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Estados Comportamentais Do Feto e Psiqui
Estados Comportamentais Do Feto e Psiqui
PERINATAL
Julieta Quayle
Victor Bunduki
Durante muito tempo se acreditou que o útero humano era para o feto o
equivalente do paraíso, do Éden perdido: ali ele estaria totalmente protegido, na vivência
humana mais próxima possível do nirvana, enquanto preparava-se para nascer - e ser.
levado sobre as águas primordiais: é o fogo, o germe da luz que brilha no seio de sua mãe
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originário; todavia, existem registros antigos de que o feto “real” vive dentro do corpo
“E orou Isaac por sua mulher, porque ela era estéril, ao Senhor, o
qual ouviu e permitiu que Rebeca concebesse. Porém as crianças lutavam
no ventre dela que disse: Se assim me havia de acontecer, que necessidade
havia de que eu concebesse? E caminhou a consultar o Senhor., o qual
respondendo disse: Duas gentes estão em teu ventre, e do teu ventre se
dividirão dois povos, e um povo vencerá o outro povo, e o mais velho
servirá ao mais novo.”(Gênesis, cap. 25, vers .21-23 2)
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sugeriu que o feto com 12 semanas era capaz de perceber seu meio, e que, aos seis meses,
tinha m “intelecto” 19
.Entre os gregos havia interesse pelo estudo das questões ligadas à
embriologia e à gestação23, 29
: Empédocles perguntava-se se a vida do embrião seria
possibilidade de influências pré natais sobre o concepto; Platão (429-347 AC) reconhecia
Tertuliano defendia que a alma estava presente durante toda a vida intra-uterina . Já para
Santo Agostinho, a alma estaria presente a partir do 2o mês de gestação. No século XIII
racional, a se suceder durante a gestação, conceito contestado por Scotus, que acreditava
mesma alma governa os dois corpos” e que as emoções maternas podem chegar à criança:
“As coisas que a mãe deseja imprimem-se às vezes sobre a criança desde o momento em
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que ela a deseja. Todo querer, desejo supremo o medo da mãe, ou toda dor de seu espírito
repouso não coincide necessariamente com o de sua mãe, e que eventualmente pode
manter-se vivo por algum tempo após a morte de sua mãe, permitindo sua retirada com
vida do útero materno, tal como , de acordo com a tradição, teria acontecido com César,
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imperador de Roma . Raynalde, em 1545, afirmou que a ausência de movimentos
fetais era um sinal de morte intra-uterina 23 . Todavia, muito do que se pensava a respeito
utero.
que tais movimentos, percebidos pela gestante na segunda metade da gravidez, eram
indicadores do bem estar do concepto; Preyer (1865) descreveu que a atividade motora
era algo precoce no feto, anterior à 12a semana de gestação, sendo gerada
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mantinha inicialmente após a interrupção da gestação e pôde concluir que os reflexos que
semelhantes forma propostas por Jupila (1976), enquanto o refinamento da técnica trazia
imagens cada vez mais claras e nítidas e seu acesso a diferentes profissionais. De maneira
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condições fetais.
vez que este é descrito, é possível procurar-se desvios deste padrão, e seu significado. O
do feto domo ser passivo e protegido em seu habitat , desmistificando antigas crenças e
superstições. Sabemos hoje que o feto apresenta atividades que não são desprovidas de
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atividade.
gravidez, e que lhe dão, paulatinamente, noção de limite corporal. O meio líquido é
táctil.
aparelhos do feto que determina sua capacidade de interagir com seu meio. Seu
comportamento será, assim, determinado por sua maturação e pelas condições de seu
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e a aplicação do EEG só é possível após o rompimento das membranas. Sabe-se hoje que
se repetem ciclicamente, mas não foi observada a existência de ritmos circadianos no feto
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. Segundo de Vries, o sono materno não parece ter nenhuma influência sobre o feto 24.
emergência gradual de “estados de sono” fetal a partir de um estágio inicial mal definido
e desorganizado. Desta maneira, existiria um “sono ativo típico” a partir da 35a semana, e
que se evidenciam no recém nascido, e que estes são bem definidos e identificáveis entre
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Ver capítulo sobre embriogênese.
