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Parecer: II III IV IV I
Parecer: II III IV IV I
PARECER
TJRJ 202300811115 11/10/2023 17:12:00 IPL6 - PETIÇÃO ELETRÔNICA Assinada por LUANA FRANCINI FERREIRA SAMPAIO
I. O OBJETO DA CONSULTA...................................................................................... 2
II. QUESITOS. ........................................................................................................... 3
JURÍDICA. ........................................................................................................... 54
1
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I.
O OBJETO DA CONSULTA
2
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II.
QUESITOS
2-) Qual procedimento deve seguir o credor – seja no âmbito das relações de
consumo ou não – para a extensão de responsabilidade para terceiros (ou bens de
terceiros) por dívidas dos devedores originais?
3.1-) Ainda sobre a teoria menor, qual interpretação deve ser dada ao § 5º
do art. 28 do CDC, e à expressão “obstáculo”, nele prevista?
3
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4-) À luz da chamada teoria maior, prevista no art. 50 do CDC, quais são os
requisitos para se desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa e permitir a
extensão de responsabilidade para terceiros?
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III.
SITUAÇÃO CONCRETA: O CONTEXTO FÁTICO DA CONTROVÉRSIA JURÍDICA
1
Segundo o art. 3º do Estatuto Social da Rossi, “A Companhia tem por objeto social a compra e venda
de imóveis prontos, desmembramento e loteamento de terrenos, incorporação imobiliária e a
participação em outras sociedades na qualidade de sócia ou acionista ou na qualidade de única
acionista de subsidiária integral”. Disponível em: <https://bit.ly/3uWOhak>.
5
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Grande do Sul. Em julho de 1997, a Rossi realizou a abertura de seu capital, por meio
de oferta pública inicial de ações (“IPO” – Initial Public Offering).
2
“Empresas listadas nesses segmentos oferecem aos seus acionistas investidores melhorias nas práticas
de governança corporativa que ampliam os direitos societários dos acionistas minoritários e aumentam
a transparência das companhias, com divulgacão de maior volume e melhor qualidade de informações,
facilitando o acompanhamento de seu desempenho. A premissa básica é que a adoção de boas práticas
de governança corporativa pelas companhias confere maior credibilidade ao mercado acionário e,
como consequência, aumenta a confiança e a disposiçãao dos investidores em adquirirem as suas ações
e pagarem um preço melhor por elas, reduzindo, como consequência, seu custo de captação”.
(PROCIANOY, Jairo Laser; VERDI, Rodrigo S. Adesão aos Novos Mercados da BOVESPA: Novo
mercado, Nível 1 e Nível 2 – Determinantes e Consequências. Revista Brasileira de Finanças, 2009, v.
7, n. 1, p. 110).
3
A inclusão no Ibovespa analisa a vigência de 3 (três) carteiras anteriores do ativo e exige, entre outros
requisitos, que a empresa tenha presença constante em pregão; possua determinado percentual de
volume financeiro no mercado à vista, e não seja classificada como Penny Stock. Disponível em:
<https://bit.ly/3jcjRyp>.
4
“Permite a lei [art. 2º, § 3º, da Lei 6.404/76] que a companhia possa ter por objeto participar do
capital de outras sociedades. Admitiu, pois, expressamente as companhias de participação e,
consequentemente, as companhias holdings”. (CAMPINHO, Sérgio. Lei das sociedades anônimas
comentada. COELHO, Fábio Ulhoa (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2021). Em complemento,
enunciam Fábio Konder Comparato e Calixto Salomão Filho que “As notórias vantagens empresariais
da sociedade holding costumam ser sintetizadas como segue: 1) controle centralizado, com uma
administração descentralizada; 2) gestão financeira unificada do grupo; 3) controle sobre um grupo
societário com o mínimo investimento necessário”. (O poder de controle na sociedade anônima. 6. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2014).
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Por sua vez, a sua composição acionária atual é composta de 4.530 (quatro
mil quinhentos e trinta) acionistas, sendo: (i) 45 (quarenta e cinco) investidores
institucionais; (ii) 74 (setenta e quatro) pessoas jurídicas; e (iii) 4.411 (quatro mil
quatrocentos e onze) pessoas físicas, o que corresponde a 97,37% do total das ações
comercializadas na Bolsa de Valores com o ticker RSID35. Ilustrativamente:
5
Disponível em: <https://statusinvest.com.br/acoes/rsid3> Acesso em: 29.01.2023.
6
Conforme dispõe o art. 116 da Lei nº 6.404/76, “entende-se por acionista controlador a pessoa, natural
ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que a) é
titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas
deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos
da companhia”.
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(b) aquele que usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar
o funcionamento dos órgãos da companhia.
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é relevantíssima para análise e respostas aos quesitos que nos foram formulados, pois,
como será visto com mais vagar, a desconsideração da personalidade jurídica, medida
excepcional e que exige a comprovação de determinados requisitos, visa atingir o
patrimônio de sócios ou acionistas que fazem – dolosamente – mau uso do instituto da
pessoa jurídica, e não de pessoas (físicas ou jurídicas) que exercem atividades
específicas em prol da consecução do objeto social.
