Estamos falando da mesma Alex? ― ele pergunta.
― Acho que não ― os meninos respondem, incluindo o Davon, que
se diverte com a discursão.
Ele sorri para mim toda vez que me pega o olhando, e não são poucas
vezes.
*

Estamos sentados no fundo da casa, em círculo, Davon com o violão


tocando de acordo com as músicas que escolhemos para cantar. Isso me
remete a uma lembrança de quando estávamos naquele mesmo lugar,
enquanto cantávamos e ríamos.
Fazemos uma pausa quando a Grace aparece com alguns petiscos.
― Estou sendo tão bem tratado pela senhora, que estou pensando em
ficar aqui quando todos voltarem ― Ollie declara, já em cima da travessa
colocada na nossa frente.
Grace dá risada. Oliver não muda.
― Fique o tempo que quiser.
― Ele agora não vai largar do seu pé ― Evan diz, ao mesmo tempo
em que ri e revira os olhos.
Rimos e zoamos o Oliver, que manda beijos para o Evan, que faz
sinais nada bonitos com mão em troca.
― Evan ― Grace repreende o filho.
― Desculpa. ― Se levanta, abraçando-a.
― Preciso que vá comprar algumas coisas que faltaram para
terminarmos o jantar.
Evan se afasta quando o Davon se levanta também.
― Evan, espera. Vou com você.
― Não precisa. Vai ser bem rápido ― nega.
― Está dispensando a minha companhia? ― pergunta, animado.
― Longe disso. Vamos lá, cara. ― Rindo, ele faz um gesto com a
mão.
― Sam, eu já volto, se comporte ― Davon diz para a irmã, que revira
os olhos.
Sorrio para ela quando se vira para me olhar, então faço um gesto
para se sentar ao meu lado.
― O que está achando da viagem?
― Amando muito. Me diverti tanto hoje, não me lembro da última
vez que tive tanto para guardar nas lembranças.
― Ainda terão muitas viagens para fazermos.
― Sim, só faltou a Luna.
― Então vamos tirar algumas fotos para mandar para ela. ― Pego o
celular e tiro várias fotos do grupo e nossas, enviando em seguida.
É a vez do Noah pegar o violão, dando continuidade às músicas. Um
tempo depois, meu pai aparece ao nosso lado, sorrindo, relaxado, dá para ver
que a viagem está fazendo bem a ele.
Ele canta alguns trechos de canções que sabe. Meu pai merece ter
momentos de descanso, ele se doa tanto no seu trabalho, que muitas vezes eu
desejei que não fosse um agente.
Acordo dos pensamentos quando o vejo se afastar assim que seu
celular toca. Ao ver que fica tenso ao atender, me levanto e vou até ele, mas
ele faz um gesto para que eu fique no mesmo lugar. Ele parece se alterar ao
dizer algumas coisas e olha para o celular. Parece que a pessoa desligou na
cara dele. Assim que olha para mim, vejo o desespero.
Seu celular toca de novo, ele sabe, e no fundo, eu também, que algo
aconteceu. Nesse momento, eu não escuto mais nada ao redor, minha atenção
está voltada totalmente para o meu pai, que está com os olhos fechados e os
punhos cerrados.
Algo de grave aconteceu, e tenho medo de saber o que é. Meus
pensamentos vão diretamente aos únicos que não estão ali no momento ―
Evan e Davon.
Aí sim, me desespero também.
29
” Pegue, pegue tudo
E comece de novo
Você tem uma segunda chance
Você poderia ir para casa”
Medicine • Daughter

Liz
Não espero que meu pai termine a ligação, vou andando em sua
direção. Sam, percebendo algo estranho, vem atrás também.
― O que aconteceu, pai?
― Infelizmente, as notícias não são boas ― olha entre mim e a Sam
― recebi uma ligação, algo aconteceu, o Davon...
― O que tem meu irmão? ― Sam pergunta, sua respiração começa a
ficar profunda. ― Diz, tio Octavio.
Ela coloca a mão no peito, e vejo o que isso significava. Pego a sua
mão para tentar acalmá-la. Ela está fria e trêmula.
― Sam, tente se acalmar ― peço.
― Não posso perder o meu irmão. ― Seu desespero é tão grande, que
começa a chorar.
Todo mundo já sabe que algo está acontecendo, estão em alerta. Ethan
aparece com uma cadeira para a Sam se sentar.
― Sam, respira fundo. Se acalme ― começo a conversar com ela
para tentar acalmá-la ―, não vai acontecer nada com o seu irmão.
É a primeira vez que presencio uma crise dela, e, de alguma maneira,
fico mais desesperada ao não saber como ajudá-la.
― Sam, querida, tente se acalmar. ― Meu pai se abaixa para ficar na
sua altura. ― Beba um pouco de água.
Suas mãos trêmulas pegam o copo e eu a ajudo a segurar para não
deixar cair. Olho para o meu pai e sinto uma sensação ruim no peito.
Nina se senta ao lado da Sam, ela sabe que eu preciso descobrir o que
está acontecendo.
― Pai? ― Levanto-me. ― O que aconteceu? ― Minha voz está
fraca. Tenho medo do que pode ter acontecido.
― Evan me ligou e está machucado, mas disse que não é nada grave,
está mais preocupado com o Davon. Eles foram abordados no estacionamento
por homens de preto e um bateu nele, deixando-o desacordado.
Nego com a cabeça, não querendo acreditar nisso.
― E que quando acordou, o Davon tinha desaparecido.
― Meu Deus! ― Grace exclama ao ouvir a notícia. John está ao seu
lado e coloca as mãos no ombro da esposa, aflitos.
― Não ― sussurro ―, não é possível. O Davon não...
Sinto as lágrimas descerem pelo meu rosto. Tudo piora ainda mais ao
não saber como Evan pode estar neste momento.
― Não, meu irmão não ― Sam sussurra, enquanto Oliver a abraça.
― Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem. Não vai? ― ele pergunta,
olhando esperançosamente para o meu pai.
― Estou indo para lá agora. Comuniquei alguns da minha equipe que
vieram comigo, eles estão indo para o local. Vão procurar imagens das
câmeras. ― Ele segura o meu rosto. ― Nós vamos encontrá-lo. ― Ele olha
para todo mundo. ― Mas, no momento, preciso que fiquem calmos. Vou ver
como o Evan está, saber como tudo aconteceu. ― Olha para os pais do meu
amigo.
― Vou com você. ― John se prontifica, está preocupado com o filho.
Em seguida, olha para a tia Grace. ― Fique aqui, querida, é melhor.
― Vou também para ajudar a procurá-lo ― afirmo.
Ele me olha parecendo que vai negar.
― Pai, eu preciso, você sabe.
― Tudo bem.
― Como assim? Não pode deixar a Liz ir junto ― Noah protesta ―,
é arriscado.
― Liz é treinada, sabe o que fazer. Além do mais, não vou deixá-la
sozinha. Se eu vir que a coisa é arriscada, não vou deixar que esteja junto.
Não se preocupem, ela sabe se defender.
― Podemos ir para ajudar ― Ethan sugere.
― Não, prefiro que fiquem.
― Se alguma coisa acontecer, sabe o que fazer ― fala com um agente
que acaba de chegar antes de se virar para Sam, que ainda está pálida.
― Traga o meu irmão de volta ― Sam pede.
Ele assente e beija a sua testa.
― Ligue para o Kyle ― peço para Ethan, que assente.
Meus amigos, mesmo querendo me consolar, passam conforto com
seus abraços, mas não dizem nada.
Rapidamente saímos da casa dos Collins. Dois carros atrás da gente,
com os agentes do meu pai. O silêncio no carro é horrível, e o medo que só
cresce em mim me impede de imaginar que o Davon está bem. Só consigo
pensar em coisas horríveis. Desejo tanto estar errada, e que seja somente um
susto da Katherine outra vez. Davon tem que estar bem, ele precisa estar bem.
Todo esse pensamento me faz querer chorar ainda mais.
― Ei, não fique pensando em coisas ruins ― meu pai pega a minha
mão ―, ele está bem, precisamos pensar nisso.
― Por que o Davon?
― Porque ele é importante para você, filha. Ela sabe que o ferindo,
estará ferindo você, e isso me afetará ― fala com pesar.
Eu odeio a Katherine, desejo que ela pague por tudo o que fez e está
fazendo. O que mais quero é que ela nos deixe em paz.
Assim que chegamos ao local, alguns agentes da equipe do meu pai
estão com ele. Desço do carro depressa e encontro Evan sentado no chão,
passando a mão pela cabeça, que está sagrando.
― Como você está? ― pergunto assim que me ajoelho ao seu lado.
― Estou bem. ― Levanta a cabeça, respondendo com a voz fraca,
enquanto olha para mim. ― Eu ainda tentei impedir e me defender, mas fui
apagado com uma coronhada na cabeça ― diz, olhando para meu pai.
Tio John já está abaixado ao lado do filho.
Fora o corte atrás da cabeça, tem um acima da sobrancelha e no lábio
inferior.
― Todos estavam de preto, não consegui ver o rosto de ninguém. Só
me lembro que eles apareceram antes que conseguíssemos entrar no carro.
Acordei alguns minutos depois, sem sinal do Davon. ― Seu tom é
preocupado.
― Vai precisar de pontos ― falo.
Ele volta seus olhos para mim.
― Eu estou bem.
Nos levantamos, Evan com a mão no abdômen.
― Não está, não.
― Concordo com a Liz, precisamos ir ao hospital ― John declara,
sem dar chance ao filho.
― Não, não enquanto não encontrarem o Davon. Preciso saber se ele
está bem, depois posso pensar em mim. ― Sua voz é uma súplica silenciosa.
― Nada disso. Vou resolver tudo ― meu pai se intromete. ― Vou
ficar menos preocupado com você sendo cuidado.
― Quero ajudar a procurar o Davon.
― Não, Evan. Tenho tudo de que preciso. Por mais que queira fazer
isso, não acho que vai ajudar muito estando nessa situação. Minha equipe já
está fazendo de tudo para encontrá-lo. Quero você no hospital, isso não é um
pedido, é uma ordem.
― Que golpe baixo ― murmura. ― Tudo bem.
― Seu pai vai te levar para uma unidade mais próxima. ― Octavio dá
batidinhas nas costas dele. ― Vamos encontrar o Davon. Estou aliviado que
você esteja bem.
Ele assente, olhando para tio John, que já está ao seu lado. Antes de
ir, olha para mim.
― Se cuida ― dizemos ao mesmo tempo.
― Preciso fazer uma ligação...
― Senhor? ― um agente interrompe o meu pai. ― Conseguimos
algumas imagens, mas não ajuda muito. Estou trabalhando para conseguir a
localização da van.
― O.k. ― responde depois de ver as imagens de segurança. ― Já
entrei em contato com a polícia daqui, estão trabalhando para termos uma
localização dele também.
Preferi não olhar o vídeo, não quero sofrer ainda mais. Minha
inquietação para conseguirem algo logo é grande.
― Não quer voltar para a casa dos Collins? Eu ligo se tiver alguma
notícia.
― Não, quero estar aqui quando o encontrarem. Quero ver com meus
próprios olhos que ele está bem.
Meu pai anda de um lado para o outro, com o celular na orelha,
enquanto mantenho o celular na mão na esperança de que o Davon dê algum
jeito de me ligar dizendo que está tudo bem.
São as horas mais torturantes da minha vida sem notícias, mas quando
vem, acho que vou desabar.
Estou em total desespero, indo para o hospital da cidade. Ao que
parece, alguém entrou em contato com a polícia e contou que havia
encontrado um homem todo machucado e que estava a caminho do hospital
em uma ambulância. Não consegui raciocinar, minha vontade é chegar logo
ao hospital para saber como ele está. É a única coisa que importa para mim
no momento.
Nossa chegada é rápida, então desço correndo e entro no hospital,
indo direto para a recepção enquanto ouço meu pai me chamar e pedir calma.
― Preciso saber sobre um paciente que acabou de dar entrada aqui ―
falo, sem fôlego.
― Calma, preciso saber o nome ― pede com toda calma do mundo.
― Davon. Davon Scott. ― Faço uma pausa para ela digitar. ― Ele
está bem?
― Não consigo te informar isso, ele acabou de entrar na sala de
cirurgia. Vai ter que aguardar até o médico dar notícias.
Cirurgia?
É tão grave assim?
Meu pai, vendo meu desespero pela informação, me abraça. Choro no
seu abraço apertado, e continuo assim até que ele me senta na sala de espera
para fazer algumas perguntas à pessoa que o encontrou desacordado.

Mesmo com os olhos fechados, sinto quando alguém se senta ao meu


lado e pega a minha mão, dando um aperto forte. Não preciso abrir os olhos
para saber quem é.
Kyle.
Faz horas desde que chegamos, e a qualquer momento é esperado que
o médico responsável pela cirurgia do Davon apareça.
― Ele vai ficar bem. Davon é forte.
Assinto, sentindo as lágrimas quentes descerem pelo meu rosto.
Com o silêncio entre nós, abro meus olhos e encontro os seus aflitos.
Ele nota o meu olhar para a mochila que está no chão aos seus pés.
― Eu vim direto do aeroporto pra cá.
― É bom ter você aqui.
O silêncio volta a fazer parte do ambiente.
― Vocês já se resolveram? ― Olha para mim e sorri.
― O quê? Não. ― Nego.
― Liz, você o ama. Eu não sei o que está impedindo vocês de ficarem
juntos. Dói muito falar isso porque eu amo você, mas é ele que você ama, seu
coração é dele, sempre foi, não é?
Não tenho o que responder sobre a sua afirmação. Mas ele está certo,
eu amo o Davon.
― Não quero que você ache que vou ficar magoado se vocês ficarem
juntos. Quero ver você feliz, Liz, quero ver o Davon feliz. E vocês são a
felicidade um do outro. Simples assim. ― Aperta a minha mão mais forte.
― Obrigada.
Kyle levanta a mão para limpar meu rosto molhado. Sinto que é disso
que eu precisava para seguir o meu coração.
― Familiares de Davon Scott ― o médico chama na entrada da sala
de espera.
Imediatamente eu me levanto com meu pai e Kyle.
― Vocês são o que do paciente?
― Sou amiga dele.
― Infelizmente não posso dar notícias para quem não é da família. ―
É direto.
― Sou agente do FBI, o tutor mais próximo do rapaz e responsável por
ele. ― meu pai intervém, mostrando seu distintivo. ― Pode dizer, doutor.
O médico nos olha por alguns segundos antes de assentir.
― O paciente chegou ao hospital bastante debilitado, e tivemos que
fazer uma cirurgia de emergência, por ter algumas costelas quebradas, o
braço esquerdo quebrado e hemorragia interna. ― Soluço, e meu pai me
abraça. ― Estava inconsciente, sofreu uma pancada forte na cabeça, e foi
preciso fazer alguns exames. O estado dele é grave, chegou bastante ferido.
Foi preciso ser colocado em coma induzido e em observação. O corpo dele
precisa de tempo para se recuperar. ― Faz uma pausa. ― Ele teve sorte de o
encontrarem a tempo, ou seria tarde.
― Ele pode receber visitas? ― Kyle pergunta o que eu tenho em
mente.
― Por enquanto não, mas logo que tiver alguma informação sobre o
seu estado ou sobre visitas, eu venho avisar. Sugiro que vão para casa
descansar.
Nego com a cabeça assim que o médico vai embora.
― Não vou sair daqui.
Meu pai suspira.
― Eu... ― seco o rosto e tento me acalmar e segurar o choro ―
preciso ligar para Sam.
― Não, deixe que eu ligo. Você não está em condição para isso no
momento. Eu falo com ela e com meus pais ― diz Kyle.
A expressão sombria do Kyle mostra que nem ele havia recebido bem
a notícia e está segurando tudo o que sente, principalmente a raiva. E quem
receberia? Saber que seu amigo foi quase morto por um monstro sem alma
faz o meu coração sangrar.
Ele sai para fazer a ligação, e eu me viro para o meu pai.
― Precisa acabar com ela logo, pai.
― Eu sei, querida. Estou fazendo o que posso. ― Volta a me abraçar.
30
“Eu não vou desistir de você dessa vez
Mas, amor, apenas me beije devagar
Seu coração é tudo o que eu tenho.”
Perfect • Ed Sheeran

Kyle
Essa situação me faz sentir impotente, meu amigo está muito mal em
uma cama de hospital, sem notícias de melhora, Liz desorientada, meus pais
em choque vindo para cá em total desespero, e eu, sem poder fazer nada para
ajudar. Não quero que só a minha presença baste como apoio.
É difícil ter que suportar que seu melhor amigo está em um estado
horrível, que quase morreu por causa daquela vadia.
E o que dizer sobre ter constatado que ela o ama? Nada. Falei a
verdade que dói, mas se tem uma pessoa sortuda em ter esse sentimento, é o
Davon. Ela é uma mulher incrível, decidida e merece ser feliz.
Passamos o resto da noite no hospital, Liz não quer ir embora de jeito
nenhum. Pela manhã, Octavio consegue convencê-la a ir para a casa dos
Collins descansar um pouco, e ver como Evan e a Sam estão. Prometi que
ficarei para esperar por notícias. A tarde eles voltam e é a minha vez de ir
descansar.
Acabo de chegar ao hospital e encontro Liz com a cabeça apoiada na
parede, sem ânimo. Suspiro ao me aproximar e entregar um café para ela e o
Octavio.
― Nada?
― Nada ― responde. ― Tentamos ter alguma coisa, mas o Davon se
encontra na mesma. Ainda em coma induzido.
― Vocês ainda não o viram?
― Sim, mas foi coisa rápida. Foi assim que chegamos.
Assinto e me sento. Mas mal passa um minuto quando vejo meus pais
e Luna entrando na sala de espera. Nos levantamos, e assim que os braços da
minha mãe envolvem a Liz, as duas começam a chorar.
Abraço meu pai e sinto o quanto está tenso, e se faz de forte para a
esposa e filha. Puxo a Luna, que me abraça forte, chorando também, e tento
confortá-la, passando a mão em suas costas.
― Ele vai ficar bem.
― Eu sei. Ele é forte, assim como você.
Nesse momento, vejo a Sam, Evan e Oliver entrando na sala. O rosto
dela está vermelho por conta das lágrimas e o desespero.
― Como está o meu irmão? Cadê ele?
― Calma, Sam. A gente ainda não teve notícias ― Octavio responde.
― Vai ficar tudo bem. ― A mão dele toca no ombro dela para confortá-la.
― Ele já passou por coisa pior, Sam, ele vai sair dessa. ― Luna a
abraça, dando força.
― Me desculpem. A culpa é minha pelo o que Davon está passando
― Liz pede, soluçando. ― Tudo o que vem acontecendo é minha culpa.
Sam se solta de Luna para abraçar Liz. Dói vê-la assim.
― Não fale isso, Liz. Davon ia ficar muito triste se te ouvisse falando
isso. Ninguém a culpa, ninguém mesmo. ― Continua abraçada com ela. ―
Vai ficar tudo bem, todo mundo vai ficar bem.
Sei que Octavio sofre ao ver a filha assim, mesmo tentando não
demonstrar.
Sentamo-nos para conversar melhor, Luna se senta ao meu lado,
apoiando sua cabeça em meu ombro. Vejo quando Oliver abraça a Sam, ele
realmente se tornou um irmão para ela.
― Não temos novidade desde hoje à tarde, só sabemos que está em
coma induzido ― Octavio responde.
― Vou atrás de alguma coisa ― Juan se levanta e eu o sigo.
Nem foi preciso dar mais um passo, o doutor aparece e nos
cumprimenta.
― O amigo de vocês está se recuperando bem, teve uma boa melhora
no quadro dele desde que chegou, mas continuará em observação. A situação
dele ainda é bem delicada. Vamos permanecer com o coma induzido por uns
dois dias, e observar como o corpo dele está se recuperando. Se tudo estiver
bem e a melhora for grande, podemos diminuir a sedação até antes.
Respiro aliviado com a notícia.
― Graças a Deus. ― Sam começa a chorar, aliviada, voltando a
abraçar o Oliver. ― Quando posso ver o meu irmão? ― pergunta ao médico.
― Agora mesmo ― ele responde, sorrindo. ― Só não todos de uma
vez.
Decidimos que Liz e Sam vão primeiro, e o restante depois. Elas saem
emocionadas do quarto. Entramos logo depois, é difícil acreditar em tamanha
crueldade com uma pessoa inocente.
Seu rosto está todo inchado, com vários hematomas. O braço
enfaixado. Lembro-me que o médico disse que havia quebrado o braço. É
horrível ver Davon nessa situação.
Coloco a mão em seu ombro e dou um aperto leve.
― Você vai sair dessa, irmão ― sussurro, sentindo minha garganta
apertar.
Saio do quarto e vou direto para fora do hospital. Preciso de um lugar
mais tranquilo para me acalmar e pensar.

Davon
Estou desorientado.
O que tinha acontecido?
Sinto incômodo em algumas partes do corpo, mas não consigo me
lembrar de nada. Conto minha respiração para me concentrar melhor.
Lembranças das vozes que ouvi aparecem. Foi tudo um sonho?
Vozes conhecidas falando comigo, algo bem vago, sem a menor
certeza se foi tudo real.
Sinto algo apertar minha mão, ao mesmo tempo um peso leve em
cima do meu peito, palavras sussurradas e doces. É um sonho também?
― Eu sinto muito, Dav, muito mesmo. Quero que você volte logo
para que possa dizer isso olhando nos seus olhos. Eu te amo.
Suspiro.
― Se isso for um sonho, não quero acordar ― digo com dificuldade,
a voz rouca.
Logo sinto a falta do contato em cima de mim. Abro os olhos e a vejo,
toda linda e com os olhos avermelhados.
― Você acordou ― exclama.
― É o que parece, Bess. ― Ela começa a chorar. ― Ei, vem cá ―
peço, já que não consigo levantar a mão para puxá-la para perto.
Estou meio desorientado ainda, sem conseguir entender o que está
acontecendo. Encosto nossas testas, enquanto tento secar seu rosto.
― Não precisa chorar, bobinha. Eu... eu estou bem, pelo menos
inteiro, né? ― Tento fazer graça. Minha garganta está seca, é difícil falar.
Ela afasta o rosto e me repreende com o olhar.
― Tive tanto medo. ― Acaricia meu rosto levemente.
Abro a boca para responder, quando uma pontada forte de dor surge
nas minhas costelas, me fazendo fechar os olhos e gemer de dor.
― Está tudo bem? Vou chamar o médico.
Assinto, ainda com os olhos fechados.
Péssimo momento para sentir isso e não poder dizer que a amo. Mas
estou feliz, mesmo gemendo de dor.
― Tem o porquê desse sorriso? ― o doutor pergunta. ― Isso é bom,
rapaz.
Assinto.
― Você se lembra do que aconteceu? Por que está aqui?
― Minha cabeça ainda está em desordem, estou tentando me lembrar.
― Encontraram você desacordado, todo machucado e inconsciente.
Teve algumas costelas quebradas, um braço e uma hemorragia interna, que
tivemos que te operar. Foi preciso colocar você em coma induzido para sua
recuperação ― pausa para que eu possa entender tudo ―, então faz parte
você não se lembrar do que aconteceu.
Lá no fundo, começo a ter vagas lembranças do que havia acontecido.
Evan e eu sendo abordados no estacionamento do mercado por homens de
preto e encapuzados, tentamos revidar. Lembro que antes de me levarem, o
deixaram no chão desacordado. O resto é tudo borrão e dor, tudo o que quero
esquecer.
Preciso saber se o Evan está bem. Se aconteceu algo enquanto me
levaram.
― Lembrei de algumas coisas.
― Isso é bom. Isso vai acontecer muito ainda. Bom, vamos fazer
alguns exames e depois você poderá receber seus amigos e sua namorada. ―
Pisca, me fazendo sorrir.
É o que eu mais quero.

Liz
Estamos todos na sala de espera esperando autorizarem para ver o
Davon. Ele está sendo examinado e vai fazer alguns exames, para saberem
como está.
Meu pai se senta ao meu lado, me abraçando.
― Algo está te preocupando ― afirma.
― Muitas coisas. E uma delas é o que vai ser do Davon depois disso,
o que vai ser da gente com o medo de que a qualquer momento ela possa
fazer algo com qualquer um de nós.
Ele fica em silêncio e respira fundo, olhando para qualquer lugar,
menos para mim.
― Você não falhou, pai. Ela é imprevisível.
― Falhei sim.
― Não, você continua fazendo o que pode para pegar a Katherine e
todas as pessoas envolvidas, não para nunca. Não ia saber o que poderia ter
acontecido.
― Eu deveria ter imaginado que isso iria acontecer.
Olho para ele, procurando respostas. Mas no segundo seguinte é
liberada a visita para o Davon.
― Vamos conversar melhor depois ― peço e ele assente.
O quarto vai enchendo com todos nossos amigos. Kyle ainda não
havia retornado, mas o Evan tinha ido atrás dele.
Davon ganhou muitos beijos, abraços meios desengonçados por causa
dos machucados e muitas lágrimas felizes e aliviadas, mas ao mesmo tempo
temerosas pelo susto.
Meu pai fica no canto do quarto conversando com o Juan, e eu sei do
que se trata.
― Vem aqui, irmãzinha ― ele chama a Sam, que vai chorando, se
deitando no seu peito. ― Fica calma.
― Eu fiquei com tanto medo de te perder, fratello ― diz, soluçando.
― Está tudo bem, Sam, estou aqui. ― Tenta confortá-la.
― Achei que eu fosse ficar sozinha.
― Eu jamais te deixaria sozinha. Somos eu e você contra o mundo.
― Ele continua passando a mão pelos cabelos dela. ― Preciso saber como o
Evan está. Eu me lembro que ele ficou desacordado quando me levaram.
Cadê ele? ― Olha para mim.
― Ele está bem ― aperto a mão dele ―, só saiu para encontrar o
Kyle. Mas ele teve alguns machucados no rosto e alguns hematomas. Mas ele
já deve estar voltando.
― Fico mais aliviado. Ele tentou impedir que me levassem, mas eram
muitos. É bom saber que nada grave aconteceu com ele. ― Suspira.
Evan e Kyle chegam um tempo depois, e dá para ver o quanto ficam
aliviados em ver o amigo acordado. Eles conversam, Davon ainda com um
pouco de dificuldade para falar.
Logo saímos para que ele descanse, mas eu voltarei para passar a
noite com ele.

― E aqui está ela.


Sorrio ao ouvir suas palavras assim que entro no quarto.
― Aqui estou eu. Você está bem? ― Paro ao lado dele, que segura a
minha mão.
― Sim, e eu não esqueci o que disse para mim mais cedo.
― Sobre o quê? ― Me ajeito melhor, me sentando ao seu lado sem o
machucar.
― Que me amava.
Sorrio.
― Mas você sempre soube que te amava.
― Eu sei, só que agora é diferente.
Aperto sua mão e sorrio enquanto ele me encara.
― Não sabe o quanto fiquei com medo de te perder.
― Eu estou bem, Bess. Eu vou me recuperar logo.
― Ainda assim não deixo de me culpar.
― Não ― é firme em negar ―, não repita mais isso. Eu passei por
isso porque a Katherine é uma mulher doente e quer nos afetar de alguma
maneira, mas não vamos deixar. Compreende?
― Sim.
― Não quero ouvir essas palavras de novo, Bess.
Assinto e me deito ao seu lado, mesmo correndo o risco de receber
uma bronca de alguma enfermeira.
― Bess? ― chama. Levanto a cabeça para olhá-lo. ― E como nós
ficamos? ― pergunta.
Sorrio de lado.
― Estou disposta a tentar, se você ainda quiser tentar comigo.
― Eu sempre vou querer tentar com você, Bess.
Sorrimos um para o outro antes de me deitar em seu peito novamente,
fechando os olhos para poder sentir um pouco de paz pelas coisas estarem
bem por ora.

Octavio
Havíamos conseguido encontrar um dos esconderijos da Katherine
dias antes de virmos para Halifax. Achamos que seria o fim de tudo, mas, de
algum jeito, ela sabia que estávamos indo, e quando chegamos lá não tinha
ninguém.
Foi por isso que a Katherine revidou, tentando me atingir e dar o seu
recado, mais uma vez. Agora estamos mais perto dela do que antes, de acabar
com todos os seus crimes e planos. Ela vai pagar por tudo.
Permaneço com a esperança de que vamos pegá-la e não vai demorar
tanto. Aí sim, vamos poder viver em paz sem nos preocuparmos com o que
pode acontecer a qualquer momento.
31
“Todo mundo se machuca às vezes
Todo mundo se machuca algum dia
Mas vai ficar tudo bem.”
Memories • Maroon 5

Davon
Liz e Sam vão descansar assim que Kyle entra no quarto. Ele se
aproxima da cama e se senta na cadeira ao lado.
― Você está bem? ― pergunta.
― Sim. ― Levanto a mão. ― Espera, deixa eu tentar encontrar uma
piada para este momento.
Ri.
― Para, né, Davon? Nós dois sabemos que sou melhor nisso que
você. ― Sorri, convencido. ― Está na cara que nem de cama você consegue
ser mais engraçado que eu.
― Achei que eu poderia viver com esse humor seu novamente, mas
estou achando que é impossível.
― Você não vivia sem mim antes, quem dirá agora. ― Dá de ombros.
― Isso é verdade ― sorrio. ―, obrigado por estar aqui.
― Em que lugar estaria a não ser ao lado do meu amigo?
― Quando você volta para Kingston?
― Hoje mesmo, só vim me despedir ― responde. ― Oliver me
contou quando você vai ter alta. Já sabe como vai ser?
― Vou passar um tempo com a Amy e Sam. ― Ele assente,
compreendendo. ― Preciso ficar perto da Sam, tudo isso que aconteceu a
deixou bem abalada. Preciso conversar com o médico dela também, tenho
medo de que isso acaba afetando no seu tratamento.
― Me preocupo com isso também. É a melhor coisa a fazer.
Bebo um pouco de água.
― Eu sei que foi você que fez a Liz cair na real sobre os sentimentos
dela, e eu quero te agradecer por isso.
― Não tem que agradecer nada. É algo que estava explícito para todo
mundo, menos para ela. ― Ele se levanta e se aproxima da janela. ―
Vou te dizer a mesma coisa que eu disse para ela, quero vê-la feliz, é
importante para mim. E estou feliz por você também, de verdade. ― Se vira
para olhar para mim, e posso ver sua sinceridade.
― Obrigado. Às vezes me pego pensando em como chegamos a tudo
isso, é uma coisa louca. Acho que nem se fosse em livro seria tão elaborado
desse jeito.
― Verdade. ― Ri. ― Acontece com as melhores famílias.
Depois de alguns minutos, Oliver entra no quarto, chamando a nossa
atenção.
― Estou indo, preciso me despedir de todo mundo. Vejo vocês em
Kingston ― diz. ― Se cuida, se precisar de alguma coisa, me liga.
Aceno e ele sai logo em seguida.
― E aí, como você está?
― Já tive dias melhores. ― Rimos.
― Você deu um susto danado na gente ― diz, se sentando na cadeira
que Kyle estava momentos antes.
― Espero nunca mais passar por isso. Cadê todo mundo?
― Estão vindo para cá.
― Não vejo a hora de sair desse hospital, voltar para casa.
― Relaxa, cara, daqui a alguns dias você estará em casa de novo.

