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Pesquisa-agao: uma introdugado metodolégica* David Tripp nivridade de Murdoch Correspondénca: David Tipp malt dpp@murdechaduau Traaug de Lo Lowengo de Como resultado do grande aumento de sua popularidade da amplitude de sua aplicago, @ pesquisa-acio tomou-se atual~ mente um termo aplicado de maneira vaga a qualquer tipo de tentativa de melhora ou de investigagdo da pratica. Tendo em vista a confusio que dai advém freqdentemente, 0 principal objetivo deste autor é esclarecer o termo, Apds breve histéria do método, cle defende que se encare a pesquisa-agio como uma das muitas diferentes formas de investigacio-agdo, a qual & por cle sucintamente definida coma toda tentativa continuada, sis temitica € empiricamente fundamentada de aprimorar a pratica. A seguir, 0 autor discute 0 papel da teoria na pesquisa-ago antes de descrever 0 que considera caracteristicas distintivas do pprocesso. Segue-se um exame mais detalhado do ciclo da pes quisa-agao precedido por um relato do modo pelo qual esse tipo de pesquisa se situa entre 2 pratica rotineita ¢ @ pesquisa académica, 0 autor passa entao a discutir algumas questoes comuns relativas ao métado, tais como a participagio, o papel da reflexao, a necessidade de administragdo do conhecimento e a ética do processo. 0 artigo, em sua parte final, trata de cineo diferentes *modalidades” de pesquisa-acdo © conclui com um esbogo da estrutura de uma dissertago a partir de pesquisa acho. Palavras-chave Pesquisa-agio ~ Participagao ~ Investigagio-agdo - Metodologia de pesquisa. Enucapoe esque, Séo Pau, v1.1.9, p 449-486 ster. 2008, 43 Action research: a methodological introduction* David Tripp uroch Une malt éppe@murdochodu.au “Trane fhe Li Lounge 44 Abstract As a result of its greatly increased in popularity and range of application, action research has now become a loosely applied term for any kind of attempt to improve or investigate practice In view of the confusion that frequently arises from this, the main aim of this author is to clarify the term. After a brief history of the method, the makes a case for regarding action research as one of a number of different forms of action inquity which he briefly defines as any ongoing, systematic, empirically based attempt to improve practice. The author them discusses the role of theory in action research before describing what he sees as the distinguishing characteristics of the process Next, a more detailed examination of the action research cycle is prefaced by an account of the way in which action research stands between routine practice and academic research. The author then moves on to discuss some common issues with the method, such participation, the role of reflection, the need for knowledge management, and the ethics of the process. The last part of the paper covers five different ‘modes’ of action research, and it concludes with an outline of the structure of an action research dissertation. Keywords Research-action - Participation ~ Inquity-action - Methodology of research, Ftveaga« Posquis, Sdo Pau, x31, n 3,9. 64.466, er. 2005 Breve histéria Nao hd certeza sobre quem inventou a pesquisa-agdo. Muitas vezes, atribui-se 2 eri- ago do processo a Lewin (1946). Embora pa- roca ter sido ele o primeito a publicar um tra balho empregando o termo, pode té-lo encon. trado anteriormente na Alemanha, num traba tho realizado em Viena, em 1913 (Altrichter, Gestettner, 1992). Versao alternativa € a de Deshler € Ewart (1995) que sugerem que a pesquisa-acéo foi utilizada pela primeira vez por John Collier para melhorar as relagées inter-raciais, em nivel comunitério, quando ra comissério para Assuntos Indianos, antes ¢ durante a Segunda Guerra Mundial ¢ Cooke {5.d.) parece oferecer vigoroso apoio a isso. A seguir, Selener (1997) assinala que o livro de Buckingham (1926), Rescarch for teachers [Pesquisa para professores}, defende um pro- cesso reconhecivel como de pesquisa-a¢do. Assim sendo, € pouco provivel que algum dia venhamos a saber quando ov onde teve ori- gem esse método, simplesmente porque as pessoas sempre investigaram a