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12701723, 15:09 (Os impectos do terramoto de 1755 no mercado de crésto de Lisboe OpenEdition “fe Journals * Ler Histéria 72 | 2018 Varia Artigos Os impactos do terramoto de 1755 no mercado de crédito de Lisboa Impacts of the 1755 Earthquake on the Credit Market in Lisbon Les effets dus tremblemont de terre de 1755 sur le marche du credit a Lisbonne LEONOR FRETRE Costa, MARIA MANUELA ROCHA E PAULO BRASIL DE Brito p.77-102 btips:/idol.org/10.4000/lerhistoria. 32388 Resumos Portugués English Frangais Seguindo intuicdo da literatura sobre impactos de desastres geofisicos na trajectéria de cerescimento das economais em densenvolvimento, este artigo observa as consequéncias do terramoto de 1755 no mercado financciro a partir de contratos notariais. Considera que 2 destruigdo de capital fisica aumenta os custos deste factor de producio, mas a legislaedo Pombalina de 1757 fixow a taxa de juro em 5%. E conhecido 0 efeito de regulamentagio de juros »o racionamento da oferta, Dado este enquadramento legal, 0 artigo procura as balizas temporais dos efeitos de curto prazo do terramoto e as transformagées sociais do mercado que revelam ransformais estruturais. Descobre 1756 ¢ 1769 como as balizas temporais dos efeitos de euro razo ¢ reconhere sinais de contracéo da procura depois de 1770, quando se torna clara a ascensio dos homens de negécio como grupo dominante do lado da oferta. ‘his article looks at the consequences of the earthquake of 1755 in the financial market grounded bn literature on contemporary impacts of geophysical catastrophes and on notarized credi Lisbon, It assumes that the destruction of physical capital increases the costs of this production factor, but the legislation of Pombal from 1757 set the interest rate at 5 percent. ‘The article points to signs of short-term credit rationing and finds 1756 and 1769 as benchmarks of a period of transition in the economy. The social transformations of the eredit market is clear after 1770, ‘when the rise of commerce as the dominant group on the supply side went together with signs of demand contraction. Suivant intuition de la littérature sur les impacts des catastrophes géophysiques sur la trajectoire de exoissance des économies en développement, oct article se penche sur les conséquences du tremblement de terre de 1755 sur le marché financier & partir de Vanalyse des contrats notariés. II considére que la destruction du eapital physique augmente les cots de ee hhtps:tioumats.openedtion orglerhistoriaia266tarticle-2988 1120 12101123, 15:08 (0s impactos do terremoto de 1755 no mercado de exétito de Lisboa facteur de production, la loi Pombaline de 1757 a toutefois fixé le taux d'intérét & 59%. Leffet de la réglementation des intéréts sur le rationnement de offre est eonnu. Etant donné ce cadre juridique, Varticle se penche sur les balises temporelles des effets & court terme du séisme et des ‘transformations sociales du marché qui révélent des transformations structurelles. Il montre que les années 1756 et 1769 sont les balises temporelles des effets & court terme et reconnait des signes de contraction de la demande aprés 1770, quand ascension des hommes d'affaires comme groupe dominant du cOté de offre devient évidente, Entradas no indice Mots-clés : Histoire financigre, Teux d'intérét, Marché de eréit, Marquis de Pombal, Portugal, ‘Tremblement de tere de 1755 Keywords: Financial history, Interest rates, Credit market, Marquis of Pombl, Portugal, Lisbon earthquake (1755) Palavras-chave: Historia financeira, Taxas de juro, Mercado deerédito, Marqués de Pombal, Portugal, Terramoto de 1755 Notas do autor Este estudo beneficiou do apoio finaneeiro do projeto sobre mercado de erédito (EXPL/EPIT- LHIS/:742/20%2) da Fundagao para a Ciéncia ea Tecnologia, Insere-se numa linha de investigacio do Projeto Estratégico do Gabinete de Historia Econémica e Social (GHES-CSG) ¢ da Unidade de Estudos sobre Complexidade e Economia (UID/ECO/00436/2013) (UID /SOC/o4521/203). Texto integral 1 No1° de Novembro de 1755 08 habitantes de Lisboa agonizaram com dois violentos ¢ quase consecutivos abalos de terra. O caos em que a cidade mergulhou impressionou a Europa ¢ justificou um dos primeiros exemplos de ajuda internacional. £ hoje sabido ‘que 0s niveis de riqueza e a capacidade de intervengio dos sistemas de seguranca e assisténcia pibliea interferem na vulnerabilidade das sociedades humanas as forcas da natureza. Em grande parte dos casos, na sequéncia da destruicio de infraestruturas ¢ de capital, observa-se um aumento da remuneracio do capital, incluindo as taxas de Juro ¢ as rendas, que desencadeia um mecanismo automético de ajustamento e que estimula o investimento nas suas vérias formas, em particular, na reconstrugio. Dependendo dos contextos institucionais e dos niveis de desenvolvimento, a reconstrugio acompanha um proceso de transigao da economia que conduz a retoma da trajectoria de crescimento do PIB per capita ao nivel imodiatamente anterior ao da catéstrofe.* 2 Caso nao existam tensdes graves, como guerras ¢ revolugdes na sequéncia de catéstrofes naturais, a rapidez do processo de transigio dependerd dos niveis de tecnologia, da capacidade de financiamento e de aspectos institucionais, como sejam decisées de politica econémica, que interferem nos incentivos dos agentes a investir (Cavallo et al. 2013). Os governos enfrentam um dilema entre, por um lado, deixar fancionar 0 mecanismo de ajustamento automético conducente reconstrucio e, por outro, minimizar os fatores conducentes a uma crise social, Todavia, e ainda que ndo eliminem o mecanismo de ajustamento, as intervengies puiblicas tendem a reduzir 2 velocidade de transigo para a trajetéria de longo prazo anterior. 3 _ Com este enfoque indagamos as repereussdes do terramoto de 1755 nos mereados financeiros. A historiografia debrugou-se sobre as consequéncias econdmicas do Aréstico acontecimento propondo uma quantifieagio mais precisa dos niveis de destruicao (Cardoso 2007; Pereira 2009; Serrio 2007). Estimativas sobre as tendéncias na evolugio do PIB per capita admitem que depois de 1755 a economia nao teve o desempenho positive que 2 caracterizou na primeira metade de Setecentos (Palma ¢ Reis 2016). Desconhece-se, no entanto, se o processo de transigéo a que nos referimos foi lento ou répido, ou, ainda, se por outras razées estruturais, a economia convergiu para uma trajectéria de erescimento mais lento depois da transicéo. Neste trabalho hitps:tloumals.openedition rgierictorialS388Haricle-3988 1270128, 1508 ‘0s impectos do terremoto de 1755 no mercado de créato de Lisboa vamos ao encontro destes problemas através da andlise do mercado de erédito, sector que fornece indicagées quer sobre a transi¢o pés-terramoto, quer sobre uma eventual nova fase posterior. 