Você está na página 1de 5

A escrita e a evolução do homem.

Nos pareceu importante destacar aqui a importância da palavra escrita


na evolução do homem. A linguagem, em sentido amplo, é um sistema de
signos utilizado objetivando a comunicação, tendo como razão primeira a
produção de sentido.
Todos os seres vivos se comunicam através das mais variadas formas
de linguagem - seja ela corporal, oral, musical, plástica - pois todos os animais
têm seus rituais para acasalamento, não raro, com movimentos que foram
assimilados pelo balé humano; movimentos que denunciam a defesa de
território, da prole; sons variados que avisam sobre ameaças, perigos; cantos
cuja complexidade de sons usados só hoje, com o avanço da tecnologia,
começam a ser desvendados. Há espécies de pássaros, como o joão-de-barro,
que faz o seu ninho modelando-o em barro; e outras espécies, cujos machos
decoram o ninho com flores e conchas e, numa espécie de campeonato, o que
mais bem ornamentado estiver será escolhido pela fêmea.
Mas a linguagem humana é considerada como o mais complexo de
todos os sistemas de signos, pois através deles podemos representar não só o
mundo em que vivemos - mas tudo que pudermos imaginar - estando aí o que
diferencia a nossa linguagem de todos os outros gêneros animais. Trata-se de
sistema de representação arbitrário, de significados coletivos e compartilháveis,
variáveis ao longo do tempo de acordo com as mudanças culturais, sociais e
históricas de cada povo ou nação.
Sem a linguagem - considerada em sentido amplo, seja a ela escrita,
verbal ou de qualquer outro ramo semiótico - impossíveis se tornariam a
unidade, a continuidade e a evolução social: trata-se, pois, de um dado
constitutivo das sociedades humanas.
Na linguagem, pela linguagem e com a linguagem são construídos
incontáveis significados, urgindo que produzam sentido, pois a razão principal
de qualquer ato de linguagem é comunicar a outrem o nosso pensamento.
Mas se a linguagem da palavra nos destaca de todos os outros
animais por permitir-nos pensar sobre coisas, pessoas ou situações distantes
de nós, seja no espaço ou no tempo, o tipo de linguagem que, definitivamente,
nos diferencia dos outros seres animais é a escrita. É através da palavra
escrita que, não só expressamos, mas eternizamos as nossas ideias, os
nossos sentimentos, são levados ao conhecimento de outros seres humanos e
de outros grupos da sociedade - em lugar e tempo mui distantes.
O advento da palavra escrita, para a historiografia tradicional, marca o fim da
Pré-História.
Em sua evolução, o homem primeiro conseguiu se comunicar através
de gestos, depois por intermédio das palavras. Mas isso não lhe bastou: voltou-
se, então, para a possibilidade de representar o que desejava transmitir
gravando-o em algum suporte. Surge aí a primeira forma de escrita,
denominada pictografia.
Os pictogramas (ou mitogramas) foram os desenhos figurativos
encontrados nas paredes de cavernas (rupestres). Eram representações de
animais, gravações coloridas de cavalos, veados e bisões. E o que visava o
homem primitivo com esses desenhos? A tese mais aceita é a que afirma
tratar-se de oferendas visando sorte em caçadas futuras. A intenção puramente
artística de seus autores foi descartada por estarem as pinturas sobrepostas
em quatro camadas. Assim sendo, privilegiou-se o sentido mágico, que melhor
refletiria as necessidades e experiências daquele período histórico.
Durante toda a sua trajetória a civilização humana se utilizou de ritos e
registros, marcas que revelaram como o homem ocupou o espaço onde esteve
e como foram as suas relações com os outros homens e a natureza. São
alterações no meio ambiente como marcas rudimentares no chão, nas paredes
das cavernas, desenhos, recortes que nos fazem vislumbrar como os homens
constituíam seus grupos, como estiveram e agiram no mundo.
Curioso é observarmos como a informática resgatou essa linguagem
através de desenhos figurativos com os ícones na barra de ferramentas
existentes em inúmeros programas para computadores.
Posteriormente, na fase logográfica da escrita, surgiram os
ideogramas, assim chamados por revelarem uma unidade lingüística vinculada
à idéia que se pretende transmitir. Exemplos desse tipo de escrita analítica
(também chamada morfeogramas) são a cuneiforme, a hieroglífica e a chinesa
(esta última a única que continua sendo utilizada nos dias atuais).
Mas ainda hoje faz-se uso de símbolos gráficos que representam diretamente
uma ideia, como os algarismos, certos sinais de trânsito etc.
Na continuidade da evolução da escrita surgem os fonogramas, que são
sinais gráficos que representam sons. São destes que se originaram, entre
outros, alfabetos como o fenício, o árabe, o grego e o latino. O que estas
civilizações guardam em comum é que se destacaram na atividade comercial.