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Atividades Físicas
funções neurais da vida pré natal à pós natal” deve-se à “ampla gama de funções
do contorno fetal, de curta duração , que desaparecem ao redor da 10a semana. Prechtl 23
Para Verny 32, este é o início da motilidade espontânea, com a utilização de movimentos
direção oposta aos estímulos; mãos e rosto se tocam, existem “bocejos”, abertura do
semana, mãos e boca se tocam, com movimentos finos dos dedos, enquanto observam-se
movimentos de sugar e engolir. A partir da 18a semana, dentro de suas capacidades, o feto
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Ritmos circadianos: com freqüência de 1 em cada 24 horas; ultradianos: freqüência superior a 1/24 horas.
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20a semana; a movimentação das pernas em “tesoura”, entre a 13a e a 25a semana. Além
movimentação do feto é utilizada como parâmetro de seu bem estar. Sabe-se que fetos
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anencéfalos apresentam maior movimentação do que fetos normais , num padrão
repetitivo e espasmódico; por outro lado, fetos de mães diabéticas apresentam discreto
ausência de sofrimento fetal (em situações de patologia materna, por exemplo), pois as
funções motoras costumam ser poupadas mesmo após danos ao sistema nervoso fetal.
está associada a alterações da freqüência cardíaca, o que também fornece medida indireta
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receptores não se desenvolvem ao mesmo tempo20; ao redor da 20a semana, eles estão
receptora do sistema vestibular está bem desenvolvida ao redor da 14a semana, sendo
funcional perto da 21a; a mielinização das vias vestibulares começa na 20a semana, e se
desenvolve mais rapidamente neste sistema do que nos demais. No segundo trimestre da
acordo com Hooker , existe sensibilidade à pressão no lábio superior desde a 7a semana.
A reatividade fetal nesta área é vital, o que indica o grande valor adaptativo do
seria capaz de alimentar-se. A reatividade na palma das mãos se faz presente desde a
10,5a semana, e, no corpo como um todo, desde a 13a ou 14a semana.. Além disso,
observa-se uma reação fetal ( alteração dos batimentos cardíacos ) quando se exerce
registrada refere que o contato do rosto do feto com água fria (4o C) provocou uma forte
o intuito de impedir que o feto reaja a cada movimento materno, mas, de acordo com
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Eliott & Eliott, o feto se orientaria para a posição cefálica a partir da 20a semana de
gestação.
gustação) há que se considerar que a via de estimulação dos receptores fetais é o líquido
composição muda durante o dia, a partir dos ciclos de diurese fetal e da ingestão materna
adocicados.
funcionamento pré-natal , a capacidade olfativa dos recém nascidos sugere que ela já está
corpo materno e, também, por segmentos de ruídos externos. Aliás, a capacidade auditiva
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do feto propicia a execução de testes e perfis de reatividade e atividade que indicam seu
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bem estar e condições de saúde, sem que se invada o meio intra-uterino.
som da voz de sua mãe e se acalma com ele, bem como tranqüiliza-se ao ser exposto ao
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som de batimentos cardíacos . Filhos de mães mudas apresentam um tipo de choro
diferente ou mesmo não choram, de acordo com Truby e Linal(1965), como se lhes
faltasse a aprendizagem.
atravessa as paredes abdominais da mãe, e ele não fica completamente às escuras. Tal
estímulo pode atingir a retina do feto, cujas pálpebras se abrem e fecham desde a 20a
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No que concerne à atividade mental do feto, esta pode ser apenas inferida. Existe
desde o início das relações que ele estabelece com o meio ambiente. Os dados sugerem o
fetal face à repetição de um dado estímulo, até seu quase desaparecimento, lembrando o
apresentado.14
psíquica?
“amnésia” _ denominada por Freud recalcamento primário_ foi utilizada como argumento
de “inexistência” destas vivências, do ponto de vista emocional. Por outro lado, dada à
complexidade que hoje se conhece da vida intra-uterina, seria ingenuidade pressupor que
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o bebê nasce como tabula rasa geneticamente determinada, em que o meio irá escrever.
Os dados disponíveis sugerem a existência de uma continuidade entre a vida intra e extra
uterina bem maior do que se poderia supor anteriormente. Todos os sentidos humanos
estão operantes a partir de algum momento do terceiro trimestre, sendo que o feto pode
(1900), Freud falava da importância dos sonhos que evocam o nascimento e de fantasias
psíquica do indivíduo.
