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MENSAGEM , obsidia’ com frequéncia moderna lirica portuguesa, quer para simbolizar a decadéncia quer colarizando as esperancas messidnicas no ressurgimento patrio. O autor da Mensagem singulariza-se como um. in- ertido, cantor, sem tuba ruidosa’, de mirificas’irrealidades. ° dealismo estreme, ocultista ou platénico, dalguns dos seus poemas lit (05 reduz o mundo visivel a cépia grosseira do mundo invisivel. | pelo gue 0 sonho ou a loucura nao redimem. sao |,o mito («nada que >), , sdo essas poténcias que, fecun- ando a realidade, tornam a vida digna de ser vivida, ou melhor, |, mero vegetar, | quer dizer, promessa do gue nao ha, Bracos cruzados, fita além do mar» (p. 42). Olhar sem alvo definido, olhar tipico da Mensagem. . «AS nagées to- das so mistérios. / Cada uma é todo 0 mundo a s6s» (p. 22). Sem existir 2s forgas ocultas é que valem), criou Portugal. Segundo o mes- mo plano divino, por instinto, «com Depois, a ideia foi encarnando sucessivamen- 2 nos homens que fizeram Portugal. : «O homem ea hora so um s6 Quando Deus faz e a historia é feita» (p. 2). Ha entretanto na Viriato ¢ ja portador do instinto obscuro que vai animar 0 conde D, Henrique. «Todo comeso € involuntario, / Deus é o agente. / O heréi a siassiste, vario / E inconscientey (p. 21). Jé D. Duarte é um, , unidade moral que se ope ao mundo, e gozando a recompensa apenas na ideia deo cumprido, Subordinado a «regra de ser Rei», a si mesmo se edificou. Je paginas entre paréntesesreferem-se. eaigao de Mensagem utlizada tmtvbonadova sem efoiza eta Vlertnca 20 vetzo3 da etof Sd Canto! d Os tasadssMas de tuba Canora ebelicosn em que Came inoca 2s Ta pein Ies nso par cant de lorma andar os feos dos Prtugueses | - EDUCAGAO LITERARIA 12° ANO ‘A Mensagem é também um c domi O que o define nao ¢ a dnsia do poderioterreno mas um ideal cujo escopo’ pertence a «alma inter na». D. Pedro, regente de Portugal, «Indiferente ao que hé em conseguir / Que seja s6 obter» vive e morre «Fiel & palavra dada e 8 idela tida. / Tudo mais é com Deus!» (p. 31). Essa fome de Absoluto pée constante- mente o dilema . Albuquerque, num plano superior ao deste baixo mundo, «sobre os paises conquistados / Desce os olhos cansados / De ver o mundo e a in- justiga e a sorte». Criou trés impérios «como quem desdenhay (p. 43). Surge contagiado pelo Mas 0 «caminho da virtude alto e fragoso» tem em uma substancia ético-crista que falta na Mensagem. Ao cabo dele esto sema grandeza de alma que os torna infelizes nada vale a pena: «Ai dos felizes, porque sao / S6 0 que passal» (p. 16). A galeria dos : «em honra e em desgraca» (Omar sem fim é portugués»), Depois dos medalhées do Mar Portugués vém os simbolos e avisos do Encoberto, a Os pinhais de D. Dinis, a0 serem agitados pelo vento, sussurram como «um trigo de Império», prefiguram o marulho das ondas A predestinaco nacional lé-se nas trovas do Bandarra. Por isso 0 poeta sabe com intima certeza que ° confirma-se em outros poe- mas orténimos (em A Meméria do Presidente-Rei Sidénio Pais, especial- mente). Da carder inconfundivel a estes poemas o que poderei chamar a , 130 perfeitamente integrada no clima subjetivo do autor que A (a distribuigao arquiteténica dos poemas de Bra- so, Mar Portugués e O Encoberto) ea sdo outros pontos de contacto com a restante poesia de