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REIS
DE PORTUGAL

DIRECÇÃO:
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ROBERTO CARNEIRO .~

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COORDENACÃO CIENTÍFICA: ~
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ARTUR TEOÓORO DE MATOS
JOÃO PAULO OLIVEIRA E COSTA
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Em colaboracão com
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.l Sumário
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o Centro de Estudos dos Povos e C~lturas de Expressão Portuguesa
da Universidade Católica Portuguesa _ ~
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Preâmbulo: memórias de um rei ou de um ministro? 9
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Parte I
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Capítulo 1 - O jovem príncipe do Brasil e o seu casamento 15

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Uma aliança matrimonial em tempos de guerra 15
~ Os primeiros anos do jovem príncipe do Brasil 21
~ D. Mariana Vitória de Bourbon: o casamento recusado e o que se consumou 23
O jovem casal e os seus partos 29
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Na capa: pormenor do retrato de D. José, por Francisco José Aparício. Museu Nacional s Capítulo 2 - Sua Majestade Fidelíssima 35
dos Coches, Lisboa.
Foto: José Pessoa/Divisão de Documentação Fotográfica/Instituto Português de Museus. A monarquia barroca 35
A administração central no reinado de D. João V 39
ISBN 978-972·759-964-6
Os príncipes e os reis (l}36-1747) 47
Capítulo 3 - Os últimos anos de D. João Ve as escolhas de D. José 53
911~11~ij~~IIIJ~~lll!llll O valimento de Frei Gaspar (1747-1750) 53
A «ilustração» joanina 59
DESIGN DE 'CAPA:
Temas & Opções As escolhas de D. José •._._ 64
DESIGN GRÁFICO:
Fernando Rochinha Diogo Capítulo 4 - O rei diverte-se: os anos da ópera (1750-1755) 72
REVISÃO TIPOGRÁFICA: A aclamação . 72
Fotocompográfica, Lda.
COMPOSIÇÃO:
O que fazem os reis?A Ópera do Tejo 75
Fotocompográfica, Lda. As matérias da política 84
FOTOMECÂNICA:
Fotocompográfica, Lda. Capítulo 5 - O ano de 1755 97
e Círculo de Leitores e Centro de Estudos dos Povos As vésperas do cataclismo 97
e Culturas de Expressão Portuguesa O governo político do terramoto do 1.0 de Novembro de 1755 102
e Temas e Debates
Impresso e encadernado em Junho de 2008 Capítulo 6 - Revolta, conspiração e lesa-majestade 119
por Printer Portuguesa, Indústria Gráfica, Lda.
Casais de Mem Martins, Rio de Mouro
O vinho da ira: o Porto e Companhia 119
Depósito legal n.? 271 951108 O dia 3 de Setembro de 1758 131

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D. JOSÉ E POMBAL: O REL.iBONARQUlA E O VALIDO
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narcas esclarecidos do século XVIII sonhavam ser [... ] uma imitação prática de Luís
XIV»!, ou seja, que o que pretendiam era reforçar a sua autoridade e construir o Es-
tado. Pode-se até discutir se há alguma coisa de fundamental que distinga o refor-
mismo da segunda metade deSetecentosdaquele que existiu na viragem do século
XVII para o XVIU2. O caso espanhol é, a este último respeito, exemplar: as reformas
centralistas introduzi das por Filipe V (1701-1746) no início do seu reinado foram,
nesse plano, muito mais relevantes do que todas as posteriores'.
Devem, em todo o caso, sublinhar-se algumas ideias gerais. Desde logo, que as
relações entre os intelectuais e os reis, ou seus ministros, nunca foram lineares: as re-
Capítulo 14 formas coincidem cronologicamente com o ambiente e com a cultura das Luzes,
D. José e Pombal: o rei) a monarquia e o valido mas não foram o seu produto directo. Por outro lado; em geral na Europa do Sul, o
projectismo dito iluminista está muito mais estreita e directamente ligado ao gover-
no, e menos a uma esfera pública relativamente autónorna e independente. Em re-
«Um paradoxo do iluminismo»! gra, é menos abstracto e mais pragmático, mas também mais li~itado no seu alcan-
ce. De resto, pode afirmar-se, com fundamento, que o iluminismofrancês teve

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rei e o valido, como duas faces da mesma moeda. Um tema ao qual se vai
.ciclicamente regressando. De resto, esteve sempre no centro das preocupa-
ções da época e, por isso mesmo, nas daqueles que retrospectivamente a procuraram
muito menos importância em países como Espanha e Portugal do que em relação
aos pensadores reformistas italianos. Tal como na Europa central foi muito mais re-
levante o chamado camaralismo' alemão e os teóricosdo novo direito natural", Além
disso, deve frisar-se que os reformismos de Setecentos nunca podem ser dissociados
entender.
Na última biografia de destaque publicada sobre o marquês de Pombal,o seu do processo de construção do Estado, no sentidode um poder vocacionado para o
autor, Kenneth Maxwell, colocou como subtítulo da edição original do seu livro exercício do monopólio da autoridade legítima. Na verdade, questões como a uni-
«um paradoxo do ilurninismo», pretendendo com isso salientar que a violência dos formização insritucional, o poder da Igreja ou as políticas tributárias acabam quase
fatalmente por desembocar nessa problemática. Por fim, importa sublinhar que, co-
métodos de repressão de Pombal não se quadrava com os princípios de tolerância
mo já antes se realçou, no mundo das elites seassistiu, em toda aEuropa, a uma vi-
do iluminismo europeu'. Acresce que na Europa do tempo, se, por um lado, se elo-
ragem nas formas de religiosidade, que não é de pouca relevância para aquilo que se
giou a reconstrução de Lisboa e a supressão dos Jesuítas, por outro, condenou-se
pretende aqui discutir.
duramente os seus métodos violentos e, em particular, o massacre dos T ávoras. Coe
. As considerações precedentes retiram, também neste caso, alguma da sua origi-
mo é evidente, o paradoxo só parece ser aceite se for aceite que Pombal era um polí-
nalidade ao reinado de D. José eao governo do seu valido, Pombal. Contudo, uma
tico das Luzes... . '
vez mais, esta não desaparece ínteiramente. Quanto mais não seja, pelas mesmas ra-
:Até certo ponto, a pertinência da questão antes colocada decorre das definições
zões pelas quais é conhecido, menos pela designação de período «josefino» que pela
prévias das quais se parte. Desde há muito que os historiadores costumam incluir as
de «pornbalino».
políticas reformistas da generalidade das monarquias europeias a partir de meados
do século XVIII debaixo do conceito, muito discutido e questionado, de «despotis- o espaço~p1.Í.blico e o reinado de D. José
mo esclarecido» ou «absolutismo iluminados". Tal associado não deixa de suscitar
Para muitos efeitos, a história política e cultural europeia do século XVIII conti-
muitas reservas. Uma delas é, exactamente, a da conexão entre iluminismo e refor-
nua a ter como referente essencial a história da França setecentista. Como antes se
mismo, Há quem chegue a sugerir que as relações entre os déspotas esclarecidos da
sugeriu, parte essencial dessa evolução de referência tem sido atribuída ao cresci-
segunda metade do século XVIII e os pensadores das Luzes, com os quais alguns se
corresponderam e encontraram, eram sempre mais ou menos cínicas e que «os mo-
I BLUCHE, 2000, p. 352.
2 BLACK, 2004, p. 134.
1 MAx\VELL, 1995. 3 Cf. LÉON SANZ, 2002; EséuDERO, 1999.
2 SCOTT (ed.), 1990. 4 SCOTT, 1990, p. 18.