Steve
Desde o momento em que o Octavio me ligou para dar a notícia sobre
o Davon, não consigo acreditar que ela tinha ido tão longe. Há dias que tento
falar com ela e nada de me atender.
Já estou desistindo da ligação quando ela atende.
― Steve, espero que esteja me ligando para me passar alguma
informação e não para me encher com o seu sentimentalismo pelo rapaz. ―
Sua voz fria não tem um pingo de remorso.
― Como você pôde ir tão longe assim? Quase matou o rapaz. Você
disse que não faria nada que o prejudicasse, seria só um susto.
― E não fiz, foram só alguns hematomas. Me arrependi de ter
atendido essa merda de ligação. O que você tem com isso? São os meus
negócios e eu faço o possível para ninguém me atrapalhar. Achei que tinha
deixado isso bem claro para você.
― Você não precisa esclarecer nada, Katherine. Eu te conheço tão
bem, só que dessa vez você foi muito longe.
― Estou cansada da mesma ladainha, Steve. Faça como eu, ligue o
foda-se. O seu problema é se importar demais.
Fico em silêncio e ouço sua risada.
― Você não envolveu o Matt nisso de novo, né?
― Deixa que do Matt cuido eu, não se preocupe, ele sabe ser bem
mais corajoso que você. Acredita?
― Ele ainda pode ser pego.
― Ele não é burro, sabe se virar. ― Faz uma pausa. ― Sabe o que eu
estava pensando? E quando tudo isso acabar, o que vai ser de você? Saber
que esse seu disfarce de bom marido, pai, vai acabar logo. Triste, né? E
somente eu estarei do seu lado.
Para mim não é disfarce algum, e ela sabe disso, está cansada de jogar
na minha cara a minha fraqueza.
― Não adianta questionar minhas escolhas, meu caro, não fará
diferença, de qualquer jeito.
Fecho as mãos em punhos.
― Ah, antes de desligar, quero agradecer o seu alerta, salvou as
nossas peles. ― Ri debochadamente.
Me jogo na cama, tampando meu rosto. Estou com tanta raiva e sem
saber o que fazer. Meu celular toca e o pego achando que é ela. Meu coração
logo se aperta quando vejo o nome da Liz.
― Oi, pai ― me saúda, toda animada. ― Tentei te ligar antes, mas
não estava conseguindo.
― Desculpa, querida, estava em outra ligação. Você está bem?
― Sim, na verdade, todos estamos. Davon está se recuperando bem,
vamos voltar para Kingston em alguns dias. Não conseguiria viajar para ficar
comigo e meu pai? Estamos sentindo sua falta.
Sorrio. Sentindo minha garganta se fechar.
― Ele tenta não demonstrar, mas eu já o peguei várias vezes olhando
fotos de nós três.
― Seu pai tenta se fazer de durão.
― Mas quando o assunto é você e eu, ele não consegue disfarçar. ―
Rimos. ― Você vai tentar, né? Preciso tanto de você nesse momento, dos
conselhos e abraços do meu pai.
― Eu vou tentar, meu amor. ― Seco o rosto molhado pelas lágrimas.
― Isso já é alguma coisa. Preciso desligar agora. Amo você.
― Eu também, querida, não se esqueça disso.
― Eu não irei ― diz, toda decidida.
Tenho medo da reação dela quando descobrir toda a verdade sobre
mim, meu passado, meus segredos mais escondidos.
32
“E eu sei, e sei que está em sua mente
Que está em sua mente quando eu te beijo
Mas eu quero fazer o que você quiser.”
Feelings • LAUV

Ryan
Assim que entro no carro, retiro o boné e óculos escuros. Os vidros
escuros impedem de verem meu rosto sem os dois objetos. Conecto meu
celular ao bluetooth do carro, e é o tempo de fazer isso que aparece uma
chamada do meu amigo.
Atendo enquanto saio do estacionamento do mercado.
― Fala, cara? A que devo a honra? ― pergunto, rindo.
― Eu deveria ir até aí e te chutar por fazer me preocupar por não
atender minhas ligações nos últimos dias. ― Seu tom de voz não está
agradável.
― Nossa, que violência, amigo ― provoco, para amenizar o clima
tenso.
― Ryan, estou falando sério. Não respondeu nem mesmo as
mensagens que te mandei. Fiquei preocupado.
― Eu sei! Estava resolvendo aquele negócio, não tive como
responder ou retornar as ligações ― explico.
― Tente não sumir como fez dessa vez. Quando você volta?
― Só depois que resolver tudo, tenho muita coisa ainda. Estou sem
previsão, mas espero que logo ― concluo, já entrando na rua da casa deles.
― Assim eu espero. Me diz, como foi reencontrar a Liz?
Paro o carro em frente à fraternidade.
― Eu me arrependo de ter ficado tanto tempo longe. Vou precisar
desligar agora, nos falamos melhor assim que eu puder.
― Pelo menos dê sinal de vida.
Assinto, mesmo que ele não esteja vendo e desligo a chamada.
Já havia passado duas semanas desde o atentado contra o Davon e
Evan. O trabalho na agência redobrou desde o acidente, e com a loucura toda,
não consegui falar com nenhum dos dois.
Um dos rapazes que mora na casa me fala onde fica o quarto do Evan,
então não preciso ficar procurando. Bato à porta do seu quarto e espero que
abram, enquanto dou uma olhada pelo corredor, observando as portas
fechadas.
A porta a minha frente se abre, e Evan franze a testa, confuso.
― Oi, vim ver como você está ― digo.
Ele dá passagem para que eu possa entrar no seu quarto, então
observo atentamente o ambiente.
― Conta outra, Ryan. ― Seu tom de voz é transparente, não acredita
nisso.
― Octavio me pediu para ver como você está.
― Não precisava se dar o trabalho de vir até aqui.
― Eu sei, mas quis fazer assim mesmo. ― Fico o encarando, ele sabe
que esse não é o único motivo que me fez aparecer aqui.
― Qual o real motivo de ter vindo aqui? ― Lá está a pergunta.
― Você, sempre esperto. Isso não mudou. ― Continuo sorrindo. ―
Então é aqui que você mora.
Evan dá uma risada debochada.
― Não precisa enrolar tanto. Você sempre foi o cara que ia direto ao
ponto na conversa, acho que isso não mudou.
― Não mesmo! Elizabeth me contou algumas coisas interessantes
sobre a sua relação com o Davon e com ela. ― Pauso. ― Que você contou
para ela sobre o Davon. E sabe o que é estranho nisso, Evan, que você só
contou para ela quando percebeu que sua ex-namorada tinha escolhido ficar
com o seu amigo.
― De onde tirou isso? ― Ele ri, nervoso.
― Você não me engana. Eu sei que o que você fez pela Elizabeth não
foi por ela, foi por você. Você não queria que ela ficasse com o Davon, ainda
tem sentimentos por ela.
― Isso não é verdade, considero a Liz como uma irmã.
― Conta outra, Evan. ― É a minha vez de dizer a ele. ― Te conheço
desde sempre. E quando viu que, com a volta do Davon da Itália eles iam
reatar, usou o segredo dele para falar com o Octavio. Você é amigo dela,
Evan, devia ter contado pela amizade de vocês e não ter deixado Davon usá-
la.
― Quem é você para falar de amizade? ― pergunta. ― Você foi
embora, sumiu da vida dela durante anos.
Não deixo transparecer que ouvir isso me afeta. Me arrependo muito
de ter feito isso.
― Isso não vem ao caso. Não que eu te deva satisfações, mas na hora
certa todo mundo vai saber o motivo de eu ter passado tanto tempo longe.
― Então te digo o mesmo, e não preciso dar satisfação da minha vida.
― Pra mim não, mas a Elizabeth sim. Ela precisa saber o verdadeiro
motivo de ter feito o que fez.
― Não, não precisa. Naquela época eu fiz pelos motivos errados, mas
no final deu certo. Ela precisava saber e eu não tenho sentimentos por ela,
achei que tinha, mas não tenho. Nós somos apenas amigos, Ryan, hoje eu
vejo isso.
Consigo sentir verdade em suas palavras.
― E contar pra ela agora só vai fazer mal, só vai fazê-la sofrer. Ela
merece ser feliz, você não acha?
― Sim.
― Se é só isso que o fez vir aqui, pode ir embora ― Evan diz, sem
rodeios.
― Estou de olho em você.
― Quando você não esteve?

Liz
Faz um mês desde que tudo aconteceu e agora estamos no Canadá.
Davon resolveu passar alguns dias com a Sam e Amy, mas precisou voltar
por conta das aulas. Já havia tirado o gesso do braço, sua recuperação está
indo muito bem.
E sobre nós, decidimos ir devagar, sem pressa alguma. Queremos que
dê certo agora, e sem nenhuma mentira no meio. Eu torço para que nada nos
impeça de ficarmos juntos.
No período em que ficou com a Sam e Amy, estávamos sempre
conversando por mensagens ou chamadas de vídeo. Sam não deu mole para o
irmão, mas dava para ver o tamanho do seu amor por ele só pelo jeito que o
olhava. E ela também se tornou a minha preocupação. Estava com medo de
que fosse afetada com o que havia acontecido.
Davon já tinha falado com o médico dela, agora é esperar para ver
como tudo vai acontecer.
Neste momento estou indo para a fraternidade, eu e o pessoal
combinamos de fazer algo por lá, já que depois de tudo o que aconteceu, meu
pai acha melhor não ficarmos tão expostos a Katherine.
Quando estaciono o carro, Davon me espera do lado de fora da casa.
Sorri enquanto caminha ao meu encontro.
― Oi.
― Oi, Bess.
Nos abraçamos e ele me dá um beijo no canto da minha boca, antes de
segurar a minha mão para entrarmos na fraternidade. Nossos amigos estão
levando numa boa a nossa volta, e mesmo sem falarem nada, dá para ver que
apoiam e torcem para que dê certo dessa vez.
Encontro as meninas sentadas no sofá e os meninos jogando. Não faz
nem um minuto que entramos quando batem à porta da frente. Ethan sorri
quando a abro e pulo em cima dele para abraçá-lo.
― Cadê o Noah? Achei que vinha com você ― digo, quando me
afasto.
― Eu acho que ele não vem, tentei falar com ele o dia todo, e ele não
retornou. ― Dá de ombros.
― Que estranho. ― Assente. ― Podemos tentar falar com ele depois.
Tento pensar que ele só está ocupado e não viu as ligações. Mas é
difícil não me preocupar com os meus amigos depois do que a Katherine fez.
Quando estamos todos na sala, Davon chama a nossa atenção.
― Tenho uma novidade para contar a vocês. ― Sorri. ― Fui
convidado para cobrir o maior evento de Kingston. ― Dá de ombros,
sorrindo.
― Não acredito! ― grito e vou abraçá-lo. ― É uma das coisas que
você sempre quis. Parabéns, você merece.
― Obrigado.
Logo todo mundo se aproxima para abraçá-lo, parabenizando-o.
― Vai convidar a gente para te prestigiar, né? ― Evan pergunta
assim que se afasta do abraço.
― Vou pensar no caso, não quero que vocês me façam passar
vergonha.
Riem.
― E quando vai ser? ― Oliver pergunta.
― Daqui a algumas semanas, ainda preciso ver como vai ser.
Estamos eufóricos com a notícia. Quando Davon e eu estamos a sós,
digo o quanto estou feliz.
― Estou muito feliz por você. ― Passo o braço ao redor da sua
cintura.
― Parece que as coisas estão dando certo agora na minha vida. ―
Sorri, retribuindo a abraço.
Assinto.
― E estou feliz que você e o Evan se aproximaram novamente.
― Depois de tudo que passamos, essa foi a melhor coisa que
aconteceu.
É bom ter essa reunião de amigos depois do que houve, me dá
esperança de que tudo ficará bem. Depois de horas, todos resolvem ir
embora, então me despeço das meninas.
― Você já vai, Liz? ― pergunta Ethan, parado a minha frente.
― Pensei em passar essa noite aqui. ― Olho para Davon.
Ethan sorri antes de me abraçar para se despedir. Sinto quando Davon
me abraça por trás, deixando um beijo quente no meu pescoço. Minha pele
arrepia e não sou a única a perceber isso, já que ele sorri, ainda com a boca
no meu corpo.
― Estava só pensando? Não vai mais?
― Ainda não me decidi. ― Faço uma expressão pensativa ao me
virar para ele. ― Acho que você pode me ajudar a decidir.
― É?
Assinto, aproximando nossos lábios.
Katherine
Olho para o visor do celular e vejo o nome do Matt na tela. O garoto,
como sempre, está sendo bem eficiente, não me decepciona em nada, e ainda
faz tudo como eu ordeno.
― Como estão as coisas por aí?
Matt está vigiando Liz e os amigos. Se eles imaginam que depois do
que que mandei fazer com o Davon eu sumiria, então não me conhecem
muito bem. Eu posso estar quieta, mas estou só esperando o momento certo
para agir, coletando informações de tudo o que preciso.
― Estão todos na fraternidade ― informa.
― Quantos seguranças?
― Dois.
Octavio está cada vez mais prevenido. Está fazendo o certo, ele sabe o
quanto eu posso ser um tanto exagerada nas minhas decisões e onde elas
podem levar.
― Fique mais um pouco, mas se vir que está arriscando demais a sua
permanência aí, saia.
― Sim, senhora ― responde, irônico.
― E me informe se tiver algo útil que possa me servir.
Encerro a ligação, voltando a atenção ao notebook a minha frente. Os
lucros que tinham caído desde que Octavio começou a atrapalhar meus
planos, começaram a melhorar ultimamente.
― Algo errado? ― sussurra perto da pele do meu pescoço, enquanto
começa uma massagem nos meus ombros.
― Não. ― Sorrio. ― Está melhor do que eu poderia imaginar. ― Eu
me viro, ficando com os nossos rostos próximos.
― Então está ótimo. ― Ele me beija, e antes que isso possa levar para
algo mais, me distancio dele.
― Não, ainda não. ― Mordo o lábio. ― Preciso resolver mais
algumas coisas sobre a próxima entrega das mercadorias, fazer uma ligação.
Aí sim, vou estar livre.
Ele sorri, levantando as mãos como se estivesse se rendendo, se
afastando aos poucos.
― Vou te esperar no quarto.
― Claro.
Volto a focar no que preciso e logo que finalizo, pego o celular para
ligar para o Steve.
― O que você quer? ― Sua voz sai rude, o que me faz rir.
― É assim que você fala com...
― Fala logo o que você quer, não estou com paciência para papo-
furado.
― Ui. Juro que quase me deu medo esse seu tom. Quase, porque eu
sei que é só fachada. ― Solto uma gargalhada.
― Katherine.
― O.k., eu já entendi. Vamos direto ao ponto. Não reclame depois
por dizer que não me importo com você.
― Acha que vou acreditar nisso? Você não se importa com ninguém
além de si mesma. Sou apenas um capacho seu, zero importância.
― Talvez. Mas acho que no fundo nem você acredita nas suas
palavras, e você sabe o motivo de não acreditar nisso.
Acho que vai rebater, mas apenas insiste para que eu diga logo o
motivo da ligação.
― Preciso que descubra como as informações sobre mim estão
chegando até o Octavio.
― Não irei descobrir nada. Não precisa dessa informação, você
mesma pode descobrir.
― Não estou pedindo, Steve.
Escuto sua respiração profunda. Simplesmente desliga a ligação, mas
eu sei que a reação é positiva.
33
“Inegável (é nosso amor)
Inesquecível (é nosso amor)
Nada se compara a quando
Eu sinto você na minha pele.”
Natural • ZAYN

Liz
Entramos no quarto nos beijando. Davon fecha a porta com o pé, me
encosta nela e apoia a testa na minha enquanto respiramos com dificuldade.
― Eu sei que combinamos em ir devagar, mas...
Interrompo-o quando volto a beijá-lo. Caminhamos em direção à
cama e ele se afasta novamente, se sentando e me puxando para o seu colo,
então prendo minhas pernas em sua cintura.
― Bess, eu sei que já te pedi desculpas milhares de vezes, mas
preciso pedir mais uma única vez. ― Assinto. ― Prometo que nunca mais
vou mentir para você, nunca mais vou esconder nada. Vou ser sempre
verdadeiro em tudo.
Assinto novamente, sorrindo. Não esperava que fôssemos viver isso
de novo, que eu fosse algum dia sentir o que sinto agora, estando com ele,
nos dando mais uma oportunidade.
― O que sinto por você não mudou, eu continuo te amando como
antes, mas eu quero que a gente dê certo agora. Vou fazer de tudo para dar
certo. Você confia em mim?
― Eu confio.
Ainda sorrindo um para o outro, beijo-o. Passo meus dedos em seus
cabelos para que possamos estar mais próximos para a entrega do beijo. Com
a outra mão, puxo sua camiseta e passo a mão por baixo dela. Davon suspira,
segurando meu rosto para ter um acesso melhor da minha boca.
― Você tem certeza? ― pergunta ao se afastar um pouquinho.
― Sim ― respondo, decidida.
É algo que eu quero, e não há nenhum espaço para dúvidas. A
respiração dele fica mais intensa, como se a minha certeza o tivesse excitado,
então ele toma meus lábios, abafando um gemido em minha boca.
― Você não sabe como senti falta disso ― sussurra entre beijos
distribuídos pelo meu pescoço.
Há uma urgência em seus movimentos, a saudade que sentimos é
enorme.
― Já disse o quanto você é perfeita? ― Sua voz é carregada de
desejo.
Levanto meus braços enquanto ele desliza minha blusa para cima,
jogando-a no chão em seguida. Ele se afasta e olha em meus olhos por um
instante, talvez para sentir se há hesitação.
― Davon ― sussurro ―, não pare.
Ele sorri e mordisca o lóbulo da minha orelha com um gemido.
― Não vou. ― Sua voz sai rouca.
Ele percorre meu pescoço e minhas mãos descem para tocar sua pele
sob a camiseta. Meu dedo indicador percorre por dentro do cós da calça até
encontrar sua ereção. Solto um gemido, me segurando para não ir rápido
demais. Este é o nosso momento e eu sei, lá no fundo, que será perfeito como
sempre foi.
Quando estou completamente nua, em uma grande desvantagem, já
que Davon permanece com todas as suas roupas, ele me coloca sobre a cama
e se afasta para me olhar com intensidade. Sorrio, porque sei que Davon não
fará nada diferente do que transformar esse momento em algo inesquecível.
Por mais que haja urgência queimando na pele, ele será romântico. Aqui, não
somos apenas dois corpos saciando-se.
Nossos corpos nus se encontraram, então fazemos amor enquanto
nossos olhos não se desviam um do outro, como se pudéssemos registrar para
sempre o momento. Depois que cada toque, cada gesto e a batida de nossos
corações ficam registradas na própria alma, damos vazão aos desejos mais
primitivos, então não há mais gentileza. Se antes havíamos marcado nossas
almas, agora marcamos nossos corpos com uma urgência voraz de
pertencermos um ao outro.
Não há dúvida que com Davon será sempre assim, completo, como
nunca antes.

Davon
Faço círculos na pele do seu braço com o dedo. Estamos deitados na
cama, a cabeça da Liz em meu peito. Tenho certeza de que pode escutar o
som do meu coração ritmado enquanto compartilhamos a mesma felicidade.
Suspiro profundamente, amando esse nosso momento.
― O que foi? ― pergunta.
― Estava pensando no nosso futuro. ― Beijo sua testa. ― Quando
vamos poder viver em paz, sem o medo do que aquela mulher pode fazer.
― Eu também me pego pensando nisso. ― Ela se vira para olhar para
mim. ― Me conta como era sua vida antes, como foi crescer na Califórnia
com a Sam?
A sua pergunta me pega de surpresa, mas acho que ela deve conhecer
mais sobre o meu passado.
― Eu era um irresponsável. ― Dou risada só de lembrar das coisas
que me metia. ― Sempre arrumava problemas, mas era um bom aluno, disso
meus pais não tinham do que reclamar. Parando para pensar, não me lembro
de muita coisa, minhas memórias são resumidas em passar mais tempo na
casa dos Soyer, e Sam, quando não estava com a minha mãe, estava com
Luna.
Ela me escuta atentamente.
― Kyle estava sempre me ajudando em algum problema, o único que
tinha juízo de nós dois.
Ela ri.
― Por que isso não me surpreende? Consigo montar uma imagem sua
perfeitamente.
Cutuco-a, fazendo-a rir.
― Mas amava a minha vida, perder tudo foi um impacto grande para
mim e Sam.
― Eu não consigo imaginar. Você pensa em algum momento voltar a
usar o nome Taylor?
― Não ― respondo. ― Deixei tudo isso no passado, incluindo o meu
nome e sobrenome. Não sinto falta de quase nada daquela época, a não ser da
minha mãe.
Assente, compreensiva.
― E como ela era?
― Ela era perfeita. Eu a amava muito e ela nos amava também. A
forma que ela demostrava isso... ― Paro para organizar as palavras. É sempre
difícil me lembrar dela. ― Tão protetora, por mais que fosse uma esposa
submissa às vontades do meu pai, muitas vezes ela o enfrentou para me
defender. Era uma grande mulher.
― Queria muito ter conhecido sua mãe.
― Eu também queria muito que tivessem se conhecido. ― Me inclino
para poder beijá-la. ― Fico feliz por ela ter tido a amizade do seu pai. Uma
pena eu não me lembrar dele.
― Seria diferente se tivéssemos crescido juntos.
― Sim. ― Sorrio. ― Sabia que um mês depois que você foi para a
Los Angeles, eu fui atrás de você? Estava decidido a te encontrar para
explicar os motivos da decisão que tomei. ― Como me arrependo dos meus
erros.
Ela se senta, surpresa, para poder olhar melhor o meu rosto.
― Você foi atrás de mim?
― Quando eu cheguei lá, me toquei que estava fazendo tudo errado,
que o certo era te dar espaço e torcer para que eu tivesse uma oportunidade de
me explicar um dia.
Ela me olha sem saber o que dizer. Puxo-a para se deitar novamente
em meu peito, voltando com as carícias.
― Mas fui para outro lugar, fui parar na frente da minha antiga casa.
As lembranças vieram tão de repente, que senti falta de tudo, então fui visitar
o túmulo da minha mãe. Eu não ia há muito tempo naquele lugar. Consegui
me abrir enquanto conversava com ela, como se ela estivesse ali me ouvindo.
Respiro fundo, é como se estivesse lá nesse momento.
― Senti que o muro que ergui para proteger a Sam e a mim desabou,
e me permiti ver tudo de uma maneira diferente.
― Sinto muito por tudo que passou. ― Sua voz baixa demonstra o
quanto escutar isso a afeta. ― Mas fico feliz em você ter a Sam, por terem
passado por tudo junto.
― Sim, não saberia o que seria de mim se não a tivesse como apoio,
como sobreviveria se tivesse perdido a Sam também.
― Não perdeu. Foi difícil, mas tiveram um ao outro.
― E agora eu tenho você.

Anônimo
A ligação que eu estava esperando, acontece. Sorrio quando vejo seu
número na tela, estou gostando de como tudo está se desenvolvendo da
maneira que eu quero, sem deixar ninguém desconfiado.
― E então? ― pergunto, interessado.
― A Katherine está com um próximo carregamento chegando.
― Me passa os dados por mensagem, vou dar um jeito de fazer isso
chegar nas mãos do FBI também.
― Ela tá desesperada para saber como as informações dos
carregamentos estão chegando até ele.
Rio. Ela nem imagina como.
― Ela não está desconfiando de nada?
― Ela até desconfia, mas sou a última pessoa que ela desconfiaria.
Estou fazendo muito bem meu trabalho.
― Coloquei a pessoa certa no papel, então ― elogio. ― Minha volta
está cada vez mais próxima.

Octavio
Mais uma vez a informação sobre os carregamentos da Katherine
havia chegado a nós, e mais uma vez não sabíamos de onde veio ou de quem
era.
Tem todo um mistério por trás disso. Quem será que está nos
ajudando, e por quê?
Entro na sala dos equipamentos de rastreio e olho para as telas
grandes a minha frente.
― Conseguiu alguma coisa? ― pergunto para o membro da minha
equipe que tenta localizar de onde a informação veio.
― Nada ainda, senhor. ― Observo seus dedos baterem rapidamente
nas teclas. ― Quem está por trás disso, sabe muito bem o que está fazendo.
Ele não deixa nenhum rastro, sempre com servidor e e-mail diferentes.
― Sim. Mas essa pessoa deve ter falhado em alguma coisa, preciso
que encontre. Uma hora ele vai deixar alguma coisa escapar e aí o pegamos.
― Precisamos aproveitar essas informações e pegar a Katherine em
algum momento ― o agente da equipe responde.
― Isso aí. Vamos trabalhar, temos muito trabalho hoje, e precisamos
mais uma vez acabar com os planos da Katherine.
Vou para a minha sala pegar o que eu preciso antes de sair da agência.
Resolvo fazer a ligação que estou adiando por um tempo, mas que no
momento é preciso.
― O que precisa? ― Atende, já perguntando. É assim que funciona o
nosso contato, tudo é direto, sem pausas ou questionamentos.
― Preciso que você investigue algo para mim. ― Passo tudo o que eu
preciso enquanto ele só me ouve.
― Mas ele sabe?
― Não. Não quero que ele saiba de nada.

34
“Não me sinto assim por um tempo agora
Acho que finalmente consegui descobrir isso
E estou me sentindo tão bem, me sentindo tão bem.”
Feelin' So Good • Ashley Tisdale
Liz
Estamos acordados faz um tempo, e passamos todo o momento
desfrutando o silêncio do quarto, enquanto Davon acaricia meu braço. Sinto
que não sou só eu que estou com os pensamentos longe, mesmo que
estejamos desfrutando do momento.
― Quais são seus planos para hoje? ― pergunta.
― Combinei que ia ajudar o Ryan na mudança dele para o novo
apartamento ― digo.
― Achei que íamos passar o dia juntos.
Minha oportunidade de responder é interrompida por batidas à porta.
Davon se levanta para atendê-la, bloqueando um pouco a minha visão da
entrada.
― O pessoal combinou de jogar lá na quadra, vamos? ― Ouço a voz
do Oliver.
― Não posso jogar ainda, mas posso assistir ― Davon diz.
Eles combinam de se encontrarem lá antes de ele fechar a porta. Já
estou de pé, vestindo a roupa.
― Sabe de uma coisa? Vou convidar o Ryan para ir com a gente,
assim vocês o conhecem melhor e de lá eu vou com ele ajudar na mudança.
Ele se aproxima e me abraça por trás, beijando meu rosto.
― Minha namorada tem umas ideias geniais.
Rio e me viro para o encarar.
― Eu não sabia que tinha voltado a ser sua namorada.
É a vez de ele rir.
― Você quer que eu faça o pedido de novo?
― Não precisa. ― Beijo-o. ― Vou ligar para o Ryan.
Na ligação com o Ryan, é preciso de um pouco de persuasão e
garantia que ele vai se divertir com meus amigos. Quando aceita, mando o
endereço por mensagem.

Quando Davon e eu chegamos, nossos amigos já nos esperam. Não


muito tempo depois Ryan chega também. Ele, com seu habitual boné e
óculos escuros, se aproxima da gente.
Vou até ele para o abraçar.
― Você veio mesmo ― digo.
― Tinha que garantir que a minha ajudante ia voltar comigo.
― Vamos lá cumprimentar todo mundo. ― Rio e passo meu braço
pelo dele.
Eles já tiveram a oportunidade de se verem antes, então já sabe quem
é quem.
― Vocês já se conheceram, então não precisa de apresentações ―
falo, sorrindo.
Ryan abraça as meninas e dá um beijo no rosto delas. Cumprimenta o
Oliver, Ethan com o Evan logo depois. Noah não pôde comparecer, como da
última vez.
― E aí, Evan? ― Ouço sua voz indiferente enquanto fala com meu
amigo. O outro só faz um gesto com a cabeça, não dando muita importância
também.
Aperta a mão do Davon também, sem muitas delongas.
― Espero que esteja preparado para perder ― Oliver fala para Ryan,
que solta uma risada.
― Eu não vim aqui para perder.
Reviro os olhos para seu convencimento.
― Então, vamos jogar? ― Ethan pergunta, enquanto pega a bola.
― Claro ― Ryan responde, tirando a jaqueta e ficando ainda com o
boné.
Todos vão descendo para a quadra, então me sento com as meninas e
o Davon em um dos bancos. Antes que elas possam me questionar mais sobre
ele, Ryan chama meu nome, chamando a atenção de todos.
― Você não vem? ― Ryan pergunta. E sem esperar a minha resposta,
acrescenta. ― Quero a Elizabeth no meu time.
― Mas a Liz não joga ― Davon responde.
― Como assim você não joga? ― grita, todo surpreso, me fazendo
rir.
― Desde que me mudei para cá, nunca mais joguei.
Oliver cai na risada.
― Você sabia que ela joga? ― Davon questiona o amigo.
― Eu sei que ela joga futebol, e não basquete.
Ele olha para mim e dou de ombros, sorrindo.
― Vai jogar comigo ou não? Vamos fazer o nosso antigo trio.
Ficamos Ryan, Evan e eu, contra Ethan, Oliver e Mason. E assim
começamos o jogo, a pontuação sempre acirrada, até que a gente consegue
vencer com dois pontos na frente.
No final do jogo, fazemos uma roda para nos sentarmos para
conversarmos um pouco. Davon se senta ao meu lado e me abraça.
― Você estava linda jogando ― sussurra.
― Estava é? ― Dou um beijo nele.
― Então vocês estão namorando de novo? ― Ana pergunta.
― Sim ― Davon confirma.
― Resolvemos nos dar mais uma chance ― digo, olhando para o
Davon.
Todo mundo assente. O papo flui, e em algum momento surge o
assunto do Evan dizendo que Ryan uma vez o ameaçou por minha causa.
Todos começam a rir.
― Vocês não têm noção. Ele me passou um medo, que acho que
fiquei uns bons dias sem ir à casa dela.
― Nem foi algo assustador assim. ― Ryan dá de ombros, fingindo
não gostar daquela confissão.
― Para um adolescente, aquilo foi assustador, sim.
― Você sempre agiu como meu irmão mais velho.
― Vou continuar agindo assim. ― Dá um sorriso significativo para
Davon, que ri ao meu lado.
― Já que estamos em momento “perguntas”, eu tenho uma ― Ethan
fala. ― Por que você o deixa chamar pelo nome e a gente não?
― Porque é uma coisa nossa. Era mais fácil encontrá-la nos lugares.
Só precisava gritar “Elizabeth” e ela aparecia. Ela odiou no começo, mas se
acostumou com o tempo.
― Nossos pais trabalhavam juntos e ficamos próximos. Até que o
Ryan foi embora e fiquei muito brava com ele. ― Rio.
― Ela ficou muito brava mesmo ― Evan concorda.
― Fiquei brava porque todo mundo foi embora, você, Evan. ― Olho
para a Nina. ― Ainda bem que você tinha chegado, amiga, foi a minha
salvação. ― Mando um beijo para ela, que retribui fazendo um coração com
as mãos.
― Vai poder descontar toda a raiva nos treinos depois ― Ryan
implica.
― Treinos? ― Ana questiona.
― Treinávamos juntos com o Octavio, ele foi o nosso professor ―
explica. ― Preciso confessar que muitas vezes, quando a Elizabeth estava
brava comigo, saía da sala muito dolorido. Ela batia de verdade, nunca deu
trégua.
Rio ao me lembrar de vários momentos como esse.
― Você me tirava do sério. Talvez, se vocês passassem um dia com
ele, concordariam comigo.
― Exagerada demais. Outra coisa, ela tem uma pontaria muito boa, se
brincar, melhor que a minha. Já fui acertado demais por coisas. Só para dizer
que ela não é tão amorosa assim como pensam.
Todos caem na gargalhada.
― Isso é verdade ― Davon entra na brincadeira. ― Já sofri demais
com essa aí.
Nossas conversas continuam, mas eu percebo que o Ryan sempre está
atento ao que acontece ao redor.
― Nunca imaginei que um agente do FBI poderia ser tão descontraído
assim ― Oliver comenta, fazendo todos rirem.
― Quando estou em trabalho é outra coisa.
Depois de um momento, ele coloca os óculos escuros e se levanta.
― Vamos, Elizabeth? ― Estende a mão para mim. Assim como nós
dois, logo todos estão de pé. ― Uma pena não poder ficar mais, temos uma
mudança para organizar.
Me despeço de todo mundo, Ryan também, então ouço muitos
comentários sobre marcarem algo juntos depois.
― A gente se vê? ― pergunto ao Davon assim que o beijo.
― Mais tarde eu passo na sua casa. ― Sorri, me dando mais um
beijo.
Nos afastamos do grupo e paramos ao lado do seu carro.
― Seus amigos são legais, mas não tão legais como eu. ―
Acrescenta, todo convencido. Dou uma cotovelada nele, era de se esperar um
comentário assim.