9
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7
De acordo com estudo realizado pela ABRAINC: “Com a chegada da crise econômica, em 2014, assim
como outros segmentos, o setor imobiliário foi bastante impactado. Embora os programas sociais
voltados à população não tenham sido afetados, a indústria da construção foi alvo das mais severas
consequências, gerando influência direta e negativa em toda cadeia. Cresceu o desemprego, trazendo
estagnação e interrupção no desenvolvimento socioeconómico”. Disponível em:
<https://bit.ly/3G67OLP>.
8
Disponível em: <http://g1.globo.com/especial-publicitario/zap/imoveis/noticia/2016/04/o-auge-e-
queda-do-mercado-imobiliario-em-uma-decada.html> Acesso em: 20.12.2022.
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Entre os anos de 2016 e 2021, foram ajuizadas 2.286 ações judiciais com esse
objetivo.
9
De acordo com o art. 6º, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, o stay period de 180 dias pode ser prorrogado
“por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido
com a superação do lapso temporal”.
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2º) ainda, nestas fases processuais mais agudas, em várias oportunidades foi
possível observar inobservância reiterada da lícita e organizada estrutura desenvolvida
para o soerguimento de um empreendimento imobiliário, que é a constituição de
empresas de propósito específico (SPE’s), com a instituição de patrimônio de afetação,
que implica na separação de uma parte do patrimônio geral do incorporador, que ficará
vinculada a um empreendimento específico, a partir da averbação de um termo de
afetação no Registro de Imóveis (um dos objetivos dessa separação é, justamente,
proteger os próprios adquirentes10). Ao se desprezar essa estrutura, distorções jurídicas
acerca da responsabilidade civil-patrimonial podem ser constatadas, especialmente no
sentido de se ignorar a consequência jurídica de que o patrimônio de afetação tem um
regime próprio de responsabilidade, só respondendo os bens que o compõem pelas
obrigações que deram origem a afetação, não respondendo esses bens pelas obrigações
gerais do seu titular, às quais incumbirá ao patrimônio geral responder11.
10
CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária, incorporação imobiliária e mercado de capitais.
Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 270
11
NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Contratos mercantis. 2. ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico,
2018, p. 23-24.
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IV.
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
IV.1.
AUTONOMIA PATRIMONIAL DA PESSOA JURÍDICA: PREMISSAS FUNDAMENTAIS QUE
REVELAM A SUA IMPORTÂNCIA JURÍDICA, SOCIAL E ECONÔMICA
A essas pessoas coletivas, que, como se sabe, são distintas das pessoas que
uniram forças para sua criação, o direito atribuiu identidade própria, bem como
capacidade para serem sujeitos de direitos e obrigações. É diante desse contexto que
surgem, assim, as chamadas “pessoas jurídicas”.12
12
A esse respeito, merecem destaque as lições de Caio Mário da Silva Pereira: “(...) a complexidade da
vida civil e a necessidade da conjugação de esforços de vários indivíduos para a consecução de
objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação
e polarização de suas atividades, sugerem ao direito equiparar à própria pessoa natural certos
agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade
e capacidade de ação aos entes abstratos assim gerados. Surgem, então, as pessoas jurídicas, que se
compõem, ora de um conjunto de pessoas, ora de uma destinação patrimonial, com aptidão para
adquirir e exercer direitos e contrair obrigações”. (Instituições de Direito Civil. 30. ed. Atualização:
Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. 1, p. 249-250).
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REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. V. 1, p. 397.
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RT 410/12, dez./1969.
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recentemente, (iv) edição de Lei específica sobre o tema (PL nº 3.401/2008, que
retornará ao Congresso Nacional para análise do veto presidencial, publicado no Diário
Oficial em 14.12.2022).
Eram muito frequentes, para não se dizer que eram a regra geral, os casos em
que, anteriormente à vigência do CPC/2015, a desconsideração da pessoa jurídica era
determinada sem contraditório, ou seja, sem que fosse proporcionada a participação
daqueles que teriam seus bens atingidos por essa excepcionalidade criada pela
jurisprudência. Muitas vezes a desconsideração da pessoa jurídica era determinada de
ofício pelo juiz, sem qualquer oitiva das partes, inclusive daquele que seria beneficiado
por esse ato.
Outra não poderia ter sido a opção adotada pelo legislador – de impor um
prévio incidente a fim de possibilitar a desconsideração da personalidade jurídica –, pois
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“A desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente invasão no patrimônio de
terceiros, é medida excepcional, sendo admitida apenas quando comprovados os seus requisitos, o que
não ocorreu no caso”. (STJ, AgInt no REsp 1337956/SP. 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, DJe 07.02.2017).
16
Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 6. ed. São Paulo,
Thomson Reuters Brasil, 2020. v. 2, p. 116.
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17
“O novo código inova ao prever um incidente específico e obrigatório para permitir a
desconsideração da personalidade jurídica (artigos 133/137). No passado, à falta de regulação própria,
era decretada a desconsideração da personalidade jurídica sem a observância das garantias
processuais ao terceiro requerido, como o contraditório amplo e, ainda, sem fundamentação adequada
e, até mesmo, de ofício pelo juiz, desestimulando a atividade empresarial séria.” (Paulo Cezar Pinheiro
Carneiro. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 178).