286
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D. JOSÉ E POMBAL: O RE~ONARQUlA E O VALIDO
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mente do «espaço público», entendido como uma esfera de circulação de ideias, de dos do século O jornal clandestino jansenista tinha conseguido furar as restrições rI
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práticas de sociabilidade e de consumos de bens culturais relativamenrê· autónomos oficiais 1, cerca de sete dezenas de periódicos, alguns com uma circulação estimada 1.··1

em relação à corre e ao poder político das monarquias', Nos países do centro cultu- em 20 000 leitores. Pela mesma altura, circulavam nas Alemanhas para cima de se- !! ~
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ral da Europa, mesmo naqueles que não eram monarquias parlamentares à inglesa, tecentos novos periódicos-. Mesmo tendo em conta a desproporção da população, é
caso da França e das Alemanhas (do Império e da Prússia), essa dimensão esteve
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impossívei deixar de ponderar as implicações destes números. I:· '!
presente e em crescimento ao longo do século. Por mais que chocasse com as lógi-
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Em ruptura, embora com algumas dimensões, com as práticas tradicionais, as 'f J
cas, sob muitos aspectos ainda dinásticas, das respectivas monarquias, estas não pu-
deram deixar de se confrontar com essa nova realidade e os vários «despotismos ilus-
::i.t~; concepções do poder político triunfantes durante o reinado de D. José foram bas-
~1~tante claras e não oferece dúvidas de que foram levadas até às últimas consequên-
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:'~ cias. Portugal era, desde a sua separação da coroa de Leão, uma monarquia e o po- !i'!!
trados» acabaram por ser por ela condicionados. Nos países da periferia europeia, ~!..~
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designadamente na Europa do Sul, essa coexistência e interacção foi menos evidente r<~ der do rei só estava limitado pelas lei~ fundamentais do reino, que, no caso ii~'
e menos relevante, mas não deixou de se fazer sentir. ·:~i~ português, eram as chamadas «Leis de Larnego», asquais estabeleciam as. regras de
Sendo uma realidade emergente, na qual a imprensa (legalizada ou não) jogou
um importante papel, o crescimento do espaço público beneficiou, sob muitos as-
pectos, dos legados das instituições tradicionais. Em França, os parlamentos (tribu-
nais), instituições corporativas ancestrais, foram durante todo o século um foco de
sucessão na mesma coroa. CGIl1 essa única restrição, baseado no «doutíssimo De
Real-', Portugal era um «Governo Monárquico, aquele em que o Supremo Poder
reside todo inteiramente na Pessoa de um só Homem, o qual (Homem) ainda que
se deve conduzir pela razão, não reconhece contudo outro Superior (no Temporal)
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oposição política, que muito favoreceu o fortalecimento de uma opinião pública que não seja o mesmo Deus, o qual (Homem) deputa as pessoas que lhe parecerem
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crítica". No Sacro Império, a própria pulverização política, com a inerente desceu- mais próprias para exercitarem os diferentes ministérios do Governo; e o qual (Ho-
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tralização, foi um dos factores que favoreceram a circulação da imprensa'. mem finalmente) faz as Leis, e as derroga, quando bem lhe pareces", Assim se afir- J
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Portugal era, na Europa, uma pequena monarquia, constituída por um único mava sem margem para equívocos na Dedução Ci-onolqgica... Anos mais tarde, nas i
reino, que desde 1640 se esforçava por cortar os vínculos políticos, culturais e lin- Observações Secretissimas de 1775, Pombal explicitaria com transparência a forma .l
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guísticos que a ligavam ao resto da Península. Acresce a macrocefalia de Lisboa, como se concretizavam os referidos postulados. Enquanto na maior parte das cortes l
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com 6 a 8 % da população do reino, e uma desproporcionada concentração das eli- da Europa a consistência dos governos era enfraqueci da por discórdias e divisões, .t
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tes sociais, económicas e administrativas, o que fazia com que estas últimas tivessem
um peso esmagador na eventual constituição de uma «esfera pública». Acontece,
«em todo o Portugal e seus domínios, não soam outras razões que não sejarri as que
baixam do real trono de sua Majestade, que deles são ouvidas com suma reverência,
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porém, que essa acumulação do público potencial num espaço urbano, quase único, por se acharem os vassalos do mesmo senhor constituídos na firmíssima fé, de que j
também podia facilitar o seu controlo e, por essa via, o seu atrofiamento. E assirri e
só ele resolve e determina o que é mais útil aos seus vassalos, e de que a todos ama ~
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parece ter acontecido. ampara como a filhos, e não como a súbditos»> Por isso mesmo, como antes exube- J
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As concepções do poder político que triunfaram durante o reinado de D. José
chocavam, em muitos aspectos, com uma parte da doutrinação tradicional, sobretu-
do em matéria religiosa e de ensino. As publicações e opiniões que a veiculavam fo-
rantemente se viu, a simples discordância de uma lei foi reiteradamente reputada de
«crime de lesa-majestade».
Ao contrário do que se possa eventualmente pensar, essa actuação, considerada
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ram, por isso, drasticamente restringidas e punidas:_Çontudo, os dispositivos de
controlo criados por Pombal, dentro das condicionantes descritas no parágrafo an-
despótica, implicava uma efectiva ruptura com o que era, até então, a prática cor- ,:11
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rente. Uma notável tradução dessa mudança pode encontrar-se nas respostas que o . .,
terior, acabaram ao mesmo tempo por ter efeitos catastróficos sobre quase todos os 6.° conde de São Lourenço forneceu em 1762, quando foi sujeito a um interrogató- . 'li·
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requisitos necessários para a constituição de uma «esfera pública». Desde 1762, rio na sequência da sua detenção. Quando o questionaram sobre o requerimento
quando se proibiu a publicação da Gazeta de Lisboa, que deixou de haver imprensa Crítico do advogado Francisco Xavier", afirmou que «no reinado passado [D. João V],
periódica em Portugal, facto que se manteve, com breves interrupções, até ao fim
do reinado de D. José em 17774. Nessa altura, havia em França, onde desde rnea-
I Cf. capítulo 3.
2 BLANNING, 2002, pp. 158 55.
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3 DE REAL, 1765.
I Cf. capítulo 3.
; Dedução, 1768, II, P: 393.
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2 CAMPBELL, 1996; ]ONES, 2002.
l BUNNING, 2002, p. 158. 5 MELO, 1861, p. 22.
6 Cf. capítulo 5.
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; TENGARRINHA, 1989; ARAfJJO, 1991; ARAÚJO, 2004, pp. 92 55.
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sem embargo do grande amor que a sua Majestade tinham, eram desaprovadas mui- coisa que pareça política, embora a pressa em decidir e o gosto pela conversa sejam
tas resoluções suas, por muitos, em que talvez entrasse o dito Exmo. Conde, e algu- dois dos principais ingredientes do carácter dos Portugueses-'. .
mas delas, pela maior parte do reino»; a «nova doutrina» sobre a matéria, adaptada Ainda era normal na Europa de então que os políticos caídos em desgraça fos-
no reinado de D. José, tomava «de novo Inconfidentes muitos de nossos Avós, tidos sem desterrados para a província, ficando a residir em alguma das suas terras, como
e havidos por honrados, dos quais consta desaprovaram altamente as resoluções pú- aconteceu, por exemplo, com Ensenada-. Mas já não era corrente que fossem presos
blicas». Mas o juiz interrogante, o desembargador Oliveira Machado, voltou à car- ou, o que era bem pior, deportados para África. Embora só tenham sobrevivido
ga, a[ll'i1úülL10 entre out~as coisas que "ele Respondente se deve convencer que écri- fragmentos da documentação, sabe-se bem que qualquer maledicência, sobretudo se
me de Inconfidência o dizer mal dos Ministros de Estado em matérias [...] graves, proferida em Lisboa, mas não só, dava rapidamente lugar a um processo por incon-
blasfemando das resoluções e das Leis, depois de assinadas e publicadas», Com assi- fidência e tinha como destino comum oencarceramento-.Apesar de não ter ainda a
nalável erudição histórica se foi defendendo. o conde, sustentando, a dado passo, eficiência que viria a adquirir no reinado seguinte, a criação da Intendência-Geral
que «tão pouco entende que quem desejar que sua Majestade mude os seus Minis- de Polícia em 17604 dotara o governo de um instrumento de controlo, que se podia'
tros para melhor serviço seu, comete nisso crime-'. Na verdade, as figuras do reque- revelar bem actuante na vigilância de suspeitos políticos'. No entanto, apesar do in-
rimento e da consulta a votos, que integravam o quotidiano funcionamento da discutível reforço dos mecanismos repressivos em geral e, em particular, daqueles
administração no antigo sistema dos conselhos, pressupunham uma margem que incidiam sobre os potenciais adversários políticos, nada podia deter a dissemi-
assinalável de discrepância e a contraposição eventual de opiniões. Basta consultar nação de boatos, nem a proliferação de pasquins manuscritos; contudo, é difícil
alguma descrição de uma reunião do Conselho de Estado ao tempo de D. Pedro II afirmar se foram mais numerosos neste período do que em outros anteriores e ulte-
ou do início do reinado de D.João V. Era dessa experiência secular que o conde se nores.
fazia eco. As formas mais expeditas e executivas do «poder ministerial», sobretudo Suprimida a imprensa periódica, os mecanismos de intervenção da censura fo-
ramtambém eles modificados através de criação, em 1768, da Real Mesa Censória, !
na formulação extrema que assumiram durante o reinado de D. José,entravam, as- i
sim, em frontal colisão com essa antiga maneira de actuar. O rei escolhia os minis- já antes referida. A sua actuação foi talvez mais ambivalente do que se pode pensar,
não apenas pelo facto de ter reprimido, ao mesmo tempo, a difusão de livros pró- ~
tros, estes propunham as decisões, como diria Pombal, «no' recato do gabinete», o ~
rei assinava. Sobre nada disso se podia opinar, muito menos divergir. Eis as novas -jesufticos e ultramontanos, e os reputados «iluminados» e «libertinos», mas ainda ~
concepções triunfantes, com abundante tradução prática. porque, através da crítica desencadeada pela própria actuação censória, esta insti-
Os testemunhos são numerosos e muitos já foram invocados,designadamente tuição pode também ser reputada de centro de produção de algo parecido com uma
aqueles que constam da correspondência diplomática. De qualquer forma, vale a cultura oficial do regime''. Essa última dimensão traduziu-se, designadamente, nu-
pena invocar ainda uma carta de Giusepe Baretti, escrita em meados de 1760, no ma certa propensão para patrocinar obras de teor esteticamente classicista,associa-
rescaldo dos mais tumultuosos acontecimentos do reinado, quandose acabara de das à cultura francesa do reinado de Luís XlV. Contudo, parece seguro, a julgar pOI"
a
estabelecer a ruptura com Santa Sé. Afirmou ele então: «fi'z os' possíveis para reu- àqueles que passaram pelo seu crivo, que houve um drástico declínio da importação
nir informações genuínas sobre os vários acontecimentos que, ultimamente, fizeram legal de livros estrangeiros? Em síntese, se houve uma redefinição dos parâmetros
de actuação da actividade censória durante o reinado, de modo algum se poderá fa-
virar os olhos de toda. a Europapara este país [...]. Estes assuntos sã'o certamente de
lar do seu abrandamento.
difícil informação, porque foram tomadas cuidadosas precauções para lançar sobre
Complementar desse esforço de delimitação de uma cultura oficial alternativa
eles um véu que estorvará futuros historiadores. Por isso, a minha diligência em in-
foi a criação, pelo alvará de 24 de Dezembro de 1768, da Régia Oficina Tipográfi-
vestigar não foi muito recompensada. O governo proibiu toda a gente de fazer des-
ca. A partir de 1770 imprimiu quase sempre mais de 300 títulos por ano. Entre tra-
tes ou doutros assuntos actuais os temas das suas conversas: a proibição expõe os
transgressores a penas severas, e tantos já foram atirados para a prisão por causa dis-
to, que os desgraçados ficam assustados à simples menção de alguns nomes. E não é I BARETTI, 1970, p. 156.
2 GÓMEZ URDÁNEZ, 1996.
fácii conseguir que algum natural do país revele a sua opinião acerca de qualquer 3 IAN/TT - Ministério da Justiça, maços 63, 64, 65, 66 e 67.
4 LAPA, 1942-1964; SUBTIL, 1996; LOUSADA, 1996, pp. 69 ss.
5 AzEVEDO, 1925.
6 SERRÃO, 1927; MARQUES, 1·965; CARREIRA, 1988; TAVARES, 1997; SOUZA, 2004; MARTINS, 2005.
I FERRÃo, 1923, pp. 89 ss. 7 TAVARES, 1997, pp. 67-68.

