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Grupo Are Apresenta! Um Casamento Conveniente
Grupo Are Apresenta! Um Casamento Conveniente
APRESENTA!
Um casamento conveniente
Anne Herries
1º Serie Multiautores Escândalos de
sociedade
Argumento:
Nº Paginas 2-112
Anne Herries – Um casamento conveniente – 1º Multiautor Escândalos de sociedade
Capítulo 1
—Vamos, Beatrice! Vai deixar que lhe assustem os contos de bruxas e dragões? Não são
mais que tolices - respondeu a si mesma, consciente de que estava falando em voz alta.
—Papai se envergonharia se lhe visse.
Beatrice estremeceu e apertou o manto contra seu corpo para impedir que o vento o
arrepeignoirsse. Aproximava-se das portas da abadia Steepwood do povoado do Steep Abbot,
que se apinhava junto aos ruídos muros da abadia, justo onde o rio entrava em suas terras.
No povoado que deixava a suas costas se respirava a tranquila beleza das árvores, cujos
frondosos ramos acariciavam as bordas de um lago idílio no curso do rio. Diante dela se
levantava a forma achatada da velha abadia; suas terras se converteram em um deserto
desolado. Nunca foi um lugar muito agradável, mas ao cair à noite se envolvia de um
ambiente ameaçador, produto das mentes supersticiosas.
—Não há de que ter medo - disse a si mesma enquanto olhava o caminho às escuras.
—Como era aquilo que disse o professor Shakespeare? Ah, sim! «Nossos medos nos
convertem em traidores». Não traia suas próprias convicções, Beatrice. Tudo isto não são mais
que falatórios e superstições...
Mas contavam muitas histórias sobre aquele lugar, e todas elas resultavam arrepiantes.
A terra tinha sido cedida aos monges no século XIII, e a abadia se levantou em uma
bonita zona de bosques que circundava o rio Steep. As origens da mesma se perdiam na lenda
e no misticismo, e segundo a crença popular aquela tinha sido a convocação de um templo
romano. Algumas das histórias sobre os sucessos acontecidos na abadia bastariam para fazer
empalidecer aos homens mais valentes.
Portanto, possivelmente não foi tão somente a brisa outonal o que fazia estremecer a
Beatrice daquele modo.
—É uma estúpida! Estamos no outono e anoitece mais cedo — se repreendeu.
— Teria que ter saído meia hora antes.
Era a quarta semana de outubro, no ano de Nosso Senhor 1811, e as noites começavam
muito mais rápido do que Beatrice tivesse acreditado possível. Deveria ter empreendido ao
menos meia hora antes o caminho de volta a casa, localizada na pequena aldeia do Abbot Giles.
A nenhuma das mulheres sensatas que viviam em uma das quatro aldeias que rodeavam
a abadia lhes teria ocorrido atravessar aquelas terras depois de cair o sol. E desde que o
marquês do Sywell se instalou ali dezoito anos antes, tampouco se teriam atrevido às cruzar
de dia.
Beatrice Roade, entretanto, era feita de uma massa mais dura. Aos seus vinte e três anos
se converteu em uma solteira empedernida, sem a menor esperança de casar-se algum dia. Era
uma mulher alta e bem formada, com um andar que faziam propaganda de sua saúde e
firmeza. Atrativa, de rasgos fortes e clássicos, com uns olhos verdes fascinantes e uma
reluzente cabeleira castanha, tinha um senso de humor agudo e inteligente que desconcertava
aos escudeiros do povoado.
—A senhorita Roade... —estavam acostumados a dizer dela quando a viam passeando
entre as quatro aldeias— é muito séria e estudiosa. E quanto a seu aspecto... Bom, a sua irmã,
a senhorita Olivia, não lhe chega nem à sola dos sapatos. Ela sim que é uma beleza!
E isso diziam uns homens que mal tinham recebido uma olhada fugaz da senhorita
Olivia nos últimos quinze anos! Mas a senhorita Olivia tinha herdado os rasgos de sua mãe, e
ela sim que tinha sido realmente formosa. Pelo contrário, Beatrice Roade tinha herdado os
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rasgos de sua família paterna, que era mais conhecido por sua sensatez que por sua beleza.
Então, o que estava fazendo a sensata Beatrice na porta do Steepwood, uma grade
oxidada que tinha permanecido aberta e imprestável durante tantos anos? Realmente estava
pensando em tomar um atalho?
Os que se atreviam a entrar naquelas terras se mantinham afastados da abadia, tomando
o atalho que cruzava o rio Little Steep e o lago, ou circundando o bosque do Giles... Embora só
os mais ousados se aventuravam a aproximar-se do bosque.
Esse último caminho era especialmente pavoroso. Nan lhe havia dito que as pessoas
contavam coisas horripilantes. Recentemente tinham visto luzes de noite, e diziam que o
marquês tinha voltado para as caminhadas. Todo mundo acreditava que a primeira vez que
chegou à abadia, ele e seus amigos se dedicavam a pular com suas amantes entre as árvores,
nus e com máscaras de animais.
—Escandaloso! Um comportamento semelhante é impróprio em um nobre da Inglaterra
- havia dito Nan aquela mesma manhã enquanto lustrava a mesa do salão.
—Estremeço ao pensar no que pode estar passando nesse lugar.
—Nan, está despertando minha curiosidade — mofou Beatrice.
—O que crê que pode estar passando nesse lugar?
—Nada que você ou eu devamos saber - lhe tinha respondido sua tia com zombadora
severidade.
O comportamento do marquês era muito vergonhoso para ser comentado... Mas a vida
nos povoados era bastante aborrecida e as fofocas eram muito agradecidas. Ghislaine e Beatrice
riram muito essa tarde, embora Ghislaine se empenhasse em desmentir os rumores.
—O marquês do Sywell é muito velho para esses jogos - disse com um brilho de malícia
nos olhos.
—Pode não ser verdade, certo Beatrice?
—Não tinha pensado nisso... Embora algo deva estar passando. São vários aldeãos os
que viram as luzes.
—Bom, suponho que haverá alguma explicação simples — repôs Ghislaine. Beatrice
assentiu. —Atrever-me-ia a dizer que as luzes não são mais que o farol de algum caminhante.
—Sim, estou segura de que tem razão... Mas as fofocas dão pé a muitas histórias. Não
parece divertido?
Mas não lhe parecia tão divertido quando ante ela se abria o caminho que cruzava o
deserto da abadia.
Alguns falavam de adoração ao diabo e de magia negra, mas outros falavam de ritos
pagãos arraigados na história dos antigos bretões. Dizia-se que antigamente as virgens eram
sacrificadas sobre uma rocha junto ao lago e que seu sangue se usava para fertilizar a terra.
Por sorte, Beatrice era muito inteligente para deixar-se afetar por histórias semelhantes.
Era incrível o que algumas pessoas chegavam a inventar...
Além disso, a abadia tinha sido durante muito tempo o lar de uma família antiga e
respeitável. Foi só depois que caiu em mãos do marquês do Sywell que os aldeãos começaram a
vê-la como um lugar abominável.
—É ridículo ter medo só porque esteja escurecendo - murmurou a si mesma.
Podiam acontecer coisas estranhas, mas não havia nenhum perigo.
—Se caminho depressa estarei em casa em menos de meia hora— disse.
Levantou o olhar para o céu, coberto por nuvens de tormenta. Se tomava a rota mais
longa, a chuva a pegaria na metade do caminho, de modo que não se deixou acovardar pelos
rumores e as superstições. Tomaria o atalho que atravessava as terras do marquês, embora isso
a levasse a passar muito perto da parte da abadia que agora se usava como moradia.
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—Sem risco não há glória - disse, repetindo uma das máximas de seu pai e tentando
esquecer os frequentes e repetidos enganos deste.
Tinha sido a irreprimível afeição do Bertram Roade pelos experimentos e por aventurar-
se no desconhecido o que lhe tinha feito perder a pequena herança de seu avô materno... Lorde
Borrowdale.
—O que pode me fazer ele, depois de tudo? —perguntou-se.
«Ele» era, naturalmente, o malvado marquês, de quem tantas histórias acidentadas
contavam. Para Beatrice essas histórias pareciam muito mais divertidas que horripilantes...
Ao menos quando as ouvia em casa e à luz do dia.
—Sou sensata - se obrigou a repetir com veemência enquanto punha-se a andar pelo
caminho de cascalho em direção à abadia... E às lúgrubes ruínas do Chapter House, destruída
quando as ordens monásticas se dissolveram e que nunca tinha sido restaurada.
—É impossível que fizesse essas coisas que contam dele. Se as fizesse já teria morrido de
sífilis ou de alguma outra enfermidade - sorriu por suas palavras.
—OH, Beatrice! O que diria a senhorita Guarding se soubesse o que está pensando
agora?
Precisamente por ter ido à tarde ao colégio para jovens damas da senhorita Guarding
que se aventurava agora a entrar no coração das terras da abadia.
Beatrice tinha visitado sua amiga mademoiselle Ghislaine do Champlain, professora de
francês da escola, e tinha ficado tomando chá com ela.
Beatrice tinha tido a sorte de passar um ano como professora e aluna na escola, onde
tinha melhorado seus conhecimentos e pronúncia do francês em troca de ensinar inglês às
menores. Tinha sido o ano mais feliz de sua vida. Era o único modo de poder assistir à seleta
escola. Sua educação tinha estado a cargo de seu pai em casa, o que poderia justificar as coisas
tão estranhas que tinha aprendido.
Tinha vinte anos quando esteve ensinando na escola. Tinha albergado a esperança de
fazer falta no colégio, pois admirava os princípios moralistas e ao mesmo tempo liberais da
mulher que o dirigia. Entretanto, as obrigações familiares a tinham obrigado a voltar para
casa.
A enfermidade e morte de sua querida mãe ocuparam os pensamentos do Beatrice
enquanto caminhava, apagando os ecos de orgias e luxúria que envolviam a abadia. A
senhorita Roade tinha sido uma reconhecida beleza em seu dia, e, sendo a única irmã do rico
lorde Burton, esperava-se dela que se casasse com um homem de fortuna e prestígio. Portanto,
sua decisão de aceitar a proposição do Bertram Roade foi uma amarga decepção para a família.
As divagações do Beatrice se interromperam de repente quando ouviu o grito. Um
alarido horripilante e dilacerador que lhe congelou o sangue e que a fez girar-se em busca de
sua origem. Parecia proceder da abadia. Talvez da capela ou do claustro, mas não podia estar
segura. Também podia proceder do bosque, de algum animal apanhado em uma armadilha,
possivelmente.
Por um instante pensou na possibilidade de um crime... Um assassinato ou uma
violação. Recordou vagamente a história de uma garota que ficou apanhada uma noite no
imóvel quando os monges ainda habitavam a abadia. Dizia-se que a jovem tinha sido
encontrada morta à manhã seguinte!
Beatrice estremeceu e acelerou o passo. As histórias sobre as atrocidades do marquês a
invadiram de repente, junto ao temor de ser atacada por... Por quem? Por uns monges mortos
desde muito tempo? Absurdo. Por quem, então? Pelo marquês? Não podia lhe ter medo. O
marquês se casou por fim, com uma garota formosa, jovem e... Misteriosa. A única coisa que
Beatrice sabia dela era que se chamava Louise e que tinha sido adotada ainda bebê pelo
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administrador do marquês, John Hanslope. Comentava-se que a garota era sua filha bastarda,
mas ninguém sabia a verdade.
O escândalo do matrimônio com a pupila de seu próprio administrador tinha
horrorizado e ao mesmo tempo entusiasmado aos habitantes das quatro aldeias. Apesar de sua
terrível reputação, era impensável que um homem com seu passado se casasse com uma jovem
que era pouco mais que uma criada.
—Algo totalmente inaceitável, querida minha.
Beatrice se compadecia da pobre moça que se casou com ele, porque sem dúvida tinha
estado desesperada para fazer algo assim.
De repente a golpeou uma inquietante possibilidade... Poderia ter sido a mulher do
marquês a que tinha gritado? Olhou para a forma ameaçadora da abadia e se benzeu. O que
lhe podia estar fazendo ele para fazê-la gritar daquele modo?
—Não, não – sussurrou.
— Não pode ter sido ela... Nem nenhuma outra mulher. Só foi um animal.
Dizia-se que o marquês estava apaixonado, depois de tantos anos de maldade e
libertinagem. Nem sequer um homem como o marquês poderia machucar a mulher a que
amava. Ou sim?
Beatrice agachou a cabeça e pôs-se a correr contra o vento. Talvez fosse a ansiedade por
escapar daquelas terras o que a fez ser tão imprudente, mas não viu nem ouviu os cascos do
cavalo até que a besta surgiu da escuridão. Beatrice encontrou-o em seu caminho e teve que
jogar-se em um lado para evitar que a pisoteasse.
O impacto da queda a deixou sem fôlego e permaneceu esticada no chão enquanto o
cavaleiro passava junto a ela ao galope, inconsciente ou indiferente a certeza de que tinha
estado a ponto de esmagá-la.
Beatrice só pôde lhe jogar uma olhada fugaz, mas sabia que era o malvado marquês,
cavalgando como se o diabo o perseguisse. Era um homem grande, envolto com uma capa
escura e com o cabelo cinza caindo alvoroçado sobre os ombros.
Segundo os rumores, era uma criatura espantosa, com os rasgos rudes e endurecidos por
seus excessos carnais, embora Beatrice nunca o tinha visto de perto. Era um cavaleiro duro e
impetuoso, e ela o tinha visto às vezes cavalgando, mas não se conheciam. A família Roade não
se movia em seus círculos, nem ele nos seus.
—Isso não esteve bem, senhor - murmurou Beatrice enquanto o cavalo e o cavaleiro
desapareciam entre as sombras.
Levantou-se sobre pés trementes. Sua compostura se viu seriamente afetada pelo
acontecido. Sem dúvida o marquês estava de mau humor, ou inclusive bêbado, como se
murmurava nas aldeias.
Beatrice se estremeceu ao pensar na jovem com a que se casou no ano anterior. Devia ser
horrível estar atada a um monstro semelhante.
O que tinha passado a aquela jovem para fazer algo assim?
Beatrice nunca tinha conhecido a jovem marquesa, nem sequer a tinha visto. Até onde
ela sabia ninguém a tinha visto depois das bodas.
As pessoas diziam que dificilmente abandonava a abadia... Alguns acreditavam que era
muito tímida, outros que estava doente, e alguns opinavam que seu malvado marido a
mantinha prisioneira.
No que todo mundo estava de acordo era em que se casou com ele por seu dinheiro.
Também Beatrice opinava o mesmo, embora ela não tivesse se casado jamais com esse monstro
mesmo que fosse o homem mais rico da Inglaterra.
Quando os tremores se acalmaram reatou sua marcha a um passo mais tranquilo e com a
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cabeça alta, atenta ante qualquer outra coisa que surgisse frente a ela. Quão único podia ouvir
era o horripilante uivo do vento.
Alegrar-se-ia de estar em casa!
—Está molhada até os ossos, carinho — disse Nan, enchendo a de mimos e cuidados
assim que Beatrice entrou na casa de seu pai. —Estivemos lhe buscando durante a última
hora. O que pretende conseguir, preocupando desta maneira o seu pobre pai?
Beatrice deixou o manto empapado no vestíbulo e passaram ao salão, onde se aproximou
do fogo para esquentar as mãos. Logo, foi para o sofá e retirou cuidadosamente o bordado de
sua tia antes de sentar-se.
—Preocupei a papai? —perguntou com cepticismo.
Seu pai devia estar em seu estúdio, ocupado com seus inventos... Esses objetos
maravilhosos e completamente inúteis nos que sempre estava perdendo o tempo, convencido de
que algum dia o ajudariam a recuperar sua fortuna.
—Acredito que era você quem estava preocupada, Nan. Meu pobre e querido pai nem
sequer teria notado minha ausência até o jantar, sobretudo se isso implicasse esperar para
comer.
—Beatrice! —repreendeu-a Nan. Isso foi uma grosseria. Sei que não o diz a sério, mas é
impróprio de uma jovem ser tão irônica. Não notou que... —interrompeu-se bruscamente e
mordeu o lábio.
—Sim, já sei que afugentei a todos meus pretendentes - disse Beatrice tristemente.
—Deveria ter aceitado ao Squire Rush, verdade? Três vezes viúvo, com mais de cem
anos e uma prole as suas costas, era o homem indicado para mim.
—Havia outros - disse sua tia. Nancy Willow era uma viúva de quarenta e poucos anos,
roliça e encantadora, que tinha muito carinho a sua sobrinha mais velha. Instalou-se em casa
de seu irmão depois de que seu marido, um soldado convertido em aventureiro, morrera de
febre. Às vezes se lamentava por não ter estado ali antes que morresse sua formosa e estúpida
cunhada, mas ela e Eddie tinham estado na Índia.
—Parece-me que houve um admirador ideal...
—E quem lhe disse tia?
Nan franziu o cenho. Beatrice poucas vezes a chamava por seu parentesco.
—Isso não importa – disse. —Mas poderia aparecer outro pretendente como ele e...
—Não posso deixar papai - a cortou Beatrice imediatamente. —Além disso, isso não
acontecerá. Já estou cansada de rezar.
—Não diga isso! Tem muitas virtudes, Beatrice, e qualquer homem perspicaz saberá
assim que te veja...
—... E se apaixonará a primeira vista por mim? —concluiu Beatrice, divertida pelo
romantismo de sua tia.
—Encontre-me a esse pretendente, minha querida Nan, e se não for muito idiota farei o
possível para lhe jogar o laço.
—Você e sua língua viperina - murmurou sua tia, sorrindo enquanto sacudia a cabeça.
—E quanto a que não pode deixar a seu pai, sabe que não é certo. Viu-se obrigada a se
esquecer do matrimônio quando sua mãe caiu doente. Abandonar o seu pai naqueles
momentos teria sido uma crueldade por sua parte... Mas meu irmão foi muito amável ao me
oferecer um lar para o resto de minha vida.
—A não ser que você também receba uma proposta para se casar, Nan!
Sua tia fez uma careta irônica.
—Nada poderia me tentar o suficiente. Estou muito bem aqui e aqui ficarei. E como não
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é necessário duas pessoas para levar esta casa, é livre para fazer o que desejar.
—Sim, isso supõe uma diferença - disse Beatrice, ficando séria.
—Deveria começar a procurar trabalho. As economias de papai são muito limitadas, e
desde...
—Seu pai não iria querer nem ouvir falar disso, e eu tampouco - declarou Nan
rotundamente.
—Se alguém deve procurar algo, essa sou eu.
—Não! —apressou-se a negar Beatrice. A atitude de sua tia era precisamente a que mais
tinha temido e por isso não se atreveu a expressar seus pensamentos em voz alta.
—Não entende Nan. Não estou sugerindo que vá oferecer-me como governanta ou dama
de companhia... Só partiria daqui se pudesse voltar como professora à escola da senhorita
Guarding.
Sua tia a olhou com olhos entreabertos.
—Por isso se ausentou esta tarde?
—Não, ainda não falei disto com a senhorita Guarding. Queria ver Ghislaine do
Champlain, a professora de francês. Passamos a tarde falando e tomando chá em sua casa com
vistas ao rio. Foi muito agradável.
—Fala muita frequentemente de mademoiselle Champlain... E do tempo que passou na
escola - observou Nan.
—De verdade ficaria feliz em voltar ali, querida?
—Sim, acredito que sim - respondeu Beatrice, reprimindo um suspiro. Não se sentia
desgraçada em casa de seu pai, mas às vezes desejava uma companhia mais interessante...
Alguma amiga com a que pudesse aguçar seu engenho de vez em quando sem temor a ofendê-
la nem escandalizá-la.
Recordou brevemente seus antigos sonhos, destruídos quando tinha dezenove anos... A
mesma idade que agora tinha sua irmã, embora suas situações tivessem sido muito diferentes.
Olivia estava em Londres, comprometida com um dos melhores partidos da temporada social.
Para Beatrice não tinha havido temporada, tão somente um pretendente ao que talvez tivesse
aceitado... Se ele tivesse pedido. Mas depois de passar um mês do verão jogando com as ilusões
e sentimentos de Beatrice, tinha voltado para Londres para casar-se com uma rica herdeira.
—Não ponha essa cara tão triste, carinho - lhe pediu Nan.
—Vamos, sente-se junto ao fogo e deixe que lhe seque os pés. Parece que caiu no barro!
—A verdade é isso que fiz - admitiu Beatrice.
—Voltei para casa cruzando as terras da abadia, Nan.
—Não! —exclamou Nan, aterrorizada.
—Por favor, não me diga que esse monstro lhe atacou...
—Em certo modo, sim - respondeu Beatrice, mas negou com a cabeça quando viu que
sua tia estava a ponto de desmaiar.
—OH, não é o que pensa. Ouvi algo... Um grito acredito, e logo ele apareceu montado
em seu cavalo, me obrigando a sair do caminho de um salto. Se não o tivesse feito, teria sido
esmagada pelos cascos do cavalo. Estou segura de que era o marquês e de que estava com um
humor de cães.
Nan se benzeu instintivamente. Ninguém na família era católico, mas em uma situação
como aquela o gesto podia ser muito reconfortante.
Beatrice pôs-se a rir ao ver a reação de sua tia.
—Reconheço que eu fiz o mesmo que você quando ouvi o grito - admitiu.
—Foi o alarido mais horrível que se possa imaginar... —interrompeu-se quando sua
miúda e única criada entrou no salão com uma bandeja de prata.
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Capítulo 2
Beatrice se esforçou por controlar seu gênio. Não estava acostumada a zangar-se, mas
quando ofendiam seu forte sentido da justiça, como então, sua ira podia ser terrível.
—Se pudesse lhe pôr as mãos em cima!—resmungou.
—O faria sofrer igual a ele tem feito sofrer a minha pobre irmã. Alguém tem que lhe
ensinar o que se sente ao ser tratado com tanta dureza.
Não, não, não podia deixar-se levar por sua fúria cega. Tinha que guardar a compostura
e mostrar-se tranquila e animada quando se dirigisse a seu pai. O pobre já tinha muitas
preocupações e não se merecia carregar com outro peso sobre seus ombros. E quanto à precária
situação econômica, se fazia mais urgente que nunca trabalhar como professora na escola da
senhorita Guarding. Se Beatrice pudesse manter-se a si mesma, seu pai poderia gastar
algumas guinés para vestir decentemente a Olivia, embora não seria, nem muito menos, com o
luxo ao que sua irmã se acostumou.
Deteve-se frente à porta do estúdio de seu pai, chamou com os nódulos e entrou sem
esperar resposta. A espera poderia ter sido eterna, pois o senhor Roade estava absorto nos
gráficos e diagramas que enchiam seu escritório e certamente não a teria ouvido.
Igual a muitos homens da época, estava fascinado com a ciência e os inventos de todas as
classes. O senhor Roade era um grande admirador do James Watt, que tinha inventado a
milagrosa máquina de vapor. E é obvio também admirava ao Robert Fulton, o americano que
em 1803 exibiu nas águas do Sena seu esplêndido barco a vapor. Bertram Roade estava
convencido de que seus próprios desenhos lhe fariam ganhar uma fortuna algum dia.
—Papai... —chamou-o Beatrice, aproximando-se para olhar sobre seu ombro.
Estava trabalhando em um engenhoso desenho para uma chaminé que esquentasse um
reservatório colocado detrás da mesma, de modo que oferecesse um fornecimento constante de
água quente. Era uma ideia magnífica, no caso de que funcionasse. Por desgraça, a última vez
que seu pai convenceu a alguém para que fabricasse a instalação, superaqueceu-se e tinha
acabado estalando. Os custos subiram a várias centenas de libras, tanto para reparar as
imperfeições na cozinha quanto para devolver a um indignado sócio o dinheiro que tinha
investido. Um gasto que não podiam permitir-se.
—Posso falar com você um momento?
—Tenho o problema quase resolvido - respondeu ele, que não a tinha ouvido aproximar-
se.
—Já sei por que explodiu a última vez. O ar esquentou e não tinha por onde sair, vê? Se
colocasse uma válvula de escapamento para o vapor antes que...
—Sim, papai. Seguro que tem razão.
O senhor Roade levantou o olhar. Beatrice sempre estava disposta a discutir suas teorias
com ele. Não estava absolutamente convencido de que sua explicação mais recente fosse a
correta, e tinha a esperança de discuti-la com ela.
—Queria me falar, querida? —perguntou-lhe, piscando atrás de seus óculos de aros
dourados, que sempre oscilavam perigosamente em seu nariz.
—Não é a hora do jantar, verdade?
—Não, papai, ainda não. Vim a vê-lo por outro assunto - respirou fundo.
—Olivia quer vir a casa. Eu gostaria que me desse permissão para lhe escrever e lhe
dizer que poderá ficar aqui o tempo que queira.
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—Olivia... Sua irmã? —perguntou ele, franzindo o cenho como se tratasse de recordar
algo.
—Ah, sim - exclamou finalmente, sorrindo.
—Ia casar-se, não? Sem dúvida quer falar um pouco com sua irmã antes das bodas.
—Não, papai, não se trata disso. Por razões que Olivia terá que nos esclarecer, decidiu
não casar-se com lorde Ravensden. Quer vir e viver conosco.
—Está segura, querida?—perguntou seu pai, aparentemente desconcertado.
—Acreditava que faziam um bom casal. Esse homem é mais rico que o rei Midas, não?
—Essa é uma descrição muito adequada, pai. Se mal não recordar, Midas foi o rei da
Frigia que convertia em ouro tudo o que tocava e a quem Apolo castigou com umas orelhas de
burro. Lorde Ravensden tem que ser muito estúpido para pôr a Olivia em seu contrário, mas
parece que, ao igual ao legendário rei, importa-lhe mais o ouro que a doçura de uma mulher.
—Então sim que deve ser estúpido — disse seu pai com um suspiro. Bertram Roade
tinha querido muito a sua mulher.
—Olivia estará melhor sem ele. Escreva-lhe em seguida e lhe diga que estaremos
encantados de tê-la em casa. Nunca me pareceu uma boa ideia que partisse... Mas foi decisão
de sua mãe. Queria que ao menos uma de suas filhas tivesse uma vida melhor, e sua pobre
cunhada não podia ter filhos. Graças a Deus que os Burton não lhe levaram também! Não
poderia ter suportado uma perda assim, Beatrice.
—Obrigada, papai - respondeu ela com um sorriso, e o beijou na testa com afeto.
—Sabe? Se deixar que todo o vapor escape em uma só direção, poder-se-ia canalizar por
um sistema de tubos antes de expulsá-lo. Dessa maneira se poderiam esquentar as habitações...
Sempre que se assegure de que não estale como a última vez.
—Canalizar o vapor por um sistema de tubos que percorram a casa—murmurou o
senhor Roade, olhando a sua filha como se lhe tivesse acendido uma vela em sua cabeça.
—É uma ideia muito interessante, Beatrice, embora um pouco chata. Pergunto-me se
alguém iria querer ter tanto trabalho só para receber um pouco de calor.
—Eu o faria, certamente - afirmou Beatrice.
—Fez algum progresso nessa chaminé para um fogo sem fumaça? A minha voltou a
jogar uma fumaça terrível ontem à noite. Sempre o faz quando o vento sopra do este.
—Pode que o provoque o ninho de algum pássaro - disse seu pai.
—Desentupirei a chaminé amanhã.