4 Annecessidade de repor capital residencial destrufdo ou danificado terd certamente feito aumentar a procura de erédito. Contudo, a riqueza de putativos devedores ter-se- ia redurido, alterando a sua capacidade de oferecer colaterais, num contexto de ‘aumento geral da incerteza na economia. Este tipo de ambiente contratual conduz a ‘uma subida das taxas de juro, nao s6 por efeito de substituigéo (uma parte da sociedade precisa de antecipar consumes de bens duradouros destruidos), como também por problemas de informacio potenciadores de incumprimento dos contratos (risco moral), podendo mesmo gerar racionamento, designado por “racionamento em equilibrio” Bolton € Dewatripont 2005). Por outro lado, pelas razdes referidas no parigrafo anterior, o governo de Pombal interveio hos mereados da habitagéo © do crédito, limitando remuneragGes, possivelmente {introduzindo um outro mecanismo de racionamento, designado por “racionamento em desequilibrio™* Logo em Novembro de 1755, foram congeladas as rendas de casa. Mais tarde, em Janeiro de 1757, impés-se um limite maximo as taxas de juro do crédito de ‘5%. No entanto, existia uma massa de liquide enorme que nao foi destruida pelo terramoto. Esta liquidez (ou uma velocidade de ajustamento do mercado muito lenta, ‘ou factores culturais) permitiu que a taxa de juro logo a seguir ao terramoto no ‘aumentasse (Costa, Rocha ¢ Brito 2017). O facto de nfo se ter observado uma contraceao na quantidade de crédito concedido parece indicar que a massa de liquidez. existente acomodou o aumento da procura de tal forma que o tecto de 5% nio ters introduzido racionamento em desequilibrio. © _ Parece-nos que uma observagio mais minuciosa das conjunturas subsequentes a0 terramoto permite conjecturar que a introdugdo de um tecto legal num contexto de aumento do risco de incumprimento e de incerteza sobre dircitos de propriedade das garantias permite colocar a hipétese de um racionamento em equilibrio. Temin e Voth (2013) observaram na aetividade de um baneo londrino apés a regulacao nos §% de juro em 1714 fenémenos semelhantes. Reconheceram que 0 banco seleccionou os seus devedores de forma mais estrita ¢ neles concentrou os empréstimos, com uma Aistribuigdo que assinala a subida do valor médio dos montantes relativamente & fase anterior 4 legislago que limitou o juro. No caso que estudamos, a existéncia de alteragdes no comportamento do credor na sequéncia da legislagio constitu a base da verificagao daquela conjectura, § _Perante um risco superior de incumprimento e sem poder elevar a taxa de juro, 0 credor seleccionaria os agentes em fungo de sinais de maior probidade. Esta alteracio de percepgio de risco deverd manifestar-se no tipo de activos hipotecados, mas também na sociologia das transacgdes. Presume-se que a identidade social entre credores ¢ devedores minimiza assimetrias de informagéo. A identidade social pode ser indicative de um ethos comum, o qual é um dispositivo de confianga em mercados com elevados custos de transacgo. Presumimos que os mesmos pontos de observacdo revelarvio 0 fim do processo de transi¢go pés-terramoto e 0 possivel inicio de uma nova trajectéria de longo prazo. Os dados que utilizamos so contratos de obrigaco celebrados diante de notério em Lisboa. A série inicia-se em 1715 e estende-se até 18004 7 Opresente trabalho revisita a conjuntura do governo pombalino como um tempo de “crise” financeira, como acroditou Borges de Macedo (1989), mas nio por falta de ouro do Brasil, Antes porque uma moldura institucional inteiramente nova interferiu nas transacgies de erédito na sequéncia de uma destruigio macica de capital. Um dos contributos desta pesquisa revela-se na identificacio de 1757 1769 como as balizas temporais para o periodo de transi¢io desencadeado pelo terramoto no funcionamento dos mercados financeiros. 0 outro contributo reside na identificagéo das décadas de 1770 em diante como um tempo consistente com o fim da transig&o pés-terramoto num contexto de redugo das quantidades transaecionadas e de taxas de juro contratuais abaixo dos limites legais, ocorrendo nessa circunstincia a ascensio do grupo do ‘comércio no lado da oferta. /itps:/fournals.openediton orllothistoria/S386Hertise-3086 1201123, 15:09 Os impactos do terramotc de 1785 no mercac de cxécto de Lisbos Na secedo 1 observamos o terramoto de 1755 na historiografia sobre o tema e ° 10 discutimos o enquadramento da legislagio de 1757 que fixou as taxas de juro em 5%. Nas secgGes seguintes avaliamos os sinais de racionamento em ambiente de maior isco, estudando as garantias (secgéo 2) ¢ a sociologia das transacgies (secco 3). A seegio 4 certifiea que este crédito serviu antes ¢ depois do terramoto para consumo Pessoal, portanto, as alterag6es na sociologia do mercado néo se prenderam com a emergéncia de novas estratégias na utilizagio dos montantes mutuados. A seccio § reine as conclusdes. 1. O terramoto de 1755e a regulamentagao do mercado de crédito ‘Na mani do 1° de Novembro de 1755, quarenta minutos depois de um segundo sismo, mais intenso do que o primeiro, um tsunami acabou de destruir a baixa de Lisboa. Atingindo cerca de 8,5 a 9 da escala de Richter, o terramoto causou um nivel elevado de destruigio de capital fisico © residencial (Pereira 2009). A “Gazeta de Lisbea” de 6 de Novembro fez notar que, apesar do cenério de escombros, os cofres do rei e os da maioria dos particulares haviam sido protegidos. Se na avaliaggo da sravidade de desastres naturais cabe diferenciar os danos infringidos nos diversos tipos de capital (Benson ¢ Clay 2004), deve sublinhar-se que uma parte substantiva da liquide disponivel para dinamizar 0 mercado de crédito ficou incdlume. Propaganda ‘ou nao do governo, para lembrar que a ordem ptbliea fora rapidamente restabelecida, a noticia conforma-se com 0 facto de a Casa da Moeda, onde estava acomodado 0 ouro do rel e dos particulares chegado na iltima frota do Brasil, ter sido poupada a ruina e aos saqueadotes (Shrady 2009). A ideia de um acontocimento com consequéncias relativamente diminutas no desempenho macroeconémico perpassa nos mais recentes trabalhos que se debrugaram sobre este tema (Serrdo 2007). £ possfvel que a abundancia de ouro, com efeitos na Tiquidez dos mercados financeiros, mitigasse a gravidade da conjuntura posterior ao terramoto (Costa, Rocha e Brito 2017). Todavia, as estimativas dos danos apontam para algo nao insignificante, proximo dos 20% do capital fixo e 75% do produto interno bruto (Pereira 2009; Cardoso 2007). Certa linha de pesquisa sobre efeitos das catistrofes naturais nas economias em desenvolvimento refere estes contextos como uma oportunidade equiparavel a um processo de “destrui¢do criadora”, permitindo mais ereseimento no longo prazo devido a taxes mais clevadas de formacio de capital, adopgio de teenologias mais moderas e renovagio de infra-estruturas (Skidmore ¢ ‘Toya 2007). Alvaro Santos Pereira (2009), numa andlise orientada pela visio optimista das catdstrofes de Skidmore Toya, atribuin ao terramoto, pela acco de Pombal, os fundamentos de uma regeneracio benéfica A economia. Se neste ensaio o autor ofereceu uma quantificagio muito mais segura e abrangente dos danos directos do terramoto, deixou 4 margem uma avaliago das consequéncias da destruigio de capital no mercado de crédito, nfo se afastando assim do que tem sido corrente na historiografia do terramoto, Com efeito, a avaliagao da cronologia dos efeitos do fatidico acontecimento do 1° de Novembro tem