Fernando Pessoa. Na Mensa- gem as palavras denunciam uma inteligéncia que nao adere as «verda- des» da fé messinica:o mito chama-se objetivamente mito, a lenda lenda; a febre de grandeza que despreza os limites dé-se o nome de loucura. Mais ainda: a madrugada do Quinto Império é irreal (D. Sebas 10 6 revo- cado da nao existéncia («do fundo de nao seres»), O poeta, dormindo, ouve uma voz misteriosa: «Mas, se vamos despertando, / Cala a voz, e ha omars(p.75). ata, laconicamente afirmativa, como palavras ambiguas das pitonisas’, ope S40 pois os poemas da Mensagem, pelo seu carater subjetivo, simbé- 0, pensados por uma inteligéncia exaustiva, destituidos de qualquer mito de humanidade da epopeia historicamente vivida? Nao, porque certos pasos, em especial da segunda e da terceira partes, o poets que 0 Ir stou (cf. Mar Portugués»). Jacinto do Prado Coeho «Fernando Pessoa autor da Mensagen, in Unidade e Diversidad em Femando Pessoa, 10: ed, Lisboa, E4.Vetbo, 1950, pp. 49-56 texto com adaptacbes] ‘A Mensagem tem 1 € nao serd deslocado vrazer uma terminologia musical para um poema que devemos ver como verdadeiramente sinfénico. No primeiro, intitulado ~fazendo coincidir até ao ultimo Rei-Cavaleiro da di- nastia de Avis, D. Sebastido, com 7 z e do brasao portugués, em conjuncao original da heral- ‘a e de uma meditacio sobre os caminhos da Providéncia e do Mito -, nando Pessoa apresenta-nos 0 4 0 Portugal rosto da Europa, o Portugal que se firmou na guerra anta, que é 0 Bellum sine bello (na epigrafe que abre esta I parte), quer- "em guerra por sera guerra de Deus, o Portugal de uma febre de Além ©. 30) que inspira a sua historia como uma demanda do Graal, o Graal entesourado no Templo / Que Portugal foi feito ser (p. 25). No segundo andamento, com o titulo de , Pessoa quis, 2ar-nos uma amati (epigrafe desta ie parte ~ A Posse do Mar). O poeta vai direito a0 , quando aponta o que foi a sua , u-sea terra inteira, de repente, /Surgir, redonda, do azul profundo (p. 49); a Alma é divina e a obra é im erfeita. / Este padrdo sinala ao vento e aos cus /Que, da obra ousada,é nha a parte feita:/O por-fazer é s6 com Deus (p. 51); 0 |, E ao imenso e posst- 2! oceano/Ensinam estas Quinas, que aqui vés, / Que o mar com fim serd "290 ou romano: /O mar sem fim € portugués (p. 51), ou ainda Com duas FERNANDO PESSOA - ‘nai na Aalgudade malher que powuina dom de prleca. sicagos depaginasemepatenteses ere se ediue de Mensagem uted méos-—o Ato eo Destino -/Desvenddmos. [...]//Foi Deus aalma eo corpo Portugal /Da mao que o conduziu (p. 56). No terceiro ¢ ultimo andamento, intitulado Pessoa afir- maa Em termos politicos, econémicos, sociais, culturais, tudo esta ou parece perdido Note-se: 0 terceiro andamento principia pelos , estrela de cinco pontas desen- volvendo-se em redor de um centro, que ¢ 0 | sintese de (0 Rei desaparecido na ilha cercada de nevoeiro, de onde um dia regressara para cingir a sua coroa usurpada), (0 Redentor que viré conforme as profecias para salvar 0 povo) & (no paradigma de Cristo ressuscitando para salvar a humanidade, o Rei-Cavaleiro, ungido de Deus, voltara para re conduzir a nagio transviada ao caminho da grandeza e da gléria). simbolizados nesta Ill parte da Mensagem , Que im- portao arealea morte ea desventura /Se com Deus me guardei?