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ANTROPOFAGIA Helos ‘Teller Gomes Universidade do Estado do Rio de Janciro - UERJ Breve Histérico: 0 Morimento Antrop6fago e 0 Modernismo Brasileiro Ostermios“antropofigia” € “ancropGtiyo" tornaram-se correntes no voeabuldro do modernism lterdri brasieioa partir de 1928, ano ‘em que Oswald de Andrade (1890-1954) angon o eu explosivo Mani Feo Antropatiago. Essetexto, 0 gesto fundador do “Movimento Antro- pag” na literatura brasileira, expunha o inovadores e irreverentes incipios que seriam desenvolvidos por Oswald e seus companheltos tna Revista de Antropofagi. Mareada pelo momento em que surgi, a conturbada déeada de 20, 2 Antropotigia oswaldiana sobrevivew a seu tempo e ampliou-se alm da teratura-e das artes pitas, os dis ampos.em que ei, de inicio, coneebida, Oconeeita de *Antropofagia” ‘ca nogio que hoje xe vein do" Movimento Antropfago”deverse ext grande parte wo texto do Manifeto de Onwald, simula das propostas de enoragio cultural ealzagio Iierria mais brilhante do movimento. ‘Olegidodds Antropofagia tem sido vaso, atingindo a cultura bra sikira cm areas diversi: o tropicalinmo dos anos 60 0 Cinema Novo ‘om Macunaima, de Joaquim Pedro de Andrade (1069) e Como Era Gostono o Meu Francés, de Nelson Pereira dos Santos (1971) - foram 1997 a Lara VP da Costa, diretor ator eencenador de teatro Jose (Celso Martine” Correa fer 0 significative depoimento que se segue: snente marcados por sua idéias revolucionsiras. Em entrevista (Ra dela ipa de Ova (1937), montada por Zé CCeleo no Teatro Oftina, So Paulo, em 1967) fico prontoae mesmo tempo que o Tres Tan, dG ber Racha 0 Topi do Catano Ven, otal do le ian Na micmna eget OF eta ‘Ofecomine, do Joa Pedro de Andrade, por otro lado, fos muito influenciado pe © Reda ia, expe ‘mente pela cenogratia do Helo Fichbaver. Badiante © wopcsmo vem da Anroplgn qu precy no Mernimo eve conto to Manet ete ts eno Tels do Anal tan depots Cero edie dene movil, el Natron, pe Real yo romance rein Oa pr 2 gem qe veo dep dle = geri don chao ‘Speers pe sor i tgs eens en Ks rms tots Onald Teper tomas Aoyagi decom Renamer quran Sieur eerie Nias mera anda clr (Coren spd Rota, 200 A Revista de Antropofagia, que publicou 0 Manifesto no seu nimero de abertura, em maio de 1928, row cerca de ano € meio ‘Sua primeira fase, chamada por seus idealizadores “primeira dentic «o", encerrou-se em fevereiro de 1929. Na segunda fase Caegunda dentigao") quando, segundo Augusto de Campos, a Antropofiagia adquirin o- seus definitivos contornos como movimento, a Revista Foi publicada nas paginas do Didto de Sao Paulo de 17.329 1.8.20. ‘Ao todo, foram 25 miimeros. Avda de Onwald,contaram-s entre o colaboradoresregulares ‘ow exporidicos da Revista nomes de peso da intelecrualiade brasil ‘da 6poca, Literats, politicos e intelectua, de diferentes tendéncias ‘ interesses,fizeramse presentes: Guilherme de Almeida, Marques Alico, Gilhermino César, Menoti del Pcchia, Abgar Renal Sikpudo, José Américo de Almeida, Sergio Milt, Antonio de Aleintara Mathaco, Ascanio Lopes, Ascenso Ferreira, Augusto Meyer, Yan de Al Iwi Prado, osuécle Castro, Pedro Nava, San Tiago Dantas, Cimara ‘Cascdo, Augusto Schmidt, Raul Bopp, Eneida, Mario de Andrade Aitstas como Tarsila do Amaral e Pagu ali expuseram seus trabalhos. hems famosos do modernismo estrearam em suas paginas: “No Mcio Aa Caminho" ¢"Anedota da Bulga", de Carlos Drummond de An~ ‘ove; *Noturno da Rua da Lapa”, de Manuel Bandera; “Repiblica” ‘Ye Murilo Menus; “Cangio do Exo” ¢"Cartio Postal” (entre outros), ‘Murlo Mendes: “Diabo