ficado subsumida na atengio dirigida & economia politica setecentista Portuguesa, tomada como o resultado do afi legislativo de Pombal (Maxwell 2001; Pereira 2009). Gragas intervencéo do estado, criaram-se as condigdes para um crescimento econdmico mais vigoroso do que na fase inicial do século, em que Portugal respirara 20 ritmo dos fluxos de ouro brasileiro. Para Jorge Borges de Macedo (1989), essa intervencao pombalina nao seguiu um plano predeterminado, Responden a uma crise eeonémica que teve um detonador financeiro, que nao seria 0 terramoto, mas sim @ contraccéo da oferta de moeda. Na génese da crise estaria, pois, a redugo das remessas de ouro. Entretanto, novos dados sobre o volume de importacio ¢ reexportacdo do ouro do Brasil no reino permitiram reavaliar esta conjuntura, Foi hhtps:/foumals.openediionorgllerhistoriac3386Harticlo-3368 4720 12101123, 15.09 ‘Os impectos do terramoto de 1755 no mercado de crécto de Lisboa 2 ‘8 “ 6 notivel a progressdo na formacio de um stock até a década de 1780, Esta tendéncia foi interrompida entre 1755 e 1765, quando se deu uma estabilizagio (¢ nio uma depreciacao) do stock. No final do século, entre 1780 € 1808, e apesar da marcada contraccio do ouro chegado, 0 stock nio se reduziu, voltando a estabilizar, j4 que a Teexportagio se contraiu ainda mais (Costa, Rocha e Sousa 2013). A haver alguma crise financeira durante a governago de Pombal, os seus fundamentos ndo se encontrario na redugio dos fluxos de ouro, &, contudo, incontestavel que na sequéncia do terramoto ocorreram alteragdes nos mercados de erédito e de capitais, aliés, da responsabilidade do préprio ministro. Pela lei de 17 Janeiro de 1757 foi imposto o limite méximo das taxas de juro em 5% para todos os contratos de crédito, & excepgio do crédito a risco para a Asia que ficou livre da tegulamentagao. Nesta mesma conjuntura, a revitalizacdo de areas da colénia brasileira ‘contou com @ instituigao de companhias monopolistas, as quais requereram uma oferta piiblica de acces que, certamente, captou fundos financeiros. Se a destruigao de capital fisico nao significou perdas equiparaveis de riqueza liquida, patente no elevado stock de ouro em Portugal, as condigées de recuperagio dependeriam do funcionamento conjugado dos mercados de capitais ¢ do crédito e na forma como se afectaria a liquidez existente. Em primeiro lugar, uma répida reposigdo de 20% do capital fixo destruido precisaria de elevadas taxas de investimento, pouco comuns numa economia agrétia, Em segundo lugar, o mercado de crédito que poileria responder a esse surto de investimento passou a funcionar com uma taxa administrada e enfrentou os constrangimentos derivados da destruicio de iméveis usados como garantias. Eis um cenério que sugere uma alteracéo na estrutura das transacgdes financeiras, a que niio fj estranha a regulagao da taxa de juro. No ano de 1757, quando por alvara de 17 de Janeiro se fixou o juro a 5% em Portugal, ha muito que noutros casos europeus se regulamentara no mesmo sentido. Estando ultrapassadas as razées de ordem moral ou religiosa, outros fundamentos orientaram a Promulgacéo de leis estipulando a taxa de juro, na presungéo de dar incentives & procura de crédito privado ou a oferta de liquidez para a divida piblica. O trabalho inaugural de North e Weingast (1989) subaltemnizou os efeitos da regulamentacio na Gri-Bretanha. Estes autores consideraram as transformagées nas instituigdes politicas ‘como condicéo para 0 estado se financiar a baixo custo. Portanto, a minimizagfio do risco politico de incumprimento constituiu a chave do desenvolvimento financeiro e a Tegulamentagao no representou um constrangimento a oferta, j4 que as taxes de ‘mercado desceram bem abaixo do tecto legal dos 5%. Estudos subsequentes criticaram varias destas assergées.5 De entre o debate sobre 0 ‘comportamento das taxas de juro € regulamentagao na época moderna cabe destacar 0 estudo da actividade bancéria londrina de Temin e Voth (2013). Uma avaliagéo conjunta das taxas administradas e da oferta de erédito admite que o prego legal ficou abaixo do ponto de equilibrio em mercado livre (de encontro livre entre oferta e Procura) e obrigou o mercado a ajustar-se pela selegao mais apertada de devedores. A casa bancéria, ao seleccionar os devedores, oferecea um volume superior por empréstimo. De onde se conclui que a imposigdo de uma taxa méxima interferiu nas regras de funcionamento do crédito privado, enquanto a percepgio de menor risco na divida pablica cooptou os fundos privados. Distanciando-se desta linha de abordagem centrada na relagdo entre prego e quantidade de crédito, Hoffman, Postel-Vinay Rosenthal (2000) elegeram os problemas de assimetria de informagdo como determinantes do desenvolvimento financeiro, Por essa raza, diseutiram o papel da intermediagao notarial e secundarizaram os problemas da fixagio do juro. Tal como em Hoffman et al. (2000), € na falta de bancos em Portugal, o estudo do exédito em Lisboa beneficia com a exploragio de contratos de obtigagées celebrados diante de notério. A amostra disponivel conta com 2751 contratos celebrados num ‘mesmo oficio de Lisboa entre 1715 € 1800 (Costa, Rocha e Brito 2017).* Para obter uma série indicativa do prego corrente num mercado impessoal, o juro foi caleulado a partir dos contratos em que esta variavel (juro) nao foi estatisticamente sensivel a varidveis idiossincraticas, como seja o estatuto das partes. Foram também excluidos os contratos hntpsifjourais openedition orglerhistoria'S88etartcle-9388 820 12101723, 15:08 Os impactes do tertamotc de 1755 no mercado de erode Lisboa © w de risco maritimo, uma vez que o juro inelufa outros factores de risco nao compardveis. com os implicados nas obrigagSes em terra (gréfico 1). Gréfico 1. Taxa de juro no mereado de erédito privado (Lisboa) bs primeval percentagem » 4 8 EAESERES ELSES RERRBRER EE Fonte: Casta, Recha e Eto 2017. A série mostra uma tendéncia para a baixa na primeira metade do séeulo XVIII, reveladora de forgas macroeconémicas importantes e que, no caso portugués, nao decorreriam certamente de transformagdes nas instituigdes politicas que minimizariam © risco politico. Ficou demonstrado que o efeito da acumulagdo de moeda de ouro, sistematicamente indicada nos contratos como sendo © objecto do empréstimo, constituiu uma explicagéo estatisticamente significativa do comportamento das taxas de juro em Portugal (Costa, Rocha e Brito 2017). Aqui cabe sublinhar que nfo se descobrem indicios de que o terramoto fez disparar as taxas de juro no ano de 1756, mas a legislagio tera impedido a taxa de ultrapassar os 5% até 1783. A frequéncia com que se celebraram contratos com a taxa méxima legal sustenta a hipétese de esta interferir nas condiges de negociagéo, num contexto em que a procura teré neeessariamente aumentado. Mais tarde, nos primeiros anos de 1780, 0 juro médio contratado desceu para 4,6%, sugerindo menores restrigoes do lado da oferta para uma Procura que teria de se ter contraido. Da visio secular da taxa de juro, constata-se que a decisfio pombalina de 1757 ndo se enquadrou numa tendéncia em alta. 0 alvaré abrangia o erédito a riseo maritimo