/ EO que ‘eu me sonhei que eterno dura, /E Esse que regressarei. (p.71) Camoes terd sido 0 primeiro, n’ Os Lusiadas (entenda-se em ter- mos literdrios, porque a tradicao deve ser entre nés bem mais antiga), @ fazé-lo coincidir com Portugal, pois que por ele se esquecam os humanos /De Assirios, Persas, Gregos e Romanos sendo 0 nosso Desejado como o avatar do her6i sem macula do ciclo da Demanda, Galaaz. ,,com fortes conotagdes ar- turianas, terras sem ter lugar, / Onde o Rei mora esperando. (p. 75). ,, que Fernando Pessoa, depois de o ter descrito em termos de cavaleiro templario, sim- boliza agora de uma forma original, em termos rosa-crucianos. correspon dentes aos trés poemas da segunda parte do que chamamos o terceiro andamento da Mensagem, ditados pelos Lo Este, cujo cora¢do foi / Nao portugués, mas Portugal (p. 79), 0 , Imperador da lingua portuguesa, visionario da ma- drugada irreal do Quinto Império (p. 80); ¢ ele proprio, ; no poema que, por isso mesmo, nao tem titulo, momento de comovente lirismo, muito mais interrogativo do que vaticinante, que principia:'Scre- vo meu livro a belra-mdgoa (p. 81). Enfim, concluindo a Mensagem, Fernando Pessoa | desde ouon gredo (0 poema «Noites), ou putrefactio (0 poema «Tormentas), . citrinitas (0 poema «Calma»), ou 0 albedo (0 poema «Antemanhé») e por ultimo, ndo desde logo a Grande Obra, apés 0 rubedo ou 0 igneo, mas a injuncao a que ela surja do nevoeiro e do mistério que a envolve, D. Sebastido redivivo (arquétipo Universal do Salvador escondido, do Heréi imortal que sempre regressa e ressuscita, como a Fénix, pela purificagao do fogo), (© poema «Nevoeiro») que termina com um apelo aos irmaos, no enigmatico Valete, Fratres. Esta saudacao nao tem um cunho apenas iniciatico, porque exprime sobretudo 0 1 @ obter pela sublimacdo que 0 poema, em si, representa. Quadros, sntrodugdo 8 vida e& obra poétca de Fernando Pessoa In Mensagem e Outros Poems Afns, 2 ed, Lisboa, Publicagbes Europa-Amétce, ‘fd, pp. 71-80 [texto com adaptacées] MENSAGEM Benedictus dominus deus noster qui dedit nobis signum. (Bendito seja Deus Nosso Senhor por nos ter dado 0 sinal.) Bellum sine bello. (Guerra sem guerra) Primeiro O dos Castelos Segundo O das Quinas Primeiro_Ulisses PrimeiraD. Duarte, Rei de Portugal Segundo Viriato Segunda D. Fernando, Infante de Portuga Terceiro. O Conde D. Henrique Terceira_D. Pedro, Regente de Portugal Quarto D.Tareja Quarta _D. Joao, Infante de Portugal Quinto D. Afonso Henriques Quinta _D. Sebastido, Rei de Portugal Sexto —_D. Dinis Sétimo (I) D. Joo 0 Primeiro Sétimo (lI). Filipa de Lencastre Nuno Alvares Pereira ACabegadoGrifo.O Infante D. Henrique Uma Asa do Grifo. _D. Joao 0 Segundo A Outra Asa do Grifo Afonso de Albuquerque Segunda Parte - MAR PORTUGUES Possessio maris. (A posse do mar.) 10 Infante l Horizonte Il Padrao IVOMostrengo VEpitéfiode VIOsColombos VilOcidente_—villFem8o IX Ascenso Bartolomeu Dias de Magalhaes Vasco da Gama X Mar Portugués XIAUltima Nau XII Prece Pax in excelsis. Paz nas alturas.) PrimeiroD. Sebastido Primeito © Bandarra Segundo O Quinto Império Segundo Anténio Vieira Terceiro 0 Desejado Terceiro («Screvo meu livro Quarto Asihas Afortunadas a beira-magoa») Quinto OEncoberto Primeiro. Noite Segundo Tormenta Terceiro. Calma Quarto Antemanha Quinto Nevoeiro Valete, Fratres. (Eu vos satido, irmaos.) MENSAGEM FERNANDO PESSOA - 1 Benedictus dominus deus noster qui dedit