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iii) abrir vistas à parte para se manifestar a respeito dos elementos (fáticos e
jurídicos) constantes no processo; e
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A esse respeito, veja-se a lição de HUMBERTO THEODORO JUNIOR e JOSÉ COELHO DIERLE
NUNES: “Daí afirmar-se, correntemente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde
exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da CF, contém os seguintes direitos: 1) direito de
informação ..., que obriga o órgão julgador a informar a parte contrária dos atos praticados no
processo e sobre os elementos dele constantes; 2) direito de manifestação..., que assegura ao defendente
a possibilidade a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e
jurídicos constantes do processo; 3) direito de ver seus argumentos considerados..., que exige do
julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo... para contemplas as razões apresentadas...”.
(Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia
de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. RePro, v. 34, n. 168,
fev./2009, p.135).
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19
“A desconsideração não é remédio para um defeito na criação ou manutenção da sociedade
personificada. (...). O fundamento da desconsideração é o abuso funcional na utilização da pessoa
jurídica, de molde a provocar um resultado incompatível, no caso concreto, com a previsão abstrata
visualizada pelo ordenamento”. (JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade
societária no direito brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 1987. p. 135).
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No mesmo sentido, decisão do Min. Raúl Araújo, que assim dispõe: “mera inadimplência da pessoa
jurídica, por si só, não enseja a desconsideração da personalidade jurídica. Precedentes”. (STJ, AgRg
no REsp 588.587/RS, rel. Min. Raul Araújo, DJe 22.06.2015).
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21
SILVA, Joseane Suzart Lopes da. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no novo
CPC e a efetiva proteção dos consumidores. Revista de Direito do Consumidor, v. 113, set./out. 2017,
RT Online.
22
BARATA, Pedro Paulo Barradas. A desconsideração da personalidade jurídica nas relações de
consumo. (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009.
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23
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa
do Consumidor e no Código Civil de 2002. Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor, v. 5,
abr./2011, RT Online. No mesmo sentido: SILVA, Joseane Suzart Lopes da. O incidente de
desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC e a efetiva proteção dos consumidores. Revista
de Direito do Consumidor, v. 113, set./out. 2017, RT Online.
24
BARATA, Pedro Paulo Barradas. A desconsideração da personalidade jurídica nas relações de
consumo. (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009.
25
MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016, p. 687.
26
Conforme consta da ementa, a Teoria Menor “dispensa a demonstração de desvio de finalidade e/ou
confusão patrimonial (...)”, sendo que a “Insolvência da pessoa jurídica que basta para o processamento
do incidente”. (TJSP, AI 2279289-66.2020.8.26.0000, rel. Des. Alexandre Marcondes, 6ª C.D.P., DJe
03.12.2020).
27
De acordo com a decisão que deferiu a desconsideração: “nos casos regidos pelo Código de Defesa
do Consumidor, como é a presente lide, aplica-se a Teoria Menor (...), não se exigindo prova da fraude
ou do abuso de direito. Tampouco é necessária a prova da confusão patrimonial (...). Basta, nesse
sentido, que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor”.
28
Extrai-se o seguinte trecho da decisão: “Da leitura dos autos, percebe-se que já foi exaustivamente
demonstrado o direito e a tentativa dos Exequentes em receber a quantia perseguida nesta execução
que restou frustrada, bem como a falta de lastro financeiro e/ou patrimonial da executada” Ocorre que,
de forma ainda mais grave, nesse processo em específico, houve a expedição de ordem de bloqueio de
bens antes mesmo da cientificação da parte contrária acerca da instauração do IDPJ.
29
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A par disso, também, é relevante tecer comentários sobre outro aspecto que
se observou inapropriado nas decisões judiciais envolvendo a Rossi e que foram
submetidas a nossa consulta, que é a aplicação da teoria menor sob a ótica do § 5º do
art. 28 do CDC, cuja redação é a seguinte: “Também poderá ser desconsiderada a
pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.
Embora tenha sido constatado nas referidas decisões, por exemplo, autos nº
0745883-59.2020.8.07.0000 (TJDF)29 e 0006139-29.2019.8.26.0704 (TJSP)30, que o
mero inadimplemento da Rossi poderia acarretar a desconsideração da sua personalidade
jurídica, não é essa a correta interpretação da norma.
29
Segundo consta do acórdão: “Assim, considerando a relação de consumo e a dificuldade de
ressarcimento do consumidor, têm-se como presentes os requisitos estabelecidos para a aplicação da
teoria menor, razão pela qual a manutenção da desconsideração da personalidade jurídica é medida
impositiva”.
30
Da decisão interlocutória que deferiu a desconsideração, extrai-se o seguinte excerto: “No presente
caso, embora não se tenha notícia de inatividade ou encerramento irregular das empresas executadas
originárias (Minulo Empreendimentos S/A e Sândalo Desenvolvimento Imobiliário Ltda e Rossi
Residencial S.A), há evidente obstáculo ao ressarcimento do prejuízo do consumidor, até porque as
executadas nem sequer indicaram a existência de bens livres e suficientes para serem penhorados.
Tampouco foi localizado valores substanciais suficientes para serem penhorados. Logo,
indiscutivelmente configurados os requisitos autorizadores da desconsideração da personalidade
jurídica (...).”
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TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Teoria geral e direito societário. 12. ed. São
Paulo: Saraiva Educação, 2021. v. 1.
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COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. p. 52-53. v. 2.