para 0 Brasil, mas no para a Asia, espago do império onde continuaria a ser livre a fixagio do juro. © preimbulo da lei justificava a medida para impedir juros especulativos, na ordem do 1% ao més. Todavia, os contratos notariais nao evidenciam, nem essa, nem ualquer subida no ano imediato ao terramoto. Os contratos com juros de 1% ao més, com a chancela do sinal piblico, reportaram-se ao crédito a risco maritimo, apenas, Fica portanto em aberto a explicagdo para uma lei que considerava 0 crédito maritimo ara o Brasil equiparavel a uma obrigago sem risco de mar, enquanto dava & Asia um tratamento de excepeao. O alvard foi promulgado numa fase em que com dificuldade se realizava 0 capital para a instituigio da Companhia de Grao Pard e Maranhéo (Marcos 1997). Talvez o legislador pretendesse canalizar fundos para os projectos coloniais que Julgava prioritérios. Na verdade, entre as actividades de negociantes da segunda metade do século XVIII sobressaem eréditos concedidos a risco para a Asia (Pedreira 1996). O Fecrudescimento destas aplicagées na rota do Cabo no tem sido apreciado luz desta ingeréucia do estado no mercado financeiro, mas cremos que ¢ um factor a considerar, prometendo este filio de negécio crediticio um retorno superior a 30%, taxa anteriormente frequente nas rotas do Brasil. Em suma, o juro de 5% seria inferior & remuneragéo de muitas outras possiveis aplicagGes alternativas na sequéncia do terramoto, questionando o racional dos agentes hntps:ljoumals.openedtion orgilothietoria 226eAarticle-9386 620 12701123, 18:09 Os impactes do terramoto de 1755 no mercado de erétito de Lisboa 1° Ea a que se mantiveram activos neste mercado do lado da oferta. A verificagao completa desta questo requereria uma avaliagdo de todas as aplicagées financeiras ocorridas na cidade, o que esta para além dos objectivos deste trabalho. Por agora, e seguindo a narrativa interna do oficio notarial tomado como representativo, destacamos o que se infere da evolucio do volume de crédito transaccionado.’ Néo € clara qualquer tendéncia (grifico 2). Os picos de 1757 e 1758 devem-se a trés contratos de valores ‘excepcionais.* Eliminando estes casos, aqueles anos nfo ultrapassam o pico anterior de 1743. Griico 2, Volume de ero seocoonn 160000 60000000 50000000 $ cons0000 ‘30000000 119 173 1735 19 1783 var 1781 1755 z 1763 1767 774 75 179 1783 a7R7 791 ga az aman Fonie: ANT, Cartrios Notariis de Lisboa, cartoro 2, cainas 74-141, ros 358.670. Assim, 0 crédito mediado por notérios nfo deixa entrever nas varidveis prego- quantidede uma ruptura clara nos anos de 1756-1758. No entanto, na contratualizagao do crédito, patente em outras cléusulas encontram-se diferencas sintométicas de que os credores procuraram proteger-se de maior risco. Na seccio seguinte obsorvamos as ‘garantias como uma das cldusulas mais expressivas dessa transformagio conjuntural. 2. As garantias dos empréstimos As garantias, ou os bens dados em hipoteca, constituiram um motivo para algumas das cléusulas mais extensas destes contratos. Para outros contextos sociais demonstrou-se que a taxa de juro era sensivel aos colaterais, variando em fungio da liquidez do ativo e da definigao de direitos plenos de propriedade (Gelderblom e Jonker 2015). © possivel que também sucedesse assim em Lisboa, mas tal averiguacio, estatisticamente suportada, é inviavel pela forma como foram referenciadas as garantias. A riqueza descritiva da tipologia dos bens contrapds-se, em regra, a falta de ‘uma avaliagio particular para cada um dos itens arrolados. Nao sendo possivel uma avaliagao para cada item, resta-nos estudar qualitativamente esta informagio, sendo relevante nfo perder de vista que um dnico crédito péde ser assegurado por varias ccategorias de garantias e que, por sua vez, cada categoria poderia compreender varios activos. ‘Salvaguardando estas contingéncias, num eontrato possivel encontrar as seguintes classes de garantias: (3) direitos sobre uso de coisa alheia (nomeadamente direitos sobre uma renda ou sobre juros de dividas de outrem); (2) bens iméveis urbanos ou (3) isticos; (4) equipamentos ou bens de capital, incluindo navios; (5) benfeitorias em casa propria; (6) bens méveis (recheio de casa, joias ou téxteis); (7) bens explicitamente dados em penhor. Esta informagio encontra-se em 1951 contratos. Os casos Temanescentes reportam uma genériea exposigio do devedor por “todos os bens /itps:ljourals. openedtionorglorhstoraisSesAertile-3988 7120 12701123, 15.09 (Os impactos do terremoto de 1755 no mercado de erécfto de Lisboa 2 2 a havidos ¢ por haver’. Esta cléusula tanto poderia facilitar a acgio judicial em beneficio do credor, como dificultar um detalhado conhecimento da riqueza do devedor na eventualidade de incumprimento, 0 que penalizaria o credor. Cremos que a segunda hipétese € mais plausivel, pelo que esta cléusula vaga acusaria as situagées em que o credor atribuiria um riseo menor, nao exigindo por isso uma cuidadosa enumeragio das garantias. (© quadro 1 agrega a informagio, medindo a frequéncia com que foram evocados os tipos de bens atrés clencados. As garantias mais utilizadas foram os bens iméveis, Fisticos ou urbanos, facto indicativo de que a maioria dos devedores neste mercado era proprietério ou usufrufa de algum modo de direitos de propriedade sobre um activo. Os direitos sobre rendimentos constitufram igualmente uma fatia destacada do conjunto de colaterais. Estéo nesta classificagao rendas de bens imoveis, ordenados de oficios, acgdes de companhias coloniais, letras de cambio, padres de juro, direitos sobre herancas ou sobre dividas activas. As cléusulas sobre garantias séo expressivas de um dindmico mereado de direitos sobre activos. De resto, 0 tema é bem familiar aos historiadores da agricultura em Portugal, quando fizeram notar que a transaccio regular de direitos sobre rendas retirava a enfiteuse o estigma de um instituto legal impeditivo do desenvolvimento do mercado da terra (Serrio 2016, 150). O crédito ‘mostra outros aspectos da mesma realidade, Quadro 1. Categorias de colaterais, 1715-1800 Observagies Catogorias mr % 1. Diteltos 545 208 2. Bens iméveis urbanos 981 374 3, Bens iméveis rurais 666 254 4. Equipamentos rurais @ maritimos 101 3.9 5. Benfettoras 214 82 6. Bens méveis to 42 7. Penhores 6 02 Total 2623 100.0 ———S Fonte: ANTT, Carros Notaiis de Lisboa, cara 2, caixas 74-141, los 358-870, A pluralidade de subarrendamentos néo inibia o devedor de dar 0 imével aforado como colateral, conforme se encontra bem explicitado num dos varios exemplos que aqui poderfamos arrolar. Num empréstimo de 460.000 réis de Joo Araijo Lima, homem de negécio, a Miguel de Oliveira, igualmente homem de negécio, em 1753, foi dada especial hipoteca a propriedade de easas ¢ Iojas que tem e possui na ribeira desta cidade junto & guarda do forte que alugam varios inquilinos ¢ rendem cento © sessenta e ito mil reis cada ano as quais sito foreiras enfatiota a0 senado da ‘cémara desta cidade ... e entregou os titulos dela a ele sen eredor para os ter em seu poder em penhor e caugéo desta divida até o tempo do distrato dela (.). A prova formal de propriedade confere a este mereado