nobis signum. (Bendito seja Deus Nosso Senhor por nos ter dado 0 sinal.) Primeira parte BRASAO Bellum sine bello. (Guerra sem guerra.) Os 19 poemas desta parte, distribuidos em cinco seccdes (que reproduzem o estandarte do infante D. Henrique), revelam o Fique aD. Afonso Il) até a formacao do Império. | desde a conquista do territério (do conde D. Hen- A paradoxal epigrafe («Guerra sem guerra») remete para a existéncia de uma historia guerreira, que Possibilitou a criacdo de um império material, sendo que este deveria gerar um império espiritual, logo, ree uae: Por outro lado, simbolicamente, a epigrafe refere-se 8 constante luta humana para superar as forcas brutas e instintivas. 10S CAMPOS A figuracao do territério nacional — a conquista ea protecio, HOS CASTELOS Os fundadores simbolizam a 10 e ° » inscrevendo-se na visio providencialista da Histéria de Portugal. Fundador mitico de Lisboa, simboliza a forca criado- ra do mito e 0 traco da errancia maritima que carac terizaré 0 povo portugués. Fundador da Lusitania, «antemanha» de Portugal, simboliza as qualidades do povo portugues: herois- mo, ousadia e humildade. A origem de Portugal pertence a ordem do sagrado; © herdi é um instrumento da vontade divina, Fundadora da primeira dinastia, a «mae de reis e avd de impérios» «Pai» dos Portugueses, 0 fundador do reino, cujo exemplo deve ser sequido na luta contra «novos in- figis», na fundacao do Quinto Império. A dimensdo espiritual ~ a misao sagrada de Portugal (representacao das cinco chagas de Cristo). LAS QUINAS As cinco figuras histéricas simbolizam a vivencia do eda . experiéncia necessaria a assagem para um estado superior. Representacao da sujeicéio ao dever e a vontade de Deus. Martir do Império, sagrado por Deus «em honra ¢ desgraca» e consumido por uma «febre de Além», Pode figurar todos os portugueses anénimos que, animados pelos valores patrios e cristdos, sucum: biram estoicamente durante a gesta dos Descobri- mentos. Representacao da coeréncia consigo mesmo e do cumprimento dos compromissos, Rei poeta, 0 fundador da cultura portuguesa, cuja | Representacéo do homem comum («Nao fui al aco anuncia e prepara a conquista do mar. guém.»), por oposigao aos irmaos. Fundador da segunda dinastia, o salvador da inde- pendéncia nacional, é também ele um instrumento divino. Representacéo da «loucuray como sinénimo de «grandeza» e superacao, tiltimo rei do Império, a su: morte suspende simbolicamente o tempo ~ Portu gal ficara‘entre, num intervalo, esperando «O Enco- «Madrinha de Portugal», «que s6 génios concebia», | bertoy, inscreve-se numa missao sagrada: «Princesa do San- to Graal», 6a mae da Inclita Geracéo, que lancaré os empreendimentos maritimos, etapa fundamental para a futura criagao do Quinto Império. IVACOROA VOTIMBRE © simbolo da realeza e do reino, representando 0 | O simbolo do poder legitimo, a marca pessoal i Ponto mais alto da consolidagao de Portugal. rita no escudo do infante D. Henrique, é 0 Grifo (ser mitolégico com bico e asas de aguia ¢ corpo de ‘ : ledo), Simbolo da naco - «S. Portugal em ser» ~ @ encar- nacao do ideal medieval da cavalaria, é guerreito vencedor, herdi e santo. Com esta figura, fecha-se | “© Unico imperador que tem, deveras, / O globo tum primeiro ciclo da vida de Portugal (antes dos | Mundo em sua mao.», 0 visionario cujas acdes possi- Descobrimentos