—Obrigada, papai, mas estou segura de que o senhor Rowley virá do povoado se o
pedimos. Já não está para esses trotes - além disso, seu pai faria uma porcaria...
—Tolices! Fá-lo-ei amanhã pela manhã.
—Muito bem, papai.
Saiu sorrindo do estúdio. Seu pai teria se esquecido da chaminé ao cabo de cinco minutos
e Beatrice poderia mandar o recado ao limpa-chaminés quando a criada baixasse ao Abbot
Quincey a comprar as provisões da semana.
Viu o criado de seu pai lustrando o candelabro do vestíbulo e se deteve com um sorriso.
—Boa tarde, Bellows. Faz um tempo terrível, verdade?
—Temos uma noite de cães, senhorita. Lily lhe entregou a carta?
—Sim, obrigada... E obrigada por havê-la trazido para mim.
—Não há de que, senhorita. Estava no mercado do Abbot Quincey e passei pelo
escritório para ver se havia correio.
Beatrice assentiu com outro sorriso e se dirigiu para as escadas.
No mercado do Abbot Quincey, a maior das quatro aldeias, era possível comprar quase
todos os produtos básicos. Mas quando se necessitava algo importante tinham que enviar ao
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Bellows ao Northampton.
Eram afortunados de contar com o Bellows, que se fazia responsável por quase todas as
tarefas dentro e fora da casa. Tinha estado com eles desde que o pai de Beatrice era um
pirralho, e recordava os tempos em que a família Roade não era tão pobre como nesses
momentos.
Por alguma razão que só ele conhecia, Bellows tinha permanecido leal a seu amo apesar
de que fazia três anos que não cobrava um salário. Recebia alojamento e manutenção, e tinha
seus próprios métodos de ganhar um pouco de dinheiro. Às vezes um coelho ou um porco
apareciam na cozinha. Beatrice suspeitava que Bellows fosse um caçador furtivo, mas jamais
se atreveria a lhe perguntar de onde saíam esses presentes.
Enquanto subia as escadas para seu dormitório para lavar-se e trocar de roupa, meditou
sobre como estranho era o destino.
—Minha pobre e querida irmã – murmurou.
—Como pôde ser tão cruel esse pilantra do Ravensden?
Ela mesma tinha sido rechaçada por um homem que lhe tinha declarado previamente seu
amor. Matthew Walters tinha intenção de casar-se com ela, até que uma rajada de má sorte lhe
fez perder uma pequena fortuna nas mesas de jogo. Até esse momento lhe tinha expressado
repetidamente seus sentimentos sinceros, e só a precaução do Beatrice impediu que ela mesma
manifestasse os seus.
Se tivesse cedido ao impulso teria sido rechaçada publicamente, o que teria feito muito
pior a situação. Ao menos se economizou do escândalo e da humilhação.
Só os pais de Beatrice tinham sabido a verdade. A senhora Roade a tinha abraçado com
força enquanto ela chorava toda sua dor e angústia, mas disso fazia muito tempo. Beatrice era
muito mais jovem então, e muito mais ingênua. Do rechaço do Matthew tinha maturado
muito depressa.
E logo após não tinha pensado no matrimônio. Suspeitava que quase todos os homens
fossem como o que tinha tentado seduzi-la com tanta paixão. Se tivesse sido o bastante
estúpida para ceder a seus rogos... O que teria passado? Teria ficado manchada além de
abandonada. De algum jeito tinha conseguido resistir, embora tivesse acreditado estar
apaixonada...
Soltou uma áspera gargalhada. Não era tão idiota para voltar a acreditar no amor. Tinha
aprendido a ver a realidade do mundo, e sabia que o amor era algo que só existia nos sonhos e
na poesia.
Tinha aprendido uma dura lição, e a experiência de sua irmã a recordava. Se Olivia
tinha estado tão doida para fazer algo que a humilharia a olhos do mundo... Que homem tão
desprezível devia ser lorde Ravensden!
—Maldito seja - murmurou enquanto terminava de vestir-se para o jantar.
—Merece assar em azeite fervendo pelo que tem feito.
Lorde Ravensden começava a rivalizar em maldade com o marquês do Sywell. Depois de
ter estado a ponto de morrer pisoteada aquela tarde, Beatrice suspeitava que todas as histórias
que contavam sobre o marquês eram certas.
E lorde Ravensden não ia atrás.
Se pudesse pensar com calma teria admitido que aquilo não era certo, pois sua irmã nem
sequer teria considerado a ideia de casar-se com um homem semelhante. Olivia era a filha
adotada de uns pais bons e carinhosos, e se houvesse dito de princípio que não gostava de seu
herdeiro, a teriam desculpado de não casar-se com ele. O que seus pais não podiam tolerar era
o escândalo que suscitava o rechaço da noiva.
Mas aquela noite Beatrice não podia pensar normalmente. O desgosto que tinha sofrido
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em dobro a fazia sentir-se incômoda e intranquila. Tinha o pressentimento de que algo terrível
tinha acontecido ou estava a ponto de acontecer... Algo que poderia lhes afetar não só a ela e a
sua irmã, mas inclusive a muitos outros nas quatro aldeias.
O grito que tinha ouvido antes que o marquês surgisse da escuridão a lombos de seu
cavalo ao galope tinha divulgado como um alarido demoníaco, desumano. Seria o presságio de
uma desgraça?
Pouco depois, tinha chegado a casa e tinha recebido a carta de sua irmã. O grito não
tinha nada que ver com isso, e, entretanto a sensação de que as vidas de muitas pessoas
estavam a ponto de trocar se fazia mais intensa. Um calafrio lhe percorreu a coluna. Nunca
em sua vida tinha experimentado algo semelhante. Seria o que as pessoas chamavam uma
premonição?
«Não seja tola, Beatrice», repreendeu-se a si mesma. “O que diria papai ante uma
hipótese tão sem lógica?”
Seu querido pai sem dúvida lhe jogaria um sermão sobre a impossibilidade de que atrás
de seus sentimentos houvesse outra coisa que meras superstições, e naturalmente teria razão.
Sacudiu a cabeça, com o cabelo pulcramente recolhido em um perfeito coque, e tentou
desprender-se de seus temores.
Aquela noite se respirava um ambiente muito estranho na abadia, mas talvez os edifícios
velhos se envolvessem com um ar de mistério e maus augúrios se os visitava após o sol se por.
Se Beatrice tivesse sido uma pessoa supersticiosa teria tomado aquela experiência como
uma advertência... Um sinal dos fantasmas dos monges mortos. Mas era uma pessoa muito
sensata e sabia que o que tinha ouvido era certamente o uivo de algum animal ferido. Pôs-se a
rir de seus medos e fantasias e baixou a sala para jantar em família.
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botas de seu amo depois voltar do campo, e Harry voltou para o espinhoso assunto que o
preocupava. Deveria haver dito a seu primo longínquo que fosse ao inferno assim que este lhe
sugeriu a possibilidade de contrair matrimônio, mas a formosa Olivia Roade Burton o tinha
tentado com suas caretas e sorrisos. Tinha sido a estrela indiscutível da temporada social, e
depois de ter sido mimada até não poder mais durante toda sua vida era normal que fosse um
pouco caprichosa.
Entretanto, suas maneiras tinham sido tão deliciosas e seu rosto tão encantador que
Harry se empenhou em ganhar seus favores. A caça lhe tinha resultado divertida e tinha
chegado a pensar que gostaria de tê-la como esposa... Uma esposa que devia ter antes que
passassem muitos meses.
—Maldito idiota! —resmungou Harry, recordando a carta que acabava de receber de
sua noiva.
—Você mesmo procurou isso...
A seus trinta e quatro anos, pensava que ainda seria capaz de dar a sua mulher o filho
que tão desesperadamente necessitava, mas não poderia adiar muito mais... A menos que
quisesse que o abominável Peregrine herdasse seus bens e os de lorde Burton. Tanto ele como
lorde Burton tinham acordado que um desenlace como aquele não seria aceitável para nenhum
dos dois... Apesar de que discrepavam em quase todo o resto, até o ponto de que se separaram
de muito más maneiras. Se não fosse um cavalheiro, certamente Harry lhe teria atiçado.
Franziu o cenho ao recordar a conversação que tinham mantido a noite anterior.
—Isso é uma infâmia, senhor - o tinha acusado Harry.
—Abandonar a uma garota a que encheu de afeto. Não consigo entender como pode
rechaçá-la. Espero que reconsidere sua postura.
—Foi mimada em excesso - respondeu lorde Burton.
—A enviei com sua família do Northamptonshire, para que aprenda a viver no
anonimato.
—Ao Northamptonshire! Santo Deus... Isso é pior que o purgatório para uma jovem
acostumada a mover-se pelas capas altas da sociedade. Morrerá de aborrecimento em menos de
uma semana!
—Não reconsiderarei minha postura até que ela recorde o que me deve - declarou lorde
Burton.
—Retirei-lhe sua atribuição, e a deserdarei se não reconhecer sua falta e nos peça
desculpas a ambos.
—Acredito que deveríamos ser nós os que pedissem desculpas a ela.
Desde esse momento, a conversação tinha ido costa abaixo.
Harry estava furioso. A conduta do Burton era desprezível, e ele, Harry Ravensden,
tinha jogado um papel crucial no afundamento de uma jovem encantadora.
Tudo por um comentário despreocupado no clube de cavalheiros que tinha sido ouvido
por uma língua perversa. E se não se equivocava, essa língua era a de seu primo Peregrine
Quindon, que tinha começado a fazer circular o rumor. Algum dia se encarregaria de que
Peregrine pagasse por isso.
A notícia tinha chegado aos ouvidos da Olivia através de alguma outra jovem e
jactanciosa dama. Depois de tudo, o seu não era mais que um matrimônio de conveniência;
apesar de ser a mulher mais admirada e invejada da sociedade londrina, seu noivo só ia casar-
se com ela para satisfazer a seu padastro. Olivia tinha reagido de uma forma muito natural, e
lhe tinha escrito uma carta em que punha fim ao compromisso e que ele tinha recebido ao
voltar para a cidade... Para então, o escândalo se desatou e propagou por toda Londres.
Harry amaldiçoou a desgraça que o tinha tirado da cidade. Uma emergência lhe tinha
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feito viajar a suas terras do norte durante vários dias. Se estivesse em Londres, teria visto a
Olivia e teria explicado que lhe guardava um profundo respeito, que a tinha em muito alta
estima e que era uma honra que ela o tivesse aceito.
Talvez não estivesse apaixonado em um sentido verdadeiramente romântico, mas Harry
não acreditava nessa classe de amor. Tinha vivido a paixão muito frequentemente e queria a
suas amigas, mas nunca havia sentido o amor total.
Desfrutava da companhia de mulheres inteligentes. A esposa de seu melhor amigo, lady
Dawlish, era uma mulher excepcional, e Harry lhe tinha muito carinho. Invejava ao Percy por
sua vida caseira, mas nunca tinha podido encontrar a uma mulher a que admirasse tanto
como a Merry Dawlish, risonha e inimitável em sua forma de apreciar a vida.
Mesmo assim, havia sentido algo pela Olivia e não tinha sido sua intenção causar aquela
tragédia com seu descuido. Lamentava profundamente a situação em que se veria Olivia, sem
dinheiro e sem amigos que a apoiassem, completamente arruinada.
O que podia fazer a respeito? Acabava de voltar do campo e não tinha o menor desejo de
voltar ali, e menos ao Northamptonshire! Em um lugar assim nunca ocorria nada
interessante.
Um dos maiores defeitos do Harry era que se aborrecia facilmente. Frequentemente o
acossava um tédio insuportável, sobretudo desde que a morte de seu pai o obrigou a abandonar
o exército e voltar para ocupar-se de suas terras. Era um bom amo e não descuidava sua
propriedade nem a seus trabalhadores, mas era consciente de que algo faltava em sua vida.
Preferia viver na cidade, onde era mais fácil encontrar companhia interessante e não lhe
teria importado tanto se Olivia partiu ao Bath ou a Brighton. Mas a essa aldeia... Como se
chamava? Ah, sim, Abbot Giles.
Certamente estava cheia de aristocratas parrudos e empregadas lascivas.
Harry não gostava especialmente das moças voluptuosas. Era bem conhecido seu gosto
pelas cortesãs refinadas, e suas amantes sempre se caracterizaram por estarem dotadas de
beleza e engenho. Estava convencido de que o único que lhe tinha impedido de entregar seu
coração por inteiro a Olivia era que ela não parecia compartilhar seu gosto pelas brincadeiras.
Alguns dos comentários do Harry lhe tinham parecido irritantes ou escandalosos. Harry
pensou tristemente que seria agradável ter a uma mulher que pudesse dar o melhor de si
mesmo, sem medo de lhe fazer frente.
—Mas que estranho é... —disse a seu reflexo. Era um grave defeito que as jovens
formosas não pudessem agradá-lo a não ser que fossem também divertidas.
Franziu o cenho. Não estava escondendo nenhum trauma oculto. Sua mãe ainda vivia e
era a pessoa mais encantadora da terra, mas nunca tinha estado apaixonada por seu marido
nem ele o tinha estado por ela. Ambos tinham tido vidas separadas, rodeados de amantes, sem
fazer-se dano mutuamente. Em realidade, tinham sido muito bons amigos. Harry acreditava
parecer-se com sua mãe, quem parecia não tomar nada a sério sem deixar de ser uma mulher
doce e provocadora como poucas.
Não importava. Ele era um homem de palavra. Tinha dado sua palavra a Olivia e não
supunha nenhuma diferença que ela o tivesse deixado plantado. Tinha que ir atrás dela e
tentar convencê-la de que não era tão má pessoa. Como sua esposa seria readmitida na
sociedade que a tinha repudiado... O que seria muito melhor que o destino que agora a
aguardava.
—Beckett... —chamou a seu criado.
—Prepara minha bagagem. Vou sair da cidade por uns dias.
—Sim, milord - respondeu seu ajudante de câmara.
—Posso lhe perguntar aonde vamos?
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—Você não vai a nenhuma parte - replicou Harry com um pequeno sorriso.
—Se alguém lhe perguntar, não tem nem ideia de onde estou...
—Passa querida - disse Beatrice, recebendo a sua irmã na porta. Tinham passado seis
dias desde que recebeu a carta de Olivia, e o coração lhe encolheu ao ver a expressão de cansaço
e desespero no rosto de sua irmã. Maldito Ravensden! Merecia que o pendurassem e
esquartejassem pelo que tinha feito.
—Parece congelada. Foi muito dura a viagem, carinho?
O caminho de Londres até o Northampton era bastante bom e podia ser percorrido
facilmente em um dia, mas os caminhos rurais que conduziam ao Abbot Giles eram outra
história. Olivia tinha viajado por uma das rotas públicas no dia anterior, e no Northampton
tinha tido que buscar outro meio de transporte para prosseguir a viagem. Quão único tinha
podido permitir-se foi contratar a um amável carreteiro, que se ofereceu levá-la e sua bagagem
por três xelins. A experiência devia ter sido terrível para uma jovem acostumada a viajar em
um carro de luxo e rodeada de criados.
Como podiam os Burton havê-la enviado a fazer todo esse caminho sozinha? Poder-lhe-ia
ter acontecido algo. Era como se seus pais adotivos tivessem renunciado a sua
responsabilidade. O menos que poderiam ter feito era mandá-la a casa em uma carruagem!
A Beatrice fervia o sangue nas veias por aquela falta de humanidade, mas se obrigou a
acalmar-se. Agora já não importava. Sua irmã tinha chegado sã e salva, embora
completamente exausta.
—Beatrice... —murmurou com voz débil e vacilante. Era óbvio que tinha estado
perguntando-se como a receberiam, e a preocupação inicial de Beatrice a tinha desconcertado.
—Sinto muito que tenha que carregar com este problema.
—Problema? Que problema? —perguntou Beatrice.
—É maravilhoso receber a minha irmã em casa. Queremo-lhe, Olivia. Nunca poderia ser
um problema para mim nem para sua família - sorriu e beijou a Olivia na bochecha.
—Vem saudar tia Nan. Nosso pai está ocupado e não devemos incomodá-lo quando está
trabalhando, mas o verá mais tarde. Pediu-me que lhe diga quão encantado está de lhe ter
outra vez em casa.
O doce rosto de Olivia se contraiu, e seus brilhantes olhos azuis se encheram de
lágrimas.
—É muito amável - disse, tirando o lenço que levava na pequena bolsa presa ao pulso. Ia
vestida à última moda, embora seu casaco estivesse salpicado de barro, e os três baús que
compunham sua bagagem pareciam indicar que os Burton não a tinham jogado na mais
absoluta indigência.
—Sei o que deve estar pensando de mim... Que sou malvada... Ou estúpida.
—Não pensei nada disso - replicou Beatrice, levando-a ao salão. Normalmente a chaminé
não se acendia até a noite, já que nem Beatrice nem sua tia tinham muito tempo para sentar-se
durante o dia, mas aquela era uma ocasião especial, e os troncos tinham sido um presente do
Jaffrey House, enviados especialmente por seu ilustre vizinho, o conde do Yardley.
O conde tinha uma filha chamada Sophia de seu segundo matrimônio. A garota era da
mesma idade que Olivia e era muito formosa, com o cabelo negro e olhos radiantes. Beatrice a
conhecia, naturalmente, embora pouco se tivessem visto.
O senhor Roade não tinha muita vida social nem aceitava muitos convites, mas a família
do conde se deixava ver pela aldeia e Beatrice conhecia o bastante a lady Sophia para deter-se a
falar uns minutos com ela cada vez que se encontravam. Agora lhe parecia uma lástima que
seu pai tivesse declinado os amáveis convites que o conde lhes tinha enviado ao longo dos
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anos. Para a Olivia teria sido estupendo travar amizade com a Sophia Cleeve.
—Minha querida Olivia - a saudou Nan, entrando no salão. Levava um gorro e um
avental para proteger do pó.
—Perdoe-me por não lhe receber na porta. Estava acima, limpando os cômodos. Só temos
uma criada, além da garota da cozinha, e não seria justo que a pobre Lily se ocupasse de tudo
ela sozinha,
Olivia parecia surpreendida pela ideia de que sua tia tivesse estado ocupada com a
limpeza dos dormitórios. Tentou recuperar a compostura e foi beijar a sua tia na bochecha.
—Rogo-lhe que me perdoe - lhe disse.
—Temo que lhe causei mais trabalho.
—Sim, bom, isso é certo - afirmou Nan, que nunca se incomodava em ocultar a verdade.
—Entretanto, atrevo-me a dizer que o cômodo necessitava de uma limpeza a fundo. Era
o dormitório de sua mãe, sabe? E não foi...
—Nan não está insinuando que seja uma moléstia - interveio Beatrice ao ver como sua
irmã se ruborizava.
—Seu cômodo era a sala privada de nossa mãe, não seu dormitório. Pensei que poderia
lhe inquietar um pouco dormir onde morreu.
—Estava a ponto de lhe dizer isso mesmo — disse Nan.
—A cama que tínhamos encomendado chegou esta manhã desde Northampton. Se não
tivéssemos tido que esperar, o cômodo teria estado pronto faz dias.
—Já era hora de que tivéssemos uma cama nova - disse Beatrice com voz amável,
olhando a sua tia com o cenho franzido.
—A que temos no quarto de hóspedes, escuro e deprimente e situado ao fundo da casa,
tem o armação quebrada. Segue aí, naturalmente, mas como ninguém vem nunca a ficar, não
importa...
—Vejo que lhes causei muitas moléstias - disse Olivia.
—Gastaram muito por minha culpa.
—Nada disso - negou Beatrice.
—Tire o chapéu e o casaco, querida. Vou pedir que preparem o chá... A menos que queira
subir diretamente a seu quarto.
A expressão da Olivia insinuava que lhe teria gostado de escapar dali, mas se obrigou a
esboçar um sorriso cortês.
—Gostaria de uma xícara de chá? —disse.
—Ficam uns quantos guinés do último pagamento que me deu meu... Lorde Burton,
mas não queria gastar nas estalagens pelas que passamos. Além disso, tinha pressa por chegar.
Dar-te-ei todo o dinheiro que tenho Beatrice, para que o use como achar mais conveniente.
—Já veremos - disse Beatrice, e fez soar a campainha.
Lily apareceu tão rapidamente que Beatrice suspeitou que estivesse escutando na porta.
Era um cacoete, mas não o bastante para despedi-la. Igual a Bellows, Lily não se queixava se
demorava a receber, embora Beatrice quase sempre lhe pagasse pontualmente.
—O chá, Lily, por favor - lhe pediu, e se voltou para sua irmã quando a criada partiu.
—Tudo bem, querida, sente-se junto ao fogo e logo se sentirá melhor. Deixaremos os
assuntos importantes para mais tarde. De momento, quero que me conte coisas de Londres...
Se puder, claro. Mal recebemos notícias de lá.
—Sabe que o príncipe foi nomeado regente a princípios de ano? —perguntou Olivia,
olhando-a dúbia.
—Claro que sim, querida. Papai está assinado ao The Time. Sei que o comércio vai mal
por culpa do bloqueio que impôs Napoleão e que o desemprego é muito alto. Não refiro a esse
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Capítulo 3
Beatrice levou sua irmã a seu quarto meia hora mais tarde. Ofereceu-se a ajudá-la a
desfazer sua bagagem, convencida de que Olivia nunca tinha tido que ocupar-se de uma tarefa
semelhante. Olivia tinha aceitado sua ajuda e lhe estava mostrando alguns dos preciosos
vestidos que tinha levado com ela.
—São só alguns de meus vestidos - disse a Beatrice.
—Deixei os mais sofisticados em Londres. Não acredito que aqui vá necessitar do vestido
que usei quando me apresentaram ao príncipe regente... Nem dos vestidos de baile. Lady
Burton me disse que me enviaria - piscou rapidamente para conter as lágrimas.
—Foi muito mais amável que lorde Burton. Disse-me que ela poderia me perdoar, mas
que seu marido estava decidido a romper toda relação.
—Bom, talvez com o tempo suavize sua postura...
—Não - disse Olivia com uma expressão orgulhosa em seu pálido rosto.
—Não quero voltar para sua casa... Nunca mais. O que fiz foi o correto, e não me
arrastarei em busca do perdão.
Beatrice não quis seguir com o tema, porque não gostava de ver sua irmã tão angustiada.
Em vez disso, ficou a elogiar os vestidos que estavam tirando dos baús, sobretudo o que tinha
confeccionado madame Félice, a extraordinária costureira francesa que tinha chegado a
Londres uns meses antes.
—É precioso - disse, apertando-o contra seu peito. A seda verde lhe sentava muito bem e
ressaltava a cor de seus cabelos, e, naturalmente, era mais elegante que algo que tivesse
vestido em sua vida.
—Não é de se admirar que todo mundo queira seus vestidos. Mas ninguém sabe onde
trabalhava antes de ir a Londres? Esteve em Paris?
—Ninguém parece saber nada dela antes que abrisse a loja... Mas se comenta que é a
amante de um homem muito rico.
—OH, por que dizem isso? —perguntou Beatrice, olhando com curiosidade a sua irmã.
—Dizem que levou bastante dinheiro ao salão de madame Coulanges. Deve ter um
protetor... De onde conseguiria o dinheiro para montar um negócio tão exclusivo? Se estivesse
sem condições, aceitaria qualquer encargo que lhe fizessem.
—Sim, posso entender as fofocas - disse Beatrice com o cenho franzido. Sua educação
não tinha sido precisamente normal, e guardava uma opinião muito forte a respeito.
—Mas não estou de acordo com que o dinheiro tenha que vir de um protetor. Por que
uma mulher não pode triunfar por si mesma, sem a ajuda de um homem? Por que todo mundo
supõe sempre o pior? Pode haver outras razões que expliquem o dinheiro que levou a madame
Coulanges. Talvez o herdasse de algum parente rico, ou possivelmente ganhou jogando às
cartas.
—É muito estranho, verdade? —disse Olivia.
—Suponho que a verdade acabará sabendo-se... E isso suscitará novos rumores. De
momento, ninguém pensaria mal dela por ter um protetor. Não faz vida social, salvo para
vestir a suas clientes. Assim não poderá casar-se nunca com um homem de boa família.
—Temo que tenha razão. Estamos governados pelas convenções. Estou segura de que
nos inteiraremos de mais coisas. As notícias demoram a chegar às quatro aldeias, mas tudo
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acaba sabendo-se.
—As quatro aldeias... —repetiu Olivia, perplexa.
— Não sei se lhe entendo.
Beatrice pôs-se a rir.
—OH, assim é como falo de nossos vizinhos. Refiro às aldeias que se estendem ao norte,
sul, este e oeste da abadia Steepwood: Abbot Quincey, que hoje em dia não é mais que um
pequeno mercado; Steep Abbot e Steep Jogue a rede, ao sul da abadia, e a nossa.
—Ah, sim, a abadia. Passamos junto a seus muros de caminho para cá. A vida nas
aldeias se vê muito afetada pelo que passa ali?
Beatrice voltou a rir.
—Temos a nosso próprio marquês malvado e sinistro – disse.
—Poder-me-ia passar a noite inteira lhe contando as histórias sobre ele, mas só lhe direi
que não acredito em nenhuma delas, já que nunca me encontrei com ele... Salvo aquela noite
em que quase me esmagou com seu cavalo.
—Isso foi muito desconsiderado por sua parte - disse Olivia.
—Se for tão antipático é compreensível que não queira conhecê-lo.
—Ninguém quer conhecer marquês do Sywell, salvo possivelmente o conde do Yardley.
Não estou segura, mas acredito que ambos pertenciam ao mesmo grupo selvagem faz anos,
antes que recebessem seus títulos. Faz muito tempo, antes que o velho conde, o sétimo em
ostentar o título, acredito, mandasse seu filho a França, perdesse a abadia, que tinha
pertencido à família desde meados do século dezesseis... E suicidasse.
—Sério?—perguntou Olivia, intrigada.
—Por que deserdou o seu filho? OH, por favor, Beatrice, conta-me. Ele suicidou por
amor?
—Você sabe a história?
Olivia negou com a cabeça.
—Não, mas eu gostaria que fosse por algo romântico. Morrer por amor é tão..
—Estúpido - concluiu Beatrice secamente.
—Acomode-se no assento, Olivia. É uma história muito longa e terá que contá-la como é
devido. Do contrário acabará confundida com todos os condes e não saberá a qual me refiro.
Olivia assentiu, com o rosto radiante de entusiasmo. Pela primeira vez desde sua
chegada, parecia haver-se esquecido de sua desafortunada situação, e Beatrice decidiu fazer a
história o mais interessante e entretida possível pelo bem de sua irmã.
—O atual conde do Yardley, o oitavo se não me equivocar, não nasceu para herdar o
título nem as propriedades. Seu nome ao começo desta história era Thomas Cleeve, e sua
família não era mais que um ramo menor dos Yardley. Foi então quando ele e seu primo, o
conde anterior ao atual: já disse que é complicado, ingressaram em um grupo bastante liberal
ao que pertencia lorde George Ormiston. Para deixá-lo tudo bem claro, este lorde é nosso
malvado marquês de hoje.
—Sim, entendo. Agora é o marquês do Sywell e possui a abadia - disse Olivia.
—Segue, por favor.