uma dimensio moderna, raramente assinalada em estudos sobre direitos de propriedade no Antigo Regime Portugués, com o prop6sito iniludivel de servir de prova para execucio judicial em caso de ineumprimento do devedor. Refira-se, alias, com 0 exemplo acima, que essa formalizagao ocorren entre individuos com a mesma ocupagdo, neste caso, ambos homens de negécio. Estudos centrados nos problemas das economias em !ntps:ifounals. openediton orglerhistorla‘S386Haricle 3388 12701728, 1:08 Os impactos do terramoio de 1755 no morcado de crécio de Lisboa 2 2 desenvolvimento tém referido a importancia da realizagio de cadastros de propriedade como precondigo ao crescimento do crédito. A familiaridade dos agentes em Lisboa com os pré-requisitos formais revela a modemnizagio institucional deste mercado ¢, consequentemente, a presenga de condigées para o seu crescimento. A posse de registos de propriedade seria, assim, uma preocupagdo socialmente transversal (ao menos nos niicleos urbanos) € no apenas exclusiva dos grupos possidentes de terra (nobreza € ‘Ugreja), reconhecidamente versados em rigorosos registos de patriménio. Nzo coube ao notirio fornecer a informagiio sobre os vinculos institucionais dos actives dados como colateral, contrariamente ao que Hoffman et al. (2000) admitiram ser a mais-valia da intermediagio desta instituicdo. Por essa razio, estes autores acrediteram que 0 mercado de crédito se expandiu independentemente de taxas de juro regulamentadas, 4 que o essencial para 0 crescimento das transacgdes seria a redugéo de riseo moral (incumprimento do contrato), cuja probabilidade dependeria da informagio obtida ex ante o contrato. ‘Como se constata, no caso portugues, o recurso ao notério nao substituiu a exigéncia de prova documental de propriedade de colaterais por parte do devedor; ambos os dispositivos presumiam a mediagéo da justiga. £, por isso, plausfvel que o terramoto colocasse adicionais problemas em virtude do desaparecimento de muitos dos arquivos notariais e pessoais. Havia, pois, um risco mais elevado no empréstimo de dinheiro a devedores sem prova documental da propriedade dos bens dados como garantia. Conforme foi referido, na impossibilidade de aferigio dos valores de cada um dos colaterais evocados, 0 nvimero de categorias de colaterais por contrato desyenda um corte temporal em toro do terramoto (grifico 3). Os dados parecem-nos elucidativos de uma fase distinta entre 1756 € 1769. Nestes anos, foram mais frequentes as obrigagées exigindo trés ou mais tipos de colateral, o que em alguns casos significaria hipotecar oito propriedades, entre bens risticos, urbanos e direitos sobre rendas. Paralelamente, os casos em que a exposigio do devedor era vaga, baseada na expresséo “bens havidos e por haver” (zero garantias), tocaram os seus niveis mais baixos (6% em 31770), tendo chegado a representar 60% dos 1727 contratos celebrados. Grafico 3. Evolugao do nimero de categorias de colater 70% 60% | ' 50%, 1748-1800 40% % contratos, om | bag 2 ESQRREREESLRLERRERRERE Fonte: ANTT, Cartérios Notrials de Lisboa, carro 2, caleas 74-141, tras 258-670, A série faculta uma periodizagao das sequelas do terramoto num importante sector da economia, Em cenério de desordem e escombros houve liquidez para emprestar € encetar a reconstrugio da cidade, mas o risco superior em contexto de taxes regulamentadas forgou os credotes a exigir um ntimero mais clevado de garantias. Durante estes treze anos (1756-1769) 0 volume geral de empréstimos aumentou 30% face ao periodo anterior, tendo sido transaccionada uma média anual de 31 contos. Depois de 170, os credores diminufram as suas exigéncias para o empréstimo de dinheiro, mas a média anual do montante de divida nestes trinta anos finais do século hitpe:/[oumals.openediton orglethistorialSS80Mertile-3988 1200128, 15:08 0 impactos do teramoto de 1755 no mercedo do créito de Lisboa XVIII ficou nos 19,5 contos, quase metade do estimado para o perfodo de 1756 a 1769. Lembrando que a subida dos pregos tocow os 3,5% a0 ano, o valor real do volume mutuado desceu consideravelmente.° Esta fase final compreende a década de 1780, com sinais de que a taxa de 5% estaria acima do ponto de equilfbrio do mercado em regime livre. Admite, por isso, que outra etapa da historia econémica da cidade se defini pelo excesso relative da oferta, sendo consistente, portanto, com a tendéncia Para o mimero de garantias exigidas se reduzir. Na seccio seguinte exploraremos a sociologia deste mercado, talvez 0 indicador mais convincente de qualquer mudanga em ‘curso num contexto de taxas de juro administradas (Temin e Voth 2013, 80-83). 3. Sociologia do mercado de crédito 7 — Sobre a sociologia deste universo de transaccées, os contratos formalmente registados em notério niio contradizem o que é j& conhecido através de inventirios Post-mortem do tiltimo quartel do século XVIII e primeiras trés décadas do século KIX que falam do erédito informal na cidade (Rocha 1996). Também nos notérios, pela imagem devolvida em 2751 escrituras, se verifica uma consideravel disseminacio social, com 1220 eredores (74.1%) a serem responsiveis por apenas um empréstimo, totalizando 37,9% do valor mutuado. Apenas 25 credores (1.5%) concederam 10 ou mais empréstimos (19,79 do montante outorgado). 2 A identificagdo dos intervenientes atendendo & ocupagao ou estatuto tomou a auto- identificagdo das partes diante do notario. Frequentemente, os préprios apresentaram- se de modo ambivalente, revelando um estatuto, e, por vezes, mais do que uma possibilidade de classificago ocupacional (por exemplo, desembargador e conselheiro do Consetho Ultramarino). Privilegiamos sempre a indicagio da qualidade socioprofissional sobre o estatuto.* Para os restantes casos, em que apenas se conhece ‘um estatuto, nao enjeitimos a informagao, obtendo assim uma amostra mais ampla e gue permite avaliar a diversidade social, inclusive o lugar das mulheres, neste universo financeiro, 2 Uma vez assumida a ambivaléncia do critério utilizado, é possivel afirmar que o mercado esteve aberto a grupos sociais intermédios, com rendimento médio-baixo (quadro 2), nisso se diferenciando Lisboa, por exemplo, de Paris, onde a presenga das elites sociais (nobreza e administragéo) foi maioritaria nos notérios, totalizando 64% dos credores por volta de 1740 (Hoffman, Postel-Vinay e Rosenthal 2000, 163). Quadro 2. Estrutura social da oferta de crédito, 1715-1800 Ocupagao 1718-1755 1756-1769 1770-1800 valor freq valor freq valor freq dh % % & % % Administragao 41 47° 29 84 52 59 Agricultura/pescas 0.8 22 01 O07 02 16 Acttices 88 177 387 81 78 46 Comercio 150 180 244 198 356 254 Estrangeios 7 49 08 18 29 16 Exércko 46 44 52 76 29° 44 Instituigées religiosas 17 13° 3.2 30 51 34 Mulheres 174 151 219 189 106 106 bhtps:lfourals openedition orglerhstera/3386irtcle-3388 10/20 12101123, 15:09 (0 impactos do terramota de 1755 no mercado de crélto de Lisboa ao 2 Nobreza 73° 80 102 35 82 69 Profisséesliberais 23,7 18.1 24,9 219 164 144 Propritérios 81 56 22 51 18 34 Senigos 15 32 07 39 26 57 Transportes 01 06 00 07 06 26 Total 100,0 1000 100, 100 100.0 1000 Fonte: ANT, Carttios Notaria de Lisboa, carlo 2, ceixas 74-141, los 358-670, A relativa importancia dos artifices constitui o mais expressivo indicador da democratizacdo do negécio de crédito em Lisboa, Integram 0 subconjunto de quatro grupos com maior mimero de contratos até 1755, Todavia, os montantes emprestados referem-se a pequenas quantias médias, afastando-se assim das principais categorias de credores do ponto de vista do montante mutuado. Neste aspecto cabe assinalar que os maiores eredores esto inscritos em trés grupos. Até 1755, as profissées liberais — categoria reservada a ocupagées de elevado capital humano, como cosmégrafos, letrados (doutores, desembargadores) ¢ clero secular ~ dominam, seguidas de mulheres ecoméreio. Nos 13 anos seguintes ao terramoto a posigo cimeira é ainda tomada pelas profissdes liberais, mas as duas outras categorias aumentaram a sua participagao, com destague para 0 comércio, que experimentou um salto substantivo (de 15% até 1755, para 24.4% entre 1756 € 1769). 