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RAZÕES DESTE LIVRO Com esse desejo e pedido ardoroso, nada mais existia ao

meu redor, senão o retumbar suave e troante, idílico, belo, mas


assustador, do novo ideal que assomava a meu coração. Assim,
caminhei para a mesa eucarística, buscando respostas e forças no
alimento mais consistente do cristianismo, o Pão da Verdade.
E eis a surpresa! O celebrante ofereceu-me a sagrada hóstia...
Quando, conversando com meu editor, resolvi aceitar o desafio Ao mesmo tempo, a âmbula, acompanhada de um pedido:
de escrever um opúsculo sobre os ministérios na Igreja, não imaginava - Por favor, distribua a Eucaristia para mim... Não estou me
a complexidade do assunto que me propunha a desenvolver. sentindo bem!
Juntei, sobre a escrivaninha, tudo o que dispunha sobre o Era início de 1981. Início de minha caminhada missionária.
tema: a Bíblia, documentos pontifícios, itens do direito canônico, Aquele episódio, coincidentemente ou não, tornou-se um marco
livros às dezenas. E comecei meu estudo, anotando questões, em minha vida. A partir de então, passei a testemunhar a sagrada
buscando luzes, dispondo tudo historicamente e, principalmente, função ministerial não apenas como uma opção pessoal, mas por
preocupando-me em apresentá-lo numa linguagem simples, visto primeiro e em igual intensidade, como um chamado, uma escolha,
que a grande maioria das publicações a respeito macula, em muito, um privilégio de Deus, que tem em conta todos os que lhe são
a beleza do ministério cristão, pela linguagem excessivamente caros, e a eles, somente a eles, confia tarefas, delega funções,
clerical e dogmática. aponta caminhos, para balizar a vida de seu povo e o reconduzir ao
caminho da justiça, à terra da promissão. Essa é a função ministerial
Um princípio fundamental é sua terminologia, cujas raízes da Igreja, por conseguinte, de seus pastores e líderes e, em maior
latinas (ministerium) eliminam e resumem toda e qualquer dimensão, de seu povo, com o objetivo único de levar a palavra,
complexidade do assunto: ofício próprio dos servos. Com esse anunciar a qualquer custo, e com meios diversos, a verdade cristalina
espírito de servidão, inicio pois este serviço, no desejo de prestar que move seus corações: Jesus é o Messias; somos todos seus
mais uma contribuição, modesta que seja, à construção única e servos!
comum a todos os participantes da obra divina: o Reino definitivo. Daí a definição: a Igreja é toda ministerial. A amplitude dessa
verdade engloba a totalidade de seus seguidores, fazendo da vida
Nada mais oportuno que expor minha própria experiência. eclesial um completo ministério, revestido de graças e virtudes, para
Durante oito longos anos, estive afastado da vida eclesial. Ao atender às mais prementes ou mesmo às mais insignificantes
retornar, o fiz com ânimo redobrado, desejando ardentemente repor necessidades humanas; todas voltadas para o reencontro com Deus.
o tempo perdido. Natural o desejo de assumir um ministério. Com É função do Povo de Deus, portanto, a sua ação ministerial no
esse desejo, reiniciei minha caminhada de fé, buscando maior mundo.
participação comunitária e frequência mais assídua aos atos Através dos dons e carismas diversos, a Igreja acontece. Seu
litúrgicos. legado e sua pregação atravessam o tempo, a história, nações,
Num deles, senti mais fortemente o chamado, a vocação continentes, a partir da disponibilidade ministerial e visão
ministerial. Aquele sentimento envolveu-me por completo, logo que missionária de seus membros. Deixemos, pois, esse tempo, essa
adentrei a imensa nave da catedral diocesana de Assis, minha mais história e esses povos falarem, para melhor entendermos o valor
nova paróquia, onde chegava para renovar minhas energias do nosso ministério na Igreja.
espirituais, alimentar-me mais uma vez com o banquete eucarístico:
Pai, quero ser seu ministro! Wagner Pedro Menezes - MEAC

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I - MINISTÉRIOS NO ANTIGO TESTAMENTO de Noé era um ministério de vida nova, diante do dilúvio destrutivo
da prepotência humana.
“Entra na arca, tu e toda a tua casa, porque te reconheci justo
diante dos meus olhos...” (Gen 7,1)
Hoje, a arca representa a Igreja, na qual todos somos
convidados a entrar e pôr a salvo toda espécie que nos cerca, se
desejarmos reaver a soberania do passado; para tanto nos é legado
um serviço de restauração, o grande ministério humano cujo ápice
será a reconciliação total através da pessoa do Messias, o “servo
dos servos”, aquele que veio para servir...