Brasileiro”, “Migragio”e"Maleta, de Jonge ihe Lima, Mario de Andrade, figura de proa no modernismo pauls,“ Jove a sua participacio no Movimento Antropéfago interrompida na fli em que a8 suas propostas estticas vieram a afatar-se das do jo partir do 4, nimera da "2. dentiio” cessou a contribuigio vor de Macuaima a revista y B verdade que nem sempre a iias express pelos mentores evista muitos, sem dvida, menos talentoos do que diversos co traorescitados ama ~ efletiram com fidelidade o pensamento Ipnderam avangar as propostas originals de Oswald, Em Revistas {inas: Osanteopskagos, artigo de introducio a edigo fa-similar da fa publicada em 1975, Augusto de Campos observa ‘Nos 10 mero da revia fa primeira fase] nico texto qe se Mencia plenamentecom ais re¥0- Tcondrirdo manifesto era"A ‘Desi’ Antropsfig igo amsinado por Orval Cost, gualmente no. Unetdouble" de Onald (no nome) que dP: flexi sagem. Campre despre. Para que ele Tetoc um bao dues inoctneseontete™ que er tlewe que o monimentoantopélago agora he resi Muitos daquelesantores, como oreferido homdnime de Oswald, ncn euforia co exstioetveram uma efemera notoriedade. ecert, o proprio autor do Manifesto que anos mais tarde, em ‘© Caminho percorrido (um dosenstios de 1943-44, reunidosem Ponte de lang, faria uma avaliacio retrospeciva do Movimento Antropé fago, ressaando a sua seriedade ideoligica¢ vendo como alavanca do modernismo em particular, da moderna leratura brasileira em sera: Oswald situa o idedrioe as prencupagies da Antropolagia no bojo do modernismo nacional, expressando, portant, nitidos anscios «inquitages de seu tempo. Assim, ele afirma ser preci: comprecrler modernist con sus cass maeriss fecundantes, hnridas no. parque indus de Sn Paulo com seus comprominun decane no pero Ahrens do princi cafe valida caifen,com ‘oer Tancnant divisor das gas que fH Aero. fag nos prennios do alo mundial de Wall Set No mesmo texto, Oswald enfitiza ainda “A Antropotagia fi na primeira década do modernismo o Spice ideoldgico, 0 primeira contato ‘com nossa realidad potica porque dividiu e orientou no sentido do Fauuro” (Andrade, 1991, p. 11). ‘Acfervescéncia modernista condizia com o momento histrieo ‘que entio ivia 0 Brasil Do ponto de visa politico, o pats na década ‘de 20 atravessava uma fase exttemamente complexa. O poder nio mais dependente dos cadentes, arelava-se aos interesses dos grandes proprietitiosrurais de Minas Gerais e Si Paul, Naqueles dimos anos da Repablica Velha (1894-1980), Sio Paulo eo Rio de Janeiro contavam com uma Dbunguesia industrial eum clase média em expnsio,crescentemente engajada no exéreito, no comércio, nas profs liberas. A else trabalhadora brasileira diversifcavaae cresia em razdo do inflxa da imigragio européia, principalmente nos estos do sul, Em todo 0 pals os antigosescravose seus descendents, que consitulam a grande ‘massa da populagio pobre, itavam pela inserg socal, quand no pela sobrevivéncia,O desequilforio de forgas entre a classe dominate findios agueareiros do nordeste. agora de ‘5 grupos scias menos porerosor gerava ideologias confixantes,na tensio entre 0 conservadorismo ea apatia politic, por parte da pri meira, €0 impeto de reformas e de mudancas por parte dos timo, ‘os grupos que se ressentiam da fala de poder politico ede oportuni- Aarles econdsmis (0 desejo de mudangasrefletiase na exfera da cultura, Desde 0 inicio dos anos 20 0 panorama culural brasileiro se expands, com anseios de renovacio, agiando a intelectalidade na Iiteratura, na Isic, nas artes plisticas. A discussio politico-cultural estavi na fordem do dia, assim