prépria priti 2 com a finalidade de melhoré-la, O relato de Rogers (2002}, sobre 0 conceito de reflexio utilizado por John Dewey (1933), por exem- plo, mostra muita semelhanca com 0 concei to de pesquisa-acao e também se poderia re- algar que 0s antigos empiristas gregos usayam um ciclo de pesquisa-acio. E diffell de definir a pesquisa-ago por uas raz6es interligadas: primeiro, € um pro- eesso t80 natural que se apresenta, sob mui- tos aspectos, diferentes; e segundo, ela se de- senvoleu de maneira diferente para diferentes aplicagées. Quase imediatamente depois de Lewin haver cunhado o termo na literatura, a pesquisa-aga0 foi considerada um termo geral para quatro processos diferentes: pesquisa-di- agnéstico, pesquisa participante, pesquisa ‘empirica ¢ pesquisa experimental (Chein; Cook; Harding, 1948). Pelo final do século XX, Deshler © Ewart (1995) conseguiram identificar seis principais tipos de pesquisa-agdo desenval- Enucapoe esque, Séo Pau, v1.1.9, p 449-486 ster. 2008, vidos em diferentes campos de aplicagio. No final da década de 1940 e inicio da década de 1950, utilizava-se em administracéo (Collier) desenvolvimento comunitério (Lewin, 1946), mudanga organizacional (Lippitt, Watson; Westley, 1958) © ensino (Corey, 1949, 1953). Na década de 1970, incorpora-se (com final dades de) mudanga politica, conscientizacio ¢ outorga de poder [empowerment] (Freite, 1972, 1982), pouco depois, em desenvolvimento na~ cional na agricultura (Fals-Borda, 1985, 1991) ¢, mais recentemente, em negécios bancarios, saiide e geragao de tecnologia, via Banco Mun- dial e outros (Hart; Bond, 1997). A pesquisa-ago educacional ¢ principal- mente uma estratégia para 0 desenvolvimento de professores © pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para apri~ morar seu ensino ¢, em decorréncia, 0 apren- dizado de seus alunos, mas mesmo no interi- or da pesquisa-ago educacional surgiram va riedades distintas. Stephen Corey defendia, nos EVA, uma forma vigorosamente técnica e duas outras tendéncias principais sio uma forma britanica, mais orientada para o desenvolvi mento do julgamento profissional do professor (Elliott; Adieman, 1976; Elliott, 1991) e uma variedade na Australia (Carr; Kemmis, 1986) de orientagao emancipatéria ¢ de critica social Outras variedades correlatas acrescentaram-se desde entao e, talvez. mais recentemente, a nogdo de Sachs (2003) de “profissional ativista” Foi esse tipo de diversidade que levou a pes- quisa-agdo educacional a ser descrita como “uma familia de atividades” (Grundy; Kemmis, 1982), pois, como concluiram Heikkinen, Kakkori ¢ Huttunen (2001, p. 22), “parece exis- tir uma situacao multi-paradigmatica entre os que fazem pesquisa-aga0" © ciclo da investigacéo-acao E importante que se recanhega a pes- quisa-ag3o como um dos inimeros tipos de investigagao-ago, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no 445 qual se aprimora a pratica pela oscitagio siste- ‘mitica entre agir no campo da pratica ¢ inves- tigar a respeito dela, Planeja-se, implementa. se, descreve-se ¢ avalia-se uma mudanga para a melhora de sua pritica, aprendendo mais, no correr do proceso, tanto a respeito da pritica quanto da propria investigacao. Diagrama 1: Reoresentagdo em quatofases do cdo bisico a lnvestiagto-ato, wa Pua ona vera dren R Noy ‘caine okerapareda| YQ ontrareDESCREER ‘lets do J "ARR wale aie ‘A maioria dos processos de melhora segue ‘© mesmo ciclo, A solugao de problemas, por ‘exemplo, comega com a identiticagdo do proble- ‘ma, 0 planejamento de uma solugdo, sua imple- rmentago, seu monitoramento ¢ a avaliagio de sua eficécia, Analogamente, o tvatamento médi- cco também segue o ciclo: monitoramento de sin= tomas, diagnéstico da doenca, prescrigdo do re- rmédio, tratamento, monitoramento e avaliagio dos resultados. A maioria dos processos de desen- volvimento também segue 0 mesmo ciclo, seja ele pessoal ou profissional ou de um produto tal como uma ratoeira melhor, um curriculo ou uma politica. E evidente, porém, que aplicagées ¢ de. senvolvimentos diferentes do ciclo basico da in- vestigagdo-acdo exigirdo agoes diferentes em cada fase © comegardo