—Lucinda Beattie, a irmã solteira do Matthew Beattie, nosso último vigário, que
morreu na abadia quando eu tinha... Onze anos, acredito, disse a nossa mãe que Thomas
Cleeve estava muito desiludido com o amor e que ia à Índia fazer fortuna. Isso é inegável, pois
voltou sendo um homem muito rico. Sei que se casou duas vezes e que ao voltar, em 1790, era
viúvo e tinha quatro filhos, dois meninos gêmeos de quatorze anos, lady Sophia, a quem sem
dúvida conhecerá, e Marcus, o mais velho. Construiu Jaffrey House nas terras que comprou de
seu primo Edmund, por então o sétimo conde do Yardley... Segue-me?
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—Já imagino como foi... Você foi a estrela da temporada e a herdeira do Burton. E
Ravensden queria a fortuna...
—Mas quase toda a fortuna irá parar a suas mãos de todas as formas - disse Isso Olivia
é o pior. Não tinha nenhuma necessidade de agradar a seu primo. Por que se declarou se eu
não lhe importava o mínimo?
Beatrice se dava conta de que sua irmã não era tão insensível como tentava aparentar.
Se for o seu coração ou seu orgulho o que estava mais afetado, era igualmente doloroso
para ela.
—Bom, já falamos disto – disse.
— Não se angustie querida. Não terá que voltar a ver lorde Ravensden, assim já pode
esquecê-lo. Uma coisa é segura: não se atreverá a lhe seguir até aqui...
Beatrice passou uma noite inquieta, sonhando com varões deserdados, orgias pagãs e
inexplicavelmente! Com um homem queimando em azeite fervendo. Despertou muito cedo,
sentindo-se cansada e incômoda. Ela tinha bem merecido por ter passado a noite contando
histórias do malvado marquês e as adornando o máximo possível para sua irmã, que era uma
romântica empedernida.
Se Olivia tivesse sido outra pessoa, talvez se tivesse conformado com o cômodo
matrimônio que lorde Ravensden podia lhe oferecer. Mas sua irmã não podia renunciar a sua
natureza, e Beatrice tinha que admitir que tivesse tomado a decisão correta.
—Espera a que eu ponha as mãos em cima a esse velhaco e verá - murmurou.
Lorde Ravensden tinha que pagar por sua traição.
Olivia estava tentando adaptar-se a sua nova vida, e até o momento tinha demonstrado
muita coragem, mas ia ser muito duro para ela. Nos próximos meses todos deveriam fazer o
que estivesse em suas mãos para tentar animá-la.
Nisso pensava Beatrice quando saiu de casa de seu pai aquela manhã, o dia depois da
chegada de sua irmã. Era o primeiro dia de novembro e havia um pouco de névoa.
Antecipando-se ao frio, envolveu-se com um velho casaco cinza que tinha conhecido tempos
melhores.
Tinha decidido visitar reverendo Edward Hartwell para convidá-los a ele e a sua esposa
para jantar a semana seguinte. Também enviaria uma mensagem ao Ghislaine e lhe suplicaria
que viesse se fosse possível. Era o melhor que podia oferecer a Olivia para entretê-la, embora,
obviamente, era muito menos ao que sua irmã estava acostumada.
O som de uns cascos lhe fez dar um salto. Deteve-se e viu o cavalo e o cavaleiro
aproximando-se dela ao trote. Não era o mesmo cavaleiro que quase a tinha esmagado na
semana anterior, a não ser um desconhecido. Nunca tinha visto aquele cavalheiro no Abbot
Giles nem nas outras aldeias. Suas roupas eram muito elegantes, embora só fosse um traje
para montar. À medida que se aproximava, Beatrice pôde apreciar a beleza de seus traços.
Tinha um nariz reto, um queixo forte e se adivinhava um porte de nobreza.
O cavaleiro deteve seus arreios e tirou o chapéu cortesmente, revelando um arbusto de
cabelo espesso e reluzente, tão negro como as asas de um corvo. Levava-o muito curto,
penteado para frente em um estilo ligeiramente despreocupado que lhe dava um ar valente e
elegante. Poderia ter saído de um poema de sir Walter Scout. Um nobre de linhagem
ancestral.
—Bom dia, senhorita - a saudou com um sorriso encantador e ao mesmo tempo
desafiante.
—Seria tão amável de me indicar uma direção? Temo que me extraviei na névoa.
—É obvio senhor - respondeu Beatrice, olhando-o aos olhos. Eram tão
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—A que está jogando essa mulher? —murmurou lorde Ravensden para si mesmo.
—Ou é que me tornei a perder na névoa?
Harry tinha a estranha sensação de que a mulher com a que se encontrou minutos antes
o tinha enviado deliberadamente na direção errônea. Sua história sobre o idiota do povoado
tinha sido plausível, mas Harry não acreditou muito que houvesse um idiota dedicado a trocar
os sinais para que a flecha apontasse para outra direção... Os cipós eram condenadamente
pesados! Mas, por que uma jovem aparentemente educada ia comportar-se de um modo tão
indecoroso enganando-o?
Antes tinha perguntado a um homem, um áspero caipira que lhe tinha respondido em
uma língua tão ininteligível que Harry tinha começado a duvidar se não teria cruzado o Canal
da Mancha de noite sem dar-se conta. Fazia muitas milhas que não via nenhum sinal, e se
dispunha a perguntar em uma casa da aldeia pela que acabava de passar quando viu a jovem
caminhando para ele na névoa.
Tinha-lhe parecido de boa família. Um pouco simples em seu vestuário, possivelmente,
mas com um ar de decência. Certamente era a mulher de algum fazendeiro empobrecido. Ou
possivelmente era a mulher do pastor, já que parecia dirigir-se para a igreja que Harry tinha
deixado atrás. Sua forma de falar era amável e refinada, muito suave ao ouvido, e ele tinha
seguido suas indicações porque não imaginava que uma mulher assim pudesse lhe mentir.
Mas ao cabo de dez minutos, começava a pensar que teria que ter seguido seu instinto e
ter continuado em linha reta. Era muito difícil orientar-se naquela maldita névoa. Parecia que
estava seguindo um caminho estreito, um caminho que atravessava uma propriedade privada.
A forma escura que se via ao longe devia ser a abadia que se levantava no coração das quatro
aldeias. Estava pensando se devia dar meia volta ou não quando viu alguém se aproximando.
O cavalheiro duvidou se era um cavalheiro que apesar de sua descuidada indumentária,
levava um casaco negro e andrajoso que ondeava ao vento. O cabelo lhe escasseava nas
têmporas, não levava chapéu, apesar do mau tempo, e uns óculos com arreios dourados se
sustentavam precariamente sobre seu nariz.
—Bom dia, senhor - o chamou Harry.
—Pode me conceder um minuto de seu tempo?
—É obvio senhor - respondeu o pai do Beatrice.
—Muito poucas vezes temos forasteiros na aldeia. Perdeu-se? As poucas visitas que
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que pudesse prescindir dela. Cuida-me muito bem, e é uma excelente companhia.
—Terá que assegurar-se de que seus pretendentes sejam tão ricos como o rei Midas -
sugeriu Harry com um ar de inocência. Estava se divertindo muito. De fato, não recordava
haver-se divertido nunca tanto. De verdade tinha acreditado que Northamptonshire seria
aborrecido? Até agora estava demonstrando ser incrivelmente entretido.
—Por que diz isso? —perguntou o senhor Roade, olhando-o com repentina atenção.
—Porque assim seu genro teria uma casa o suficientemente grande para acomodar à
senhorita Roade e a qualquer outro membro de sua família que queria levar com ela.
O senhor Roade pareceu surpreso.
—O que preciso é alguém que estivesse disposto a me deixar provar meus experimentos
para um sistema de calefação.
—Um sistema de calefação? —repetiu Harry, elevando as sobrancelhas.
—Que ideia tão estupenda! Seria muito útil nas casas antigas... Se o experimento
funcionasse.
O pai do Beatrice lhe sorriu.
—Exato. Faria a vida muito mais cômoda. Tive alguns problemas com o
superaquecimento, sabe? Mas não demorarei em solucioná-los. Suponho que não terá você
uma casa velha com correntes de ar, verdade?
Harry pôs-se a rir.
—Meu prezado senhor Roade. Em realidade, tenho muitas casas assim...
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de suplicar a Olivia que reconsiderasse sua postura, mas agora me pergunto se seria melhor
não fazê-lo. É óbvio que sua família está louca... Ou possivelmente tenha tomado um mal
vinho e isto seja um pesadelo da que despertarei com uma horrível enxaqueca.
Beatrice o olhou fixamente. Se houvesse tentando congraçar-se com ela, teria pensado
que era um enganador. Agora se sentia dividida entre a irritação e o regozijo, e lhe custava
reprimir um sorriso.
—Certamente, trataram-no que uma maneira muito cruel, senhor - disse com suavidade.
—Asseguro-lhe que não bebeu vinho mau, ao menos que eu saiba. Meu pai se pode
permitir tão pouco vinho que só compra o melhor. Além disso, você mesmo há dito que
ninguém lhe ofereceu uma taça. E quanto a que todos estamos loucos nesta casa... Bom, isso
deve decidi-lo você. Irei em seguida pegar um pouco de xerez, pão e queijo. Não posso lhe
oferecer mais até o jantar, a menos que goste de confeito de amêndoas e vinho de framboesas
que faz minha tia.
Ao ver a expressão de asco não pôde conter uma gargalhada.
—Fique a vontade, lorde Ravensden. Não deixarei que passe fome por muito mais tempo.
Deixou-o atrás dela e voltou para a cozinha. Nan fazia pão aquela mesma manhã, e
também havia queijo curtido e um xerez decente. Por graves que fossem suas carências,
Beatrice nunca permitia que seu pai ficasse sem seu xerez. Também tinham algumas caixas de
um bom vinho de mesa na adega, que tinha sido comprado em tempos melhores e que se servia
nas raras ocasiões que tinham convidados para jantar, mas não estava disposta a abrir uma
garrafa para lorde Ravensden. De maneira nenhuma! Teria que conformar-se com um pouco
de xerez e cerveja, pão e queijo... E logo poderia voltar para Londres, de onde não deveria ter
saído.
—Ah, aqui está - disse Nan, descendo pelas escadas justo quando Beatrice saía da
cozinha com a bandeja.
—OH, querida, teria que me haver ocupado disso... Esqueci-me. Estava acima, tentando
convencer a sua irmã para que descesse.
—Por favor, leva isto ao salão - lhe pediu Beatrice.
—O fogo deve ter acendido já e lorde Ravensden poderá comer tranquilo. Subirei ao
quarto da Olivia e verei se quer sair por mim.
—Diz que não sairá de seu quarto até que ele parta.
—E ele diz que não partirá até que a tenha visto.
Nan sacudiu a cabeça com gesto reprovatório ante uma obstinação semelhante e tomou a
bandeja de mãos do Beatrice, quem correu escada acima para bater na porta de sua irmã.
—Olivia, carinho, me deixe entrar, por favor.
—Partiu?
—Está no salão, tomando pão com queijo. Quer lhe pedir desculpas.
—Não quero saber nada dele. Peça-lhe que parta.
—Não partirá até que o tenha visto. É o homem mais maçante que tenha conhecido em
minha vida. Não estranho que tenha se negado a casar com ele. Pensaria muito mal de você se
o fizesse...
Ouviu-se um som que podia ser uma gargalhada ou um soluço, e então Olivia abriu a
porta. Estava pálida e tensa, mas não parecia que estivesse chorando. Olhou tristemente a sua
irmã.
—Lorde Ravensden fará acreditar em papai que ainda vamos casar-nos. Ele o convidou a
ficar... E ficará. Sei que ficará! Acredite-me, Beatrice, não quererá ir-se daqui. Tem um senso
de humor muito particular. Toda esta situação lhe parece muito divertida... Estava rindo
quando papai o trouxe para casa.
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—Não estava rindo quando o deixei no salão. Não se preocupe Olivia. Não acredito que
fique muito tempo. Um homem como ele não pode encontrar-se cômodo nesta casa.
—Sim, tem razão - corroborou Olivia, a quem seu próprio quarto, onde o fogo não tinha
sido aceso, tampouco lhe parecia muito acolhedor.
—De verdade tenho que vê-lo, Beatrice?
—Acredito que ao menos deve escutá-lo. Quer lhe pedir perdão e que você reconsidere...
—Não quero me casar com ele.
—Nenhuma mulher sensata iria querer casar-se com ele - disse Beatrice.
—. Embora seja possível que não dissesse todas as coisas que chegaram a seus ouvidos...
Mas não tem nada que temer, carinho. Se depois de havê-lo escutado seguir sem querer casar
com ele, apoiar-te-ei em sua decisão. Poderá ficar esta noite, se insistir, mas amanhã terá que
partir.
—E não tentará me convencer para que me case com ele?
—Isso foi o que fez lorde Burton? —perguntou-lhe. Olivia assentiu, e Beatrice sentiu
uma profunda aversão para o pai adotivo de sua irmã por seu absurdo.
—Esse comportamento esteve muito mal por sua parte, mas eu não farei o mesmo. Lave
o rosto e se arrume um pouco. Logo baixaremos juntas para enfrentarmos ao leão. Quanto
antes lhe deixemos as coisas claras, antes partirá daqui.
—Sim - respondeu Olivia. Parecia ligeiramente envergonhada.
—Eu não gosto de nada ver como ria com papai. Era como se estivesse se divertindo a
minha custa... Embora seguro que estavam falando de outra coisa.
—Com certeza que sim - afirmou Beatrice.
—Papai jamais riria de você, carinho... E acredito que tampouco o faria lorde
Ravensden, por mais provocador que seja.
Sorriu a sua irmã e foi arrumar-se ela também.
Abaixo, no salão, Harry tinha convencido à senhora Willow para que ficasse a tomar
uma taça de xerez com ele.
—Desculpe-me - disse Nan quando ele começou a comer com avidez, demonstrando que
estava realmente faminto.
—Deveria lhe haver dado comida e vinho, mas fiquei tão horrorizada com o ridículo
comportamento da Olivia que me esqueci por completo.
—Rogo-lhe que não se desculpe senhora — disse Harry.
—Deveria ter parado em uma estalagem para tomar o café da manhã, mas tinha pressa
por chegar a esta casa. Tudo isto não foi mais que um desafortunado mal-entendido.
—Estou segura disso - replicou Nan, são—lhe rendamos—um mal-entendido provocado
por uma língua viperina.
—Por mais de uma, temo — admitiu Harry.
—E também foi minha culpa, já que estava fora da cidade quando começaram os
rumores. Se estivesse em Londres, tudo isto poderia haver-se evitado...
—Sabia que não podia ser o que Olivia pensava - disse Nan, olhando-o com aprovação.
Em sua opinião, era um homem encantador, que se comportava como era de esperar em um
cavalheiro ao apresentar-se ali imediatamente para esclarecer coisas. Olivia seria uma estúpida
se desperdiçava a oportunidade que lhe oferecia.
—E estou convencida de que minha sobrinha recuperará o sentido comum quando falar
você com ela... —interrompeu-se para ouvir as vozes procedentes do vestíbulo, que
anunciavam a chegada do Beatrice e Olivia.
— Agora devo deixá-lo, senhor. Tenho muito trabalho.
Levantou-se ao mesmo tempo em que suas sobrinhas entravam no salão, com os braços
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Capítulo 4
Harry ouviu como o colchão rangia sinistramente sob seu peso quando deu a volta. A
maldita cama se afundava pelo meio! Nunca tinha estado tão incômodo em toda sua vida. Se
aquilo era outro ardil da senhorita para livrar-se dele...
Soltou um gemido ao sentir a dor nos membros. Não só era a cama. Sentia-se doente e
destemperado, e a cabeça não parava de dar voltas.
—Terá que estar louco para vir a um lugar como este...
Entretanto, depois de ter visto a pobreza em que vivia a família Roade, sabia que sua
consciência nunca lhe permitiria abandonar a Olivia a seu destino. Tinha que convencê-la
para que se casasse com ele, e se não conseguisse...
Era um assunto muito espinhoso, agravado ainda mais pelo insofrível orgulho das irmãs
Roade.
Mas ele tinha sido o causador de tudo, e cabia a ele resolvê-lo. Não sabia por que o olhar
acusatório da senhorita Roade o atormentava tanto, mas não podia tirar sua imagem da
cabeça.
—Saia fora, mulher - murmurou febrilmente.
—Por que não me deixa em paz?
Teria que pensar em algo para que nem Olivia nem sua família sofressem por sua falta
de atenção. Se ao menos a cama ficasse quieta o tempo suficiente para pensar com coerência!
Voltou a gemer, procurando sem êxito uma postura cômoda na cama.
Estava doente e devia pedir ajuda. Tentou levantar-se da cama, mas era um esforço
muito grande para sua cabeça e voltou a afundar-se no travesseiro com outro gemido.
No quarto contiguo, Beatrice ouviu o gemido e franziu o cenho. Não havia necessidade
de fazer tanto ruído. A cama era um pouco incômoda, certo, mas ele mesmo o tinha procurado.
Se não tivesse sido tão insensível...
«Qualquer um pode falar sem pensar», disse-lhe uma voz interior.
Beatrice se tinha dado conta muito cedo que lorde Ravensden não era o monstro que
imaginou ao ler a carta de sua irmã.
Tinha sido desconsiderado e inclusive um pouco cruel, certo, mas possivelmente não
tinha sido sua intenção. E seu desejo de arrumar as coisas parecia sincero.
Olivia tinha se mantido inflexível em seu rechaço, mas só tinham passado uns dias desde
que lorde Burton a despejou. Como se sentiria quando começasse a sentir falta das suas
amizades e dos bailes?
Estava tentando ser muito valente, mas Beatrice acreditava que quando estava sozinha
chorava. Era lógico. Não podia ser de outro modo.
Ouviram-se mais gemidos. Beatrice franziu o cenho e colocou o travesseiro sobre o rosto.
Aquele homem era impossível! Acaso não tinha a menor consideração pelos outros? Era uma
casa pequena e os dormitórios estavam pegos uns aos outros. Se seguisse queixando daquela
maneira, não a deixaria dormir em toda a noite.
Sua única esperança era que uma só noite no quarto de convidados garantisse sua
marcha à manhã seguinte.
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—Febre? Quer dizer que está doente? —perguntou Beatrice, golpeada por sua
consciência. Se seu convidado estava doente, ela era a responsável. Tinha-lhe feito dar um
comprido rodeio pela névoa, logo o tinham deixado sozinho no salão gelado... E depois o
tinham acomodado em uma quarto que não se usava fazia anos. Lily tinha acendido o fogo e
tinha esquentado o colchão, naturalmente, mas o quarto não tinha sido o suficientemente
ventilado.
— Vou em seguida.
Colocou um peignoir sobre a camisola, saiu correndo ao corredor e entrou no quarto de
convidados sem bater na porta. Bastou-lhe um olhar ao rosto aceso de lorde Ravensden para
comprovar que Nan tinha razão. Estava doente. Muito doente, a julgar pelo modo como se
removia na cama.
Aproximou-se dele e lhe pôs uma mão na frente.
—Pobre... —disse, ao sentir a pele úmida e ardente.
—Que miserável sou por lhe haver deixado sofrer—olhou a Nan com remorso.
—O ouvi queixar-se durante toda a noite e pensei que era por culpa da cama. Tem que
mandar ao Bellows a que avise imediatamente ao doutor Pettifer.
—Sim, fá-lo-ei em seguida.
Nan saiu correndo da quarto e Beatrice olhou ao homem agonizante. Era impensável que
partisse naquele estado. Teria que ficar durante vários dias, e ela estava obrigada a cuidá-lo
enquanto estivesse doente.
—É impossível - lhe disse com a voz reprovadora, mas zombadora que teria empregado
se seu querido pai tivesse estado doente.
—Se não estivesse tão segura de que está doente, pensaria que o tem feito a propósito.
—Não chore mamãe - murmurou ele, agitando-se sobre os travesseiros.
—A pobre Lillibeth se foi... Ainda me tem. Foi-se ao Céu com os anjos... Teria que ter
sido eu! O pequeno anjinho... Foi-se para estar com... —uma convulsão o estremeceu e se
aferrou ao braço do Beatrice.
— Teria que ter sido eu. Ouve-me?
Era óbvio que estava delirando. Beatrice lhe apartou o cabelo escuro da testa. Estava
ardendo!
—Sim, claro que lhe ouço, maldito estúpido. Teria que ter sido você se tão seguro estiver
disso - lhe disse em um tom tranquilo, perguntando-se quem seria Lillibeth.
—Agora descansa meu prezado senhor, ou não demorará muito em se reunir com os
anjos.
Ele pareceu relaxar ao ouvir o tom autoritário.
—Sim, Merry. O que você diga, como sempre...
Beatrice foi procurar uma toalha e uma bacia de água fresca. Empapou a toalha e voltou
junto à cama para lhe molhar o rosto e o pescoço. Ao apartar as mantas viu que não levava
roupa de dormir.
Devia estar completamente nu sob os lençóis! Deu um salto para trás, horrorizada.
Nunca tinha visto um homem nu.
Os pensamentos de Beatrice se desataram enquanto tentava assimilar a situação. O que
estava fazendo a sós com lorde Ravensden no quarto de hóspedes? Tinha que estar
completamente louca! Não deveria estar ali, mas quem mais poderia ocupar-se dele? Não
podia confiar em Lily, e sua tia tinha muito que fazer.
Não havia mais remédio. Não podia dar as costas a um convidado tão necessitado de
ajuda, e menos quando se sentia em parte responsável por sua enfermidade. Além disso, não
havia perigo de que pudesse violá-la naqueles momentos.
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—Sinto-o muito, Lillibeth - o grito rouco do Ravensden sobressaltou Beatrice, que tinha
estado dormitando junto ao fogo.
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ver que seria muito mais feliz casando-se com aquele homem que vivendo em uma casa onde
sempre faltariam o dinheiro e os luxos.
Qualquer mulher sensata se daria conta, e Olivia não era nenhuma estúpida, apesar de
suas ideias românticas.
Lorde Ravensden podia ser um homem irritante e teimoso, mas não era nenhum
monstro. Se lhe dava a oportunidade, poderia ser um bom marido.
Beatrice olhou outra vez a seu paciente. Estava dormindo placidamente, e parecia que o
pior tinha passado. Sua recuperação era compassada, embora tenha que lhe dar tempo para que
descansasse. Não podia jogá-lo até que estivesse preparado para partir.
A febre tinha remetido por fim. Agora poderia descansar tranquilo... E nunca saberia
que tinha sido ela a que o tinha cuidado.
Beatrice partiu ao quarto que agora compartilhava com sua irmã. Pela manhã, Lily
poderia levar um caldo quente a lorde Ravensden.
O ruído lhe fez abrir os olhos. O olhar do Harry se posou na chaminé. Uma donzela
estava jogando lenha ao fogo. Sentiu uma pontada de irritação ao pensar que o tinha
despertado. Nem sequer tinha amanhecido de todo. O que estava fazendo aquela moça em seu
quarto? Beckett, seu criado, sempre tinha muito cuidado para não despertá-lo se tinha
tresnoitado... E a julgar pelas palpitações nas têmporas devia haver-se deitado muito tarde!
Voltou a fechar os olhos contra a dor e os abriu de novo quando sentiu que a garota se
aproximava.
—Onde está Beckett? —perguntou com irritação. Quem tinha contratado a aquela
garota que não parecia conhecer suas obrigações?
Nem sequer podia entrar em seu dormitório. Como tinha podido permitir-lhe sua ama de
chaves?
—Maldita seja, menina, o que faz aqui?
—A senhora disse que tinha que avivar o fogo e lhe trazer um caldo se estava acordado.
—A senhora? —repetiu ele. Não havia nenhuma senhora em sua casa!
Onde demônio estava? Tentou recordar, apesar das dolorosas palpitações. A noite
anterior devia ter bebido mais da conta. Santo Deus! Aquele não era seu quarto. Nunca a
tinha visto antes. Tentou incorporar-se na cama, mas soltou um gemido de dor e voltou a
afundar-se no travesseiro.
—Não tenho forças, demônios!
—Esteve doente, senhor. Durante mais de três dias.
—Doente, diz? —perguntou ele, olhando-a com desconcerto.
Tentou ordenar seus pensamentos. Umas vagas lembranças começavam a filtrar-se em
sua mente. Pareceu que recordava algo. Umas mãos suaves banhando-o e aliviando a terrível
dor das costas... Uma voz reprimindo-o, mas em tom amável e suave, com uma pontada de
humor, inclusive, como se quem falasse estivesse obrigando-o a responder para sair da
enfermidade. Devia ser a voz de lady Dawlish. Nenhuma outra mulher faria algo tão íntimo
por ele.
—Avisa a lady Dawlish —disse à moça.
—Diga-lhe que venha para ver-me o antes possível.
A garota o olhou boquiaberta, como se não o entendesse. O que acontecia com aquela
criada? Merry não estava acostumado a contratar a jovens bobalhonas.
—Quem, senhor?
—Como que quem? Sua ama, quem se não? —espetou Harry com o cenho franzido.
—Quero falar com ela e lhe agradecer por ter cuidado de mim.
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aroma, e aquele tom reprovatório... Era a mesma mulher que o tinha cuidado com tanta
atenção.
—Tenho que lhe agradecer por me salvar a vida - se tivesse caído doente em alguma
estalagem já estaria morto. Só a dedicação e a habilidade daquela mulher o tinham salvado.
—Não, não tem que me agradecer nada — insistiu Beatrice.
—Foi minha tia que o atendeu, senhor. Tenho muito trabalho para estar velando a um
doente... E agora tenho que partir.
—Não se vá - pediu Harry, lhe sujeitando o pulso com uma força surpreendente para
um homem tão fraco.
—Por favor, fique um pouco mais. Juro-lhe que não corre perigo comigo. Sou tão
inofensivo como um cordeiro recém-nascido.
—Lily lhe trará o caldo - disse Beatrice. Duvidou um momento, mas sabia que não podia
ceder a seus rogos, Qualquer intimidade entre eles devia desaparecer imediatamente.
—Ou se o preferir, pode atendê-lo minha tia, embora tenha muito que fazer e não pode
perder tempo. Não temos muito pessoal na casa, meu lorde.
—Estou acostumado a ter só um criado - disse Harry.
—Não pode me atender o criado de seu pai?
—Bellows não está acostumado a servir aos convidados - disse Beatrice enrugando a
testa.
— Mas se você o preferir...
—Faça-o vir... A menos que queira me dar de comer e me barbear você mesma.
O brilho de seus olhos inquietou Beatrice, e o roçar de sua mão lhe provocou um
estremecimento ardente por todo o corpo, como se lhe tivesse irradiado sua febre.
—Acredito que Bellows poderá arrumar as coisas, pensando que mereceria se Bellows
lhe cortasse ao barbeá-lo. O avisarei em seguida.
—Obrigado, é muito amável - respondeu ele com um sorriso malicioso.
—E faça o favor de lhe transmitir meu agradecimento a sua tia, senhorita Roade. Diga-
lhe que nunca me tinham tratado com tanta amabilidade e que lhe agradeço muito seus
cuidados. Todos seus cuidados - recalcou.
Beatrice sentiu que ficava tinta e girou a cabeça, temerosa de delatar-se a si mesma. Ele
sabia! Estava burlando dela. Era muito cortês e sua gratidão era sincera, mas o brilho de seus
olhos a perturbava mais do que podia suportar. Nenhum cavalheiro olhava assim a uma dama
solteira. Ela tinha ultrapassado os limites da decência e tinha que retroceder rapidamente, se
não queria perder para sempre sua reputação e sua tranquilidade mental.