como, nos meios intelectuais, a dicussio social viria a predominar na década seguinte. Conform exreve Eduardo de Asis Duarte, "hina va herdar, como € said, bon parte det xen tid de modernidade bfjado trata bases {pari de 22. Mas vai sofrer a mesins form 0 impacto da detrubal da Repablice Vethae da ma configura polticn installa coma vita des erst (Duarte, 199, p. 2) © Manifesto anvopofago dle 1928, ssi como seo antecesor ‘bra owaldiana, Manyedo pau-bnasil de 1924, foram manifextagies errs in decorrentes do Movimento Modernist inaug tao, em Sio Paulo, pela Semana de Arte Moderna de 1922, Ambos am na chamada “ise hersica" do modernismo brasileiro, a sua ‘apa inci, entre a Semana ea Revolugéo de 80, De inicio unifiado fm tormo da evita Klawon, menséio de arte moderna, 0 grupo de Si Paulo ~ 0 mais radical ecombativo deatre os noseos movderistas, se Manuel Banceira (ror hitdra da eratura basen) -biiareo smo e Verde-amarelimo (estes dkimos, os da Revisea Anta) Os" Priiivistas” eram Oswald de Andrade, Ral Bopp, Osvaldo Costa, Annio de Alctntara Machado, Fo entre eles que Horesceu Antvopotag Setantoa Semana quanto a propostaextétca dos “antropétagos” respeito,bascamente, a0 modernism dos grandes centros nosdo sudeste, 0 modernisme nordesino,gualmente feud, ex wa outrastendéncias e motivagies Em 1926, cm Recife, cientistas soci lteratos(reunidos em torno de Gilberio Freyre organizaram 611" Congresso de Regionalismo, antecipando o esprito de dentincia do cosmopolitsmo © ‘escrtoresnordesinesestimulavat sma reflex socioloyica Solbrea formagio racial brasileira e sobre os grandes problemas nacio- nis, mai especificamente do Nordeste através cle uma critica vlad para a realidade social das regies mais pobres do pais. © Progra {do Centro Regionalista do Nordeste (1925) pretendia“desenvolver 0 sentimento de unidade do Nordest, ja to daramente caracterizada na sua condigio geogréfice evolugao histirca e zo mesmo tempo, trabalhar em prof dos intereses da regiao nos seus aspecosdiversox: soxias, econmicoseenturas"-O Manifesto do mesmoano,elaborado por Gilberto Freyre, proclamava em seus artigos VIIL, IX e XVI a "Originalidade do 1° Congreso Brasileiro de Regionalismo” na “de- {esa de valores plebeuse no apenas don elegantese erudios" Implicit vtica a seus pares do sudeste,alertando:"Mas nem tudo esth perdido: apenas ameacado”.(Feyre apud ‘Teles, 1972, p. 216-218). ‘Oswald de Andrade reconheceu ainevtivel diigo das propostas ‘da Semana dante do conturbado cenério social, politico e econdmico iernacional e no pas na década de 30, eda conseqdente demanda por uma literatura diretamente engajada no social. Ainda em O camino perorid (Poa de lana) ele escreveria: © moderne émdingr das dca dace tne tarevhcobrade Qu 0 Jot Aner MON ict men encn nom oe ec senha dine en vend plic or pos Tertrin ton Sera (cade, YO. Na verdade, com o tempo aproximaram-se as poetas do sul € nos. Anda, no decorver da década de 30, fundiram-se as ‘onquistas do modernism extético do sudewee o interes peo social ‘c pelas realidades regions, estimulados pelos autores nordestinos (Bos, 1974, p. 389). © indio Brasileiro Questio Racial no Movimento Antropétago: 0 Espaco da Utopia Toda.enfase dada por Oswald e pelos “antropélagos” ao elemen:| to indigena (nicleo dx metafora central da Antropofagia) diz respeito ‘4 um indio emblematico, igurado e mica. Nao hi referencias, quer ‘no Monyeo quer na Revs (a nao ser una breve mencio no nimero Fina, dios contemporineos.Asntropofagia dos grupos tup-guaran 7 dla coma brasileira quinhentsta serve de mote A Recta da antag, assim como