em diferentes lugares. Entre alguns dos diversos deserwolvimen: tos do proceso basico de investigacao-acao, est8o a pesquisa-a¢do (Lewin, 1946), @ aprendi- zagem-ag3o (Revons, 1971), a pratica reflexiva (Schén, 1983), 0 projeto-agdo (Argyris, 1985), a 46 aprendizagem experimental (Kolb, 1984), 0 ci- clo PDCA (Deming, 1986), PLA, PAR, PAD, PALM, PRA! etc. (Chambers, 1983), a pratica deliberativa (McCutcheon, 1988), a pesquisa prixis Whyte, 1964; 1991), a investigagao apre- ciativa (Cooperrider; Shrevasteva, 1987), a pri tica diagndstica (genérica em medicina, ensino corretivo ete.), a avaliagao-acdo (Rothman, 1999}, a metodologia de sistemas flexiveis (Checkiand; Holwell, 1998) © a aprendizagern transformacional (Marquardt, 1999). a varias razdes para a produgao desses muitos tipos diferentes de investigacdo-a¢4o, porque algumas pessoas reconheceram e con- ceptualizaram 0 ciclo sem conhecimento das demais versbes ja existentes e denominaram 0 mesmo ciclo e suas etapas de muitos modos diferentes, Houve também quem desenvolvesse versdes sob medida para utilizagdes e situagdes particulares, porque hé muitos modos diferen- tes de utilizar 0 ciclo e executar cada uma das suas quatro atividades. Assim, tipos diversos de investigagao-acdo tendem @ utilizar processos diferentes em cada etapa € obter resultados di- ferentes que provavelmente serio relatados de rmodos diferentes para piblicos diferentes. Qual tipo de processo se utiliza © como cle € utilizado depende dos objetivos e circuns- tancias. Até com “os mesmos” objetivos e cit cunstancias, pessoas diferentes podem ter di- ferentes habilidades, intencdes, cronogramas, niveis de apoio, modos de colaboragdo assim por diante. Tudo isso afetard os processos € os resultados. O ponto importante é que o tipo de investigagdo-acao utilizado seja adequado aos objetivos, praticas, participantes, situagao (e seus facilitadores € restrigBes). As caracteristicas da pesquis: agéo Faz algum sentido diferenciar a pesqui sa-agio de outros tipos de investigacio-acdo, 4. PLA Patsy Lasing and Aten, PAR: Parttptary Aston user; PAD Pata con Davlp ren PALM Parte galoy cmig Watheds, PRA Parictry Rua pasa Dav TAPP Posquisa ado: une intadueo meted definindo-a pelo uso que foz de técnicas de pesquisa consagradas para produzir a descrigdo dos efeitos das mudangas da pritica no ciclo da investigacdo-agao. A principal razdo para se ‘empregar 0 termo “investigagdo-agdo” como um. processo superordenado que inclui a pesq ago é que esse termo vem sendo aplicado de ‘maneira tao ampla ¢ vaga que esté se toman- do sem sentido. Uma definigdo tal como: “pes- quisa-agdo € um termo que se aplica a projetos ‘em que os priticos buscam efetuar transformagées, fem suas proprias praticas..” (Brown; Dowling, 2001, p. 152), por exemplo, sob certas aspectos, € precisa, mas utiliza 0 termo “pesquisa” no sen= tido muito amplo de todo tipo de estudo meticu- oso e, utilizando-o desse modo, priva os acadé. tmicos de utilizé-lo para distinguir a forma de in- vestigago-ago que emprega o sentido mais es- pecifico ligado & pesquisa na academia. Isso ¢ importante porque se qualquer tipo de reflexdo sobre a ago é chamada de pesqui- sa-agdo, ariscamo-nos a softer a rejeigdo exata- mente por parte das pessoas com as quais a maioria de nds conta para aprovagdo ou finan- ciamento do trabalho universitirio. Assim como aconteceu com a pesquisa qualitativa hé duas décadas, sou procurado agora regularmente por estudantes graduados aos quais mio se permite usarem pesquisa-acao para suas teses. Seus, orientadores de pesquisa, ainda que consideran- do que ela é pesquisa (e no, por exemplo, de- senvolvimento profissional), ndo consideram 0 que véem ser chamado de pesquisa-agdo meto- dologicamente, rigorosa o bastante para produ- zir uma tese de pesquisa de grau superior. Em vez de aceitar uma definigso mais aberta de pesquisa-agao, tal como “identifica- Gio de estratégias de agdo planejada que sio implementadas ¢, a seguir, sistematicamente submetidas a observagio, reflexio e mudanca” (Grundy; Kemmis, 1982), passei a preferir uma definigao mais estrita: “pesquisa-a¢ao é uma