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Hoje sabe-se que o útero não é o nirvana protegido , magicamente blindado, que
importância capital na vida fetal e seu amadurecimento, “criando” cada novo ser :
Os dados ora disponíveis sugerem, de acordo com Verny 32, que o feto é capaz de
desloca-se com intencionalidade, para fugir de um feixe de luz, ou para afastar-se de uma
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invasivo22.
Por outro lado, existem sorrisos que acompanham a fase REM do sono dos
prazeiroso.. Sabe-se que o feto começa a sonhar a partir da 23a semana, sendo este um
Além disso, de acordo com Verny e Scott 32, o feto pode fazer, entre a 26a e a 30a
dizia-se que se uma jovem bebesse o chá diretamente do bico do bule, seus filhos
regulador deste tipo de crença, mas não se pode ignorar sua função explicativa. Também
se afirmava que se uma mulher grávida passasse sobre uma vassoura, seu filho nasceria
cabeludo; ou que se fosse jogada pimenta preta em pó sobre ela, seu filho nasceria com
que uma grávida não deveria comparecer a um funeral se não quisesse por em risco a vida
Hoje sabe-se que existe a influência materna, inclusive pela via hormonal; a
preciosa intuição do Dr. Lester Sontag a respeito dos efeitos sobre o feto do estresse e da
ansiedade materna de gestantes cujos maridos lutavam na 2a Guerra abriu caminho para
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os estudos a respeito dos efeitos do consumo de álcool e nicotina pela grávida, só para
citar os exemplos mais conhecidos, sobre seu feto. A mãe sob forte tensão emocional
afirma que, da mesma maneira que o feto pode ser atingido por uma infecção contraída
por sua mãe, pode sofrer “infecções psíquicas” pelo contágio materno, sendo de grande
importância o papel das emoções maternas. Em sua opinião, “pode-se deduzir que os
pensamentos e sentimentos da mãe exercem ação benéfica ou maléfica na criança que ela
está gerando.” Ressalta que nem tudo que acontece com a mãe determina o futuro da
mas a maneira como ela recebe sua criança ainda é o mais importante. Na opinião de
Verny 32, quando os sentimentos e pensamentos são ricos, positivos, a criança pode
registrada”, sua maneira de ser e reagir. Mais do que especulação, ou projeção de desejos
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seriados. Nesse grupo, havia 4 gestações gemelares e três gestações singulares .Sua
investigação foi realizada incluindo entre cinco e seis observações mensais em cada
particular de se comportar, o que se tornava ainda mais evidente nos casos de gestações
era mais expansiva, e buscava o contato com seu irmão, que se retraía e enfiava a cabeça
na placenta, ou tapava o rosto com as duas mãos. Após o nascimento, manteve-se este
padrão de comportamento: a mãe dizia que “ele é do gênero quieto”, já “ela é do tipo
nervoso”. A menina prosseguiu sempre mais interessada pelo que acontecia ao seu redor,
enquanto o menino dava a impressão de ser mais calmo, voltado para si mesmo.
Na opinião da autora, o fato mais marcante de sua pesquisa foi constatar que
que tal padrão se mantinha após o nascimento, de maneira que dividir o mesmo espaço no
período pré-natal não parece ter afetado o temperamento básico de cada criança- embora
existissem sinais claros de que cada criança havia sido afetada pelo fato de ter dividido
seu espaço. Por outro lado, considera que as evidências que obteve a respeito da
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continuidade da vida pré e pós natal são “óbvios”, mas pouco aceitos, uma vez que
muitos profissionais preferem considerar que a vida mental do bebê começa a partir do
fetal, da mesma maneira que se procuram meios de facilitar a vinculação mãe/ feto. Em
sensibilidade do feto ao som e busca facilitar à grávida o encontro com seu filho. Já
natal (4), buscando lançar luz à obscuridade. Afinal é da criatividade da psique que
da Medicina Fetal como área científica e terapêutica, tanto no que concerne aos seus
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Haptonomia: ciência que visa criar uma rela’~ao afetiva através da música.
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No Brsil a ABREP- Associação Brasileira para o Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal, de caráter
multidisciplinar, com sede em São Paulo, congrega os profissionais interessados na área.
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