ja hava servide ao indianismo romanticn de Goncalves Dias. No século XIX, o poeta maranhense vinculara o vital indigena As quads de viride € bravura com que idealizara nose “bom selvagem". Lembremos 1 ucn Pirana’ Mandal vr a lena, ogo, A maga do seiko Ea mugurona ie No Menifeuo cle Oswald de Andrade a marca rousseauniana, to forte no romantismo indianisia, & expliciamente sssinalada, porém ‘1 seu irreverente aveso: “Fllaio. O contato com o Brasil Cara, (On Villguignon print tre. Montaigne, O homem natural, Rousseau” Maroldode Campos lembraque,em Martha das topias, Oswald Investra ironicamente contra a vsio romantica da indo e que cra TW dizer de Onvald, aqueles “indi conformadas e bontinhos de Feartdo postal e de lata de bolachs”,(O Bxado de Sdo Pao, 8-9-1953), Campos ssinala 2 afinidade oswaldiana, no com Rousse, an com Inroncepgio de Montaigne do “mau sehagem" devorador Fle escreve ‘0 “ini oseaiano no e120 bom slayer’ de Rouse u.aaentd pel Romandsmoe,ente ns ninado pea sue contra de Alencar Conse Dis Tatars eum indanisme as aves nado no seragem ban liv de Montaigne Ds coat, de un ia seager, Porto,» exerer sua rica (evra) dembusala teas impentirasd Sa (Camp 1072p Bi Na eeigo de fusos prison, dcop suinerventen ote xen fobiasredutoras, a Antropotagiacondenava oindianismo, em sua eica0 ista€ romantica. No entanto, malgrado a sua erica desibusada ‘dos romanticos, "contra 0 fndio de welero. 0 indi fio de Mata, afilhado de Catharina de Médicse gento de D. Antonia de Marz" mos no Manyesta), Oswald red indiaista, especialmente pelo mito pré-abralino, Execito mesmo, nas palavras de Augusto de Campos, um “indianismo as avessas” — prefigurado, als, cinquenta anos antes pelo maranense Sousindrade, ‘Marcantementedifereniado do fia romintico, oi contig rado por Oswald de Andrade tampoueo se assemelhava a seu modelo real. Conforme observa oantropslog Carlos Faso, “onion oral ‘iano continua sendo uma figuracio distant das realidades indigenas ‘efetias". Fausto resaa, pr outro lilo aimportincia da Antropolagia ‘como metifora a express una compreensio profunda do canal ‘enquanto operagio prétce-conceitual (Fausto, 2000, p. 76). A.problemtica aca, por sua ver tio premente no modernism do nordesteacopladatematizaci das problemas sca brasileitos,esteve ou leve um tratamento,esencalmente,Figuratvo na Antropot: ‘ga orwaldiana. Nao que a questo racial etivese fora dos intereses de ‘Oswald de nade, endo arpkamente traballula em sua obra enssica. Tanto antes quanto depois da Antropolagia, Oswald diseorrew sobre 6 componente populacional negro em nosso pals. Em vérias ‘cases ele comentou as idéias de Gilberto Freyre e Sergio Buarque ‘de Holanda, discuti as relagies raiis entre nds, comparou as rela bes racias no Brasil com as de outros paises, No interior da Pea fav-trast (1924), Oswald escreveu a impressionante série dos Pamas ‘a clonizagio. O reconbecimento da contsibuigi africana no Brasil ‘encontraria, em Oswald de Andrade, sua explicit mais diret em inicios dos anos 40 ~ especialmente em alguns dos textos eunidos em Ponta de lana. Em Aqui foo sul que vencea, por exempl, ele se refere a0 ongulo “da mistura milionia que nos trouxe a Afica, com seus randes nagos, seus ides de cultura sudanesa e orientale seus ios Slares trabalhadores do Benin e de Angola" (Andrade, 1991, p. 78). io aatragio romantica peo passido = io hé referencias & popula negra no Manifeto Ano \ propostarelaiva identidade clara brasileira toma alta forma dle uma etatega cultural que, sem pretender englobar uma letra onsstente da nossa edad ilo pola ou cond) aponta ara