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Trans-humanismo e o Cristianismo

Desde o início da história, as pessoas têm usado a tecnologia para superar


vários desafios. Lentes bifocais, carros, joelhos artificiais, smartphones: a
história da humanidade está repleta de tecnologias projetadas para lidar com as
muitas limitações que enfrentamos na nossa vida cotidiana.
Os trans-humanistas, acreditam que os desenvolvimentos na ciência e na tecnologia
em breve possibilitarão a transcendência radical das limitações humanas biológicas,
cognitivas e emocionais, e a evolução de uma raça pós-humana, até mesmo a obtenção
da imortalidade.

Nos últimos séculos, muitos pensadores ocidentais pregaram uma visão otimista
do progresso científico. O filósofo iluminista francês Nicolas de Condorcet, em seu
“Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano”, expressou
tamanha confiança na capacidade da humanidade de “progresso ilimitado”, a ponto de
se perguntar se “a duração do intervalo médio entre o nascimento e a morte” não
teria um dia “nenhum limite de tempo”.
Os trans-humanistas também propõem que a existência pós-biológica oferecerá mais
do que a imortalidade. À medida que as pessoas se livrarem das limitações
biológicas e se integrarem a tecnologias avançadas, elas também ganharão todo um
conjunto de habilidades, prazeres e experiências que transcenderão os da existência
corporal.

Kurzweil, escreve: “A estrada pela qual estamos indo é uma estrada


pavimentada com ouro. Está cheia de benefícios aos quais nunca iremos resistir –
crescimento contínuo na prosperidade econômica, melhor saúde, comunicação mais
intensa, educação mais efetiva, entretenimento mais envolvente. Até mesmo as
experiências espirituais, proclama Kurzweil, serão capazes de se aprimorar nessa
era "pós-humana".
Em vez de ver o corpo como uma parte fundamental do ser humano, o trans-humanismo
se junta ao restante da modernidade ao preferir a mente à matéria.

O cristianismo, entretanto, tem uma concepção muito mais positiva do corpo.


Os humanos foram criados por Deus como criaturas espirituais dotadas de corpo e
alma (Gn 2,7.21-22). Além disso, o corpo recebe uma grande dignidade, porque
Cristo, na plenitude dos tempos, “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Foi
o seu corpo humano que foi glorificado na Transfiguração (Mt 17,1-13). Foi em um
corpo humano que o Filho de Deus suportou o sofrimento, morreu e foi ressuscitado
para a salvação da humanidade (Mt 16,21-28; Mc 8,31-33; Lc 9,22-27; Jo 2,19-22; At
2,36; 1Tm 1,15). Foi Cristo que, em seu corpo humano, ascendeu à direita do Pai na
glória, onde agora intercede em prol da sua criação (Lc 24,50-53; At 1,9-11; Hb
7,25).

O corpo, apesar das suas falhas e limitações nesta vida, integra a


compreensão cristã da personalidade e da salvação. Para o trans-humanista,
entretanto, o corpo é apenas mais um obstáculo que a humanidade deve superar.
A maior armadilha do trans-humanismo, porém, é o seu equívoco entre liberdade e
autonomia – a capacidade de os indivíduos governarem a si mesmos sem limites. No
cerne da busca do trans-humanismo pela transcendência corporal reside um desejo
maior: a liberdade de estar no controle completo do próprio destino.

Como escreve C. S. Lewis em “Aquela fortaleza medonha”: “Os sonhos do futuro


destino distante do homem estavam arrastando de sua cova rasa e inquieta o antigo
sonho do Homem como Deus” . Apesar dos muitos fins positivos pelos quais o trans-
humanismo se esforça (a melhoria da qualidade de vida, a mitigação do sofrimento
etc.), a concepção cristã do ser não é estritamente definida como uma vontade pura
e autônoma.
Em vez disso, como articula William Cavanaugh, “todos os seres participam de Deus,
fonte do ser”. Para o cristão, a verdadeira liberdade se encontra no serviço a fins
valiosos – fins que encontram o seu cumprimento somente em Deus.

Assim como os trans-humanistas, os cristãos também olham para o futuro da


humanidade. A nossa esperança, no entanto, não reside em uma “evolução” teórica e
tecnológica. Pelo contrário, como observa C. S. Lewis em “Cristianismo puro e
simples”, “o próximo Passo já foi dado. E é realmente novo. Não é uma mudança de
homens cerebrais para homens mais cerebrais ainda: é uma mudança que vai em uma
direção totalmente diferente – uma mudança de criaturas de Deus para filhos de
Deus”

Em Cristo, o Verbo feito carne, o próximo “passo” da humanidade já foi dado,


e nós, como cristãos, confiamos que um dia ele voltará. Assim como nosso Senhor
Jesus morreu, foi sepultado e ressuscitou em glória, nós confiamos que um dia nós
também seremos ressuscitados em corpo e alma.

A transcendência, para o cristão, é mais do que uma vida de consciência


eterna. É uma eternidade visceral e corporal, em que homens e mulheres vivem em uma
terra glorificada com corpos glorificados (Ap 21). Enquanto o trans-humanismo sonha
com uma imortalidade desencarnada e mecânica para a humanidade, nós, cristãos –
confiando nas promessas seguras e na obra de nosso Senhor Jesus Cristo – ansiamos
por uma cidade gloriosa e celestial, onde viveremos e nos regozijaremos eternamente
na presença do nosso Deus.

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