1. NO PRINCÍPO, NÃO HAVIA SERVIDÃO. 3. UM SACRIFÍCIO DE RECONCILIAÇÃO

“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”. “À Após vencer as torrentes do Dilúvio, Noé sai da arca com a
imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou.” (Gen 1, função (ministério) de restaurar a vida. “E Noé levantou um altar
26-27) ao Senhor”. (Gen 8,20) O sacrifício da reconciliação, por certo, exigiu
“Eis que eu vos dou toda a erva que dá semente sobre a terra de Noé uma atitude de propiciação diante da fraqueza humana e,
e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas a sua abençoado em seus propósitos, obteve do Senhor uma promessa:
semente, para que vos sirvam de alimento. E a todos os animais da “Enquanto durar a terra, não mais cessarão a sementeira e a
terra, a todas as aves dos céus, a tudo o que se arrasta sobre a colheita, o frio e o calor, o verão e o inverno, o dia e a noite”. (Gen
terra, e em que haja sopro de vida, eu dou toda a erva verde por 8, 22)
alimento”. (Gen 1, 29-30) Restava à humanidade o serviço do plantio e da colheita, a
A humanidade gozava de poder e glória, posto que toda distinção dos ciclos naturais da vida ao seu redor e a certeza dos
natureza girava ao seu redor, era-lhe submissa e prestativa, ministra dias de trabalho que se sucederiam, se quisesse crescer na
total de todos os seus anseios e necessidades... A ciência humana, fecundidade de uma descendência próspera e feliz.
todavia, a fez fraquejar ante a embriaguez do poder: aquele que
era soberano, queria mais, ser não um semideus, imagem apenas, 4. A TORRE DA PREPOTÊNCIA
mas o próprio. Tal prepotência é a primeira grande derrocada
humana: aquele que era “míster”, se torna “minister”. O gênero humano não aceita ser submisso. Quer sempre
mais e sua natureza, inquieta, ávida por dominar, “viaja” além dos
2. NOÉ: PRIMEIRA MISSÃO SALVÍFICA horizontes terrenos, no desejo de desvendar o infinito que a cerca.
Babel, mais que um simbolismo da prepotência humana, de
Destarte, os preâmbulos da história humana não foram atingir os céus, igualar-se à soberania de Deus, representa também
agradáveis a seu Criador. O crime contra o irmão, a infidelidade, a rejeição humana à condição de servos do Criador.
desavenças, despertam em Deus a necessidade de corretivos. Um O entrave das línguas o deixa confuso, gerando discordâncias
dilúvio, submersão da vaidade humana, uma arca e uma família do ideal comum. Como atingir um objetivo, quando não temos a
exemplar, que pudesse levar a termo a salvação e continuidade da mesma linguagem? Aqui começa o processo de dispersão, que
obra criadora. Eis o primeiro grande ministério da história! A missão levará o povo de Deus a um caminho de muitas tribulações.

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5. PATRIARCAS, PRIMEIROS MINISTROS filho da velhice, outro grande ministro da história da Salvação,
herdeiro único das riquezas conquistadas até então.
Inicia-se o plano de salvação desse povo confuso. Abrão, o
pai dos justos, é o primeiro grande enviado, que se desaloja de sua 7. ISAAC: SACRIFÍCIO TOTAL
terra, a pedido de Deus, levando consigo toda a sua família e a
promessa de prosperidade. “Farei de ti uma grande nação; eu te Deus prova a fidelidade dos seus servos. Pede a Abraão um
abençoarei e exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bênçãos.” sacrifício especial: “Toma teu filho, teu único filho a quem tanto
(Gen 12,2) amas...” (Gen 22,2) e o oferece em holocausto.
O embrionário Povo de Deus inicia seu pequeno êxodo, uma Submisso, Abraão obedece, com uma certeza: Deus sabe o
caminhada de santificação, com a ajuda de ministros escolhidos que faz. E se prepara para um ritual extremamente difícil, quando
por Deus; além do próprio Abrão, Lot, filho de seu irmão, muito um anjo interfere: “Não estendas a tua mão contra o menino. Agora
próspero, “possuía também ovelhas, bois e tendas e a região não eu sei que temes a Deus...” (Gen 22,12)
lhes bastava para aí se estabelecerem juntos”. (Gen 13, 5-6) O sacrifício do altar é uma oferenda total. Nosso serviço
Para não dividir o povo e eliminar as discórdias entre os ministerial não pode limitar a extensão de nossas oferendas, posto
pastores, dividiram seus bens e partiram, cada qual para um lado. que a confiança no amor e na providência do Pai são os únicos
A unidade do povo exigiu a partilha, a divisão harmoniosa. parâmetros dos que se dispõem a servi-lo.

8. REBECA = DISPONIBILIDADE
6. PÃO E VINHO, SACRIFÍCIO SACERDOTAL
A escolha da esposa de Isaac prima pela lição de
A conquista da soberania terrena obrigou Abrão a vários disponibilidade à vontade de Deus. “Queres partir com este homem?”
embates com seus inimigos. Sua vitória merecia o reconhecimento - “Sim”, respondeu ela (Gen 24-58).
e a gratidão pela proteção divina. Então, surge a figura sacerdotal Dentro do plano de Deus, nossas decisões pessoais devem
de Melquisedeque, o primeiro deles, que, em nome do povo, oferece estar atentas, se quisermos guiar nossa existência em função de
a Deus pão e vinho, símbolos da unidade no trabalho e da maior um projeto mais amplo que nossas vãs pretensões.
das oferendas retomada por Cristo no futuro. Agradecido pelas
conquistas, Abrão complementa a função sacerdotal, oferecendo a 9. ESAÚ E JACÓ: DOIS POVOS
Deus “o dízimo de tudo”.
Tais procedimentos reportam-nos ao simbolismo presente em Os gêmeos Esaú e Jacó, filhos de Rebeca e Isaac,
nossos atos litúrgicos, nos quais os ministros ordenados são representam o início da grande dispersão do povo de Deus. Esaú,
instrumentos da oferenda eucarística e nós, fiéis agraciados pelas hábil caçador, era o primogênito, portanto herdeiro natural dos bens
vitórias do dia-a-dia, participamos concretamente da função paternos. Jacó, homem pacífico, o predileto das afeições maternas.
sacerdotal, através dos dízimos e ofertas, que representam tributos A questão da herança divide a família. A fome de um e a
de agradecimento pelos bens e benefícios alcançados. ambição do outro, propiciam a troca da herança por um prato de
A atitude de Abrão torna-se motivo de alegria para Deus, que lentilhas. “Foi assim que Esaú desprezou o seu direito de progenitura”
faz um pacto, uma aliança de prosperidade. “De agora em diante (Gen 25, 34)
não te chamarás mais Abrão, e sim Abraão, porque farei de ti o pai O povo de Deus, muitas vezes faminto, continua a trocar seus
de uma multidão de povos” (Gen 17,5 ). Dessa aliança, nasce Isaac, direitos da herança celeste... Então a bênção paterna recai sobre