Apartou-se e essa vez ele o permitiu.
—Estarei encantada de transmitir sua mensagem, senhor. Nan se alegrará de que se
sinta melhor esta manhã - franziu o cenho.
—Vejo que ainda não está preparado para retornar a Londres. Por desgraça não estamos
acostumados a alojar a nossos visitantes, mas faremos tudo o que esteja em nossa mão para
que se sinta cômodo... Até que possa partir.
—Vejo que ainda deseja livrar-se de mim - observou Harry. Por que não se deu conta
antes? Ela não podia admitir que tivesse cuidando dele; sua reputação se estragaria se alguém
descobrisse o que tinha feito por ele. E Harry era muito consciente do que tinha feito por ele.
Nesses momentos morria por desafogar-se!
Mas as barreiras convencionais se levantavam entre eles. Não podia lhe mencionar um
tema tão pouco delicado à senhorita Roade.
—Isso não foi muito cortês de sua parte, senhorita Roade. Estou muito fraco para pensar
sequer em partir.
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—Não, claro que não deve pensar em partir - disse Nan, entrando nesse momento com
uma bandeja. Primeiro tem que recuperar-se, tarde o tempo que tarde. Trouxe-lhe um pouco
de caldo, senhor. Quero que tome até a última gota, e não aceitarei um não por resposta.
Beatrice, carinho, seu pai lhe necessita.
—Lorde Ravensden pediu que fosse Bellows quem o atendesse - disse Beatrice,
aproveitando a oportunidade para escapar.
—Embora seguro que aceita tomar a sopa de sua mão, Nan... Depois de tudo o que tem
feito por ele enquanto estava doente. Quanto a mim, já perdi muito tempo aqui...
—Nozes curtidas - murmurou Harry entreabrindo os olhos enquanto o brilho de uma
mulher lhe reprimindo se acendia em sua mente.
—Sim, não quero atrasá-la por mais tempo, senhorita Roade. E com gosto aceitarei que
você me dê a sopa, senhora Willow... Mas preferiria que fosse Bellows quem me barbeasse, se
não lhes parecer muito ingrato por minha parte.
Beatrice os deixou, ouvindo como Nan ria por algo que ele havia dito, e voltou para seu
quarto para acabar de vestir-se. No que tinha estado pensando ao correr ao quarto de lorde
Ravensden vestida com seu peignoir? Ao ouvi-lo Lily tinha temido que voltasse a estar doente,
mas o que podia lhe importar a ela? Lorde Ravensden não era mais que uma moléstia na casa.
Ela tinha cumprido com sua obrigação, mas o pior já tinha passado e agora devia manter as
distâncias até que ele partisse.
Enquanto isso tinha que mandar ao Bellows à granja do Ekins, quem tinha matado um
porco dias antes. A carne de vitela chegaria desde o Northampton, e não lhe importaria
comprar no mercado do Abbot Quincey, embora dificilmente se permitissem uns luxos
semelhantes. Sempre compravam a carne de cordeiro e de porco e as aves de curral nas granjas
vizinhas.
Franziu o cenho ao pensar nos gastos. Primeiro tinha sido a nova cama para Olivia, e
logo a visita do médico, quem tinha tido que visitar seu paciente em três ocasiões. Beatrice não
regulava os gastos médicos, naturalmente, mas teria que procurar outra maneira para
economizar.
Não queria usar os poucos guinés da Olivia se podia evitá-lo, mas já quase tinha gasto
sua atribuição trimestral. Talvez seu pai... Mas ainda ficava por pagar o vinho, e necessitavam
mais carvão para a cozinha e velas para o salão. Era realmente irritante como aquela casa
tragava o dinheiro. Com frequência tinha pensado que estariam melhor em uma casa menor,
mas seu pai jamais poderia abandonar o lar onde tinha sido tão feliz com sua mulher. Teria
que procurar outra solução. Tinha economizado uns quantos xelins para comprar tecido para
um vestido novo no Hammonds, a loja do Abbot Quincey, mas a compra podia esperar.
Arrumar-se-ia com seus vestidos velhos um pouco mais.
Suspirou ao olhar o vestido cinza que vestia aquela manhã. A fazia parecer tão velha e
severa... Mas ainda se podia aproveitar, e talvez pudesse adorná-lo com uma fita.
Uma vez vestida, com o cabelo recolhido na nuca de modo que só uns quantos cachos
rebeldes lhe emoldurassem o rosto, alisou a saia do vestido e baixou as escadas para procurar a
seu pai.
Encontrou-o em seu estudo, trabalhando, e não parecia necessitá-la para nada.
Entretanto, levantou o olhar ao ouvi-la entrar e lhe perguntou por seu convidado.
—Como está Ravensden, carinho? Seguro que se encontra melhor. Do contrário não
estaria aqui.
—Já aconteceu o pior, papai, mas ainda não pode partir.
—Não, não, isso seria impensável - disse o senhor Roade.
—Além disso, eu gosto desse homem, Beatrice. Tem uma mente prodigiosa. Acredito que
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Capítulo 5
—Onde está Bellows? —perguntou Beatrice a sua tia quando entrou na cozinha à
manhã seguinte.
—Tem que trazer mais troncos para a chaminé do salão. Olivia está remendando um
lençol... E faz frio. Não podemos permitir que fique doente.
Nan levantou o olhar de sua tarefa.
—Bellows estava antes com sua senhoria, e logo saiu a fazer um recado. Acredito que
levou o cavalo de lorde Ravensden.
—Céus! —exclamou Beatrice, sobressaltada.
—Espero que lhe tenha pedido permissão.
—Suponho que sua senhoria queria que fizesse algo por ele - disse Nan.
—Se dão muito bem. Bellows diz que é como nos velhos tempos. Pelo visto já tinha
barbeado antes a cavalheiros. Só começou a fazer tarefas no exterior desde que Bertram perdeu
quase todo seu dinheiro.
—Sim, suponho - repôs Beatrice, franzindo o cenho. Houve um tempo no que as coisas
eram muito mais fáceis. Antes que sua mãe morresse e com ela a renda que recebia de sua
família. Antes que o seu pai se equivocasse com seus desastrosos investimentos.
—Lorde Ravensden ainda não pode barbear-se ele mesmo? Ainda está débil? Já sei que é
muito chato, mas não parece dar-se conta do muito que dependemos do Bellows. É muito
desconsiderado por sua parte enviá-lo a um recado. Mas o que se pode esperar de um homem
assim?
—Suponho que estará acostumado a que seus criados o barbeiem e a que cumpram todos
seus recados - disse Nan, olhando-a pensativamente. Não era normal Beatrice estar tão
irritada.
—Pedirei a Ida que traga os troncos. É perfeitamente capaz de fazê-lo.
—Sim, certamente - corroborou Beatrice com um suspiro.
—Só me estava fazendo uma pergunta.
—Por que não sobe a falar com sua senhoria uns minutos? —sugeriu-lhe Nan.
—Antes perguntou por você, querida.
—Estou muito ocupada. Temos convidados para jantar na quinta-feira de noite, Nan.
Você esqueceu? Tenho muito que cozinhar.
—Isso é amanhã - replicou Nan, arqueando as sobrancelhas.
—De verdade tem que preparar algo hoje, carinho?
—Suponho que não... Mas não devo visitar o Ravensden em seu dormitório - disse
Beatrice, sem olhar a sua tia aos olhos.
—Estranho que tenha sugerido tal coisa.
—Ah... —Nan sorriu ao ver a frustração de sua sobrinha.
—Não, claro que não. Seria um comportamento totalmente impudico e impróprio de
você, sobretudo quando apenas se aproximou de sua senhoria enquanto estava doente...
—Não burle de mim, por favor - protestou Beatrice, rindo a seu pesar.
—Tinha que lhe mentir, Nan. Imagina o que teria pensado se soubesse que fui eu quem...
Bom, acredito que é melhor que não suba. Papai disse que estava muito animado quando o viu.
—Como queira, querida. Lorde Ravensden disse que talvez se levantasse hoje e baixasse
mais tarde...
—Ele é muito estúpido! Ainda não está recuperado de tudo.
—Disse-lhe que devia ficar outro dia mais, ao menos, mas disse que... —Nan sacudiu a
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cabeça. Não era conveniente repetir as palavras exatas de lorde Ravensden. Estava ali para
convencer a sua sobrinha caçula para que se casasse com ele, não para seduzir a mais velha.
—Disse que não queria ficar na cama e que se sentia muito melhor.
—Bom, vou arrumar nossos quartos - disse Beatrice.
—Lily pode ocupar-se mais tarde do quarto de lorde Ravensden...
Agarrou o espanador e a cera com aroma de lavanda, feita a partir de cera de abelha e
lavanda que tinha cultivado ela mesma para extrair o azeite, e saiu da cozinha. Era realmente
frustrante, pensou enquanto dava brilho à cômoda de seu pai. As convenções sociais eram
ridículas. Só porque não estava casada não podia entrar no dormitório de lorde Ravensden
como fazia seu pai cada vez que queria. Como se corresse o perigo de que a seduzisse! Nem
sequer gostava de lorde Ravensden. Se não pensasse que seria um bom marido para sua irmã,
não lhe teria dedicado nem um só momento, estivesse doente ou não.
Tinha chegado a casa na sexta-feira um de novembro. Cinco dias tinham passado após.
Só cinco dias? Por que importava a ela que fosse o bastante estúpido para estar pensando em
levantar-se tão logo da cama?
Não lhe importava absolutamente! Por que devia lhe preocupar o que fizesse aquele
homem? Entretanto, tinha estado muito doente durante os três primeiros dias e ela não podia
evitar perguntar-se se estava melhor agora. Não havia dúvida de que o muito cabeçudo se
levantaria da cama antes do devido e voltaria a cair doente a propósito!
Saiu do dormitório de seu pai e se deteve no corredor para limpar o pó de uma mesa.
Estava tão sumida em seus pensamentos que não ouviu o homem que caminhava para ela pelo
patamar. Suas botas não faziam o menor ruído no velho e puído tapete, e não se precaveu de
sua presença até que o teve quase em cima.
—Realmente está ocupada, verdade? — disse Harry, lhe fazendo dar um salto.
—Pensei que a senhora Willow não me dizia a verdade quando lhe perguntei por que
não vinha a me visitar... Mas parece que a julguei mal.
—Lorde Ravensden! —exclamou Beatrice, com o coração desbocado... De medo,
naturalmente; de nada mais. O miserável lhe tinha dado um susto de morte.
—O que faz levantado tão cedo? Ainda não se recuperou de todo. Deveria estar
descansando, senhor.
—Se você não vier para ver-me, terei que vir a vê-la eu - repôs Harry.
—Sinto-me muito melhor e, além disso, não podia ficar deitado por mais tempo, sabendo
os problemas que estou criando.
—Não diga tolices - o repreendeu Beatrice.
—Não lhe estive cuidando para que se arrisque desta maneira tão estúpida e... —
interrompeu-se bruscamente, furiosa consigo mesma por haver-se delatado.
—Minha tia, queria dizer. Foi Nan quem o cuidou.
—Certamente - respondeu ele com um brilho nos olhos.
—Seria toda uma indecência que me cuidasse você, senhorita Roade. E como tampouco
agora quer aproximar-se de mim, tenho que admitir que é você uma jovem muito decente.
—Não tão jovem senhor. Tenho vinte e três anos. Não sou uma cria novata que faça algo
tão estúpido como...
—Como banhar a um homem nu? — sugeriu Harry com um pequeno sorriso.
—Ou lhe massagear as costas doloridas?
—Jamais faria algo assim - mentiu Beatrice, sentindo como lhe ardiam as bochechas.
—Deve ter sonhado em seu delírio, senhor.
—Sim, devo ter sonhado — admitiu ele.
—Desculpe-me, senhorita. Temo que não tenho sentido do ridículo. É um defeito muito
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grave em mim. Minha mãe sempre me dizia isso, e Merry sempre me está repreendendo por
meu caráter frívolo e despreocupado.
—Quem é Merry? —perguntou Beatrice, incapaz de refrear sua curiosidade.
—A esteve chamando frequentemente...
—Sério? Perguntou-me por que - disse Harry com o cenho franzido.
—É a mulher de lorde Dawlish. Percy Dawlish. É meu melhor amigo, e Merry sempre
me recebeu calorosamente em sua casa. Devia pensar que era ela quem me estava atendendo
tão amavelmente.
—Entendo - disse Beatrice com um sorriso, sentindo-se estranhamente plácida com sua
explicação.
—Minha tia me disse que tinha pronunciado o nome do Merry várias vezes.
—Sim, é obvio sua tia. Uma mulher extraordinária, a senhora Willow... Em muitos
aspectos - franziu o cenho ao ver como levantava o espanador.
—Sempre trabalha com tanto afinco, senhorita Roade? Ou só o faz porque alterei sua
rotina?
—Não me importa limpar o pó - respondeu ela.
—Lily se feito cargo de algumas dos trabalhos do Bellows, de modo que eu me ocupo de
fazer seu trabalho esta manhã.
—Entendo... O que desconsiderado fui. Enviei-o ao Northampton esta manhã para que
me fizesse alguns recados. Rogo-lhe que me perdoe. Deveria tê-la consultado antes de lhe
roubar a seu criado.
—Está acostumado a viver rodeado de criados - observou Beatrice.
—E suponho que esta situação doméstica lhe parecerá muito estranha. Peço-lhe
desculpas por não poder lhe oferecer mais luxos e comodidades, lorde Ravensden.
—Não tem que me pedir desculpas por nada - replicou Harry, tomando-a da mão.
Beatrice levava umas luvas velhas de algodão.
—De modo que assim é como se protege a pele. Tem umas mãos muito suaves, senhorita
Roade. Alegro-me de que as cuide. Seria uma lástima que se danificassem por fazer um
trabalho mais próprio de outras pessoas.
—Acostumei a este trabalho - assegurou ela, retirando rapidamente a mão.
—Embora normalmente me ocupe mais da cozinha que da limpeza. Eu gosto de cozinhar
e fazer meus próprios bálsamos e remédios caseiros. Quase todas as camponesas e aldeãs o
fazem, milord.
—Já vejo - disse ele, com um sorriso que a deixou sem respiração.
—E que mais coisas faz quando não está ocupada nas tarefas domésticas?
—Leio... Toco o piano de minha mãe e costuro - respondeu ela.
—Também gosto de sair a passear, quando o tempo o permite.
Ele assentiu, olhando-a fixamente.
—Não monta a cavalo?
—O fazia antes - disse, baixando o olhar por medo de que ele visse muito.
—É muito caro manter um cavalo, lorde Ravensden. Meu pai toma emprestado um
cavalo do senhor Hartwell de vez em quando, e suponho que eu também poderia fazê-lo...
—Ah, sim... O senhor Roade me contou que alguns de seus experimentos haviam
custado uma fortuna.
—Sim - admitiu Beatrice, sem olhá-lo aos olhos.
—Mas não tem que ter pena de nós, milorde. Meu pai e eu estamos muito bem... É na
pobre Olivia em quem deveria estar pensando - disse, lhe cravando um olhar acusatório.
—É ela quem perdeu tudo.
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Era quinta-feira, sete de novembro. Beatrice estava na cozinha quando o moço da granja
Ekins entrou pela porta traseira com uma cesta no braço. Ao ver a expressão de seu rosto,
Beatrice soube que trazia notícias. Ned visitava muitas casas nas quatro aldeias para vender
os produtos da granja de seu pai, e quase sempre tinha alguma fofoca que contar.
—Aqui tem, senhorita Roade - disse, colocando a cesta na mesa.
—Uma perna de porco e dois galos... Para o cavalheiro que se hospeda aqui, suponho.
Minha mãe diz que não tem que lhe pagar. Não quer dinheiro, mas gostaria de um pouco de
sua rabanada especial quando tiver tempo para fazê-la e um par de jarras de suas amêndoas
curtidas. A meu pai gosta muito - acrescentou com um sorriso.
—Sua senhoria, o noivo da senhorita Olivia, ou isso dizem... E ela também aqui... Tem a
casa abarrotada, senhorita Roade.
—Bom, quanto a que lorde Ravensden seja o noivo de minha irmã, não estamos seguros
de que vão comprometer se. Ainda não há nada decidido - disse Beatrice, lhe oferecendo um
prato de pães-doces que tinha cozido antes.
—Tem alguma notícia para mim, Ned?
O menino se sentou no bordo da mesa e deu uma dentada ao pão-doce. Os pães-doces da
senhorita Roade eram os melhores nas quatro aldeias, e ela era sempre generosa.
—Bom... É curioso que me pergunte isso - disse com um brilho nos olhos.
—Fui à casa do vigário. A senhora Hartwell queria alguns ovos e um pouco de beicon,
mas quando cheguei ela estava no salão, e nossa Mary me disse que... —deteve-se para causar
efeito.
—Parece ser que o vigário esteve na abadia esta manhã. Foi ver o marquês, convencido
de que era seu dever lhe fazer ver o impróprio de seu comportamento. Não estranharia que sua
senhoria acabasse ardendo no inferno por seus pecados.
—Tampouco eu estranharia - corroborou Beatrice. Mary era a cozinheira do reverendo
Hartwell.
—O que passou? Foi muito grosseiro o marquês? —perguntou. Sem dúvida o tinha
sido. Era incrível que o reverendo se arriscou a lhe fazer uma visita.
—Nossa Mary disse que foi o próprio marquês quem abriu a porta... Parecia uma fúria e
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preciso ir até o Northampton... À loja que Bellows tinha visitado. Se lorde Ravensden tivesse
demonstrado um pouco de paciência, lhe teria preparado uma comida decente assim que
tivesse conseguido as provisões necessárias.
Encontrou a lorde Ravensden sentado no salão, com um livro de poesia na mão.
Obviamente esteve lendo poemas a Olivia, porque sua irmã se esqueceu de seu trabalho de
costura. Ficou tinta e adotou uma expressão de culpa quando Beatrice agarrou a camisa que
tinha estado remendando para seu pai.
—Lorde Ravensden estava lendo em voz alta... A rima do velho navegante, do Samuel
Taylor Coleridge - disse Olivia, olhando insegura a sua irmã.
—É um de meus favoritos.
—Que encantado - disse Beatrice.
—Olivia, carinho, pode ir acima e pegar meu xale, por favor?
—Sim, é obvio - obedeceu Olivia. Parecia assustada pelo tom de sua irmã, mas se
levantou e saiu imediatamente do salão.
—Lorde Ravensden - começou Beatrice assim que a porta se fechou. Seus olhos
despediam chamas verdes.
—Vejo que não está acostumado a alojar-se em uma casa como esta...
Harry se tinha posto em pé ao vê-la entrar, e a observava com cautela enquanto
assimilava a irritação em sua voz. O que tinha feito agora?
—Desculpe-me, senhorita Roade. De que maneira a ofendi?
—Enviou a meu criado ao Northampton sem meu consentimento, e logo teve a
desfaçatez de encomendar vinho e comida a suas custas. Sou consciente de que não pude lhe
oferecer a classe de hospitalidade a que está acostumado, senhor, mas se tivesse tido um pouco
mais de paciência...
—Perdoe-me a interrompeu Harry em um tom arrependido que desconcertou Beatrice.
—Fui um idiota e a feri em seu orgulho. Minha única intenção era aliviar a carga que
minha visita lhe impõe. Não tenho a menor queixa com a hospitalidade que recebi nesta casa.
Duvido que alguém me tenha devotado nunca tanto...
Beatrice não se deixava apaziguar tão facilmente.
—Pediu uma carruagem com cavalos... Isso significa que tem previsto partir logo?
—Não, temo que ainda não esteja em condições de fazer uma comprida viagem -
respondeu Harry, antes que lhe entrasse um ataque de tosse que lhe durou vários segundos.
—Simplesmente pensei que poderia ser útil ter a meus próprios criados para que se
ocupassem de meus recados. E para que ajudassem também ao Bellows.
—OH... —murmurou Beatrice.
—Entendo. Bom, eu... Suponho que isso seria de ajuda.
—E poderá me perdoar? —perguntou-lhe ele com voz suave e persuasiva.
—Por favor, rogo-lhe que aceite meu pequeno presente, senhorita Roade. Sei que tem
convidados esta noite. Talvez queira lhes oferecer a comida que encarreguei.
—Sim, poderia fazê-lo - respondeu Beatrice, franzindo o cenho.
—É você um homem muito irritante, milord.
—Certamente que sim - admitiu Harry, dando um passo para ela.
—Senhorita Roade... O que fosse dizer morreu em seus lábios quando Olivia voltou com
o xale de sua irmã. Parecia aliviada ao ver que não haviam acabado a golpes.
—Tudo vai bem, Beatrice?
—Sim... Sim é obvio - Beatrice pôs-se a rir, perguntando-se por que se zangou tanto.
—Tudo foi um mal-entendido - duvidou um momento.
—Temos visita esta noite, como já sabe. Antes que cheguem, acredito que devo lhe
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brilhavam de malícia.
—Tem você um senso de humor muito perverso, senhor. Por que anima a Olivia nesta
tolice?
—Como pode estar segura de que é uma tolice? —perguntou Olivia.
—Você mesma ouviu o grito... E logo viu como o marquês se afastava a galope.
—Sim - admitiu Beatrice, franzindo o sobrecenho. Olivia estava muito mais animada do
que tinha estado nos últimos dias, e tinha a imaginação desatada pelo misterioso
desaparecimento da jovem lady Sywell.
—Não sei o que ocorreu. Ninguém sabe. Acredito que deveríamos esperar e ouvir o que o
reverendo Hartwell tenha que dizer esta noite.
—Boa ideia - aprovou Harry.
—Estou impaciente por escutá-lo.
—Está seguro de que se encontra o bastante bem para nos acompanhar esta noite? —
perguntou-lhe Beatrice com preocupação fingida.
—Essa tosse não me gostou de nada, milord... Talvez devesse ir-se à cama e que Bellows
lhe esfregue o peito com graxa de ganso.
—Não, nada disso—rechaçou Harry, e tossiu um par de vezes.
—Tomarei um pouco desse brandy tão delicioso que Bellows pediu para... Para nós.
Estarei bem para o jantar.
Beatrice lhe cravou um olhar que teria fulminado a qualquer homem mais débil.
—Por favor, siga com o que estava fazendo antes que lhe interrompesse— lhe pediu.
— Não tenho tempo que perder. Há um jantar que preparar.
O sorriso de Harry a fez dar rapidamente a volta para partir. O que pretendia com um
olhar assim? Estava ali para convencer a Olivia para que se casasse com ele... Não para fazer
que o coração de sua irmã solteira se desbocasse.
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Capítulo 6
Beatrice se olhou no espelho enquanto se preparava para o jantar. Seu único vestido de
noite estava desgastado e passado de moda. Tinha-o adornado com uma bandagem nova e o
tinha debruado com fitas verdes, mas o resultado não melhorava muito.
Olivia a olhou e franziu o cenho.
—Eu tenho mais vestidos dos que necessito Beatrice - lhe disse.
—Talvez pudesse retocar algum deles para que lhe assente bem.
—Duvido muito - respondeu Beatrice, tornando a rir.
—Você parece uma sílfide, carinho, e eu estou, como se diz, bem formada. Não se sinta
incômoda por ter bonitos vestidos. É possível que tenham que durar muito tempo.
—Sim, sei - repôs Olivia com um sorriso.
—Não me importa. Mas eu gostaria de compartilhar com você os que tenho.
—Seria muito difícil arrumá-los. Além disso, quero comprar um pouco de tecido e me
fazer um vestido novo para Natal.
—OH, bom - Olivia suspirou.
—Suponho que nenhuma das duas precisará de vestidos elegantes no futuro.
—Sente-se desgraçada, carinho? —perguntou-lhe Beatrice, olhando-a com preocupação.
—. Já sei que sente falta das suas amizades... Mas nas aldeias há algumas jovens às que
poderia conhecer. Lady Sophia, Annabel Lett, que é viúva e tem uma filha pequena adorável, e
a senhorita Robina Perceval. É a sobrinha do vigário do Abbot Quincey e é uma jovem muito
amável e generosa. Às vezes visita nossa aldeia e paramos para conversar quando nos
encontramos na rua. A próxima vez que a veja a convidarei a tomar o chá conosco.
—Estou segura de que não demorarei a fazer amigas - disse Olivia com uma ligeira
expressão de nostalgia.
—Não tem que preocupar-se por mim, Beatrice - sorriu e entrelaçou o braço com o de
sua irmã.
—Deveríamos descer. Nossos convidados chegarão de um momento a outro.
—Não consegui entender o que ocorreu ao senhor Hartwell para ir visitar o marquês -
disse sua esposa durante o jantar.
—Todo mundo sabe quão horrível é esse homem...
O reverendo jogou um olhar de recriminação.
—Sentia que era meu dever fazer o esforço, querida. Sywell tem que fazer as pazes com
Deus antes que seja muito tarde. E é minha obrigação como pastor cristão procurar que assim
seja.
—Muito certo - asseverou Harry.
—Diga-me, meu prezado senhor, espera que o marquês faleça logo?
Beatrice o olhou fugazmente e desviou o olhar para sua amiga, mademoiselle do
Champlain.
—Diga-me Ghislaine, como vão as coisas na escola da senhora Guarding? Tem alguma
aluna nova?
Ghislaine era uma simpática mulher que se aproximava dos trinta anos. Seu aspecto era
atrativo, embora não formoso salvo seus preciosos olhos escuros.
—Vem e vão como já sabe Beatrice — respondeu.
—Se esperam algumas jovens depois de Natal, por isso necessitaremos a uma professora
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—Bom - disse Olivia quando ficaram os três a sós no salão. Seus convidados partiram
depois de tomar o chá, e o senhor Roade e Nan também se retiraram.
—Acredito que o assunto está claro... Faz muito que ninguém viu a Lady Sywell. Seu
marido a reteve contra sua vontade e finalmente a matou. E esta é sua maneira de fingir ante
outros e fazer acreditar que o abandonou.
—Está caso que foi a ela a quem Beatrice ouviu gritar quando cruzava as terras da
abadia - disse Harry, assentindo com ar pensativo. Não pareceu dar-se conta de que se referiu
a Beatrice por seu nome de batismo, e não ia ser ela quem o censuraria.
—Mas pensa nisto... Faz meses que ninguém viu à marquesa, e Beatrice ouviu o grito
faz umas semanas, tão somente. É possível que lady Sywell fugisse pouco depois das bodas.
—Nesse caso, alguém a teria visto — disse Olivia.
—Além disso, tenho um pressentimento... — estremeceu-se e adotou uma expressão
grave. Nem sequer a grande atriz Sarah Siddons teria sido mais convincente no cenário.
—Estou convencida de que o marquês do Sywell assassinou a sua esposa e enterrou seu
corpo em alguma parte.
Beatrice franziu o cenho, recordando a noite em que viu o marquês. Tinha-lhe parecido
que estava possuído, montando em seu cavalo como se o diabo lhe pisasse nos calcanhares. O
que dizia Olivia era possível. Esse homem era um selvagem que não se preocupava com nada
nem com ninguém.
—Embora tivesse razão, não vejo como poderia demonstrar-se.
—Temos que encontrar sua tumba - replicou Olivia com um brilho de determinação nos
olhos.
—Deve estar enterrada perto da abadia.
—Ou na capela em ruínas - sugeriu Harry, e recebeu imediatamente um olhar
reprovatório das duas irmãs.
—Desculpem-me. Seguro que tem razão, Olivia.