0 dominio do coméreio consolida-se decisivamente depois de 1770 (36,6%), perante 0 recuo das categorias profissées liberais (16,4%) ¢ mulheres (10,6%). A observago dos maiores prestamistas individualmente considerados néo altera esta ideia de uma progressiva ascensdo do coméreio em detrimento das outras categorias. Para este inquérito, elegemos o patamar de cinco contos de réis, em valor de 1755, equivalente a 16666 salérios didrios de carpinteiros.** Até 1755 encontram-se nesta condicao 25 credores (2,6%) com exédito no valor de 306 contos de réis, ou seja, 35% do total negociado, onde aparecem mulheres a conceder 23.5%. Para além de quatro credoras leigas, observam-se transacgdes de varias mulheres recolhidas no convento de Cheles, nem sempre individualmente identificadas, pelo que este valor pode estar sobre-avaliado se aceitarmos que alguns destes montantes pertencessem aos cofres do convento. As profissées liberais compreendem cinco prestamistas (16,6%), destacando- se Luis Francisco Pimentel, cosmografo-mor do reino, responstivel por 5,2% do capital mutuado.'* No comércio esto cinco negociantes nacionais que, em conjunto, emprestaram 12,5% do crédito concedido pelos maiores prestamistas. Proporeio idéntica dos empréstimos (12,2%) foi assegurada por dois outros negociantes de nacionalidade inglesa (Guilherme Viollete e Jodo Sherman), classificados separadamente por pertencerem a organizagdes corporativas distintas e por nos parecer relevante avaliar 0 comportamento destas comunidades estrangeiras na fase apés 0 terramoto. ‘Nos 13 anos de maior risco, entre 1757 ¢ 1769, descobrem-se 16 agentes (5% do total) a controlar 56% do capital outorgado, indicando uma maior concentragio. Entre estes constam alguns notiveis, como o filho e a vitiva de Estévao Martins ‘Torres ou 0 contratador do tabaco Duarte Lopes Rosa. No topo da hierarquia dos eredores perfilou- se 0 desembargador Tomas Roby de Barros Barreto, individualmente responsivel por 13 empréstimos, totalizando 42 contos (17,8%). Depois de 1770, 0s mesmos 5% dos credores preenchem a condigio de maiores prestamistas (com cinco ou mais contos 20 valor real de 1755). A representatividade dos montantes desce para 40%, mas a expresso maioritaria do comércio confirma-se também por esta andlise: 529% do valor fem causa ficou a dever-se a intervencio de figuras de proa da praca de Lisboa, a exemplo dos Rodrigues Caldas (Luis ¢ Jotio) e de Manuel Rodrigues da Fonseca, para /ntps:lfoumals openediion orgherhistorla/S3BMartcte- 2088 ‘1120 12101128, 15:09 (0s impactos do terramoto de 1755 no mercado de crédito de Lisboa * ‘mencionar os que sabemos terem tido igual destaque noutros universos econdmicos € financeiros (Pedreira 1995). A observacio das posigées Iiquidas (créditos menos débitos - quadro 3) e das relagies estabelecidas com elementos fora ou dentro da mesma categoria concede uma outra perspectiva das transformagées ovortidas neste mercado. A primeira informacao a destacar refere-se 4 categoria nobreza, que inclui nfo s6 fidalgos e titulares como também os casos de estatuto adquirido por outras honras régias, nomeadamente, € sobretudo, habitos de ordens de cavalaria (Monteiro 2005, 7-9). Houve, contudo, que ‘truncar a categoria quando, além do estatuto, se indicava uma funciona administragio do reino. Estes casos foram classificados em administragio. Este grupo, tal como 0 definimos, tem destaque enquanto devedor liquido, até mesmo considerando a dimensio média das transacgées. Os empréstimos tomaram um valor médio de 12 contos de réis até 1755, de 2,5 contos no periodo entre 1756 e 1769, e de 1,9 contos de réis depois de 1770, face a um montante médio das transagdes de 685 mil réis ao longo de todoo século. Quadro 3. Posicéo liquida (créditos menos débites, em percentagem) das categories Sociais, 1715-1800 Categorias 4715-1785 1756-1769 1770-1800 Administragio 620° 47 8a Agrcuturapescss «082 arices 8 08 Comércio 23 92 228 Esirangsros 34 02 Exercito 02 63 Insituigdes Relgioses 06 1.5 “3 Mulheres 1 82 24 Nobreze 01-9247 Profissées Liberais 9,8 136 op Propretiios 34 44 20 Sonigos 08 a4 48 Transportes 47 4808 Fonte: ANT, Carros Notaiais de Lisboa, carro 2, calsas 74-14", ros 358-670, © endividamento deste grupo est bem documentado, quer em trabalhos sobre a nobreza titular, quer sobre a actividade erediticia da Misericérdia de Lisboa (Monteiro 2003; Rodrigues 2018). Os contratos notariais acrescentam a estes trabalhos a Certificagdo de que as relagées creditcias da nobreza nfo se circunscreveram aos irmaos da Misericérdia ou ao coméreio. Envolveram quem quer que possuisse liquide suficiente para responder as suas solicitagGes, até mesmo artifices. Na diversidade das relagGes, a nobreza aparece como uma categoria singular num universo em que a identidade social entre as partes do contrato (homofilia das relagées) parece dominar. Considerando o perfodo até 1755, as profissées liberais obtiveram dos seus pares quase 34% dos montantes; o comércio, as mulheres e os artifices entre 20% ¢ 28%.*5 No caso da nobreza, do total em divida até 1755, 35,3% teve oferta nas profissdes liberais, seguindo-se mulheres e coméreio, com 14,8% ¢ 12%, respectivamente. Note-se, ainda, que do naipe de eredores da nobreza, a categoria dos artifices, em conjunto, totaliza !ntps:/fournais.openedition crgherhistorial3S8BMaricle-3386 12120 12101123, 15.08 (0s impactos do terramoto do 1755 no mercado de crédito de Lisboa 36 a 1% dos empréstimos. A representatividade das relagées entre pares na nobreza surge com percentagem discreta, perfazendo 9,5% dos montantes, ainda abaixo de 10% contraidos a proprietérios (*donos de fazenda” ou dos que se designaram “vive de sua fazenda"). A abrangéncia da extracgao social dos eredores sugere a importéncia do estatuto, sinalizando a qualidade do devedor, quando a ele se associavam garantias materiais de elevado valor. Como tal, pelo estatuto e pelas garantias, a nobreza disporia de um leque mais diversificado de credores, ¢ endividou-se a taxas de juro tendencialmente mais baixas que outros estratos sociais (Costa, Rocha e Brito 2017). & surpreendente a transformagio das conexdes da nobreza entre 1756 e 1769, exibindo