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aquele que valoriza mais as suas riquezas. Essa reflexão, quase Começa a perseguição. As crianças masculinas do povo
poética, não salienta as artimanhas da mãe Rebeca, mas recorda- israelita deveriam ser mortas, para diminuir a fecundidade daquele
nos que somos convidados a buscar, por todos os meios, nossos povo. Moisés, uma dessas crianças, é posto a salvo e, ironia do
direitos de herança. Esaú foi omisso, Jacó astuto. Seu ministério, junto destino, acaba protegido pela própria filha do Faraó. Quando a
ao povo de Deus, foi enriquecido, lutando contra tudo e todos. “Teu proteção divina recai sobre seu povo, as artimanhas dos poderes
nome não será mais Jacó..., mas Israel, porque lutaste com Deus e humanos se voltam contra eles.
com os homens e venceste”, (Gen 32, 28 ) fazendo por merecer suas Será esse menino o grande instrumento de Deus nessa
riquezas e dividindo-as posteriormente com Esaú, seu irmão. história. A dimensão profética e ministerial de Moisés é seu
A descendência de Jacó, agora Israel, constituir-se-á nos pilares grande estandarte, privilegiada com a primeira grande manifestação
do povo de Deus, doze filhos, doze tribos com a missão de povoar a divina: “Quando eu for para junto dos israelitas e lhes disser que o
terra e levar a todos os povos a fé no Deus generoso e providente, Deus de seus pais me enviou a eles, que lhes responderei se me
que cumulava de bens o seu povo. perguntarem qual é o seu nome?” - Deus respondeu a Moisés: “EU
SOU AQUELE QUE SOU - JAVÉ - (Ex 3, 13)
10. JOSÉ: MINISTRO DO REI Na função ministerial de Moisés vemos três grandes
dimensões para modelar nosso ministério: promover a libertação,
A história de José é uma das páginas bíblicas mais eivadas de revelar o nome de Deus e colocar o povo a salvo (conduzi-lo).
lições de serviço ao povo de Deus. Primeiro acontece a traição dos Na caminhada do Êxodo, outras dimensões afloram: ser
irmãos, enciumados com a predileção paterna, que o vendem como instrumento da proteção divina, preservar a fé (celebrar a festa
escravo por vinte irrisórias moedas. A mesma traição de Judas a Cristo. pascal), promover a lei e a ordem, confiar na proteção e providência
No entanto, a ironia do destino reconduz esses irmãos ao Egito, de Deus, alimentar o povo (o maná nunca faltou); lutar por esse
colocando-os aos pés do ministro do Rei, o próprio irmão outrora povo (vitória sobre Amalec e outras), interceder por ele (oração no
vendido por eles. O ex-escravo gozava da admiração real: “Tu mesmo Sinai), revelar-lhe os mandamentos, preservar a aliança (a arca
serás posto à frente de toda a minha casa, e todo o meu povo com as leis - a Igreja), instituir a família sacerdotal “para me servirem
obedecerá à tua palavra: só o trono me fará maior do que tu.” (Gen 41, no ofício” (Ex 28,1), oferecer sacrifícios, respeitar o Dia do Senhor,
40) Como primeiro ministro, cabia a José a condução dos destinos do etc. Não são estas formas claras de ministérios?
povo, a administração dos bens a ele confiados e o cumprimento das No final da vida, já às portas da Terra Prometida, Moisés
leis do império, preservando a soberania naquelas terras. reúne seu povo. Depois de quarenta anos caminhando com ele,
Sua administração era motivo de orgulho e gratidão e, mesmo levando-o à libertação, se despede: “Coragem! E sede fortes.
com todos esses poderes, não se vingou da traição do passado. “Não Nada vos atemorize, e não temais, porque é o Senhor vosso
temais: posso eu pôr-me no lugar de Deus? Vossa intenção era de Deus que marcha à vossa frente: ele não vos deixará, nem vos
fazer-me mal, mas Deus tirou daí um bem; era para fazer, como acontece abandonará”. (Deut 31, 6)
hoje, que se conserve a vida a um grande povo.” (Gen 50, 19)
12. JOSUÉ ASSUME SEU PROFETISMO
11. ÊXODO: FIM DA ESCRAVIDÃO
Com a morte de Moisés, Josué assumiu a condução do povo.
O crescimento numérico do povo de Deus preocupava os Sua missão profética era um ministério, igualmente, pois possuía
poderosos de sua época. Sem conhecer os benefícios trazidos por as mesmas funções, legadas pelo irmão. A linha divisória da
José àquele Reino, o novo rei sentia-se acuado em seus domínios. soberania era o rio Jordão.