—Não podemos procurar a tumba - objetou Beatrice.
—As terras da abadia são propriedade privada.
—Isso não impediu que as atravessasse - lhe recordou maliciosamente Harry, mas em
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Por que lhe custava tanto dormir?, perguntou-se Beatrice enquanto dava a volta no
travesseiro. Olivia estava dormindo, mas deixou escapar um fraco gemido quando sua irmã se
moveu.
Não podia despertar a Olivia, de modo que se levantou da cama sem fazer ruído e
colocou o peignoir para sair da quarto. Normalmente não tinha problemas para dormir, mas
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aquela situação distava muito de ser normal. A chegada de lorde Ravensden tinha
revolucionado a rotina doméstica, e Beatrice se perguntava se tudo voltaria a ser igual alguma
vez.
E logo estava ao mistério da jovem marquesa. Aonde teria ido? De verdade tinha sido
assassinada por seu cruel marido, ou simplesmente tinha escapado?
Entrou na cozinha e se serviu de uma taça de vinho. Viu a fruta cristalizada que tinha
sobrado do jantar e tomou duas peças. Estava deliciosa. As comeu até o último bocado e
lambeu os dedos, sentindo-se culpada ao recordar como tinha repreendido a lorde Ravensden
pelas haver comprado.
Como era possível que aquele homem lhe afetasse tanto? Continuamente a estava
provocando com seu afiado engenho, e, entretanto ela sempre se alegrava de vê-lo.
Uma ideia lhe passou pela cabeça, mas foi rapidamente eliminada. Impossível! Não podia
estar tomando afeto. De maneira nenhuma. E menos depois da maneira em que Olivia tinha
falado dele justo antes de ir-se à cama. Era óbvio que sua irmã começava a reconsiderar sua
postura...
Beatrice girou a cabeça quando ouviu abrir a porta da cozinha e o coração lhe deu um
tombo ao ver lorde Ravensden, descalço e com um peignoir de seda. Certamente estava nu sob
o peignoir, igual ao tinha estado quando ela o banhava durante a febre.
Sentiu que as bochechas lhe ardiam. Deveria envergonhar-se de ter esses pensamentos!
—Assim que você tampouco podia dormir — disse Harry.
—Importa se lhe acompanho?
—Claro que não —respondeu ela. Na mesa estava a bandeja com o brandy e os restos de
amêndoas e doces.
—O brandy vem muito bem quando não se pode dormir... E este é de uma colheita
excelente.
—Me alegro de que você goste dele — disse Harry.
Deus! Imaginaria ela o aspecto tão desejável que oferecia com aquele peignoir? A cor lhe
sentava muito bem.
—Posso? —serviu-se de um pouco de brandy e esquentou o copo entre as mãos
enquanto seguia olhando fixamente a Beatrice.
—Crê que Olivia falava a sério ao sugerir que procurássemos a tumba de lady Sywell?
—Sim, acredito que dizia completamente a sério - afirmou Beatrice, enrugando a testa.
Era muito consciente da sensação que flutuava entre eles. Até esse momento havia tentando
ignorá-la, mas era muito mais fácil fazê-lo quando estavam em companhia de outros e com
mais roupa.
—Não sei se sua hipótese seja a correta, mas não acredito que haja nada mal em
investigar um pouco.
—E se por acaso encontramos sua tumba?
—Nesse caso, deveríamos avisar às autoridades, lorde Ravensden. Seria um crime
horrível e terão que castigar ao responsável... Não está de acordo?
—Seus olhos brilham como duas esmeraldas — disse Harry.
—Nunca vi uns olhos como os seus Beatrice.
Outra vez a tinha chamado por seu nome!
—Não deveria me dizer essas coisas, milord. —disse ela, ruborizando-se.
—Não é próprio de um cavalheiro...
—Tampouco o é que estejamos sentados aqui, os dois sós - repôs ele com um sorriso letal.
—Mas espero que não me peça que vá.
Beatrice negou com a cabeça. Sabia que teria que sair dali imediatamente, mas não
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queria fazê-lo.
—Acredito que podemos nos esquecer dos convencionalismos, Beatrice. É uma mulher
muito formosa. Por que se empenha em ocultar sua beleza?
—Tenho vinte e três anos, senhor. Não tenho dote e rechacei a todos os viúvos que me
teriam aceitado como mãe para seus filhos órfãos. Para que teria que ter vestidos bonitos?
—É um crime que se vista de cinza e marrom quando estaria preciosa de verde... Ou
possivelmente de azul escuro - ficou pensativo um momento.
—Mas, em qualquer caso, cores intensas...
—Rogo-lhe que fale a sério, senhor, embora só seja por um momento.
—Estou falando muito a sério - lhe assegurou ele com uma careta.
—Tem que me chamar «senhor»? Meu nome é Ravensden... Ou Harry para os que são
dignos de minha confiança.
—Como Merry e lorde Dawlish? —perguntou-lhe Beatrice. Levantou o olhar para ele e
ficou sem respiração ao ver o fogo que ardia em seus olhos.
—Sim, e alguns poucos mais - respondeu Harry.
— Como possivelmente você seja algum dia, Beatrice.
—Quando se casar com a Olivia? —perguntou-lhe com expressão desafiante.
—Porque quer casar-se com ela, verdade?
—Acredito que deveria fazê-lo - replicou ele, e amaldiçoou em voz baixa.
—Estamos apanhados em um torvelinho, Beatrice, e não acredito que me equivoque se
afirmar que você também sente algo...
Aquela conversação não deveria estar tendo lugar. Beatrice não sabia se ele tinha
pensado lhe oferecer seu carte blanche.
Ou... Não, não podia ser. Estava prometido a Olivia, e sua irmã acabaria reclamando o
direito a ser sua noiva.
—Tenho que ir...
Levantou-se e também o fez Harry, que a agarrou pelo pulso, obrigando-a a deter-se para
olhá-lo.
—Tenho que ir já...
Mas não pôde dar nem um passo, porque em seguida se viu entre seus braços,
pressionada contra ele, sentindo o calor de seu corpo. Ele a olhou por uns segundos e então
agachou a cabeça para lhe roçar os lábios com os seus. Ao princípio foi um beijo suave, dúbio,
mas quando sentiu a resposta do Beatrice se fez mais intenso, apaixonado e exigente.
Mas quando Beatrice começou a temer que fosse desmaiar de prazer, ele apartou a boca e
a soltou. Tinha o rosto tensionado pela dor e por um desejo que sobressaltou a Beatrice. De
verdade a desejava tanto? Nenhum homem a tinha beijado nunca daquela maneira.
—Perdoe-me - disse com voz afogada.
—Não tinha direito a fazer isso. Nenhum direito.
—Não — repôs Beatrice tranquilamente.
—Nem eu tinha direito a lhe permitir isso Nós dois sabemos que deve a Olivia. Tem-lhe
carinho, e ela será uma boa esposa para você. Sua posição social o demanda, e eu nunca tive
muita vida social. Não sou mais que uma simples camponesa, sem o menor refinamento...
—Como se isso importasse... De verdade o pensa, Beatrice?
—Não sei o que pensar - disse ela.
—Por favor, milord, deixe que vá. Tenho que voltar com minha irmã. Quanto mais
tempo fique, mais perigoso será para ambos.
—Harry - corrigiu ele com voz rouca.
—Suplico-lhe isso. Deixa que ouça meu nome de seus lábios uma só vez... Por favor.
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Beatrice via como Olivia e lorde Ravensden riam juntos à medida que sua relação
avançava. A transformação de sua irmã nos dois últimos dias estava sendo surpreendente. A
imaginação de Olivia se desatou pelo desaparecimento da marquesa, e como lorde Ravensden
parecia decidido a agradá-la, ela tinha perdido o acanhamento com ele e começava a lhe falar de
uma maneira mais íntima e próxima.
Era óbvio que tinham sido amigos durante a temporada social. Beatrice começava a
conhecer bem a sua irmã, e sabia que a Olivia devia haver gostado muito Harry Ravensden; do
contrário, jamais teria aceitado sua proposição. Os rumores e falatórios lhe tinham feito muito
dano, como era lógico. Entretanto, agora que sabia que Harry era inocente e que realmente lhe
guardava respeito, tinha acabado por perdoá-lo.
Beatrice passava muito tempo com eles, mas nem sempre se unia a suas brincadeiras.
Tentava guardar as distâncias, e frequentemente se ausentava com a desculpa de que tinha
muito trabalho. Na sexta-feira e na sábado arrumou os armários de lençóis e a despensa com
tanta agressividade que Nan e Lily ficaram horrorizadas, e a pobre Ida se encerrou no tanque
até que Beatrice lhe suplicou que saísse.
Entretanto, no domingo pela manhã a convenceram para que fosse à igreja com sua irmã
e lorde Ravensden. E de algum jeito, de retorno a casa, encontrou-se a si mesma caminhando
com Harry. Olivia tinha ficado atrás para falar com lady Sophia, quem se tinha separado de
seu pai, o ilustre e grisalho conde do Yardley, e se tinha aproximado de Olivia depois de missa
para apresentar-se ela mesma.
Beatrice estava encantada de que a jovem dama mostrasse tanta amabilidade para sua
irmã, e se adiantou deliberadamente para que Olivia pudesse passar uns minutos a sós com
ela.
—Esteve muito ocupada ultimamente — disse Harry com expressão pensativa.
—Tem que saber que Olivia e eu riscamos nosso plano de ação em sua ausência.
—De verdade pretendem seguir adiante com isto? —perguntou ela. Olhou-o aos olhos,
mas apartou rapidamente o olhar ao ver sua expressão. Parecia que lhe estava reprovando
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algo.
—Por que não? —perguntou Harry.
—Que dano pode fazer? Olivia está decidida, E o fará sozinha se não a acompanharmos.
E se suas teorias forem certas, poderia correr perigo.
Beatrice sentiu um calafrio na nuca.
—Sim, tem razão. Não parece muito provável que o marquês matasse a sua mulher e
enterrasse o corpo... Mas as pessoas começam a fazer perguntas. Ontem levei um pouco de
rabanada à granja dos Ekins. E é certo que ninguém viu à marquesa há meses.
—Então é possível que tenha sido assassinada - disse Harry com o cenho franzido.
—E suponho que essa ideia você gosta tão pouco quanto a mim, não?
—Sim - admitiu Beatrice.
—Repugnar-me-ia pensar que morreu às mãos de seu marido.
Harry assentiu muito sério.
—Sim, imagino que não iria querer que o culpado se livrasse de seu justo castigo.
—Claro que não — asseverou ela.
—O que decidiram Olivia e você?
—Pensamos que deveríamos nos alternar para percorrer as terras da abadia à luz do dia.
Às vezes Olivia e eu, outras você e sua irmã, e... —fez uma pausa e a olhou com pena.
—Crê que poderia suportar minha companhia? Sei que está zangada comigo por meu
comportamento impróprio da outra noite.
—Zangada... —repetiu ela. Se ele soubesse quanto tinha desejado que voltasse a beijá-la!
Não, não podia pensar essas coisas. As leis da decência e a sinceridade o impediam.
—Não estou zangada, milord - disse, sem olhá-lo aos olhos.
—Beatrice, sabe que... —começou ele, mas se interrompeu com uma exclamação afogada.
—Santo Deus! Não posso acreditar. É a carruagem do Percy. Reconheceria-o em
qualquer parte. O que está fazendo aqui?
Beatrice olhou para a casa e viu a pequena carruagem com rodas amarelas estacionado
no caminho de entrada. Um homem deu a volta e começou a saudá-los freneticamente com a
mão. Que classe de indumentária levava? Seu casaco era bastante normal, feito a medida com
um delicado tecido azul que se ajustava estranhamente a sua corpulenta figura, mais seu
colete de raias amarelas e negras, e levava a gravata tão alta que devia ter problemas para
girar a cabeça.
—Que me crucifiquem! —exclamou lorde Dawlish, avançando para eles com um sorriso
de alívio e satisfação.
—De modo que aqui está, Harry, são e salvo. Sabia que estava bem, mas Merry pensava
que tinha adoecido...
Harry bateu na testa.
—Tinha que ir ao baile de lady Melchit. Nunca me perdoará isso. Esqueci-me por
completo.
—Estava convencida de que tinha um pé na tumba - disse Percy, indignado.
—Por isso me tem feito vir até aqui.
—Em certo modo, tinha razão - admitiu Harry com um sorriso afetuoso. Percy não
tomaria tantas moléstias se não acreditasse que seu amigo estava em apuros.
—Se não fosse pela senhorita Roade, agora poderia estar morto.
—Não diga isso! Quer dizer que Merry estava certa? —perguntou Percy, olhando-o
boquiaberto.
—Vá, acreditava que não eram mais que tolice delas. Mas agora que o diz, não tem
muito bom aspecto. Em qualquer caso, Merry não me teria deixado em paz até que viesse a lhe
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buscar. Seu criado me disse que tinha saído da cidade, mas se negou a especificar seu
paradeiro. E, como poderá imaginar, começaram os rumores. Quindon esteve na cidade, e
parecia muito satisfeito por seu desaparecimento. Apostaria a que estaria encantado de ocupar
seu lugar. As pessoas se perguntam quando e por que você tinha esfumado sem dizer uma
palavra a ninguém, e já se fala de suicídio e tolices assim. Eu não acreditava em nada. Foi
Merry quem sugeriu a possibilidade de que estivesse aqui.
—Você foi muito sensato ao não prestar atenção aos rumores, e sua preciosa mulher é
muito inteligente - disse Harry com uma ponta de sorriso.
—Mas não lhe apresentei à senhorita Roade... Beatrice, este é meu bom amigo Percy
Dawlish. É possível que me tenha ouvido mencioná-lo alguma vez, a ele e a Merry, sua
mulher. Percy quero que conheça a dama que me salvou a vida.
—Eu não fiz tal coisa - protestou Beatrice.
—Foi minha tia quem cuidou de lorde Ravensden. Eu somente fui avisar ao médico.
—Ah, sim, certamente. Tinha me esquecido. A senhora Willow quem me cuidou - disse
Harry com um brilho nos olhos.
—Teria sido muito impróprio de você fazer algo assim, Beatrice.
—Eu que o diga... —disse Percy, olhando-os dubitativamente a um e a outro. A
senhorita Roade não se parecia em nada às jovens com as que Harry estava acostumado a
flertar, mas era óbvio que havia algo entre eles. Só teria que olhá-los aos olhos para dar-se
conta.
—É um prazer conhecê-la, senhorita Roade. Tenho que lhe agradecer... E à senhora
Willow também. Merry teria ficado destroçada se tivesse passado algo a este vagabundo. Tem-
lhe muito carinho, por mais irritante que possa ser.
Beatrice pôs-se a rir. Gostava daquele homem, que tanto valor parecia lhe ter a lorde
Ravensden. Por alguma razão, a sombra que se havia peneirado sobre ela durante os últimos
dias parecia haver esfumado.
—É um prazer conhecer um amigo de lorde Ravensden – respondeu.
—Sobretudo a um que parece conhecê-lo tão bem.
Harry se dispôs a dizer algo, mas nesse momento apareceu Olivia.
—Percy... Já conhece a Olivia, naturalmente.
—É obvio. Estou encantado de voltar a vê-la, senhorita Roade Burton.
—Senhorita Olivia, se for tão amável, senhor - corrigiu Olivia.
—Não quero usar o nome de minha família adotiva.
—Certamente... —aceitou Percy, visivelmente incômodo.
—É uma situação muito embaraçosa. Nunca teria imaginado que Burton fizesse algo
semelhante.
—Não é embaraçosa absolutamente - disse Harry antes que Olivia pudesse responder.
—Não foi mais que um mal-entendido, Percy. Com o tempo tudo se arrumará.
Olivia abriu a boca para falar, mas trocou de ideia quando Beatrice negou com a cabeça.
—Ficará para jantar conosco, lorde Dawlish? —perguntou-lhe Beatrice com um sorriso.
—Aos domingos jantamos às cinco e meia. É muito cedo, já sei, mas aqui nos regemos
pelo horário rural.
—Será um prazer jantar com vocês - disse Percy.
—Vi uma estalagem de aspecto decente no caminho do Northampton. Acreditam que
poderia me alojar ali umas quantas noites?
—Umas quantas noites, Percy? —repetiu Harry, lhe cravando o olhar.
—A sério? Poderá suportá-lo? Está no Northampton, meu querido amigo! Merry não se
preocupará com você?
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—Enviar-lhe-ei uma mensagem lhe dizendo que tudo está bem - respondeu Percy
alegremente.
—Mas acredito que pospor minha volta um par de dias... Tão somente para me
assegurar de que você se recuperou.
—Como pode duvidá-lo, quando estou tão bem atendido? —sorriu-lhe Harry.
—Sempre tem que colocar o nariz em todas as partes, Percy. Sua curiosidade lhe causará
graves desgostos algum dia... Mas se for ficar talvez possa ser de utilidade. Entre os quatro
não demoraremos a encontrar a tumba... Se é que há alguma tumba, claro.
—A tumba... —Percy ficou boquiaberto.
—Um momento, Harry. O que está tramando? Ajudar-lhe-ei no que possa, e inclusive
arriscaria minha vida por você... Mas estas coisas de tumbas eu não gosto de nada, já sabe.
—Estamos tentando descobrir se aconteceu algo sinistro na abadia - explicou Harry
enquanto seguiam Beatrice ao interior da casa.
—Não é nada ilegal, Percy. Bom... Só terá que entrar em uma propriedade privada.
—Acreditam que lady Sywell foi assassinada - disse Olivia.
—Conte-lhe Harry, por favor!
—Sim, fá-lo-ei - respondeu ele, sorrindo-lhe.
— O assunto é o seguinte, Percy. Uma jovem desapareceu em estranhas circunstâncias,
e é possível que tenha sido assassinada.
—E que seu corpo esteja enterrado nas terras da abadia - acrescentou Olivia
impacientemente.
—Quão único vamos fazer é procurar sua tumba.
—Uma jovem desaparecida - murmurou Percy, desconcertado.
—Não sei se lhes entendo.
—Tome uma taça de xerez e esquente-se junto ao fogo - lhe ofereceu Beatrice, fazendo-os
passar ao salão.
—O marquês do Sywell é um homem horrível, e faz um ano se casou com uma garota de
classe inferior. Ninguém a viu há meses.
—Lady Sophia me esteve contando que a marquesa do Sywell não tinha amizades nem
conhecidos - assinalou Olivia.
—E me corroborou que ninguém a viu em vários meses.
—Sywell... —Percy franziu o cenho.
—Conheço esse nome. É um tipo muito antipático. Uma vez o peguei fazendo
armadilhas às cartas, e após não voltei a jogar com ele.
—Desafiou-o em duelo? —perguntou-lhe Harry.
—Não valia a pena. Só perdi uns quantos guinés. É muito desagradável acusar a alguém
de fazer armadilhas, já que não se tem nenhuma prova - se lamentou Percy, sacudindo a
cabeça.
—É o tipo de homem que assassinaria a sua pobre esposa! Terei que fazer algo a respeito,
maldito seja. Não se pode permitir que fique impune. De maneira nenhuma!
—Vamos tentar descobrir a verdade — disse Olivia, sorrindo-lhe.
—Ajudar-nos-á, senhor? —perguntou-lhe, inclinando a cabeça com uma expressão tão
encantada que Percy se ruborizou.
—Nem Beatrice nem eu podemos investigar sozinhas... Mas se você me acompanha,
Harry pode proteger a minha irmã.
Percy era escrupulosamente fiel a lady Dawlish, mas não era imune aos encantos de uma
preciosa jovem.
—Encantado, querida. Não poderia deixar que fora você sozinha, e menos com esse
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demônio espreitando-a. Necessitará a alguém que vele por sua segurança, e para mim será
uma honra estar a seu serviço.
—Obrigada. Sabia que não me abandonaria — disse Olivia, e recebeu um sorriso
malicioso de Harry como recompensa por suas argúcias.
Beatrice tinha ficado um pouco aturdida pela comedida demonstração de sua irmã.
Olivia não era tão frágil e inocente como se imaginou.
Olhou surpreendida ao Harry, quem lhe respondeu com uma piscada.
—E eu me ocuparei de que Beatrice esteja a salvo - disse muito satisfeito com a situação.
—Bem, quando começamos a busca?
—Amanhã pela manhã - decidiu Beatrice.
—Agora devo me ocupar do jantar. Farei que lhes sirvam vinho e bolachas para saciar
seu apetite...
Viu que lorde Dawlish olhava com perplexidade ao Harry... Não podia referir-se a ele de
outra maneira, já que a tinha obrigado a chamá-lo por seu nome!
Saiu da cozinha, sorrindo para si mesma. Sem dúvida o amigo do Harry estaria
pensando que era uma casa muito estranha.
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Capítulo 7
Beatrice se sentou junto à janela da quarto que compartilhava com Olivia e contemplou
a escuridão exterior. Sua irmã estava dormindo, mas lhe resultava impossível descansar, e não
se atrevia a baixar outra vez à cozinha em peignoir. Não enquanto tivesse convidados em casa.
Fora, a luz da lua banhava a grama, as árvores e as sebes com um suave resplendor
prateado.
Beatrice não podia deixar de pensar em quão deliciosa tinha sido a noitada. Era muito
agradável ter companhia. Tanto lorde Dawlish como Harry eram muito divertidos, cada um a
sua maneira, embora Beatrice tinha começado a suspeitar que Harry era muito mais profundo
do que ninguém imaginava. Entretanto, tinha muito cuidado de não desvelar seus
pensamentos, e todos tinham desfrutado da noitada brincando e burlando uns de outros.
Em uma ocasião, Beatrice tinha levantado o olhar e tinha surpreso Harry olhando-a. O
coração lhe tinha dado um tombo ao ver a expressão de seus olhos.
Sorriu por seus pensamentos, totalmente impróprios de uma jovem modesta e decente,
mas o sorriso se apagou quando pensou na busca que tinha prevista para o dia seguinte nas
terras da abadia.
Sabia que Olivia estava convencida de que a jovem marquesa tinha sido brutalmente
assassinada, mas lhe parecia uma ideia espantosa que só devia haver sentido lady Sywell,
encerrada naquela sinistra mansão com seu perverso marido. Beatrice nunca tinha pensado
nisso, mas agora se sentia invadida pela culpa. Todos a tinham tratado muito mal! Se alguém
da aldeia tivesse tentado travar amizade com ela, possivelmente essa pobre mulher teria
recebido um pouco de consolo.
Suspirou e retornou à cama, obrigando-se a apartar os funestos pensamentos de sua
mente.
Tinha que descansar um pouco, ou do contrário estaria muito cansada pela manhã.
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—Está muito descuidado, mas segue sendo muito bonito e tranquilo. Os muros estão
parcialmente ruídos, mas não é tão perigoso como outras dependências da abadia. Quase todas
as construções estão a ponto de desmoronar-se.
—Um jardim botânico, diz? —perguntou Percy, mais animado. Aquela manhã luzia
um sol esplêndido que animava a dar um passeio, e todos estavam bem protegidos contra o
vento.
—Ao menos será fácil comprovar se a terra tiver sido removida. Tudo está em um estado
de abandono lamentável! —lamentou-se, oferecendo o braço a Olivia.
—Vamos? —perguntou Harry, oferecendo o braço o Beatrice enquanto punham-se a
andar em direção contrária a seus companheiros.
—Percy tem razão. Este plano se concebeu seguindo um espírito aventureiro, mas não
será tão singelo como Olivia imaginou.
—Minha irmã não viveu aqui desde que era uma criança, e não sabe como são realmente
estas terras - disse Beatrice, sem atrever-se a tomar o braço.
—Como já sabe, adotou-a o irmão de minha mãe. Era muito pequena para compreender
por que a separavam de sua mãe, e não parava de chorar quando a levaram. Encolhe-me o
coração ao recordá-lo. Nunca esquecerei seu olhar de recriminação.
—Mas você sim o compreendeu - disse Harry, arqueando as sobrancelhas.
—Para você também teve que ser muito duro perder a sua irmã.
—E para meus pais. Mamãe passou chorando vários dias. Nunca compreendi de tudo
por que aceitou a separação. A menos que... Acredito que lorde Burton pagou algumas das
dívidas de meu pai. É horrível, mas acredito que minha mãe pensava que o fazia pelo bem da
Olivia.
—E possivelmente foi assim - sugeriu Harry.
—Olivia desfrutou que muitas mais vantagens que você.
—Sim, em alguns aspectos. Não voltamos a vê-la em muito tempo, e quando lady
Burton a trouxe de visita parecia muito contente. Não começou a me escrever até que tinha
quatorze anos, embora eu lhe tivesse escrevendo desde que a levaram. Acredito que a sua
maneira era feliz.
—Estou seguro de que foi - afirmou Harry.
—Olivia sempre esteve muito mimada e consentida. Acredito que lady Burton está
muito afetada pelo acontecido. Tudo isto deve lhe haver quebrado o coração.
—Sim, suponho que para ela também foi uma desgraça. É uma lástima que seu marido
não mostrasse mais compaixão.
—Sentia que Olivia o tinha decepcionado. Burton é um homem orgulhoso... E tinha
dado tudo o que ela podia desejar.
—Sim, certamente. Mas... Acredito que se de verdade a quisesse se teria mostrado mais
amável e pormenorizado. Meu pai jamais me jogaria de casa, acontecesse o que acontecesse.
—Talvez o desencanto do Burton fosse maior, já que lhe tinha dedicado muitos cuidados.
Beatrice ficou pensativa enquanto se aproximavam do que deveriam ser as moradias dos
trabalhadores da abadia em tempos dos monges. Algumas das casas desmoronaram e o musgo
e as sarças cresciam entre os escombros. Ao longo dos séculos tinham sido reconstruídas e
reparadas em numerosas ocasiões, até que nos últimos dezoito anos tinham sido abandonadas.
—Sim, pode ser. Mas me quiseram de verdade, e não acredito que minha irmã tenha
recebido o mesmo carinho que eu. Se a tivessem querido de verdade, não a teriam tratado de
uma forma tão rasteira.
Harry assentiu, mas não fez mais comentários. Passou o olhar com desprezo sobre o
montão de ruínas. Que classe de latifundiário tinha permitido uma deterioração semelhante?
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Ele mesmo possuía vastas extensões de terra que exigiam muito trabalho, e se teria
envergonhado de ver suas posses em um estado tão lamentável.
Beatrice viu sua expressão e assentiu.
—Faz muito tempo que ninguém vive aqui. O marquês trouxe seus próprios criados da
cidade, mas nenhum deles ficou muito tempo. Embora quisesse reparar estas casas, não
encontraria a ninguém que queria trabalhar para ele. Todo mundo nas aldeias conhece sua má
fama.
—Parece que uma terrível tormenta se desatou sobre este lugar - disse Harry, olhando os
barracões e os abrigos com o cenho franzido.
—Vou jogar uma olhada. Você me espere aqui, Beatrice. Não quero que ponha em
perigo.
—Não sou nenhuma criada senhor. Se crer que posso ser um estorvo...
—Que Deus me libere de pensar algo assim - se apressou a declarar Harry.
—Vem se quiser, mas tome cuidado. As pedras podem desprender-se e o estou
desconfiado que é muito abrupto. Poderia tropeçar e se machucar.
—Vá você adiante e eu lhe seguirei - disse ela, pondo-se a andar sobre os escombros e
moitas que tinham crescido entre as pedras. Um coelho saiu correndo diante deles, e Beatrice
se perguntou de repente se era dali de onde saíam os coelhos que tão misteriosamente tinham
aparecido em sua despensa. Aquilo explicaria as luzes no bosque.