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duções, obras originais, legislação e textos oficiais, trata-se, apesar de tudo, de um bidos-'. Porém, com o novo reinado, abrem-se os teatros públicos que «é a escola
esforço considerável, que denuncia ao mesmo tempo, uma tentativapara definir onde as Nações estudam a sua politica, e onde os povos vão beber sentimentos de
novos parâmetros editoriais e a necessidade de responder às carências suscitadas pe- valor, fidelidade, e amor da pátria, onde aprendem vendo ridicularizados os vícios, a
las opções assumidas em matéria de reformas na educação'. ignorância, a barbaridade, a polir-se destes dezares, e isto assim serviu de dar nova
Embora sem a centralidade que adquiriram em outros contextos, as reformas politica à Nação, que deixando aqueles resquícios de barbaridade, com que antes
educativas foram parte integrante da política oficial. Se a reforma dos estudos me- eram incomunicáveis até os mais próximos parentes vemos sem escrúpulo frequen-
nores, antes referida, foi uma resposta directa à supressão dos Jesuítas, já a criação tados os Espectáculos, e passeios públicoss". A mesma fonte destaca ainda que, a par
do Colégio dos Nobres e da Aula do Comércio (1759) traduziam objectivos diver- dos teatros reais da Ópera do Tejo e depois da Ajuda, os reis não deixavam de hon-
sos e um esforço assumido para reformar as elites. Neste último caso, a intenção as-
rar os públicos teatros, que protegiam, com a sua assistência, e aos quais atribuíam
sumida era dotar os grupos mercantis de uma formação adequada, embora, na prá-
grandes donativos, de forma a suprir as grandes despesas que se faziam com os es-
tica, a frequência da instituição não tenha correspondido inteiramente aos desígnios
pectácuios.
pretendidos', O ponto culminante das intervenções em matéria educariva seria al-
Entretanto, se há uma dimensão de apologia política da realeza que se atribui
cançado, porém, com a reforma da Universidade de Coimbra de 1772, discutida no
em geral ao c1assicismo teatral e operático, em particular aos libretos das óperas sé-
capítulo seguinte.
rias de Pietro Metastasio, «essas verdadeiras apologias do despotismo iluminados", a
Entretanto, se existiram os teólogos e os juristas oficiais do reinado, também
verdade é que a progressiva hegemonia da ópera italiana sobre as demais formas de
não deixaram de existir os criadores literários e teatrais patrocinados pelo regime.
expressão teatral não seguiu essa direcçâo". Tanto nos teatros reais, quanto nos pú-
A sua principal expressão foi a ,Arcádia Lusitana, academia literária criada em 1756/
1757, à qual pertenceram, entre outros, Correia Garção, Cruz e Silva, Cândido Lu-
blicos, a ópera bufa italina, o dramma gÍOC050, ganhava terreno em detrimento da
ópera séria, cujas virtualidades formativas e doutrinárias pareciam mais conformes
I
sitano, Domingos Reis Quita, José Basílio da Gama e Manuel de Figueiredo. Defi-
niu-se, desde os seus primórdios, como oposta à herança barroca e defensora dos
parâmetros estéticos do classicismo, sobretudo de inspiração francesa. Patrocinada
com os desígnios pedagógicos do poder'. Em todo o' caso, o próprio marquês de
Pombal frequentava às vezes os teatros públicos, nos quais, segundo se alega ao que I
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parece sem fundamento, o envolvirnento do seu filho, 2.0 conde de Oeiras, com a' ,
por Carvalho e, em muitos momentos, fonte de onde provinham os encómios pu-
blicados em seu iouvor, parece ter sentido os reflexos do terror dos anos de 1759- célebre cantora de ópera italiana Anna Zampierini teria estado na origem do bani-
-1760 e da prisão de Correia Garção dois anos mais tarde: A sua existência arras- mento das mulheres dos palcos, à semelhança do que já acontecia nos teatros reais", . ""
tou-se, sem grande brilhantismo, até cerca de 17743. O que pode parecer De resto, os teatros públicos enfrentavam então crescentes dificuldades financeiras.
surpreendente, em todo o caso, é o facto de, ao invés dos modelos franceses seisceri- ~
tis tas, as academias reais não terem sido criadas pela coroa durante o reinado de Primeiros-ministros ID!.<DJ século xvnrl Hi§toJri~grrafia e história
D. José. Se a Academia Real da História, embora nunca extinta, só ocasionalmente
Afirma-se frequentemente que ° marquês de Pombal era o primeiro-ministro ..de
se reuniu", fica ainda por explicar por que se não erigiram instituições académicas
oficiais durante o período. D. José, supondo-se que essa figura institucional fosse no século XVIII tão bem defi- I
Finalmente, o único terreno relativamente ao qual o espaço público parece ter
marcado posição de destaque durante o reinado é, provavelmente, o dos espaços
nida como nos dias de hoje? Trata-se, porém, de uma presunção errónea. Com
> efeito, pode afirmar-se que na época tal figu~a era conhecida, era nomeada, era de- l
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teatrais. Nesse momento de consagração do rei e do valido que foi o da inauguração
da estátua equestre, uma fonte laudatória atribuída a um tal capitão Manuel de I Relação da Solenidade com Que o Povo de Lisboa Celebrou a inauguração da Estatua Equestre dEI
Sousa sublinha que nos finais do reinado de D. João V eram os «públicos diverti- Rey D. José Primeiro. A Que Precede Hum Succinto Elogio das Principais Aeções Deste Monarcba. Escrito
Tudo pelo Capitão Manue! de Souza e Mandado Copiar do Seu Próprio Original pelo Doutor Antônio Ri-
mentesavaliados como [...] instigações de pecado, e como tais apertadamente proi- beiro, BNL - Res. cód. 451,11. 9v.
2 idem, fls. 10-10v.
3 BRlTO, 1991, p. 315.
I CANAVARRO, Pedro, ct al., 197). 4 BELLO VAZQUEZ, 2006.
2 SANTA NA; 1985. 5 Cf. BRlTO, 1989.
s FEliÍtEIRA, 1982.' 6 BRlTO, 1989a, pp. 92-94, 104 e 181-183.
4 MaTA, 2003, p. 115. 7 Para retomar apenas um exemplo, cf FRANCO e Rica, 2004.