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Jericó é outro marco. Só a oração comunitária - os seis Samuel, juiz e profeta, foi o escolhido para elevar o moral do
simbólicos dias de louvor e perseverança - fará cair os muros que seu povo, novamente perdido em seus conflitos e em plena
nos distanciam da soberania revelada no sétimo dia, o Dia do Senhor. decadência diante das nações. A própria Arca da Aliança caíra em
Um exemplo para nossas semanas de trabalho, de luta pela poder dos filisteus. A saúde debilitada do escolhido porém, tornaram-
sobrevivência! Um incentivo bem visível ao ministério da intercessão. no impopular.
Após muitas batalhas e conquistas, o povo de Deus se Surge então Davi, o menino que derrota um gigante,
estabeleceu nas terras de Canaã, fazendo a partilha entre as doze consagrado rei em lugar de Saul. Sua história foi de altos e baixos,
tribos de Israel. Antes de sua morte, Josué reuniu o povo e o advertiu: momentos de fraqueza humana, mas de perene reconciliação com
“Se abandonardes o Senhor para servir a outros deuses, ele se a vontade de Deus. Tornou-se então o maior dos condutores do
voltará contra vós e vos fará mal e vos consumirá, depois de vos ter povo, figura histórica comparada à do próprio Cristo, o Messias, o
feito o bem”. (Josué 24,20). Sua missão profética encerrou-se com libertador. Seu reinado primou pelo zelo e devoção a seu povo, pelas
um alerta. atitudes de reconciliação com Deus, diante das faltas, e pela
obediência e servidão à vontade de Deus. Veremos tudo mais claro
13. JUÍZES, OUTRO MINISTÉRIO no livro dos Salmos, 74 deles atribuídos a Davi.

Judá assume o comando. As vitórias continuam. Até que o povo 15. OS DOIS LIVROS DOS REIS
fraqueja, entregando-se à idolatria. Então o Senhor suscitou juízes
“que os livraram das mãos dos opressores”; “mas, depois que o juiz Começa o reinado de Salomão, filho de Davi. Com ele, a
morria, corrompiam-se e se tornavam ainda piores”. (Jz 2, 19) divisão e deportação do povo de Deus. A finalidade deste relato é
Uma figura feminina surge então: é Débora, profetisa e juíza, julgar as ações e a obediência religiosa dos reis, em relação à lei
que julga as causas de seu povo e exerce sobre ele uma maternal mosaica e ao culto religioso. Há uma excessiva preocupação com o
liderança: “quando eu, Débora, me levantei, me levantei como mãe cumprimento das leis, mais especialmente aquelas que
em Israel”. (Jz 5,7) regulamentam os ritos litúrgicos.
O povo ganha ânimo. Gedeão torna-se um braço forte sobre Tal observação nos serve de referencial nesta reflexão, quando
seus inimigos, surgem muitos outros juízes, até chegarmos às damos prioridade ao ministério do culto, deixando de lado o maior
figuras de Sansão e Dalila. A força descomunal do grande guerreiro dos ministérios, ou seja, o serviço de dignificação e preservação
é vencida pela sedução da mulher. Mesmo assim, Sansão se da vida.
recupera e vence os inimigos a custo da própria vida, entre os Com isso, o reinado de Salomão ficou caracterizado pela
escombros de um prédio por ele destruído. “Desse modo, matou opulência, que o levou à idolatria, e pela construção do templo, ornado
com sua morte mais homens do que os que matara em toda sua com colunas de bronze, capitéis “com redes de malhas e grinaldas”,
vida”. (Jz 16, 30) Seu ministério de devoção e amor a Deus “o altar de ouro, a mesa de ouro sobre a qual se colocavam os pães
custou-lhe a vida! Só o Juiz Supremo pode julgar e acatar de proposição; os candelabros de ouro fino”, etc.
tamanho sacrifício. Alguma semelhança com os dias atuais?
A visão materialista, apesar de sua sabedoria, fez do reinado
14. OS DOIS LIVROS DE SAMUEL de Salomão uma página triste da história do povo de Deus.
Fatalmente, o povo caiu na idolatria.
Dois personagens centrais são objetos da narrativa dos livros Com sua morte, o povo se divide. Novos reinos, novos reis,
de Samuel, por sinal de autores desconhecidos: Samuel e Davi. muitos profetas. Estes últimos com a missão, não de prever o futuro,

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como imaginamos, mas de falar em nome de Deus, exortar esse história de amor, digna das telas de nossa dramaturgia atual. Dele
povo a ser fiel, corrigindo os gritantes desvios daquela caminhada. se extrai a extremada confiança de uma família, que, sofrendo as
“Lendo as narrações contidas nos livros dos Reis, pode surgir a agrúrias do exílio, não abandona sua fé. O jovem Tobias busca
idéia de que os governos não poderão ter verdadeira estabilidade, soluções, encontrando não só o remédio para a cegueira do seu
se aqueles que detêm o poder não forem e não permanecerem pai, mas igualmente a sonhada e desejada esposa. Assim,
fiéis à palavra de Deus”. (*) reconquistam a prosperidade.
Tais narrativas passam pelas figuras de Elias, o grande profeta Judite, escrito dois séculos antes da vinda do Messias, é a
arrebatado aos céus, e Eliseu com sua luta contra os adoradores história de uma mulher aparentemente fraca, mas forte em sua fé,
de Baal. Termina com a primeira grande destruição do Templo de que usa da força da oração para atingir seus ideais e receber
Jerusalém, o massacre e a deportação do povo para a Babilônia, proteção no apaixonante trabalho de libertação do povo.
onde foram escravizados por 70 anos. Já Ester, uma rainha, é uma grande intercessora, que incute
no povo um arraigado sentimento de patriotismo e nacionalismo. O
16. RESTAURAÇÃO DO TEMPLO povo de Deus sofre derrotas e morticínios, mas redescobre que
suas maiores conquistas estão além dos objetivos terrenos. A
Dois sacerdotes, Esdras e Neemias, despontam na história. proteção divina, aparentemente aquebrantada, vai se manifestando
Ciro, rei dos persas, autoriza a volta do povo de Deus à Judéia. passo a passo e culmina com a intervenção de Ester. Deus protege
Começa aqui a restauração da religião judaica e a reconstrução do seu povo, também pela ação dos seus ministros.
Templo.
A classe sacerdotal adquire forças novamente. O aspecto 18. MACABEUS: UMA CRENÇA IMORTAL
positivo é que a preocupação com a soberania política deixa de ser
prioridade e a classe dos levitas se concentra na restauração do Os dois livros de Macabeus são originários de um sobrenome.
culto, no ensino das prescrições mosaicas e no resgate da Aliança Redigido na Palestina, o primeiro deles narra a luta contra o
com Deus, vivendo então um período de verdadeira religiosidade. paganismo, já impregnado no seio do povo israelita. Salienta as
Essas prioridades, sem a visão da soberania humana, plena dificuldades dos que perseveram fiéis aos ensinamentos religiosos
e total, sobre os formalismos da lei, acaba por criar uma religião e a derrocada dos infiéis: “Vamos e façamos alianças com os povos
puramente ritualista e preocupada com a rigorosa prática dos que nos cercam, porque desde que nós nos separamos deles,
mandamentos. É a origem do judaísmo e do farisaísmo, caímos em infortúnio sem conta.” (I Mac 1,12) Esse é o raciocínio
intensamente criticados por Jesus. Restauram o templo de pedra e mais pertinente nas comunidades que se deixam seduzir pelas
se esquecem do templo vivo. aparentes ilusões das glórias terrenas.
Um sacerdote, Matatias, constata o perigo. E exclama: “Ai de
17. TRÊS PERSONAGENS MAIS DO QUE HISTÓRICOS mim, por que nasci eu, para ver a ruína de meu povo e da cidade
santa e ficar sem fazer nada enquanto ela é entregue ao poder de
Tobias, Judite e Ester possuem histórias distintas, porém de seus inimigos e seu centro religioso abandonado aos estrangeiros?”
objetivo único: resgatar a confiança do povo na Providência de Deus. (I Mac 2,6)
Os fatos históricos se mesclam com a ficção e a linguagem O segundo livro retoma a narrativa do primeiro, porém de
romanceada dos seus autores. Tobias, por exemplo, é uma fascinante forma diferenciada, com um escopo muito mais de edificação e
lenitivo religiosos. Pela primeira vez o tema da imortalidade da alma
(*) Introdução ao Antigo Testamento - Bíblia Sagrada - Ed. Ave Maria, pag 25
é exposto como uma crença. Judas Macabeu, após sangrenta

