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A Revolução dos bichos – resenha

“Não há como negar, nossas vidas são sofridas, laboriosas e breves. Nós nascemos,
recebemos apenas comida o suficiente para continuarmos respirando, e aqueles de nós
que são capazes são forçados a trabalhar até o último vestígio das forças. E, no instante
em que nossa utilidade chega ao fim, somos abatidos com terrível crueldade. Nenhum
animal na Inglaterra é livre. A vida de um animal é sofrimento e escravidão, e essa é a
verdade"

Poderia-se supor que o trecho acima foi proferido por protestantes anticapitalistas, mas,
na realidade, esse trecho aparece em menos de cinco páginas do clássico "revolução dos
bichos" de George Orwell. Ainda assim, o livro deve ser protagonizado por
revolucionários que estão revoltados com as condições de vida oferecidas, não? Não
exatamente, pois na trama os personagens principais são animais. Digo “não
exatamente”, pois obviamente temos aqui uma metáfora um tanto perceptível onde os
animais representam os seres humanos. Essa animalização do homem, além de ter
contribuído bastante para a construção narrativa de uma história coesa com uma crítica
escondida, também pode ser analisada pelo ponto de vista literário, dado que em escolas
literárias como no realismo tínhamos essa animalização frequente. Ainda falando sobre
o movimento, outra característica realista muito marcante é o constante protesto a
problemas sociais que assolavam a época. E se tem um livro que faz muito uso desse
traço, é a "revolução dos bichos"

Conforme a leitura prossegue, observamos vários paralelos com a vida real e alguns dos
movimentos que cresceram no século XX. O começo de tudo, com um sonho (no
contexto geral, poético) de uma vida ideal, aqui representado por um sonho do porco
mais velho da fazenda; o começo de uma ideologia baseada nas lógicas desse sonho,
aqui sendo chamada de animalismo; o estabelecimento de um governo, aqui
representado pela pequena república formada na agora "fazenda dos animais"; a
oposição, aqui representada pelo corvo Moisés, que não tinha interesse em fazer parte
da revolução por sua posição atual ser um tanto benéfica a si, e por alguns outros
animais da fazenda que não se sentiam seguros fora da realidade que conheciam; os fiéis
cegos como os cavalos Sansão e Quitéria, que absorviam e reproduziam tudo dito pelos
porcos; e também a ação externa inimiga feita para derrubar o governo ali feito,
representado pelas falácias ditas pelos proprietários das fazendas vizinhas. Mas, como
apontado anteriormente, toda essa nova sociedade foi construída a partir de um sonho. E
conforme o tempo passou na fazenda dos animais, eles perceberam que era hora de
acordar

Após meses, os porcos, que se estabeleceram como líderes naturais da nova república
animalesca, começam a mostrar suas verdadeiras faces e a separar-se. Vagarosamente
(para que as mudanças não fossem tão perceptíveis de cara) eles vão aumentando seus
privilégios, diminuindo os recursos oferecidos aos outros e aumentando as cargas
horárias dos animais. Os dois cabeças do movimento, bola de neve e Napoleão,
concordavam em quase tudo. Mas após uma divergência de idéias sobre o futuro da
fazenda, o primeiro foi afugentado. Com a ida de bola de neve, os discursos alienadores,
que funcionavam através da intimidação e do medo dos animais, que antes vilanizavam
o antigo dono da fazenda, agora vilanizavam o próprio bola de neve. Assim como em
1984, outro livro do autor, os governantes do comando de Napoleão vão se perdendo
em seus propósitos e discursos, mas sempre sagazmente se disfarçando como os donos
da razão.

Alegadamente, o livro é uma grande sátira da Revolução Russa e os acontecimentos do


século XX na união soviética. Apenas trocando alguns nomes do contexto geral,
percebe-se a total inspiração da historia.

Primeiro uma revolução. Como o próprio significado da palavra indica, o povo


(animais) se revoltou contra os poderosos que os reprimiam (Sr. Jones). Depois, a
alienação (cavalos e ovelhas representando maior parte do proletariado) e o repúdio
(benjamim e humanos representando os opositores) ao discurso proferido começaram,
sendo que os opositores eram constantemente demonizados a fim de vilaniza-los. Após
isso, os chefes de estado, que outrora tinham o mesmo pensamento de igualdade, agora
se divergem (bola de neve e Napoleão representando Trotsky e Stalin). E então,
chegamos ao período de austeridade e perca da essência dos valores (o governo de
Stalin sendo representado pelo de Napoleão)

Mais uma vez George Orwell consegue apresentar uma visão política bem desenvolvida
e repleta de metáforas bem pensadas que não serão captadas de primeira. Em um livro
tão bem escrito e pensado, não é a toa que o romance seja considerado, até hoje, um dos
maiores de sua geração

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