forma de investigagao-acdo que utiliza técnicas de pesquisa consagradas para informar a acao que se decide tomar para melhorar a pratica”, © eu acrescentaria que as técnicas de pesquisa devemn atender aos critérios comuns a outros tipos de pesquisa académica (sto é, enfrentar a revisio pelos pares quanto a procedimentos, significancia, originalidade, validade etc) 1ss0 posto, embora a pesquisa-agao ten- da a ser pragmatica, ela se distingue claramen- te da pratica e, embora seja pesquisa, também se distingue claramente da pesquisa cientifica tradicional, principalmente porque a pesquisa- aso ao mesmo tempo altera 0 que esti sen- do pesquisado e € limitada pelo contexto € pela ética da pritica. A questo & que a pesquisa-agao requer acdo tanto nas areas da pratica quanto da pes- quisa, de modo que, em maior ou menor medi- da, terd caracteristicas tanto da pratica rotineira quanto da pesquisa cientifica, A tabela a seguir ‘mostra como fica a pesquisa-agao em relacéo a algumas das diferencas entre as duas, Deve-se cobservar que embora a prética rotineira ea inves- tigagdo cientifica sejam apresentadas como os pélos do continuum, elas tém tendéncias contra- “ibe, Doe canctaiions peon Tina Piste rhe Pes. Fea ca [ata invader ‘gna Fnencia 2 | epee conta zaona | Pasa oat —| po at oaTageaene | meadoageamany Soni 4 nal puree eobrara Joes 3 tat reece expres 8 | mio gusto potrat| cone epoca 7 [com bssens epsiincs | delbaads scat | marta cn ress os eS ‘| pragma compreenig plead eta 10 | espocica socanas ene 1 Ppa ema pathic Enucapoe esque, Séo Pau, v1.1.9, p 449-486 ster. 2008, aar ditérias, de modo que ndo sio categorias “putas”, ‘mas oposigées mistas. Par exemplo, na Linha 1, 2 pratica rotineira € apresentada como habitual, embora © que se tornou habito foi anteriormente Lanto inovador quanto original sob certos aspec~ tos. Analogamente, ha muita coisa na pesquisa cientifica que é rotineira, particularmente num periodo daquilo a que Kuhn (1970) se refere ‘como cigncia “normal, Alguns outros pontos ilustrados na ta~ bela sio: Linha 2 — A pesquisa-acao deve ser continua e no repetida ou ocasional, porque no se pode repetidamente realizar pesquisas-aco sobre a pratica de alguém, mas deve-se regularmente trabalhar para melhorar um aspecto dela, de modo que deva ser mais freqtiente do que oca- sional. Linha 3 ~ A pritica tende a ser uma questo de reagir eficaz ¢ imediatamente a eventos na medida que ocorram e a pesquisa cient fica tende a operar de acordo com protoco- los metodolégicos determinados. A pesquisa~ acho fica entre os dois, porque é pré-ativa com tespeito @ mudanga, € sua mudanga & estratégica no sentido de que ¢ agio basea~ da na compreensio alcangada por meio da anilise de informagdes de pesquisa A acho estratégica (Grundy; Kemmis, 1982), ou “ago tética” Jacques, 1992), contrapae- se 4 ago que ¢ imediata, resultado de rotina ou hébito, embora ela seja informada pelo saber da experiéncia aplicada a boas informa~ des que s6 podem ser produzidas por pro- ccessos de pesquisa bem fundamentados, Contrapde-se também a ago, que € limitada por protocolos de pesquisa: metodologia é sempre preeminente na pesquisa cientifica, mas na pesquisa-agao, a metodolagia de pes- quisa deve sempre ser subserviente 4 pratica, de mado que nao se decida deixar de tentar avaliar a mudanga por ndo se dispor de uma boa medida ou dados basicos adequados. An tes, procura-se fazer julgamentos baseados na ‘melhor evidéncia que se possa produzir. 48 Linha 4 ~ Enquanto a pritics rotineira tende a ser a tinica responsabilidade do pratico, ¢ atualmente a maioria das pesquisas é realiza da em equipe, a pesquisa-agio € participativa na medida em que inclui todos os que, de tum mado ou outro, estio envolvidos mela ¢ é colaborativa em seu modo de trabalha. Linha 5 ~ A pratica rotineira é naturalista na medida em que nao € pesquisada, de modo que nao hi manipulacio da situagéo. Tanto a pesquisa-agio quanto 2 pesquisa cientifica so experimentais no sentido de que fazem as coisas acontecerem para ver 0 que real- mente acontece. Porém, como a pesquisa~ agio ocorre em cenirios sociais no manipu- lados, ela