33
BARATA, Pedro Paulo Barradas. A desconsideração da personalidade jurídica nas relações de
consumo. (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009.
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BARATA, Pedro Paulo Barradas. A desconsideração da personalidade jurídica nas relações de
consumo. (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009.
35
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. p. 52-53. v. 2.
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36
FILHO, Marçal Justen. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São
Paulo: Ed. RT, 1987. p. 135.
37
FILHO, Marçal Justen. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São
Paulo: Ed. RT, 1987. p. 155.
38
FILHO, Marçal Justen. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São
Paulo: Ed. RT, 1987. p. 129.
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39
Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito
para facilitar, encobrir ou dissimular a prática de atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar
confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus
administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.
40
Já anteriormente à edição da Lei 12.846/2013, o STJ manifestou-se no sentido de que: “(...). A
constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo
endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual,
com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei
de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade
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35
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Nesse sentido, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery asseveram
que: “Se a pessoa jurídica se põe a praticar atos ilícitos (dolosos), ou praticados
propositadamente de forma incompatível com sua atividade autorizada, bem como se
com sua atividade favorece o enriquecimento de seus sócios e sua derrocada
administrativa e econômica, dá-se ocasião de o sistema de direito desconsiderar a
personalidade da pessoa jurídica e alcançar o patrimônio das pessoas que se ocultam
por detrás de sua existência jurídica”.44
42
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. 17. ed. São
Paulo: Saraiva, 2015. v.1, p. 283.
43
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Desconsideração Da Personalidade e Sucessão Empresarial.
Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial. p. 133-150. v. 2, dez./2010.
44
Código Civil comentado. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. Art. 50.
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161
45
LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Desconsideração Da Personalidade e Sucessão Empresarial.
Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial. p. 133-150. v. 2, dez./2010.
46
Fundamentos do direito civil: teoria geral do direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
47
STJ, REsp 1180714/RJ, 4ª T., j. 05.04.2011, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 06.05.2011.
48
STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 960.926/SP, 3ª T., j. 13.12.2016, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze,
DJe 02.02.2017.
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49
Há várias outras decisões nesse mesmo sentido: (...) O art. 50 do Código Civil, aplicável às relações
civis-empresariais, adota a Teoria Maior da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, só
podendo ser aplicado quando comprovado especificamente desvio de finalidade ou confusão
patrimonial. (STJ, AgInt no REsp 1585391/SP, 4ª T., j. 07.11.2017, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe
14.11.2017). De igual modo: “(...). Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente
é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria
Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros
com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria
Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação
entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. (STJ, REsp 1325663/SP, 3ª T., j. 11.06.2013,
rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 24.06.2013).
38
163
Nesse sentido, em julgado recentíssimo sobre o tema, decidiu o STJ que “esta
Corte Superior autoriza a desconsideração da personalidade jurídica diante da
caracterização da confusão patrimonial entre pessoas jurídicas integrantes do
mesmo grupo econômico, cuja gestão é utilizada para, mediante a transferência de
ativos, fraudar a execução em face de uma das integrantes do grupo”. 51
50
TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Fundamentos do direito civil: teoria geral do direito
civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022.
51
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUTOS DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. GRUPO SOCIETÁRIO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. COMPROVAÇÃO. REEXAME DE
PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A desconsideração da
personalidade jurídica, embora seja medida de caráter excepcional, é admitida quando ficar
caracterizado desvio de finalidade ou confusão patrimonial (CC/2002, art. 50). 2. No caso, as instâncias
ordinárias, examinando as circunstâncias da causa, consignaram que ficou demonstrada confusão
patrimonial entre as pessoas jurídicas que integram o grupo societário, pois exploram o mesmo ramo
de negócios, atuam no mesmo endereço e detêm idêntico quadro societário. A reforma desse
entendimento demandaria o reexame das provas dos autos, providência inviável em sede de recurso
especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório. 3. Agravo interno improvido.” (AgInt no
AREsp 1.973.756/SP, 4ª T., Rel. Min. Raul Araújo, DJe 08.06.2022).
39
164
Essa visão mais restritiva do instituto pode ser extraída, também, da redação
do art. 3º, inc. V, da Lei nº 13.874/2019, segundo o qual, para as dúvidas de interpretação
do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico, quanto a relações jurídicas
decorrentes do exercício da atividade econômica, deve prevalecer aquela que preserve
a autonomia da vontade.
52
“O instituto da desconsideração não possuía previsão na Lei Falimentar até a alteração legislativa,
o que motivava uma parte substancial da doutrina a entender que sua aplicação seria impossível. Para
essa corrente, a LREF possui sistemas próprios de responsabilização de seus sócios, como os arts. 81
e 82, cuja disciplina é incompatível com a desconsideração. Foi justamente esse posicionamento
doutrinário que motivou a inserção do art. 82-A, que vedou a extensão da falência ou de seus efeitos,
no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores da sociedade falida.