― Escolheu um apartamento bem longe da gente. ― Observo


enquanto ele dirige para longe da área que fica a casa que meu pai tinha
alugado.
― Sim, o único que me agradou não ficava perto de vocês.
Ele escolheu quase um dos últimos andares. A entrada no prédio
precisa ser autorizada. Ryan diz que depois deixará meu nome como uma das
pessoas que pode entrar sem precisar de autorização.
Assim que entramos, começo a observar o ambiente amplo e
organizado, como ele gosta.
― Ah, você trouxe pouca coisa. ― Olho para a sala sem muitos
objetos, até a estante no canto da parede está vazia, tem só alguns porta-
retratos.
― É porque eu não vou ficar por muito tempo, quando tudo acabar
volto para Nova Iorque.
― Ah! ― respondo, tentando não me impressionar com isso.
― Mas quem sabe eu não te leve comigo, né? ― sugere, sorrindo. ―
Quando eu for embora, não vou sumir de novo.
― Acho bom mesmo.
Tenho certeza de que ele nota o alívio em minha voz.
Ryan se senta no sofá e me observa enquanto continuo olhando a sala.
― Não acredito que você tem essa foto ― exclamo, pegando o porta-
retratos. Uma foto minha e dele mais novos. Anos antes de ele decidir ir
embora.
― Eu a levo para todo canto, Elizabeth. ― Sua voz sai um pouco
ressentida, como se quisesse que eu soubesse disso. Como eu iria? Para mim,
ele havia esquecido tudo que deixou para trás.
Sorrio ainda sem acreditar.
― Já comentei sobre você uma vez para as meninas.
― Por que não para os outros amigos? ― pergunta.
― Porque você sumiu. Era como se você não quisesse mais fazer
parte da minha vida ou do meu pai. Eu te mandava mensagens, e-mails. Eu
ligava e você nunca respondia. Então me senti meio que deixada de lado. Era
como se eu não fizesse diferença na sua vida. ― Sorrio de lado.
Ryan se levanta e vem em minha direção, me puxando para um
abraço.
― Você é minha irmãzinha ― diz. ― Minha mãe sente sua falta,
sabia? ― Nego com a cabeça ainda presa em seu peito. ― Ela sente e muita.
Sinto muito ter ficado todo esse tempo fora, mas um dia você vai entender
por que fiz isso.
Ele me solta, sorrindo. Realmente dá para ver o quanto ele sente
muito.
― E o meu melhor amigo sabe quem é você.
― Como assim? ― digo, eufórica.
― Eu sempre falei de você para ele, mostrei não só essa foto, mas
todas que tenho comigo. ― Sorri, todo orgulhoso.
― Me desculpa.
― Tudo bem! Eu também não fui um bom irmão, melhor amigo. Não
estive tão presente. Juro que quando eu voltar, não vou mais perder o contato
com vocês.
― Fico feliz em ouvir isso.
― Você podia ter pedido para o tio Octavio me procurar.
― Não. Se você não queria contato comigo, por que eu iria atrás de
você?
― O tio Octavio sabia onde eu estava.
― Eu sei que sim. ― Dou de ombros.
― E como está você e o Davon agora que voltaram? ― pergunta
enquanto nos sentamos no sofá.
― Estamos bem, tenho certeza de que agora vai dar certo. Colocamos
todos os pingos no is.
― Você sabe que quando o Evan te contou sobre o Davon...
― Foram pelos motivos errados ― completo.
― Ah, então você sabia ― declara.
― É claro, não sou idiota, Ryan. Conheço o Evan desde que saímos
das fraldas.
― Foi por isso então que ficou sem falar com ele por um tempo ― é
mais uma afirmação que uma pergunta.
― Sim, foi por isso.
― Eu conversei com o Evan sobre isso.
― Então foi por isso que você estava estranho com ele.
― Sim.
― Você sempre querendo me defender. ― Sorrio.
― Vai ser sempre assim, Elizabeth. ― Ele me puxa para um abraço
ao mesmo tempo que o seu notebook apita, indicando uma ligação de
videochamada.
Ryan sai para pegar o notebook e volta conversando com alguém.
― Eu quero que vocês conheçam uma pessoa ― diz ao se sentar ao
meu lado, com o notebook no colo. ― Essa é a Elizabeth que eu tanto te
falei. E esses são os meus melhores amigos. Dominic e sua irmã Rachel.
― Olá. ― Aceno com a mão.
― Ah, então você é a famosa Elizabeth ― Dominic fala, sorrindo. ―
Prazer em conhecê-la.
― Só Liz, por favor ― peço, sorrindo.
― Ryan fala muito de você, falava ainda mais quando estava por
aqui.
Olho para ele sorrindo de lado ao ouvir algo que me deixa feliz.
Mesmo a distância, ele se lembrava de mim.
Encaro a tela do notebook e noto a semelhança dos irmãos.
― É bom saber disso ― digo, rindo.
― Não se sinta muito, não. ― Me dá um cutucão. ― Dom está
ficando em Chicago a trabalho e Rachel mora em Nova Iorque.
― O que me faz te perguntar quando você volta para casa. ― Um
homem moreno aparece por trás de Rachel, beijando o rosto dela.
― Logo que eu finalizar alguns casos por aqui, Nathan ― responde.
― Esse é o Nathan, marido da Rachel.
― E aí? ― cumprimenta. ― Essa é a Elizabeth?
― A própria ― respondo, sorrindo. Pelo jeito, todo mundo sabe de
mim.
― Gostaria de poder ficar e conversar mais com vocês, mas vou
precisar roubar a Chel nesse momento. A babá nova está chegando e
precisaremos conversar com ela.
― Babá? Que babá? ― Dominic pergunta com um tom de voz
curioso. ― Vocês não me falaram nada.
― Conversamos amanhã, maninho ― Rachel fala para o irmão. ―
Nicholas está com saudades, Ryan, liga depois para falar com ele. ― Ele
assente, sorrindo. ― Foi um prazer te conhecer, Liz. Espero nos conhecermos
melhor depois.
― Digo o mesmo.
A expressão no rosto do Dominic é de pensativo depois da Rachel e
Nathan se despedirem da gente.
― O que foi, cara? Está preocupado com o quê? ― Ryan pergunta
depois de ver a expressão no rosto do amigo.
― Nada. ― Volta a sorrir, olhando para mim. ― Já conheceu
Chicago, Liz?
― Não tive a oportunidade ainda.
― Poderia vir com o Ryan me visitar algum dia, tenho certeza de que
vai amar a cidade. Cheio de pontos turísticos para visitar ― fala, empolgado.
― Quem sabe um dia ― digo.
A conversa é bem curta, logo a chamada de vídeo é desligada,
garantindo que em breve possamos ter a oportunidade de nos conhecermos
pessoalmente.
― Vou pedir alguma coisa para comermos enquanto arrumamos as
coisas. ― Ryan se levanta para pegar o celular.
― Me conta como é sua vida lá em Nova Iorque. Tem alguém
especial que faz seu coração acelerar?
Ele tira a atenção do celular para me encarar.
― Elizabeth, eu ainda sou muito novo para ter alguma doença no
coração ― fala, debochado. ― Ainda mais me prender a alguém, deixo isso
para você.
Damos risada.

*
Ryan me deixa em casa e combinamos de fazer alguma coisa juntos
depois. Assim que entro, encontro Nina descontraída sentada no sofá. Ela
vira a cabeça em minha direção quando me vê entrar.
― Não sabia que estava aqui, senão teria vindo antes ― digo,
enquanto nos abraçamos.
― Acabei de chegar.
Nos sentamos uma na frente da outra. Eu sei o motivo da presença
dela aqui, sua preocupação com as amigas sempre fala mais alto.
― Você tem certeza? ― Nem foi preciso perguntar, sei que se refere
ao meu namoro com o Davon.
― Sim. Agora as coisas vão ser diferentes, está tudo claro entre nós.
Não tem mais nada escondido ― digo, certa da minha decisão.
― Se é isso o que quer, fico feliz por você e torço pelos dois ―
declara antes de me abraçar.
― É muito bom poder contar com seu apoio.
Ela sorri quando me solta, já ficando de pé.
― Agora tenho que ir, só passei aqui para ter certeza de que está tudo
bem.
Vamos até a porta e damos mais um abraço de despedida. Me sinto
bem com o apoio que estou recebendo dos meus amigos, isso é importante.
Volto para dentro de casa para me preparar para a chegada do Davon,
mas acabo recebendo sua ligação horas depois dizendo que não pode vir.
― Vou precisar resolver umas coisas da universidade que ficaram
pendentes, só vamos poder nos ver amanhã.
― Tudo bem ― digo, desanimada.
― Eu te amo. Vou sonhar com você essa noite, já que não estará aqui.
― Eu também te amo.
35
“Agora que eu te encontrei, fique
E deixe-me te amar, baby
Deixe-me te amar.”
Can't Take My Eyes Off You • Joseph Vincent

Davon
Faz uma semana que Liz e eu estamos nos vendo todos os dias, e
nesse meio tempo a Sam também. Levei a Liz comigo, que ama poder passar
um tempo com a Sam e Amy.
É sexta à noite, e tínhamos combinado de irmos ao boliche. Liz passa
para me pegar, já que desde o que houve em Halifax, não tinha andado de
moto ainda. Estou me recuperando bem, mas é prescrição médica evitá-la por
um tempo.
Entro no carro da Liz e a beijo quando me sento ao seu lado.
― Estou com saudade de andar na minha garota. ― Ela me olha
confusa. ― De andar na minha moto.
Ela dá uma risada.
― Aproveita que você tem uma motorista só pra você.
― Eu faço bom aproveito dessa motorista.
Ela se inclina e beija o meu rosto.
Quando chegamos ao boliche, todos estão lá. A troca dos calçados é
rápida. Depois daqui, vamos comer em algum lugar.
Cumprimento todo mundo e vou na direção das meninas, dando um
beijo no rosto de cada uma.
― Já que todos chegaram, podemos separar o grupo ― Ethan fala ao
se levantar.
― Um grupo vai ter que ficar com quatro ― constato. ― Não me
importo em ficar no de quatro.
As meninas vão decidindo com quem vão ficar, nossa opinião não
está valendo.
― Vou ficar no grupo do Davon ― Liz diz. ― Junto com o Ethan,
Oliver.
― O.k.
Todos concordam.
― Como nos velhos tempos ― comento, sorrindo.
― Sim.
Dou um beijo em seu rosto. Não quero largá-la. Para mim, todo o
momento em que estou com ela é algo mágico e inacreditável. Às vezes
parece tão surreal, que penso se não estou sonhando. Ter Liz na minha vida
novamente é um recomeço de muitas etapas.
Começamos o jogo e a cada rodada, quando a nossa pontuação é
maior que o outro grupo, é comemorada. Sinto que tudo está diferente agora
com essa nova oportunidade de estarmos juntos, é como se nada mais
estivesse a nossa frente para atrapalhar o nosso futuro.

Liz
Davon me abraça toda hora, sempre beijando meu rosto ou fazendo
comentários fofos em meu ouvido. Está sempre mostrando o quanto ama esse
nosso novo recomeço.
É engraçado como a nossa conexão nunca foi embora, nem mesmo
quando estávamos separados. E agora está ainda mais forte e sentimos isso.
Pulo para os braços do Davon, ainda rindo de euforia.
― Ganhamos ― comemoro. ― Acho que o nosso lanche vai ser pago
pelos cinco. ― Aponto para as meninas, Evan e Noah.
― Me lembrem de no próximo jogo deixar a Liz de fora ― Nina
resmunga para o grupo.
― Vamos? Estou com fome. Vou aproveitar que não serei eu a pagar
a conta e me esbaldar de comer ― Oliver comenta, tirando sarro dos
perdedores.
― Hahaha! Me diz quando não está com fome? ― Alex pergunta.
― Quando estou dormindo. ― Ele a puxa para abraçá-la de lado,
dando um beijo no seu rosto.

Não sei como o nosso grupo coube em uma mesa só, mesmo que ela
seja bem grande. Fazemos os pedidos, e assim como o Oliver havia dito, seu
pedido é o maior de todos.
Quando nossos pedidos ficam prontos, rio achando que ele não dará
conta.
― Por que não trouxe a Sam para se divertir com a gente? ― Ethan
pergunta ao Davon, que está com a boca cheia e faz um gesto para esperar.
― Tenho vários trabalhos para fazer, não conseguiria buscá-la.
― Último ano de vocês, imagino que esteja uma loucura ― comento,
me referindo não só a ele, mas aos meninos também.
― Nem imagina ― Evan responde. ― Vai chegar a vez de vocês.
Nossas conversas fluem, e em certo momento Alex pergunta para o
Davon se ele parou de fumar.
― Não fumo mais. Parei no começo do ano. É como dizem, faz mal.
― Sabendo disso, por que não parou antes? ― Nina pergunta.
― Porque às vezes precisamos de um choque de realidade. ― Ele
olha para mim e pisca.
― Que orgulho do meu namorado. ― Abraço-o, ouvindo todo mundo
rindo.
― O casal Livon realmente está de volta ― Alex grita, levantando
sua bebida para fazer um brinde.
Meu celular vibra, então o pego e vejo o nome do Ryan.
“Onde você está?”
“Com meus amigos, no King.”
“Passei na sua casa e não te encontrei. Estou mandando mensagem
para avisar que nesse fim de semana não vou estar por aqui. Qualquer coisa,
você me manda mensagem. Se cuida.”
Sorrio. Tenho certeza de que passou pela cabeça dele que eu poderia
achar que ele sumiu de novo e eu ficaria brava.
“Ok! Se cuide também.”
“Nem vai dizer que sentirá saudades?”
“Tchau, Ryan.”
Acrescento emojis rindo e guardo o celular.
― Era o seu pai? ― Ethan pergunta ao meu lado.
― Não, era o Ryan.
― Podia tê-lo convidado para o boliche ― Noah sugere. ― Ainda
não tive a oportunidade de conhecê-lo.
― Vou tentar me lembrar da próxima vez ― brinco. ― Além do
mais, duvido que ele iria, está bem focado no caso da Katherine.
Todos nós sempre tentamos fugir desse assunto, é muita tensão para
estragar os momentos bons.

Davon e eu paramos o carro no lago, na volta para a fraternidade, para


darmos um passeio. O carro, com meus seguranças, para ao lado do meu.
― É só uma caminhada ― informo quando desço.
Davon segura a minha mão enquanto caminhamos para nos sentarmos
no banco próximo. Esse lugar, de alguma forma, me traz paz.
― Esse lago representa tanto para nós, né? ― pergunta. ― Sempre
que sentia a sua falta, vinha para cá, era uma forma de me manter mais perto
de você.
― E dava certo? ― pergunto.
― Nem sempre. ― Me dá um sorriso.
Ficamos em silêncio, pensativos por alguns minutos.
― Essa semana, várias vezes me questionei se isso era real, se o que a
gente está vivendo é real.
― Por quê? Por que você ainda duvida dos meus sentimentos? ―
questiona, aflito. Ele tenta me soltar para olhar o meu rosto, mas eu o impeço.
― Não. Porque tenho medo de que a qualquer momento a Katherine
apareça e acabe com tudo ― confesso o meu medo. ― Quase perder você me
destruiu, e me questionei se valia a pena ficar perto de todo mundo e colocar
a vida de vocês em risco.
― Eu passaria por tudo de novo, Bess, só para estar aqui com você ―
diz, confiante, beijando demoradamente meus cabelos. Me sinto tão segura
nos braços dele, é como se fôssemos feitos um para o outro.
Olho para ele, passando meus dedos em seu rosto.
― Eu amo você, Dav. Eu amei você até quando achei que não te
amava.
Ele me beija, tirando qualquer insegurança que ainda pudesse existir
em mim.
― Eu também te amo. ― Beija meu rosto várias vezes. ― Agora
acho que temos que ir para a casa, seus seguranças estão um pouco
impacientes.
Rio e seguro sua mão para voltarmos para o carro.
36
“Eu sou um homem de três medos
Integridade, fé e lágrimas de crocodilo
Confie em mim, querida”.
Bad Liar • Imagine Dragons

Anônimo
Entro no prédio, a autorização foi rápida por ser um rosto conhecido e
por estar sempre aqui. Conforme vou subindo para o andar desejado,
cumprimento os caras que fazem a segurança do prédio.
Entro no escritório de Katherine e a encontro sentada à mesa. Assim
que entro, ela levanta a cabeça para me olhar e sua sobrancelha arqueia em
questionamento.
― Veio me dar a honra da sua presença depois de dias sumido? ―
pergunta, debochada.
― Não está feliz em me ver? ― Sorrio de lado, me aproximando da
mesa, parando a sua frente e abaixando meu tronco para ficar a centímetros
do seu rosto. ― Você fica muito sexy com essa expressão séria.
― Não mude de assunto. Por que sumiu?
Me afasto da mesa e dou a volta nela, parando por trás de Katherine.
Afasto seus cabelos do pescoço para poder beijá-lo.
― Resolvendo umas entregas de armamento e abrindo espaço para
seus negócios com alguns conhecidos. ― Ela suspira, entregue ao toque dos
meus lábios. ― Senti sua falta.
Ela se vira e puxa meu rosto para nos beijarmos. Não responde meu
comentário, mas pelo beijo dá para saber.
― Mais tarde. ― Se afasta, limpando o batom que manchou tanto a
minha, como a sua boca.
Sorrio, assentindo e me sentando na cadeira em frente a sua mesa.
― Está dando tudo certo com seus planos?
Ela me olha com uma expressão pensativa, procurando alguma coisa
por trás da minha pergunta.
― Sim, tudo indica que está indo bem. ― Sorri, satisfeita. ― Tive
alguns deslizes, mas consegui reverter a tempo.
― Isso é ótimo. Está conseguindo tudo o que deseja, não tem
ninguém que possa te impedir.
― Garanti que a única pessoa que sabia de todos os meus planos
fosse morta. Só se essa pessoa conseguiu informar outra. ― Parece pensativa.
Fico quieto, só a escutando.
― Acho isso impossível. Você não faz o serviço pela metade. ―
Observo-a passar a língua pelos lábios e dar um sorriso diabólico em seguida.

Verifico se ela está dormindo e saio da cama. Abro a porta de vidro da


sacada e fecho quando passo por ela. O vento frio da noite castiga minha pele
desnuda.
A ligação é logo atendida, então conto para ele a nossa conversa no
escritório.
― Você acha que ela está desconfiando de alguma coisa?
― Não sei, mas precisamos tomar cuidado. ― Olho para ela na cama
pelas portas de vidro. ― Tenho certeza de que ela está armando uma coisa
muito grande.
― Você sabe o que é?
― Ainda não, mas vou descobrir. Eu sei que é algo grande e vai
envolver muita gente.
― Precisa estar atento a qualquer passo dela.
― Não me subestime, esse não é o meu trabalho?
Ignora o meu comentário, partindo para outro ponto que o preocupa.
― O FBI também já está desconfiando de algo, e não sei até quando
você vai conseguir esconder isso dele.
― Vou dar um jeito. Consegui esconder por esses anos, não vou
deixá-lo descobrir assim.
Desligamos a ligação, sem despedidas. Volto para a cama e encontro
meu lugar já frio, mas isso muda assim que puxo seu corpo quente junto ao
meu.
As coisas só esquentam. De uma forma ou de outra, todos estão
envolvidos. No final, muitos estarão queimados e outros sem volta.

Steve
Me despeço da Liz na ligação e me arrumo melhor no encosto da
cadeira para guardar o celular quando escuto meu nome sendo chamado:
― Steve?
Me levanto para cumprimentar a pessoa que eu esperava, nervoso
para ver.
― Ah, estou esperando outra pessoa ― digo, surpreso, não esperando
o encontrar aqui.
Ele se senta na cadeira a minha frente e sorri.
― Essa pessoa sou eu. ― Me sento novamente, sem saber o que dizer
ou a minha próxima reação. ― Fique calmo, Steve ― ele ri ―, estou aqui
para conversarmos. Não sou uma ameaça para você. Bom, não se você não
quiser.
― Então você está ajudando os dois lados ― é mais uma confirmação
que pergunta.
― Você sabe que ele não viria, e iria mandar outra pessoa no lugar
dele. E aqui estou eu. ― Ele relaxa na cadeira, totalmente confortável, não se
importando com o que acabei de descobrir.
― Katherine sabe?
― É claro que não. Da mesma forma que ela não vai saber que você
está nos ajudando agora.
Ele pega o cardápio e faz o seu pedido, depois que o garçom se afasta,
ele volta a olhar para mim. Invejo a sua calma, como se nada fosse atingi-lo,
nem mesmo a ira da Katherine quando descobrir.
― Você está usando sua própria filha para proteger o...
― Não, não é assim ― interrompo-o e nego arduamente.
― Como não? Você passa informação sobre onde ela está, os amigos
dela sofrem acidentes e você não a está usando? Eu queria saber o que você
está fazendo, então.
Não consigo responder, e percebendo isso ele continua.
― Você tem muitos segredos, Steve. Me admira que você tenha
conseguido esconder todos eles. ― Sua voz sai debochada, mas nada digo. ―
Você sabe que o Octavio não vai te perdoar, né?
― Ele não vai me perdoar, mas vai entender, porque ele faria o
mesmo pela Liz. ― Tenho certeza disso.
Ele assente.
― Quando a Katherine descobrir, não vai deixar barato. Está
preparado para isso? ― Sua expressão séria mostra que ele imagina o que
pode acontecer.
― Eu não tenho medo de morrer, mas quero proteger as pessoas que
amo. Promete para mim que você vai protegê-los independentemente de
qualquer coisa?
― Sim, irei proteger os dois.
― Não, você tem que me prometer que vai proteger os três ―
suplico.
― Não sei se o outro merece essa proteção.
― Promete que você vai proteger os três ― repito o pedido mais uma
vez. ― Então vou começar a ajudar vocês também.
― Prometo. ― Assente, mesmo a contragosto.

Entro no Uber e dou um bom-dia para o motorista. O dia havia


amanhecido fresco. Me encosto no banco e penso nos motivos que me
fizeram viajar para cá. Culpa? Talvez.
Lembro-me da primeira vez que encontrei o Octavio. Pode parecer
loucura, mas tenho certeza de que naquele momento eu senti algo por ele,
mesmo que os motivos para ter me infiltrado no FBI tenha sido por Katherine.
Quando começamos a ter um relacionamento sério, falei toda a verdade,
contei o motivo de estar no FBI e o porquê de estar contando tudo para ele
naquele momento.
― Eu entrei com um propósito, mas me apaixonei por você, e a cada
vez que você me mostrava mais da sua vida, eu me apaixonava mais. Quando
eu conheci a Liz, aquela bebê tão linda de alguns meses que sorriu para
mim, eu soube que não tinha volta. ― Olhei para ele, que me escutava,
mesmo que tivesse se alterado quando contei a verdade.
Me aproximei dele, parando a poucos centímetros.
― Porque eu amo vocês dois, se não fosse por isso, não estaria te
contando a verdade, arriscando tudo para estar ao seu lado.

Depois daquele dia, Octavio me perdoou, e seguimos a vida juntos.


Para nós, o passado não importava mais. Mas agora ele não me perdoará mais
se souber o segredo que escondi dele esse tempo todo, mas fiz a escolha de
mais uma vez ajudá-la.
A conversa que eu tive com ele me fez repensar nas coisas, e estou
realmente usando a minha filha. Dói pensar nisso, no fundo, eu sabia, só
neguei isso para mim mesmo.
Eu conseguirei viver sem o amor dele, mas não da Liz, não dela. A
filha que eu criei como parte de mim. Eu a amo incondicionalmente, não
saberia viver sem ela e o seu amor. Ela me odiará. Espero que quando tudo
isso vier à tona, ela ache uma maneira de me perdoar.
Limpo as lágrimas que descem pelo meu rosto. Me veio à mente a
primeira vez que a Liz me chamou de pai, foi um dos momentos mais
mágicos que um pai poderia sentir, fiquei em êxtase, e naquele dia, passei o
dia todo como um pai bobão.

Estávamos no sofá vendo um filme da escolha dela, minha garotinha,


mesmo pequena já tinha uma personalidade forte. Com suas próprias
decisões, até mesmo para escolher sua roupa.
― Pai.
Estava tão atento ao filme, que quando escutei aquela palavrinha,
fiquei sem reação e com o coração acelerado. Olhei para ela, que tinha seus
olhinhos brilhantes para mim.
Pai. Tinha ouvido certo?
― Quero pipoca. ― Sorriu, seus dentes da frente retinhos. Seu
sorriso tinha o efeito de iluminar tudo.
― Ah. Você me chamou de quê?
― Pai ― sorriu, acanhada, mas decidida ―, você é meu pai
também, não é?
Assenti, emocionado.
― Sou sim, meu amor. ― Puxei-a para o meu colo e a enchi de
beijos, enquanto sua risada corria solta pela casa.
Olhei para a entrada da sala e vi Octavio parado, nos olhando e
sorrindo. Ele também tinha ouvido, fiquei receoso de que não gostasse,
mesmo depois de tanto tempo juntos.
Sabendo o que eu pensava, ele assentiu com a cabeça, se
aproximando da gente, e dando um beijo em nossos rostos.
― Somos uma família ― sussurrou para mim.
Família. Não sabia o que era isso até conhecer os dois.

― Senhor.
Desperto ao ouvir a voz do motorista.
― Chegamos ao seu destino. ― Ele inclina a cabeça para fora.
A ideia de fazer uma surpresa vai por água abaixo quando chego à
casa que Octavio tinha alugado para ele e Liz, e eu preciso de autorização
para entrar. Então tenho que ligar para o Octavio e dizer que estou no Canadá
e que preciso que ele libere a minha entrada, mesmo que não esteja na casa.
Assim que passo pelos portões, uma figura com os cabelos ao vento
corre em minha direção. Sorrio, deixando a mala no chão para poder abraçá-
la. Ela se joga com tudo em cima de mim.
― Que saudades, pai ― ela sussurra.
Meu coração acelera ao ouvir suas palavras. Se eu tinha alguma
dúvida de que os dois me perdoariam, agora eu tenho certeza que não. Eu os
traí, família que é família não trai, e sim se apoia, independente das
complicações. Devia ter aberto o jogo para o Octavio assim que a Katherine
voltou a entrar em contato.
Agora é tarde, já tinha feito merda demais. E o perdão dos dois
amores da minha vida eu não terei.
― Eu também, meu amor. ― Beijo sua testa e a aperto mais um
pouco nos meus braços.
― Assim você vai me matar sufocada. ― Ela ri.
― Me deixa te abraçar só mais um pouquinho ― peço.
― Claro, todo o tempo que quiser, pai ― responde, deitando a cabeça
no meu peito.
Fungo, passando a mão no meu rosto.
― Você está chorando? ― Ela levanta o rosto, e eu nego. ― Aham, e
eu acredito na Fada do Dente.
Rimos.
― Melhor surpresa que eu poderia ter. ― Sorri. ― Meu pai sabe que
está aqui?
― Sim, precisei da autorização dele para entrar.
― Ah, então vem. Precisamos matar a saudade.
Abraço-a enquanto caminhamos para entrar na casa. Vejo o carro
passando e reconheço o Matt de longe. Logo Katherine saberá que estou aqui.
― Me diz, como está o curso, os seus amigos? ― pergunto, ocultando
da minha mente o que tinha acabado de ver.
― As mesmas coisas que te falei, sempre te deixo a par de tudo. Mas
estou amando cada vez mais Direito. Meus amigos estão todos bem.
― Davon? ― pergunto quando chegamos à sala e nos sentamos.
Ela sorri, toda boba.
― Está bem, mesmo depois do episódio de Halifax, ele se recuperou
muito bem.
― Fico tão feliz em ver esse sorriso no seu rosto. Qualquer pai é feliz
em ver sua garotinha bem e feliz, muito disso é por causa do Davon.
― Sim ― ela responde, mesmo não sendo uma pergunta. ― Mesmo
com toda essa loucura agora, tenho pessoas maravilhosas ao meu lado,
principalmente meus pais.
Ela sorri e se levanta para se sentar ao meu lado para me abraçar.
― Eu tenho os melhores pais do mundo. Sou muito sortuda, nenhuma
garota tem tanta sorte como eu.
Sorrio, mesmo sentindo a culpa me corroer.
― Pode ter certeza de que os sortudos somos eu e seu pai pela filha
maravilhosa que temos.
― Isso eu também acredito. ― Rio do seu convencimento. ―
Parando agora para pensar, tem algum motivo para a sua vinda para o
Canadá?
― Sim, muitas saudades sua e do seu pai. Ficar naquela casa sozinho
é horrível.
― Bem que você poderia se mudar para cá também, estaríamos perto
sempre ― sugere.
― Não seria uma má ideia, mas ainda preciso resolver muita coisa,
que talvez leve tempo.
Meu celular toca e eu tento ignorar, porque sei quem é.
― Não vai atender? ― Liz pergunta. ― Pode ser importante.
― É só o trabalho, ligo para lá depois.
O celular persiste, então me levanto para acabar logo com isso.
― Me dá uns minutinhos, querida, acho melhor atender. ― Me
afasto, indo para um lugar mais distante da Liz. ― O que você quer?
― O que você está fazendo aí? ― Direta, como sempre.
― Vim visitar a minha filha.
― Ela não é a sua filha.
― O que você quer? ― pergunto novamente.
― Espero que você não se meta no meu caminho, Steve, você tem
muito a perder com isso.
― Mais alguma coisa?
― Você está avisado. ― Encerra a ligação, não me dando chance de
resposta.
O aperto forte no celular deixa meus dedos brancos de tanto que estou
irado.
― Está tudo bem? ― Me viro e vejo Liz.
― Sim, está. ― Abraço-a. ― Era só um probleminha no trabalho, já
resolvi. Que tal sairmos para almoçar?
― Adoraria ― responde, sorrindo.

