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O ESTRANHO

REFLEXO

Leertidlos
POESIAS

Vivo mar e terra

Afogo e ando

Planto e nado

Sou oceano e serra

Ostra e caramujo

Poeiras do futuro

Águas do passado.

Entre o correr do rio

E o surgimento das depressões

Você me sopra como o ar

Me retira do desvio

Me devolve as sensações.

Após costurar o infinito no meu peito

E banhar de terra as minhas frustrações


Tu soprou a poeira do meu coração.

No espelho coisa, no teu olhar, sujeito;

No teu pensar, paixão.

Teceu as linhas do infindável; meu desejo

Me trouxe rosas sem deixar pétalas no chão.

Oh, meu amor, tão doce amor

Se por ti vivesse, cantaria como o Bem-te-vi ao amanhecer

Escreveria risos e beberia lágrimas

Para que não sentisse o anoitecer

Que o poeta tanto invoca ao compor.

Teu amor me revela e me tira do mar

Dessa solidão molhada que na monotonia reside

Me faz ser coral invés de alga

Torna-me Bento invés de Olga.

Queria eu morar no teu coração

Para conhecer os pormenores do indescritível

Se embriagar na fonte do poeta

A doce paixão

E te presentear com o néctar imperecível.

Ó, meu amor, teus cachos são como noites estreladas

O dourado do teu fim clareia a escuridão do decorrer;

E no fim perecer dessa vida amargurada

Só quero levar comigo o brilho dos teus olhos quando eu morrer.

Teus braços são como casulo

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Tuas palavras são como Catulo

E eu, homem pétala, como Cartola

Vejo as rosas roubando o seu cheiro de você.

Guia-me para os teus braços, ó querida Ariadne

Mostra-me o fio rubro que me leva até tua alma

Para que eu largue o mar e a terra

Para viver teu amor e calma.

CREPÚSCULO DE SANGUE

Fui tolo, vão, poeta

Buscando na carne ilusões

Vendo a perdição com tristeza, estranheza.

Um viciado em entranhas

Que se acostumou com o escuro

O último suspiro de constelações

O pranto choroso das consolações.

Anoitecendo uma alma cremada.

Não senti escorrer

A paixão viril que nos faz homem

A dama noturna que traz gozo

Prazer, perdição

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Que em alguns segundos, some.

Não vi o sol nascer no horizonte

Pois fui fugaz na despedida

Me abriguei na sombra desmedida

Vendo o sol nascer morto, como todas as suas irmãs.

Escrevi a rotina com os fiapos

Do manto que antes me cobria (ó mãe, perdoa-me

Por ter guardado os teus cacos

Ainda preciso de pedaços

Pra refazer teu rosto em meu peito)

Teci o destino com esse musgo

Como velha tecelã

Vestindo-me de eclipse

A essência da poesia.

Ó Deus, dai-me consolo, misericórdia.

Por que sou amante das imagens?

Se Tu se revelas na essência

Na concórdia.

Ó Deus, dai-me paz e abundância.

Sacia a minha alma que anseia

Por estar presente em tua ceia

Concede miséria em minha ganância.

Ó Deus, o que sou além de ópio?

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O que entendo além das minhas pupilas?

O que busco além do desejo que oscila?

E por que em Tua presença, me alma exila?

VIDA-ARANHA

O vazio de um quarto escuro.

A solidão do amanhecer transparece entre as brechas no


telhado.

Já é dia, eu não dormi

Não posso perder o ontem, ainda tenho coisas para resolver

Buscar dores para me envolver

Afastar-se das que já me envolvi.

Estou preso nesse fio que une o hoje e o ontem

Não importa o momento, ainda sou lodo

O vazio de um todo

Impotente.

Um agente passivo na própria vida

Deixo os vermes comerem minhas entranhas

Faça-me presa, Vida-Aranha.

Me desabo no teu espírito

Como o sol descansa no horizonte

E renasço no teu peito

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Como a fênix renasce do pó.

FUGITIVO

O florescente Ontem está a bater na porta

Cada soco no pinheiro morto

Estremece minha alma morta; ressoa como uma víscera que


corta

Embala, esconde, procurando brechas no vão de um peito


putrefato

Encontra nudez e gozo aguado.

Sento-me frente a porta, observando sua sombra

De costas para um cômodo abantesma

Onde cada segundo grita, chora, esgana

Rastejando como uma lesma em busca do fulgor que engana.

”Onde estão as horas?” Grito em desespero

Meus olhos amedrontados escorrem como gruta

Me resta sorver, me sobra chover;

Meu clamor o ponteiro não escuta.

”Fugir é tolo! Por que teme o que conhece? Não aja como se
eu não fosse sua cria,

Um Frankenstein de suas escolhas, decepção, lodo e apatia!

Eu sou tudo que tu escondia, aquilo que quer esquecer.