um nivel elevado e irrepetivel de ligagées internas, na ordem dos 31%, 0 que permite supor que a catastrofe, ao descapitalizar significativamente este estrato social, reforgou um espirito de corpo. Além dos pares, s6 a categoria mulheres teve lugar relevante entre os credores da nobreza. Uma delas herdara a fortuna do defumto marido. A viva de Estévio Martins Torres emprestou de uma s6 vez 20 contos ao duque de Aveiro no inicio de 1757. Nos anos de 1770 em diante, este padrio modificou-se. No interior do grupo da nobreza apenas foram negociados 12,5 % do erédito. Esta fase é reveladora de inédita e elevada dependéncia relativamente ao comércio, contraindo junto desta categoria 50% das suas dividas. Tal proximidade social foi interpretada como uma das consequéncias das disposigées pombalinas que interditaram a Misericérdia de Lisboa de outorgar dinheiro a jures (Monteiro 2003). Os contratos notariais esclarecem que essa aproximago ao comércio seguit-se a um tempo curto de grande solidariedade interna do grupo, Todavia, a percepcao dessa proximidade poderia ainda ser mais reforcada nesta anélise, em virtude da eoncessio generalizada de habitos da Ordem de Cristo entre negociantes (Olival 2001). Veja-se que um dos mais importantes financeiros do reino ~ Anselmo José da Cruz Sobral - identificou-se nestes contratos como cavaleito da Ordem de Cristo e fidalgo da casa real e nunea como homem de negécio. Por uma questo de coeréneia na taxonomia adoptada, s6 constam da categoria de comércio 03 individuos que se autodesignaram como homens de negécio. Como tal, a proximidade da categoria nobreza relativamente ao comércio nas relagées crediticias poderd ser 0 ‘outro lado do reforgo das relagies de crédito dentro do préprio grupo mercantil. A categoria estrangeiros, envolvendo muitos dos que se instalaram em Lisboa com ‘ocupasio mercantil, softeu significativamente com o terramoto. A elevada homofilia das suas relagdes entre 1715 e 1755, que atingiu os 74% dos empréstimos contrafdos, reduziu-se para 3,2% nos anos de 1756 a 1769. Nesta conjuntura tiverem oferta de crédito de mulheres (40%) e do comércio (35%). A presenga de estrangciros no mercado reduziu-se drasticamente na segunda metade do séeulo, Tendo fornecido 7% dos créditos até 1755, apenas asseguraram oferta de 0,6% entre 1756 e 1769 e ficaram- se por 2,3% depois de 1770 (quadro 2), sem diivida outra demonstragio dos problemas destas comunidades com o terramoto, com algumas casas a transferirem-se pata 0 Porto depois de 1755 (Ratton 1920). Na anélise da relagao entre créditos e débitos surge claramente a evolugao de outras eategorias que, contrariamente aos estrangeiros, se mantiveram no mercado com osigdes significativas. Na sequéncia do terramoto, 0 comércio aumentou a posicéo de eredor liquide (de 2,3 para 9,2), mas as profissies liberais detiveram ainda parte substantiva da oferta. Depois de 1770 € clara a posicdo destacada do coméreio (22,8). Na estratégia seguida por esta categoria nos 13 anos subsequentes & catastrofe transparecem mecanismos de gestéo de riseo, quer pela selecgio de devedores, quer pelo mimero clevado de garantias. Emprestou sobretudo aos seus pares ou a profissdes préximas, como sejam mestres capitaes de navios (transportes) e estrangeiros. O grau de homofilia das relagdes subin de 29% entre 1715-1755 para 48% nos anos de 1756- 1769, nao invalidando outros dispositivos de informagéo que minimizariam 0 risco moral. Veja-se que este segmento da oferta de crédito assegurou, juntamente com a nobreza: ¢ as instituigdes religiosas, a maior proporgao de empréstimos com trés ov mais tipos de garantias. Deparamo-nos, assim, com uma pluralidade de indicios de que hitps:fournals openeciion orgherhistoiaS3B8Harticle-3388 12101123, 1808 (0s impactos do teremoto de 1755 no mercado de erédto de Lisboa 2° 4 2 ‘08 negociantes ofereceram um maior volume de erédito nesta conjuntura especifica, mas seleccionaram os devedores, quer exigindo mais colaterais, quer reforgando a proximidade social das suas relagies. Depois, entre 1770 e 1800, o grupo tornou-se praticamente o tinico com posigao de credor liquido e abriu o leque dos seus devedores. A maior parte das categorias sociais deveram-Ihes mais de 25% dos seus empréstimos. A conformidade destes dados com 0 que 6 conhecido pelos exaustivos estudos de Jorge Pedreira ou de Nuno Madureira desvirtua a originalidade desta conclusio (Pedreira 1995, 1996; Madureira 1997) ‘Todavia, permite-nos conjecturar que a alteracao institucional da economia, promovida pelo governo pombalino, ¢ que incentivou a elitiza¢do do comércio, foi 20 encontro de um grupo social com fortuna a reproduzir-se através da aplicagio de liquide no mercado de crédito, numa conjuntura que delapidou fortunas imobilizadas em atriménio edificado. Assim, ou porque houve uma distribuigao do rendimento em seu favor, ou porque tinham uma vantagem em termos informacionais que hes permitiu monitorizar 08 contratos a menor custo, os comerciantes tornaram-se dominantes no ‘mercado de crédito formal em Lisboa. E provavel que, depois de 1770, se alterassem os incentivos para a participacio neste mercado, tanto do lado da oferta como do da procura. O rendimento gerado nos Primeiros empréstimos canalizer-se-ia para outro segmento do mercado crediticio, quando a divida piblica de curto prazo chegou a pagar taxas de 6% (Costa 1992). E também plausivel que apés a fase de transico se verificasse uma contracgéo da procura, Finalmente, os maiores detentores da liquide oferecida no crédito para consumo pessoal (que visou a reabilitacdo de iméveis dos devedores) investiram cles prOprios na reposi¢ao do capital residencial, encontrando no arrendamento urbano uma remuneragéo superior a 5% (Pedreira 1996; Madureira 1992). Para todos os efeitos, a especializacio do comércio do lado da oferta de crédito, numa fase de retraesfio da procura, sugere que a taxa de juro a 5% depois de 1770 ter-se-é aproximado da taxa de equilibrio, ‘As mudangas que descrevemos na sociologia dos agentes nfo tiveram paralelo nas aplicagbes dos montantes mutuados. Quer antes quer depois do terramoto destinaram- se preponderantemente a satisfazer 0 consumo pessoal e doméstico. Nao se estranha, assim, que as maturidades destas obrigagdes refiram em geral a concesso por um ano, com possivel prorrogacio. Na seegio seguinte mostraremos a ponderagio desse consumo como 0 motor da dinamiza¢ao deste mercado. 