—Acaba de me ocorrer uma coisa, milord - disse, ficando a sua altura.
— Acredito que Bellows conhece estas terras muito melhor que qualquer de nós.
—E como é que não me ocorreu antes? —murmurou ele com um brilho de aprovação
nos olhos.
—Ontem à noite comemos um bolo de coelho delicioso... —levantou o olhar ao tempo
que uma pomba empreendia o vôo de uma das casas em ruínas.
—E esses deliciosos pombinhos ao vinho tinto.
Beatrice franziu o cenho.
—Deveria ter imaginado faz tempo, mas suponho que não gostava de indagar muito das
atividades do Bellows.
—Um homem cheio de recursos, nosso Bellows. Acredito que tomarei a meu serviço —
disse Harry, elevando as sobrancelhas.
—Confia plenamente em sua lealdade?
—Faz três anos que não cobra seu salário — confessou Beatrice.
—Tentei lhe pagar um pouco de dinheiro no Natal, mas insistiu em que esperasse até
que meu pai faça fortuna. E temo que isso não ocorra nunca.
—OH, eu não estaria tão seguro - murmurou Harry.
—Ao Percy interessou muito a ideia de seu pai para o sistema de calefação. Dawlish
Manor é uma mansão muito grande e muito fria. Percy não pode pisá-la no inverno.
—OH, espero que meu pai não o convença de provar seu experimento no Dawlish
Manor. Seria muito caro, e não acredito que tivesse o resultado esperado por lorde Dawlish.
Não se via nada suspeito nas casas ruídas, por isso ao cabo de uns minutos continuaram
seu caminho para os celeiros e abrigos que compunham a comunidade monacal. Durante os
anos em que os Yardley foram os proprietários, os celeiros tinham estado bem conservados e se
usaram para armazenar os produtos das granjas que ainda pertenciam à abadia, mas agora
também estavam em ruínas. A alguns não ficava mais que uma parede em pé.
Respirava-se um ar sinistro naquele lugar. Um ambiente opressivo que impregnava as
pedras com o fedor da velhice e a decadência. Era como se uma maldição se abatesse sobre as
ruínas esquecidas.
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lugar abominável aos olhos do Senhor. A maldição de tempos passados se abate sobre esta
terra, e sobre aqueles que se apoderam dos destinos alheios.
—Sim, certamente - murmurou Harry. Uma piscada fugaz deu a Beatrice uma pista do
que pensava daquele homem.
—Bom, não queria seguir em uma propriedade privada. Espero que esse estúpido animal
encontre o caminho a casa.
— «Um cão vivo é melhor que um leão morto». Eclesiastes, capítulo nove, versículo
quatro - citou Sólomon.
—Deus castigará aos injustos, e no Julgamento Final todos os homens serão iguais a
olhos do Senhor. «O Senhor lhe dá e o Senhor lhe tira».
—Sim, muito certo. Tem você toda a razão - corroborou Harry, levando a mão à boca
para tossir ligeiramente.
—Mas pelo bem de meu cão espero que não lhe tenha passado nada mau - se voltou para
Beatrice com os olhos brilhando de regozijo.
—Vamos senhorita Roade. Não devemos seguir importunando a este cavalheiro.
Beatrice fez uma ligeira reverência ao Sólomon Burneck. Não se atrevia a articular
palavra para não ceder à risada. Conseguiu conter-se até que abandonaram o estreito atalho da
abadia e saíram a um caminho mais amplo que conduzia à aldeia ou ao Roade House, e então
repreendeu Harry.
—É que não tem vergonha? Acreditava que eu ia morrer. Não sei como pude me conter.
—Sente-se mal, Beatrice? Onde lhe dói? —perguntou-lhe em tom zombador.
—O senhor Burneck me pareceu um homem do mais insólito.
—Tem que saber que Sólomon Burneck é muito respeitado por todos os aldeãos - lhe
disse ela, muito séria.
—Acreditam que é uma pessoa muito religiosa.
—Por seu costume de citar a Bíblia, possivelmente? —perguntou ele, pensativo.
—Isso não é mais que tolices. Talvez o faça para impressionar Ele... Percebi um
profundo ressentimento sob a superfície, você não? Há algo estranho nele, inclusive perigoso.
Além disso, não parece normal que um homem assim escolha trabalhar para alguém como
Sywell. Se realmente fosse uma pessoa devota teria abandonado ao marquês faz anos. Talvez
seu amo tenha exercido alguma influência sobre ele... —franziu o cenho.
—O que crê que quis dizer com a maldição do passado?
—Como poderia sabê-lo? Circulam muitos rumores e histórias, mas não tenho
conhecimento de nenhuma maldição... Embora o passado da abadia esteja manchando de
sangue e violência, e muitos dos que viveram aqui sofreram tragédias horríveis - disse
Beatrice. Recordou a sensação que a tinha invadido enquanto exploravam as ruínas dos
celeiros e abrigos e estremeceu.
—Mas o senhor Burneck é certamente um tipo muito estranho. Ninguém o conhece
realmente, salvo... Recentemente me inteirei de que tem uma prima, mas se casou faz anos e
agora vive no Northampton. Ele vai visitá-la de vez em quando. Parece que também trabalhou
para o marquês, mas se foi faz muito tempo...
Harry assentiu pensativamente.
—Poderia ser alguma forma de chantagem? Talvez fosse a amante do Sywell e Burneck
ficou para proteger a reputação de sua prima, por temor a possível reação de seu marido...
Não, não parece uma explicação convincente. Duvido que Sywell se lembre da mulher que foi
sua amante, e muito menos que se incomodasse em chantageá-los a ela ou a seu criado. Não,
acredito que Burneck tem uma razão muito mais profunda e pessoal para guardar lealdade ao
marquês. Algo que o obriga a ficar sem importar o que fizer seu amo...
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Bellows ainda não tinha acendido a chaminé, e não me atrevia a incomodar a seu pai.
—O que passou Nan? —perguntou-lhe Beatrice, olhando-a com preocupação. Sua tia
nunca se mostrava tão alterada.
—Ofendeu-se muito porque lhe pedi que voltasse mais tarde, mas não podia convidá-lo a
passar - olhou angustiada ao Harry.
—Um cavalheiro, milord. Disse que o estava procurando, e quando lhe disse que tinha
saído ficou... Bom, não foi nada cortês.
—Que aspecto tinha esse cavalheiro? —perguntou-lhe Harry com o cenho franzido.
—Descreva-o, por favor.
—Era mais baixo que você, milord. Corpulento e ruivo, com o cabelo cortado pelas
orelhas, ao estilo dos antigos puritanos.
—O maldito Peregrine! —exclamaram Harry e Percy de uma vez.
—Insistiu em que devia lhe permitir esperar, e se zangou muito quando lhe disse que era
impossível - disse Nan com uma expressão de culpabilidade.
—Mas não pude me fixar bem em seu aspecto. Teria sido muito descarada.
—De modo que o mandou a passeio - disse lorde Dawlish.
—Muito bem feito, senhora!
—Esse cavalheiro era meu primo —explicou Harry com um sorriso tranquilizador— Sir
Peregrine Quindon. Embora não imagino o que está fazendo aqui.
—Veio ver se segue vivo - disse Percy, dando um golpe no nariz com o dedo indicador.
—Certamente se inteirou do rumor na cidade e quis descobrir se estava a ponto de
herdar seu patrimônio.
—Isso é muito ofensivo, Percy - o recriminou Harry.
—Peregrine sempre se preocupou muito por minha saúde, e nunca deixou de me
perguntar se me sentia bem ou de comentar meu mau aspecto.
Percy soltou uma breve gargalhada.
—Pode burlar o que queira Harry, mas esse seu primo está impaciente para que morra e
assim ficar com seus bens. Se eu fosse você, buscar-me-ia um herdeiro em seguida... Ou
inclusive vários. Tem que afundar suas ambições antes que comece a fazer-se ideias
equivocadas.
—Não pensará que Peregrine quer me fazer dano, verdade? —disse Harry, arqueando as
sobrancelhas. Querido Percy, está deixando que sua imaginação se desboque. Admito que meu
primo é um pesadelo e que não resulta muito agradável o ter como companhia, mas é muito
covarde e escrupuloso com a lei para fazer algo violento. Se visse que me estou afogando,
talvez se desse a volta e fingisse não me haver visto, mas jamais tentaria me matar.
—Está seguro, Harry? —insistiu Percy com o cenho franzido. Não parecia nada
convencido.
—Sim, estou—replicou ele, e desviou o olhar para Nan.
—Peço-lhe desculpas pelo comportamento de meu primo, senhora. Peregrine pode ser
muito mal educado quando quer.
—É certo que foi muito grosseiro lorde Ravensden, mas meu maior temor era ter
aborrecido a um amigo seu.
—Fez exatamente o que devia - lhe assegurou Harry com um de seus mais encantadores
sorrisos.
—Diga-me, meu primo lhe disse aonde ia quando partiu daqui?
—Disse que ia à estalagem e que voltaria mais tarde, senhor - respondeu Nan, olhando a
Beatrice em busca de conselho.
—Devo lhe levar o jantar? Mas para isso necessitaremos mais provisões...
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Beatrice colocou as escovas de prata sobre a cômoda do que tinha sido o dormitório de
sua mãe, admirando o escudo do Ravensden ao dorso. O fogo levava ardendo
ininterruptamente durante vários dias, e a quarto se esquentou por fim. A chaminé tinha sido
acesa. A cama tinha sido arejada e se trocaram os lençóis.
Tinha transladado ali suas coisas enquanto Harry e lorde Dawlish estavam no
Northampton.
Nessa ocasião, ela tinha aceitado seu oferecimento de boa vontade, embora em realidade
não tivesse mais remédio. Não podia dar de comer a tantos convidados. Já tinha sido bastante
difícil com um cavalheiro a mais, mas seria do todo impossível com três.
Observou com satisfação o resultado de seus esforços. O suave resplendor da madeira
velha resultava quente e acolhedor. Aquele era sem dúvida o melhor dormitório da casa,
belamente mobiliado com um espelho de corpo inteiro, uma bonita cômoda, um elegante sofá e
um escritório. Tinha sido o autêntico coração da casa quando Sarah Roade vivia.
Harry estaria muito cômodo, e ela poderia voltar para seu próprio dormitório. Não lhe
importava compartilhar quarto com sua irmã, mas ultimamente era incapaz de dormir e não
se atrevia a mover-se por temor a despertar Olivia.
Suspirou e recolheu os trapos da limpeza. Estava muito afetada pelo acontecido nos
últimos dias, e o tempo que tinha passado junto ao Harry aquela manhã lhe tinha servido para
dar-se conta do muito que gostava.
Não, «gostar» não bastava para descrever o que sentia pelo Harry Ravensden. Seus
sentimentos foram além da amizade e do mero afeto. Nenhum homem lhe tinha despertado
nunca essas sensações. Só tinha que olhá-lo para que seu coração se desbocasse, e o roçar de
sua mão bastava para deixá-la sem fôlego.
Desejava ardentemente que a beijasse como tinha feito àquela noite na cozinha. Que a
beijasse sem reservas e que a levasse a cama para fazê-la sua.
Mas não só era paixão o que despertava nela. Também a fazia rir, e ela podia
compartilhar suas ideias com ele como nunca tinha feito com ninguém, salvo em algumas
ocasiões com seu pai. Uma piscada fugaz, um espio de sorriso em seus deliciosos lábios, e ela se
renderia incondicionalmente.
Ansiava sentir sua boca na sua. Sentir como seus corpos se fundiam em um só e...
Não! Não podia permitir uns pensamentos tão indecentes. Tinha que esquecer-se daquele
beijo. Harry não era para ela.
Mas, como poderia suportar vê-lo desposando a Olivia?
Beatrice sabia que devia manter-se à margem e permitir que fosse sua irmã quem
decidisse se queria casar-se com ele ou não. Mas se finalmente Olivia o aceitava, ela acabaria
com o coração destroçado.
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—Sério, Peregrine? Que má sorte — disse Harry, mostrando-se tão frio e reservado que
Beatrice ficou surpreendida. Aquele não era o mesmo homem ao que ela tinha chegado a
conhecer intimamente, a não ser o oitavo Marques do Ravensden.
—Se me tivesse avisado de suas intenções, poder-lhe-ia ter economizado a viagem. Não
havia nenhuma necessidade de que viesse até aqui.
—Assim o tentei fazer ver lady Ravensden... Mas ela insistia em que algo lhe tinha
ocorrido - replicou sir Peregrine muito indignado.
—Inclusive chegou a me acusar de ter tomado parte em seu assassinato! Como se eu
desejasse algo semelhante. Sei muito bem o que deve sentir como cabeça de família,
Ravensden.
—Estou seguro de que sabe... E também estou seguro de que minha mãe não queria
insinuar tal coisa. Já sabe como fica quando se preocupa com algo - disse Harry, mas em seus
olhos não brilhava o menor espio de humor. O único que se percebia neles era uma expressão
de arrogância.
—Entretanto, foi muito considerado por fazer você mesmo a viagem... E agora já poderá
dormir tranquilo, Peregrine. Como pode ver, encontro-me perfeitamente e rodeado de amigos.
—Falando em dormir... —disse Peregrine franzindo o cenho.
—A única estalagem da comarca não tem comodidades que me oferecer. Confio em que
me acolha aqui por esta noite.
—Esta não é minha casa - repôs Harry. Por um momento Beatrice acreditou ver em seus
olhos um brilho de fúria.
— Mas acredito que há um quarto livre.
—Refere-se à... Quarto livre? —perguntou Beatrice, olhando-o aos olhos. Ele assentiu e
ela quase se pôs a rir. Como lhe ocorria lhe infligir um castigo semelhante a seu próprio
primo?
—Rogo-lhe que pense por um momento, milord. As consequências de alojar a sir
Peregrine nesse quarto poderiam ser...
—Mas, o que acontece com esse quarto? — perguntou lorde Dawlish. Tinha seguido ao
Harry ao salão, e agora lhes tinham unido Nan e Olivia.
—Está encantado - declarou Olivia antes que alguém pudesse falar.
—Um espectro sem cabeça vaga a meia-noite, atormentando com o ruído de suas
correntes a qualquer que se atreva a dormir ali.
—Fantasmas! —exclamou sir Peregrine com tom depreciativo, e olhou a Olivia com
claro desdém.
—Não acredito que me incomodem.
—Faz muito que ninguém dorme nesse quarto, senhor - disse Beatrice, com mais
sinceridade que sua irmã.
—Não poderemos ventilá-lo a tempo. Além disso, a cama tem uma mola quebrada. A
última pessoa que dormiu ali passou uma noite terrível.
—E pegou uma febre tremenda - acrescentou Nan, fazendo que todos a olhassem
surpreendidos.
—Além disso, os lençóis acabam de ser lavadas e não ficam outras secas.
Aquela atitude não era nada habitual em Nan, e demonstrava que tampouco lhe tinha
gostado de sir Peregrine.
Por sua parte, sir Peregrine pareceu horrorizado.
—Nesse caso não ficarei – disse.
—Tenho uma constituição muito delicada. Não, Ravensden, você não me vai convencer.
Espero que ao menos me ofereça algo de jantar. Logo voltarei para Londres. Prefiro viajar de
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—A opinião que tenha de minha irmã não me interessa absolutamente, senhor - replicou
ela com toda a tranquilidade que pôde.
—Se tiver algo que dizer sobre o matrimônio de lorde Ravensden, deveria discuti-lo com
ele.
—Bem dito, Beatrice! —disse Harry, saindo do salão com uma expressão sobrecolhedora.
Estava furioso, e parecia ter dificuldades para conter-se e não agredir a seu primo.
—Tem algo que me dizer, Peregrine? Se for assim, rogo-lhe que me diga isso agora. Mas
lhe advirto... Estou ao limite de minha paciência.
—Eu... Tenho que ir - balbuciou sir Peregrine completamente pálido.
—É dono de seus atos, Ravensden. Não necessita nenhum conselho de mim.
—Exato. E fará bem em recordá-lo - disse Harry.
—Que tenha uma boa viagem de volta à cidade, primo. E se encontra com lady Susanna,
lhe diga que me encontro bem e que dentro de pouco terá o prazer de conhecer minha noiva.
Sir Peregrine inclinou a cabeça e saiu sem pronunciar palavra.
—Peço-lhe desculpas pelo indigno comportamento de meu primo - disse Harry,
movendo-se para Beatrice.
—Está muito pálida. O que lhe há dito para preocupar-se tanto?
—Só que não pode aprovar sua intenção de se casar com minha irmã - respondeu ela,
levando as mãos ao rosto. Tinha a pele ardendo.
—Sei que minha família não está a sua altura...
—Hei dito isso? —perguntou ele, olhando-a fixamente.
—Dei alguma razão para pensar que você ou qualquer membro de sua família são
inferiores a mim?
—Não—admitiu ela.
—Você não, mas sei que...
—O que é o que sabe? —perguntou-lhe amavelmente. Segurou suas mãos e a olhou de
um modo que quase lhe cortou a respiração.
—Se fosse livre para dizer o que sinto, saberia Beatrice. Acredite-me...
Foi interrompido pelo senhor Roade e lorde Dawlish, que entrou nesse momento no
vestíbulo.
—Lorde Dawlish decidiu pagar minha dívida com o ferreiro, Beatrice - disse seu pai,
encantado.
—Isso significa que me entregará as peças que necessito para meu experimento. Não lhe
parece estupendo, querida?
—Sim, papai - respondeu ela. Parecia dúbia, e os olhos do Harry se iluminaram com um
brilho de regozijo. Espero - acrescentou enquanto seu pai e lorde Dawlish entravam no salão.
—OH, céus, é uma desgraça...
—Preocupa-lhe algo em concreto? —perguntou Harry.
—A última vez que meu pai provou seu experimento, houve uma explosão que deixou
um buraco na parede da cozinha. Passou uma eternidade até que arrumamos as imperfeições.
—Entendo... Teremos que confiar em que as melhoras tenham êxito, não? —sorriu-lhe
enquanto brincava com seus dedos.
—Se sente melhor agora, Beatrice?
—Sim, obrigada - respondeu com uma amarga gargalhada.
—Tenho que lhe falar com franqueza, Harry... Eu não gosto de seu primo.
Harry se pôs a rir com os olhos brilhando de malícia.
—Minha querida Beatrice... A ninguém gosta do abominável Peregrine. De fato,
pensaria muito mal se você gostasse.
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Capítulo 8
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sua irmã.
—Talvez lorde Ravensden queira lhe emprestar sua carruagem se segue chovendo.
—Sim, é obvio que pode levar a carruagem—aceitou Harry, e franziu o cenho porque
Beatrice se referiu a ele por seu título, não por seu nome. O que lhe tinha passado?
—Não convidaram a você também, Beatrice?
—Lady Sophia tem a idade da Olivia — explicou ela, evitando seu olhar.
—Nosso pai declinou muitos convites do conde e de sua família. Não podíamos lhes
pagar com a mesma hospitalidade, e papai jamais aceitaria a caridade de ninguém. Bom, salvo
pela lenha, da que não sabe nada. Além disso, tenho muito que fazer.
—Tenho que fazer um recado no Northampton - disse lorde Dawlish de repente.
—Quer me acompanhar, Harry?
—O que? —perguntou Harry, aparentemente sumido em seus pensamentos.
—Sim, sim, é obvio Percy - olhou para Beatrice.
—Poderá ficar sozinha umas quantas horas?
—É obvio - respondeu ela com um sorriso forçado. Não sabia o que lhe passava no
coração, assim era melhor não dizer nada.
—Desculpem-me, por favor.
Deixou-os e subiu as escadas para ajudar Lily a arrumar os cômodos. Ao acabar, trocou
de roupa e voltou para salão. Ao encontrar-lhe tão vazio, pensou com tristeza em quão felizes
tinham sido os últimos dias com a casa cheia de gente.
Jogaria muito de menos a Olivia se finalmente se casava com Harry. Mas não podia
pensar nisso... Só lhe serviria para aumentar seu sofrimento. Porque estava sofrendo.
Permitiu-se apaixonar-se pelo Harry Ravensden, e agora lhe tocava sofrer por isso. Que
estúpida tinha sido!
Era o momento de escrever à senhora Guarding e solicitar um posto na escola... Talvez
na primavera.
Abriu seu estojo laqueado vermelho e negro e tirou a pluma para molhá-la no tinteiro.
Minutos depois tinha acabado a carta. Releu-a um par de vezes, mas não a selou com cera.
Seria melhor falar com seu pai antes de enviá-la.
Foi para o piano e se sentou no tamborete para começar a tocar. A melodia era tão triste e
comovedora que seus olhos se encheram de lágrimas, e teve que deter-se quando uma sensação
de desesperança a sobressaltou. O que ia fazer?
—OH, por que se deteve? —perguntou uma voz de mulher.
Beatrice deu a volta, sobressaltada, e se encontrou com uma desconhecida na porta. Era
uma dama de idade amadurecida, muito atrativa e elegante.
—Era precioso, senhorita Roade. Você é a senhorita Roade, sem dúvida. A senhora
Willow me disse que a encontraria aqui.
Beatrice se levantou um pouco desconcertada. Nunca tinha visto antes a essa senhora,
mas por alguma razão sentia que a conhecia. Havia algo familiar em seus olhos e em seus
lábios.
—Desculpe-me. Não sei quem...
—OH, que descuido mais imperdoável por minha parte—disse a mulher. Sua risada
tinha um som que tinlitava, similar ao dos sinos de vento.
—A senhora Willow teria que me haver anunciado, mas a ouvi tocar e me deslizei sem
fazer ruído para não incomodá-la. Tocava com muito sentimento... Sou a mãe do Ravensden,
senhorita Roade.
É obvio! Agora podia ver o parecido.
—Lady Ravensden? —ficou rapidamente em ação e foi receber a sua convidada.
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—OH, passe, por favor. Onde estão minhas maneiras? Deve estar congelada. Graças a
Deus que temos um fogo decente aceso. Suponho que esteja esgotada pela viagem.
—Por favor, nada de formalidades. Para meus amigos sou lady Susanna - corrigiu ela
com um sorriso radiante.
—É uma garota muito amável! Apresento-me sem avisar e mesmo assim me recebe com
os braços abertos.
—Estava preocupada com o Harry... Quero dizer, por lorde Ravensden? —perguntou-
lhe Beatrice. As lágrimas voltaram a afluir a seus olhos e piscou freneticamente para contê-las.
— Pois claro que deve estar... Por algum motivo veio.
—Lady Dawlish se apresentou em minha casa em Londres assim que teve notícias de seu
marido. Disse que meu filho tinha estado doente.
—Sim, é certo. Esteve muito doente. Inclusive cheguei a temer por sua vida - admitiu
Beatrice, abandonando toda evasiva ao ver a expressão de inquietação nos olhos de lady
Ravensden.
—Sente-se, por favor. Minha tia nos trará em seguida o chá. Ou prefere um pouco de
vinho?
—Chá, querida, muito obrigada. Segue, por favor. Estava me falando da enfermidade do
Harry.
—Pegou uma gripe - disse Beatrice.
—Ficou doente durante a primeira noite que passou aqui, mas não nos demos conta até a
manhã seguinte. Avisamos em seguida ao doutor Pettifer e fizemos todo o possível para que
melhorasse. Passou três dias com febre, mas logo se recuperou muito rapidamente. Ainda tem
um pouco de tosse, mas já está muito melhor.
—Harry sempre foi muito forte - asseverou sua mãe.
—De menino sofreu a escarlatina... A contagiou uma das moças. Sempre estava jogando
nas quadras! Tanto ele como sua irmã Elizabeth adoeceu. Ela morreu, mas Harry se
recuperou, graças a Deus. Aterrava-me a ideia de perder a ambos.
OH, assim que ela era Lillibeth - disse Beatrice em um brilho de lucidez.
—Em seu delírio falava dela e dizia que teria que ter sido ele quem morresse. Parecia
muito atormentado.
—Disse que teria que ter morrido ele em seu lugar? —perguntou lady Susanna,
olhando-a fixamente.
—Está segura, senhorita Roade?
—Sim, completamente segura. Por quê? É importante?
Lady Susanna assentiu.
—Talvez. Sempre me perguntei se Harry se sentia culpado pela morte de sua irmã.
Tinha-lhe muito carinho. Todos a queríamos, naturalmente, mas Harry a idolatrava. De
meninos eram inseparáveis, e não acredito que depois de perdê-la haja tornado a ser o mesmo.
Beatrice viu a tristeza em seus olhos.
—Entendo. Deve ter sido terrível para todos... A perda de uma filha. Um anjinho, como
a chamava Harry,
—E o era - disse lady Susanna.
—Por isso morreu tão jovem... Era muito boa para este mundo.
As duas ficaram em silêncio um momento, até que lady Susanna esboçou um sorriso
muito parecido com o do Harry.
—Bom, foi há muito tempo. Temos que pensar no futuro. Por favor, senhorita Roade, me
diga por que meu filho fez fugir a sua irmã. Estou segura de que disse algo inapropriado. Às
vezes tem um senso de humor muito particular.
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—Sim, às vezes - afirmou Beatrice, com um olhar que delatava muito mais do que sabia.
—Mas em realidade não foi culpa dele. Não deve culpá-lo. Confessou a um amigo que
não era um compromisso por amor, mas alguém o ouviu e enfeitou a história. Olivia se
desgostou muito.
—É natural. Qualquer jovem dama se teria aborrecido em sua situação - disse lady
Susanna, franzindo o cenho.
—Parece-me que sei quem propagou essas mentiras. Não sei se ouviu falar do sobressaio
do Harry, sir Peregrine Quindon. É um homem muito desagradável.
—Esteve aqui ontem - revelou Beatrice.
—Nos disse que tinha vindo porque você estava muito preocupada com lorde Ravensden
e lhe tinha suplicado que o encontrasse.
—Sim, preocupei-me muito quando ouvi os rumores que circulavam pela cidade -
admitiu lady Susanna.
—Mas não pedi a esse sapo repugnante que procurasse o Ravensden. Jamais me
atreveria a confiar nele. Só quer a fortuna e o título de meu filho.
—Isso é evidente - disse Beatrice. Gostava da mãe do Harry.
—Estou segura de que Harry sabe - fez uma pausa, ruborizando-se ao dar-se conta de
que havia tornado a usar o nome de batismo de lorde Ravensden.
—Rogo-lhe que me desculpe por ser tão informal. Resultar-lhe-á estranho, mas
estivemos muito unidos... Quase como uma família. Todos nos chamamos por nossos nomes.
Mas deveria recordar o título de lorde Ravensden quando dirigir a um membro de sua família.
Não posso tomar uma confiança semelhante.
—Não diga isso, querida. Eu adoro saber que Harry tem tão bons amigos - lhe assegurou
lady Susanna.
—Às vezes parece que não toma nada a sério... Igual a mim, temo - acrescentou,
pensativa.
—Sim, pode ser muito parecido a mim.
—Seguro que não há nada mau nisso.
Lady Susanna negou com a cabeça.
—Não é bom que a cabeça controle sempre ao coração – disse.
—E devo lhe confessar uma coisa em confiança...
Nesse momento foram interrompidas por umas vozes que procediam do vestíbulo. A
porta se abriu e entraram Harry, lorde Dawlish e Olivia, rindo e brincando entre eles.