no segue os cnones de varidveis controladas comuns & pesquisa cientifica, de modo que pode ser chamada mats geralmen- te de intervencionista do que mais estrita- mente experimental Linha 6 ~ A pritica rotineira normalmente no considera muito 0 exame de seus procedimen- tos, valores € eficacia, mas como processo de aprimoramento, a pesquisa-agdo sempre comega a partir de algum tipo de problema ¢ muitas vvezes se aplica 0 termo “problema-tizar’, por- que esse tipo de pesquisa, em comum com @ idéia de Argyris e Schin (1974) de “aprendiza- gem de dupla mo" na pritica reflex, trata “a problema" como um problema em si mesmo. Na verdade, @ pesquisa-agao socialmente critica omega muitas vezes com um exame sobre a quem cabe o problema, o que é uma forma de problematizacio. A pesquisa cientfica, segundo Kuhn (1970), & geralmente uma questo de proceder com uma dada agenda e iso, junta- mente com a necessidade de financiamento, significa que, ern geral ela & camprometida com © govemno ou com interesses comerciais ou com a revisdo pelos pares, A pesquisa-agdo, € caro, muitas vezes também & comprometida, mas ‘mesmo nesse caso isso a limita muito menos do que a pesquisa cientfca. Linha 7 ~ A pratica rotineira corrente geral mente s6 € vivenciada pelos participantes, embora quando se torna necessério algum Dav TAPP Posquisa ado: une intadueo meted julgamento profissional importante, a delibe- ragio acorra ¢ o pracesso se desloque mais nna direcao da investigag3o~ago, uma vez que © pratica comumente seguirs os resulta~ dos do julgamento a fim de aprender com cle. A pesquisa-agao & sempre deliberativa porque, quando se intervém na pratica roti neira, esta se aventurando no desconhecido, de modo que é preciso fazer julgamentos competentes a respeito como, por exemplo, daquilo que mais provavelmente aperfeicoard a situagSo de mancira mais eficaz. A pesqui sa cientifica, o mais das vezes, € discutida no sentido formal de teorizagao indutiva © de- dutiva. Esses processos siio por certo utiliza~ dos na pesquisa-acao, nao porém para pro duzir conclusées e previsées positivistas, que so muito diferentes de bons julgamentos profissionais. Linha 8 ~ Mais uma vez, a pesquisa-agio fica ‘em algum ponto entre 0 no-registro da maior parte do que acontece na pritica rotinelra ¢ a Tigorosa revisio, pelos pares, do método, dos dados e das conclusdes da pesquisa cientifica, A pesquisa-agio tende a documentar seu pro gresso, muitas vezes por meio da compilagao de um portfolio, do tipo de informagées regu= larmente produzidas pela pritica rotineira, ais como resultados de testes em educagio ou in dices de satisfagdo dos clientes com as organi- zagées de servico ou as atas de reunises de ‘equipes de produgéo nas empresas. Linha 9 - 0 critério principal para a pratica rotineira é que ela funcione bem. Preocupa- ‘Bes sobre como e por que ela funciona sé surgem quando h problemas ou quando se pode fazer melhoras, condigdes essas sob as quais o pratico tenderé a uma investigacdo ago, mas ndo para uma modalidade de pes- quisa-agdo, em que compreender © problema saber por que ele ocorre sdo essenciais para projetar mudangas que melhorem a situacao. As teorias so sistemas conceptuais cons- truidos para explicar conhecimentos novos ¢ constituem preocupagao primordial da pesqui- sa cientifica, Na pesquisa-ago, o necessério Enucapoe esque, Séo Pau, v1.1.9, p 449-486 ster. 2008, explicar os fendmenos, ndo é seu objetivo construir o tipo de rede de explicagées impli- cadas na teoria cientifica Linha 10 ~ Nao ha necessidade de explica~ slo: contexto, processos € resultados da pré- tica rotineira limitam-se aos do pratico en- volvido, enquanto a pesquisa cientifica visa a ‘uma generalizacdo mais ampla possivel Limha 11 ~ Isso tem a ver com administragdo do conhecimento: 0 conhecimento obtido na pratica rotineira tende a permanecer com 0 pritico individual e 0 obtido na pesquisa agdo destina-se, o mais das vezes, a ser compartilhado com outros na mesma organi- zagio ou profissio; ¢ tende a ser dissemina- do por meio de rede ¢ ensino e néo de pu blicagdes como acontece com @ pesquisa entifica, O fato de