oespaco da mopia. Nio se pode eftvamente encontrar Anto> ola aquilo que ea propria deacarta. Nem sempre os epigonos de ald assim oentendera,comose em diversas matrias publics tna revista, Mas Orval ce Andrade fi claro ao altar, no fragmento Iinal do Menystoenropsfago, a primazia do tpi: "Conta areal: de social, vextida e oprenora,cadasrada por Freud ~a realidade sem complexes, sem loca, sem prostnnigise sem penitencirias Alo matriareado de Pindoransa.” (© Modernismo brasileiro eas Vanguardas Européias; Antropofagia, Canibalismo: Uma Leitura dos “Termos na Cultura Ocidental Os diversos movimentos vanguardistas euripens cam oF quai -nistas paulitas até certo ponto se Mentieavam foram, de ‘didamente, inluentes a formulagio do modernisino no Brasil. Os Imoleristasbrasleirs, principalmente aqueles pertencentes as elites ram de mediadores entre a vida inteleetal ra nacional buscando, naquela, agpectos que ten lesen Anos complexa ralidade eheranga de clonizaiosem un soxiedade o recentemente egress do regime esravista, mas com ‘uma nteleetalidade jovem, em grande parte vida de ansformacoes sicio-economicas de base. Em depoimento a Périeles da Siva Ramos (Correio Paulstano, 261/19), Oswald de Andeade estabeleceu a cone ‘do, ao mesmo tempo em que marcouadiferenca,eatreo modernism jo eas manifestagbes culturais da vanguarda enropéia, a relate ido do "Movimento Pau-brasil, também eonfigurado por el: © primiivismo que na Frang spareca como exo “ ‘era para nis, no Brasil, pinto mesmo. ens, ‘enti, em fiver uma poesia de exportaio e no de importao, senda em now ambigocia gengraies, histria © al. Como 9 pau-brasi fo a primeira riqueza bras exportada denomine!o movimento Parsi Sua fig etéseacoincdin com 0 exo to eo madernismo 100% de Cendrars, que, de rest, hm ere conocentemente poesia paras. ‘Como os moddernismes exropeus, ¢ modernism brasileiro foi {ert em manifests. Mantendo diflogo com as correntes vanguard tas européias (especialmente o Surreaismo e 6 Dadaismo, dos quais absorveu a “retirca de choque”, na expressio de Benedlto Nunes), ‘© Manifsa Anrpfage promovia uma sintese das conquistas daquclas ‘vanguardas, tis como a valorizagio do inconscieme € a negacio do racionalismo;euilzava-e de recursos estliticnse tetricosinéditos ou ‘etomados pelo modernismo internacional, como reeigio da sintaxe tradicional, rss de feito ¢expressevsintese em sacato~técicas, als, jt antecipadas no culo anterior pela poesia de Walt Whitman ‘ exploradas, por exemplo, no manifesto de Marinet, a plataforma ‘estétca co Friar (1909). Mas por que canibaismo, por que antropofagia? Fspecifiquemaso sentido dos dois termos, com feqiénca confundidos ow utizadoscomo Sinénimos. A palavra“antropofagia” vem do grego(anhropphaga, por sia erudite etimologicamente significa o ato de comer carne hum, Pode implicaraidéia de ritual, enquanto que “canibaismo termo que (dbo, db aidis dc orp te ioe era isto do erin cera five pin ¥ ‘detoda abumanidede. Considerad ni como el cha se prea icerpreagto maeriitae $< _imoral que dela ram ox jesta eclonitadones-) A pecede mealies doce tee ope _/ etlatanspmigo do buen totem. Dovalor post, ‘0 valor favordve © Que Dio Manifesto: Sua Critica (© grande achadlo de Oswald de Andrade foi fazer ds nogio da vpofagia - em virios de seus aspects conhecidos ou presumes inicoricuais, punitives, metaiscos,vingaivs, nutrentes-a metora 1 partir da qual entender Bra, Servindo-se do farto mate- I disponivel na cultura ocidental, e recorrendo explictamente, no Manifeso, ao pensamento de Montaigne ("Des Cannibales, 1549), € dle sua fonte maisimportante, o