Os três se detiveram perplexos ao ver lady Susanna.
—Mamãe! —exclamou Harry.
—O que faz aqui?
—Lady Susanna—disse Percy, não tão surpreso como seu amigo.
—Alegro-me em vê-la. Faz um frio terrível aí fora.
—Lady Susanna—murmurou Olivia, ruborizando-se enquanto fazia uma ligeira
reverência. Obviamente se sentia envergonhada por aquele encontro inesperado.
Harry atravessou o salão e beijou a sua mãe na bochecha.
—Agradeço-lhe que se preocupe por mim, mamãe, mas não deveria ter feito uma viagem
tão comprida com este tempo.
—Não gostará da estalagem em que me hospedo - disse Percy com o cenho franzido.
—É muito ruidosa pelas manhãs.
—Mas lady Susanna ficará aqui - se apressou a esclarecer Beatrice.
—Você pode ficar em meu quarto, lorde Ravensden, e eu ficarei no da Olivia. Dessa
maneira lady Susanna poderá ficar no quarto de seu filho. É a melhor solução, e estou segura
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Respondeu a lorde Dawlish com um assentimento de cabeça, mas não disse nada e saiu
do salão.
Certamente Olivia lhe pediria que ficasse com ela uma vez que se casasse com lorde
Ravensden. Tinha que lembrar-se de chamá-lo por seu título! Sem dúvida voltaria a
encontrar-se com lorde Dawlish algum dia, e também com sua mulher. Mas já não seria o
mesmo. Nada voltaria a ser o mesmo depois de que Harry se casasse com a Olivia.
Não podia esperar o contrário.
Beatrice deixou que Lily terminasse de preparar o jantar e subiu ao quarto que uma vez
mais voltava a compartilhar com a Olivia. Sua irmã estava pondo um bonito vestido azul.
Sobre a cama havia um vestido de seda verde esmeralda.
—Deve tê-lo feito uma costureira francesa—comentou Olivia.
—É precioso, Beatrice, e lhe sentará muito bem. Harry teve muito bom olho ao escolhê-
lo... Embora todo mundo sabe que tem um gosto maravilhoso. Sua casa de Londres é
magnífica. Só a visitei uma vez, mas fiquei impressionada.
Beatrice olhou o vestido e alargou um braço para roçá-lo brandamente com a ponta dos
dedos. Nunca havia possuído um vestido nem um pouco tão elegante.
Olivia viu como duvidava temerosa de tocá-lo.
—Ponha-o - a apressou
—Ele comprou para você. Quer que o tenha. Não pode rechaçá-lo depois de que se tomou
tantas moléstias. Seria de muito má educação, Beatrice.
Beatrice assentiu. Não confiava em sua voz para falar, por isso se retirou depois do
biombo para lavar-se e trocar-se. Minutos depois voltou a sair, luzindo o vestido, e olhou
nervosa a Olivia.
—Que tal está?
—Preciosa - respondeu Olivia com uma gargalhada, e a fez colocar-se diante do espelho.
—Deixa que lhe penteie... E talvez pudesse levar minhas contas ambarinas.
—Não quer as levar você? —perguntou-lhe Beatrice, enquanto Olivia desabotoava o
colar de pequenas contas e fio dourado.
—São tão delicadas e bonitas...
—Levarei o crucifixo e a corrente que mamãe me enviou o ano antes de sua morte - disse
Olivia, e se inclinou para beijar a sua irmã na bochecha.
—Pode colocá-las se quiser. Deu-me de presente isso uma amiga. Deixei o resto de
minhas jóias em casa dos Burton. Pode ter sido uma estupidez, mas não gostaria das trazer.
—Fez o correto - aprovou Beatrice enquanto Olivia começava a penteá-la em um estilo
mais desenvolvido de que estava acostumado a levar, deixando que alguns cachos caíssem
soltos em deliciosa desordem.
—Talvez volte a ter coisas bonitas algum dia.
—O leque que me deu de presente Harry é lindo—disse Olivia, mostrando-lhe. Olhe...
Tem uma filigrana de ouro.
—É precioso - confirmou Beatrice, e se olhou outra vez ao espelho. O vestido lhe sentava
tão bem que parecia confeccionado para ela. Tinha um decote que mostrava um espio de seus
peitos, mangas curtas e abalonadas, uma ampla bandagem e uma saia que envolvia suas
pernas com uma queda quase indecente.
—Não lhe parece que o vestido é muito atrevido, Olivia?
Olivia estava pinçando em seu estojo de bagatelas. Franziu o cenho e abriu as gavetas
uma por uma.
—Não encontro o crucifico de mamãe - se voltou para olhar a Beatrice e soltou uma
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Viu como seu pai oferecia o braço a lady Susanna. Lorde Dawlish fez o próprio com
Olivia, e Harry ofereceu o braço a Beatrice e a Nan.
—Obrigada—disse Beatrice quando lhe retirou a cadeira.
—Nunca tinha levado um vestido tão bonito.
—É a mulher a que faz ao vestido - murmurou ele com um brilho de malícia muito
eloquente no olhar.
—Algum dia lhe demonstrarei isso, Beatrice.
O que tinha querido dizer? Perguntou-se ela, sem poder olhá-lo aos olhos enquanto ele
sentava ao outro lado da mesa. O que estava sugerindo? Acaso esperava que fosse sua amante
quando se casasse?
O pior era que ela estaria quase disposta a sê-lo, se aquele fosse o único modo de poder tê-
lo.
Beatrice passou cozinhando quase toda a manhã seguinte. Lady Susanna tinha recebido
em seu dormitório a bandeja com chocolate quente e pães-doces recém-feitos, e não esperava
que baixasse até o meio-dia. Harry e Olivia tinham saído a dar um passeio, embora Beatrice
não soubesse se estavam planejando voltar para a abadia.
Quando acabou o trabalho da manhã e se dispunha a subir a trocar de roupa, apareceu
Harry, sozinho.
Beatrice o olhou surpreendida.
—Não está Olivia com você? Acreditava que tinham saído a passear juntos.
—Acredito que tinha um compromisso com lady Sophia - respondeu ele, muito sério.
—Posso falar com você em privado, Beatrice?
Sua expressão a pôs nervosa.
—Sim, naturalmente, milord. Vamos ao salão. Ocorre algo?
Harry a seguiu ao salão.
—Recorda que Bellows e seus amigos foram explorar as terras da abadia ontem à noite?
—Sim, claro - respondeu ela, sentindo um calafrio na coluna.
—O que aconteceu?
—Encontraram algo no bosque que poderia ser uma tumba. Bellows diz que a terra
tinha sido removida recentemente. Esteve no mesmo lugar faz três semanas e não viu o
montículo de terra.
—OH, não! —exclamou Beatrice. As pernas lhe fraquejaram e teve que se deixar cair no
sofá. Estava horrorizada e sentia náuseas. Embora tivesse acessado a procurar a tumba, nunca
tinha acreditado que encontrassem algo.
Levantou o olhar para Harry, completamente pálida.
—Crê que... Era a tumba da marquesa?
—Não sei - respondeu ele, quem também parecia muito inquieto.
—Admito que é uma possibilidade, mas não poderemos estar seguros até que escavemos
na terra.
—Está pensando em...? —começou a perguntar ela, mas não pôde acabar a frase.
—Não seria melhor que fosse a tropa?
—Pensei-o, mas se não encontrarem nada suspeito seria uma situação muito
embaraçosa. Depois de tudo, Sywell é um homem com influência, apesar de seu indigno
comportamento. Decidi que vários de nós vão ao lugar esta noite. Se encontrarmos um corpo,
chamarei um juiz e a lei se fará cargo do assunto. Do contrário, só teremos que escolher se
seguirmos com a busca ou abandoná-la. Mas é provável que nunca encontremos nada.
—Sim, suponho - murmurou Beatrice. Sentia que a situação tinha escapado a seu
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controle.
—Tomará cuidado?
—Claro que sim - respondeu ele com um sorriso.
—Não passará nada mau, Beatrice. Bellows e seus amigos conhecem muito bem essas
terras. Não se sentem intimidados pelos rumores sobre rituais pagãos nem lhes assusta a
maldição que possa cair sobre eles por incomodar aos deuses antigos... Nem pelos espectros dos
monges que vagam pela capela. Temo que nosso Bellows é um bruto, embora acredite que tem
seus motivos.
Beatrice sorriu. Sabia que Harry tentava fazê-la rir para lhe fazer esquecer o verdadeiro
horror que estava tendo lugar.
—Bellows nos apoiou muito nos últimos três anos – disse.
—Mas agora que sei... Não posso permitir que isto continue.
—Acredito que deveria pôr fim a suas atividades antes que o descubram e o enforquem
por ladrão - disse Harry.
—Mas não se preocupe por isso, Beatrice. Dou-lhe minha palavra de que tudo se
resolveu antes que eu parta do Abbot Giles.
Beatrice baixou o olhar. O coração lhe pulsava desbocado, e não pôde reunir o valor para
lhe perguntar o que queria dizer, de modo que voltou a tirar o tema da tumba do bosque.
—Há dito a Olivia que se encontrou algo?
—Não... E você tampouco deve dizer-lhe por seu próprio bem—sorriu tristemente.
—Já conhece sua irmã. Se suspeitasse o que tramamos, não me deixaria em paz até que
lhe permitisse vir conosco. Sabe como usar suas habilidades femininas para conseguir o que
quer... Como possivelmente tenha notado.
—Sim - disse Beatrice rindo.
—Tenho que confessar que ao princípio me surpreendeu, mas o faz sem má intenção.
—Certamente - corroborou Harry.
—Olivia é uma garota encantadora. Por que crê que a metade dos homens de Londres
lhe declararam?
Beatrice sorriu, mas não respondeu. Estava muito claro que Harry tinha muito carinho a
sua irmã.
—Não pode lhe permitir que o acompanhe esta noite. Só conseguiria complicar mais as
coisas...
—Estava pensando em sua segurança - disse Harry.
—Além disso, faz muito frio. Estará melhor em sua cama. Se descobrirmos algo mau não
será nada agradável.
—Não, não o será - disse ela, estremecendo-se.
—Suponho que tampouco me permitirá lhe acompanhar, verdade?
—Não lhe posso proibir isso, mas prefiro que fique aqui, Beatrice. Contar-lhe-ei tudo,
encontre o que encontre.
—Então farei o que me pede - disse ela, sorrindo-lhe.
—Deve ter fome depois de sua caminhada, milord. Subirei a trocar de roupa e farei que
nos sirvam um almoço ligeiro no salão.
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Capítulo 9
Beatrice esteve observando Harry durante toda a noitada. Não podia tirar da cabeça a
ideia de que sua vida podia estar em perigo. Sabia que sua inquietação era absurda, mas a
estranha sensação que a invadiu a noite que cruzou em solitário as terras da abadia voltava a
atormentá-la. O que tinha aquele lugar? Nunca tinha acreditado nas histórias de aparições
fantasmagóricas e sucessos inexplicáveis, mas agora se perguntava se a abadia Steepwood e
todos o que ali moravam estavam realmente malditos.
Tinha medo pelo que Harry e Bellows se dispunham a fazer essa noite. Zangar-se-iam os
deuses antigos por outra violação dos lugares sagrados?
Estava se comportando como uma estúpida ao permitir que as lendas e os mitos a
assustassem. Não como Harry, que parecia muito tranquilo e seguro apesar do que tinha
contado sobre as forças do bem e do mal na terra.
Quando todo mundo se retirou a seus quartos às dez e meia, Beatrice lhe jogou um olhar
muito expressivo que ele respondeu arqueando as sobrancelhas. Sacudiu a cabeça. Não havia
nada que pudesse dizer ou fazer. Ele sabia como se sentia e lhe tinha pedido que ficasse em
casa, e ela devia lhe obedecer. Tinha lhe dado sua palavra de que não falaria daquilo com
ninguém, e devia cumprir sua promessa por mais ansiosa que estivesse.
Entretanto, resultou-lhe impossível conciliar o sonho e permaneceu tombada olhando a
escuridão muito depois de que Harry tivesse saído furtivamente da casa. Oxalá pudesse havê-
lo acompanhado... Queria levantar-se e segui-lo, mas o sentido comum lhe dizia que só seria
um estorvo para os homens e sua macabra tarefa. Harry não estava sozinho. Havia quatro
homens fornidos com ele. O que podia lhe passar? Absolutamente nada.
Mas aquela certeza não conseguia tranquilizá-la. Parecia que algo se abatia sobre ela;
um mau presságio para o Harry. A ideia de que algo mau poderia lhe ocorrer na abadia não
deixava de envenená-la.
Não podia ficar ali tombada junto a sua irmã enquanto sua cabeça estava com os homens
no bosque, de modo que decidiu levantar-se e ir abaixo.
Sua intenção era esperar na cozinha, mas seus pés a conduziram ao quarto que sempre
tinha sido seu e que agora ocupava Harry. Talvez já tivesse retornado e o encontrasse ali.
Duvidou um momento na porta, e então chamou brandamente e entrou. A cama estava
vazia. Harry não havia retornado ainda. Beatrice levou a vela ao suporte da chaminé e, depois
de acender duas mais, sentou-se junto à janela. Ao cabo de uns minutos voltou a levantar-se e
começou a andar de um lado a outro do quarto. O aroma do Harry parecia impregná-lo tudo.
Acariciou suas escovas e agarrou seu peignoir para levar ao rosto, aspirando a
fragrância de sândalo e couro. Céus como amava a aquele homem...
Nunca tinha imaginado que pudesse sentir-se assim. Era algo que transcendia todo o
conhecido até agora.
Levou o peignoir do Harry à cama e se sentou no bordo, sustentando o objeto contra seus
seios. Naquele momento soube que estava disposta a sacrificar tudo por amor.
Se Harry lhe pedia que fosse seu amante, sê-lo-ia sem duvidá-lo. Não podia suportar a
ideia de que partisse e que nunca mais voltasse a vê-lo. Não lhe importava quais fossem suas
condições; ela as aceitaria sem reservas. Tão somente pediria que sua irmã nunca soubesse.
Sorriu para si mesma e apoiou a cabeça no travesseiro. Descansaria ali até que Harry
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voltasse...
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solucionar seu compromisso com a Olivia. As coisas não podiam seguir como estavam... Pelo
bem de todos. Tomou seu tempo por suas próprias razões, mas devia fazer algo logo.
Ao abrir a porta de seu quarto, viu as velas acesas e Beatrice dormindo na cama. Tinha
um aspecto encantador, com o cabelo alvoroçado pelos ombros e o rosto acalorado em sonhos.
Por um momento se perguntou se tinha se equivocado de quarto, mas não era assim. Ela
estava inteiramente vestida, estendida sobre as mantas. Devia ter estado esperando-o.
Harry deixou a taça de brandy junto ao candelabro que Beatrice tinha levado e se
aproximou da cama sem fazer ruído. Sem dúvida lhe tinha resultado impossível dormir,
preocupada com o que estava passando e desejando estar com eles até sabendo que só seria um
estorvo. Levantou-se da cama para não incomodar a sua irmã e tinha ido a seu quarto... Mas,
por que ali? Por que não o tinha esperado na cozinha?
Sentou-se cuidadosamente no bordo da cama. A tentação foi mais forte que seu sentido
do dever e o obrigou a inclinar-se para beijá-la brandamente nos lábios. Ela abriu os olhos e o
olhou com expressão sonhadora.
—Harry, meu amor – sussurrou.
—Está a salvo... Retornou para mim... Graças a Deus.
E então lhe rodeou o pescoço com os braços e atirou dele para beijá-lo com uma paixão
tão fervente e feliz que o desejo do Harry varreu os poucos escrúpulos que ficavam.
Sua boca a devorou com uma avidez insaciável. Estreitou-a entre seus braços e a apertou
contra ele. Sentiu a espetada de seus mamilos através da camisa e soube que estava excitada.
Desejava-o tanto como ele a desejava.
Invadiu-lhe a boca com a língua, saboreando com deleite sua doçura. Beijou-a no pescoço
e ela jogou a cabeça para trás com um gemido de prazer. Continuando, abriu-lhe a peignoir
para revelar seus seios e agachou a cabeça para lhe lamber os endurecidos mamilos. Fê-la
tombar-se de costas e a respiração lhe entrecortou quando enterrou o rosto na suavidade de seu
ventre, aspirando o sensual perfume de sua pele.
—Morro de desejo por você Beatrice — murmurou.
—Deus, é preciosa...
—Sou sua, se me desejar...
Harry se sentia perigosamente tentado. Nunca havia sentido algo tão forte por uma
mulher. Ardia de desejo por fazê-la sua, mas embora ela o olhasse com olhos alagados em
paixão, sabia que não podia fazê-lo. Ela era tão inocente como formosa, e ele não podia aceitar
o presente que tão docemente lhe oferecia. Tinha-a pegado por surpresa e ela não tinha pensado
nas consequências. Não podia aproveitar-se dela.
—Não—disse com voz áspera.
—Isto não está bem, Beatrice. Não quero lhe desonrar. Não adiantarei sua noite de bodas
por tomar o que me oferece. Não seria justo...
Beatrice o olhou horrorizada. O que estava dizendo? Tinha interpretado mal seus
sentimentos. Não a desejava! Falava de desonra e justiça, quando ela não podia pensar em
outra coisa que perder-se entre seus braços. O teria dado tudo por uma noite de amor, embora
não pudesse ter mais... Mas ele a tinha rechaçado. Seu sentido da honra era muito forte.
Conteve-se, lhe recordando as barreiras que se levantavam entre eles. Beatrice sentiu como a
transpassava uma dolorosa pontada de humilhação.
—Perdoe-me - disse com voz afogada. Devo ter estado sonhando. Não sabia o que dizia...
E então, antes que Harry pudesse detê-la, separou-se dele e saiu rapidamente do quarto
para refugiar-se no quarto que compartilhava com Olivia.
Sabia que Harry não a seguiria ali. Ela tinha perdido a cabeça ao calor da paixão, mas ele
se comportou com a decência e a honra que podia esperar-se de um homem de sua classe. Sabia
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que não faria nem diria nada para traí-la, mas como poderia olhá-lo outra vez à cara?
Apoiou-se contra a porta da quarto e fechou os olhos. O rosto lhe ardia e estava
tremendo. Como tinha podido ser tão néscia para jogar-se em seus braços? Como tinha podido
comportar-se daquela maneira tão lasciva? O que estará pensando Harry dela?
Ao cabo de uns minutos, deitou-se na cama e fez um novelo com seu corpo, invadida pela
lembrança de seu rechaço.
Tinha sido uma ingênua ao pensar que Harry a queria. Como ia sentir algo por ela?
Tinha vinte e três anos, quase uma solteirona. Olivia era jovem, viçosa e formosa, e sabia como
comportar-se quando um cavalheiro flertava com ela. Nenhum homem a preferiria a sua irmã,
mas seu traiçoeiro coração a tinha enganado.
Não só tinha perdido o coração, mas também a cabeça. Tinha acreditado que Harry
pretendia lhe oferecer seu carte blanche. Ao princípio a tinha enojado a ideia de ser
unicamente sua amante, mas o desespero por estar em seus braços a tinha feito renegar seus
princípios.
O tinha bem merecido por sua imprudência. Comportou-se como uma estúpida e agora
teria que passar os próximos dias como melhor pudesse. Para lhes economizar uma situação
embaraçosa a ambos, tentaria manter-se afastada de lorde Ravensden tudo o que fosse possível.
—OH, aqui está - disse Olivia ao entrar na cozinha, onde Beatrice se refugiou à manhã
seguinte.
—Estou convencida de que perdi o crucifixo na abadia. Virá comigo para buscá-lo? Por
favor, Beatrice. Significa muito para mim.
Beatrice olhou pela janela. Fazia uma manhã ensolarada, sem sinais de névoa ou chuva.
Pensou que um passeio lhe sentaria bem e lhe aliviaria a dor de cabeça que a estava
martirizando desde que despertou. Além disso, tinha prometido a sua irmã que a ajudaria a
procurar seu crucifixo.
—Sim, claro que sim - respondeu, tirando o avental.
—Deixa que vá por meu casaco e sairemos em seguida.
—Viu ao Harry esta manhã? —perguntou a Olivia quando saíram ao vestíbulo e
esperava que Beatrice colocasse o casaco e o chapéu.
—Nan me disse que se levantou muito cedo e que saiu a montar, mas já teria que ter
retornado. É quase a hora do almoço.
—Não, não o vi - respondeu Beatrice. Não se tinha aproximado do salão em toda a
manhã, e não tinha intenção de fazê-lo. Buscaria qualquer tarefa que a mantivesse ocupada
longe dali.
Mas sua irmã não tinha culpa de que se sentisse tão desgraçada, assim que a tirou do
braço e lhe sorriu.
—Como se sente querida? Já não está zangada com lorde Ravensden?
—Não, não estou zangada - disse Olivia.
—Tudo foi um mal-entendido... Agravado por culpa do odioso Peregrine. Eu gosto de
Harry. É muito amável e atento, e tem muito senso de humor.
—Sim, é verdade - afirmou Beatrice.
—Acredito que seria um bom marido... Deveria pensar nisso muito seriamente antes de
rechaçá-lo, Olivia.
—OH, fá-lo-ei - disse sua irmã.
—Pensarei muito seriamente qualquer proposição que me faça lorde Ravensden.
Beatrice assentiu, mas não disse nada. Já tinham chegado às terras da abadia e estavam
caminhando pelo estreito caminho que tinham percorrido com antecedência.
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—Acredito que devo lhe passar o braço pela cintura —disse ele, com um brilho nos olhos
que a Beatrice não passou por cima.
—Possivelmente possa caminhar se me ajuda.
—Olivia vai trazer Bellows - disse ela, recordando com atraso sua intenção de manter-se
afastada dele.
— Talvez devesse esperar milord.
Harry olhou a seu redor. O cavalo estava dando coices a uns metros de distância.
—Bellows se encarregará do pobre Rufus. Nunca se tinha desbocado assim, mas não foi
culpa dele. Tem que me ajudar Beatrice.
—Muito bem. Se apoiar em mim, poderemos voltar juntos a casa.
—Devagar - lhe pediu ele.
—Não posso caminhar depressa. Tem que ser paciente comigo, Beatrice.
—Sim, é obvio - aceitou ela, olhando-o com preocupação.
—Acredito que tenha feito um corte na cabeça, senhor. Tem um fio de sangue
deslizando-se por seu pescoço.
—Sinto-me como se me tivessem aberto de cima abaixo—murmurou ele.
—Confio em que me cuide se voltar a cair doente.
Beatrice teve a estranha sensação de que estava burlando dela, lhe recordando
deliberadamente o que tinha passado com antecedência e fazendo que se ruborizasse. Como
podia fazê-lo? Harry devia saber quão incômoda ela se sentiu depois do ocorrido a noite
anterior.
—Ocupar-me-ei de lhe lavar a ferida, senhor.
—Assim voltamos para o de «senhor» - disse Harry com um suspiro.
— Acreditava que já tínhamos deixado atrás as formalidades, Beatrice.
—Por favor, não me recorde meu comportamento - lhe suplicou ela. Queria sair
correndo, igual a tinha feito no dia anterior, mas não podia abandoná-lo.
—Tinha estado sonhando. Não sabia o que dizia. Deveria se compadecer de mim e não
me recordar algo que é melhor esquecer.
—Sonhou comigo?
Beatrice girou a cabeça para ele, mas Harry se deteve com os olhos fechados, como se
estivesse sofrendo de dor.
—Dói muito a cabeça, milord?
—A verdade é que sim - admitiu ele.
—Mas acredito que Sywell lhes teria matado se eu não lhes tivesse visto entrar no
imóvel. Segui-lhes a certa distância... Um segundo mais e teria sido muito tarde. Por que
demônios vieram sozinhas a este lugar? Estava procurando essa maldita tumba?
—Não —respondeu Beatrice, ruborizando-se.
—Estávamos procurando um crucifixo de ouro e uma corrente. Era um presente que fez
minha mãe a minha irmã. Olivia o perdeu quando veio com lorde Dawlish, e estava tão
angustiada que acessei a vir com ela para buscá-lo.
—Não pensou que podia ser perigoso? Não me podia haver dito isso para que tivesse
organizado uma busca? Pensa-o, Beatrice... Se tivéssemos encontrado a tumba teriam
enfrentado a um assassino, não a um bêbado incapaz de resistir o empurrão de uma mulher
nas costas.
Beatrice mordeu o lábio. Merecia as recriminações do Harry.
—Tenho que supor pelo que diz que a tumba não continha o corpo da marquesa?
—Era a tumba de um cavalo.
Ela assentiu, aliviada.
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—Sim, suponho que o marquês enterrou a mais de um cavalo - disse muito séria.
—É um cavaleiro muito agressivo - levantou o olhar em volta dele.
—Dá conta de que teremos que finalizar a busca depois do que aconteceu esta manhã?
Não podemos continuar. Alguém poderia morrer e isso não seria bom para ninguém.
Harry franziu o cenho.
—Sim, acredito que tem razão. Tinha intenção de prosseguir a busca, mas é muito
perigoso. Se o marquês estiver disposto a abrir fogo contra uma mulher indefesa, não
duvidaria em matar ao Bellows ou a qualquer de seus amigos.
—Não estava indefesa. Tinha a minha irmã - protestou ela em tom jocoso. O calor do
corpo do Harry pressionado contra o seu fazia sentir coisas que jurou não voltar a sentir
nunca mais, mas não podia evitá-lo.
—É verdade, tinha esquecido— murmurou ele com um sorriso.
—Outra dívida mais que tenho com a Olivia.
—Não deveria se referir a seu matrimônio como uma dívida - o repreendeu ela,
reprimindo seus sentimentos em defesa de sua irmã.
—Olivia é uma mulher encantadora e muito generosa, e você confessou em várias
ocasiões que lhe tem afeto.
—E não o nego. Sinto um quente afeto por sua irmã, Beatrice.
Ela viu o brilho em seus olhos e apartou rapidamente o olhar. Não havia confusão
possível. Harry a desejava. Seus beijos o tinham confirmado a noite anterior, embora suas
palavras a rechaçassem.
Mas, como podia aceitá-lo? Tudo era muito injusto!
—Não burle de mim, senhor—disse.
—Ontem à noite me levei como uma estúpida, mas foi por... Pelas coisas que disse...
—Sei - admitiu, ficando sério.
—Não tem do que se envergonhar, Beatrice. Foi minha culpa, mas devo acabar com isto
antes que vá muito longe. Tenho que falar com a Olivia.
—Sim, eu...
Deixou de falar quando viu aproximar-se lady Susanna, Nan, Bellows, Lily e inclusive a
Ida, que caminhava detrás da Olivia.
—Parece que toda a casa veio em meu resgate - disse Harry com um enigmático sorriso.
—Nunca tinha visto uma devoção semelhante, apesar das legiões de criados que tenho a
meu serviço.
—Encontra-se gravemente ferido, meu lorde? —perguntou-lhe Bellows, adiantando-se
ao grupo para chegar até eles.
— Deixe-o a mim, senhorita Beatrice.
—Beatrice e Nan me ajudarão - disse Harry, assumindo o controle da situação uma vez
mais. Não parecia ter recebido um golpe na cabeça.
—Bellows, você vá ver meu cavalo. Encontrá-lo-á vagando por aí... E ao marquês do
Sywell em um estado de semiconsciencia, completamente bêbado. Faz o favor de avisar ao
senhor Burneck para que saiba que seu amo está atirado na terra molhada do jardim botânico,
e logo traga o pobre Rufus a casa.