e do Império). billtaram a criacao do Império. Criador do estado moderno, realizou o Império. Executor do império material - «Téo poderoso q no quer o quanto / Pode» -, a sua conduta é dita pelos valores morais. Segunda parte MAR PORTUGUES Possessio maris. (A posse do mar) Esta parte da obra representa a a eo Aacao dos portugues: alarga 0 conhecimento sobre o mundo, possibilitando o inicio da modernidade europeia, Os 12 poemas figuram 0 de constituicao, vivencia plena e dissolugao do império mate rial («Cumpriu-se o Mar, eo Império se desfez»), deixando suspensa a consumacao plena da nacao, que serd atingida numa dimensdo espiritual com 0 Quinto Império («Senhor, falta cumprir-se Portugal) Os descobrimentos revolucionaram a prépria visio e conhecimento da Terra («E viu-se a terra inteira, de repente, / Surgir, redonda, do azul profundo.»). A aco dos Portugueses integra-se num plano divino e tem um cardter universalista — a missdo de unir terras e povos. A ousadia ea vontade permitiram a superacéo de todos os medos e a substituico da visio medieval do mundo por uma nova visio. O sonho é 0 impulsionador de todos os grandes feitos na demanda da verdade de sua yrtu- nco- ins- srifo ode jobo ossi- que ada eses ate- 256 . de tem O «padrao» assinala a descoberta e a conquista de territorio, possiveis pela febre [...] de navegar» e pelo impulso divino. Colocar 0 «padrao» é espalhar a Cristandade e instaurar uma nova era: «Ensinam estas Qui nas [...] / Que mar com fim sera grego ou romano: / O mar sem fim é portugués.. Em direta intertextualidade com Os Lusiadas, desafiar e vencer «O mostrengo que esté no fim do mar» (sim- bolo de todos os medos, reais e lendérios, ligados ao mar desconhecido) significa o triunfo da vontade de um povo, representado pelo seu rei e personificado pelo chomem do leme». Ultrapassar 0 «mostrengo» 6 , « homem» néo é mais que «cadaver adiado que procriv. ‘A segunda parte do poema, correspondente a terceir estrofe,reflete sobre o curso temporal e as «forcas cegas apenas a insaisfagao humana, a valmav, pode instaurar orem no caos. Existe a oposicéo entre duas atitudes hu rmanas (expressa através de antiteses nos vers0s 6 € 10): acomodacio a limitada condigao humana e 0 desejo de sua superacao, As duas estrofesfinais,terceira parte, referem os quatre impétios antigos, que «se vio / Para onde vai toda a ida de», eanunciam o «dia claro» gerado na noite, ou seja, pro feticamente, a chegada do Quinto Império. A interrogacac final (vv. 24-25) tem o sentido de um apelo,indicando tam bem que a chegada do edia claro», do novo Império, de everdade / Que morreu D. Sebastido?», s6 se tornars reali dade quando houver «Quem» viva essa verdade. Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser Este fulgor baco da terra Que 6 Portugal a entristecer ~ Brilho sem luz e sem arder, Como o que 0 fogo-fatuo encerra Ninguém sabe que coisa quer. Ninguém conhece que alma tem, Nem o que é mal nem 0 que é bem (Que ansia distante perto chora?) Tudo ¢ incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada ¢ inteiro. © Portugal, hoje és neveeiro. Ea Hora! Fernando Pessoa, Mensagem, edic30de Fernando Cabral Martins, LUsboa, Asso & Alvi, 1997 g NOTA Segundo 0 Diciondrio dos Simbolos, 0 nevoeito € «sim- bolo do indeterminado, de uma fase da evolucao: quando as formas ainda nao se distinguem, ou quando as form: ~antigas que desaparecem ainda nao foram substituidas por formas novas precisas.