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batalha, ordena um sacrifício expiatório “para que os mortos fossem 21. O PROFETA ISAÍAS
livres de suas faltas”. (II Mac 12,46) Aqui está o ministério das
exéquias, a intercessão pelos mortos. O ministério profético de Isaías é considerado uma
catequese perfeita de preparação à vinda do Messias. Dentre as
19. O JUSTO SOFREDOR páginas bíblicas, é em Isaías onde encontramos, em maior número,
citações referentes ao “Messias”, “o Príncipe da Paz”, “o Servo do
Ninguém pode isentar-se de um ministério, por se achar Senhor”, “o Homem das Dores”.
limitado pela doença ou privações quaisquer. É a lição central da Aqui, profetismo ganha o significado de “previsão do futuro” com
história de Jó, um poema de vastas lições sobre a dor, o sofrimento, mais intensidade, face às alusões inspiradas ao autor, que coincidem
as limitações de posse e até a perda de familiares. em muito com os acontecimentos, não só relativos à história de sua
Neste enredo, de fundo assustador para muitos leitores, pátria e seu povo, mas principalmente à vinda de Cristo. Leia-se, por
aparecem três amigos como abnegáveis consoladores do justo em exemplo, a totalidade do capítulo 53, um relato perfeito de tudo que
seu sofrimento. O primeiro aponta o sofrimento como castigo de conhecemos nos Evangelhos. Nem por isso profetismo deixa de
Deus. O segundo salienta o pecado humano como propiciador desse significar anúncio e denúncia, ou seja, um ministério que deve ser
sofrimento, e um terceiro mostra a Jó que aquelas privações seriam assumido por todos os justos, mesmo porque, Isaías, o maior dos
motivos para sua purificação. Com qual deles estaria a verdade? profetas, era conhecido como “profeta da justiça”.
O próprio Deus responde (caps. 38,39,40 e 41): “Quem é
aquele que obscurece assim a Providência com discursos sem 22. JEREMIAS E SUA VOCAÇÃO
inteligência” ( 38,2 ) Quem somos nós para questionar os desígnios
de Deus! Só Jesus complementaria o sentido do sofrimento. E Jó O preâmbulo do livro de Jeremias deveria ser um lembrete
conclui: “Sei que podes tudo, que nada te é muito difícil.” (42, 2) permanente do serviço que Deus nos confia, nos nossos ministérios.
“Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia”. (Jer 1,5)
20. MINISTÉRIO DO CANTO Verdade pura e simples. Desde sempre Deus já nos havia confiado
uma missão e, “antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado e
O livro dos Salmos é uma das maiores heranças de fé do te havia designado profeta das nações”. Quer privilégio maior? Pois
antigo povo de Deus; tão precioso que se tornou um instrumento então, Deus confiou-nos um trabalho santo, consagrou-nos a seu
de uso habitual do próprio Jesus. serviço!
Suas páginas são bem conhecidas pelo ministério do canto Mas relutamos. Apresentamos a Ele as mais espúrias
das comunidades cristãs, e preciosas para o enlevo espiritual de justificativas para não nos comprometermos. “Ah! Senhor, eu nem
cristãos e judeus. O rei Davi é seu maior compositor. O mesmo sei falar, pois que sou apenas uma criança” (1,6).
Davi de cujo reinado nos fica a história de um homem zeloso na O Senhor, no entanto, insiste: “Não digas: “Sou apenas uma
condução israelita, porém fraco em suas paixões (o caso da mulher criança”, porquanto irás procurar todos aqueles aos quais te enviar,
de Urias ) e inseguro em suas decisões. e a eles dirás o que Eu te ordenar”. (1, 7) Não há como fugir desse
No entanto, sensível às maravilhas que Deus realiza com envio. Não temos porque omitir-nos do compromisso vocacional de
seu povo, Davi faz saltar de sua cítara os acordes de confiança, nossa opção religiosa. A aparente incapacidade, diante do
louvor, ensinamentos, lamentos, meditações, ações de graça e até gigantismo da tarefa, não amedronta ou acovarda quem acredita
tristeza. Seu instrumento e seus poemas prestam um serviço de na Providência do Pai. Porque Ele mesmo o vai reafirmar: “Eis que
louvor e tornam-se a voz de um rei... submisso. coloco minhas palavras nos teus lábios”. (Jer 1,9)