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sejada e era criticada. Todavia, tinha uma legitimidade duvidosa, a qual se manteve feito pois viria a sofrer uma redução dos seus poderes a partir de 1780 com o adven-
até ao liberalismo. Num certo sentido, é essa.ambivalência matricial que a torna to de José Il, e, sobretudo, Pombal, conhecido via Kenneth Maxwell, ao que se se-: i"~
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tópico político relevante e a chave essencial para se entender a relação entre D. José guiriam depois outros personagens de «estados menores» (Dinamarca, estados
e Sebastião José de Carvalho e Melo. alemães, etc.). Erradamente, o autor citado diz que na Espanha bourbónica o fenó-
:11
Acresce que o tema constitui um tópico da historiografia europeia, mas é geral- meno não se verificou.
mente mal conhecido e mal tratado. A questão foi !ançada por um artigo publicado Destaca ainda, com acerto, que havia «posições oficiais» de primeiros-ministros,
:il
em 1974 da autoria de Jean Berenger'. Em termos muito sumários, o argumento mas acrescenta também que estas eram «vagas e fluidas», e que quase todos os indi-
central resume-se no seguinte: os validos/primeiros-ministros emergem desde o iní- víduos que as ocuparam provinham da diplomacia; conclui, assim, que «os exem-
plos de título formal foram mais a excepção do que a regra»l. Sugere, entretanto,
!I
cio do século XVII e constituem um fenómeno europeu, pois, cerca de 1630, todas
que Pomb~l se baseou no exemplo inglês, país onde fora diplomata, e ainda que ex-
as principais potências europeias eram dirigidas por um primeiro ministro. A expli-
cação global para essa coincidência dever-se-ia encontrar fia complexidade crescente plorou oportunidades comerciais para enriquecimento pessoal/, o que é no essencial
!~
falso. E termina sublinhando a natureza «essencialmente tradicional do governo e ql
do Estado moderno, que tornaria -necessária a delegação de 'tompetências; a figura
lil'
do primeiro-ministro perturbaria a actuação das classes dirigentes tradicionais, na da política» na segunda metade de Setecentos, designadamente pelo papel que a il:
;1,

medida em que se interpunha entre o rei e os súbditos, suscitando grande contesta- corte e a clientela ainda tinham. I

ção nobiliárquica e eclesiástica; por fim, a partir de 1660, a crítica crescente ao mi- Saliente-se também a colectânea editada em 1999 na qual se recolhem dezena e
nistériat (poder ministerial), reputando-se os seus detentores de «usurpadores» e «ti- meia de textos interessantes (todos sobre o século XVII) e umas importantes conclue
.ranos», conduziria à sua regressão generalizada. Nos anos subsequentes ao texto de sões finais do segundo dos editores'', Não se pretende resumi-Ias, embora se possam
ressaltar tópicos como o do valido enquanto protector da imagem do rei ou a ques- li
Berenger, verificou-se uma considerável multiplicação de estudos sobre validos seis-
centistas, onde se destacam o cardeal Richelieu, ministro de Luís XIII de França, e tão do seu enriquecimento. Interessa apenas sublinhar o que se diz sobre o século
XVIII, pois reconhece-se que «é indisputável que olongo reinado de Luís XIV assiste
.., ~I
o conde-duque de Olivares, favorito de Filipe N de Espanha', !
O muito que se escreveu sobre esta matéria não serve para iludir, no entanto, as à súbita morte dofenómeno. Porém [...] omnipresentes principais ministros torna- I

grandes flutuações que a análise, caracterização e cronologia do fenómeno ainda ram-se de novo frequentes nos estados absolutos da Europa continental depois de "
I,
suscitam. Francesco Benigno afirmou em 1992, por exemplo, que «a figura seiscen- 1750»4. Ora, ao contrário do texto anteriormente citado, este acentua o contraste
tista do ministro del rey, embora, por um lado, conserve certos rasgos típicos da ima- entre os «primeiros-ministros» do século XVIII - ou do século XIX, pois no livro
gem clássica do favorito [...] por outro, responde a uma exigência de direcção políti- Metternich, na Áustria, ainda é.visto como um ministro favorito - eos do século
ca dos assuntos quotidianos e de coordenação dos aparatos burocráticos que o XVII. OS ministros setecentistas teriam mais reconhecimento oficial; seriam mai; re-
aumento das funções e prerrogativas estatais tornam ao mesmo tempo gravosas e formadores do que patronos de clientelas; e, por fim, suscitariam uma muito menor
urgentes; nesse sentido, tal figura anuncia e antecipa, num contexto que ainda não oposição, pois teriam «muito melhor imprensa». Acrescente-se, por fim, que omo-
permite a formação de um sistema ministerial completo, a figura do primeiro- dela setecentisra seria Sir Robett Walpole, ministro setecentista de Jaime I de Ingla-
- -rninistro do século XVIlÍ»3.Ora; essa suposta realidade setecentista está longe de ser. terra, e não os seiscemistas Richelieu ou O livares'', Para terminar, sublinhe-se a re-
inequívoca. O primeiro texto no qual verdadeiramente se colocou a questão foi pu- cente publicação de um volume sobre os validos em Espanha''. Ora, contra os
blicado em 19964. Interessa aqui apenas destacar alguns aspectos do-mesmo. O au- olhares da Europa do Norte, o último exemplo é, naturalmente, o de Manuel de
tor considera que, depois do declínio da figura do «valido» precipitado pela sua Godoy, valido de Carlos IV e sua mulher em pleno século XIX...
condenação por Luís XIV em 1661 depois da morte de Mazarino, se assiste ao seu Em síntese, a bibliografia europeia sobre o tema é contraditória e, como se espe-
ra demonstrar, sustenta ideias erradas no que se refere a Pombal e a Espanha.
ressurgimento ern.meados de Setecentos. Os principais expoentes deste fenómeno
seriam Kaunirz 0751-1792) no Império, embora se tratasse de um exemplo irnper-
I SCOTT, 1996, p. 34.
2 SCOTT, 1996,.p. 46.
1 BERENGER, 1974. 3 ELLIOT e BROCKLISS (ed.), 1999.
2 Gomo as de Francisco TOMÁS Y VALi ENTE, 1982, ELUOT, 1984 e 1986. 4 BROCKLISS, 1999, p. 30 L
3 BENIG:'O,. J.992, p. 10. 5 BROCKL[SS, 1999.
4 SCOTI", 1996. . 6 ESCUDERO (ed.), 2004.

294
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D. JOSÉ E POMBAL: O RE.Ç~ONAl~QUlA E O VALIDO

o primeiro dicionário português, de Rafael Bluteau, editado no início do sécu- tabelecimento de sorte que o se o sucessor é menos hábil, falta a constituição e todo
lo XVIII, nem sequer menciona a expressão, embora largamente se refira à palavra
o bom Governo». Por fim, defende um sistema de consultá mais alargado (pré-
«ministro», em geral, e à de «valido», em particular: «aquele que tem valimento que
-rninisterial) e, tal como D. Luís da Cunha', o restabelecimento do Conselho de Es-
pode com alguém mais do que os outros [...] o Valido, que com o príricipe faz
tado: «Forme-se o menos mal que possível, o nosso antigo Conselho de Estado de
quanto quer, na verdade é o próprio Príncipe. Esta é a maior desgraça de um Reino,
reduzir-lhe toda a administração do estado a um só, e um que não é seu próprio se- nove até doze pessoas, em que podem entrar se não todos os mais capazes desses
nhor». E a dissertação sobre o assunto prossegue. Presidentes, alguns Militares e alguns Eclesiásticos. Ajunte-se o tal conselho de Es-
Ao contrário do que s~ poderia inferir das referências anteriores, no entanto, a tado nestes primeiros tempos, regularmente uma vez por semana, ali se virão arnaes-
expressão «primeiro-ministro» era corrente, tal como o era, embora de uso menos trando alguns, e se virá a conhecer todos. Não sejamos escravos da moda, e usos es-
trangeiros.»? .
corrente, a de «ministro assistente ao despacho», aplicada em várias situações com
significado análogo a figuras como a do cardeal D. Nuno da Cunha. A expressão No entanto, contra os votos de D. Luís da Cunha e Teles da Silva e os vaticí-
«primeiro-ministro» foi usada em Portugal pouco antes da ascensão de Sebastião Jo- nios de D. Mariana Vitória, Pombal acabaria por ser visto, desde milito cedo, como
sé, curiosamente, para condenar o seu eventual aparecimento. Enganaram-se rotun- primeiro-ministro.
damente esses prognósticos ou desejos. Nas suas cartas para a mãe em 1742 e 1743, Nas grandes monarquias européias, ao longo da segunda metade de Seiscentos,
a futura rainha D. Mariana Vitória, como antes se referiu, afirmou taxativamente as administrações centrais foram-se tornando progressivamente mais complexas.
que «o meu Príncipe não tem esse carácter de se deixar governar de primeiro minis- A par dos antigos conselhos, com respectivos sistemas de funcionamento por con-
tro»l. E D. Luís da Cunha, no mesmo célebre testamento político em que propôs sultas, foram emergindo mecanismos de decisão mais executivos, frequentemente
Sebastião José para secretário de Estado, onde considerava, de resto, que o cardeal com a constituição de secretarias de Estado, embrião dos ministérios. Os negócios
da Mata tinha sido «uma espécie de primeiro ministro», faz uma veemente conde- estrangeiros, matéria por excelência da «grande política», estiveram muitas vezes na
-~
nação dos primeiros-ministros. Porque "Deus não pôs os Septros [sic] nas mãos dos vanguarda dessa evolução. Como antes se disse, 'sob directa influência francesa, o
~ processo em Espanha foi precipitado pela chegada ao poder de Filipe de Bourbon,
Príncipes para que descansem», e porque «o dito Ministro tira ordinariamente ao ;J~