[...] 0 nevoeiro precede as revela: {GOes importantes: 60 preliidio da manifestacao.» 1. Estabelece a relagao entre o titulo e 0 primeiro verso do poema. 2, Refere a importancia dos jogos de antiteses na construgao do sentido do texto. 3, Identifica outros recursos estilisticos que contribuem para a caracterizagao disforica de Portugal 4, Comenta a sentido do verso 10, relacionando-o com o significado simbdlico de «Nevoeiro». 5. Interpreta a titima estrofe ‘nico livro em portugués publicado em vida por Fernando Pessoa, em 1934, é constituido por 44 poemas, escritos entre 1913 e 1934. A intencao de escrever uma o onalista ¢ manifesta-se desde cedo: data de 1910 um poema intitulado Portugal, com rista , que anuncia Mensagem; 0 poema D. Fernando, Infante de Portugal é de 1913, com o titulo Giddio, tendo sido Publicado na revista Athena, em 1924; 0 conjunto Mar Portugués foi publicado em 1922, no n.°4 da revista Contempordnea, e também em 1933 (16 de junho), no jornal Revolugao. ° éuma especificamente portuguesa. O messianismo, de uma forma geral, postula a vinda de um Mesias, uma figura salvifica e redentora que levard a humanidade a um novo tado de existéncia, caracterizado por valores de justica e felicidade. Este sistema ideolégico estrutura gran- # parte das religides, como a judaica ou a crist; por outro lado, est igualmente na base da legitimacao de ‘erminados lideres politicos e na (re)construcao literdria de figuras miticas e/ou histéricas, como é 0 caso do . (© meu livro Mensagem chamava-se primitivamente Por tugal. Alterei o titulo porque 0 meu velho amigo Da Cunha Dias me fez notar ~ a observacdo era por igual patriética € ublicitaria - que o nome da nossa Patria andava hoje pros- tituido a sapatos, como a hoteis a sua maior Dinastia”."Quer \. POF 0 titulo do seu livro em analogis com portugalize os seus pés?" Concordel e cedi, como concordo e cedo sempre «que me falam com argumentos.|...] Eo curioso é que o titulo A de Mensagem revela | Mensagem esti mais certo ~ a parte a razdo que me levou a desde logo a sua dado que | p6-1o~ de que o titulo primitivo. as trés partes corespondem a uma Fernando Pessoa |, como um : nascimento, vida plena ou realizado ¢ morte, que contém jé as energias latentes que levardo a um novo ciclo, Assim, apresenta os herdis fundadores, miticos e reais, os pais e as maes da nac3o, que foram os agentes de um plano divino; mitifica os Descobrimentos e os seus protagonistas, que cumpriram Dicondriode iteratva, 4d, Porta gush, 1992, Proslitme edeautocanecinerta else ichard Zenith, Las, Asst & Ak, 2007 Sabre Portgo!- nro a0 Pobema Nacional, ods; eorganizagio de lel era, sho, A, 1978 Referens aos-Sapatos Portugal e ao shove a Sobre Portugal -Intoducao ce Problema Naconl iodo eorganiagiede Joel Ser Lisboo, ht, 1978 um dever individual e coletivo, atingindo a imortalidade no cumprimento de uma missao transcendente; sintese da obra, anuncia a regeneracao da patria morta, o inicio de um novo ciclo ~ 0 Quinto Império ° de Mensagem é © 05 herdis individuais surgem como os agentes divinos de us destino (pré)determinado. Imaginarios ou reais, os caracterizam-se pela «fome de Absoluto», pela «fe bre de Além» e tomnam-se D. Tareja e D.Filipa geram reis e o império; Nuno