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Esse único capítulo é suficiente para entendermos o ministério por outra realidade, e seu natural repúdio aos fatos que o cercam.
de Jeremias, caluniado, injustiçado, perseguido e preso, porém, Sonhos de liberdade! Predominam, então, em suas profecias,
apesar de sua aparente timidez, foi, dos profetas, o mais destemido, a expectativa por um mundo novo e a implantação do reino de Deus.
com suas críticas e advertência aos poderosos da época. As narrações são explícitas e inflexíveis na questão da resistência
contra as perseguições. Desenvolve-se um novo ministério: a
23. EZEQUIEL, UM MISSIONÁRIO? animação missionária. Daniel e seus companheiros se lançam
em intensas pregações ao povo israelita, apresentando-lhe o
Parte do povo de Deus fora exilado para a Babilônia. Tinha prelúdio de um novo tempo e já anunciando o surgimento de um
certa liberdade e podia, inclusive, manter a ordem comunitária. No reino eterno, “que irá até a consumação dos tempos”.
entanto, a convivência com povos pagãos foi, paulatinamente,
diminuindo-lhe a fé. 25. O DOM DA PROFECIA
Suscitado por Deus, Ezequiel é enviado aos deportados com a
clara missão de restabelecer a fé. Lá se torna uma voz austera contra Daniel antecipa a pregação do Cristo. Essa temática será
a infidelidade, denunciando publicamente a corrupção dos costumes, retomada pelo Messias, que cita a fonte, isto é, reporta-se a uma
a idolatria e a depravação moral de um povo que perdia sua passagem de Daniel para enquadrar o assunto do fim do reino
nacionalidade. Anuncia os castigos eminentes, tais como a destruição terrestre, a destruição de Jerusalém, e início de uma nova era em
de Jerusalém e a ameaça de extinção que pairava sobre Israel. sua pessoa.
Pela primeira vez, um profeta aponta a responsabilidade do Falta-nos, ainda, o estudo dos demais profetas da Antiga
indivíduo com os bens da vida comunitária. Não podiam estacionar Aliança: Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum,
na crença de que os sofrimentos advindos eram frutos da infidelidade Sofonias, Habacuc, Ageu, Zacarias e Malaquias. Todos imbuídos
de seus antepassados. Seu anúncio missionário salienta que a de um ministério, a seu tempo e circunstâncias próprias, priorizando
condução da história se dá pelos méritos pessoais, somados aos certas situações, corrigindo algumas e animando outras.
méritos coletivos. Assim, todos eram responsáveis pelo bem comum. Em peso e importância, suas ações se equiparam.
A união do povo escolhido, obrigatoriamente, passa pela unidade Mais do que nunca, o dom da profecia continua vivo na Igreja
com seu Deus, apresentado aqui como esposo fiel. Portanto, no dizer de hoje. Mas é necesário avaliá-lo. Estamos atentos aos sinais
do profeta, quem se desvia desse caminho pratica a infidelidade, e proféticos de nossos tempos?
quem aceita a idolatria, pratica a prostituição. Quando a igreja
missionária dos nossos tempos perceber a seriedade de seu Os profetas do passado primaram pelo zelo da integridade
profetismo, será chegado o tempo de vivenciarmos, concretamente, o do povo. Acima e à frente de seus próprios ideais, estava a vontade,
“renovado ardor missionário” que buscamos em nossos ministérios. os desígnios de Deus. Sofreram na carne e até com a vida as
consequências de suas opções. Levantaram questões
24. DANIEL E SUAS VISÕES APOCALÍPTICAS extremamente polêmicas, colocaram-se frontalmente contra as
situações de infidelidade; gritaram aos quatro ventos a verdade de
Assim como Ezequiel, Daniel exerce seu ministério na que estavam revestidos, não se acovardaram quando era preciso
Babilônia. Com uma diferença: ao invés de enviado, é conduzido denunciar as injustiças dos opressores; com alegria anunciaram a
como deportado, ainda bastante jovem, porém fiel às suas crenças. vinda do Salvador. Em suma, eis a missão profética da Igreja, em
Desta forma, melhor compreenderemos a ação do profeta todos os tempos!
em terras estranhas, suas visões, sonhos de um jovem que anseia

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II - CRISTO: ESSÊNCIA DOS MINISTÉRIOS 2. TODAS AS DIMENSÕES ESTÃO EM CRISTO

“Mas, pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos


os sentidos, naquele que é a cabeça, Cristo. (Ef 4,15)”
Essa orientação de São Paulo nos ajuda a ver que os
ministérios da Igreja, surgiram do ministério de Cristo. A
experiência ministerial do Antigo Testamento foi um pequeno ensaio,
com dimensões distintas conforme as épocas e as necessidades.
Doravante, todas as dimensões se encontram em Cristo. Senão,
vejamos:
1. Dimensão Patriarcal : Os grandes patriarcas do povo de Deus
tiveram a função de conduzir, orientar e tornar grandiosas suas
descendências, disseminando, através de seus familiares, a crença
num Deus-uno. Sobre Cristo, através do Batista, encontramos: “Não
digais dentro de vós: Nós temos a Abraão por pai. Pois eu vos digo:
Deus é poderoso para suscitar destas pedras filhos a Abraão. O
machado já está posto à raiz das árvores... aquele que virá depois
de mim, é mais poderoso do que eu, e eu nem sou digno de carregar
1. EVANGELHOS: CATECISMO DOS PRIMEIROS CRISTÃOS seus calçados.” (Mat 3, 9...11)