4. As aplicagées Para um primeiro nivel de observasio (quadro 4) agruparam-se os contratos de acordo com a natureza institucional do devedor, o que distingue o “crédito empresarial” daquele que designamos por “crédito pessoal”. Na primeira qualidade entram os contratos com aplicacées mais préximas de um investimento reprodutivo, ou formagao de capital (aquisigio de existéncias ou reposigao ou melhoramentos no capital fisico). ‘Todos as restantes aplicagGes, inseridas em “crédito pessoal”, mesmo que respeitantes a empréstimos para consumo duradouro (construgdo ou obras em casa propria), no configaram um financiamento de actividades econdmicas necessérias a sustentar crescimento de médio e longo prazo. Os dados do quadro 4 falam da importaneia do crédito pessoal muito acima da parcela que poderemos associar a formagio de capital reprodutivo, antes e depois do terramoto, Se esta era a aplicagio procminente até 1755, sua proporgao aumenta gradualmente depois, chegando a representar 78% entre 1770 e1800. Quadro 4. Volume de crédito por categoria institucional, 1715-1800 hos #jounals.openedition orgeristorialSS86tarile-3386 14120 12101128, 15:09 1s impactos do teramoto de 1755 no morcado de exélio de Liebos 0 Pessoal Empresarial Total valor % valor % — valor % 1715-1755 541.1 71,2 219.0 288 760,1 1000 1756-1769 2910 73,5 1080 265 396.0 1000 1770-1800 3766 78,1 1059 21,9 482.5 100,0 Fonte: ANTT, Cartrios Notariais de Lisbos,carério 2, calxas 74-141, fos 858.670. A importancia do crédito ao consumo ganha maior expresso quando se desagregam as duas categorias institucionais de acordo com trés grandes freas de despesa: consumo, investimento e encargos ou aplicagées financeiras (quadro §).!6 Na categoria de crédito pessoal, 0 investimento contempla empréstimos antevendo 0 aumento de riqueza ou alteragio de estatuto, tal como aquisigio de propriedades ritsticas ¢ de direitos (seja sobre foros © rendas, ou sobre actives financeiros de companhias coloniais), compra de oficios de escrivaninha e todas as demais despesas que visariam a Promogio de estatuto social (compra de hébito de Cristo, alforria ou fianga para libertagdo de cadeia). Esta aplicagao foi meramente residual (entre 2,2% e 3.5%), contrastando com o consumo, que variou entre 54% 2 70%, e com as aplicagées financeiras (de 27.3% a 44,2%). Neste caso, esto compreendidas as dividas contraidas para pagamento de caugdes, reembolso de outras dividas de varia ordem ou cumprimento de obrigagées de direito familiar (dotes, partilhas, herangas). O volume de divida para resolver encargos financeiros surpreende pela sua relevéneia e, de entre este subeonjunto, 0 reembolso de dividas anteriores representou cerca de 87% dos montantes. co == ail a [mee ms fee sy fee swe 3 [ew sm mere per a bn ae Man |S a Per m2 [ie ther Sit Her reer] i ee ae an 4s 98 2a | no amy oe ame ra | es ys om ats to ae | as i ism Fonte: ANTT, Carlerios Notereis de Lisboa, cariério 2, eainas 74-141, fvros 358-670. Quanto a0 crédito empresarial, a resolugio de dividas anteriores também incitou novos empréstimos, mas a estrutura das aplicagées foi sobretudo repartida entre consumo ¢ investimento até 1769.7 Dentro do investimento empresarial, 0 coméreio (que inelui o erédito a risco maritimo) perfez. 44,3% do valor solicitado, seguido pelo sector da construcio (30,7%). A indéstria (12,8%), os transportes (8,4%) ¢ a agricultura (3.7%) tiveram uma expressividade reduzida. Sublinhe-se, contudo, que todas estas aplicagées no excederam 198,6 contos de réis, num volume total de crédito de 429,9 contos em crédito empresarial. Todavia, no investimento empresarial, capta-se 0 incontomavel impacto do terramoto, pelo protagonismo do sector da construio depois de 1755." Pese embora a representatividade do comércio ¢ da construgio ente o investimento empresarial, as aplicagées, no seu conjunto, caracterizam um universo de transaegées pouco ditigido a financiar a formagao de capital reprodutivo, pelo que nao é possivel associar estes empréstimos @ condigées para maior crescimento futuro da economia. 5. Conclusées hitpsiljourals openedition orgleristoriaS386faricle-3388 1520 12101123, 15:09, (0s impactos do teramoto de 1755 no mercado de créito de Lisboa “6 a © estudo que aqui realizamos das transformagdes no mercado de crédito osteriormente a uma maciga destruicdo de capital foi, por um lado, inspirado na vasta literatura hoje disponivel sobre efeitos das catéstrofes geofisicas no crescimento econ6mico e, por outro, pela constatagio da falta de estudos na historia econémica Portuguesa sobre os impactos do terramoto ¢ da legislagio pombalina de 1757 no mercado de erédito, Em primelro lugar, reconhecemos que os efeitos directos do sismo no crédito se estenderam até 1769. Imediatamente apés uma terrivel hecatomibe na cidade de Lisboa, um segmento da populagio sobrevivente desentesourou niveis extraordindrios de ouro ¢ foi capaz de, em 13 anos, financiar a economia em mais 30% do que no tempo tradicionalmente identificado na historiografia como o de abundancia de ouro. Cremos que esta liquides contribuiu para a diversificagdo de aplicagdes financeiras som consequéncias muito criticas nas quantidades mutuadas no periodo subsequente 20 terramoto. Todavia, confirmamos sinais de aumento do risco para o credor que se conformam com racionamento em equilfbrio. Na impossibilidade de internalizar o risco na taxa de juro, o credor alterou o seu racional neste mercado exigindo mais garantias ¢/ou reforcando as relagdes com pares entre 1756 € 1769, Em segundo lugar, discutimos os prinefpios norteadores da legislagio pombalina destinada a eriar um tecto méximo de 5% para as taxas de juro em 1757, sublinhando que se insere numa tendéneia no claramente em alta na sequéncia do terramoto, Destacdmos a eoineidéncia temporal da norma com a necessidade de direecionar fundos para a constituicéo da Companhia de Grao Parti e Maranhio. Em terceiro lugar, este estudo revelou uma progressiva ascensdo da ocupacio ‘mercantil ne oferta de crédito, 20 mesmo tempo que a nobreza se mantinha acantonada no lado da procura. A destruigo de capital residencial e fisico tera sido um mecanismo de afirmacao de fortunas com elevada proporgao de actives liquidos que inclufam ouro amoedado. Desta forma, sublinhamos que a elite do comércio, se participou no mercado de erédito de Lisboa em posigdo eimeira, s6 0 fez depois de 1770, numa conjuntura de quebra do volume total mutuado com sinal ptiblico, em valores correntes ¢, ainda mais, em valores reais, Por miltiplas perspectivas, os anos de Setecentos facultaram formas de riqueza que, em linha com 0 pasado, se desejaram diluir em yelhas formas de distingao social Grandes homens de negécio apresentaram-se diante do notério como cavaleiros da Casa Real e silenciaram © papel social de onde Ihes vinha a liquidez que ofereciam a juros regulados. Mas € no mercado de crédito, nas suas modalidades de contratualizagio, que se revela a modernidade das instituigSes reguladoras, necessérias a0 desenvolvimento financeiro, sendo o registo de propriedade e as exigéncias de garantias um aspecto fundamental desta modernidade. Que em pouco mereceu 0 aff Jegislativo de um ministro que a historiografia acredita ter contribufdo para aproximar Portugal da Europa itustrada, Bibliografia Benson, Charlotte; Clay, Fdward J. (2004). Understanding the Economie and Financial Impacts of Natural Disasters. Washington: World Bank. DOI : 10.1596/0-8213-5685-2 Bolton, Patrick; Dewatripont, Mathias (2005). Contract Theory. Cambridge, Mass.: MIT Press, Cardoso, José Luis (2007). “Pombal, o terramoto ¢ a politica de regulago evonémica”, in A. C. Araijo, et al. (eds), O Teramoto de 1755. Impactos Hist6ricos. Lisboa: Livros Horizonte, pp. 165-182. Cavallo, Eduardo; Noy, Han (2009). The Economics af Natural Disasters. A Survey. 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