a pesquisa-acso tender para a finalidade do pratico € algo que me- rece atengo se é para dar uma contribuigdo ponderavel ao conhecimento do prético na esfera mais ampla, por exemplo, das estraté- gias de praticos qualificados por toda uma ocupagio. Retomando ao tema de que essas carac- teristicas so uma tensdo entre aga nos cam- pos da pritica © da pesquisa, é essencial ndo perder de vista a pesquisa-agdo como um pro: cess0 no qual os praticos “coletam evidencias a respeito de suas praticas e pressupostos cri- ticos, crencas € valores subjacentes a elas” (Elliott, 2000, p. 20). Analogamente, MeNiff (2002) diz que a pesquisa-agao implica em tomar consciéncia dos principios que nos con- duzem em nosso trabalho: temos de ter clare- 2a a respeito, tanto do que estamos fazendo, quanto do porqué o estamos fazendo. Embora a maior parte das pessoas con- corde que ¢ssa orientacdo é essencial para @ pesquisa-agdo, ela € também fundamental para outros tipos de investigagao-agao, especialmente a pritica reflexiva, e no fosse a distingo quan- to a0 papel dos métodos de pesquisa no correr do processo, pareceria que as duas so idénti- cas, Separar uma da outra, porém, é mais uma 449 questio de énfase do que de espécie. Por exem= plo, uma educadora infantil, minha aluna, de- ‘monstrou essa abordagem ao refletir sobre o que queria aleancar com seu projeto de pesquisa- agio: “para mim, isto significa que ndo apenas estarei fundamentada em minha abordagem da educaso, mas também irei compreender por que estarei’: Como orientador de sua pesquisa ago, em contraposigdo & pritica reflexiva, por exemplo, eu me sentiria obrigado @ garantir que cla reorientasse sua pritica ¢ aprofundasse a compreenso que tem de si mesma de um mado to metodologicamente sélido quanto possivel (em vez de meramente pragmaticamente eficaz). Outra caracteristica do relacionamento recfpraco entre pesquisa ¢ pratica aprimorada € que nao apenas se compreende a pratica de modo a melhor’-la na pesquisa-agéio, mas tam- bém se ganhe uma melhor compreensao da pratica rotincira por meio de sua melhora, de modo que a melhora € contexto, o meio ¢ a finalidade principal da compreensio: Contexto: como a pesquisa-agdo € um pro- cesso de aprimoramento, nao se pode fazer ‘uma sobre a priticarotineira: a pesquisa-aca0 ria. um alvo de pesquisa mével 20 romper com a prética rotineira ¢ deixa muitas pontas soltas em sua esteira (veja, por exemplo, 0 caso da “teorizagio-agao" mais adiante) Meios: como as mudangas so reativas, mo- nitorar o que muda © como leva nao sé a compreensio da prépria pritica, mas tam- ‘bém & compreensio mais profunda de aspec- tas da situagao, das pessoas ¢ das proprias priticas que nao se havia pensado em mu- ar. Por exemplo, muitos professores apren- dem muita coisa a respeito de como seus alunos percebem 0 bom ensina, quando mudam da transmissao pelo professor para a construgdo colaborativa do conhecimento {Ker, 1999). Finalidade: a disseminago e publicago da compreenséo da pratica obtida com sua me Thora pode tornar-se também importante Gesencadeador da pesquisa-agio. Por exem- 450 plo, uma aluna, que pensara ter comegado seu projeto de pesquisa-acdo a partir de “onde esto os alunos", escreveu a0 final do primeiro cieto: Dei-me conta agora de que devia ter conse: guido mais informagées sobte os alunos antes ide fazer meus planos de projeto Iniciais. Des- cobri que praticamente todas as estratégias de ensino que planejei utilizar para Tevar a mim ¢ aos alunos a uma abordagem mais centrada no aluno mastraram-se conftontantes demais com 0 alunos para permilir que se enga- assem com éxito messas estratégias. Trata-se de uma coisa que cla nao teria aprendido a respeito de seus alunos se nao ti- vesse tentado methorar seu ensino © apren- dizado deles. Esse tipo de experiéncia € bastan- te comum: $6 descobrimos a natureza de algu- ‘mas coisas quando tentamos mudé-las. A fim de mudar sua abordagem de ensino, essa pro- fessora teve de deslocar a intervengao de suas estratégias de ensino para lidar com as atitu- des e experincias de seus alunos. Desse modo, novos estudos, nao apenas novos ciclos, nas- ceram