O art. 82-A foi inserido na Lei n. 11.101/2005 para se tentar impedir a aplicação da extensão de
falência ou de seus efeitos aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos
administradores da sociedade falida. A interpretação da norma deve ser realizada para que haja a
compreensão de seus institutos. Diversas situações devem ser diferenciadas, portanto. [...] Para que
possa ser indenizada, a Massa Falida poderá pleitear a responsabilização apenas dos envolvidos pelo
ressarcimento dos prejuízos sofridos, mas a decretação de sua falência não implicará a extensão dos
efeitos a eles. Como poderá a Massa Falida responsabilizar seus controladores e administrações pelos
prejuízos que sofreu, conferiu o art. 82-A a possibilidade de que os terceiros prejudicados possam
diretamente responsabilizar seus sócios de responsabilidade limitada, os controladores e os
administradores da sociedade falida beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso de
personalidade jurídica. Disciplinado no art. 50 do Código Civil, o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica foi criado para coibir abusos da personalidade e reforçar a própria autonomia
do ente coletivo. Apenas se presentes as hipóteses de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial,
poderiam os efeitos de certas obrigações ser estendidos aos bens particulares dos administradores ou
dos sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. A interpretação a ser
feita é de que, de forma técnica, a parte requerente no feito não poderá ser a Massa Falida. Isso
porque, por prejuízo direto a ela causado, a Massa Falida tem a ação de responsabilização dos sócios
e administradores prevista no art. 82. Não haveria qualquer necessidade de se desconsiderar sua
personalidade jurídica para responsabilizar os agentes causadores do prejuízo sofrido. A
desconsideração poderá ocorrer na petição inicial de habilitação de crédito em face da Massa Falida
ou em incidente de desconsideração.” (SACRAMONE, M. Comentários à Lei de Recuperação de
Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2021. Disponível em:
https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555595925/.).
40
165
ii) nos termos do art. 50 do CC, para fins de desconsideração, deve estar
demonstrado o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de
finalidade da pessoa jurídica ou pela confusão patrimonial (ambos elementos
de índole objetiva). Não basta, portanto, a mera alegação de insolvência
da pessoa jurídica;
41
166
42
167
43
168
Embora haja críticas a esse último Projeto de Lei, fato é que ele pretende
conferir maior segurança jurídica à atividade empresarial, ao estabelecer que: (i) a parte
que requerer a desconsideração deve especificar, “necessária e objetivamente”, os atos
que ensejam a responsabilização, sob pena de indeferimento liminar do pedido; (ii) o
magistrado deve submeter o pedido ao efetivo contraditório, antes de decidir sobre o
tema; (iii) o juiz não pode decretar a desconsideração de ofício; (iv) a interpretação por
analogia ou por interpretação extensiva dos requisitos da desconsideração está vedada;
(v) a mera inexistência de patrimônio não autoriza a desconsideração; (vi) os efeitos da
desconsideração atingem, apenas, aqueles beneficiados por atos abusivos.
44
169
Desde já, cumpre mencionar que, em regra, o acionista não responde pelas
dívidas sociais da empresa, mas, tão somente, pela integralização dos valores das ações
subscritas, conforme redação do artigo 1º da Lei nº 6.404/76.
53
Disponível em: <https://bit.ly/3XuSu21>.
54
Disponível em: <https://bit.ly/3AM1hmF>.
45
170
55
“A prática dos atos contrários à lei ou em excesso do mandato só induz à responsabilidade dos sócios-
gerentes, na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, não atingindo os sócios quotistas, sem
poderes de gestão”. (STJ, REsp 952259/RS, 2ª T., rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 08.02.2008).
46
171
47
172
48
173
49
174
entrega da obra, por exemplo) e o fim pretendido (restituição de valores pagos e/ou
indenização por dano moral).
E, mais grave ainda se torna a situação, quando são indicados, para compor
o polo passivo de um incidente de desconsideração, pessoas físicas que sequer possuem
poder deliberativo isolado no Grupo Rossi. Por questão lógica, não há como se cogitar
qualquer responsabilidade dessas pessoas.
50
175
Desse modo, a decisão judicial que defere, tal como fez a 5ª Câmara de
Direito Privado do TJSP, nos autos de nº 2156473-48.2021.8.26.000056, sem a
observância dos critérios da Lei da S.A., a inclusão no polo passivo de (i) acionistas
(controladores ou não) ou administradores que não tenham praticado atos abusivos, ou
de (ii) pessoas físicas que integram órgãos da sociedade, mas que não possuem poder de
gestão isolado, é flagrantemente ilegal.
56
Conforme se depreende do inteiro teor do acórdão, “o fato de as pessoas físicas serem administradoras
ou diretoras das empresas não impede a sua inclusão no polo passivo”. (TJSP, AI 2156473-
48.2021.8.26.0000, rel. Des. Moreira Viegas, 5ª C.D.P., DJe 10.08.2021).
51
176
Acerca desse tema, já decidiu o STJ, em voto do Min. Luis Felipe Salomão,
que:
57
CAMPINHO, Sergio. Lei das sociedades anônimas comentada. Ana Frazão et. al. COELHO, Fábio
Ulhoa (coord.). Rio de Janeiro: Forense, 2021.
52
177
Acerca do tema, importante ressaltar, também, que o art. 159, § 6º58, da Lei
6.404/1976, traz conceito semelhante ao business judgment rule, de origem americana
e que consiste, em síntese, na proteção à autonomia decisória de administradores de
sociedades que exerçam seu mister dentro dos parâmetros de lealdade e boa-fé,
objetivando, assim, protegê-los de eventuais responsabilidades decorrentes de prejuízos
apurados ou gerados para a companhia a partir de suas decisões.