Octavio
Encerro a ligação com o Steve, depois de garantir que sua entrada
tenha sido liberada. Suspiro, não esperava sua vinda para o Canadá agora.
― O Steve está no Canadá ― digo para o agente.
― Acha que interfere nas investigações?
― Não sei, espero que não ― digo, sendo sincero.
Assente, esperando que eu diga mais alguma coisa.
― Vai continuar com a investigação?
― Sim.
― Não vai mesmo contar para ele?
― Não.
Mais uma vez ele assente, compreendendo minhas poucas palavras,
que não quero me aprofundar no assunto.
― Vamos voltar ao que interessa no momento, precisamos finalizar
isso hoje. ― Indico os papéis que precisam da minha atenção.

Estaciono o carro e me dou um momento antes de entrar em casa.


Estou refletindo tudo ultimamente, até o possível envolvimento que o Steve
estaria tendo com a Katherine novamente.
Entro na casa e encontro os dois deitados no sofá, assistindo a um
filme. Essa cena retrata muito os anos que vivemos, é sempre assim. No
começo, fiquei impressionado como Liz e Steve se conectaram tão rápido,
passou de tio para pai. E eu amava a relação dos dois. Steve esteve comigo
nas fases difíceis, me apoiou quando precisei, e amou Liz e eu quando achei
que estivesse sozinho, perdido com ela. Me apegava a essas lembranças para
acreditar que ele não seria capaz de nos trair da pior forma.
― Boa noite ― cumprimento, chamando a atenção dos dois. ― Oi,
querido. ― Me inclino, beijando seus lábios. ― Oi, querida. ― Beijo a Liz
na testa.
― Chegou tarde. Achei que viria mais cedo por causa do Steve ― Liz
comenta.
Me sento no meio dos dois e os puxo para um abraço.
― Precisei ficar para terminar alguns assuntos importantes. Não
consegui sair cedo para que pudéssemos jantar fora.
Olho para ele, focando nos seus olhos. Queria que fossem
transparentes e eu pudesse ver toda a verdade.
― Senti sua falta ― digo, sincero.
― Eu também, de vocês dois. ― Olha de mim para a Liz.
― Como eu amo ter nós três reunidos, melhor momento do meu dia
― ela comenta, abraçando nós dois juntos, e se levanta para ir à cozinha. ―
Se vocês não querem comer nada salgado ou queimado, sugiro que levantem
e venham me ajudar com o jantar. ― Caminha de costas, dando risada.
― Vamos lá. ― Steve segura a minha mão, me puxando para a
cozinha.
Tentarei aproveitar esse momento, e pensarei nos próximos passos
depois.
37
“Nós guardamos esse amor em uma fotografia
Fizemos essas memórias para nós mesmos”.
Photograph • Ed Sheeran

Liz
Meu pai e eu estamos indo ao aeroporto levar Steve, ele só ficou
alguns dias por aqui. Durante todo o caminho, não sai da minha mente o
clima estranho entre os dois no café da manhã. Dava para sentir a tensão a
distância. Eles até tentaram não deixar transparecer, mas não conseguiram.
Depois de Steve fazer o check-in, vamos tranquilamente para o portão
de embarque. Meu pai caminha na minha frente e do Steve, um pouco
distante.
― Você sabe que se precisar de algo, mesmo estando longe, você
pode me ligar, né? ― Sua voz embargada indica que não sou só eu que sofro
com a distância.
― Eu sei, pai. Sei que posso contar com você sempre que precisar.
Não se preocupe, vamos ficar bem. Mas você também precisa ficar ― peço.
― Eu vou. Espero que tudo se resolva para ficarmos mais próximos.
― Ele para e me olha, me fazendo tropeçar e quase cair. ― Desculpa,
desculpa, minha filha. ― Seu tom desesperado me deixa confusa.
― Pai, foi só um tropeço, não precisa se desculpar.
― Preciso sim, e não só por isso, por eu não estar presente também.
― Pare com isso, eu entendo. Logo vamos estar todos juntos
novamente. ― Sorrio.
― Sim. ― Ele me puxa para um abraço. ― Eu te amo muito, você
não imagina o quanto. Poder ter feito parte da sua vida desde o início foi
muito importante para mim. ― Funga.
― Eu sei, para mim também. ― Beijo seu rosto antes de me afastar.
― E eu te amo muito, ainda mais por isso. ― Limpo as lágrimas do seu
rosto. ― Agora pare de chorar, senão vou acabar chorando também.
― Ei, vocês dois, não vão fazer cena aqui também, né? ― Octavio
está sorrindo.
― Não seja estraga prazeres, pai.
― Não sei o que faço com os dois melosos. ― Revira os olhos em
brincadeira. ― Precisamos dar um jeito de nos vermos o quanto antes, assim
vocês não morrem de saudades.
― Só a gente? ― pergunto, sarcástica. ― Seria mais fácil se meu pai
se mudasse para cá, mas sei que não dá por enquanto.
Steve logo precisa embarcar e a despedida chega, acho que nunca me
acostumarei a isso, ela antecede a saudade.
― Amo vocês dois, cuidem um do outro. ― Steve abraça o meu pai e
sussurra algo no seu ouvido, antes de o beijar.
Nosso abraço é mais demorado, é difícil nos largarmos quando
queremos ficar juntos. Meu pai me abraça de lado enquanto observamos o
Steve entrar. Voltamos para o carro em silêncio, cada um com seus
pensamentos. Repasso os dias em que Steve esteve com a gente, e percebo
que em cada fala tinha um tom sentimental, como se estivesse se despedindo.
Uma vez que decido ficar com Davon, meu pai me deixa na
fraternidade antes de seguir para a agência.
― Precisa que eu venha te buscar?
― Não, talvez eu durma aqui hoje. Eu ligo para avisar. ― Beijo seu
rosto.
Olhar para o meu pai neste momento me faz ver que o peso em suas
costas é enorme, sua expressão de cansaço me deixa preocupada.
― O.k.
Davon abre a porta todo sorridente, e imediatamente percebo o quanto
preciso que ele me abrace.
Davon
O local da exposição está cheio, e com a recepção dos convidados,
não tinha visto nenhum dos meus amigos. Quando estou começando a ficar
preocupado por Liz estar atrasada, sinto seu corpo colado as minhas costas
enquanto seus braços envolvem a minha cintura. Rapidamente me viro e
beijo seus lábios.
― Você está atrasada.
Ela olha para o Ryan, que só agora noto que está ao seu lado.
― A culpa é dele. ― Aponta para ele e sorri.
Nossos amigos chegam logo depois.
― Achei que não viriam.
― Você tem pouca fé nos seus amigos, Davon ― Oliver responde,
me abraçando. ― Nunca te deixaríamos na mão.
― Sejam bem-vindos e aproveitem a exposição.
Abraço o Kyle logo em seguida.
― Estou feliz por você estar aqui.
― Onde mais eu estaria se não fosse aqui? Cara, isso aqui tá incrível
― ele fala.
― Está fazendo um ótimo trabalho ― Liz comenta, apontando para a
câmera.
― E quando é que eu não faço? Fiquem à vontade, preciso deixar
vocês alguns minutinhos.
― Vamos olhar a exposição, então.
― Obrigado por virem ― agradeço, antes de sair.
Volto a tirar algumas fotos, e quando encontro os três de novo para
saber o que estão achando das obras, vejo um grupo chegando caminhando
em nossa direção.
Não acredito quando vejo todos aqueles que eu considero amigos.
Sim, todos vieram.
Ethan, Evan, Anastácia, Nina, Alex
― Eu sei, você não esperava todos aqui ― Evan diz, batendo a mão
no meu ombro. ― Viemos te prestigiar.
― Obrigado ― digo, sem saber como reagir.
― Oi, fratello. ― Sam aparece logo atrás dos meninos, com a Amy e
o Octavio. Abraço-a, logo depois a Amy, que está toda emocionada.
― Estou orgulhoso de você ― Octavio diz, me abraçando.
― É isso que eu quero que você e meus tios sintam de mim. Orgulho.
― Sua mudança está sendo bem vista. ― Sorri.
Vejo a Sam com o celular, como se estivesse gravando o lugar.
― O que você está fazendo? ― pergunto ao me aproximar.
― Dá um oi para o fotógrafo mais lindo e talentoso. ― Sam vira a
tela do celular para o meu rosto, mostrando o Juan, Carmen e Luna, sorrindo
para mim.
― Oi, meu hijo. Estamos muito orgulhosos de você.
― Isso é muito importante para mim. ― Sorrio, envergonhado. ―
Queria que estivessem aqui.
― Mas estamos, mesmo a distância. Estaremos sempre torcendo por
vocês ― Juan diz, se referindo ao Kyle e Sam também. Não poderia ter
pedido uma família melhor.
Não posso conversar muito com eles, porque preciso voltar para as
fotos, mas prometo que ligarei no dia seguinte para contar tudo. Ana se
aproxima e me dá os parabéns, logo Alex e Nina, mesmo ela estando sem
jeito, assim como eu. Falo um pouco com o Ethan, que me explica o motivo
de Noah não estar presente.
― Se aproximem mais, preciso registrar esse momento com todos
vocês ― peço, para tirar uma foto de todos.
Uma mulher que está perto se oferece para tirar a foto, então me junto
ao grupo. No exato momento em que ela tira a foto, Liz, que está ao meu
lado, se inclina e beija meu rosto, me fazendo sorrir.
Vejo que todos se divertem. Se isso tudo é para me dar apoio, posso
afirmar, com toda certeza, que não poderia ter pedido algo melhor.
No final, quando saímos do evento, paramos na calçada, todos
animados.
― Podíamos sair para comemorar ― Kyle sugere.
― Não sei se é uma boa ideia ― digo, passando a mão nos cabelos,
sem jeito.
― Vamos para a fraternidade mesmo ― Evan afirma. ― Compramos
cervejas e pizza.
― Gostei ― Liz se pronuncia, enquanto passo o braço pela cintura
dela.
Olho para a Sam, que já está comemorando.
― Você não ― nego.
― Não mesmo ― Octavio concorda. ― Você e Amy vão dormir na
minha casa. Vamos deixar os jovens aproveitarem a noite deles.
― Mas eu sou jovem também ― implica.
― Não vai rolar, Samantha ― Octavio reforça, tentando não ceder,
mas ele ri.
― Não vou desejar que se divirtam. ― Emburrada, ela entra no carro,
nos fazendo rir.
Me viro para a Liz, ainda sorrindo.
― O que achou?
― Achei tudo perfeito, foi tudo perfeito. Você é perfeito.
― Estou muito feliz em ter realizado isso, e mais ainda por ter você
aqui comigo. ― Ela nem espera que eu termine de falar direito para me
beijar. ― Eu te amo, minha Bess.
― Ei, pombinhos, vamos logo ― Alex grita.
Antes de irmos, Ryan se afasta dos nossos amigos e vem em nossa
direção.
― Você também tem a sensação de que o Ryan está se escondendo?
― Liz pergunta.
Olho para ele se aproximando antes de responder.
― Não é coisa da sua cabeça?
Liz não diz nada, somente nega com um movimento de cabeça. Ele
para na nossa frente e bate a mão no meu ombro.
― Parabéns, Davon. Gostei muito ― diz, mas parece bem atento ao
que acontece ao redor.
― Obrigado. Você vai para a fraternidade também?
― Não, tenho algumas coisas para resolver.
― Tchau, Elizabeth, amanhã eu te ligo. ― Abraça-a. ― Cuide dela
― pede, se dirigindo a mim.
Enquanto vamos para a fraternidade, me lembro de achar que isso
nunca mais ia acontecer, não teria mais meus amigos me apoiando. Estou
feliz por ter a Liz comigo novamente e o Kyle por perto, não poderia desejar
coisa melhor.
38
“Mas e se eu, e se eu tropeçar?
E se eu, e se eu cair?
Então eu serei o monstro?”
Monster • Shawn Mendes feat. Justin Bieber

Ryan
Estou passando alguns casos com um agente na minha sala, quando
escuto chamarem meu nome:
― Agente Baxter, na minha sala, agora. ― A voz séria do Octavio
me faz perceber que tem alguma coisa errada.
― Continuamos depois ― peço para o agente antes de sair da sala.
Posso ver o quanto o assunto é sério assim que entro na sala.
― Aconteceu alguma coisa?
― Eu que te pergunto. ― Levanta-se da cadeira e caminha
lentamente em minha direção, parando a poucos passos e me encarando.
― Eu não estou entendendo o que quer dizer com isso.
Ele sorri sarcasticamente.
― Quando o departamento de Nova Iorque te mandou para cá, eu
fiquei bem animado, não só por você trabalhar ao meu lado, mas porque a Liz
ia ficar muito feliz por ter você por perto. Eu preferi não me envolver no caso
que você estava trabalhando, até que comecei a juntar algumas peças.
Ele caminha de volta para a sua mesa enquanto continua.
― Comecei a reparar nos seus sumiços, nas informações que
começaram a chegar ao FBI e no fato de você sempre andar disfarçado quando
está com a gente, principalmente com a Liz. Aí eu te pergunto, Ryan. Você
está no caso da Katherine comigo, não está?
― Sim.
― Mas você não me contou que estava infiltrado, que você estava ao
lado dela esse tempo todo, e que está dando as informações para a gente ―
diz, por fim.
― Octavio. ― Tento falar, mas ele levanta a mão para me silenciar.
Ele se senta de volta em sua cadeira, sem desviar sua atenção de mim.
― Eu entendo, Ryan, também sou um agente. Se você não se lembra,
eu sou o diretor daqui. Você sabia que uma hora eu ia descobrir, não sabia?
― Sim.
― Mas eu preferiria que tivesse me contado, eu não queria ter mais
uma pessoa correndo risco ― diz, demonstrando sua preocupação por mim.
Me sento na cadeira a sua frente e começo a contar como entrei no
caso e pedi para ser transferido. À medida que vou narrando tudo, percebo
que ele pode até estar chateado por não ter contado nada antes, mas me
entende.
Conto como foi e está sendo estar próximo a ela, os negócios futuros.
Tudo o que posso dizer. A única coisa que eu não posso contar envolve outra
pessoa, e ela prefere estar por baixo dos panos sobre tudo isso.
― O que te fez entrar nesse caso, Ryan? ― pergunta depois que
termino de contar.
― Vocês. Eu faria qualquer coisa por vocês, por tudo que vocês já
fizeram pela minha família ― explico, grato por tudo.
― E a Elizabeth? ― questiona e eu sei ao que se refere essa pergunta.
Se contarei tudo para ela ou guardarei as informações para mim.

Paro o carro em frente à casa do Octavio e Elizabeth, esperando que


ela saia. Já tinha tomado a decisão de contar a ela, por isso liguei marcando
para jantarmos, porque preciso contar. Elizabeth tem que saber, já que
também a envolve.
Assim que entra no carro, sua expressão é séria, ela sabe que o
assunto que temos para conversar é importante.
Cumprimento-a e beijo sua testa.
― E aí, como que anda o namoro? ― brinco, para amenizar o clima.
― Está tudo bem. Finalmente achamos um equilíbrio entre nós ―
diz. A felicidade em sua voz é nítida.
― Fico feliz por vocês, e espero que ele não pise na bola de novo.
― Você sumiu depois da exposição.
― Eu tinha muita coisa para resolver ― respondo, sem olhar para ela.
― Mas você sumiu a semana inteira ― insiste.
― Como eu disse, muita coisa para resolver. ― Olho para ela, dando
um sorriso, antes de me virar para prestar atenção na direção. ― O
importante é que estou aqui agora.
Ela só assente, não comenta nada. Liz sabe que tem algo errado.
Escolhi jantarmos em um lugar o mais reservado e afastado possível,
não posso me dar o luxo de ter alguém vigiando para a Katherine, não agora
que estou perto de acabar com ela.
Na metade do jantar, prefiro começar a contar. Já imagino a sua
reação. Até ela já não aguenta de tanta ansiedade.
― Acho que eu posso parar de enrolação e ir direto ao ponto, certo?
― Sim. ― Sua expressão tensa me mostra que está com medo do que
tenho a dizer.
Depois que termino de contar a ela, seu silêncio deixa claro o
desconforto entre nós. Espero por alguma palavra ou até mesmo uma reação
ofensiva, mas não, ela fica parada, ainda me encarando.
― Você não vai falar nada?
― Eu sabia que tinha alguma coisa errada, só não imaginava que
poderia ser isso, você também envolvido com ela, ainda mais desse jeito.
Desde que você chegou, está se escondendo de alguma coisa.
Não me surpreendo ao saber que ela já estava desconfiada, Elizabeth
sempre foi uma garota inteligente, que observa tudo ao seu redor, e com o
passar dos anos isso se intensificou mais.
― Por que você resolveu me contar?
― Não queria esconder isso de você, já que os problemas que teve, a
sua briga com o Davon, foi por esconder algo de você. Eu não queria ser a
pessoa que também escondia alguma coisa. Não quero que conte a ninguém,
não quero colocar ninguém em risco, já é um risco você saber.
― Agradeço a sua sinceridade, mas não posso esconder isso do
Davon ― responde, mesmo depois de saber o caos que tudo isso está se
tornando.
― Elizabeth...
― Não, Ryan, eu não posso. A gente não deu certo da primeira vez
porque tinha muita coisa escondida, muitos segredos entre a gente, e eu quero
que dê certo dessa vez ― esclarece a sua decisão.
― Eu entendo, tudo bem, conte para ele.
Me orgulho tanto dela, por ser uma mulher forte e decidida, que tenta
não se abalar com as coisas, mesmo sua vida sendo um inferno com o que
vem acontecendo envolvendo a Katherine.
― Eu espero que você não se machuque, não vou suportar perder
ninguém. Ainda mais agora que você voltou para a minha vida.
― Farei o impossível.
Na volta para sua casa, ela não diz nada, e eu prefiro não puxar
assunto também, entendo o seu silêncio como pedido de que precisa
organizar a sua cabeça. Me abala que ela tenha que passar por tudo isso.
Assim que estaciono o carro em frente à sua casa, pergunto:
― Está tudo bem entre a gente?
― Só preciso pensar direito ― pede, olhando para mim, antes de se
virar para abrir a porta para sair.
― Liz ― chamo-a pela primeira vez pelo apelido.
Ela se vira para mim.
― Eu não vou contar para ninguém, além dele.
Espero Liz entrar em casa, para depois sair rumo a minha.

Liz
Deitada na cama, eu repasso toda a minha conversa com Ryan, mas
preciso falar com o Davon para desabafar sobre a noite. Ele sabe que eu fui
jantar com o Ryan, mas nem imagina que a conversa que teríamos seria essa.
Ele atende no primeiro toque.
― Oi, Bess. Como foi lá com o Ryan? ― me saúda, todo animado.
― Oi, Dav. Será que você não pode vir pra cá? ― peço.
― Aconteceu alguma coisa?
― Só quero você aqui.
― Daqui a pouco estou chegando ― diz, antes de finalizar.
Enquanto eu o espero, tomo banho e visto algo confortável. Quando
desço a escada para esperá-lo, ele bate à porta. Assim que abro a porta ele me
beija, não me dando chance de falar nada.
― Senti sua falta.
― Agora sou todinho seu. ― Me dá mais um beijo. ― Vem! ― Me
puxa pela mão em direção ao meu quarto. ― Cadê seu pai?
― Ele ainda não chegou.
Seu sorriso matreiro aparece. Assim que entramos, ele se senta na
cama, me olhando andar pelo quarto.
― Então?
― Preciso te contar uma coisa, mas você não pode contar pra
ninguém.
Ele assente e me espera começar. Conto tudo o que o Ryan me disse,
seu lugar em todo o esquema, que nem mesmo o FBI sabe ainda. Sua
expressão chocada me diz que está sem reação.
― Nossa!
― Pois é, essa foi minha reação. ― Dou uma risada nervosa.
― Eu nem sei o que te falar, Liz, eu não esperava.
― Eu também não esperava, para mim foi um choque.
Ele segura a minha mão, me puxando para me sentar em seu colo.
― Mas fico feliz por ter compartilhado isso comigo ― Davon
declara.
― Eu jamais esconderia alguma coisa de você de novo. ― Me
abraça, então deito minha cabeça em seu ombro.
― E como você está com tudo isso?
― Se antes eu tinha medo, agora tenho mais ainda. Tenho medo do
que a Katherine pode fazer quando descobrir.
― Não fique pensando nisso.
― É a única que coisa que penso desde que cheguei, não consigo não
pensar. ― Suspiro. ― Eu tenho medo de que aconteça alguma coisa com ele.
― Não vai acontecer nada, ele sabe se proteger ― diz, beijando
minha testa.
― Eu tento me segurar a isso.
Fico em silêncio, até ouvir a sua voz.
― Eu tenho uma maneira de te fazer esquecer isso ― Davon afirma.
Levanto a cabeça do seu ombro e encontro seu sorriso malicioso.
― É? Você tem?
― Não foi para isso que você me chamou? ― pergunta, subindo seu
dedo pelo meu braço, parando por baixo da alça do meu baby-doll, e a
descendo um pouco como que pedindo permissão.
Seus lábios param a poucos centímetros da pele exposta, então
consigo sentir sua respiração quente, e me arrepio. Ele está tentando me
distrair, e está conseguido. Seus lábios quentes na minha pele me livram de
vez das preocupações, por ora.
Sua mão entra por dentro da blusinha e acaricia a pele da minha
barriga, enquanto a outra vai descendo o tecido do meu colo para ter mais
acesso aos meus seios. A sua delicadeza e ao mesmo tempo precisão e desejo
são as combinações perfeitas.
Estou sem qualquer peça de roupa quando ele me deita na cama e se
levanta para tirar as suas peças. Parece a primeira vez sempre que nossas
peles se tocam sem nenhuma barreira para impedir o calor e paixão que os
nossos corpos reivindicam.
Já entre as minhas pernas, meus dedos em seus cabelos intensificam o
aperto quando Davon vai descendo e beijando cada pedacinho de pele até
chegar ao local que eu mais preciso de atenção, do seu contato. O sorriso que
me dá antes de abaixar o rosto é cafajeste. Sua língua é a primeira coisa que
sinto antes de seus lábios exigirem o que querem de mim.
Não precisamos falar nada, ele sabe que no momento eu só preciso
senti-lo em mim e nada mais.
39
“Você nunca estará sozinho,
Estarei lá por você,
Estarei lá, estarei lá por você.”
I'll Be There • Jess Glynne

Matt
Semanas se passaram, e durante esse período houve mudanças e uma
delas é o fato de a Katherine estar meio estranha comigo. Ela me afastou de
reuniões e alguns planos, e é por esse motivo que estou indo até sua sala
questioná-la. Mas paro na porta quando a ouço falando com ele.
― Você fez o seu trabalho? ― ela pergunta a ele.
― Sim, como planejamos ― responde, orgulhoso.
― O que você fez?
Eles percebem a minha presença e se viram para mim. Katherine sorri
de onde está sentada.
― Eu o mandei cuidar de um trabalhinho para mim, relacionado a
minha filhinha. ― Katherine gargalha depois de dizer.
Olho para ele novamente, vendo o quanto é capaz de prejudicar as
pessoas que se importam com ele. Katherine sai da sala, nos deixando
sozinhos.
― O que você fez? ― pergunto e ele sorri, dando de ombros.
― Dei uma mexida no carro da Liz.
Dou alguns passos para ficar mais perto dele.
― Como você pôde fazer isso? Ela é sua amiga.
― É só para dar um susto, deixar o Davon assustado. ― Ele me olha
com curiosidade. ― Não sei por que você está se importando.
Não respondo nada, só me viro e saio da sala. Não penso direito
quando entro no carro e sigo até a Queen’s. Pelo horário, ela deve estar lá.
Me sinto confuso desde a conversa que tive com ele pelo celular.
Ignorei-o de todo o jeito, mas achei que dando a oportunidade de ele falar o
que queria, eu simplesmente esqueceria tudo e seguiria em frente. Mas algo
mexeu comigo, isso está me deixando dividido. E é por isso que não entendo
o motivo de estar indo até a Liz para evitar que algo grave aconteça, logo eu
que já fiz tanto mal a ela.
Paro o carro no estacionamento e desço rapidamente para procurar o
carro dela. Não sei o que sinto quando não o encontro estacionado. Mas
minha visão logo a encontra, e mais uma vez não sei o que pensar. Nina está
com a cabeça baixa procurando algo dentro da bolsa, que imagino ser a chave
do seu carro, já que está parada ao lado dele.
Me aproximo, receoso com a maneira que ela vai agir quando me vir.
Assim que percebe a minha presença, vejo o medo nos seus olhos, e isso me
incomoda. Ela dá um passo para trás, então resolvo parar para não a assustar
ainda mais.
― Cadê a Liz? Você viu a Liz? ― pergunto.
― O que você quer com ela?
― Ela está correndo perigo, entre em contato com o pai dela.
― Correndo perigo? Como assim? ― ela pergunta, desesperada. ―
Isso é tudo culpa sua ― grita.
― Dessa vez não tenho nada a ver com isso ― respondo, com
sinceridade, mas não sei se acredita.
Me viro e a deixo falando sozinha, sumindo dali antes que esse meu
surto em vir aqui acabe me prejudicando com a Katherine.

Octavio
Enquanto toca, eu continuo olhando para a tela do celular,
especificamente para o número desconhecido à mostra. Sinto que algo ruim
virá dessa ligação, mas preciso enfrentar.
― Octavio falando!
― Sabia que eu estava com saudades da sua voz? Ainda sabe se
mostrar o líder.
Essa voz debochada e cruel. Desde que foi embora, anos atrás, nunca
mais nos falamos, e se ela está entrando em contato comigo, coisa boa não é.
― Katherine? ― Começo a caminhar para fora da sala para rastrear a
ligação.
― Não perca seu tempo tentando rastrear a ligação, não vai
conseguir. ― Sua voz soa cheia de deboche, se divertindo com a situação.
― O que você quer? Por que em vez de me fazer ir atrás de você, não
se entrega de vez?
― Vejo que esse é seu sonho, não é? Mas jamais darei esse gostinho a
você.
― Eu vou te encontrar, Katherine.
Ela ri ao notar a raiva presente em minha voz.
― Eu te avisei tantas vezes para ficar longe de mim, dei várias
amostras de que não estou brincando, e você as ignorou ― diz, com seu tom
de voz frio, desaparecendo totalmente a diversão de antes. ― Fez pouco caso
e continuou com a sua determinação ridícula de me encontrar.
― Eu diria para você aproveitar os últimos dias que resta da sua
liberdade, porque logo irei te achar, estou cada vez mais perto.
― Eu acho que não, querido. ― Sua risada fria do outro lado me faz
pressentir que algo ruim está para acontecer. ― Tenho um presente para
você, e tenho certeza de que depois dele, você vai me deixar em paz.
― O que você fez? ― pergunto, mesmo sem estar preparado para a
resposta.
Antes que ela possa responder, Ryan entra na sala desesperado.
Quando vejo aquele olhar, temo que o pior tenha acontecido.
― Não ― sussurro e ouço sua gargalhada do outro lado.
― É a Liz.
Depois de ouvir o que ele diz, me desligo por alguns segundos e o
sigo para fora da sala.
― Irei te encontrar, Katherine, nem que seja a última coisa que eu
faça da minha vida. Você vai pagar por tudo. ― Nem me certifico se está
ouvindo ou não, simplesmente desligo o celular e vou ao encontro da minha
filha, com a minha equipe de prontidão.