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Deseja comer o Pinho do brejo, mas não se aquieta para ver
a magnólia crescer?

Busca o tesouro nos confins do mar Egeu,

E o fantasmagórico aconchego da vigília

Recusa as rochas no caminho pro apogeu

Se apressa em preces, implorando buganvílias.

Hipócrita!”

Imóvel, observo a porta estremecer

Ele grita, implora, chacoalha, mas não abro

Não quero ver a formação do envelhecer

Já sou rosa, por que lembrar o desabrochar?

Segundos juntam, minutos cercam

Para onde ir?

Horas se juntam, param de caminhar; a batida cessa.

A sombra some, o fardo morre, tudo passou.

A liberdade do Ignorar faz-me revigorar,

Refrescar e seguir.

O tique-taque do relógio evapora

A fusão de cada filho seu incorpora

O Ontem está aqui, me encara, me enforca, me mata

De fato, não há como fugir.

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O que eu sou?

Eu sou Angústia. Dia quente no inverno

Um passeio no vale perdido, lírios sem corres

Bosque sem flores, o afagar de um vício eterno.

Terça parte de mim, fragmentos de um todo

Faça-me nada. Purpurina no lago do charco.

Tornar-se algo. Homem de pétalas e lodo.

Incomensurável, metade do que sinto é azul

A outra parte é acordes em dó. Linhas borbulhando com o estupor

O Outono é tão pior. Meu adoecer é blues.

Vagões. Tão vago, cada túnel é um mergulho

Adentrando no Algo vão, vasto. O que resta?

Espinhos de ossos, sangue e entulho

Largas asas de um amanhã finito

Ver o sol nascer é tão bonito

Mas é na noite que me vasculho.

Eu sou esgoto a céu fechado

A podridão do exíguo Nada

Aquele estripa as vísceras do ontem

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Eu sou o gozo que tudo pode

O vazio que prende e morde

Em um longo estupro de fadas

O rubro beiço ensanguentado

O oco, louco, que enche o espaço

A nave mãe na terra nostra

Veias quebram, peito mostra

Eu sou a falsa inocência de um simples laço.

Eu sou Preguiça. O Ser passado que se fez hoje

O metrô da madrugada que descarrega a desafogar

Teor alcoólico em cada passo até afogar

Nojo.

PENHASCO DE ROSAS

Um sentimento inenarrável

Que ressoa como um grito, uníssono as preces

Me acalenta com lerdeza, mansidão inaplicável

Como se fosse um latente todo que cresce

Teu amor é gelo e fogo

Me zela e afaga

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Me acende e apaga, amanhece e escurece

E no pejo gritante, se faz meu brio restante

A pequenez que engrandece

Teu amor é como um parto contínuo

Nasce o sol quando te toco

Puerperal repentino enquanto derrete em meu tato

Sapiência em minha sofomania

Pureza em minha sodomia, leve, plena

Me faz de presa, felina igual gato

Eu sou o pouco que resta

Tu é o muito que basta

Entrega tanto que gasta, o troco de pétalas murchas

Te tenho mais que mereço, me amar tanto desgasta...

Em meio a tanta dor e mazela

Meus braços são como grades, tua cela

Te prendo o tanto que posso, consumo as veias e os ossos

Beijo a tua alma, pura, despida

Em um momento sôfrego, voo, adentro em teu rosto

Acariciando teu torso

Te quero nua, garrida

Enquanto sinto teu gozo esvair na minha saída

Enquanto sinto teu gozo, tua sina fode minha vida

E dela surge algo novo

Eu não estou de partida

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Ficarei pro almoço.

Na sobremesa saboreio o azul florescente

Mordendo seus lábios

Apertando seu corpo, absorvo seu tempo

Solidificando os laços

E nas tuas curvas, meus passos.

Preenche o meu nada esgueirado, cortante, repulsivo

Nenúfar que afunda, afoga nesse “tudo” passivo

Sinto queimar como lava, incandescente, molhado

Um oceano de porquês, motivos pra te ter

Nua em minha cama, apreende minha chama

Nesse quarto trancado; penhasco de rosas

Desejo de tê-la desfeita, fazê-la satisfeita

Minha. Dama da tarde, musa do sol que descansa

Da lua que cresce, o entardecer que desfalece

Desfila em meu peito, dança.

Nos laços bordados com o fulcro relutante

Desabotoando teu vestido, teu restante

Despojado em teu riso, madrepérola cintilante.

Beijos e carícias no teu baço orvalhado

Entre tuas coxas, adentrar, escorrer, florescer

E navegar nos mares que sou chamado

E como se fosse chama, queimo, ardo.