A pura e simples existência dos Evangelhos já nos prova um 2. Dimensão Sacerdotal: Melquisedeque foi o primeiro deles. E
ministério fundamental no seio das primeiras comunidades: a ofereceu pão e vinho...
catequese. Não fosse assim, a boa nova não chegaria até nós. Jesus se oferece como tal. Ao dar por encerrada sua missão,
Antes de ser escrito, foi pregado, ouvido por multidões. Os pronuncia uma das mais belas orações de despedida, conhecida
contemporâneos do Mestre beberam da fonte original, seguiram como oração sacerdotal, onde resume todo seu ministério:
seus passos, vibraram com suas palavras, aplaudiram-no, por certo “Manifestei o teu nome aos homens que do mundo me deste. Eram
e, animados com aquelas revelações, levaram a mensagem adiante. teus e deste-mos e guardaram a tua palavra. Agora eles
reconheceram que todas as coisas que me deste procedem de ti.
Dois de seus ouvintes, Mateus e João, estavam nessa Porque eu lhes transmiti as palavras que tu me confiaste e eles as
assembléia de privilegiados. Com a morte do Mestre, preocuparam- receberam e reconheceram verdadeiramente que saí de ti, e creram
se em registrar ordenadamente a história que vivenciaram. Marcos que tu me enviaste”. (Jo 17, 6-8)
e Lucas, discípulos de Pedro e Paulo, respectivamente, seguem a Leia, mais uma vez, essa oração de Cristo e responda: - Você
idéia de Mateus, acrescentando-lhe os testemunhos e experiências pode dizer o mesmo de seu sacerdócio, ordenado ou não?
coletados durante seus ministérios. A existência da palavra escrita
fez chegar até nós a palavra revelada, o magnífico mistério da 3. Dimensão Profética: Ministério de anúncio e denúncia, o
encarnação divina, o verbo feito carne, com a missão da continui- profetismo exerceu preponderante papel histórico, sendo
dade de sua obra. Não fossem esses abnegados catequistas do instrumento eficaz para libertação do povo oprimido. Jesus é o maior
passado, teríamos ciência da revelação? dos profetas, posto que sua doutrina oferece liberdade duradoura.