58
"Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de
responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio. (...) § 6° O
juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu
de boa-fé e visando ao interesse da companhia. (...)"
59
“O administrador não é pessoalmente responsável por obrigações assumidas pela companhia em
virtude de ato regular de gestão, caso em que apenas a companhia responde; como o administrador
atua como órgão da sociedade, é ela quem pratica o ato e contrai a obrigação. A expressão “ ato
regular de gestão” não foi definida na Lei das S.A, devendo, como tal, ser entendido aquele praticado
nos limites das atribuições dos administradores e sem violação da lei ou do estatuto social. Assim, serão
irregulares os atos em violação da lei ou do estatuto, como, por exemplo se o administrador, visando a
obtenção de vantagem, deixar de aproveitar oportunidade de negócio de interesse da companhia,
infringindo o artigo 155, hipótese em que responderá pessoalmente pelos danos causados à companhia,
por ter praticado ato irregular de gestão. Ainda que o ato do administrador cause danos a companhia,
ele somente poderá ser pessoalmente responsabilizado se ficar demonstrado que as decisões que adotou
foram tomadas com má-fé, ou mediante ilícito. Assim, ele não responde pelo eventual insucesso do
empreendimento, exceto se for ele resultante da falta de diligência ou atos legais”. (EIZIRIK, Nelson.
A Lei das S/A Comentada. Volume II - Arts. 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 400-401).
53
178
econômico em que atuam os administradores exige deles que tomem decisões ousadas,
não seria coerente o ordenamento jurídico responsabilizá- los por erros cometidos de
forma honesta”60.
IV.2.
ÔNUS DA PROVA EM MATÉRIA DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA
60
BRIGAGÃO, Pedro Henrique Castello. A Administração de Companhias e a Business Judgment Rule.
São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 38.
54
179
Acerca do tema, afirmam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery
que “O requerimento de desconsideração deverá demonstrar que os pressupostos
materiais para tanto estão devidamente preenchidos, esclarecendo a presença do abuso
da personalidade jurídica por desvio de finalidade ou confusão material. Em se
tratando de questão ligada ao direito do consumidor, a análise se volta para a
ocorrência de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito,
61
Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 6. ed. São Paulo,
Thomson Reuters Brasil, 2020. v. 2, p. 116.
62
“(...) incide, in casu, a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art.
28 do diploma consumerista (...). Nesse passo, tanto as normas consumeristas atinentes à inversão do
ônus probatório, quanto a teoria da carga dinâmica do ônus da prova (art. 373, § 1º, do CPC) não
eximem os autores da prova mínima do fato alegado”. (TJRJ, AI 0062033-26.2020.8.19.0000, rel. Des.
Fernando Fernandy Fernandes, 13ª C.C., DJe 02.12.2020). No mesmo sentido: “Insurge-se o Exequente
contra decisão que indeferiu a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica
(...), devendo ser observada a Teoria Menor, prevista no artigo 28, § 5º, do Código de Defesa do
Consumidor, porquanto se trata de relação de consumo (...) Trata-se, portanto, de medida excepcional
(...). Para a instauração do incidente de desconsideração, é necessário haver prova mínima da presença
dos requisitos legais da desconsideração da personalidade jurídica”. (TJRJ, AI 0050396-
15.2019.8.19.0000, rel. Des. Arthur Narciso, 26ª C.C., DJe 17.10.2019).
55
180
IV.3.
GRUPO ECONÔMICO
Aliás, pode-se dizer que essas duas situações foram equiparadas, pela lei,
como sendo de desconsideração de personalidade jurídica. Basta lembrarmos que
para o art. 50, § 4º, do CC, a mera existência de grupo econômico não autoriza qualquer
redirecionamento da ação/execução para outra empresa. Por se tratar de medida de
caráter excepcional, para a desconsideração da personalidade jurídica, ainda que se
alegue a existência de grupo econômico, é indispensável a demonstração e aferição da
presença dos requisitos do art. 50, caput.64
63
Código de processo civil comentado. 6. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
64
STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.699.542/MG, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 04.03.2022.
56
181
Como visto no item IV.I, itens “c” e “d”, deste Parecer, nos termos do art. 50
do Código Civil, a decisão acerca da desconsideração da personalidade jurídica pode
atingir o patrimônio dos sócios/acionistas, associados, instituidores ou
administradores, que dela se utilizaram indevidamente e tenham se beneficiado (direita
ou indiretamente), por meio de desvio de finalidade ou confusão patrimonial.66
65
Nesse processo, o Juízo de 1º grau deferiu a desconsideração da personalidade jurídica com o
fundamento exclusivo de que a empresa executada integrava o mesmo grupo econômico da Rossi,
“sendo clara a confusão patrimonial entre elas”. O TJSE, contudo, reformou a decisão, uma vez que
“seria necessário a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica na demanda
em questão, o que não ocorreu”.
66
STJ, REsp 1412997/SP, 4ª T., rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 08.09.2015, DJe 26.10.2015.
57
182
Uma coisa é descortinar um contrato social para alcançar uma pessoa física
ou jurídica, nele especificamente relacionada – a desconsideração clássica. Outra, é abrir
um leque de oportunidades (que, a rigor, não existe), permitindo-se alcançar sujeitos
totalmente alheios, do ponto de vista formal (e, muitas vezes, até mesmo quanto aos
objetivos específicos), à devedora, que é o que ocorre quando de grupo de empresas se
trata.