Liz
Meus batimentos são sentidos na minha caixa torácica, a boca seca e
mãos trêmulas não são nada comparadas a algo que já senti algum dia durante
toda a minha vida. Escuto batidas na janela do meu carro e não consigo
levantar minha cabeça do airbag por puro choque. Não acredito que isso
aconteceu comigo.
A porta do carro se abre rapidamente e sinto mãos em mim antes de
me perguntarem se estou bem.
― Estou bem ― digo, revivendo o medo que senti, o sangue
esfriando por todas as minhas veias.
Fecho meus olhos com força, relembrando o momento em que tentei
pisar no freio e não senti o carro reagir, meu desespero foi crescendo e não
sabia o que fazer no momento. Só me passou pela cabeça em virar o carro na
direção de uma árvore próxima para que parasse, antes que machucasse
alguém.
― Estou bem ― repito, levantando a cabeça e a sentindo doer. Minha
nuca parece estar com um peso. Meus dedos vão diretamente para o corte na
testa, devo ter batido antes do carro parar.
Com ajuda dos meus seguranças, consigo me desvencilhar do airbag
e sair do carro, ignorando o pedido de ficar sentada nele. Ouço um deles dizer
que os paramédicos estão chegando, mas a única pessoa que quero ver no
momento é o meu pai.
― Cadê meu pai? ― Minha voz falha um pouco quando pergunto.
― Já está a caminho.
Me levam para o carro da agência e me colocam sentada para esperar.
Não demoro para ouvir carros parando próximo de onde estou e ver meu pai
correndo ao meu encontro.
Me levanto quando ele se aproxima.
― Me diz que está bem? ― pede, aflito, me abraçando fortemente.
― Estou, foram só alguns arranhões ― digo. ― Pai, você tem que
pegá-la, promete para mim que você vai fazer isso.
― Eu vou, querida. ― Me puxa para seus braços novamente.
Ryan está próximo, seu olhar temeroso. Sinto que ele fará de tudo
para finalizar a sua missão e a prender. Ele se aproxima e me abraça. E ali,
percebo que depois de toda a sua confissão no que está envolvido, eu não
estou chateada com ele, mas feliz por ter me contado a verdade para não me
deixar no escuro com algo relacionado a mim.
Entendo o motivo de ter decidido ser o espião, é o único jeito de estar
perto dela para nos proteger e esperar a hora certa de agir. Só espero que isso
não demore tanto.
Ryan, sentindo que tudo está normal entre a gente, me aconchega
melhor entre seus braços, sem nada a dizer.
Sou direcionada para o hospital mais próximo para fazer alguns
exames, para garantir que estou bem, mesmo eu dizendo a cada minuto que
não sinto nada além de dor de cabeça. Meu corte não precisa de pontos, e
com tudo finalizado, logo me vejo indo embora com meu pai, Ryan e alguns
agentes que estão presentes por segurança.
Assim que chego a minha casa, encontro Nina em pé, parada na porta
da entrada. Ela corre para me abraçar.
― Você está bem? ― pergunta, angustiada.
― Sim, estou. ― Nos afastamos. ― Como você soube?
Ela se retrai um pouco, então percebo que o que dirá em seguida não é
coisa boa.
― Eu... ― começa a explicar, mas é interrompida pelo meu pai.
― Acho melhor entrarmos, vocês conversam melhor lá dentro ― diz,
nos fazendo acatar a sua sugestão.
Já na sala, nos sentamos e meu pai continua ao meu lado, querendo
saber o que Nina tem a dizer.
― Pelo Matt ― diz.
A princípio acho que ouvi errado, mas não. Sua voz mostra o quando
está tensa e inquieta.
― Ele fez algo com você? ― pergunto, preocupada com ela e seu
bem-estar. Faz quase um ano desde que o viu, e ainda tem o fato de ele estar
envolvido com a Katherine.
― Me encontrou no estacionamento da universidade e me perguntou
sobre você. Na hora achei que aparição dele fosse por outro motivo, a
obsessão, como foi naquela noite... ― Ela para ao se lembrar da noite em que
ele quase conseguiu abusar de mim. ― Mas logo ele me falou que você
estava em perigo.
Tento entender o motivo de ele ter procurado a Nina e contado tudo.
Só consigo pensar que deve ser para infernizar a vida dela e causar mais
danos.
― Eu o culpei, e ele disse que não tinha nada a ver com isso dessa
vez e foi embora, me deixando falando sozinha. Como não consegui falar
com o tio Octavio, vim direto para cá. Você não estava atendendo o telefone,
então pensei no pior.
― Eu estou bem ― digo, abraçando-a novamente.
Meu pai fica calado, escutando tudo e ao mesmo tempo com a mente
longe.
― Você não acreditou nele, né? Digo, pelo fato de dizer que não teve
nada a ver com isso.
― Claro que não. Ele é capaz de qualquer coisa. ― Dá para ver que
está bem mexida com o reencontro deles, que se sente perturbada.
― Fez certo.
Pensar que meus amigos estão sujeitos a qualquer coisa que a
Katherine planeja me deixa angustiada. Ryan logo entra na sala.
― Avisei aos seus amigos e ao seu namorado o que aconteceu, e pedi
para que eles não viessem, você precisa descansar ― diz, parando ao lado do
meu pai. ― Mas sabemos como o seu namorado é, né? Daqui a pouco ele tá
aí.
Assinto e vejo Nina se levantar.
― Acho que é melhor eu ir. ― Começa a se despedir.
― Não, fique aqui ― peço. Não quero que ela vá embora, me
preocupo com a minha amiga, não só pelo Matt aparecer novamente, mas
com o seu psicológico em revê-lo. Fora que quero tê-la por perto.

Assim que me deito para dormir, a porta do meu quarto se abre


calmamente. Sorrio quando vejo, pela luz do corredor, que é o Davon. Ligo o
abajur e me sento na cama enquanto ele fecha a porta e vem até mim.
― Você está bem? ― Me abraça apertado. ― Fiquei preocupado, não
ia conseguir não vir aqui, precisava te ver.
― Eu sei. ― Me afasto dele para o olhar melhor. ― Estou bem, só
com alguns arranhões.
Ele passa os dedos por eles e parece um pouco aliviado ao ver que
não é nada grave.
Nos deitamos na cama e eu conto tudo o aconteceu, até o momento
em que a Nina apareceu e disse do encontro dela com o Matt. Pelos suspiros
que ele dava enquanto eu ia relatando, percebo o quanto está assustado.
― Tem alguma coisa estranha aí ― diz em relação ao Matt.
― Eu também acho, mas não imagino o que seja.
― Como a Nina está com tudo isso?
― Ela está mal, por isso pedi para que ficasse.
― Melhor não ficarmos pensando nisso, você precisa descansar.
Ele desliga o abajur, e assim que nos deitamos, o meu celular vibra
indicando uma nova mensagem. Estico o braço para pegá-lo e vejo o nome na
tela.
― É uma mensagem do Kyle.
“Como você está? Eu soube o que aconteceu.”
“Estou bem, foi só mais um susto da Katherine, mas estou bem.”
“Fico feliz em saber. Se cuida.”
Mesmo Kyle estando um pouco distante, a nossa amizade está indo
bem, assim como a do Davon e ele.
“Boa noite, se cuida também.”
Davon volta a me abraçar quando largo o celular.
― É bom ver que a nossa amizade com ele está evoluindo. ―
Assinto, sorrindo. ― Agora você realmente precisa descansar.
Beija meu rosto enquanto me acomodo para que a minha cabeça fique
na curva do seu pescoço para poder sentir sua pele quente no meu rosto.
40
“Melhor ser o caçador do que a presa
E você está parado no limite, de cabeça erguida.”
Natural • Imagine Dragons

Liz
Acordo com a voz do Davon, sonolenta por não ter dormido direito
com tudo o que aconteceu. Acabei tendo um sonho horrível e perturbador
com o acidente.
― Dormiu bem? ― pergunta.
― Não muito bem ― digo, ainda de olhos fechados, enquanto ele
acaricia o meu rosto.
― Eu percebi. Senti você se mexendo durante a noite.
Abro meus olhos e vejo o quanto está preocupado.
Não demoramos muito para ir à cozinha, que está vazia quando entro.
Davon me disse que meu pai havia passado no meu quarto para ver como eu
estava mais cedo, antes de ir para a agência, e preferiu não me acordar. Dá
para ver que agora, mais que nunca, fará o impossível para encontrar a
Katherine.
A porta da frente da casa logo é aberta com um estrondo. De início
pulo da cadeira de susto, mas dou risada logo que ouço as vozes se
aproximando.
― Liz ― Alex entra na cozinha gritando quando me vê.
Ela corre para me abraçar, segundos antes de Anastácia fazer o
mesmo. Nina fica no canto, sorrindo. Quando me soltam, Ethan, Noah, Evan
e Oliver se aproximam e me dão um abraço.
― É tão bom saber que está bem ― Ethan diz enquanto ainda me
abraça.
― Concordo com o Ethan. Quando soubemos o que tinha acontecido,
estávamos vindo para cá, mas o Ryan disse que era melhor deixarmos você
descansar. Ele nos garantiu que você estava bem ― Evan diz, a expressão
angustiada em seu rosto.
Conto para eles o que havia acontecido e todo o desespero que senti
no momento que percebi a falta dos freios do carro. Nina já havia contado
para eles sobre o Matt, e os meninos reforçam estar sempre por perto para o
caso de ele voltar a aparecer. É tão linda a proteção que eles têm, a
cumplicidade da nossa amizade.
― Podíamos ficar com a Sam no próximo fim de semana. O que
acham? Até pensei em chamar a Liz para irmos para lá e nos distrairmos um
pouco. Depois desse último acontecimento, será bom ― Davon diz depois de
um momento de conversa. ― Estou preocupado com a minha irmã depois de
tudo o que vem acontecendo.
― Acho ótimo ― concordo.
Todos concordam também, já dando sugestões.
― Ela deve se sentir sozinha estando longe de você, de tudo, mesmo
não morando sozinha ― Ana diz, refletindo a situação da Sam.
― Pior que sente ― Davon concorda.
― Logo isso muda, Davon vai trazer a Sam e Amy para morar com
ele aqui ― Oliver comenta, e ele assente, sorrindo.
― Então fica combinado. Vamos nos organizando durante a semana
― Alex fala, toda eufórica.
Percebo que a Nina está quieta, só prestando atenção na conversa,
rindo ou fazendo poucos comentários. Eu sabia que a aparição do Matt a
deixaria inquieta por um tempo. Presenciar isso é diferente de imaginar.
Percebendo que a estou encarando, Nina me dá um sorriso tentando
demonstrar que está tudo bem.
Mais tarde, depois que todos vão embora, eu me deito na cama para
dormir, mas não antes de pensar se meu futuro será com o mesmo sentimento
que tenho agora ― medo.
*

Como o esperado, a semana passa voando, mas cheia de ideias e


planejamentos para fazermos no fim de semana, na casa da Sam. Davon se
mostra feliz com tudo. E na manhã de sábado, às nove horas, estamos saindo
em dois carros rumo ao outro lado da cidade, para fazer o dia da Sam feliz.
O período no carro é de muita música, gritaria e risadas. O Ethan vai
dirigindo, o que me alivia, estar atrás de um volante traz cenas angustiantes
do que passei. Ana e Evan vão com a gente no carro, e logo atrás estão Nina,
Alex, Noah e Oliver, em outro carro. Davon está indo a nossa frente com a
sua Harley. Assim que ele montou em sua moto hoje, eu me lembrei de
quando o conheci, todo bad boy.
Ele conduz a moto ao meu lado no carro e vira o rosto para mim, me
dando o sorriso que completa as lembranças anteriores.
― Como é metido ― Ethan comenta, nos fazendo rir.
Gesticulo para ele prestar atenção na estrada, então faz uma
continência com a mão, ri e volta a dar uma distância segura da frente do
carro.
Quando paramos na frente da casa branca, Sam sai de dentro
correndo. Ela cumprimenta todos com abraços rápidos, mas o abraço que dá
em mim e depois no seu irmão é cheio de carinho e gratidão. Sorrio quando
os vejo abraçados.
― Fratello, contei os segundos de tão ansiosa que estava ― ela diz,
com sua voz radiando felicidade.
Ana para ao meu lado, enquanto os outros pegam as coisas dos carros.
― Olha aquele olhar de novo aí ― sussurra, me fazendo virar para
ela.
― Que olhar? ― pergunto, sorrindo.
― Não se faça de boba, Liz. O mesmo olhar e sorriso que você só tem
quando está perto do Davon ou quando se encanta com algo relacionado a
ele.
Me viro para olhar o Davon e Sam novamente, sem dizer nada a Ana.
Não preciso, para os meus amigos tudo sempre está tão nítido.

*
Já estamos reunidos no fundo da casa, a manhã de clima ameno
favorece ainda mais para que todos fiquem à vontade para fazer algo legal.
Os meninos tinham trazido jogos, alguns para jogar com o grupo, outros em
duplas.
Observo Amy dar ordens aos meninos para levar a mesa enorme para
fora, onde ela colocará refrescos e outros petiscos para todos. A senhora está
radiante ao ver a casa cheia de jovens. A felicidade dos seus protegidos é
ainda mais gratificante.
Encontro Sam em um canto sozinha, mas com o sorriso mais lindo no
rosto, observando toda a movimentação. Me aproximo dela, passando meu
braço pelo seu ombro para abraçá-la.
― Está tudo bem? ― pergunto quando ela olha para mim.
― Nunca imaginei que viveria rodeada de tanta gente de novo, depois
de tudo o que eu e o Davon passamos. Por muito tempo fomos somente nós
dois. Agora está tão diferente, que tenho medo de um dia acordar e voltar a
ser só eu e o Davon de novo ― desabafa, melancólica, olhando para todos a
nossa frente.
― Você não tem que se preocupar com isso, viramos uma grande
família, vamos estar sempre juntos ― digo, enquanto minha mão, que está
em seu ombro, dá um leve aperto, passando conforto e segurança.
― Estou muito feliz por você estar aqui ― diz, enquanto me abraça.
― Eu também ― sussurro.

Octavio
Todos estão sentados à mesa, todos aqueles que são importantes para
dar um fim ao caso de Katherine. Ryan está sentado ao meu lado
calmamente, como se só esperasse pelas ordens. Já tinha falado com ele antes
sobre o meu plano e ele concordou, dando sugestões para melhorar e assim
não ter nenhum erro que possa levar a missão ao desastre.
― Bom, como todos estão presentes, podemos começar. ― Me sento
e abro os botões do paletó. ― Como todos já sabem, o agente Baxter é o
infiltrado que temos mais próximo da Katherine, e tem a confiança dela ―
digo, me referindo ao Ryan.
Ele assente, então passo o dossiê e tudo o que ele já havia
conseguindo estando perto dela.
― Sabemos que não foi fácil, ele precisou trabalhar duro e,
principalmente, mostrar que era digno da sua confiança. Todos sabem agora
que foi ele que nos ajudou a interferir em vários negócios da Katherine, como
os casos de tráfico de mulheres, de drogas, como podem ver.
Me levanto, dando a volta pela mesa em passos lentos.
― O agente Baxter tem encontros com a Katherine somente quando
ela permite, sempre que deseja vê-lo, ela liga e ele vai se encontrar com ela,
sempre em lugares diferentes.
Paro em frente à minha cadeira novamente e olho para o Ryan,
passando a palavra para ele.
― Esse seria o momento ideal para pegarmos a Katherine, esperamos
a próxima ligação marcando o encontro e o FBI planeja a emboscada para
pegá-la ― finaliza.
― Só teremos uma chance, e tem que ser perfeita para pôr fim a todos
os negócios da Katherine e, principalmente, nela ― digo, com uma fé
absurda que estou colocando em todo o plano.

Antes que o Ryan possa sair da sala, eu o chamo.


― Agente Baxter, podemos conversar? ― pergunto e ele assente,
esperando todos saírem da sala para fechar a porta.
Nos sentamos e logo faço a pergunta que tanto esperei nesses últimos
dias.
― Quando você ia me contar que o Steve está ajudando a Katherine?
― Como você descobriu?
Isso me faz lembrar da noite em que liguei para um amigo pedindo
para investigar o Steve. Doeu, mas foi preciso para descobrir o quão real
estava o perigo ao meu lado e da minha filha.
― Desde que tudo isso começou, a desconfiança de que ele poderia
estar ajudando a Katherine de novo nunca saiu da minha cabeça. Pedi para o
investigarem, e descobri que a minha intuição estava certa.
Ele assente.
― Então você sabia disso da última vez que o Steve esteve aqui? ―
pergunta, curioso.
― Eu só precisava de uma confirmação, que eu tive esses dias.
― E como você se sente a respeito disso?
Ele me conhece, assim como eu o conheço, sabe que não está sendo
fácil digerir tudo isso.
― No momento só quero me livrar da Katherine, livrar minha filha
dela, depois... eu não sei.
― Sinto muito por não ter contado, mas não podia.
― Entendo, é o seu trabalho, assim como também entendo que tem
outra pessoa te ajudando, mas sei que você não vai me contar ― digo. Ele
achou que eu não saberia.
Ryan me dá um sorriso convencido.
― Na hora certa você vai saber.
41
“Não vai nos ver chegando
Fora da porta antes mesmo de você piscar.”
Wolves • Sam Tinnesz

Octavio
Um mês depois.
Tínhamos passado cada dia ansiosos para receber a ligação da
Katherine para falar com o Ryan, para que ele a encontrasse. Tudo está
conforme o programado, e quando a tão esperada ligação acontece, estamos
preparados.
O local em que está é perto de tudo, o que me deixa irado. Katherine
está tão perto da gente e nem desconfiamos.
No meio do caminho, enquanto dirijo um dos carros da agência, com
Ryan ao meu lado e mais três carros atrás do meu, a ansiedade que sinto é
tanta, que faz minha mão suar no volante e meu coração bater em um ritmo
acelerado.
Não acredito que depois de anos, irei enfim prendê-la e fazer com que
ela pague por tudo que fez de errado na vida.
Quatro minutos.
― Você está bem? ― Ryan pergunta ao meu lado.
― Só vou ficar quando a pegarmos.
Três minutos.
Só conseguirei relaxar quando a minha filha estiver segura, depois
que tudo isso acabar. O Davon, Sam... todos estaremos.
Dois minutos.
Viro na rua que dá para a casa onde combinou o encontro. Os carros
param na frente da casa, enfileirados. Dá para escutar os pneus derrapando.
Descemos do carro com as armas em punho. Vou na frente e chuto a porta,
arrobando-a, então faço gestos para os agentes irem entrando, cada um
seguindo para um cômodo.
O desespero de que não tem ninguém na casa vai me atingindo.
Quando todos voltam para o andar da sala e fazem gestos que não
encontraram ninguém, cai a ficha de que fomos enganados.
Ryan me olha com a expressão cheia do ódio. Um dos agentes me
chama e aponta para um envelope preso na parede.
Vou até a parede e o arranco. Minhas mãos tremem, espero que
ninguém tenha percebido.
Rio de nervosismo quando leio, em seguida, viro para que todos
possam ver.
“Idiotas.”
Não é difícil acreditar que fomos nós os enganados.
― Ela já sabe de tudo.
― Eu preciso ir até minha filha ― digo, pegando o celular para ligar
para ela.
― Oi, pai. ― Minha preocupação com ela fala mais alto, então deixo
de lado sua doce voz me cumprimentando quando me atende.
― Onde você está? ― pergunto. ― Onde você está, Elizabeth?
― Estou em casa ― diz, confusa.
― Não saia daí, estou indo. Promete?
― Prometo. ― Sua voz temerosa confirma o que preciso ouvir.
Me viro para o Ryan, que também está preocupado.
― Ela está bem. Preciso que fique e cuide disso. ― Aponto para a
casa e ele assente.
A única coisa que resta neste momento é fechar o local e investigar o
que tem dentro.

Liz
Depois da ligação do meu pai, caminho inquieta pela casa, pensando
no que pode ter acontecido. Ele saiu pela manhã sem me falar muita coisa, só
que tinha algo importante para resolver, e agora, com essa ligação, estou
preocupada.
No momento em que escuto o barulho da porta sendo aberta, vou ao
seu encontro.
― Pai, o que houve?
Ele não diz nada, somente me abraça.
― Eu falhei ― sussurra.
― O quê?
― Tive a oportunidade de pegar a Katherine, mas falhei. ― A
angústia em sua voz não passa despercebida.
― Pai, o que está acontecendo?
Ele segura a minha mão e me leva até o sofá, então explica tudo o que
aconteceu. Fico em choque, eles tiveram tão perto de prendê-la, e agora ela
sabe de tudo, que o Ryan, na verdade, é um agente e estava esse tempo todo a
enganando.
― Você não falhou, pai. Ela sabia o que aconteceria e enganou vocês.
― O que me preocupa agora é a sua segurança, da Sam e do Davon.
Estou providenciando para trazerem a Sam e Amy para mais perto. Preciso
que seus amigos tomem cuidado também. ― Ele aperta a minha mão. ― Eu
preciso que você tome cuidado.
― Pai...
― Tem mais gente envolvida nessa história, mais do que você pode
imaginar.
Meu celular começa a tocar em cima da mesinha, tento ignorar para
continuar a conversa.
― Pode atender ― meu pai diz. ― Vou subir para tomar um banho e
depois a gente conversa. ― Ele se inclina, beijando minha cabeça e me
deixando para falar com o Davon.
― Oi ― digo no automático.
― Oi, já está pronta? Estou passando aí daqui a pouco.
― Eu sei que a gente tinha combinado de sair, mas não vai dar. ―
Suspiro.
Minha mente está a mil depois da conversa com meu pai.
― Por quê? Aconteceu alguma coisa? ― pergunta, alerta.
― Meu pai não está muito bem, resolvi ficar com ele.
― Quer que eu vá ficar aí?
― Melhor não, vou fazer companhia para ele. Mais tarde te ligo.
― Tudo bem. Te amo, Bess. ― Seu tom de voz me enche amor.
― Eu também.
Deito-me no sofá, me perguntando como tudo ficará agora. Pego meu
celular para enviar uma mensagem para o Ryan, quero saber como ele está
com tudo isso.
“Está tudo bem? Meu pai me contou o que aconteceu.”

Ryan
Me afasto um pouco do trabalho dos agentes dentro da casa para
responder para a Liz, enquanto tento pensar qual será o próximo passo da
Katherine. Por ter passado um período de tempo importante com ela, apostam
em mim para deduzir o seu próximo passo, mas não é tão fácil assim.
Katherine é imprevisível, ninguém nunca sabe o que ela tem em mente até
que o diga ou ordene.
Me sinto um tolo por não ter desconfiado de nada, que ela, na
verdade, já sabia dos planos do FBI. Ela me enganou da mesma forma que eu
a estava enganando.
“Não se preocupe comigo, quero que se cuide, principalmente agora,
que não sabemos qual será o próximo passo da Katherine.”
Olho para a frente da casa e vou me virando para observar tudo que
minha visão alcança. Ela deve estar rindo da minha cara neste momento.
Está na hora de ligar para ele e contar o que aconteceu, espero que
tenha um novo plano para tudo isso.
Ele me atende no primeiro toque.
― As coisas deram errado. Katherine descobriu que eu sou do FBI,
precisamos detê-la logo.
Seu silêncio de início é a última coisa que esperava. A sua calma em
dizer as palavras me dá esperança de que tem um plano em mente.
― Estou voltando!
42
“Estou mandando ver no acelerador
A vitória é minha.”
Legends Are Made • Sam Tinnesz

Katherine
Olho para os dois na minha frente. Não adianta mais ficar histérica, o
meu plano, por fim, deu certo. O me irrita é que durante esse tempo todo
havia sido enganada por um agente do FBI, e eu nem desconfiava. Pelo menos
posso aprender com isso e confessar que a transa com ele foi boa. Vou me
lembrar de dizer isso a ele quando o fizer pagar por ter me enganado.
Olho para o rosto do Matt, sua expressão séria me lembra muito um
certo alguém, e pelo jeito está seguindo o mesmo caminho. Uma decepção.
Meus olhos vão para o outro rosto, seu sorriso prepotente e orgulhoso, não
deixa de mostrar o quanto está sendo eficiente, diferente do Matt.
― Se não fosse ele a me contar sobre o agente Ryan e o que
descobriu ― olho para o Matt enquanto aponto para o cara ao seu lado ―
estaríamos acabados neste momento.
A ideia de armar para o FBI foi o plano perfeito, agora, sabendo de
tudo que sei, eles podem temer o que vem pela frente. Acho que os sustos que
os fiz passarem não adiantou muito.
― Você não está mais servindo para nada, não está fazendo nem o
que eu mando. Estou pensando o que farei com você ― digo para o Matt.
O companheiro ao seu lado dá risada, e vejo quando o Matt lhe dá um
olhar mortal. Talvez envergonhá-lo na frente de outra pessoa sirva para ele
voltar a ser eficiente e deixar o sentimentalismo de lado.
― Te darei mais uma chance, agora basta você decidir se quer ser
como ele ou como eu. ― Sorrio, me refiro a pessoa que sei que está mexendo
com a sua cabeça.
Pego minha taça, indicando as outras duas para eles. Matt fica parado,
sem se mover, apenas me encarando, enquanto o outro segura sua taça.
― Vamos fazer um brinde ao dia de hoje. ― Levanto a minha mão,
antes de tomar um gole do champanhe. ― Agora é hora de agir.
Dou gargalhada. Eles não esperam o que está por vir.

Steve
Uma mensagem chega no celular do número que aprendi a identificar,
já que ultimamente tentamos sempre estar em contato um com o outro.
Depois da conversa que tivemos, creio que algumas coisas ficaram claras
para ele, sinto uma certa mudança.
“Ela está planejando algo.”
No momento em que vou responder à mensagem, meu celular toca
com uma ligação do Octavio.
― Oi, querido.
― A gente precisa conversar ― diz, sem me dar a chance de pergunta
se está bem.
― Eu já ia te ligar. ― Ignoro seu tom de voz.
― Steve, eu já sei de tudo.
― Do que você está falando? ― Meu corpo gela com a possibilidade
de ele estar a par de tudo.
― Não seja cínico. Você achou mesmo que eu não ia descobrir que
está ajudando-a de novo. ― Sua voz alterada me assusta.
― Não é do jeito que você imagina. ― Tento explicar.
― E tem outro jeito? Você está passando informações para ela, usou a
gente de novo, usou a minha filha.
― Octavio, por favor, me escute. Eu quero explicar tudo o que está
acontecendo ― suplico.
― Não tem explicação, Steve. Você acabou com o que tínhamos. Eu
confiei em você, confiei a minha filha a você. Abrimos nossas vidas para te
deixar entrar. ― Suspira. ― Você tem noção de como a Liz vai ficar quando
souber que o cara que ela considera como um pai é um traidor?
― Nunca quis que isso acontecesse, eu juro, errei, mas tenho uma
explicação para isso. Me deixe explicar, pelo amor de Deus. ― Meu
desespero me impede de controlar as lágrimas.
― Não tenho mais nada para ouvir de você. Por favor, não me
procure, não procure a minha filha. Não se preocupe com a casa e as coisas
que estão dentro, pedirei para alguém ir buscar minhas coisas e da Liz. Pode
ficar com o resto.
― Octavio, não faça isso.
― Foi você quem fez, Steve, não existe mais chance.
― Octavio, ela está planejando algo. ― Tento fazê-lo me escutar.
― Adeus, Steve.
― Octavio, me escute por favor, você precisa me escutar.
Não ouço mais nada do outro lado, então olho para a tela do celular e
vejo que a ligação foi encerrada. Tento ligar para ele, mas nem chama.
― Meu Deus, o que faço agora?
Me levanto da cama, passando as mãos nos meus cabelos. Não tem
volta, perdi tudo, tudo. Minha família, o amor da minha vida e logo será o da
minha filha.
43
“Eu sei que você está mentindo completamente
Você contou para eles as mentiras que você me contou.”
Lie Lie • Joshua Bassett
Liz
Dois meses depois...
Dou algumas batidinhas na porta do quarto do meu pai e entro quando
ele autoriza. Ele está se olhando no espelho enquanto arruma a gravata no seu
habitual terno para ir para a agência. Sorrio para ele quando me aproximo,
fazendo um gesto com a mão para se virar, então refaço o nó da gravata, que
estava torta.
― Obrigado, querida.
É impossível não me lembrar que era o Steve que sempre arrumava
sua gravata quando precisava. Anos de casamento para terminar assim, sem
nenhuma explicação concreta para o fim da relação deles. O vazio de vê-los
separados dói.
Quando recebi a notícia foi um choque. Chorei, questionei e não tive
todas as respostas para elas. Só que não está dando mais.
O.k. Então é isso, seguir em frente com meus pais separados, será um
recomeço não só para os dois, mas para mim também.
Achei que com o passar desses dois meses eles poderiam repensar no
seja lá o que tivesse acontecido e voltarem. Mas estava enganada.
― Tá lindo como sempre. ― Sorrio.
É surreal que já estamos entrando no mês de dezembro ― a época que
mais amo na vida ― e perceber como o ano passou rápido. Me faz lembrar
de que será o primeiro Natal sem o Steve. Primeiro Natal com meus pais
separados.
Vou em direção a sua cama para me sentar enquanto conversamos.
― Pai, você não acha estranho ter passado dois meses e ela não fez
nada ainda? ― pergunto.
― É disso que tenho medo, que ela nos pegue distraídos. Mas
estamos fazendo o possível para encontrá-la e estamos nos protegendo
também. O Davon está seguro, você também está segura, acho.
― Sim.
Ele muda de assunto. Falar sobre a Katherine o deixa vulnerável, e
não quero que nosso dia comece tendo pensamentos ruins ou conversas sérias
demais.
― Ansiosa para o Natal?
― Sim, estou super. A Sam chega hoje e vai ficar aqui com a gente.
Mais tarde vamos nos encontrar com o resto do pessoal na fraternidade.
Ele me olha para falar o que acha disso, mas levanto a mão para
impedir.
― Pai, calma, o Ethan virá buscar a gente, porque o Davon está
resolvendo algumas coisas de última hora do curso dele, mas os seguranças
vão com a gente.
― Tudo bem.
Fico o observando terminar de se arrumar, enquanto aperto uma mão
na outra, e ele percebe que tenho algo para falar.
― Conversei com o Steve ontem. ― Solto, pausando para ver sua
reação.
Só assente, não diz nada.
― Eu ainda não consigo aceitar a separação de vocês, e tenho a
sensação de que é por minha causa.
― Não, meu amor, não tem nada a ver. ― Ele se senta na cama e
pega a minha mão. ― Foi como eu disse, não estava dando certo.
― Só isso? Vocês parecem tão vagos.
― Não deu certo, Liz. Tem casamentos que não são para a vida toda,
e nós dois entendemos isso.
Assinto, mesmo não querendo aceitar, para mim eles são para a vida
toda.
― Bom, preciso ir. Se divirta com a Sam, qualquer coisa, me ligue.
― Se levanta, beijando minha cabeça antes de sair do quarto.
Eu consigo sentir como ele e Ryan andam sobrecarregados. Depois do
dia que foram enganados por ela, as coisas mudaram.