protestante jean de Léry figura-chave spretecuropen da canals indigena, clea pingon aqua teresa, findamentalmente,a seu projeto: a revisiocrfticae3 ura brasileira, (© Monies Antrapifago patentcia a originlidade e talento de Old de Andrade, autor da proposta de renovagio cultural mas ri. ical polémica de que até hoje se tem notice na literatra brasileira (© Monje questions a estrutura poles, econdmieae cultural lantada pelo colonizador, na qual se formara a sociedade brasileira, com seus padrées represtvos de condura, AS avaia 0s estragos de uma cvlzagio, que se perdera eo mode- Jo eulturais impostos pelo pariarealism luso-curopeu, represior & falposo,e rdiculariza a imitagio grotsca de padres cultura © de umportamentos que nos so estrangeitos. Tals padrdes « modelos, ifcslmenteintrojetados, scram a" antropoagia". a "bow An #* saudivel cverdadira exibe como slug para os impasse ssileiros o devoramento, a deglutigio ea digesta de nosso Jado cultural europen (visto como ineseapvel), no solo pjante do ive Onvaldchamou"o Matrarcada de Pindorama” eno qual preside, lgremente, a “ki da antropotagia™., ia a radical megacto de vos os pe hierrquicos ‘estbelecidos, pois no proceso digestivo operase a “absorgio do ini rmigo sac" ensinamentocarafa com data ¢ local asst registrados or Onwalel no Manifesto: “Praininga’ Ano S74 da Deglutiio so Bispo Sardina". Metafors-chave, alm de mareo hisrico da grande sada cultural brasileira Esa, (reWescoberta proctamaala pelos modernos antropétigos. Esta originaldad brasileira Do ponto de vista extético, « Movimento Antroptago valoriza nossos elementos natives e primitives em combinacio coma nssimilagio das tendéndas modernas do pensamento europe. Na conjungio de realidade natural, sal, hiseérca brasileira com instruments ‘sttico das vanguardas, a Antropoligia surge com una proposta orig naleinédita: é4 metifora central a partir da qual entender eexpressit © Brasil, eavallando o seu passado eincorporando-o ciatvamente 30 presente, na projegio eno projeto de um futuro wiopicamente lire Nocendrio brasileiro, tumultuadoe contraditrio, a propostaan- ropéfaya tomou-se emblems 0 ncorporar x prprios paradox € Jmpasses nacionascomo materiis propulsores da renova radical (no sentido etimolégico da palvra, de“rai”) imprescindivel para saci ‘6 pensamento cultural brasileiro da passvidade eda letangia inte do Yaus quo, e para liberia da imitago servi ds cones hiso-esropens ainda vigentes naquele inicio do séulo XX. |A Antropofagia oswaldiana despontou envolta em atilade senso de humor, e seu carstetlidico, parodisic, e, portant etico, no povle serdesdenhado, Hla real a fungto do discurso ino, en teflexio de matizanarquistaecontestadora,fzendodo risoeda opin ‘uma forma de combate ¢ ineorporande tanto 0 erudito quanto colo Auial eo prostico na tessitura de sua eserita (Helena 1986, p. 76-78). o sucede na parédia, hd ali relagies intertextuais com obras ot res anteriores: ao mostrar filaghes diane de alguns destes(Mom- 1, Rousseau, Freud, Keysering), © texto oswaldiano marea wm Aesticamento desvalorizdor em reacio a outros Anchieta, Antonio Goethe) combina, num mesmo geso disktieo, recapitacio i, a continuidade ea ruptura: “tpi o not tpi that i the Para Oswald de Andrade, Antropoiagia 6 tanto metafora quanto iagnéstco e medida terapéutica. Metifora do que devertanos rej, assimila e superar em prol de nossa independéncia cultural: diagnds- ‘ico da socedade brasileira reprimida por uma colonizacio predatorias ‘medida terapéutiea, porque forma ebicar de reagio conta a violencia ‘aq praticada pelo processo