Alvares Pereira encarnz © ideal cavaleiresco; o Infante D. Henrique faz nascer 0 império portugués. Quanto a D. Sebastido, de simbo transmuta-se em mito: «simbolo da loucura que transfigura, da esperanca que alenta e do Sonho que h ser Realidade. D. Sebastido, varado no areal africano, D. Sebastido, a bordo da tiltima nau, D. Sebastido, 0 Enc berto, D. Sebastiéo, o Desejado ~ é 0 Mito da ansia de ser, é S. Portugal, numa esperanca de vida nova.»”” Re Presentagdes desencarnadas das figuras histéricas,fixados fora do tempo e do espaco, os herdis de Mensagem exprimem P que, transfigurando a realidade, cria o mito. ‘Mensagem formula simbélica e miticamente a matéria e a cronologia hist6ricas, desenhando o d |, cumprido pelos seus herdis, em trés etapas, que se desenvolve em obediéncia a um plano divino, entrelacando o passado, o presente e o futuro, e espelhando a ~a glorios: ea dolorosa. 0 da obra esta patente também nos elementos templarios e rosacruciano Presentes em alguns poemas e na simbologia dos nimeros que sustentam a arquitetura da obra, destacando ~se 0 Tr€s, 0 Cinco e 0 Doze (vide Glossério}. Pessoa quis ser um « a » edeclarou-se « ». A todas estas designacdes preside a consciéncia do seu génio e ds responsabilidade que tal comporta: «fazer arte parece-me cada vez mais importante coisa, mais terrivel mis- S80 ~ dever a cumprir arduamente, monasticamente, sem desviar os olhos do fim criador-de-civilizacao de toda a obra artistica.»”, Esta missao liga-se a : «Porque a ideia patristica, sempre mais ou menos presente nos meus propésitos, avulta agora em mim; endo penso em fazer arte que nao medite fazé-lo ara erguer alto o nome portugues através do que eu consiga realizar.» Em Mensagem, Fernando Pessoa inscreve o seu patriotismo, cultivado na infancia e juventude passada em Durban sob a tutela da lingua e cultura inglesa, talvez até exacerbado como reagao a hegemonia inglesa efe tivamente sentida, e, como atestam os dados biogréficos, assumiu uma intencio civlizacional, delineando varios planos culturais e empresariais que visavam a divulgacao e a projecdo de Portugal no mundo. !gualmente relevante 6 0 facto de, na sua adolescéncia, Pessoa ter encetado a traducao para inglés de par- tes de Os Lusiadas e de, em 1912, na sua estreia literdria, ter anunciado, para breve, o aparecimento de um «Supra-Camées». Apesar de, na obra pessoana, nao abundarem as referéncias a Cam@es (até por comparacao com 0 muito que escreveu sobre outros autores), é impossivel ndo equiparar ambos os poetas, sendo incon- tornavel a 0s dois supremos escritores portugueses, foram. ambos Procedendo a sua mitificagdo: 0 primeiro narra as grandezas passadas, num momento que era ja de decadén- , « > ex > podem ser diretamente relacionados com momentos de Os Lusiadas, nomeadamente a visio inicial da to IX, est. 51-56), 0 episédio do (Canto V, est. 37- 60) ¢ 0 episédio denominado (Canto ly, est. 88-92), respetivamente. Também, nestes casos, as diferencas se afirmam pela dimensao mbélica atingida na Mensagem, mais evidente também pela brevidade dos poemas. Os herdis predestinados das duas primeiras partes de Mensagem dao lugar a (re)construco do mito sebastia- sta na terceira; a correlagdo com Os Lusiadas desaparece para apenas ecoar no ultimo poema (« >), jos versos inicials remetem para o nna estancia 145 do ultimo