Sam chega logo depois que meu pai vai para a agência. Oliver veio
deixá-la, já que o Davon está com trabalhos para entregar até o pescoço.
― Oi, Liz. ― Ela me abraça enquanto ouvimos a buzina do carro do
Oliver se despedindo.
― Fico tão feliz que pôde vir.
― Eu também. Vamos nos divertir muito hoje.
Subimos para o meu quarto para planejarmos as próximas semanas
até o Natal. Passamos o dia pensando nos preparativos para a decoração, nos
aventurando na cozinha e experimentando roupas. Nos arrumamos para irmos
à fraternidade e ficamos na sala para esperar o Ethan.
Quando ele bate à porta, saímos e ficarmos surpresas ao encontrarmos
o Noah do lado de fora.
― Achei que o Ethan que viria ― digo, o abraçando.
Ele beija meu rosto e faz o mesmo no da Sam.
― Aconteceu um imprevisto e o Ethan não conseguiu vir, então pediu
para buscá-las. Acho que vai chegar um pouco depois da gente lá.
― Tudo bem.
Entramos no carro, e logo vou ligando o som. O carro dos seguranças
está logo atrás da gente, nos seguindo. Me sinto mais segura assim, meu pai
também.
Meu celular vibra na minha mão e eu sorrio.
“Estou morrendo de saudades. Vai demorar muito?”
― Davon? ― Sam pergunta, rindo do banco de trás.
― O próprio ― respondo, sorrindo.
Nossa comunicação durante o dia foi somente por mensagens.
“Não seja dramático, daqui a alguns minutos estou aí.”
― Acho que tem algo errado ― Noah diz, sua expressão assustada
encara o retrovisor.
Sam e eu nos viramos ao mesmo tempo para trás. Dois carros pretos
com vidros escuros nos seguem. Um quase ao nosso lado, e outro pareado
com o dos seguranças.
Meu corpo gela.
Sam me olha, desesperada. Então é assim que a Katherine quer nos
pegar distraídos. Pego meu celular para mandar uma mensagem ao meu pai,
mas não tem sinal, o que é estranho, uma vez que estamos no centro da
cidade. É como se tivesse um bloqueador de celular.
― Merda! ― Noah diz, tentando acelerar o carro. ― O que fazemos?
― Não sei, não consigo falar com meu pai, meu celular não tem sinal.
Sam tenta o seu. ― Me viro para ela.
Seu olhar de pânico me diz que todos os sentimentos estão levando-a
ao limite, temo que ela tenha uma crise neste momento. Ela olha o seu celular
e balança a cabeça.
― Sam, olhe pra mim ― peço, segurando sua mão. ― Vamos sair
dessa, mas preciso que mantenha a calma.
Ela assente freneticamente.
Tento meu celular novamente. Noah foca no trânsito, tentando desviar
dos veículos da frente para despistar os carros que nos perseguem.
― Vamos nos livrar deles ― Noah fala, esperançoso. ― Só
precisamos ter calma. ― Nem mesmo ele consegue disfarçar o desespero na
voz. ― Liz, continue tentando falar com seu pai.
― Estou tentando.
Olho para trás e não consigo ver o carro dos seguranças. Minha visão
volta para Sam, que tem o rosto tomado de lágrimas. Passo para o banco de
trás e a abraço.
― Vai ficar tudo bem.
Nem eu acredito nisso.
― Vou tentar um caminho diferente, acho que teremos uma pequena
chance de os despistarmos para conseguirmos chegar ― Noah fala, enquanto
olha pelo retrovisor.
― Faça, Noah. Qualquer coisa para nos livrarmos deles.
Ele acelera o carro enquanto tento falar com meu pai. As mensagens
não vão, e eu torço para que isso seja temporário e que nos dê uma chance
para avisar meu pai.
Noah faz enfim o caminho diferente, ainda atento às ruas. Quando
olho para trás novamente, percebo que não há mais nenhum dos dois carros
ao nosso alcance, mas também não consigo ver o carro dos agentes.
― Conseguimos, Noah ― declaro, eufórica.
― Sim. ― Seu tom de alívio não me passa despercebido. ― Logo
estaremos seguros.
Abraço a Sam ainda mais forte. Seguimos por vários minutos
enquanto tento conversar com a Sam para focarmos em outra coisa e tirar da
mente dela o que está acontecendo. De vez em quando olho para trás para ter
certeza de que estamos seguros.
― Você está bem? ― pergunto para Sam, que já havia parado de
tremer.
Ela só assente, não diz uma palavra.
Estou tão concentrada na Sam e no seu bem-estar, que só percebo que
havíamos chegado quando o carro para. Olho em volta e estranho o local.
Noah abre a sua porta do carro.
― Noah, onde estamos? ― Seguro forte a mão da Sam, que também
está sem entender.
― Desçam! ― Seu tom de voz mudou, franzo a testa sem entender.
Ele abre a porta do meu lado e faz sinal com a cabeça.
― Noah, o que está acontecendo?
― Não cabe a mim responder essa pergunta. ― Logo um sorriso
surge em seu rosto, sorriso que nunca vi desde que nos conhecemos. ―
Andem! Ou vai ser preciso que eu faça alguma coisa com sua amiga para me
escutar.
Ele aponta para Sam, que começa a tremer novamente. Agora tudo faz
sentido. A sua aparição na minha casa, a desculpa de que o Ethan não pôde ir
nos buscar, e o problema de não conseguir falar com meu pai e todo o seu
teatro dentro do carro. Ele está com o bloqueador de sinal no carro e o
acionou assim que os carros apareceram.
Meu olhar de choque deve estar estampado no meu rosto, pois ele
gargalha. Ele me enganou, enganou todos nós esse tempo todo.
― Não acha que eu seria um bom ator, querida Liz?
― Seu desgraçado! ― grito.
Salto do carro e o soco no peito, acertando seu rosto, enquanto ouço o
choro de Sam, que continua dentro do carro. Ele segura firmemente meus
pulsos para impedir que eu o machuque ainda mais.
Então ouço uma voz, aquela que me assombra em meus pesadelos e
na vida real.
― Seja bem-vinda, minha filha.
Me viro para olhar a mulher que mais odeio em toda a minha vida.
Seu rosto tem um sorriso debochado. E homens, os seus capangas ao seu
lado, me olhavam com triunfo e superioridade.
Neste momento não tenho esperança alguma.
44
“Parece como um rasgo no meu coração
Como uma parte de mim faltando.”
Can You Hold Me • (NF feat. Britt Nicole)

Ryan
Estaciono o carro sem nem verificar se ele para direito. Durante todo
o caminho até aqui, tentei entrar em contato com Octavio para dizer o que
aconteceria a Liz, mas ele não me atendeu. Vejo de relance carros chegando à
propriedade antes de eu entrar na casa.
Assim que entro na casa e vejo Octavio transtornado, percebo que
cheguei tarde demais e o pior aconteceu.
― Levaram a minha filha. Levaram a Liz e a Sam. ― Sua voz soa
angustiada.
Passo a mão na cabeça, bagunçando de vez os fios que ainda
permaneciam no lugar.
― Nós vamos encontrá-las ― digo, confiante.
― Como você soube?
― O Steve me avisou, ele ligou me avisando. Passei o caminho todo
até aqui tentando te avisar e evitar que isso acontecesse.
Ele se senta no sofá, abalado. Eu estou tentando me controlar, um de
nós precisa manter a calma para pensar com clareza.
― Preciso que você vá até a fraternidade ver se está todo mundo bem
e avisar ao Davon o que aconteceu ― pede, se levantando.
― E você, o que vai fazer?
― Eu vou buscar o Steve.
― Como assim? Ele estava aqui no Canadá esse tempo todo? ―
pergunto, confuso.
― Sim, ele está. ― Seguimos para a porta juntos.
Fora da casa podemos ver alguns agentes, esperando as ordens do
Octavio, e antes que ele possa se dirigir a eles, se vira para mim.
― Ligue para aquele desgraçado e faça ele cumprir o que prometeu.
Assinto e vou para o meu carro.
No caminho para a fraternidade, lembro-me do momento em que
conversei com o Octavio sobre a pessoa que estava ajudando o FBI. Depois
que a emboscada para a Katherine deu errado, precisei abrir o jogo e dizer a
identidade dele.
Precisava também da ajuda do Octavio para que ele conseguisse
entrar no país. A reação dele quando contei foi a que eu já esperava, ele ficou
possesso de raiva por eu ter escondido algo de extrema importância, não só
dele, mas do FBI.
Muita conversa foi necessária para que eu conseguisse explicar o
motivo do silêncio. Octavio concordou em ajudar, mas, que no final, ele
cumprisse o que prometeu ― nos ajudar a acabar com a Katherine e que se
entregasse em seguida. Então está na hora de ele cumprir a promessa, doa a
quem doer.
Eu só consigo pensar na Liz e Sam, em como estarão as duas neste
momento, se estão machucadas ou pior. Estou perdendo o controle da minha
mente, e não posso deixar isso acontecer.
Desço do carro rapidamente quando chego à fraternidade. Vou
abrindo a porta da casa e encontro todos reunidos na sala. Assim que me vê,
Davon fecha a expressão, sabendo que não é coisa boa, uma vez que estou
aqui.
― O que aconteceu? Estou tentando falar com a Liz e Sam elas não
me atendem. ― Se aproxima de mim.
Olho em volta, para os seus amigos, tentando verificar se estão todos
presentes. E assim como o Davon, eles entram em alerta, já de pé, esperando
a minha resposta.
― Estão todos aqui? Todos bem? ― pergunto, para ter certeza antes
de avisar o que está acontecendo.
― Me responde, Ryan. Fale o que está acontecendo ― insiste em
saber, ficando agoniado.
― A Katherine ― suspiro ― pegou a Liz e a Sam ― falo de uma
vez, ouvindo e vendo as expressões desesperadas e de choque.
― Não é possível, isso não pode estar acontecendo. ― Ele passa as
mãos pelos cabelos, em choque. ― Preciso ir atrás da minha irmã e da Bess.
― Então começa a ir em direção à porta, mas eu o seguro.
― Ninguém vai sair, todos permanecerão aqui. O FBI está nisso, o
Octavio já sabe, e foi buscar o Steve. Vamos trazer as garotas de volta para
casa em breve. ― Asseguro a todos.
As amigas da Liz estão em um canto, abraçadas uma na outra,
chorando. Evan não sabe o que dizer de tão chocado.
― Você não entende, não posso ficar aqui de braços cruzados
enquanto tudo isso acontece. Não posso perder a minha irmã, não posso ficar
sem a Bess. ― Seu tom de voz aumenta com o seu desespero.
― Claro que eu entendo. Eu também quero as duas aqui tanto quanto
vocês. Mas neste momento você não vai ajudar em nada. ― Me aproximo
dele e olho em seus olhos.
Estou com medo? Claro! Liz é a minha família, minha irmãzinha,
farei qualquer coisa para que esteja sã e salva.
― Cara, o Ryan tem razão. A gente tem que ficar aqui, senão seremos
mais um problema. Eles vão achar as garotas, não vão, Ryan? ― Oliver se
aproxima do amigo, tentando acalmá-lo, mesmo que esteja desesperado
também.
― Sim.
Davon se senta no sofá, com a cabeça entre as mãos, e começa a
chorar.
― Como aconteceu isso? ― Evan pergunta. ― Elas não estavam com
os seguranças?
Não consigo responder a sua pergunta, pois a porta da frente se abre
com um baque que me faz imediatamente levar a minha mão às costas para
pegar minha arma. Ethan aparece na sala, desesperado. Seu rosto vermelho e
suado, com a respiração ofegante, nos mostra o quanto estava desesperado
para chegar aqui.
― É o Noah. Ele também está ajudando a Katherine esse tempo todo
― declara.
Consigo ver rapidamente quando o Davon se levanta e atira a mesinha
da sala contra a parede.
― Eu sabia! Eu sabia que ele não tinha mudado, e vocês todos
acreditando nele.
― Ele não pode ter feito isso. Não com a Liz e a Sam ― Oliver fala,
incrédulo. ― A Liz ficou do lado dele.
Agora me dou conta como a Katherine sabia de tudo. A pessoa que
eles consideravam um amigo estava, na verdade, esse tempo todo, agindo por
trás. E o engraçado é que nem tive a chance de conhecê-lo pessoalmente.
Todas as vezes em que estava presente com amigos da Liz, ele não se
encontrava. E não duvido que tenha sido ele que entregou a minha identidade
a Katherine. Ela descobriu por ele que eu era um agente do FBI infiltrado.
Desgraçado!
Espero ter a chance de encontrá-lo e fazê-lo pagar pelo que fez.
― Estou falando a verdade ― Ethan diz. ― Passei no apartamento
dele antes de ir buscar as duas, já que estava estranhando o afastamento dele.
Quando cheguei lá, o apartamento estava abandonado, como se tivesse ido
embora. Encontrei vários papéis com informações sobre o nosso grupo de
amigos e liguei uma coisa na outra ― explica.
― Não acredito, a gente confiou nele ― Alex diz, chorando, então
Oliver a abraça.
Ethan parece perceber algo, e olha em volta. Sua testa franze quando
pergunta.
― Cadê a Liz? E a Sam? ― Olhando para o rosto de cada um, ele tem
a sua resposta.
Dá um passo para trás, não acreditando no que está vendo.
― A Katherine pegou-as ― Davon responde, virando de costas para
se encostar na parede. ― Ela levou as duas, com ajuda do seu melhor amigo.
― Eu passei na casa dela para pegá-las, mas não tinha ninguém.
Então achei que poderiam estar aqui. Eu juro, eu não sabia de nada, não
sabia. Se eu soubesse, nunca o teria deixado fazer isso, jamais. Eu amo a Liz
como se fosse a minha irmã. ― Sua voz embargada mostra que está dizendo
a verdade.
― Acredito em você ― digo ao colocar a mão em seu ombro.
Meu celular toca e vejo que é o Octavio, torço para que tenha uma
notícia boa.
― É o Octavio, eu preciso passar essa informação para ele.
Me afasto para ter mais privacidade, saindo da casa e atendendo a
ligação.
― Pegaram o Steve também, ele não estava no hotel. Vi pelas
câmeras de segurança. Eles o levaram.
― O único que poderia saber onde a Katherine pode estar. ― Fico
irado.
As horas estão passando, e cada segundo conta.
― Noah está envolvido. Ao que parece, faz tempo. Cheguei à
conclusão de que foi ele que contou a Katherine sobre minha verdadeira
identidade.
― Aquele moleque desgraçado. Nunca que eu iria desconfiar.
Confiava nele, confiei a Liz com ele, por não ter encontrado nada quando o
investiguei. ― Ele está furioso.
― Ele enganou todo mundo, Octavio. Infelizmente, não dá para
reverter isso.
― Não, mas vou fazer todos pagarem ― responde. ― Me encontre
na agência, estou a caminho.
Desliga. Ainda com o celular na mão, ligo para ele, o único que eu
acredito que pode ter alguma informação que nos ajude a chegar até
Katherine.
― Chegou a hora ― digo logo que atende.
― O que aconteceu? ― questiona.
Ele não esperava minha ligação tão cedo, peguei-o de surpresa, mas
infelizmente, não só para mim, ele não vai gostar de ouvir as minhas
próximas palavras.
― A Katherine levou a sua filha e a Liz também.
45
“Eles te pegam para sentir seus batimentos
Você pode me ouvir gritando: Por favor, não me deixe?”
Hold On • Chord Overstreet
Liz
Não tivemos escolha a não ser entrarmos no lugar, que parece ser uma
antiga fábrica abandonada. Pela quantidade de caixas que vejo logo que
entro, parece ser um dos lugares que ela faz seus negócios.
Somos empurradas para um canto, no fundo da fábrica. Matt entra no
meu campo de visão. Ele está amarrado, e quando nos vê, seus olhos
arregalam. Ele olha para o Noah, que está me segurando pelo braço enquanto
me empurra.
Franzo a testa, sem entender o motivo de ele estar preso. Meu ódio
por ele nesse momento está esquecido.
― Seu filho da puta. ― Ele rosna para o Noah, que dá uma
gargalhada.
― Só fiz o que era para você ter feito ― responde. ― E ainda foi um
traidor.
― Quando eu me soltar daqui...
― Chega vocês dois. ― Ela se vira para o Matt. ― Lido com você
mais tarde.
Noah amarra as minhas mãos e me coloca próxima do Matt, e a Sam
mais distante.
― Katherine, leve a Sam de volta, ela não precisa estar aqui ― peço.
― Você acha mesmo que vou escutar você? Sam é um trunfo extra
para o inferno que estou causando para o seu pai e o seu queridinho Davon ―
fala, debochada. ― Minha filha, com tantos homens, foi se envolver logo
com ele? Devia ter ficado com aquele gato do Kyle. ― Faz alguns barulhos
com a língua enquanto passa a mão pelos meus cabelos, mas me remexo para
me afastar do seu toque. ― São em momentos como esse que penso que
deveria ter te levado comigo, teria feito de você a minha cópia. ― Ri ao se
afastar.
― Devo te agradecer por não ter feito isso ― respondo. ― Sou muito
feliz com meu pai, nunca senti falta de afeição materna.
Seu sorriso debochado não sai do seu rosto.
― E sobre o Davon, o que eu tenho é algo que você nunca sentiu:
amor.
Ela gargalha.
― Amor é só mais uma fraqueza, Elizabeth. Veja o que passou
quando descobriu sobre o Davon. Te enfraqueceu, te deixou tola. Devia ter
aprendido com isso.
― Mas aprendi. Não da forma que queria, mas que o amor, quando é
correspondido, ele fortalece, ele muda e constrói...
― Ai, querida, essa conversa está me deixando enjoada. Não preciso
de ensinamentos, logo vindo de você.
Ela olha para a Sam. Seu olhar assustado a faz sorrir e se aproximar
dela. Mexo minhas mãos para tentar me aproximar.
― Não seja tola em tentar fazer algo estúpido. ― Se vira para mim.
― Porque senão, ela vai pagar pelo seu erro. ― Volta seu foco para Sam. ―
Só quero dizer o quanto se parece com a sua mãe.
Katherine se vira para o Noah, se afastando da Sam, que se encolhe,
aliviada pela distância.
― Fique de olho neles. Preciso saber como vai indo aquele meu
pedido especial. ― Sorri antes de se virar para nós novamente. ― Diria para
ficarem à vontade, mas vejo que não é preciso.
Faz um gesto com a mão, rindo, antes de sair. Noah pega uma cadeira
e a posiciona na nossa frente, se sentando em seguida. A temperatura baixa
do piso parece ultrapassar a minha roupa, causando arrepios. Tento ignorar a
proximidade do Matt ao meu lado. Ele, estando preso ou não, não se livrará
da culpa do que fez comigo ou quando ajudou a Katherine. Fico curiosa para
saber o que ele tinha feito de errado. Noah o chamou de traidor, o que não é
uma boa coisa.
Olho para o Noah, que me observa atento, seu sorriso no rosto me dá
nojo. Em pensar que o considerei meu amigo.
― Por que você fez isso? ― pergunto, não aguentando sentir a dor da
traição. ― Eu te defendi, fui sua amiga, fique do seu lado quando todos te
apontavam o dedo.
― Seu erro foi ter se envolvido com o Scott.
― Não pode ser. ― Balanço a cabeça, sem acreditar.
― Davon acabou com a minha vida, ele me tirou o meu melhor
amigo, fez a minha vida na universidade um inferno, e quando eu tive a
oportunidade de me vingar, fui lá e fiz. ― Dá de ombros, como se tudo o que
tivesse dito fosse motivo suficiente para a vingança.
― Você podia ter me trazido, e ter deixado a Sam para trás.
Ela é inocente de tudo, não deveria estar passando por mais um
trauma desse.
― Não, se eu quero machucar o Scott. O que é melhor do que as duas
pessoas mais importantes para ele? ― Sorri. ― Quem você acha que passava
as informações para o Matt. ― Aponta a cabeça na direção do garoto. Não
preciso olhar para o lado para saber o olhar mortal que envia para o Noah. ―
Tinha que ser uma pessoa que estivesse com vocês no dia a dia, alguém que
estivesse dentro da casa de vocês. Ninguém melhor do que eu. Quando ele
me procurou, aceitei logo de cara.
Matt rosna. Parece que ouvir isso o deixa transtornado. Ignoro-o, não
posso confiar em ninguém aqui.
― Lembra da festa do Halloween? ― pergunta. Nem preciso
responder, já que continua falando. ― Ele me procurou naquele dia, assim
que eu fui embora praticamente sendo expulso da fraternidade. Meu ódio
pelo Scott naquela noite era incomparável a qualquer outro. Foi ali que eu
decidi que faria de tudo para destruí-lo. Matt apareceu, me fez a proposta e
aqui estou eu.
Balanço a cabeça, ainda sem acreditar. Noah manipulou todo mundo,
fingiu ser o nosso amigo.
― Não entendo. ― Olho para o Matt. ― Por que você está preso?
Sendo que estava do lado deles.
Ele fica em silêncio. Nesse momento, escuto os passos da Katherine
retornando.
― Deixa que eu respondo por você, querido. ― Dá risada. ― Porque
resolveu ajudar o pai dele.
― Mas o que o pai dele tem a ver com isso? ― pergunto, sem
entender.
Então noto uma movimentação. Pessoas se aproximando e, para a
minha surpresa, vejo Steve caminhando com dois homens o segurando.
― Pai? ― sussurro, mas a Katherine escuta.
― Pai não, querida Liz, tio.
Minha respiração logo acelera ao ouvir isso.
― O que está dizendo? Está louca agora para inventar um absurdo
desses? ― Minha voz sai alterada.
― Não é absurdo ― Katherine afirma.
Olho para o meu pai, que está sendo preso pelos homens a minha
frente.
― E o Matt é o seu primo, ou seria irmão de consideração também.
― Ela ri. ― Nossa, isso me deixa confusa. Não é culpa sua se não reparou na
semelhança entre mim e ele, na verdade, não tinha como, né? Fui uma mãe
um pouco ausente.
Continuo olhando para Steve, que não nega o que ela diz, mas
também não olha nos meus olhos. Meu peito se aperta e consigo prever que a
explicação seguinte vai me destruir.
― É verdade, pai?
Ele assente, ainda sem me encarar.
Não consigo mensurar o que estou sentindo. Só sei que tinha sido
enganada mais uma vez.
― Eu soube manipular o Matt direitinho. ― Ela faz um aceno para
que o Noah se levante da cadeira para ela se sentar antes de olhar para o Matt.
― Tudo o que eu te contei era mentira, o Steve não sabia da sua existência.
Matt olha para o Steve, que assente. Seu olhar foge do meu, pois ele
sabe que verei tudo naquele olhar.
― Paguei para a sua mãe não contar a ele. Sei que foi um caso rápido
entre eles, então não tinha o porquê ela não aceitar a minha oferta. Então,
quando ele nasceu, eu o entreguei a uma família que eu pudesse sempre estar
de olho. Se precisasse que o meu irmão fizesse algo para mim, eu teria com o
que chantageá-lo.
― Me perdoe, Liz, por favor. ― Ouço sua voz e olho para ele, que
me encara. ― Eu nunca quis te machucar, nunca quis machucar o seu pai.
Sinto algo quebrar em mim, meus olhos estão enchendo de lágrimas.
Não quero que ela veja, preciso ser forte.
― Você mentiu para mim durante todos esses anos, mentiu para o
meu pai. ― Ele nega com a cabeça. ― Meu pai sabia?
― Ele não sabia que eu tinha um filho.
Choro pela dor que estou sentindo agora. Por ter sido enganada, por
ter amado uma pessoa que considerei meu herói desde pequena, por ter aberto
meu coração para deixá-lo entrar. A verdade de tudo isso me corta, me
deixando em frangalhos.
― Nós dois fomos usados. ― Olho para o Matt, que mesmo com
todas as confissões, tenta não deixar transparecer nada. ― Fomos usados por
vocês dois. ― Continuo chorando.
― Liz, não é bem assim ― diz, desesperado. ― No começo apenas,
mas me apaixonei pelo seu pai e por você. Assim que a vi, não queria dar
continuidade aos planos da Katherine, mas não tive escolha quando descobri
sobre o Matt.
Gostaria que minhas mãos estivessem soltas para poder tampar meus
ouvidos e não precisar ouvir mais nada, ao menos eu tentaria.

Steve
Jamais desejei que a Liz estivesse passando por isso ao ouvir a
verdade, toda a verdade sobre mim. A dor maior que está sentindo não é nem
por saber que sou irmão da Katherine, mas sim por ter usado ela e Octavio. É
a pior traição que uma pessoa poderia sofrer.
Eu também sinto, sinto a dor de a ter decepcionado, a machucado a
ponto de ela não querer olhar para mim para eu poder explicar como tudo
aconteceu.
Sinto muito por também não ter feito parte da vida do Matt, teria sido
tudo diferente. Queria ter tido a chance de criá-lo, ter passado com ele todas
as fases da sua vida, infelizmente, isso tudo foi tirado de mim.
Um homem se aproxima e vai até Katherine, então se abaixa e diz
algo em seu ouvido. Sua expressão se fecha quando escuta e se levanta.
― Vou dar um último momento em família para vocês. ― Sorri antes
de sair.
Olho para a Liz, que está mexendo as mãos para se soltar. Mas, pelas
lágrimas, sei o quanto está sofrendo.
― Filha, por favor, me escute ― peço, aflito.
― Não me chame assim, você não tem mais esse direito.
Ouvir essas palavras me machuca, na realidade, dói ainda mais do que
pensei.
― Sempre fomos eu e a Katherine, não tínhamos família ou parentes.
Desde que os nossos pais morreram, tivemos que nos virar para sobreviver.
Desde que éramos pequenos, Katherine sempre se mostrou diferente de mim,
ambiciosa, egoísta, calculista, e com o tempo isso só foi piorando.
Não levanto meus olhos para ver se estão me escutando.
― Na primeira oportunidade, ela estava se envolvendo com coisas
erradas pelo dinheiro, mas depois disso tudo mudou, não era mais pelo
dinheiro, era pelo poder. Ela sempre quis isso, estar controlando tudo. E
mesmo vendo isso tudo, me afastei, porque não queria me envolver. Me
mudei de cidade, mas estava ciente dos planos dela. Nesse período, tive
alguns relacionamentos, mas nunca duradouros.
Olho para a Liz e Matt, que me encaram.
― Eu soube do envolvimento romântico dela com um agente do FBI, e
era tudo o que ela queria, estar sabendo de todos os passos deles. Os negócios
dela estavam crescendo e ela não daria a chance para descobrirem, e foi aí
que seu pai entrou ― digo. ― Estar próximo dele era a solução perfeita para
ela. Octavio estava tão apaixonado, que não percebeu as coisas. Ela estava
bem dentro da vida dele, sabia de tudo, e só foi facilitando para ela. Tudo
melhorou ainda mais quando conheceu o melhor amigo do Octavio, que
também era um agente e diretor da agência. Era perfeito para o plano dela.
Eles me olham atentamente.
― Christian? O pai do Davon e Sam? ― Liz pergunta.
― Sim.
Ela olha para a Sam, que está escutando toda a conversa. Essa
conversa também tem relação com a família dela, só fico receoso em contar
tudo e prejudicar mais a sua saúde. Ela parece estar mais calma, mas isso
tudo a está afetando.
― Pode continuar ― sua voz fraca pede, como se tivesse lido minha
mente.
― Com a aproximação com o Cohen, ela percebeu que os dois tinham
os mesmos gostos e, principalmente, o desejo de mais. Mais dinheiro e tudo
que vinha com o poder. E foi então que começou o envolvimento dos dois.
Katherine cresceu ainda mais nos negócios com a ajuda do Christian.
― Até meu pai descobrir sobre os dois.
― Sim. E ela foi embora deixando você para trás. Cohen foi afastado
do FBI para ser investigado, mas sem algo concreto, ele não podia ser preso.
Ele conseguiu arruinar tudo o que o comprometia. O FBI só teve acesso às
coisas que fez de dentro da agência depois da morte dele, conseguiram
recuperar documentos no incêndio da casa.
“Foi então que ela me procurou, me convenceu a participar dos planos
dela e do Christian. E quando tudo deu errado e veio a morte do Christian, ela
sumiu e não me procurou durante anos. Achei que enfim tinha me deixado
em paz, até que voltou a me procurar, então me recusei a ajudá-la, não queria,
e foi aí que eu soube da existência do Matt. Ela ameaçou a vida dele.”
Olho para o meu filho, que nada expressa em seu rosto.
― Me contou que pagou para a mãe dele, um caso que eu tive no
passado, e o deu para uma família de confiança. Katherine não tinha nada a
perder ao me chantagear, não se importava com o Matt, mas eu sim tinha a
perder, eu o perderia, mesmo sem conhecê-lo ou vê-lo.
“Aceitei o que tinha proposto, mas eu mal sabia que quando entrasse
na vida do Octavio, me apaixonaria por ele e pela filha, minha sobrinha.
Vivia dividido sobre o que fazer, e quando o Christian morreu, achei que eu
poderia enfim viver em paz. Katherine havia conseguido o que queria com a
morte dos Cohen, nada mais ligava a ela. Foi o que achou, ela nem sabia que
os filhos dele estavam vivos.
“Então contei tudo para o Octavio, quem eu era, tudo. Só deixando de
lado a parte de que eu era irmão da mulher que ele queria prender mais que
tudo na vida. Era para tudo ter sido diferente, Liz. Eu amei vocês, amei ainda
mais quando ele me perdoou e me deixou fazer parte da vida dos dois. A
única coisa que ainda me ligava a ela era o Matt. Quando tive a oportunidade
de falar com ele, de conhecê-lo, ele não queria me ver. Katherine fez a cabeça
dele contra mim, usou mentiras para ter tudo sob o controle dela.”
Queria que tudo estivesse sob o meu controle quando o conheci.
― Isso mudou quando eu vim para o Canadá, na última vez. Pouco
depois de ter um encontro com o Ryan e falar com ele que estava disposto a
ajudá-lo em tudo para acabar com a Katherine. Alguma coisa aconteceu para
que o Matt me desse a chance de falar com ele. Contei tudo a ele, e quando
ele saiu sem dizer nada, achei que tinha sido em vão, até ele entrar em
contato comigo.
Sorrio, porque aquele foi um dos momentos mais feliz da minha vida.
Meu filho tinha aberto os olhos para quem a Katherine era de verdade, e me
procurou. Então ele me disse tudo que ela havia dito sobre mim a ele. Ele só
precisou de tempo.
― Você procurou o Ryan? ― Liz pergunta.
― Na verdade foi ele que me procurou, e não deve ter te contado,
porque envolvia outra pessoa.
Ela franze a testa. Olho para a Sam, que ainda continua encolhida,
escutando. Eu não posso dizer que o pai dela está vivo, não sei como reagirá.
― Então, quando o meu pai descobriu que você voltou a ajudar a
Katherine, ele resolveu se separar de você ― conclui. Seu semblante cansado
mostra o quanto isso tudo é demais para ela.
― Sim.
O momento mais difícil dos últimos dias. Não me iludi pensando que
Octavio me perdoaria de novo e ficaríamos juntos, mas doeu do mesmo jeito.
― E você estava aqui no Canadá esse tempo todo?
― Sim. Eu queria estar por perto se algo acontecesse ou se eu
pudesse ajudar o FBI com alguma coisa.
Ela nada responde. Apenas suspira e apoia o corpo na parede atrás
dela.
― E quando o Matt me ligou para dizer sobre o plano da Katherine,
ele não conseguiu contar tudo, pois a ligação foi encerrada. Imaginei que ela
havia descoberto.
Ele assente.
― Ele me pegou falando com você no celular e conseguiu tirá-lo de
mim antes, então fui preso e me trouxeram para cá. ― Escuto a voz dele pela
primeira vez desde que cheguei.
Liz o encara, assimilando suas palavras.
Imagino que para ela esteja sendo difícil vê-lo como parente, ele
também havia causado mal a ela. E quando eu soube disso, fiquei
transtornado e tentei de várias maneiras falar com ele, que estava agindo
pelos motivos errados.
― Me perdoem. Espero que vocês consigam me perdoar algum dia.
― Em algum momento, devo ter começado a chorar e nem havia percebido.
Ela me olha e balança a cabeça.
― Depois da mentira do Davon, achei que nada mais poderia me
machucar, mas eu estava enganada. Você me destruiu. ― Suas lágrimas
retornam. ― Quem estava por trás de toda essa mentira, era você, o meu pai.
Choro copiosamente, não pelas palavras, mas por ser verdade. Ela
tenta limpar o rosto nas suas roupas antes de olhar para o Matt.
― Preciso que tente me soltar. Acha que consegue? ― pergunta a ele.
― Posso tentar ― responde.
Liz se vira de costas e o Matt também. Infelizmente, com a minha
distância, eu não posso fazer o mesmo com a Sam. Tento mesmo assim soltar
as minhas mãos, elas estão apertadas demais, o que me impede de mexer
meus dedos.
― Consegui afrouxar as cordas ― ele fala, mas logo ouvimos passos
vindos em nossa direção. Eles voltam para as mesmas posições de antes. ―
Faltava pouco.
Katherine volta, sua expressão não está muito satisfeita, mas
permanece com o sorriso diabólico.
― Acho que dei tempo suficiente para vocês. Agora se levantem.
― O quê? Vai fazer o que com a gente? ― pergunto, confuso.
Nos levantamos com dificuldade por estarmos com as mãos atadas.
― O que eu deveria ter feito há muito tempo ― diz, e levanta a mão,
apontando a arma em direção a Liz.
― Katherine, não faça isso, por favor. Vamos conversar, tem que ter
outro jeito ― peço, desesperado e com cautela.
― Não tem. E pare suplicar, irmãozinho, você sabe que isso não
funciona comigo. ― Ela olha para o Matt. ― Fique parado bem aí e não faça
nada idiota.
Katherine continua apontando a arma para Liz, então tento me
aproximar aos poucos sem que perceba.
― Katherine, por favor.
― Katherine. ― Noah aparece, assustado. ― Eles descobriram. O FBI
está chegando.
Por milésimos de segundo, eu a vejo temer, mas volta sua atenção
para mim.
― Não é possível. Somente uma pessoa sabia desse lugar, e essa
pessoa está morta ― esbraveja.
― Parece que seus planos não deram certos, né? ― Uma voz surge da
escuridão. Com passos calmos, seu rosto vai aparecendo aos poucos.
Katherine se vira rapidamente, apontando a arma para o homem.
― Pai ― Sam diz atrás de mim.
Então me viro e encontro seu rosto branco, suas pernas falham e ela
cai no chão.
Christian.
Ele a olha angustiado, mas permanece parado. Ele não pode ir ao
encontro dela, não ainda. Ele se volta para a Katherine, com a sua arma na
direção dela. Noah, que está perto dela, também tem uma apontada para ele.
― Eu voltei para acabar com você, assim como acabou com a minha
família.
― Não é possível. ― Ela nega com a cabeça.
― Parece que você não é tão inteligente quanto pensa. Você nem se
deu o trabalho de ver se eu realmente estava morto. ― Se aproxima a passos
calmos. ― Eu estive todos esses anos por trás de tudo o que aconteceu. Em
todas as vezes que o FBI chegou perto de você, era eu que estava passando
informações.
Ela ainda olha para ele, sem reação. Aproveito essa distração para
ficar ao lado da Liz.
― Acha que era somente o Ryan infiltrado no seu meio? Não. ― Ele
ri. ― Conheço seus passos como ninguém, Katherine, e ter pessoas me
ajudando de dentro tornou tudo mais fácil. Como acha que tive certeza desse
lugar?
― Seu desgraçado, era para você estar morto, garanti isso ― ela grita.
Nunca na minha vida havia visto Katherine tão alterada assim.
― Era mesmo, né? Até hoje me pergunto como consegui sair daquela
casa em chamas. Claro que tive sequelas depois daquela noite, mas jurei que
te destruiria.
Ela ri, nervosa.
― Acha mesmo que conseguirá? Está na minha frente agora, posso
simplesmente atirar em você, não sairá daqui vivo.
Vejo alguns homens dela se aproximando, então percebo que o Matt
está ao lado da Sam, que conseguiu se levantar e estão mais distantes.
― Pode até ser, mas te levo junto. Não escapará, o FBI já está aqui.
Acabou, Katherine, você não tem mais nada.
O grito que ela dá em reposta é tão alto e assustador, que antevejo o
que ela fará.
― Não ― grito no momento em que ela se vira para a Liz, com a
arma apontada. Quando ela aperta o gatilho, eu já estou me jogando na frente
de Liz para protegê-la.
Liz
Não sou rápida o bastante para perceber o movimento, só escuto o
disparo e logo em seguida sinto o peso do corpo do meu pai. Quando me dou
conta do que realmente havia acontecido, paraliso.
― Não, não, não. Pai, me responda.
Ele geme e continua imóvel.
Não aguento sustentar o seu peso e caímos no chão. As minhas mãos
já estavam soltas, então desato as cordas das mãos dele e me desligo
totalmente do que acontece ao redor.
Em algum momento, Matt se aproxima e procura o ferimento da bala.
Enquanto seguro o rosto do meu pai, lágrimas deslizam pelo meu rosto.
― Steve, aguente firme ― Matt pede e tira a blusa para estancar o
sangue na região do abdômen. ― Liz, pressione.
Olho para ele sem entender o que está dizendo, vejo seus lábios se
mexendo, só não consigo reagir. Ele sacode os meus ombros, gritando.
― Pressiona, porra.
Saio do meu transe e pressiono a ferida enquanto o Matt coloca a
jaqueta dobrada embaixo da cabeça do Steve. De repente, a mão de Steve
toca a minha.
― Liz... ― ele tenta falar.
― Não se esforce, por favor ― peço.
― Preciso te pedir perdão. Me perdoe, filha, por ter te enganado, eu
nunca fiz isso para o seu mal.
― Pai. ― Aperto sua mão.
― Me perdoa, Matt ― agora ele olha para Matt ―, eu queria ter sido
um pai para você. ― Ele se esforça para dizer, a dor dominando o seu rosto.
― Eu sei, agora eu entendo. ― Matt segura a sua outra mão. ― Você
vai ficar bem, aguente firme.
Ele nega e se vira para mim novamente.
― Fique perto dele, ajude-o.
Neste momento, vejo meu pai correndo em nossa direção. Ele se
abaixa e para ao meu lado, segurando meus ombros para me analisar.
― Você está bem?
Assinto, então ele volta seu olhar para o Steve e seu ferimento.
― Merda! ― meu pai grita e se vira para trás. ― Precisamos de uma
ambulância urgente ― grita novamente enquanto me ajuda a pressionar o
ferimento.
― Octavio, me perdoe por tudo o que fiz, por não ter sido um bom
companheiro. ― Ele tosse. ― Me perdoe, meu amor. ― Sua voz sai fraca.
― Poupe as palavras, Steve ― ele pede.
― Por favor.
― Sim, eu perdoo.
― Pai, você não pode nos deixar, não agora ― suplico, chorando.
― Fique ao lado dele ― diz mais uma vez, antes de eu vê-lo
desfalecendo.
― Não, não. ― Balanço o seu corpo. ― Pai, por favor. ― Me
debruço sobre ele, chorando.
― Liz, querida ― meu pai me chama.
― Onde estão os médicos, pai? ― Me levanto, perguntando a ele. ―
Pai?
Ele abaixa a cabeça, então olho para o Matt, sentado no chão, sem
reação além do choque enquanto encara Steve. Meu pai me puxa para os seus
braços e meus soluços se misturam com as palavras que solto.
― Ele não, ele não pode nos deixar.
Por cima do seu ombro, me permito ver ao meu redor. Sam está de pé,
em choque, enquanto seu pai se aproxima de onde ela está.
― Sam ― ele diz.
― Não chegue perto de mim ― ela grita, se afastando.
Queria ter forças para ir até ela, mas ainda não tenho.
Está uma confusão de homens, sangue e corpos. Identifico um corpo
no chão, imóvel.
― Katherine.
― Está morta. Christian a matou antes que eu pudesse chegar.
Não respondo, só continuo encarando seu corpo no chão.
Será esse o fim que eu tanto queria para tudo isso?