soberano o crédito que ele se arroga a si mesmo, desconsola os naturais e perde ji~.j nos primórdios de Setecentos'. Mas um pouco por toda a Europa a evolução foi se-
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muito os estrangeiros». E acrescentava «que o que digo de primeiro Ministro milita melhante. Começa-se agora, cada vez mais, a falar da corte de tal ou tal pais, no
também com o Valido, que são sinónimos, e peste do Estado», para concluir: «Em
uma palavra, senhor, todo o poder que o primeiro ministro, ou valido, se atribui,
não é outra coisa senão uma pura usurpação, por não dizer escandaloso furto que se
faz à sagrada autoridade do príncipe.»!
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sentido não da Casa Real mas do «gabinete», ou seja, do governo e dos respectivos
. ministros. Contudo, desta evolução não fazia necessariamente parte, a figura do
«primeiro-ministro» .
Foi em França que surgiu no século XVII a expressão ministériat, para designar a

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li~ ••

Já antes se viu que muitas vezes Frei Gaspar da Encarnação foi classificado de referida função. No entanto, não existiu de forma estável nesse período o ofício de
«primeiro-ministros>, Entretanto, uma das mais veementes condenações da figura '~l~( primeiro-ministro. No reinado de Henrique IV, Sully foi apenas entre 1605 e 16.10
do primeiro-ministro foi aquela que em Setembro de 1750, pouco tempo depois do formalmente superintendente-geral das finanças. Maria de Médicis e o cardeal Ri-
seu regresso a Portugal e da sua entrada para o governo, Sebastião José recebeu do chelieu foram chamados chefes do Conselho do Rei, sendo que este último foi algu-
seu amigo residente em Viena, Manuel Teles da Silva. Palavras premonitórias! Aí se -~ mas vezes designado «principal ministro do Estado», expressão depois também usa-
fala dos «Governos em que reina o injusto despotismo, seja por vício do soberano da para qualificar o cardeal Mazarino. Segundo quase todos os autores, na evolução
ou por ambição de um primeiro Ministro. y'a Ex.' que me conhece realmente, e sa- ulterior da figura na Europa terá pesado, de forma decisiva, a sua condenação explí-
be [...] quanto fui contrário ao estabelecimento de semelhante ministério despóti- cita por Luís XIV em 166l:«Decidi entre todas as coisas não mais tomar um pri-
co». E acrescenta: «quanto mais vivo, tanto mais reconheço que 'as constituições do meiro ministro [...] nada sendo mais indigno do que ver de um lado todas as fun-
Governo não devem ser pessoais. Morre a pessoa e cai com o Ministério todo o Es- ções, e do outro apenas o título de Rei.»4 No século XVI!!, na regência de Luís "XV,

I BEIRÃo, 1936, pp. 220,221. I Cf capítulo 2.


2 CUNHA, 1820; pp. 4-6. 2 TAROUCA, 1955, pp. 312-313.
3 Cf. capítulo 2.
3 cr capítulo 3.
4 BLUCHE, 1993, P: 210.

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que se seguiu à morte de Luís XIV, o cardeal Dubois usou essa designação durante ~~
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-ministro, numa primeira fase, como o intermediário e responsável entre gabinete "

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menos de um ano (1722-1723), tal como o regente duque de Orleãesdurante cerca ou conselho de ministros e o rei'. Só muito mais tarde (depois de 1782, já com Jor-
de três meses, e, depois, ainda o duque de Bourbon-Condé durante três anos... ge III) é que se consagrou o princípio da dependência do primeiro-ministro do par-
~.
A expressão só voltou a ser oficialmente usada já no final do reinado de Luís XVI,
~I-
M lamento.
para qualificar o cardeal Lomiéne de Brienne. O cardeal Fleury, apesar do seu papel ~
. ~f: r Em resumo, mesmo no século XVIII não havia nas monarquias próximas de Por-
até à morte em 1743, nunca usou esse título e, depois, ainda que com grande in-
fluência de outros, sabe-se'que foi Luís XV quem em teoria presidiu ao governo I. i tugal claramente desenhada e estabilizada a figura do primeiro-ministro. De forma

O cenário espanhol de Seiscentos e dos seus vários validos (Lerma, Olivares, Va- J' institucionalmente consagrada e duradoura, não existia tal ofício. Já tinham minis-
térios, mas não a dita figura, que continuava a gozar de má reputação, ao contrário

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J11~i.\ conhecido-. Logo no início do século XVIII, o regime ,...J..
do que se afirma em muita da bibliografia citada. Não podia Pombal encontrar
das secretarias é criado em Espanha durante o reinado de Filipe V, sendo reforrnula- uma clara inspiração a esse nível nas monarquias vizinhas. De resto, em Portugal,
do em 1714, e sofrendo muitas mutações ulteriores. Havia um ministro ou secretá- apesar de a reforma das secretarias datarde 1736 (alvará de 28 dejulho), a verdade
rio de Estado, com competências em matéria internacional, e diversas e variáveis é que nem mesmo os atributos dos secretários de Estado eram levados à risca, como
outras secretarias 4~Estado (em 1714, Guerra, Justiça e Marinha e Índias), coexis- antes se viu, e terá sido só durante o reinado de D. José que a mesma se tornou I.
tindo e em equilíbrio variável com os conselhos. Porém, não existia um ofício de ~~ efectiva e se afirmou a supremacia do governo e dos ministros nas pastas respectivas,
primeiro-ministro, embora alguns, como o cardeal A1beroni, o tenham sido de facto
entre 1715 e 1719, sem terem qualquer título formal para o efeiro". E, no entanto,
quando a França impôs pela guerra o seu afastamento, justificou as suas acções pela
sua oposição às pretensões «do primeiro-ministro de Espanhas". Coisa que nem A1-
beroni, no reinado de Filipe V, nem, depois, Esquilache, Aranda ou Floridablanca,
no de Carlos III, chegaram a ser. E Godoy, mais do que ministro de Estado, foi aci-
,
-~
embora tutelados por· Pombal. Anteshouve, como se disse,' algumas personagens
que foram qualificados de «ministros assistentes ao despacho» durante o reinado de
D. João V (o cardeal D. Nuno da Cunha, o cardeal da Mota, Frei Gaspar da En~ar-
nação), mas nunca desempenharam verdadeiramente o papel de um valido «absolu-
to», pois o governo de D. João V, prescindido do Con;elho de Estado, foi em larga
medida um governo pessoal, com uma grande indefinição institucional dos lugares
ma de tudo um valido, talvez mais da rainha Maria Luísa do que de Carlos IV5. ~
da decisão política.
Não surpreende, por isso, que uma das principais sugestões do ministro de Estado
de Fernando VI, Carvajal y Lencasrer, no seu testamento político de 1745 - além o caso de D. José e de Pombal
da anexação pacífica de Portugal -, explicitamente inspirado nesse particular no
testamento político de Richelieu, a de que quanto ao «primeiro ministro [...] o meu Em termos europeus, não foi um caso entre muitos, mas antes a figura de refe-
ditame é que o haja declarado e com todas as autoridades de tal,l rência nessa matéria, pelo menos no século XVIII. Como afirmou nas suas memórias
O caso inglês no século XVIII, com a dinastia germânica dos Hannover, entra um diplomata francês, «no reinado de D, José, Portugal era governado pelo mar-
em outra categoria, pois era já então um sistema parlamentar. Aà contrário do qlle quês de Pombal com mais autoridade do que qualquer outro ministro em qualquer
se díf>~ão era, como se terá oportunidade de mostrar, a referência principal de Car- Outro país. Richelieu no seu tempo teve de lutar contra muitos obstáculos e intrigas
valho. De qualquer forma, considera-se em regra que é aí que se gera o paradigma . da Corte, e por isso ele dizia que a ida de Luís XIII para a cama o incomodava mais
propriamente contemporâneo do primeiro-ministro, corporizado em Sir Robert do que os negócios da Europa. Não era assim com Pombal [...] Cumpre esclarecer
Walpole, figura destacada do reinado de Jorge I, sobretudo desde 1721/1722. que [...] embora Pombal fosse, de facto, primeiro-ministro, nunca usou esse título e
Embora haja várias explicações para o facto (desde o rei não entender o inglês a só tinha o departamento do Intérior-ê. Em muitas outras fontes na época se susten-
não querer falar ao seu fJho e sucessor), certo é que o rei não terá querido assistir tou, pouco mais ou menos, a mesma coisa, embora talvez sem tanta exactidão.
pessoalmente ao priuasecoensil (sconselho reservado»), funcionando o primeiro- Ainda hoje, como se pôde entrever, voltam a encontrar-se as mesmas afirma-
ções. Numa síntese recente, depois de se dest~car o papel pessoal de monarcas do
século XVIII, como Frederico II da Prússia, Catarina II da Rússia, Carlos III de Es-
I CHAUSSINAD-NoGARET, 2002; ANTOINE, 1989.
2ToMÁs X VALIENTE, 1982,ALvAREz-OSSÓRlO, 1995; ESCUDERO (ed.), 2004. panha ou Maria Teresa e José II da Áustria, sublinha-se a sua «relutância em regres-
3 Sobre. todas esta matérias, cf. quadro de conjunto em ESCUDERO, 1999, pp, 135-203.
4 BElRÃ6, 1936, p '; XIII.
5 ESCUDERO, 2004. I PWMB (1956), 2000; cf. em especial pp. 56-57.
6 DELGADO BARRADo, 1999, p. 69. 2 SAlNT-PRlEST, 1929, pp. 80-84.