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Mas eis suas palavras: “Não julgueis que vim abolir a lei ou os 7. Dimensão Transcendental: O aspecto religioso da função minis-
profetas. Não vim para os abolir, mas sim para levá-los à perfeição” terial não pode isolar seu caráter transcendental. Qualquer que seja
(Mat 5,17). Através de Cristo, o profetismo alcança sua plenitude... o ministério, só será ministério na Igreja se ligado à fé, à crença no
Deus Uno e Trino, na vida eterna. Não seria história da Salvação (com
4. Dimensão Jurídica: As leis eram sagradas. Porém, nem tanto. “s” maiúsculo), se o povo de Deus não vivesse sua dimensão
O demasiado apego às leis criou momentânea cegueira nos transcendental.
condutores do povo, que pecaram por seus extremismos. Que o Eis Jesus: “Em verdade, em verdade vos digo, o Filho por si
digam os fariseus e seus escribas. Que nos diga o próprio Cristo, mesmo não pode fazer coisa alguma; ele só faz o que vê o Pai fazer
repetindo sua afirmação diante de Caifás: igualmente também; e tudo o que o Pai faz, fá-lo o Filho”. (Jo 5,19)
- “És o Cristo, o Filho de Deus?”
Jesus respondeu: 8. Dimensão Eclesial: O povo é o agente da predileção de Deus,
- “Sim. Alem disso eu vos declaro que vereis doravante o Filho que o quer reconduzido à Terra da Promissão, à salvação. Ministros
do Homem sentar-se à direita do Todo-Poderoso, e voltar sobre as são os instrumentos da condução, os guias desse povo. Não existe
nuvens do céu”. (Mt 26,14) ministério sem eclesialidade, sem unidade com o povo.
Ele é o juiz supremo. Ele julgará a todos... Cabe aqui o questionamento de Cristo a Pedro, um de seus
ministros.
5. Dimensão Régia: A história da Salvação está recheada de - “Quem dizem os homens que eu sou?”
gloriosas epopéias do povo de Deus, sob o comando de bravos e O povo ainda não o conhecia plenamente. Mas seus ministros,
valorosos reis. Épocas de muitas bênçãos e conquistas, muitas lutas por certo...
e vitórias. Esse tempo acabou. Agora é Cristo quem nos rege. E - “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mc 8,27...29)
promete: “Então verão o Filho do homem vir sobre uma nuvem com
grande glória e majestade”. ( Lc 21,27). Antes, Pilatos há de lhe 3. CRISTO, CABEÇA - TRONCO
perguntar:
- “És tu o rei dos judeus?” Cristo é o chefe de sua Igreja. Quando usa de linguagem
Jesus respondeu: figurada, para descrever como sonha sua Igreja, pede-nos unidade,
- “Sim” - (Lc 23,3) e não submissão, a Ele. “Eu sou a cabeça, e vocês os membros”.
Assim se apresenta o corpo místico da Igreja, tendo Jesus à frente
6. Dimensão Missionária: A ação missionária é a síntese de toda e acima de tudo. Só a fé é capaz de nos inserir nesta realidade
função ministerial do povo de Deus. Seja no antigo testamento, com mística e alimentar a vocação ministerial de todos os que se
a missão de banir a idolatria; seja na primavera cristã, com a missão deixarem conduzir por ela. Jesus nos quer como membros de
de proclamar a nova aliança, ou nos dias atuais, quando somos seu próprio corpo, unidos à sua realidade mística.
interpelados sobre o anúncio de Jesus Cristo. A Igreja só é Igreja Ele insiste. Usa agora de uma parábola, para que valorizemos
de Cristo, se missionária. os ministérios da vida eclesial. “Eu sou a verdadeira videira e meu
Missão é envio, compromisso com o povo. Jesus, o missionário Pai é o agricultor”. (Jo 15,1)
do Pai, conhecia o peso de sua missão. Um dia comentou: “Meu “Quando voltamos nossas atenções para a realidade de uma
alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e cumprir a sua videira (ou qualquer outro vegetal), constatamos a importância de seu
obra (Jo 4,34) tronco, cuja vitalidade interfere na produção, coloração, resistência e
vida da planta. Troncos sadios, com raízes fincadas em solo fértil,
tornam a árvore mais rendosa e dona de excelentes frutos.”
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“Da mesma forma é com o corpo animal, principalmente o O anúncio da palavra é ação dos que partem em nome de
humano. Se não possuir uma mente equilibrada, sã ao menos, todo Jesus. Denominamos, hoje, ministério da palavra, cujo investi-
corpo padece”. mento parte de uma “ordem” de Cristo. Daí a terminologia dos
“Como na planta, onde a seiva caminha através de minúsculos ministérios “ordenados”. Todavia, necessária se faz uma ressalva
vasos, levando vida ao menor de seus galhos, a “seiva” de Deus importantíssima para a Igreja: o anúncio da palavra não pode ser
deve impregnar nossa existência, alimentar-nos integralmente. Cristo considerado exclusividade sacerdotal, pois todos os batizados
nos mostra, com simplicidade, a necessidade de estarmos unidos participam do sacerdócio de Cristo. Basta observarmos a sequência
a Ele, nosso tronco.” (*) da narrativa evangélica: em Mateus, Jesus envia os doze apóstolos
(os discípulos revestidos de uma responsabilidade maior com a
4. COMO JESUS, OS DISCÍPULOS FALARAM pregação, revestidos da autoridade de Cristo) e em Lucas vemos o
envio de setenta e dois discípulos, incluindo aí muitos de seus ouvintes,
A formação passa pela prática. Os anunciadores do Reino os mais animados com sua doutrina, sem, no entanto, consagrarem
foram devidamente formados, pelo próprio Cristo, antes de serem totalmente suas vidas à função da palavra...
enviados “para toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir.” (Lc Triste é encontrarmos, nos dias de hoje, ministros ordenados
10,1) da palavra que se arrogam o direito exclusivo da pregação!
São setenta e dois discípulos, enviados “dois a dois”. É o Pretensos doutores da lei dos nossos tempos! “O discípulo não
primeiro grupo de animação missionária da fé cristã, que passa está acima do mestre, nem o servo acima do seu senhor. Para o
pela prova de fogo - “Estou enviando vocês como cordeiros para o discípulo basta ser como o seu mestre, e para o servo ser como o
meio dos lobos” (Lc 10,3). Foram animados, e posteriormente seu senhor.” (Mt 10,24)
avaliados, pelo mestre em pessoa. Neste aspecto, conclui-se que a missão apostólica é dever
Nossa formação ministerial deveria seguir esse modelo, de todos os que se comprometem com a palavra de Deus. Antes,
passar pelo crivo de Jesus. “Os setenta e dois voltaram muito alegres” no entanto, é necessário frequentar a escola do Mestre, ouvir,
(Lc 10,l7). Era a alegria de uma descoberta. A mesma que assimilar, sentir, comprovar a eficácia de seus ensinamentos.
experimentamos quando percebemos em nossa vocação, não uma
escolha pessoal, porém um chamado determinado, um serviço 6. ANTES DE SER LIDO, FOI OUVIDO
ordenado por Jesus, que nos confia a tarefa que era sua; mais
ainda, nos delega os poderes que eram seus. Realmente, quem A história do cristianismo desabrocha com a força da palavra,
percebe o privilégio de tamanha responsabilidade, tem que no princípio levada oralmente, de pessoa para pessoa, boca em
demonstrar alegria inusitada... “Contudo, não se alegrem porque boca, contagiando a muitos, arrebanhando multidões. Ouviam e se
os maus espíritos obedecem a vocês; antes, fiquem alegres porque comprometiam. Ouviam e passavam adiante. A eficácia da proposta
os nomes de vocês estão escritos no céu.” (Lc 10,20) evangélica estava no poder de convencimento que inspirava a
pessoa de Jesus. Só anos após sua morte é que os evangelistas se
5. APÓSTOLOS, MINISTROS DA PALAVRA preocuparam em documentar as palavras que moveram suas vidas.
O fato em si é apenas um alerta ao nosso comportamento
A primeira grande missão apostólica, logo após a escolha excessivamente teológico, dogmático, clerical ou mesmo cultural
dos doze, foi o envio às terras pagãs, precedido da ordem: “Vão e de que se reveste nossa função ministerial no mundo. O mistério
anunciem: o Reino do Céu está próximo.” (Mt 10,7) da revelação não é mérito dos estudiosos, dos iluminados ou
privilegiados pelo dom da oratória e do conhecimento, mas reveste-
(*) Do livro LANÇAI AS REDES (1985) Pag. 70 - O Recado Editora
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