58
183
67
REsp n. 1.404.366/RS, 4ª T., rel. Min. Raul Araújo, DJe de 09.02.2015.
68
AgInt no AREsp n. 1.893.355/SC, 3ª T., rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 13.12.2021, DJe de
16.12.2021.
59
184
Nesse sentido, José Roberto Castro Neves sustenta que o § 4º do art. 50, ao
exigir, simultaneamente, a presença de ambos requisitos para desconsideração, “reforça
a ideia da separação patrimonial entre as pessoas, ainda que integrantes de um mesmo
grupo. Para que se opere a desconsideração, mister demonstrar a ilegalidade”.71
69
AgInt no REsp n. 1.963.597/DF, 1ª T., rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 11.04.2022, DJe de
19.04.2022.
70
STJ, AgInt nos EDcl no REsp n. 1.875.130/RS, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.5.2021, DJe
14.05.2021.
71
NEVES, José Roberto Castro. A desconsideração da personalidade jurídica – o avesso do avesso. In:
SALOMÃO, Luis Felipe; CUEVA, Ricardo Villas Bôas; FRAZÃO, Ana (coords.). Lei de Liberdade
Econômica e seus impactos no direito brasileiro. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, cap. 6,
versão digital.
72
“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUTOS DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. GRUPO SOCIETÁRIO. CONFUSÃO PATRIMONIAL. COMPROVAÇÃO. REEXAME DE
PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A desconsideração da
personalidade jurídica, embora seja medida de caráter excepcional, é admitida quando ficar
caracterizado desvio de finalidade ou confusão patrimonial (CC/2002, art. 50). 2. No caso, as instâncias
ordinárias, examinando as circunstâncias da causa, consignaram que ficou demonstrada confusão
patrimonial entre as pessoas jurídicas que integram o grupo societário, pois exploram o mesmo ramo
de negócios, atuam no mesmo endereço e detêm idêntico quadro societário. A reforma desse
entendimento demandaria o reexame das provas dos autos, providência inviável em sede de recurso
60
185
especial, a teor do que dispõe a Súmula 7 deste Pretório. 3. Agravo interno improvido”. (AgInt no
AREsp n. 1.973.756/SP, 4ª T., rel. Min. Raul Araújo, j. 02.05.2022, DJe de 08.06.2022).
73
Tratando da desconsideração em sua concepção tradicional, isto é, entre sócio e empresa, ensina
Lamartine Corrêa de Oliveira: “Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa
jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando
possível o resultado contrário à lei, ao contrato, ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem
jurídica (bons costumes, ordem pública), é necessário fazer com que a imputação se faça com
predomínio da realidade sobre a aparência” (OLIVEIRA, Lamartine Corrêa de. A dupla crise da
pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 613).
74
TJSP, AI 2247198-20.2020.8.26.0000, rel. Des. Piva Rodrigues, 9ª C.D.P., DJe 18.11.2020.
61
186
IV.4.
DESCONSIDERAÇÃO E O CENÁRIO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL: SUSPENSÃO DE
TODOS OS ATOS EXECUTIVOS
75
CHALHUB, Melhim Namem. Alienação fiduciária, incorporação imobiliária e mercado de capitais.
Estudos e Pareceres. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 270
76
NEVES, Thiago Ferreira Cardoso. Contratos mercantis. 2. ed. Rio de Janeiro: LMJ Mundo Jurídico,
2018, p. 23-24.
62
187
77
De acordo com o art. 49 da Lei nº 11.101/05, “Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos
existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”. Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência do
STJ: “Os créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial são aqueles decorrentes da atividade
do empresário antes do pedido de soerguimento, isto é, de fatos praticados ou de negócios celebrados
pelo devedor em momento anterior ao pedido de recuperação judicial (...)” (STJ, AgInt no AREsp
1.863.699/PR, 3ª T., rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 24.08.2022).
78
Na decisão, consignou o magistrado que a suspensão perdurará por 180 (cento e oitenta) dias, a contar
do deferimento da tutela de urgência – que ocorreu em setembro/2022. O stay period, portanto, tem
vigência até março/2023, salvo se prorrogado (conforme autoriza o art. 6º, § 4º, da Lei 1.101/05).
79
CORBO, Wallace. A desconsideração da personalidade jurídica da empresa em recuperação judicial.
Revista de Direito Empresarial, v. 16, jul.-ago. 2016.
80
TJSP, AI 2126402-10.2014.8.26.0000, rel. Des. Egidio Giacoia, 3ª C.D.P., DJe 03.03.2015.
63
188
credora receba seu crédito, por via transversa, fora das regras do concurso universal
instaurado”.81
81
TJRJ, AI 0078066-28.2019.8.19.0000, rel. Des. Mônica Maria Costa Di Piero, 8ª C.C., DJe
13.03.2020.
82
COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários à Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 14. ed. São
Paulo: Ed. RT, 2021, pp.75-76.
83
TJSP, AI 2149912-52.2014.8.26.0000, rel. Des. Andrade Neto, 30ª C.D.P., DJe 17.06.2015.
64
189
84
STJ, AgInt no CC 183.165/RJ, rel. Min. Marco Buzzi, 2ª Seção, DJe 28.10.2022.