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sar a um modelo alternativo de condução do reino que incluía o gove~go através de


rir a essas leituras menos relevância do que a outras que eventualmente fez, de auto-
um primeiro-ministro poderoso, O século XVIII teve os seus equivalentes de Riche- '__
res mais modernos, cujas obras também constavam das suas bibliotecas, Em segui-
lieu e Olivares, o mais impressionante dos quais foi o Marquês de Pombal;'. Uma
da, acrescente-se que, para além da afirmação do primado ministerial (ou seja, das
perspectiva retomada em muitas outras obras de referência, ~.
secretarias de Estado como centro da decisão política), a generalidade das prolixas
Os testemunhos da época sobre a imagem física e psicoiógica de Pombal são
intervenções legislativas e institucionais do pombalismo foram, em regra, menos
muito numerosos e, por comparação, muito mais abundantes do que aqueles que se
inovadoras e duráveis do que muitas vezes se afirma, Com efeito, para muitas das
conhecem sobre o rei, Todos são concordantes em sublinhar alguns traços que SOe
disposições legisiativas mais tardias que empreendeu, como antes se referiu, socar-
bressaíam do contacro com o ministro, tal como nos aparecem descritos, em tom
réu-se do círculo de produção intelectual gerado sob seu patrocínio, a cujas ideias
algo encomiástico, numa fonte do início do reinado de D, Maria I: «é Sebastião Jo-
recorreu para fazer face a situações e desafios concretos, Mas não eram, de raiz, as
sé de estatura grande, de grossura proporcionada, largo, e carregado de espaldas, ca-
suas,
ra comprida, cabelo louro - suposto, que agora branco ---'a cabeça caída por dian-
Toda a actuação que a personagem teve nos anos que antecederam e imediata-
te, e por trás alta; frente espaçosa, semblante agradável e respeitoso, De grande
urbanidade política, e agrado; de estudos profundíssirnos, agradecido a benefícios mente se seguiram ao terrarnoto de 1755 tem sido interpretada como estando asso-
:m extreino, amigo da verdade, da rectidão e da justiça; de uma eloquência sem ciada à subida de Carvalho ao estatuto de primeiro-ministro, Já se viu que assim o
igual, acompanhada de doutíssimas agudezas; a sua casa pobre para viver na Corte, designaram desde muito cedo os diplomatas, No livro do jesuíta Francisco Gusta,
enriquecida pela sua economia, ordenados juntos aos de seus irmãos»2, Algumas das publicado em italiano, no ano de 1782, e editado em francês em 17841, explica-se
dimensões deste breve comentário, como a das formas do en,riquecimento da casa, do seguinte modo como isso se passou: "Carvalho tendo-se tornado senhor do espí-
são mais adiame questionadas em outros termos por este mesmo autor. Mas a figura rito do seu amo e gozando de toda a sua confiança, não estava ainda satisfeito [",]
física imponente da personagem e o brilhantisl';;o que dela ressaltava desde o pri- Ávido de honras e sobretudo de poder, era necessária à sua ambição desmesurada
meIro COntacto são praticameme um regisro unânime nas fontes da época legadas uma autoridade absoluta, despótica, independente dê qualquer outro que não o so-
;l berano; e nada podia preencher os seus objectivos senão o Departamento visto em
por aqueles que com ela privaram, No entanto, se esses testemunhos alguma coisa "1
servem para esclarecer dos motivos dos êxitos de Pombal, não chegam para explicar ·,í Portugal como o primeiro lugar no ministério [,,,1 Carvalho recebeu então o título
os lllóbiles da Sua acção e os parârnerros que a balizaram,
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de Secretário de estado dos Negócios do Reino [,.,] Assim, revestido da autoridade ~


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de primeiro-ministro, deu livre curso à dureza natural do seu carácter.»? Pierre Ma- li
Há muitas décadas, João Lúcio de Azevedo escreveu a propósito de Pombal:
«modelos foi-os buscar mais de 100 anos atrás, Em assuntos económicos quis por ria Félicité Desouteux,na obra na qual em defesa de Pombal responde à anter.iot :j,
reconhece também que, pela mesma altura, «Carvalho, tornado primeiro-ministro, ':11
mestre Sully; em políticos tomou por guia Richelieu»3, Estas afirmações só em parte
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se podem reputar de excessivas, Contudo, as consequências que delas se pretende tomou as rédeas do irnpérios'', Ora, ser secretário de Estado dos Negócios do Reino
retirar apontam, entre outras, para direcções pouco ~xploradas,'Emprimeiro lugar, não tinha esse significado: ninguém designou de primeiro-ministro a Pedra da Ma-
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para a ideia de que, num contexto europeu no qual o estatuto «ministerial», e sobre- ta e Silva, que deteve aquela pasta por quase vinte anos", E, no entanto, a verdade é i :~,
tudo «primo-ministerial», estavam longe de se encontrar claramente tipificados, o que o próprio Pombal se auto-intitulou como tal, , I~
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paradigma seiscemista do «valido» se revela essencial para entender a personagem, as Curiosamente, nunca parece ter sido invocado o facto de Sebastião José ter tido, i~
suas relações Com o rei e, por fim, o período histórico que deixou associado ao seu em lugar do último duque de Aveiro, que antes desempenhava o ofício e fora supli-
"l~
if.
nome, Ora, foram precisamente esses modelos, retirados da história francesa do sé-
culo XYIl, que, mais do que quaisquer outros, lhe serviram de referência, como ele
ciado dois dias antes, o exercício do cargo de rnordomo-mor da Casa Real portu-
guesa desde 15 de Janeiro de 17594, embora se saiba que o não exerceu de facto em
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i,i',.[~
próprio afirmou, Carvalho leu e citou as memórias de Sully4, tal como tinha na sua muitas situações, Era, porém, um ofício de indiscutível preeminência, mas ninguém
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biblioteca o testamentO político de Richeiieu> Não há nenhum motivo para confe-

--: SWANN,
- MINDLJN,
2000, p.
11.8v.
18.
se lembrou de o alegar como a tradução quase formal de um estatuto de primeiro-
-ministro,
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4 EVEDO,
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1990, p. 75. I VENTURI, 1991, I, pp, 211 SS, .:~!
2 GUSTA, 1784, I, pp. 79-80.
:!I!
Relteradamenre, na Apologia 1.' adiante citada,
5ef. DIAS, 198{ pp, 224-225; BARRETo, 1987, pp. 174-177 e em especial 174; RrCHELlEU, 1719.
30ESOUTEUX, 1786-1787, I, P. 88, J:!!\
! ~!
4 G.'J.VÃo TELLES e SEIX"-S, 1999, p. 44.