Davon
Corro para entrar na fábrica, mas não me deixam passar. O FBI já
havia entrado e dá para ouvir os tiros daqui de fora.
― Eu preciso entrar ― grito para um dos agentes que me segura.
― Ninguém entra.
Passo as mãos pelos cabelos, imaginando o que está acontecendo lá
dentro. Liz e Sam estão bem?
Estão demorando para sair, e isso me deixa agoniado.
― Deve ter acontecido alguma coisa ― digo para Oliver, Evan e
Ethan, que vieram comigo. Não íamos conseguir esperar na fraternidade.
Assim que o Ryan me ligou dizendo que sabiam onde as duas estavam,
implorei pelo endereço.
― Não pense no pior ― Evan diz, atento à saída, assim como todos
nós.
Agentes começam a sair acompanhando homens da Katherine
algemados. A esperança de ver Liz e Sam saindo também é enorme.
― Alguma coisa deve ter acontecido, estão demorando demais.
Quando fecho a boca, Ryan sai segurando o Noah pelo braço. Meu
sangue ferve, e nem sei como consigo me livrar dos agentes. Meu punho
fecha e eu acerto o rosto de Noah assim que me aproximo dele.
― Seu filho da puta. ― Mesmo com ele no chão, dou mais dois socos
nele, antes de alguém me segurar e me afastar. ― Me solta, vou acabar com
esse desgraçado. ― Não consigo me aproximar mais, Ryan me mantém
imobilizado.
― Gostei do soco, garoto ― Ryan diz, sorrindo, quando me solta. Ele
levanta a mão para um agente que está se aproximando. ― Não precisa,
Davon não é o problema aqui. Leve o rapaz. ― Aponta para o Noah, que
geme no chão, com o nariz quebrado.
Esqueço do Noah quando olho para a frente e as vejo, abraçadas. Vou
até elas e puxo as duas para meus braços.
― Graças a Deus!
Elas começam a chorar e posso sentir o terror que passaram lá dentro.
― Agora tudo vai ficar bem.
Beijo a testa de cada uma e dou uma olhada para ver se estão
machucadas. Ao ver o sangue nas mãos da Liz, eu me assusto.
― Não é meu. ― Ela se esforça a dizer. ― Meu pai, Davon, ele
morreu, o Steve morreu.
― Bess, sinto muito ― digo. Volto a abraçar as duas novamente,
quando sinto o corpo da Sam tremer. ― Sam? Sam, você está bem?
Solto a Liz para poder ver a minha irmã melhor.
― Nosso pai... ― diz, em choque, então franzo a testa sem entender.
Então me toco que tudo isso deve ter trazido lembranças do incêndio
que matou nossos pais.
― Sam. ― Seguro seu rosto. ― Está tudo bem, você só está em
choque.
― Nosso pai...
Olho para a Liz e vejo o seu olhar temeroso. Quando levanto a minha
cabeça, entendo o que a Sam está querendo dizer. Minhas pernas viram
gelatinas e por pouco não vou ao chão. Evan aparece ao meu lado, me
sustentando.
― Não pode ser verdade.
Octavio o traz algemado. Seu olhar no meu diz o quanto sente muito.
Olho para o homem que um dia considerei meu pai, e percebo que o odeio
ainda mais neste momento. Todas as lembranças, tudo o que ele fez aparecem
de uma só vez. E pensar que o infeliz esteve vivo esse tempo todo, e me
deixou cuidar da Sam sozinho.
Tento avançar, mas Evan me segura no lugar. Meus dentes rangem
conforme eles vão se aproximando. Sua aparência não mudou nada. Só
ganhou mais fios brancos.
― É tudo culpa sua ― grito, tentando ir para cima dele, mas me
impedem. ― Me solte, me solte.
― Calma, Davon ― Evan pede.
― Esse não é o momento, olha como a Sam está. ― Oliver consegue
a minha atenção.
Viro-me para a minha irmã e noto o quanto está perturbada com tudo.
Tento me acalmar e dou uma última olhada para Octavio conduzindo meu pai
para longe. Puxo Sam para os meus braços novamente, logo em seguida a
Liz, que está desnorteada com o choque de perder o pai.
― Vai ficar tudo bem ― digo para as duas.
Matt sai de dentro da fábrica e não olha para ninguém além da Liz,
que também o vê saindo. Eles trocam um olhar significativo, e percebo que
algo deve ter acontecido lá dentro, só espero que ela me conte quando se
sentir à vontade.
Liz e Sam serão encaminhadas para o hospital mais próximo, para ver
se estão realmente bem. Liz, percebendo que o meu olhar não sai do carro
onde se encontra o meu pai, diz:
― Não quer ir até a agência falar com ele?
Me viro para olhá-la, ela entende o quanto preciso desse momento
com ele.
― Sim, mas não agora, quero ter certeza de que vocês estão bem.
Liz e Sam entram na ambulância, enquanto eu e os meninos vamos
seguindo, com o Ryan. Antes de o carro se afastar do terror que foi esse
lugar, vejo corpos cobertos saindo de dentro da fábrica.
Liz me contou que o Steve se jogou na frente dela para salvá-la.
Ela não me disse muita coisa, ainda está em choque e não quero
forçá-la a nada, mas estou aliviado por saber da morte da Katherine. Mas
saber que o meu pai estava vivo esse tempo todo me tira a calma.

Quando garantem que a Liz e Sam estão bem, digo para as duas para
onde estou indo. Os nossos amigos ficarão com elas, Oliver me garantiu que
ficará de olho em Sam para o caso de acontecer alguma coisa. E assim eu vou
para a agência, com o Ryan.
Não dizemos nada durante o caminho inteiro. Não precisamos, já
temos em mente pensamentos demais sobre toda a situação. Subimos para o
andar calados, Ryan só fala comigo para avisar o andar que iremos.
Assim que as portas do elevador se abrem, Octavio nos espera.
― Liz e Sam estão bem?
Ele não pôde ir com a gente para o hospital. Como diretor do FBI, ele
precisava estar presente quando levasse o meu pai, além de ter que resolver
todo o caso da Katherine, mesmo já estando morta.
― Estão. Ficaram no hospital com nossos amigos.
Ele assente.
― Você sabe que isso não é o certo ― fala para mim.
― Eu sei, mas preciso ter essa conversar com ele, não ficarei em paz
se não tiver isso ― respondo. Agora estamos parados do lado de fora da sala
onde Christian Cohen se encontra.
Entro na sala, e quando ele me vê, a expressão do seu rosto muda. Me
sento em uma cadeira com uma boa distância entre nós dois, é melhor assim.
Octavio e Ryan nem entram na sala, dando-nos a privacidade que
precisamos para termos essa conversa.
― Você cresceu, se tornou um ótimo homem ― diz, me observando.
― Não graças a você ― respondo com rispidez.
― Taylor...
― Esse não é mais o meu nome. É Davon.
Ele sorri, balançando a cabeça como se quisesse retrucar, mas deixa o
comentário de lado.
― Mereço esse tratamento. ― Sua voz compreensiva me deixa mais
irritado.
― Na verdade, eu não deveria nem estar aqui, mas preciso olhar no
seu rosto para dizer que a morte da minha mãe e tudo isso que aconteceu
comigo e a Sam é culpa sua ― rosno.
― Eu sei, me culpo todo dia por isso.
― É bom que esteja ciente. Mesmo que um dia saia da prisão, o que
acho difícil, quero que fique longe de mim e da Sam. Não precisamos que
você cause mais infelicidade em nossas vidas. ― Me levanto para ir embora.
― Não quer perguntar nada, saber de nada? Fiquei esse tempo todo
escondido para ter a chance de acabar com a Katherine, para vocês poderem
viver sem o medo de tê-la os ameaçando.
― Não fez mais que sua obrigação. Todos os eventos que
aconteceram comigo e ela foram causados por suas escolhas egoístas. Não
preciso saber de nada e não quero, sei o suficiente para não o querer como
pai. Minha família é somente a Sam, sempre foi e será.
Me viro para ir embora, mas escuto sua voz novamente.
― E a Sam?
― Vou continuar cuidando dela como sempre cuidei. ― Continuo de
costas para ele quando digo: ― Espero que apodreça na cadeia.
Saio da sala e percebo que estava sufocado em estar lá dentro com ele
ao sentir o ar do lado de fora.
― Acabou ― Octavio diz em relação a tudo que envolvia a
Katherine.
― Sim.

Octavio
Entro na sala de interrogatório para fazer as perguntas ao Christian.
Ele sorri quando me vê entrar.
Esse é o momento que eu precisava para ocupar a mente da morte do
Steve. Sei que depois que sair daqui, o peso da perda acabará comigo, e eu
preciso ser forte por mim e pela Liz. Dói muito, e mesmo que não
estivéssemos mais juntos eu o amava, mas, neste momento, não posso me
permitir sofrer. Não com tudo que eu preciso resolver sobre as prisões do
Christian, Matt, Noah e os capangas da Katherine, assim como as atividades
criminosas dela. Será um caminho longo para o FBI percorrer.
― É um prazer te ver novamente, querido amigo.
Ignoro seu deboche ao me sentar à sua frente. A raiva que sinto dele
está transbordando em mim. E sinto ainda mais raiva em saber que estava
vivo todo esse tempo e deixou que os filhos sofressem pela perda e
crescessem sem o apoio dele. Egoísta, desgraçado.
Na época em que descobri sobre a traição dele com a Katherine e no
FBI, nem se compara com o quão enfurecido estou agora. A minha vontade é
de socá-lo para poder descontar tudo nele.
Davon saiu da agência transtornado, mas vi em seus olhos que a
conversa que teve com seu pai foi o encerramento que ele precisava. O garoto
é forte, saberá passar por tudo isso.
― Não achei que fosse te ver vivo, acho que ninguém esperava que
estivesse vivo, nem mesmo seus filhos. ― Seu sorriso desaparece. Davon e
Sam são o seu ponto fraco, agora ele sente na pele. ― Não vou dizer como
funcionará o interrogatório, você sabe muito bem como é.
Ele não responde, então aceito isso como o momento para começar as
perguntas.
― Como você conseguiu escapar do incêndio?
― Considero um milagre ter estado na casa naquela explosão, e
mesmo ferido e com queimaduras graves, ter saído vivo de dentro. Com
impacto devo ter ficado inconsciente por alguns minutos. Acordei com o
corpo da Marie ao meu lado, não tive tempo o suficiente para procurar pelos
meus filhos. Juro que achei que os havia perdido junto com a minha esposa
naquela noite. ― Pausa. ― Com o tempo descobri que estavam vivos. Não
sei exatamente como consegui sair daquela casa sem que me vissem. O outro
corpo que acharam na casa não era o meu, tínhamos um convidado naquela
noite. Lembro-me como se fosse hoje, estava furioso com o Taylor por ter
batido o carro mais uma vez. ― Seus olhos não piscam enquanto relembra a
cena.
É muita frieza dele ter feito isso.
― E foi tão frio em deixar seus filhos viverem sem a sua presença.
Você poderia não ter sido um bom pai, mas eles teriam você ao lado.
― Você sabe o motivo de eu ter feito isso. Faria o mesmo para
proteger a Liz.
― Não, não faria. E você sabe disso, foi meu amigo anos suficientes
para me conhecer tão bem. Eu teria pensado em outro jeito para acabar com a
Katherine sem precisar fingir a minha morte e deixar a minha filha sofrendo,
crescendo sozinha para enfrentar o mundo.
― Octavio, eu não preciso do seu sermão.
― Claro que não, é tarde demais para isso. O que me deixa bem
intrigado é que você sabia no que o Davon estava se metendo ao ir atrás da
Katherine, correndo risco de vida, e mesmo assim você não voltou ou o
impediu de alguma forma.
― Não fui um bom pai, entendo isso. Mas agi sim quando ele foi até
a Itália. Quem você acha que usou a informação de que o FBI estava indo até
lá para passar para ela? Pedi que o Ryan fizesse isso, não queria que ela
encontrasse o meu filho, ela o mataria e você sabe disso.
Assinto. Davon estava lá no mesmo dia que eu, e por pouco eu não o
encontrei.
― Como você entrou em contato com o Ryan e o convenceu a te
ajudar no seu plano?
― Não foi difícil. Ryan é bem devoto a você e sua filha, e estava na
agência de Nova Iorque, então foi mais fácil falar com ele. Ninguém saberia e
ele estava longe demais para você descobrir alguma coisa.
Ele tinha pensado em tudo, nos mínimos detalhes.
― Ajudei-o a entrar nos negócios da Katherine, eu conhecia tudo, não
foi difícil, o resto ele fez sozinho. O cara é bom, de cara conseguiu a
confiança dela, depois a cama, sobre os negócios... ― Sorri, debochado.
― E por onde esteve todo esse tempo?
― Tive ajuda. Tenho alguns amigos que conheci enquanto ajudava a
Katherine. Imagino que você saiba como consegui dinheiro para sobreviver.
― Tenho noção.
― Fui tolo em achar que conseguiria sair de tudo que envolvia a
Katherine sem pagar de alguma forma ― desabafa.
― Katherine era doente, o amor dela por você era doentio.
― Não, Octavio, ela não amava ninguém, nem mesmo o próprio
irmão. Ela era obcecada pelo poder e dinheiro, queria sempre que tudo saísse
do jeito dela.
― E por causa disso perdeu tudo de bom que tinha. Finalizamos por
hoje. ― Levanto-me.
― Sei que não posso pedir nada a você, mas peço que cuide dos dois
por mim, principalmente a minha garotinha.
― Você nem precisa pedir isso, já estou cuidando dos dois.
Assente.
― E sinto muito pela sua perda.
É a minha vez de assentir.
E assim que saio da sala, o peso da morte do Steve cai em meus
ombros. Imagino como meus dias serão sombrios e difíceis.
46
“Eu vou me levantar sem medo, eu vou me levantar
E eu vou fazer isso mil vezes
Por você.”
Rise Up • Andra Day

Liz
Meu estado mental durante esses dias foi se esgotando aos poucos,
não sei mais nem o que é dormir bem a noite. Essas semanas foram intensas,
mesmo com a morte da Katherine. Para encerrar o caso, precisei ser
interrogada, inúmeras vezes e de várias formas diferentes. E não só eu, mas
Sam também, que parecia estar pior que eu naquele momento.
Eu não aguentava mais passar por interrogatórios, e nem meu pai
aguentava me ver passando por isso, foi um alívio para nós dois quando
enfim acabou.
Quando me deito na cama, me vêm tantos momentos com Steve na
cabeça, e em cada final de momentos felizes me lembro daquela noite, a pior
de toda a minha vida. Sempre vou dormir de tanto chorar. Meu pai está muito
abatido, mas ele tem uma forma diferente de sofrer.
Eu vi o quanto a perda do Steve acabou com ele. Sempre que tem a
chance, ele se tranca no escritório para se isolar. Em uma noite, fui até lá para
ver se estava tudo bem, e o escutei chorando, aquilo me deixou muito mal.
Mesmo assim, somos o apoio um do outro.
Por fim, chega o dia de me despedir do Steve e não, eu não estou
preparada para isso, nunca estarei.
Me olho no espelho e não reconheço aquela Liz no reflexo. Os olhos
vermelhos e inchados, o vestido preto melancólico é diferente das cores
alegres que costumo usar. Sento-me na cama enquanto continuo me olhando.
A porta do meu quarto se abre e meu pai aparece e fica parado, só me
olhando.
― Eu não consigo ― digo, sem conseguir segurar as lágrimas. ―
Não consigo, pai.
Ele entra e se senta ao meu lado antes de me abraçar.
― Claro que consegue, nós dois vamos conseguir. ― Me afasta,
limpando o meu rosto, então faço o mesmo com ele.
Ele segura a minha mão e me ajuda a levantar, e assim saímos da
casa, só soltamos as nossas mãos para entrar no carro e ir à igreja. Quando
chegamos, todos os meus amigos me esperam do lado de fora, inclusive o
Davon e o Ryan. Cada um me abraça, me mostrando o quanto sentem muito.
Davon me abraça por último, e sei que ele não quer me largar da mesma
forma que quero permanecer naqueles braços por um tempo interminável,
mas precisamos entrar, o padre vai dizer algumas palavras.
Sento-me na primeira fileira, com meu pai e o Davon do meu lado.
Eles seguram as minhas mãos durante todo o momento em que o padre fala.
Quando ele deixa aberto para amigos ou familiares dizerem alguma coisa, eu
me levanto e vou até o púlpito, olhando os rostos presentes.
― Agradeço a presença de todos, por estarem aqui neste momento
para darem apoio a mim e ao meu pai. Eu gostaria de cantar uma música que
ele costumava ouvir, porque não sei outra forma de me despedir dele. Dói
muito, mas eu sei que ele está aqui olhando por nós. ― Olho para o meu pai,
e ele assente, sorrindo. ― Essa é para você, pai.
Me dirijo até o piano ao lado e me sento, levantando a tampa em
seguida. Meu pai se aproxima e para ao meu lado. Os primeiros acordes da
música Rise Up surgem.
Começo a cantar junto com a melodia, as primeiras letras trazem as
lembranças dele, de nossa família, os sorrisos sem precisar de motivo para
estarem estampados no rosto, as risadas, os conselhos, o colo de pai que
sempre tive quando precisei chorar ou simplesmente me deitar para ter o seu
carinho nos meus cabelos.
Respiro fundo quando as lágrimas surgem enquanto eu canto.
― I'll rise unafraid, I'll rise up, And I'll do it a thousand times
[6]
again ― olho para o meu pai, esticando a minha mão. Ele a pega,
segurando-a. ― For you.[7]
Continuo cantando o restante da música sem o piano. E quando
termino, tudo está em silêncio. Sei que meu pai vai estar olhando por mim de
onde estiver. Meu pai passa os braços pelos meus ombros e voltamos a nos
sentar.
Ao terminar, as pessoas presentes vêm me abraçar e dar condolências
ao meu pai.
― Você veio ― digo para Kyle assim que ele se aproxima.
― Eu nunca deixaria de vir. Sei o quanto o Steve significa pra você.
Sinto muito. ― Ele me abraça e fico feliz por tê-lo aqui.
― Obrigada ― digo, quando ele me solta.
Ele cumprimenta o Davon e meu pai em seguida.
― Vou falar com os outros.
Assinto e ele me dá mais um abraço antes de sair.
No cemitério, é algo bem rápido. Ver o caixão descendo e me dar
conta que não verei mais o Steve, não o terei mais em minha vida, me corta
profundamente. É preciso que meu pai me segure para que eu não caia. A
saudade doerá mais que tudo, e eu preciso lidar com isso, mas é difícil.

Meus pés doem quando chego a minha casa. Somente Davon veio
comigo. Me despedi dos meus amigos na igreja mesmo. Mesmo meu pai
estando de luto, foi preciso ir para a agência, ele ainda está tentando acabar
com todos os negócios da Katherine, que é grande, por sinal, porque envolve
tráfico de drogas, mulheres, e outras coisas. Mesmo depois de morta, ela
ainda dá trabalho.
Davon me faz parar no começo da escada para me pegar no colo.
Solto um suspiro surpreso e ele sorri.
― Não precisa, Dav.
― Claro que precisa. Você está exausta, não custa nada.
Ele só me solta quando chegamos ao meu quarto, então me vira para
descer o zíper do meu vestido antes de depositar um beijo em meu pescoço
delicadamente.
― Vou esperar aqui ― diz.
Vou tomar um banho e fico debaixo do chuveiro por um longo tempo.
Visto um roupão e saio do banheiro, encontrando o Davon sentado na cama,
encostado na cabeceira.
Vou em direção à cama e me sento ao seu lado, minha cabeça em seu
peito. Ele passa seus dedos pelos meus cabelos.
― Bess, precisamos conversar, né? ― ele pergunta. ― Eu não vi
você desde que saiu do hospital e não atendeu as minhas ligações.
― Suponho que a Sam te contou tudo o que aconteceu lá.
― Sim.
― Está sendo difícil lidar com tudo o que descobri sobre Steve, com a
morte dele em meus braços. ― Suspiro. ― E, principalmente, em saber que o
Matt é meu primo, que o Steve era o meu tio.
Ele continua com os movimentos em meus cabelos.
― Eu entendo, Bess, também não está sendo fácil lidar com a volta
do meu pai. Ele estava vivo esse tempo todo, e não voltou para cuidar da
gente e nem para saber se estávamos bem.
Fico em silêncio. Nós dois temos coisas para lidar, e às vezes não sei
se vou conseguir.
― E ainda tem o Noah. Não me perdoo por ter deixado o Noah no
meio da gente, é tudo culpa minha.
― Não pense nisso, Liz ― pede.
― Mais uma pessoa me usou, todo mundo me usou.
Ele não responde, mas sabe que é verdade. Talvez esteja até pensando
quando fez o mesmo.
― Davon, eu preciso ficar sozinha ― digo.
― Claro. Eu entendo que está sendo difícil para você. ― Ele toca
meu rosto. ― Posso voltar depois.
Acho que ele não entende o que estou querendo dizer.
― Não, Davon, você não está entendendo. Eu preciso de um tempo,
preciso ficar sozinha para me encontrar.
Ele franze a testa, sem acreditar no que está ouvindo.
― Liz, eu não entendo. Eu quero ser o seu apoio, quero estar com
você ― diz, aflito.
― Não, eu não consigo agora, Davon, por favor, tente entender. ―
Suspiro. ― Se estiver comigo, vou acabar arruinando o que temos. Eu
preciso ficar esse tempo sozinha. Preciso que entenda isso. ― Eu estou indo
passar alguns dias na Califórnia com meu pai ― informo.
― Eu vou com você ― diz automaticamente.
― Não, você tem que ficar aqui, terminar o seu curso e cuidar da
Sam.
― E você? ― Ele parece angustiado.
― Não estou com cabeça para isso. Me desculpa, Davon. Eu... ―
Não sei nem mais o que dizer.
Ele se levanta da cama e fica de costas para mim, calado, com sua
respiração irregular. Dói pedir isso, mas eu preciso.
― Me desculpe, Davon ― peço novamente, chorando.
― Não precisa se desculpar, está no seu direito ― diz, enquanto se
vira para mim. Sua voz está calma agora. ― Mas saiba que não vou deixar
que nada separe a gente.
Se abaixa até que nossos rostos estejam quase na mesma altura e
deixa um beijo na minha testa.
― Se cuida ― diz antes de sair do meu quarto, da minha casa e da
minha vida por tempo indeterminado.
Me deito na cama e abraço meu travesseiro enquanto choro, pensando
nos motivos de ter tomado essa decisão.
47
“Mal sabe você
Que estou tentando me reerguer
Pedaço por pedaço
Mal sabe você que eu
Preciso de um pouco mais de tempo.”
Little Do You Know • Alex & Sierra

Liz
Estou na Califórnia há três meses. Se eu tinha aceitado tudo o que
aconteceu? Não, mas estou bem melhor desde que vim para cá.
Meu Natal havia sido péssimo. Estava longe dos meus amigos, do
Davon e foi meu primeiro Natal sem Steve. Meu pai e eu não tivemos clima
para comemorar nada.
Desde que cheguei, meu único contato com o Davon é por mensagem.
Na véspera de Natal ele mandou uma mensagem dizendo o quanto queria que
eu estivesse lá com ele. Na hora não consegui responder, não com todas as
lembranças que a data trouxe. Era tudo muito recente. Mas respondi horas
depois, desejando uma boa festividade. Ele e Sam passaram as festas de fim
de ano com os Soyer, Amy foi também. Juan e Carmen não os deixaram de
fora, são uma família.
Davon respeita o meu espaço, mas sempre está lá para me lembrar o
quanto sou amada por ele, seja em versos de músicas ou com seu bom-dia.
Ele realmente está cumprindo o que disse, não quer que nada se perca entre a
gente, e é o que mais amo nele, sua perseverança.
Um dia depois do Natal, entrei no quarto do Steve, era o quarto do
meu pai também antes da separação. Mas quando voltamos para cá, ele
preferiu trocar de quarto, disse que era demais para ele.
Abri o guarda-roupa e passei os dedos pelas roupas bem dobradas.
Tudo tinha seu perfume. Lembro-me de ter sentado na cama e aberto a gaveta
da mesa de cabeceira, e foi lá dentro que encontrei dois envelopes. Um com
meu nome e outro com o do Matt ― eram cartas que ele havia escrito para
nós.
Chorei muito esse dia, e não consegui abri-la, não estava preparada
para ler o que tinha dentro ― sobre o seu amor e seus erros. Passei todos
esses meses pensando nela e a coragem ainda não veio.
Durante todo esse tempo, não recebi a visita de nenhum dos meus
amigos, eles respeitam o meu momento, mas sempre estamos em contato. O
Ethan ainda se sente mal por nunca ter percebido o que o Noah realmente era.
Mas eu não o culpo, jamais. Eu sei que o peso para ele é ainda maior por ter
sido o seu melhor amigo desde a infância, mas sei que uma hora ele ficará
bem, vai superar.
Estou sempre tentando falar com a Sam e sinto que algo mudou nela,
mas em nenhum momento ela diz o que está sentindo, nem mesmo Luna
consegue descobrir. Achamos que o choque foi tão grande, que ela se retraiu
e isso nos preocupa. Davon e Kyle estão tentando reverter isso, o que é muito
importante.
Daqui a alguns dias será a formatura do Davon, Oliver e Evan ― Os
Três Mosqueteiros ―, rio toda vez que penso nisso. Sei que todos estarão
reunidos para comemorar o momento dos três. Fico pensando qual serão os
planos do Davon agora que está se formando na universidade.
Deitada na cama, passo os dedos no envelope, pensando o que
encontrarei aqui dentro. Ouço batidas à porta aberta do meu quarto, e sorrio
para o meu pai que logo entra.
― Ainda não conseguiu abrir a carta? ― pergunta, se sentando. Nego
com a cabeça. ― Não se culpe por isso, leve o tempo que precisar.
― Eu sei. Ele deixou uma pra você também? ― pergunto.
― Sim, mas como você, ainda não consegui abrir para ler. Talvez
nunca consiga.
― Não encontrei a sua com a minha e do Matt.
― Eu a tinha visto antes. Só não disse nada sobre elas para você,
porque queria que as encontrasse sozinha, no seu tempo. E foi o certo.
― Obrigada. ― Faço uma pausa antes de perguntar. ― Como vai a
operação para acabar com as atividades criminosas da Katherine?
Ele suspira.
― Bem. Ainda temos um caminho longo pela frente, muitos
comércios e atividades criminosas para o FBI chegar a todos ― responde. ―
Mas não se preocupe com isso.
Assinto. Ele se levanta e beija meu rosto.
― Estou indo dormir, boa noite, querida.
― Boa noite, pai.
Ele sai, fechando a porta do meu quarto, então volto a olhar para a
carta em minhas mãos. Preciso dar esse passo, já havia passado tempo
demais. Talvez eu nunca esteja preparada, mas preciso ler o que está dentro.
Abro com calma o envelope e vejo sua letra caprichada, então sinto
uma dor e saudade do meu pai.