85
“Pondere-se, ademais, que, em vista do disposto no artigo 82-A, parágrafo único, da Lei nº
11.101/2005, a desconsideração da personalidade jurídica de empresa falida somente pode ser
decretada pelo juízo universal de credores. Tal disposição legal também deve ser aplicada, por
analogia, às empresas em recuperação judicial, em vista dos objetivos traçados pelo artigo 47, do
mesmo diploma legal”. (TRT-15, AP 0001295-21.2011.5.15.0042, rel. Des. Olga Ainda Joaquim
Gomieri, 1º Câmara, DJe 09.08.2021).
65
190
Não por outro motivo, já decidiu o TRT-24 que, pelo fato de a recuperação
judicial poder ser convolada em falência, “qualquer pedido de desconsideração da
personalidade jurídica deve ser dirigido ao juízo universal da recuperação”.86
V.
CONCLUSÕES E RESPOSTAS AOS QUESITOS
86
TRT-24, AP 0026019-27.2015.5.24.0001, 2ª T., rel. Des. Joao de Deus Gomes de Souza, DJe
30.04.2021.
66
191
67
192
3.1-) Ainda sobre a teoria menor, qual interpretação deve ser dada ao §
5º do art. 28 do CDC, e à expressão “obstáculo”, nele prevista?
68
193
4-) À luz da chamada teoria maior, prevista no art. 50 do CDC, quais são
os requisitos para se desconsiderar a personalidade jurídica de uma empresa e
permitir a extensão de responsabilidade para terceiros?
69
194
vi) mesmo que uma empresa esteja em processo de falência, isso não implica
a responsabilização direta e automática de seus sócios/acionistas,
associados, instituidores ou administradores. Para tanto, é imprescindível a
instauração de incidente de desconsideração, a ser deferido, apenas e tão
somente, pelo Juízo Universal (essa conclusão também se aplica para teoria
maior e menor).
70
195
71
196
72
197
Sim. O art. 159, § 6º, da Lei 6.404/1976, traz conceito semelhante ao business
judgment rule, de origem americana e que consiste, em síntese, na proteção à autonomia
decisória de administradores de sociedades que exerçam seu mister dentro dos
parâmetros de lealdade e boa-fé, objetivando, assim, protegê-los de eventuais
responsabilidades decorrentes de prejuízos apurados ou gerados para a companhia a
partir de suas decisões.
73
198
74
199
75
200
76
201
Por meio deste incidente, o D. Juízo, de forma inaudita altera pars e sem
verificar se os requisitos autorizadores da utilização do instituto da
desconsideração estavam presentes no caso, afastou liminarmente a personalidade
jurídica de empresas do Grupo Rossi e deferiu pedido de arresto cautelar de ativos
financeiros de terceiros87, que não participaram do processo de execução que motivou a
instauração do incidente, em importe superior a trinta e sete milhões de reais (fls. 276).
87
(i) Lagro do Brasil Participações LTDA, (ii) Aperoama Participações LTDA, (iii) João Paulo Franco
Rossi Cuppoloni, (iv) Renata Rossi Cuppoloni Rodrigues e (v) Fernando Miziara De Mattos Cunha.
77
202
Desse breve panorama processual, três questões chamaram nossa atenção: (i)
o deferimento de tutela de urgência cautelar inaudita altera parte em incidente de
desconsideração sem a análise dos requisitos previstos na legislação aplicável ao caso
(art. 50 do Código Civil); (ii) o fato de o Juízo ter presumido a existência dos requisitos
autorizadores da DPJ, ao apontar que “em casos semelhantes” a medida havia sido
deferida; (iii) o debate de expedientes executórios – arresto, penhora e liquidação de
ações – sem antes ter oportunizado o exercício do contraditório aos terceiros e partes
envolvidas.
78
203
causados à parte adversa, sempre que: (i) a sentença lhe for desfavorável; (ii) a parte
requerente não fornecer meios para a citação do requerido no prazo de 5 (cinco) dias,
caso a tutela em caráter antecedente seja deferida liminarmente; (iii) ocorrer a cessação
da eficácia da medida em qualquer hipótese legal; ou (iv) o juiz acolher a decadência ou
prescrição da pretensão.
79
204
dessa responsabilização pode ser extraída da própria decisão que deferiu a recuperação
judicial da Rossi, em que o Juízo Universal, além de determinar a suspensão de todas as
execuções e atos constritivos propostos contra a Rossi, consignou que: “Na hipótese de
credor sujeito à recuperação judicial insistir injustificadamente, na perseguição de
seu crédito em via diversa (...), poderá haver sua condenação por ato atentatório à
dignidade da justiça, nos termos do art. 77, IV e parágrafo 1º, todos do CPC”.
80
205
88
REsp 1.326.888-RS, 4ª T., DJe 5/5/2014; REsp 1.269.703-MG, 4ª T., DJe 30/11/2012; AgRg no REsp
1.334.284-MT, 3ª T., DJe 15/9/2014; AgRg nos EDcl no REsp 1.280.036-SP, 3ª T., DJe 5/9/2013; e
EAg 1.179.654-SP, 2ª Seção, DJe 13/4/2012; REsp 1.333.349-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 2ª
Seção, julgado em 26/11/2014, DJe 2/2/2015.
81
206
82
207
83