Os fenícios, ao lançarem-se ao mar, buscavam, em terras afastadas, os
suprimentos que lhes faltavam. Só que essa atividade comercial exigia a
confecção de rudimentares contratos mercantis. Daí terem eles sido levados a
criar um alfabeto, composto de vinte e dois sinais que representavam os sons
consonantais simples.
Os árabes também criaram um alfabeto próprio, em linha, escrito da
direita para a esquerda.
Há ainda os sistemas de sílabas, de que são exemplos as escritas lineares
(1650-1400 a.C.) e B (1450-1200 a.C.), utilizadas em Creta. Estas escritas
remanescem em tábuas de argila, que ainda não foram inteiramente
decifradas.
Do alfabeto fenício se desenvolveram os alfabetos clássicos, sendo
deles os mais importantes o grego e o latino.
A possibilidade de serem os sons simbolizados em gráficos estimulou e
impulsionou a comunicação irreversivelmente, trazendo o desenvolvimento da
cultura e do conhecimento da humanidade. As obrigações assumidas, os
costumes e as tradições, antes evidenciadas, preservados unicamente pela
forma oral, agora encontravam na escrita o seu asseguramento, a sua
eternização.
É, pois, através da linguagem escrita, produzida e desenvolvida
socialmente, que o homem passa, do registro meramente espacial, para o
registro de fatos e acontecimentos: é por intermédio dela que melhor consegue
dar aos seus sentimentos, às suas ideias um caráter duradouro.
Assim fatos, quantidades, locais, impressões passam a poder ser
relembrados sem que se precise recorrer tão-somente à memória humana.
Desde as primeiras marcas produzidas com instrumentos rudimentares - fosse
no chão, nas paredes das cavernas, em pinturas no próprio corpo - até a atual
era da informática muito se conquistou nos mais variados ramos do
conhecimento humano; sim, muitas foram as conquistas culturais, artísticas,
sociais, políticas e econômicas.
Mas para que todos os seres humanos possam, igualitariamente,
desfrutar dessas conquistas é preciso que aprendam não só a ler - mas a
entender o que lêem; é preciso que estejam preparados para acompanhar os
avanços do conhecimento humano e se adequar às vertiginosas mudanças
tecnológicas.
A palavra escrita torna-se poder para quem a domina: saber escrever
e entender o que lê é chave para uma constante evolução.Com a escrita o ser
humano expande e preserva a sua memória, pois quando lemos revivemos
fatos passados, ou entramos em contato com as experiências de outrem, de
modo que sobre todos eles podemos refletir e aprender, concordar ou
discordar. Através da leitura aprimoramos conhecimentos, formamos a nossa
própria opinião, enriquecemos o nosso poder de argumentação; e, ao aumentar
o nosso grau de discernimento, possível será para nós - se quisermos - evitar
erros graves já cometidos no passado.
Um dos grandes exemplos dessa maior compreensão dos fatos e
das ideias que a palavra escrita pode nos conferir ocorreu na Grécia , pois a
filosofia como a entendemos no mundo ocidental teve, sem dúvida, como um
dos fatores que possibilitaram o seu surgimento os registros dos mitos e das
lendas, em linguagem escrita, por poetas como Homero, com a Ilíada e a
Odisséia (séc. IX a.C.), e Hesíodo (séc. VIII a.C.), com a Teogonia. A leitura e a
consequente reflexão sobre todos aqueles mitos e lendas, o confronto entre o
pensamento mítico e os acontecimentos do dia-a-dia, levaram os gregos a, de
forma progressiva, considerá-los insatisfatórios para explicar a realidade,
possibilitando, assim, o surgimento do pensamento filosófico-científico.
A intensidade de emoção que um texto pode nos provocar pode ser
muito diferente de acordo com as experiências pelas quais passamos ao longo
do tempo: hoje um texto pode nos causar sentimentos diametralmente opostos
aos que nos causou há alguns anos atrás ou aos que nos causará no futuro.
Os Livros Sagrados das diferentes religiões (a Bíblia, o Alcorão, o Bhaghavad
Gitá etc.), por exemplo, têm provocado sentimentos e interpretações várias na
sucessão dos séculos.
A linguagem escrita permite que um autor possa continuar
influenciando os pensamentos dos que o lerem muitos anos, muitos séculos,
até milênios após o seu desaparecimento. É assim que pensadores como
Platão, Aristóteles, só para citar dois expressivos nomes, dentre tantos outros,
continuam a influenciar-nos, a levar-nos a profundas reflexões. Eles, através da
palavra escrita, ganharam uma nova forma de vida, alcançaram uma espécie
de imortalidade.
Através da escrita o homem eterniza-se, tem a possibilidade de
desenvolver e evoluir a sua cultura e pode se tornar - se aprender com as
lições do passado - senhor de sua própria história.

SILVA, Lucília Lopes. http://recantodasletras.uol.com.br/autores/luciliasilva).


Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras
derivadas.

Você também pode gostar