Oi, minha filha, se você está lendo esta carta é porque algo aconteceu
comigo e não consegui me despedir de você direito. Você já deve saber tudo
que aconteceu, tudo o que escondi, e sinto muito por isso, por ter escondido
tudo isso de você, por ter te feito sofrer. Eu sei que nada do que eu fale vai
justificar o que fiz, mas quero que saiba que o meu amor por você sempre foi
verdadeiro, eu sempre te amei como minha filha, e vou continuar te amando,
independentemente de onde eu estiver. Você me ensinou o verdadeiro
significado do amor, você e o seu pai, e sou muito grato por ter tido vocês na
minha vida.
Eu não tinha deixado de ajudar a Katherine no começo por causa do
Octavio, eu deixei por você. No momento em que te peguei no colo pela
primeira vez, eu senti como se o mundo tivesse parado, e eu finalmente tinha
encontrado o sentido da vida, e esse sentido era você, Liz, sempre foi.

Pauso a leitura, porque as lágrimas me impedem de continuar. Suas


palavras me pegam totalmente desprevenida.
― Ai, pai, como sinto sua falta.
Preciso de um tempo para me recompor e voltar a ler.

Lembro como se fosse hoje a primeira vez que me chamou de pai,


aquilo me fez transbordar de amor e me emocionou tanto, que eu não sabia
como reagir. Você me transformou em uma pessoa boa, mas quando eu
soube do Matt, tudo mudou, me vi dividido entre os meus dois filhos, um que
eu nem sabia da existência.
Sinto muito ter te machucado, nunca foi minha intenção, mas não
podia deixar o Matt sozinho na mão da Katherine. Eu não menti para você a
vida toda, a Katherine ficou sem manter contato comigo durante anos, mas
quando descobriu que seu pai e o Davon estavam trás dela e as coisas
estavam dando errado, ela resolveu me contar sobre o Matt, e a partir daí
comecei a passar as informações para ela.
Preciso te pedir uma coisa, mesmo que seja difícil para você, peço
que não o abandone, fique do lado dele, ele precisa do apoio que nunca teve.
Queria que tivessem crescido juntos, tenho certeza de que você teria sido
uma boa irmã.
Agora me despeço para dizer que nunca fui seu tio, eu sempre fui e
sempre serei seu pai. E desejo muito que possa me perdoar algum dia.

Com todo o amor que eu sinto por você, do seu pai, Steve.

Finalizo a carta com um vazio maior desde a sua perda. Saber que
tudo o que ele fez foi para proteger o Matt, o filho que ele nem sabia que
existia.
Por mais que o Steve tenha errado e feito tudo isso, eu sei que ele me
amava, e entendo tudo o que fez, só é difícil aceitar.
Está na hora de procurar o Matt para conversarmos e eu entregar a sua
carta.

Durante o café da manhã com meu pai, eu conto o que tinha decidido.
― Quero ir visitar o Matt na prisão, no Canadá. ― Ele fica em
silêncio, me olhando. ― Ontem eu li a carta do Steve, e confesso que não
estava preparada, mas entendo a decisão que ele tomou para proteger o Matt.
Até mesmo arriscando perder o amor do marido e da filha. Mesmo
descobrindo tudo aquela noite, eu não o deixei de amar.
― Nem eu ― diz, olhando para o seu café, como se sua mente
estivesse vagando pelos acontecimentos daquela noite. É engraçado vê-lo
confessar algo tão íntimo como seus sentimentos, mas sempre fomos
transparentes um com o outro, não espero menos que isso.
― Quero conversar com o Matt e entregar a carta dele ― continuo.
― Se é isso o que quer, vou te apoiar. Você quer que eu vá com
você?
― Não precisa, chamei o Ryan para ir comigo na prisão.
Ryan ainda está ficando no Canadá para finalizar o caso, e depois
ficará alguns dias comigo em Los Angeles, antes de voltar para Nova Iorque.
― Tudo bem. Vou aproveitar para resolver umas coisas por lá. Vai
ficar para a formatura do Davon e dos seus amigos? ― pergunta, curioso.
― Não sei, ainda não pensei nisso.
Assente, sem falar nada.
― Precisamos preparar as coisas para viajarmos, então.

Quando chegamos a Kingston, vamos direto para a prisão em que o


Matt está. Passo o caminho todo no carro imaginando como será a nossa
conversa. Meu pai já havia conseguido esse momento com ele, e sou muito
grata por isso.
Assim que chegamos ao local, ainda me permito ficar no carro e o
Ryan entende.
― Você tem certeza? Se quiser podemos voltar depois.
― Não, eu preciso fazer isso.
Quando estou pronta, desço, com a carta em mãos. O momento
chegou.
Na sala de espera, Ryan fica do lado de fora para nos dar privacidade,
e por incrível que pareça, eu estou nervosa. Matt entra acompanhado de um
guarda, que logo deixa a sala.
― Quando me disseram que eu tinha visita, não achei que seria você
― diz, me olhando com curiosidade.
― Eu imagino.
― Por que está aqui, Liz? Você não deveria nem se importar comigo,
não depois do que eu fiz com você, principalmente naquela noite...
― Não quero falar sobre isso ― peço.
― Quero te pedir desculpa pelo que fiz. Sei que não justifica falar que
fui enganado pela Katherine, mas tudo o que achei ser verdade me moldou
em um homem ruim. Machuquei você e a Nina.
― Matt, eu realmente não quero falar sobre isso.
Ele assente.
― Só me responda uma coisa ― pede e eu balanço a cabeça. ― Ela
está bem?
Não esperava que ele perguntasse sobre a Nina.
― Sim. O que você fez com ela a mudou de uma forma que acho que
vai ser irreversível. ― Eu realmente sinto isso.
― Eu sinto muito.
― Eu também sinto. ― Mudo de assunto. ― Um dos motivos por
estar aqui é para entregar isso. ― Levanto a minha mão, deslizando a carta na
mesa. ― Encontrei duas cartas, uma para mim e outra para você.
― Obrigado ― agradece, olhando para a carta que tem o seu nome
escrito.
― Você tem os olhos dele ― digo assim que ele volta a me olhar. ―
Agora eu entendo o porquê de ele ter feito isso, ele realmente não sabia sobre
você.
― Eu sei. ― Volta a olhar para a carta. ― Eu encontrei com ele uma
vez, ele me contou e eu custei acreditar, estava tão cego. Só acreditei mesmo
quando a Katherine confirmou aquela noite. ― Ele volta a me olhar. ― Eu te
odiei, Liz, eu queria te fazer mal, porque eu achava que ele não me queria,
que ele tinha escolhido você. Agora vejo que não, que só passou de um jogo
da Katherine. Ela jogou com todo mundo, usou todo mundo e eu não posso
falar isso para ele.
― Eu sinto muito por você não ter conseguido se despedir dele.
― Eu também. Eu queria ter pedido desculpas por tudo o que fiz. ―
Suspira.
― Ele nunca te deixaria sozinho se ele soubesse. ― Ele só assente. ―
É sério, Matt, ele teria ficado com você, teria ficado ao seu lado, e nós até
teríamos crescido juntos, tenho certeza.
― Eu não sei o que te falar, Liz.
― Eu queria ter conhecido o Matt que a Nina conheceu.
Lembro-me de quando Nina e eu conversamos e ela me contou que
quando conheceu o Matt, ele era oposto do que se tornou.
― Eu também queria que tivesse conhecido. Me tornei outra pessoa
quando conheci a Katherine, mudei de personalidade, me tornei um escroto
total. ― confessa, desgostoso. Ele muda de assunto e sorri de lado. ― Hoje é
o dia da formatura do pessoal? ― Confirmo com a cabeça. ― E o que você
está fazendo aqui ainda?
― Não sei se devo ir, fiquei tanto tempo afastada de todos.
― Você deve ir, tenho certeza de que estão esperando por você. Eles
te amam.
Fico pensativa, considerando aparecer na formatura.
― Obrigado por trazer a carta. Você não precisava ter feito isso,
podia ter mandado por outra pessoa.
Me levanto para ir embora e o encaro.
― Estou fazendo isso pelo meu... pelo nosso pai. Ele me pediu para
ficar do seu lado. Eu não sei como vai ser, mas nós vamos tentar por ele. ―
Sorrio para ele antes de sair.

Davon
Três meses. É esse o tempo que a Liz está longe. Tive que me
acostumar em não ter a sua presença. Eu entendi que ela precisa desse tempo,
e eu também, para lidar com meu pai vivo e a Sam que precisa de mim mais
do que nunca. Essa escolha da Liz foi boa para nós dois, eu precisava focar
na universidade, terminar meu curso, para viver com a Sam.
Eu vinha percebendo o quanto Sam ficou abalada com tudo, seu
distanciamento, a reclusão, a vontade de querer ficar mais tempo sozinha.
Aluguei uma casa para que ela e Amy viessem ficar comigo até terminar o
curso.
Quanto mais passam os dias, mais eu tenho medo de Liz estar
desistindo de nós. Desde que se foi, eu sempre mando mensagem e fico com
um medo absurdo de em algum momento ela não as responder mais. E
sempre que tenho resposta para as minhas mensagens, me convenço de que
faz parte ela querer ficar mais tempo longe.
No Natal foi a época que a saudade bateu com mais força, porque é
uma data que se comemora com as pessoas que se ama, e eu a queria ao meu
lado. Não vou deixá-la, vou finalizar esse capítulo da minha vida, e
construirei um novo com ela e com a Sam.
É engraçado que o nosso grupo de amigos não é mais o mesmo. Liz
não está presente, Ethan está distante depois do que o Noah fez ― ele se
sente mal e não deveria. Conversei com ele sobre isso, mas ele é outro que
precisa de um tempo. As garotas sentem muita falta da Liz, mesmo
conversando com ela sempre.
Nina ficou estranha desde que soube que o Matt havia sido preso e
que, na verdade, é primo da Liz. Às vezes ela fica distante.
Cada pessoa tem seu monstro diário para vencer.
Tudo isso me faz lembrar do momento em que conversei com os pais
do Kyle, depois do sequestro da Sam. Eles vieram para Kingston, para terem
certeza de que estava tudo bem, Luna ficou desesperada com a amiga. Kyle,
por estar por perto, já sabia de tudo, mas ele estava comigo quando me sentei
com o tio Juan, tia Carmen e Luna, para contar que o Christian esteve vivo
esse tempo todo. Foi um choque para todos, principalmente para Juan, ele
não acreditava que meu pai pudesse ter feito isso. Eles ficaram furiosos.
Quando foram embora, se ofereceram para levar a Sam com eles, seria bom
estar em um lugar novo, mas ela não quis, e de certa forma fiquei aliviado,
queria ficar de olho nela.
Eu havia contado para eles o quanto tudo isso fez mal a ela, que havia
se fechado no mundo dela e dizia que estava bem sempre que eu perguntava.
Achava que pudesse ser o choque, mas não melhorou nada mesmo com o
tempo.
Kyle e eu estamos muito preocupados com ela, então estamos
cuidando disso, falamos com a psicóloga que está ajudando no tratamento
dela. Ela indicou terapia, e se não funcionar tentaremos outras opções. Quero
a minha irmã de volta e farei tudo para ajudar.
Arrumo a gravata em frente ao espelho e faço uma careta ao me olhar.
Não estou acostumado a usar terno, mas para a ocasião é preciso.
Vou até a sala e encontro a Amy e Sam prontas.
― Estou tão orgulhosa de você, meu menino. ― Amy beija meu
rosto, chorando.
― Não chora. ― Abraço-a e beijo seu rosto. ― Obrigado por ter
estado todos esses anos ao meu lado.
― Não precisa disso.
Beijo-a de novo e vou até a Sam, que está com pensamentos longe.
― Sam ― chamo-a e ela desperta de seus pensamentos e sorri. ―
Como estou?
― Lindo, fratello. ― Se levanta para me abraçar.
― Você está bem? ― pergunto, e de longe vejo o olhar de pena de
Amy, que está bem ciente de que Sam não melhorou nem um pouquinho.
― Estou. Podemos ir agora? ― Muda de assunto.
Seguro sua mão para que possamos ir para fora da casa. O caminho é
bem rápido até o local onde será a formatura. Quando chegamos e entramos,
encontro Evan e Oliver me esperando. Vestimos a beca por cima da roupa e
tiramos algumas fotos.
Nossos amigos chegam logo depois, nos abraçando e parabenizando.
― Só está faltando a Liz nesse meio ― Ethan comenta.
― Uma pena que não esteja aqui ― falo.
Observo Oliver falando com a Sam, que parece responder suas
perguntas desinteressadamente.
― Ela não está bem, né? ― Nina pergunta. Seu semblante
preocupado não passa despercebido.
― Não. Tudo mexeu muito com ela.
― Espero que ela fique bem logo ― comenta.
― E você, está bem com tudo o que aconteceu?

Ela sorri.
― Claro, por que eu não estaria? ― Nina sendo Nina nas respostas,
mas ela não me engana.
Nossa relação melhorou muito desde que percebeu que são sérias as
minhas intenções com a Liz, e entendeu que algumas pessoas merecem uma
segunda chance.
Os alunos de cada curso vão sendo chamados para a entrega do
diploma, e eu estou inquieto, olhando para os lados para ver se encontro uma
certa morena de olhos intrigantes e sorriso fácil. Ela não tinha dado certeza de
que estaria aqui, mas a esperança é última que morre.
Grito muito e assovio tanto para o Oliver como para o Evan, quando
eles sobem para pegar o diploma. A família dos dois estão presentes e dá para
ver o orgulho deles pelos meus amigos. Como eu queria que a minha mãe
estivesse aqui.
Quando é a vez da minha turma, meu coração acelera assim que
chamam o meu nome. Eu tremo quando aperto a mão do diretor do curso que
entrega o meu certificado. Olho para a Sam e Amy, que estão felizes por
mim, enquanto ouço meus amigos gritando em euforia.
No momento em que me viro para tirarem a foto recebendo meu
diploma, eu a vejo, sorrindo e batendo palmas no fundo do auditório. Perco
até a linha do raciocínio.
Preciso ficar ao lado dos meus colegas de curso, mas não tiro os olhos
dela, e é recíproco. Estou louco para descer a escada e ir de encontro a ela.
Percebo depois que ao seu lado se encontram Octavio e Ryan. Do outro lado
do local, encontro Kyle, que sorri para mim com Juan, Carmen e Luna. Me
toco que todas as pessoas que amo estão presentes, e sou grato por isso.
Quando acaba, nem espero dizerem mais nada, desço a escada para ir
falar com ela. De longe vejo que nossos amigos chegam primeiro e sou
impedido de me aproximar dela quando os pais de Kyle me param.
― Parabéns, meu filho. ― Juan me abraça. Seus olhos emocionados
dizem o quanto está orgulhoso de mim. Esse é o melhor presente que eu
poderia ter recebido. Ele sim é o meu pai. ― Estou muito orgulhoso de você.
Na verdade, estamos.
Olho para Carmen, que chora quando me abraça. Luna vem em
seguida.
― Parabéns, Tay. ― Beijo seu rosto e me viro para Kyle.
Nos abraçamos e damos tapinhas nas costas um do outro.
― De alguma forma, eu sabia que estaria presente nesse dia ― diz
quando nos afastamos. ― Parabéns, meu amigo.
― Obrigado por estarem aqui, são minha família.
Sorrio, e logo Sam e Amy estão ao meu lado, me abraçando. Nesses
poucos minutos, esqueço até o motivo de ter descido a escada quase
correndo.
Olho para o fundo do lugar, procurando pela Liz, mas só consigo ver
Octavio e Ryan.
― Davon ― Kyle me chama.
― Oi. ― Me viro para eles.
― Estamos falando em jantar todos juntos para comemorar, o que
acha?
― Acho ótimo. ― Olho para trás novamente.
Ele ri.
― Vai logo atrás dela, não a perca. ― Bate em minhas costas. ―
Anda logo!
Sorrio, agradecido, e corro para fora, desviando de algumas pessoas.
Olho para os lados procurando-a, e a encontro indo em direção ao carro.
― Liz ― grito e vou ao seu encontro.
Ela para e se vira, esperando que eu me aproxime. Sorri quando paro
na sua frente.
― Você ia embora sem falar comigo ― acuso, tentando controlar a
minha respiração.
― Não queria atrapalhar o seu momento.
― Foda-se o momento, Liz. Queria estar perto de você ― retruco. Me
aproximo mais dela, pegando a sua mão. ― Você veio para ficar, veio para
ficar comigo?
Ela balança a cabeça negando. Seus lábios se mexem como se
procurasse as palavras certas, então vejo quando algumas lágrimas descem.
― Bess...
― Não, eu não consigo ainda. Não é que eu não consiga ficar com
você, eu é que não consigo estar aqui, não quero deixar o meu pai sozinho.
Não sei se você vai entender, Davon ― diz, ainda chorando.
― Se é esse o problema, podemos dar um jeito. ― Determinação sai
em minha voz.
Ela nega com a cabeça e solta a minha mão da sua.
― Não é só isso, não é? ― Ela não responde. ― Liz, qual é o seu
medo? Que eu faça algo errado de novo? Eu já te provei que dessa vez nosso
relacionamento vai dar certo. Não tem mais mentiras, não tem mais a louca
da Katherine nos ameaçando.
― Aconteceu muita coisa ruim, e a minha mãe foi responsável pela
morte da sua. Olha o que ela causou. Será que conseguimos superar tudo que
a gente passou, superar o que a Sam passou? Sua irmã está sofrendo. Você
quase morreu por minha causa. ― Soluça.
Meu coração se parte ao vê-la assim. Como eu quero tê-la em meus
braços neste momento.
― Você não deve carregar esse peso, Liz, você não tem nada a ver
com isso, não é culpa sua. ― Tento segurar a sua mão novamente, mas ela
não deixa.
― Mas é da mulher que me colocou no mundo.
― E o que isso tem a ver? Não são as ações dos nossos pais que
definem quem nós somos, Liz. E você não é ela, nós dois sabemos disso.
Ela ainda chora, e minha mão se remexe para que possa segurar seu
rosto para secá-lo. Eu entendo que a Liz sente que é culpa dela os atos da
mãe, a insegurança.
― Será que merecemos um final feliz depois de tudo o que
passamos?
― Claro que sim. Você não vê um futuro para nós? ― pergunto,
angustiado, com medo de escutar suas próximas palavras.
― Não sei. Talvez esse seja o nosso fim, a nossa última despedida.
Sorrio, achando isso ridículo.
― Claro que não. Você nem sabe o que está falando, não vou aceitar
isso. E espero que tenha isso em mente, Elizabeth. ― Juro que estou tentando
entender, mas a situação está me deixando irritado.
― Talvez o destino não queira que fiquemos juntos, porque toda vez
que estamos bem acontece alguma coisa, e eu não sei se aguentaria passar por
outra perda.
De novo, o talvez.
― Eu faço o meu próprio destino, e você está nele ― digo,
determinado. ― Pode demorar o tempo que for, Elizabeth, mas eu vou atrás
de você.
Epílogo
“Você será meu começo, meu meio, meu fim?
Você será meu começo, meu meio, meu fim?
Você será meu?”
Beginning Middle End • Leah Nobel

Davon
Batuco os dedos no volante do carro de acordo com a batida da
música que está tocando. Nem me importo em saber que música é. Neste
momento não estou prestando atenção em mais nada, e tenho um bom motivo
para isso.
Observo com atenção as ruas movimentadas, precisarei me acostumar
com a cidade, será tudo novo para mim.
Enfim estou voltando para Los Angeles.
Pelo retrovisor, vejo os dois de óculos escuros e em silêncio, enquanto
olham a paisagem. Sorrio, feliz por estarem comigo neste momento.
Quando estaciono em frente à casa dela, sorrio, porque tudo o que
está acontecendo parece um sonho. Os dois desejam boa sorte quando desço
do carro. Minhas mãos suam quando bato à porta.
Faz quase dois meses desde que a vi, estou eufórico com a decisão
que eu havia tomado.
Meu coração quase sai pela boca quando ela abre a porta, sua
expressão surpresa e ao mesmo tempo feliz.
― Dav, o que você está fazendo aqui?
Dou um sorriso. Olhar para ela me faz lembrar do momento que tomei
a decisão de vir morar aqui. Foi naquele mesmo dia que conversei com a Liz,
na formatura. Quando eu disse para Sam e Amy, elas apoiaram a ideia, e, por
fim, Amy decidiu que estava na hora de Sam e eu tomarmos os nossos
caminhos sem ela. Ela, enfim, viveria somente para si, no Canadá. Entendo,
mesmo que eu sinta o vazio de não a ter mais por perto. Ela é umas das
pessoas mais importantes na minha vida depois da morte da minha mãe.
Nossos amigos também me apoiaram quando eu disse o que faria. E
quando apareceu uma oferta de trabalho aqui, tive o sinal de que estou
fazendo tudo certo. Oliver teve a reação que eu não esperava, decidiu que se
mudaria comigo e Sam, não consegui convencê-lo a desistir da ideia.
― Entra, estou sozinha em casa, meu pai não está.
Ela dá passagem para entrar em sua sala e faz um gesto para que me
sente antes de fazer o mesmo, na minha frente.
― Dessa vez quero que me deixe falar e você me escuta, tudo bem?
― Sou direto.
Ela assente, ainda sem saber o que dizer da minha presença.
― Eu tenho três coisas para te falar. ― Pauso para ela assentir de
novo. ― Primeiro, você disse que não consegue ficar mais no Canadá, eu
também não. Segundo, você disse que talvez o destino não nos queira juntos,
mas eu faço o meu próprio destino, e terceiro, eu não conseguiria ficar lá sem
você.
Seus olhos começam a brilhar com lágrimas não derramadas.
― Eu já deixei você partir uma vez e eu não cometerei esse erro de
novo. Não quando eu consegui te ter na minha vida novamente. Você foi a
melhor coisa que aconteceu na minha vida, Liz. Eu posso ter errado, mas sei
que se não fosse por esses erros, nós não estaríamos aqui, eu não estaria aqui,
na sua porta, me declarando para você.
Ela sorri em meio a lágrimas.
― Eu não estaria tentando fazer você entender que somos feitos um
para o outro. Nossas vidas estavam cruzadas desde antes da gente nascer, Liz,
nossos pais se conheciam, era para termos nos conhecido antes. ― Dou
risada. ― Tudo bem que a gente se conheceu da maneira errada ― ela dá
risada ―, mas era para estarmos na vida um do outro. Se isso não for o
destino nos querendo juntos, eu não sei, eu juro que não sei.
― Davon...
― Não, espere eu terminar. ― Levanto a mão para ela esperar. ―
Você me deu coisas, Liz, que eu nunca imaginei que teria. Me deu amigos,
me trouxe pessoas que eu imaginei nunca mais ver, me fez entender que a
vida é muito além daquilo que eu imaginava, que na época achei que era o
certo e o mais importante de tudo, você me deu o seu amor e eu não sei viver
sem ele, Bess, não mais. Eu te amo e sei que você me ama, e não vou embora
daqui sem que você entenda que nós somos perfeitos juntos.
Digo tudo o que venho imaginando desde que decidi vir para cá, e
torço muito para que ela aceite tudo o que quero dar a ela. Ela chora, então
me levanto para me sentar ao seu lado, segurando suas mãos nas minhas.
― Eu não esperava por isso. Por mais que eu te ame, e eu te amo,
Davon, te amo como nunca amei ninguém, mas não posso deixar meu pai
aqui sozinho. ― Sua voz é sofrida quando diz as últimas palavras.
Dou um sorriso de lado, convencido.
― Quem disse que para ficar comigo você teria que ir embora? ―
pergunto, todo orgulhoso.
― Não entendo.
― Estou aqui, Liz, estou aqui por você, estou aqui para ficar com
você ― declaro finalmente o que eu quero dizer desde que a vi.
― Como assim? Você não gosta da Califórnia. ― Ela se levanta,
colocando uma distância entre nós enquanto caminha de um lado para o
outro.
― Mas agora tenho um motivo para gostar, finalmente tenho um
motivo para voltar para casa.
Me levanto também, dando alguns passos para perto dela.
― Esse motivo é você, Liz, eu faria qualquer coisa por você. ―
Seguro o seu rosto entre as minhas mãos, para que olhe nos meus olhos.
― Isso é uma loucura, Davon, você não pode fazer isso. ― Ela nega
com a cabeça. ― Você não pode fazer isso por mim, não pode deixar tudo
para trás por mim.
― Eu não estou fazendo isso só por você, Liz, estou fazendo isso por
mim, estou fazendo isso pela Sam.
― Ela está aqui também? ― Assinto. ― E o Oliver?
― Você acha que ele conseguiria viver longe de mim? ― brinco,
fazendo-a dar risada. ― Claro que ele também está aqui.
Eu fui convidado para trabalhar em um dos estúdios mais importantes
de Los Angeles, e isso me fez ter a certeza de que estou tomando a decisão
certa em vir para cá. Eu faria qualquer coisa por você.
Ela começa a rir de nervoso, se afastando um pouco de mim.
― Eu não acredito que está fazendo isso ― gagueja. ― Não acredito,
Davon.
― Bess, estamos falando de mim ― falo como se fosse o óbvio. ―
Claro que eu faria isso.
Ela diminui o pouco espaço que tinha entre nós, se jogando em cima
de mim para me abraçar. Começa a beijar todo o meu rosto, me fazendo rir.
― Eu vejo um futuro para nós, Liz, quero ser o seu começo, meio e
fim ― digo quando nos afastamos, ainda abraçados.
Ela me olha assustada e eu dou risada.
― Calma, ainda não estou te pedindo em casamento.
Neste momento, a porta se abre e Oliver, Sam e Octavio entram.
― Ainda ― minha irmã diz. ― Você não a está pedindo em
casamento ainda.

Liz começa a rir, indo abraçar os dois.


― Minha filha ainda é muito nova para se casar ― Octavio diz,
brincando.
Estou muito feliz com tudo isso. Finalmente me encontrei, encontrei o
meu lugar no mundo. Quando achei que não era digno de felicidade depois da
mentira, o destino me mostrou outra coisa, me mostrou que sou merecedor de
todo o amor e felicidade nessa vida.
― Eu amo muito vocês ― diz para os três e caminha para mim
novamente. Ela segura a minha mão e me dá o sorriso mais lindo e radiante
que eu poderia receber. ― Você é meu futuro, Dav, meu começo, meio e fim
― repete a minha frase. ― Eu te amo.

Fim.
Agradecimentos
Queremos agradecer por cada leitor que chegou até esse final com a
gente, que torceu pelo casal e por um final merecedor.
Obrigada a todas as pessoas especiais que fizeram isso acontecer.
Edilaine Barros, você é uma delas. Você é um anjo para nós duas, além de ser
uma divulgadora excepcional nos seus grupos de amigos e por sonhar os
nossos sonhos.
Sil Zafia, Kevin Attis não cansamos de dizer o quanto vocês são
incríveis, não só por nos socorrer quando precisamos, mas por tudo.
Carol, temos um carinho enorme por você, foi uma das pessoas que
mais acreditou na gente, obrigada por ser mais que maravilhosa.
Nos vemos em um próximo encontro!
Sobre a autora
Rose Lynn, nasceu de uma brincadeira entre amigas. Duas jovens
autoras com auras diferentes, mas com a mesma paixão: escrever. Mesmo
sem nunca terem se visto pessoalmente, tem uma linda ligação. Apaixonadas
por romances, músicas e sonhos.
Siga a autora nas redes sociais
INSTAGRAM: @roselynnautora
FACEBOOK: Rose Lynn Autora
WATTPAD: @RoseLynnautora

[1]
Lá vai o meu coração batendo
Porque você é o motivo
De eu perder o meu sono
Por favor, volte agora.
[2]
Já passou das doze.
[3]
Não volto a me apaixonar.
[4]
A minha casa é a sua casa.
[5]
Eu quero dizer que você é a razão pela qual,
A terra gira e as estrelas suspensas no céu.
[6]
Eu vou me erguer sem medo, eu vou me erguer
E eu o farei mil vezes novamente.
[7]
Por você.

Você também pode gostar