a partir de estudos preexistentes (Tillotson, 2000), Teoria em pesquisa-acao Como processo de melhora da pratica, considera-se as vezes que a pesquisa-acdo & ateérica, mas embora seja verdade que a teoria disciplinar tradicional nao é prioridade principal, € contudo importante recorter a ela para compre- ender as situagdes, planejar melhoras eficazes ¢ cexplicar resultados. Eliott (1994) afirma iso (que (0s teéricos académicos fommecem recursos para a reflexdo € desenvolvimento da pritica na pesqui- sa-agdo), mas também sugere que 0s priticos ndo adotam simplesmente uma teoria “j pronta”, ‘mas que a problematizam pela aplicagao. Em sua excelente sintese sobre a teoria na pesquisa-aca0, Somekh (2003, p. 260) interpreta isso como sig- nificando que o pratico se “apropria pessoalmen- Dav TAPP Posquisa ado: une intadueo meted le” de teorias de outros. Porém, nem Elliott nem Somekh constatam em que medida os professo- tes primarias se utlizam de teoria fé pronta desse modo ou como contribuem com sua experiéneia para ulleriores desenvolvimentos da teoria, Na verdade, minha experiéncia ¢ de que apenas quando 0s professores primarios trabalham em pparceria com académicos da universidade é que se envalvem com teorias jd prontas e, escrevi em ‘outro lugar (Tripp, 1993), como podemos traba- Thar com isso na pratica. Recorrenda mais uma vez & minha expe riéncia, descobri que o que se faz em pesqui- sa-agdo € muitas vezes levado a efeito pelo tipo de teorizagdo indutiva que podia ser cha- mada de “teorizagdo-acio", pracesso que é ‘mais bem descrito por meio de um exemplo. Registro de dados Solicitei a um grupo de professores, em processo de formagao em servigo, que tracas- sem os trabalhos € cada um lesse silenciosa~ mente 0 trabalho do outro, Observei que os dois primeitas no 0 fizeram, mas que cada um lia proprio traba- tho em voz alta para o parceiro, Dentro de alguns minutos, todos eles, exceto uma das duplas, estavam lendo seus proprios trabalhos em voz alta para o outto. Problema de pesquisa: Por que nao estavam fazendo o que thes fora solicitado? Hipotese 1 a ~ no haviam ouvido minhas instrugdes; ou - no haviam compreendido qual era a ati- vidade, Verificagéo da Hipétese 1 Repito as instrugdes ¢ observo os resultados, ‘mas eles ignoram de novo minhas instrucdes, ¢ continuam a ler em voz alta um para 0 outro, de modo que descarto a Hipstese 1 Hipotese 2: Eles esto muito timidos em mostrar seu texto para 0 outro porque: Enucapoe esque, Séo Pau, v1.1.9, p 449-486 ster. 2008, a ~ sio anotagées incompletasfrascunho, que seriam ininteligiveis para o parceiro; ou b = haviam escrito coisas particulares (muito pessoais?, subversivas?) para serem partilhadas, Verificagao da Hipatese 2: Chamo a atengio deles sobre seus comporta- mentos € indago se é um ou outro desses problemas. Eles concordam que ¢ o primeira deles, de modo que aceito a Hipatese 2. Implicagao para o planejamento da acio: Fiz uma anotacdo para apresentar a ativida- de de modo diferente da préxima vez. Dados adicionais: Recolhi os trabalhos © observel que absoluta- mente nenhum deles estava ininteligivel, de ‘mado que descartei com atraso a Hipstese 2. Hipatese 3: Os alunos mio querem mostrar uns aos ou- tros seus trabahos escritos porque esto re- correndo 8 sua experiéncia escolar (asiatica) nna qual o trabalho escrito € competitivo © s6 € trocado entre eles para fins de nota Verificagdo da Hipétese 3: Impossivel de realizar uma vez que nao vejo esse grupo outra ver. Um novo problema Por que esses estudantes me engal to as suas motivages? Emibora esteja claro que estou envol alguns processos de teorizagao indutiva, es- tes nao passam de meios para o fim de me- Thorar a pratica, mas ndo um fim em si mes- mo, 0 que explica por que os praticos nao desenvolvem sua teorizagio sob a forma de uma teoria disiciplinar: estao muito ocupa- dos com suas priticas para perseguirem questées “puras” de pesquisa, Pesquisa-agao e pratica pesquisada Como assinalei anteriormente, € muito dificil tragar limites definitivos entre pesquisa~ ago e outtos tipos de investigagao-agdo, mas ‘uma outra incompreensao importante