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D. JOSÉ E POMBAL: O RE1,,~t;l0NARQUlA E O VALIDO
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Foi sobretudo aquando da sua queda que Pombal se referiu aos cargos por si de- ~r.:r .~
)~,por tudo o que ocorrera durante o reinado. Pombal começou (15 de Outubro) por
sempenhados, num contexto em que procurava responder a todas as muitas acusa" ;~'~r"
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ções que circulavam sobre a sua pessoa. É certo que se pode encontrar muito antes, "'- 1 dizer que «nunca tivera nem a ideia nem o exercício de Primeiro Ministro no amplo
sentido de que este quesito pode ser susceptível: que o Primeiro ministro em França
nos seus escritos ditos de Londres, referências a Robert Walpole e ao «coração da- :11 e Espanha foi sempre o mesmo que em Portugal se chamou Escrivão da Puridade;
quele Primeiro Ministro»!. Mas não foi corri ele que Pombal se comparou. Na sú- fl que aqueles Primeiros Ministros e Escrivães da Puridade determinavam sempre as
plica enviada em Março de 1777 a D. Maria I e, depois, nas Apologias e ainda na .-::
M:{f ordens que bem lhes parecia sem esperarem as dos Senhores Reis a quem serviam;
resposta ao Libello de Lemo Enormíssima de Medanha repisam-se, no essencial, os "~" ,~R [...] ele respondente só teve o exercício de Secretário de Estado do Reino, e como
mesmos argumentos. Na primeira diz: «não pretendendo comparar-se com o Du- .,.~
,~
tal órgão das ordens d'el-rei que recebia para as participar aos Tribunais e Magistra-
que de Sully no merecimento; era contudo certo que se achava igual com Ele na
desgraça»; e, contra as insinuações relativas ao seu enriquecimento, afirmava na
l'fJ dos como praticavam sem diferença alguma os seus dois colegas». Depois, invocou
-" ..:~' o facto de ter sido ele próprio quem tinha suplicado a D. José a existência de um
mesma: «Considerando sua Majestade que não seria-decoroso ao seu carácter Régio, ·Conselho de Estado, como acontecera nos dois reinados anteriores, «parecendo-lhe
..~.
que a casa de um Primeiro Ministro de quem tinha confiado os maiores negócios '}!;1' a ele respondente que não pode haver coisa que seja mais incompatível com a ideia
do Reinado, ficasse confundida entre as menos consideráveis de Portugal; contra os
Exemplos do que os Reis Henrique IV, Luís XIII e Luís XIV haviam praticado com
.-.J~;. de ser ele primeiro ministro ou Escrivão da Puridade do que suplicar que se restabe-
lecesse o dito Conselho», Mais adiante, disse que «elerespondente só entendeu sem-
o referido Duque de Sully; com o Cardeal Richelieu; com o Cardeal Mazarino; e ",,1;,' " pre ser e foi na realidade Primeiro dos Ministros e Secretários de Estado como De-'
contra o que outros Grandes Monarcas haviam também praticado em casos serne- ·c'·t cano deles [...] o mesmo costume estabeleceu ser chamada primeiro ministro e
lhantes.»? . secretário de estado mais antigo ou dos Negócios do Reino». E, a concluir; susten-
Todos e muitos outros argumentos são retomados na resposta a um processo .·.:i; tou que «finalmente de tudo o que fica referido.lhe parece concluir-se que se tal de-
'j nominação abstracta de Primeiro ministro se achar em algum papel expedido debai-
que lhe moveram por troca danosa de bens, que designou de Contrariedade ao Li- ;:.i

belio movido por Francisco J. Caldeira S. G. Mcdanha. Para além de impugnar as xo do seu nome, não podia deixar de ser, ou por crassa ignorância do oficial que a
acusações, a Contrariedade acaba por ser uma história política deireinado de D. José
./1: lavrou, ou por daqueles erros e lapsos de pena, em que frequentemente costumaram
fi
aos olhos e pela pena de Pombal e, simultaneamente, uma autobiografia política. #:1
sempre cair semelhantes arnanuenses».
Em síntese, as declarações contraditórias de Carvalho não exprimem apenas a:

1
O more é sempre o mesmo: «havendo manifestado as experiências de muitos sécu-
los, que o ódio, e inveja foram sempre inseparáveis dos Primeiros Ministérios das sua tentativa de salvar a pele. Traduzem, ainda, a fundamental ambivalência dos
Cortes, e daqueles Ministros que os Soberanos mais honraram com a sua confiança, primeiros-ministros/validos: existiam, eram por vezes necessários, mas eram sempre
e que se distinguiram no zelo, na fidelidade, e nos serviços que fizerams". <;~{.
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ilegítimos, pois usurpavam as funções do rei. E Pombal mais não fora do que um
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valido do século xvn, transposto para oséculo XVIII.
Ora bem, foram os excessoscontidos nesta Contrariedade, difundida em sete có- ,:~r,> Obcecado por pôr Portugal a par das «nações mais polidas da Europa» e con-
pias, que acabaram por justificar, em Setembro de 1778, a abertura do processo
contra o marquês de Pombal, consultado há muitas décadas corn-rninúcia pelo jor-
nalista Rocha Martins", Nos célebres interrogatórios5, que, principiados a 9 de
]i temporâneo das elites das Luzes, Pombal partilhou com elas alguns inimigos (os Je-
suítas e o poder civil da Igreja) e foi buscar nelas algumas fontes de inspiração, so-
bretudo para alguma legislação tardia. Porém, não era um filho das Luzes. Não é
Outubro desse ano no seu exílio em Pombal, só haveriam de terminar mais de um
ano depois, uma das primeiras questões que lhe foi colocada diz exactarnente respei-
f
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por acaso que na actualidade muitos autores', como se viu, o comparam a Richelieu
i e a monarquia portuguesa do seu tempo à de Luís XIV, tal como não é acidental o
to ao facto de se ter ou não intitulado primeiro-ministro. Uma pergunta que tinha
uma dupla e incriminatóriaimplicação e lhe foi repetida. Com efeito, não só per- '·I:\' factoÉ deumeletema próprio se ter comparado a Sully, 'Richelieu e Mazarino.
repetido até à exaustâo nas fontes da época. Desde o infeliz núncio,
mitia imputar-lhe a usurpaçâo de funções, como, sobretudo, o tornava responsável


'] que em Janeiro de 1759, como se disse, o comparou a Richelieu-, tal paralelo nunca
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mais foi abandonado. Quase duas décadas depois, em Janeiro de 1777, nas vésperas
1983, p. 280. :L
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DIAS,
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da sua queda, um diplomata francês dizia que se tivesse nascido em séculos
2 BNL - Purnbalina, eód. 695; idem, cód, 668.

l
3 BNL - cód. 8530; idem; cód. 9100; idem, cód. 2635; idem, Pomba/ina, cód. 680.
4 MARTJNS, 5, d. ' . ~:~'.~"~' " .;,t_'"
' .,"':' :.:~
BWCHE, 2000, p. 279.
5 BNL - F 6708. ~~~ ~~'
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, Cit. MILLER, 1978, p. 68.


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302
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D. JOSÉ E POMBAL: O REI, AMONARQUIA E O VALIDO
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mais recuados seria tão turbulento «com aqueles Chefes do palácio qge aspiravam moto: «vendo Sebastião José não ser ainda firme o seu valimento, o quis sustentar
ao trono dos seus soberanos», porém «colocado neste [século], viu-se forçado, no sobre quatro Colunas, que serviram de base à sua privança e à sua grandeza: foi pri-
pequeno teatro que a sorte lhe fixou, a contentar-se em seguir o caminho trilhado meira - bem praticada por todos os validos - apartar da Corte e do lado do Rei,
pelos Cardeais Richelieu, Mazarino e Alberoni, com os quais tem muitas parecen- ,:,1 todas as pessoas que pela experiência, pelos lugares ou pela Grandeza lhe pudessem
ças-'.
Dois testemunhos posteriores à morte de Pombal merecem, ainda, ser citados,
por se tratar de duas personalidades assinaláveis, cujas relações em vida com o mi-
\~l
~
fazer sombra [...] a segunda publicar em particular, mas em forma que o vulgo sou-
besse, a pobreza dos Tesouros que El-rei D. João V deixou exauridos e que a cala-
midade presente acabava de esgotar [...] A terceira em familiarizar-se com os Minis-
rros togados de quem EI-Rei mais confiava [...] a quarta, pôr El-rei em uma
nistro foram inteiramente opostas. Nas já citadas memórias atribuídas a um secretá-
~~ desconfiança de todos - que a Misericórdia Divina, para castigo dos nossos pega-
rio do 6.° conde de São Lourenço, João Ansberto de Noronha, que longo tempo es- .2i
·11 dos, permitiu se verificasse - e para que só a ele tivesse por fidelíssimo Criado e
teve preso durante o governo de Pombal, afirma-se, com reiterada insistência:
«propendendo [dizia o conde] o Marquez por génio, carácter, e estudo para durezas,
se propusera imitar durante o seu Ministério [...] a Política do Cardeal de Richelieu
1 Ministro. Com estas quatro bases firmou o alicerce da sua privança-'.
Resta acrescentar que as bases da sua privança, que perdurou por mais de duas
décadas, estiveram cada vez mais em perigo nos últimos anos do reinado, como