Dispunha-se a dizer algo mais quando se ouviu um fortíssimo estampido. Todos deram a
volta a tempo de ver uma coluna de fumaça elevando-se desde o Roade House.
—Papai! —gritou Beatrice.
—Estava na cozinha quando saímos — disse Nan, aterrorizada.
—Adverti-lhe que não avivasse muito o fogo, Beatrice, mas disse que queria comprovar o
dispositivo até o limite.
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—Toma o braço do Harry - lhe ordenou Beatrice. Nan obedeceu e ela pôs-se a correr para
a parte traseira da casa.
—Papai! OH, por favor, que não lhe tenha passado nada...
O coração lhe pulsava desbocado. Por que seu pai tinha que experimentar coisas tão
perigosas? Não poderia suportar perdê-lo.
À medida que se aproximava, ouviu alguém saindo do buraco na parede da cozinha. Seu
pai tinha o rosto manchado de fuligem e a roupa lhe tinha chamuscado, mas a chamou
alegremente ao vê-la.
—Não se preocupe Beatrice. Não estou ferido, embora menos mal que todos tinham
saído. Acredito que nesta ocasião causei mais destroços que antes.
—OH, papai - disse ela, e se jogou em seus braços enquanto rompia a chorar.
—Acreditava que estava morto ou ferido gravemente.
—Está bem, está bem - murmurou o senhor Roade, lhe dando torpemente um tapinha no
braço. Parecia desconcertado pela emotiva debilidade de sua filha, quem sempre se mostrava
tranquila e sensata.
—Não é para tanto, carinho. Só foi uma pequena explosão e um pouco de fumaça, nada
mais.
Beatrice sacudiu a cabeça.
Não podia conter as lágrimas. Deu-se conta de que nunca tinha chorado tão
desconsoladamente, nem sequer quando morreu sua mãe. Sempre tinha contido a dor e a
angústia em seu interior pelo bem de seu pai, mas agora esses sentimentos a transbordavam.
De repente, tudo parecia muito para ela.
Deu a volta, procurando instintivamente ao Harry, e o encontrou junto a ela. Ele a
recebeu em seus braços inclinou-se ligeiramente para levantá-la e a levou a salão, onde a
deixou no sofá para ajoelhar-se no tapete a seu lado.
—Sinto-o - murmurou ela entre soluços.
—Não posso parar...
—Não me surpreende - disse ele amavelmente.
—Você levou uma carga muito pesada durante muito tempo - lhe estendeu seu lenço,
grande e branco.
—Seque os olhos, Beatrice. Não há por que chorar. Estou aqui para lhe cuidar. Nunca
mais voltará a estar sozinha.
Ela o olhou com os olhos cheios de lágrimas.
—Mas não pode dizê-lo a sério. Está prometido a Olivia. Tem que se casar com ela. É o
correto...
—Sê-lo-ia se fosse meu - disse Olivia da porta, e ambos se giraram para olhá-la. Estava
sorrindo e o rosto lhe brilhava de picardia.
—Como pode pensar minha irmã, tão sensata e razoável, que me casaria com um homem
que não está apaixonado por mim? Faz dias que sei que Harry está louco por você, Beatrice...
Mas não soube o que você sentia por ele até esta manhã, quando vi sua reação ao pensar que
tinha morrido.
—Não sabia até esta manhã? — perguntou lady Susanna, aparecendo junto a ela na
porta.
—Que curioso. Eu soube a primeira vez que ouvi Beatrice dizer seu nome. E,
naturalmente, soube que Harry estava apaixonado por ela quando lhe comprou aquele vestido
- soltou uma gargalhada alegre e cantante.
— É a primeira vez que meu filho vai às compras sem que ninguém o obrigue.
—Está exagerando, mamãe - lhe reprovou Harry.
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proteger do amor... Mas agora lhe rogo que não o faça. Se não pedir a Beatrice que se case com
você, perderá o mais prezado que possa possuir em sua vida.
Harry guardou silêncio por um momento. Olhou Beatrice e a todos os rostos que o
observavam espectadores. Detrás de sua mãe e da Olivia se agruparam Nan, o senhor Roade e
os criados.
—Bellows, disse-lhe que fosse procurar meu cavalo. Se ocupe disso em seguida, por favor
- ordenou, voltando a impor sua autoridade.
—Senhora Willow, agradecer-lhe-ia que preparasse um pouco de chá para Beatrice, e
leve com você a Lily e a Ida, se for tão amável.
—Sim, milord, é obvio - respondeu Nan com um sorriso, e se girou para afugentar às
surpreendidas criadas.
—Senhor Roade, estar-lhe-ia muito agradecido se pudesse avisar ao chofer de lady
Susanna e ao que eu contratei no Northampton. Acredito que deveríamos nos transladar todos
a minha casa do Cambridgeshire o antes possível, já que não podemos ficar aqui depois da
explosão. A casa é muito fria, mas podemos chegar ao Camberwell antes que anoiteça e
mandar a um moço na frente para que acenda o fogo. Bellows pode ficar aqui para ocupar-se
das reparações, e as criadas enviarão nossa bagagem amanhã.
—Ah, sim - disse o senhor Roade.
— É essa a casa da que me falou? A casa velha e com correntes de ar?
—Tenho várias casas velhas e com correntes de ar - respondeu tranquilamente Harry.
—Não se preocupe com o fracasso de hoje, senhor. Estou convencido de que se
analisarmos atentamente o problema, descobriremos onde falharam seus cálculos. E com o
tempo daremos com a solução.
—Sim, estou quase seguro de que já sei qual é a resposta - disse o senhor Roade com um
amplo sorriso.
—Acredito que nos vamos entender muito bem, Ravensden. Tem uma mente prodigiosa.
Soube desde dia que chegou a esta casa. Disse-lhe que Beatrice seria uma magnífica esposa?
—Sim, senhor, disse-me isso.
O senhor Roade assentiu, como se já tivesse solucionado tudo, olhou com afeto a sua
filha e saiu do salão.
Harry se voltou para a Olivia com um sorriso.
—Senhorita Olivia, há algum tempo tive e sigo tendo a intenção de lhe fazer uma
proposição... Não lhe ofereço o matrimônio, a não ser minha amizade. E quero lhe transferir
dez mil libras, que serão suas aconteça o que acontecer. Espero que seja o bastante amável para
aceitar este oferecimento. Odeio pensar que fui eu o causador de sua ruína, e é minha
obrigação tratar de lhe compensar de algum jeito.
—Agradeço sua amabilidade, lorde Ravensden - respondeu ela com um sorriso
encantador.
—Não vou rechaçar sua generosa oferta, pois esse dinheiro me permitirá ser
independente. E tem que saber que decidi não me casar nunca...
—Olivia - exclamou Beatrice.
—Seguro que algum dia...
—Não casarei a menos que encontre a um homem ao que possa amar tanto como minha
irmã ama a você, Harry - declarou, lhes dedicando um de seus mais doces sorrisos.
—Subirei para preparar umas quantas coisas para a viagem. Lily me ajudará a fazer sua
bagagem, Beatrice... E estou segura de que Nan poderá ajudar a lady Susanna com muito
prazer.
—Obrigada, senhorita Olivia - disse Harry.
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—OH, por que seguir com esse trato de etiqueta? Tínhamo-nos acostumado a nos
chamar por nossos nomes. Por que trocar agora?
—Isso, por quê? —corroborou Olivia.
—Especialmente se iremos ser parentes dentro de muito pouco.
—Olivia! —repreendeu-a Beatrice.
—Ainda não me pediu isso.
—Ainda não tive ocasião - disse Harry, e olhou a sua mãe quando Olivia partiu.
—Mamãe se crê que vou pedir a Beatrice que seja minha esposa com você aqui, está
muito equivocada.
—Enquanto o faça... —repôs lady Susanna.
—Não penso aceitar a nenhuma outra mulher como nora, minha querida Beatrice - lhe
assegurou com sua risada cantante.
—E agora devo ir, ou meu filho começará a perder os nervos...
—Harry - murmurou Beatrice quando finalmente ficaram sozinhos.
—Não tem que lhes fazer caso. Todos estão impacientes por saber o que vai passar.
Incluídas as pobres Lily e Ida.
—A casa será restaurada, como hei dito. As criadas seguirão trabalhando aqui, a menos
que deseje levá-las, claro está. Bellows poderá contratar a mais gente se o achar necessário. A
senhora Willow receberá o dinheiro suficiente para governar a casa como é devido. Seu pai
viverá conosco, naturalmente, mas também disporá desta casa para que possa sentir-se
independente cada vez que queira. Além disso, acredito que esta casa alberga muitas boas
lembranças para ele.
Beatrice tomou a mão e a apertou fortemente.
—É muito amável - disse, com um nó na garganta.
—Mas não pensa lhe permitir que experimente em sua casa, verdade?
—Minha casa do Camberwell é muito velha e não merece a pena conservar-se - disse ele
com um sorriso malicioso.
—Espera a comprovar quão fria pode chegar a ser. Só Ravensden é suportável no
inverno. Prefiro minha casa da cidade. Acredite-me, seu pai fará um favor a todos se conseguir
que Camberwell voe pelos ares. Assim poderemos construir uma casa mais moderna e
acolhedora.
Beatrice se pôs a rir. As lágrimas lhe tinham secado fazia momento. Ficou em pé e o
olhou insegura. Parecia que seus sonhos iriam se fazer realidade, mas lhe resultava difícil
acreditar.
—De verdade quer casar comigo, Harry?
—Como pode duvidar carinho? —perguntou ele, lhe levando sua mão aos lábios para
beijar.
—Acredito que comecei a me apaixonar por você desde que a vi entrar como um
fantasma em meu dormitório para me atender em meu delírio, com o cabelo solto e
alvoroçado...
—Chamou a Merry - disse ela.
—Perguntava-me se seria sua amante, mas logo me esclareceu que era a mulher de lorde
Dawlish.
—Houve outras mulheres - admitiu, entreabrindo o olhar.
—Mas não amei a nenhuma delas. Minha mãe tinha razão. Renunciei ao amor em
minha vida porque tinha medo. Queria muito a Lillibeth e a perdi. Temia que se me permitia
voltar a amar a alguém...
—Sim, entendo-o - disse Beatrice, lhe pondo um dedo nos lábios.
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—Uma vez, sendo eu muito jovem, fizeram-me muito dano e pensei que nunca voltaria a
amar a ninguém. Não podia me dar conta de que essa pessoa não me tinha ferido o coração, a
não ser meu orgulho. Você me ensinou o que é a verdadeira dor, Harry. Acreditei que me ia
romper o coração ao pensar que se casaria com a Olivia... E quando caiu do cavalo esta manhã
senti uma angústia insofrível.
—Ouvi como me suplicava que vivesse — disse ele com um terno sorriso.
—Tenho que lhe confessar que não estava tão aturdido como lhe fiz acreditar.
—Se não tivesse se recuperado, acredito que eu teria morrido. Mas sabia que sua
obrigação era pedir matrimônio a Olivia e que eu não tinha nenhum direito a lhe amar.
—Ao princípio acreditava que minha única alternativa era suplicar a Olivia que se
convertesse em minha esposa - disse Harry.
—Tinha dado minha palavra a sua irmã, e por culpa de minha imprudência lorde
Burton a jogou de casa. Mas logo comecei a me dar conta de que não podia me casar com ela se
meu coração pertencia a você. Apesar disso, era muito cedo para lhe dizer isso. Tinha que
esperar por sentido da honra e a decência - a olhou tristemente.
—Além disso, nem sequer estava seguro de que meus sentimentos fossem
correspondidos. Foi só ao lhe beijar e sentir sua resposta quando soube que teria que procurar
outra solução.
—OH, Harry... —disse ela, sorrindo através das lágrimas que voltavam a afluir a seus
olhos.
—Ontem à noite fugi porque me envergonhava de meu comportamento... Oferecendo-me
de uma forma tão descarada.
—E eu ansiava aceitar seu oferecimento — respondeu ele.
—O desejava mais que nada, Beatrice, mas me envergonhava de que pudesse pensar algo
semelhante. Sempre me regi por um código de honra a respeito. Sabia que era virgem e que
assim devia se oferecer a mim como noiva. Pura e inocente.
—Ainda não me pediu isso - lhe recordou ela, tornando-se a rir para não seguir
chorando de emoção.
Harry também riu e se ajoelhou frente a ela.
—Em nome de minha mãe, de todas as partes interessadas e de mim mesmo, suplico-lhe
encarecidamente que seja minha esposa, senhorita Roade. Tenho-lhe em muito alta estima, e se
me rechaça afundarei no mais profundo desespero.
—É que não pode falar alguma vez a sério, Harry? —perguntou-lhe ela em tom de
recriminação.
—Sou muito sensata para rechaçar uma proposição semelhante, embora estivesse bem
empregado se lhe mantivesse em dúvida vários meses.
—Mas não o fará, verdade, meu amor? —perguntou-lhe ele, ficando em pé.
—Sabe que se não aceitar se converter em minha mulher neste preciso instante, levá-la-
ei acima à força e lhe farei o amor até que se renda incondicionalmente.
Beatrice soltou uma risada nervosa.
—Não me tente senhor, ou pode ser que me reprima a propósito só para ver do que é
capaz...
Harry a estreitou entre seus braços e a beijou com tanta paixão que a deixou sem fôlego.
Quando finalmente a soltou, ela o olhou fixamente aos olhos.
—Está seguro de que quer se casar comigo? —sussurrou em tom zombador.
—Não me pede isso só para agradar a sua mãe?
—Beatrice...
—OH, muito bem. Se for a única maneira de preservar minha virtude, aceito - disse,
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rindo.
—Aceito com todo meu coração, meu corpo e minha alma...
Capítulo 10
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aquele dia, mas a viagem à cidade tinha sido tão agitada como divertida, e antes de dar-se
conta já estavam de volta no Abbot Giles.
E ao fim tinha chegado o dia das bodas. Em 22 de dezembro.
Beatrice se olhou ao espelho uma vez mais. O vestido estava confeccionado com veludo
cor nata e adornado com rendas de uma tonalidade mais clara. O decote tinha um babado a
jogo e fitas azuis.
Harry seguia preferindo-a de verde, e vários de seus vestidos novos tinham sido
confeccionados em distintas tonalidades dessa cor. Entretanto, ela pensava que a cor nata era
muito adequada para suas bodas, pois refletia fielmente a pureza e a inocência com a que tinha
chegado ao matrimônio. Harry tinha conseguido reprimir-se, embora cada vez lhe resultava
mais difícil.
Foram passar a noite de bodas e os primeiros dias como recém-casados no Camberwell.
A Beatrice tinha parecido uma casa muito cômoda e agradável, apesar de tudo o que
Harry havia dito em seu contrário. Harry tinha empregado a uma pequena equipe de operários
para acondicioná-la e fazê-la habitável.
—Visitaremos minhas propriedades na primavera - lhe havia dito.
—Mas acredito que passaremos quase todo o ano na cidade. A menos que prefira viver
no campo, meu amor.
—Serei feliz em qualquer lugar onde você esteja Harry.
—Possivelmente deveria acrescentar uma nova ala ao Ravensden—disse ele, lhe
beijando a mão.
—Mas temos toda a vida para decidir.
Certamente, tinham toda uma vida para decidir onde queriam ter seu lar, e Beatrice
morria de impaciência por iniciar essa vida em comum.
—Está preparada, querida?
A pergunta de Olivia a tirou de suas divagações. Olhou-se outra vez no espelho e tocou
o colar de pérolas que Harry lhe tinha dado ao lhe pedir a mão oficialmente, além disso, do
esplêndido anel de esmeraldas e diamantes. Sabia que havia muitas relíquias preciosas
esperando-a no banco de seu marido em Londres, mas as pérolas tinham sido um presente
pessoal que nenhuma outra noiva Ravensden tinha usado.
—Escolhi-o eu mesmo - lhe havia dito enquanto lhe grampeava o colar ao pescoço.
—Juro que não enviei a meu agente.
Beatrice sorriu ao recordá-lo. Olhou a sua irmã e sorriu.
—Sim, estou pronta - disse.
—Vamos.
No vestíbulo se congregaram a família e as criadas para vê-la sair.
—Meu deus, senhorita, você está preciosa — disse Lily.
—Agora pertence à nobreza - acrescentou Ida.
—Já não estará mais conosco.
—Vocês devem ficar aqui para cuidar de papai - lhes disse com um sorriso.
—E não lhes ocorra pensar que não voltarão a ver-me. Voltarei de vez em quando para
lhes ver todos. Prometo-o.
—Está preciosa - a elogiou Nan, lhe pondo um buquê de flores atadas com fitas azuis nas
mãos.
—Sempre tive a esperança de que encontrasse a um bom homem, carinho.
—Sim, sei - disse Beatrice com um radiante sorriso. Beijou-a na bochecha e se voltou
para seu pai.
—Vamos, papai?
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—Suponho que devo lhe desejar o melhor senhora - lhe disse sir Peregrine a Beatrice
durante o banquete. Era evidente que as palavras lhe ardiam na garganta.
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—Ao menos Ravensden escolheu desta vez a uma mulher sensata. Estou seguro de que
me oferecerá um jantar decente quando for visitá-los.
—É obvio, senhor - respondeu Beatrice com um sorriso. Nem sequer aquele tipo poderia
turvar sua felicidade. Todos os amigos do Harry a tinham felicitado com sincera efusividade,
especialmente Merry Dawlish, que já estava planejando lhes fazer uma longa visita na
primavera.
—Qualquer a quem Ravensden ou eu convidemos a nossa casa pode estar seguro de que
será bem-vindo.
Não acrescentou que gostaria de recebê-lo, e Peregrine a olhou com receio antes de
afastar-se para falar com lady Susanna.
Harry se aproximou dela um momento depois.
—O que tinha que lhe dizer Peregrine?
—Nada que deva preocupar-se, meu querido Harry. Não tem nada que temer. Era muito
vulnerável quando seu primo ficou em casa, mas agora sou perfeitamente capaz de tratar com
ele, asseguro-lhe isso.
Os olhos do Harry resplandeceram.
—Far-me-ia muito feliz se pudesse convencer a Peregrine de que não nos visite mais que
uma vez cada cinco anos.
—Harry! —repreendeu-o ela, rindo.
—Espero cumprir com meu dever com seu primo melhor que você... Por aborrecível que
possa ser. Virá a ficar quando o fizer Merry, na primavera.
—Mas sabe qual é seu dever comigo? —perguntou-lhe ele, jogando quase fogo pelo
olhar.
—Acredito que é lhe amar, lhe honrar e lhe obedecer - o olhou desafiante aos olhos.
—Tentarei ser uma esposa boa e obediente, milorde.
—Nesse caso, crê que poderia se despedir de todos e se retirar logo, Beatrice? Eu gostaria
de estar a sós com minha noiva.
—Como desejar milord.
—Esta sim que é uma nova Beatrice - disse ele, rindo.
—Será interessante ver até quando dura este caráter dócil e obediente.
Beatrice sacudiu a cabeça e se retirou para trocar de vestido. A nova lady Ravensden não
devia admitir que estivesse tão impaciente como seu senhor.
Nan e Olivia estavam esperando-a para ajudá-la com a roupa. Prodigalizaram-se os
beijos, abraços e bons desejos, e Beatrice baixou aonde um grupo de jovens que esperavam para
vê-la partir. Todas as olhavam com espera. Beatrice se pôs a rir e lhes arrojou o ramalhete, mas
foi Olivia quem o apanhou limpamente.
Harry, enquanto isso tinha estado lhes arrojando punhados de moedas aos meninos que
se aglomeraram para seguir o costume e que agora se arrastavam pelo chão em busca da prata
e do ouro.
Beatrice riu com deleite ao ver o espetáculo. Então a ajudaram a subir à carruagem,
despediu-se por última vez com a mão e ela e seu marido se afastaram.
—Ao fim - disse Harry quando os dois estiveram no pequeno e confortável salão que lhes
tinham preparado.
Um fogo ardia alegremente na chaminé, proporcionando um calor muito agradável
depois do frio trajeto. Na mesa havia comida e vinho, e à exceção do ajudante de câmara do
Harry e da donzela do Beatrice, o resto de serventes se retiraram.
—Vem aqui, Beatrice. Quero saber quão disposta está a dama a seu senhor.
Beatrice se pôs a rir ao ouvir seu tom zombador. Levava um elegante vestido de viagem
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de seda verde, e o cabelo cuidadosamente recolhido no penteado que sua donzela passou horas
arrumando.
—Muito disposta - respondeu.
Harry começou a lhe tirar as forquilhas peroladas do cabelo, as deixando cair ao chão e
lhe liberando as mechas. Só ficou satisfeito quando a teve completamente despenteada.
—Já está - disse com voz rouca.
—Esta é a imagem que vi quando me liberei da morte... Graças a seus deliciosos
cuidados.
—Só fiz o que qualquer outra mulher teria feito.
—Não! Fez mais... Muito mais do que tinha direito a esperar - disse Harry com um
brilho de ternura nos olhos.
—Deu-me muito, embora apenas me conhecesse. Por quê? Por que o fez, Beatrice? O
que lhe importava que vivesse ou não?
—Não podia permitir que morresse em casa de meu pai... O que haveria dito as pessoas?
— burlou-se ela, mas em seguida ficou séria.
—Ou possivelmente foi porque lhe amei de princípio. A primeira vez que lhe vi, antes
inclusive de saber seu nome.
—Mas tentou me jogar.
—Porque tinha feito mal a minha irmã, ou ao menos isso acreditava. Estava convencida
de que foi um monstro que a tinha destruído.
—Quando trocou de opinião?
—Quando? —repetiu ela com um sorriso.
—Acredito que foi quando apartei as mantas e lhe vi... —calou-se, ficando tinta.
—Nu? —concluiu ele, rindo.
—Como veio ao mundo - disse ela, olhando-o com descaramento.
—Acredito que me topei com uma jovem libidinosa! —exclamou ele.
—Acredito que sim - admitiu Beatrice.
—Tem fome, milord? Não gosta especialmente de jantar.
—Só tenho fome de você - respondeu ele, e a beijou com ternura, paixão e desejo.
—Preferiria ir à cama, lady Ravensden - lhe sorriu enquanto a soltava.
—Sobe você, meu amor, e eu irei em seguida.
—Sim, milord - aceitou ela, mostrando uma atitude tão recatada que os olhos do Harry
brilharam de regozijo.
—Mas lhe rogo que não demore... Eu não gostaria que me encontrasse dormindo.
Não havia perigo de que dormisse. Beatrice permitiu que sua donzela a ajudasse a vestir
uma delicada camisola que tinha escolhido para sua noite de bodas, e logo se despediu da
jovem com um sorriso. Sentou-se frente ao espelho da penteadeira e escovou ela mesma o
cabelo, como sempre tinha feito, antes de estender-se na cama.
Fechou os olhos quando Harry entrou na quarto. Não precisava vê-lo para sentir sua
presença. Ele se sentou no bordo da cama, igual a tinha feito uma vez anterior, e a contemplou
em silêncio, até que Beatrice sentiu o roçar de seus lábios nos seus.
Abriu os olhos e lhe sorriu. Muito lentamente, alargou os braços e lhe rodeou o pescoço
para atirar dele para baixo. Essa vez Harry não se conteve e derrubou toda sua paixão no
beijo. Quando finalmente se separaram, os dois estavam tremendo.
—Quero-lhe, Beatrice - murmurou com voz rouca.
—Quero-lhe mais do que possa expressar com palavras. Deixar-me-á demonstrar-lhe da
única maneira que sei?
Os olhos do Beatrice arderam de desejo.
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—Amo-lhe, Harry. Ensina-me a ser uma boa esposa para você. Ensina-me o que quer
que saiba e que seja.
—Não acredito que precisa aprender muito, minha querida libertina - disse ele.
—Mas prometo que serei um professor exigente.
Tirou-lhe a camisola e o jogou junto a seu próprio peignoir, de modo que Beatrice pôde
tocar aquela pele deliciosamente suave que com tanta delicadeza tinha cuidado durante sua
febre. Não havia necessidade de dar instruções, posto que ambos soubessem instintivamente o
que daria prazer ao outro.
—É tão formosa... —murmurou ele.
—Como sempre soube que o tinha debaixo desses vestidos tão pouco favorecedores. É a
mulher a que faz ao vestido, Beatrice, mas esta pele é muito preciosa para que a roce algo que
não seja pura seda. É a deusa de meu coração, e tudo o que possuo é seu para que o use
conforme seu agrado - declarou, e enterrou o rosto em sua pele acetinada.
Seio contra peito, coxa contra coxa, acariciaram-se e beijaram sensualmente, tocando um
ao outro como se fossem delicados instrumentos de corda. Os lábios e a língua de Harry
procuraram os lugares mais secretos e sensíveis de seu corpo, lhe prodigalizando umas carícias
tão deliciosas que Beatrice se sentiu invadida por uma onda de prazer que superava todo o
imaginável.
Houve um momento de dor quando ao fim a penetrou, fazendo-a inteiramente dele, mas
ela apenas o sentiu. Estava feita para dar e receber, para amar e ser amada, e se abriu a ele com
todo o calor de seu ser. Os dois se fundiram em um só corpo, um só coração, uma só alma, e os
dois souberam que aquela plenitude era o presente com que os deuses benziam aos escolhidos.
E ao término da cópula ficaram entrelaçados e falando em sussurros, confessando-se
todos os segredos que nunca tinham contado a ninguém para afiançar até mais os laços de sua
união.
Ele voltou a possuí-la uma e outra vez durante a noite, às vezes com uma ternura
deliciosa, outras com uma paixão selvagem que os deixava exaustos. Finalmente, os dois
caíram sumidos em um profundo sonho que se alargou até bem entrada a manhã.
E quando os criados se deslizaram sem fazer ruído pela casa, sorriram ao saber que seu
amo e sua senhora ainda seguiam dormindo.
Lady Ravensden estava sentada na cama, entre os almofadões de seda. Levava um mês
casada e se sentia imensamente feliz. Tinham-lhe subido a bandeja com o chocolate quente e os
pães-doces, junto a um pequeno montão de cartas.
Quase todas procediam das aldeias. Havia uma de Ghislaine, uma de Olivia e outra de
seu pai. Um momento de emocionante leitura a esperava, pois as cartas do Ghislaine e da
Olivia estariam cheias de fofocas. Além disso, estava impaciente por saber se havia novidades
sobre o desaparecimento de lady Sywell.
Primeiro abriu a carta de Ghislaine. Sua amiga escrevia com um estilo claro e preciso, e
suas cartas eram sempre muito entretidas. Se algo tinha acontecido na abadia, sem dúvida
teria notícias a respeito. E parecia que havia novidades muito interessantes.
—Ainda segue na cama, preguiçosa? — reprovou-lhe Harry, entrando no quarto
quando Beatrice estava a ponto de chegar ao mais suculento da carta.
—Faz uma manhã esplêndida. Levante-se e vem cavalgar com seu senhor.
—Sim, Harry, um momento - disse Beatrice.
—Só quero ler o que diz Ghislaine...
Harry lhe tirou a carta do regaço. Ela tentou recuperá-la, mas ele a sustentou fora de seu
alcance, de modo que se recostou contra os travesseiros e o olhou pacientemente. Sabia que a
devolveria em seguida.
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sua donzela. Era hora de vestir-se e ir cavalgar com seu amado esposo.
Fim
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