quanto @ definiges que ocorre nesse campo é a distingo 451 centre pesquisa-ago © agSo pesquisada. J4 em 1945, Lippitt escreveu sobre pesquisa-agdo para Collier: “Nao se trata de pesquisa-a-ser-seguida por-agio, ou pesquiss-em-agdo, mas pesquisa como-agao” (Cooke, s., p. 7). Como revisor de artigos de pesquisa-acio submetidos & publica «20 em diversas revistas, no ¢ raro que eu en contre pessoas que fizeram um estudo de caso de tum processo de desenvolvimento ou de rmudan- «@, tal como @ producdo de um programma inova- dor de ensino ¢ aprendizagem, chamando seu trabalho de “pesquisa-acio”, embora nao tenham realizado agdo nenhuma € 0 desenvolvimento tenha caminhado sem qualquer pesquisa. Utilizo dois critérios para distinguir en- tre cles: 0 proceso de mudanga esta sendo conduzido por meio da analise e interpretaga0, de dados adequados, validos © confidveis? 0 alvo principal da atividade é a criagdo de co- mhecimento teérico ou 0 aprimoramento da pratica? Isso quer dizer que um estudo de caso de -um processo de pesquisa-aga0 no € uma pesquisa-ago, embora possa ser aceito para publicagio numa revista de pesquisa-agio como uma pesquisa sobre 2 pesquisa-acio. Para ilustrar essa diferenga, voltemos a0 exemplo do tipo de teorizagdo que ocorre na pesquisa-agdo para ilustrar a diferenga: se eu estivesse empenhado em pesquisar sobre aquela situagio, deveria ter continuado na veriicagao de minha terceira hipétese e mapear a extenséo © a natureza do fendmeno, realizanda a mesma ta- refa como intervengdo experimental com uma amostra intencional de outros grupos. Fazer isso seria envolver-me num processo de “ago pesqui- sada” € ndo de pesquisa-agdo, porque eu teria priorizado o conhecimento obtido mais do que 0 aprimoramento da pratica. No entanto, embora 20 procurar explicar o comportamento dos alu- nos empregasse elementos do proceso de cons- trugio de teoria, eu fazia isso apenas a fim de aprimorar 0 que funciona em minha atividade docente. E foi como pratico que nao prossequi na verificagao da Hipotese 3, mas fiz um julga mento profissional pratico de que os participan- tes do seminario sentiam-se mais 8 vontade cada 452 vm lendo em voz alta para o outro, No préxima ‘vez, eu Thes concederia 0 tempo necessério para fazé-lo, [No pesquisa-agdo, tendemos 3 nos engajar em teorizago indutiva apenas quando mio hi ‘uma explicagdo preexistente ou uma teoria que cexplique satisfatoriamente o que quer que tenha ‘mos observado ou estejamos tentando obsenar, de modo que os pesquisadares de pesquisa-agao freqiientemente operam dedutivamente, especi- almente nos estagios iniciais. Porém, como acontece freqiientemente de nfo haver teorias prontas que se ajustem a nos- sos dados ou intengées, nesse caso trabalhamos indutivamente, teorizando nossos dados median- te a criagdo de novas categorias. No entanto, quando 0 fazemos, nosso propasito & interamente pragmético: nao Fazemos iso porque apenas que- remos conhecer (isso & “pesquisa pura”), indaga- ‘mos por que alguma cofsa é como é apenas para podermos saber melhor como aprimorar a pratica E possivel, contudo, combinar teorizagao indutiva empreendida seriamente como base para melhoria por meio de pesquisa-acio, em- bora isso seja raro. Bom exemplo disso é Stead ct al, (2001) que desenvolveu uma teoria de excluséo num servigo municipal de satide men- tal, no qual identificou quatro identidades ex- cluidas (ausente, dificil, mediada ¢ evasiva) que, 2 seguir, serviram de base para aperfeigoar 0 atendimento aqueles pacientes. Observe que, no exemplo acima, eu diria estar empenhado em pritica reflexiva € nao em pesquisa-agdo, uma vez que ela atende a muito poucos crtérios de pesquisa. Contudo, na ocasiao, cu pense que se fosse verdad que aqueles proes- sores continuavam presos a seu modo de compar- tamento de aprendizagem na escola, melhoraria sua aprendizagem se eles pudessem avancar para uma cultura educacionsal mais adulta, Tivesse eu traba- Tado com 0 grupo por um periodo mais longo, poderia ter escolhido a pesquisa-acio como uma forma melhor de fazer aquilo, provavelmente come-

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