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Trópicos da noite

Chá no copo

Amarga o corpo

Folhas secas, outono podre

Verão na porta, dilúvios cênicos

Estrada de ossos, cerâmica

Arquitetura da rua, Sêneca

Canções de prédios, ausente a dinâmica

Eu avanço sempre, esbarro em tópicos

Fofocas falam sobre o Mal dos tropikos

Entorpece a alma, doses de Ypióca

Matei o gato, chutei a caixa

Não há paradoxo, mundo filodoxo

Tudo é massa, resulta em tapioca

“Bom dia” pra apatia é afronta

Todo verso sobre dor é a fonte

Cortes sangram, fazem os pulsos fortes

Linhas positivas? Eu não sou o Conte

Guerras internas, só reforce o forte

Fora as críticas, me fingi de surdo

Roubei a tinta e me tingi de tudo

Cores vibram, cores matam

Me recitam, me escutam, Kieślowski

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Colidir com a terra em melancolia

30 linhas essa noite, risco de suicídio

Apatia, como o Anticristo

Visão com cisto, com qual grana invisto?

Com a dor me visto, estou de partida

Amarga a estrada, tão dura a saída

E eu aqui, um ninfomaníaco

Com essa mania de fuder minha vida.

Devaneios

Hoje eu tive devaneios sobre você

Como se escrevesse linhas que tecem o universo

Isso é um momento insólito, instrumentalizar o inefável

Faço escorrer em cada verso.

Você me inspira a tornar habitual o inalcançável.

Me perdendo no infinito de teus olhos

Rosa do meu jardim, abraço seus espinhos

Se compor fosse criar estradas, eu asfaltaria o mundo só pra criar


um caminho

Até você.

Até te ter mais do que tenho

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Sentir seu corpo derreter onde te toco

E como se provasse o eterno, ao provar seus lábios, me desloco.

Meu jardim de girassóis, suas pétalas são poemas pra minha


charneca em flor

Então espanque meu coração, flor bela

Pois seu toque é transcendente, não dolor.

Eu alcanço em essência o sensível;

Meu phantasma te fez perfeita

Isso é perceptível, isso é admirável

Pois eu te fiz irresistível, e a tua boca, palatável.

Eu estou além dessas personas

Contrário do que já disse, sou de vidro, não a redoma

Como aceita minha mesmice?

Por que abraça minha chatice?

Eu não entendo como que minha fera você doma.

Eu me revisto com suas ondas

Me adapto a sua maré

Eu te sinto como brisa

Te beijo e voo em maresia

Mergulho em teu oceano

Conheço tua flora, tua fauna

Me encanto com seu canto, coberto de poesia.

Eu quero despir sua alma

Enquanto te visto de noiva

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Percebe como te desejo não só de corpo?

Eu me afundaria em teu ser mesmo se fosse intangível

Eu te traria prazer mesmo se fosse impossível

Construiria o universo só com o brilho que tu exala

Faria uma supernova pra te ilustrar com confete

Tomo o ouro das asas de pomo e brindo contigo uma taça de


Pérgola.

Eu tenho ostras na minha praia, logo, sou teu mar de pérola

Vou sair a noite, quero que me espere lá

Te trouxe um buquê com as flores de Galeano

Espero que vá regar,

DOUTOR SONO

Me sentindo um novo ser

Como se viver fosse abdicar do ócio

Como se te ver fosse abdicar do óbvio

Já que tem gosto que gosto

Te provo até não ser sóbrio

Os problemas são fertilizantes para as mudas

Que gritam tão alto quando a primavera bate na porta

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Eu criei raízes para que não me perdesse do que sou

Pois me faço com nova face, mas não quero a antiga morta

Te convido pra vir a bordo de 1899, estamos no triângulo das


bermudas

A tempestade traz granizos, tetos de vidro não estão intactos

Armazenando a tempestade, sou teu cacto

Perdido nos corredores desse prédio, iluminado

Você reclama que eu vivo fora de área, sem contato

Mas bem, olhe pra esse retrato

1921 foi a alguns meses e ainda estou aqui

Se eu quiser ir até você é a sua alma que eu contacto

Doutor Sono, eu curei sua paresia com calmantes

Depois de ter o sol, tu descansa em puerperal

Resolvi nossos problemas domesticando o elefante

Em órbita do seu corpo, ansiando a colisão dos mundos

Se o todo se faz em horas, eu quero ter seus segundos

Eu quero de ter tão perto ao ponto de sentir teu corpo no meu


toque mais profundo

Fumando um Del Patron Gran Corona na poltrona

Assistindo teu cabelo dançar conforme a harmonia do universo te


intercala

Você sentada no meu colo como se fosse toda minha

Bela dama que envenena e rouba-me, fala

Pois o teu beijo me cala e o teu toque me para

Nos torós, eu sou goteira e tu o balde que me apara

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Me sentindo todo seu

Enfim posso por minha cara

Personas

O fim sempre é
um novo começo?

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