canto da sua epopeia. Visdo subjetiva e liricamente expressa, Mensagem é palco da ex ,fixando a sua histéria em {adros definitivos, interiormente vividos. Com esta obra, Pessoa quis «Projetar no momento presente uma ‘sa que vem através de Portugal, desde os romances de cavalaria. Quis marcar o destino imperial de Portu- |, esse império que perpassou através de D. Sebastiéo, e que continua, "ha de ser’ Os poemas de Mensagem, escritos em diferentes épocas, partilham caracteristicas comuns: une-os a 10 ea | assente no >enas ecorréncias de sentido transversais Obra épico-lirica, recheada de textos belissimos e de versos aforisticos que se autonomizaram, ganhando estatuto de provérbios («Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.»; «Tudo vale a pena / Se a alma nao é pe- guena.»), Mensagem expressa-se numa l . .,e, como na poesia de Ri- rdo Reis, culta, densa, As manifestam-se principalmente ao nivel da inspiraco e do tom dos poemas, po- m, em «O Mostrengo», ressoa a «tuba canora e belicosa» de Camées, através de versos decassilabicos ampli cados por um refrdo de grande poder dramatico-simbélico. boo, em 14-12-1934 Crca = Ensaio, Artigas e Entrevista, edgio de Femando Cabral Motins, sbos Treva de Fernando Psion pubieada no Diode si alvin, 200, 9.457, Os , sempre (existindo variedade métrica e de esquema) e recorrendo a uma grande (com predominio da quadra), s40 compostos por versos constituido por de sentido maximamente condensado, sendo frequente a a , a ea Varias vezes conjugadas (em «Mar Portugués», p ‘exemplo). A “a eo So recursos ret6ricos dominantes («Ulisses» e «Nevoeiro» ‘exemplo), que geram a ea Obras consultadas Edicdes utilizadas: CAEIRO, Alberto, Poesia [edicéo de Fernando Cabral Martins e Richard Zenith], Lisb Assitio & Alvim, 2001 CAMPOS, Alvaro de, Poesia [edicao de Teresa Rita Lopes], Lisboa, Assirio & Alvim, 2002 PESSOA, Fernando, Mensagem [edicao de Fernando Cabral Martins), Lisboa, Assirio & Alvim, 1997 O Livro de Bernardo Soares, in Livro(s) do Desassossego [edicao de Teresa Rita Lopes], Sao Paulo, Global Edi- tora, 2015 Poesia ~ 1902-1917 [edi¢ao de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dinel, Lisboa, Assitio &Alvim, 2005 Poesia - 1918-1930 [edicdo de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dine], Lisboa, Assirio & Alvim, 2005 Poesia ~ 1931-1935 e ndo datada [edi¢ao de Manuela Parreira da Silva, Ana Maria Freitas e Madalena Dine! Lisboa, Assirio & Alvim, 2006 REIS, Ricardo, Poesia [edigéo de Manuela Parreira da Silval, Lisboa, Assirio & Alvim, 2000 BELCHIOR, Maria de Lourdes, «Fernando Pessoa e Luis de Camées: Herdis e Mitos n’Os Lusiadas e na Mensa- gem», in Persona, 5, Porto, abril de 1981 CHEVALIER, Jean; GHEERBTRANT, Alain, Diciondrio dos Simbolos, Lisboa, Editorial Teorema, 1994 COELHO, Jacinto do Prado, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, 10. edi¢ao, Lisboa, Editorial Verbo, 1990 Diciondrio de Literatura Portuguesa, vol. I diregaol, 42 edicao, Porto, Figueirinhas, 1992 DINE, Madalena Jorge; FERNANDES, Marina Sequeira, Para uma Leitura da Poesia Modernista - Mario de Sé- -Carneiro e José de Almada Negreiros, Lisboa, Editorial Presenca, 2000 GALHOZ, Maria Aliete, «O Momento Poético do ORPHEU», Introducao 8 4.* reedicao do vol. | de Orpheu, Lisboa, Atica, 1984

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