colonizador. Ao englobarareconstrucio da cultura pela “agltinagio" do acer. ‘\» colonizador, em conteonto com a"generosi wopia do matriageado e Pindorama",a Antropofagia (sempre através do Mavifeuo)pretende ‘nangurarsimbolcamente uma outra histria que, servindo-e do pas- sudo conhecido ea partirdele, desteritorializa os terrenos da tradicio cil, riando novas teritoralzagoese apontando novos ramos, 1H um duplo gesto a reconhecer nessa atiulagio do positive & do negatvo,efetuada,disetcamente, na iguragio antropotigica de Aestruigio ¢ de absorgio aimentar, Em Lantrpephage ele hiro sans arate: dew figures dela critique de identi, Walter Moser entende ese {io duploesimultineo como uma estratégiea dscursiva que insauray, 4 partir de dois momentos passives de descrigio, uma configura entiava: [A fguracto anropotigca] contém nian momento de voli feta um outro ec a dew truig € mowte de uma alerdade de onde se quer raraubstinia de otro através desu eclage wo ‘metabotisme (iegio cual do mesmo (Moen, 1904, p. 29). Preside ali, portanto, uma ica dialéica da identidade aapontar 1 paadoxo, uma vezque prestupie aakeridad, marque desi lum gest de incorporaio, Outro ponto a assinalar na litura de f Monet € 0 que ele chama de “mudanga da Fungo discuriv’ opofagiaoswaldianaondigena, tradicional objeto da descrigho eae ctnoligica,corna-se sujet e, deivande de "ser fad", fla dana ‘Cumpre estabelecer no entanto os limites dessa rio configura decerto, una inversio. Ofaunte” no veto oswaldian iMirma-se ainda e sempre herdeiro daquelaeivilizacio que renega e “que também endossa ("Contra Goethe, a mae dos Gracos, ea Corte de D_ Jodo VI": [a favor de] Montaigne. O homem natural, Rousseat”) exjos avangos valoriza, num tom landatorio na tradigio do fucu- riamo de Marinet: “A fixagio do progresso por meio de caalogose sparelhos de televisio, S6 a maquinara, Eos transfusores de sangue.” Em suma, quem fala no Manifeso antopifag &0 “bbarotecni- ‘ada = para usarmos uma expressio do proprio Oswald de Andrade nie 0 “Brasil Caratba" de Jaci, ou Guaraci. O Manifesto, em outras plavtas, no pretende dar a palavra, porém chamar a atengio para fo silenciado, ott melhor: ele invoca e destaca 0 que de silenciado tem hhavido em nés, herdcros colonizados de uma tradicio europea, cujo dominio te cumpre ultrapassar. Sendo, por bem e por mal, inviveleliminar aguilo que nos formou,a sida 6a estratégia da devo ‘agio,Podemos, eno, a partir deste ponto,reencontraro pensamento de Walter Moser, que firma: An ectarafalica don mton de fundacso que prope ‘uma Mlntsdade pura ou homogénic, a Anropofagia, ropicsinds uma varqucologinnlentria” que revel, A consiugio hetergenicaepotencanente valent ‘exit ntc em ado proceso de formagin de ential, luna ver que ext sempre se consi da subntcia de ‘utrem (Mer, 1994, p. 24), 1, decert, contratioes,limitagbes e ambighidades que tm sido apontadas pela critica na Antropotigiaoswaldiana. Alfredo Bosi, por exemplo, vé no texto de Onwald a presenca ce um “Frend equivoco © mal deglutide" “comprazimento da erise moral burguesa em que cle proprio [Oswald] estava envagado; acrescenta que Oswald de Andrade “misturou sempre os planes, pretendendotirar do composto 2 filosofia de vida e da arte” (Bosi, 1974, p. 386-398). Por mais pondlerves que seam ris objegies a alas pon soanulam a forca energetic cla arpa realizacio wala ‘uma proposta que enlatza aquele mesmo “homem total corporal e ‘opiritual” de que falaria Bakhtin a repeito de Rabelais. Como a obra Fabelasiana desert por Bakhtin, o Manifdo de Oswald € wm tipo dle escricaTerdria que se tora “torrente complexa e contraditéria (grdatamentecontradicéria)" com a virtude de institut “viinhangas vas, verdadeiras”~ prosseguimos, parafaseando Bakhtin ~e, pa sdoxalmente estabelecendo, através da viinhanca deta com a comida, Abeba, 4 more, o sexo, 0 ris, “vinhangas muito anigas entre as ois" Bakhtin, 1988, p. 316) ‘A ntropofaga osvaldiana surgu sob o sgno do paradoxo eda wopia. Enquanto paradoxo represent: uma abertura di experiéncia joo, engendrada através da recuperagio do arctco;e enquanto iiopia do Brasil ao propor o recncontro retornn ¥inocéncia per- Ada, no uso irreverence, lbertrio e prazerosamente aleaério de uns solisticada erudigio, CO conceito de Antropokigia tem recentementestraido um interes seerescente na cominidade académica internacional, especialmente, fem seus vinculos com 0 Novo Mundo, tornon-se foc de freqientes dis. ‘sss inclusive no ambit daliteratura comparada~sendo win born [Ponto de parida para o exame de problemas de dependéncia cultural fdenacionalidade iterivia. (Rocha, 2002, p. 16; Carvalhal 1985, . 7) Acrescentando uma dimensio inédita a0 estudo ds estratégias ‘ltraiscoloniais, a nogio metaforizada de anibalismo acrescidaeen- Fiquecida pela contibuicso, minentemente brasileira, da Antropotagia barca uma forma fecunula de eiica eur e aresce ovo dados inaagbes& questio daalteridude, O slargamento da Aliscussio da Antropofigia nas amplasciregSes al insinuadastangencia A probleniti pas, atingindo, ‘0s estudesliterios para on recentes estos cule ‘A Antropolagia osealdiana nfo pretende ser, nem efeta, uma € das questbes sociais br patente descompromisso com o-espaco social, que desmantela€ reinventa,invocando um anarquismo liberalzante. Por outro lado, ‘express uma fina percepcio da problemstica da dependéncia cultural ‘que hoje, passados mais de 80 anos desde a publicagio do Manifesto Antropdfago, ainda pos acomete, Representa o que de melhor a nossa ‘radigho vanguardista produziv, sendo parte daquele modernismo que se manteve e mantém jovem. Nese inicio do século XXI, 0 desafio de ‘ua proposta soa pertinente provocador "A ulilizacio original que Oswald fer da questio dupla da aniropotagia e do canibalismo, © a sua oportunidade na. histria ‘cukutal brasileira, tém garantido o lugar da Antropofagia © do Manifeo antropfago no canone Meratio brasileiro. Canone por eujt revitlizaco Oswald de Andrade fo, em grande part, responsive RelereacinBiblograieas ANDRADE, Ona de. Ory Comply, 1 Do pata anropotigia es pis, Manin etd concen ee, Re Uc jane: Cag Rew, 107 ANDRADE, wai de Pot de ln So Pu, tra Globo, BBARITTIN, Mita “0 Crononpo de Rab. o: Qui de rte de es [OS id, Han ce srr baa, Sto Pal: Cai, 174 FO Ai de Reve rea x ansogns oap ‘CAMPOS, Har de, Una end rida: Onl de Anne Oat ‘olan, FH pan eit Bi de ans Chirac Braulera EC 1872 CCARVALIIAL iia Lieratra compar, So PA, 1986 ane EDUER), DUARTE, Fh de Ast, Jrge Amd Romance em tempo de wpa. Ro de nei cod 108 AUSTO, Calo. ino se decree ace: Antopgi eral e antropelagia Tecan appa HELENA, Lc Modems rai npn. io Pas: a, 968 ‘HULME, fete Inudcton: The Canna eC a econo hike Hane PA Tere Meds) UK Cade Us, 8 spl, acs «dpi de Ona a: Oma pl tie de eit Le Qt seta Calpine Rc pare ihr Jac tar Rae Bar ag Ls Pee a NUNES, Rene de, Anopoig 9 ska imp, 7d pt epee s ‘i. Rd jane, Cina Bev MEC. 1, Jun Cn eat a Rin Jp gag ny? OCIA, Joo Cera de Ca, Lt Us Devon Osa de Andrade A Reeaing of ‘he Manes Anuopiags. Iu thoy Tay? TILES, Gibero Mende Hears eapis¢ maine bre. Repel ora es tr _/YMINIS, ln in do rl i de Jai: Ens Ob

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