:~,
[... ] na escolha de meios para ocultar no .Publico as razões verdadeiras de diversos
procedimentos rigorosos, fora o Marquez de Pombal infelicíssimo [... ] o que se de-
~~ adiante se verá. Por isso se assegurou sempre que os aristocratas que serviam o rei
üí,1
via atribuir à sua nimia [sic] afeição à Politica do Cardeal de Richelieu [... ] levado como camaristas, sobretudos os marqueseses de Angeja e de Marialva, embora com
de seu génio duro, em muitas ocasiões parecera não se esquecer de tomar vingança ~3.
ele nãu simpatizassem, nenhuma capacidade tivessem para o _afastar. O mesmo jus-
daqueles, que se mostraram. contrários a seus Projectos Políticos, seguindo o exem-
plo do seu Mestre Richelieuv. Mas o mesmo afirmava D. Rodrigo de Sousa Couti-
1 .]-
tifi~a também a promoção a presuntivo sucessor e a subsequente expulsão para o
exílio de José Seabra da Silva. E por fim, foi ainda por tal motivo que tentou colo-
nho, protegido por Pombal desde a juventude no Colégio dos Nobres e ministro no ,'j car a educação do príncipe do Brasil sob a sua alçada, através dos bons ofícios de
~1
reinado seguinte: «Um exercito bem disciplinado e a justiça severa e imparcialmente .~.~ Frei Manuel do Cenáculo, para assim proteger a sua própria continuidade.
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distribuída que segure a propriedade e a existência pessoal dos indivíduos fazem ~~~ Como muitos outros políticos, Pombal cultivou a dissimulação, que todos os
imóvel hum governo absoluto [... ] eis o bem que Richelieu e Pombal procuraram
_.,~ diplomatas lhe apontavam, e de forma explícita o segredo, ou o «recato do gabine-
~ te», como ele próprio dizia2. Uma virtude típica do político barroco seiscentista".
aos reis e às nações.s '
Assim, embora adoptando um reformismo sistemático, próprio do século XVIII, À semelhança de outros validos-e favoritos, Sebastião José de Carvalho tamlíleffi:-foi
os modelos políticos de Pombal, de acordo com o que ele próprio afirmou e boa
parte dos seus contemporâneos constataram, foram as experiências «absolutistas» do
século XVII e os seus protagonistas. Pombal viu-se e foi visto como um «político» do
·,i: conduzido a construir a sua própria clientela, embora sobretudo já depois ele'estar
no governo. Como antes se viu, ela incluiu fidalgos', desembargadotes, um círculo
de juristas e eclesiásticos que participaram na elaboração das suas reformas' e, ainda,
i
!

,
!
um conjunto de negociantes e financeiros que arremataram os principais contratos 1
'. I;
Barroco em pleno século das Luzes", .
públicos e participaram nas companhias criadas por sua iniciativa, virias dos quais I
I,
li construção do valimento e o enriquecimento da casade Pombal lhe concederam crédito pessoal. No entanto, a sua clientela nunca foi muito extensa IJ
!1
e numerosa, sobretudo se se tiver como' termo de comparação modelos franceses
Como todos os validos, Pombal teve de construir o seu próprio valimento, no 1
do século XVII. Qual será a explicação possível para essa dimensão limitada da clien-
meio de muitas peripécias que se foram acompanhando nas páginas deste livro. 1
tela pombalina? Pode-se invocar, em primeiro lugar, o terror que caracterizou em
Uma fonte anónima muitas vezes citada do início do reinado de D. Maria I siste-
0_1.- larga medida o seu regime. Qualquer resistência ou oposição incorria, facilmente, \
matizou assim os seus procedimentos reportando-se ao período posterior ao terra-
~,;~,: em violenta punição. No entanto, a explicação principal não reside certamente ~:

I Cit. VALE, 2001-2002, p. 96. ~.\1.


;it.
2 Arquivo da Casa dos Condes de São Lourenço, Livraria, A-4-30. _q3? I MINDLIN, A_ 10v.
; SILVA,200;2, p. 279. 2 Apologia 5.', BNL - Pombalina, cód, 695.
4 Entenda-se aqui «polícico», não como um qualquer actor político, mas com o sentido pejorarivo 3 VILLARl, 1987_

que o termo tinha no século XVlI, quando pretendia qualificar a acção volunrariosa daqueles que que- 4 Cf Capítulo 11.

riam mudar as coisas. 5 Cf. Capítulo 12.

304 ~~-,:
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apenas aí. Embora nunca fosse formalmente «primeiro-ministro», convém lembrar


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D. JOSÉ E POMBAL: O RE11110NARQUIA E ° VALIDO

tre outros, O destino dado à contribuição de 4 % da Alfândega concedida pela Junta


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que Pombal era, ele facto, secretário ele Estado. Como se.afirma numa memória ma-
nuscrita muito crítica, datada de 1803 e atribuída ao 6.0 Conde de S. Lourenço, ~.
~:··-··:I'·
~
do Comércio para a reconstrução de Lisboa: «por este mesmo rendimento mandou
pagar muitas obras de seus parentes, amigos e sequazes [...] pelo mesmo modo se fi- "

com a multiplicação dos SeCretários de Estado «se alterou a forma do governo, ~: zeram os de seus irmãos Francisco Xavier de Mendonça e Paulo de Carvalho e 'I
e que em lugar de se aperfeiçoar, se multiplicou e se fez mais dificultosa (...) Até ao Mendonça, de cujas propriedades abunda esta cidade e seu termo, ~ de todas está n!!
~"~
tempo do Marquês de Pombal foram simplesmente uns canais por onde subiam os ~ senhor este Secretário, como seu universal herdeiro. De sorte que se demoliam as
~.
negócios â presença do Soberano, presentemente' são tudo, que até na linguagem .)
.·~,~ll casas de uma rua para a alargar, e corri o pretexto de utilidade pública se não pagava
Diplomática já se não trata só do Rei, e se diz sempre, "O Rei e o Seu Ministro. (...) .'~ ','j'.
aos donos dos prédios a porção que pelo novo alinhamento perdiam; porém, se
Com esta trincheira de criaturas revestidas d'autoridade, passa-se a rudo, adquirem- ~ acontecia serem parentes, amigos e sequazes do .Secretãrio, eram be~ indemnizados
~~.
-se honras, e f!q:!ezas, cuartarn-se as alçadas dos Tribunais, forjam-se Leis Novas, ~: [...] por este motivo ainda hoje existe esta grande imposição, e se acham incomple-
desprezam-se as antigas, alteram-se to elas as formalidade, (...) ,>cgue-seo despotismo ~ tas as obras principiadas há quase 22 anos, com gravam e dos Vassalos. I..
Ministerial, que é o maior f1agelo dos POVOS»I.Em conclusão, se o «primeiro- ... ~I~ Graças a diversos estudos recentes, conhecem-se hoje algumas dimensões rele-
-ministro» nunca esteve investido de uma autoridade formal, pois tal cargo nem se- vantes sobre a casa de Pombal e os seus investimentos urbanos, embora muito esteja'
quer tinha existência reconhecida, o mesmo não ocorreu com os Secretários de Es- 8: ainda por investigar. A participação da «primeira nobreza» nas obras de reconstru-
tado/Ministtos, que passaram a estar no centro da decisão política. Aí se encontra ~: ção dentro da zona com planos de enquadramento especialmente definidos para o
'~,,~.·i.~I~·'···

boa parte da resposta para a pergunta antes colocada. Pombal não necessitou de ali- ~i) efeito, ou seja, aquilo que se costuma designar por «Baixa pornbalina», não repre-
I
cerçar o seu poder sobretudo numa sólida e vasta clientela porque os Secretários de
Estado passaram a exercer durante o amplo período do seu valimento uma autori-
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e
sentou, em termos do número de edifícios reconstruídos, entre 1755 1776, senão Ij
9,5 % (13 % dos construtores identificados), mas a casa de Pombal é uma das que
dade efectiva sobre as áreas da administração da monarquia sob sua tutela formal. 1 ~ aí sobressai-. Na verdade, em finais do Amigo Regime as rendas urbanas (quase to- I
Ao contrário de outros aspectos mais «tradicionais», essa foi talvez uma das dimen- . ,;1
4 das localizadas em Lisboa) de 40 casas titulares antigas (elevadas antes de 1775) re-
sões mais «modernas» ela actuação ele Pombal. -~ presentavam, em média, 8,5 % das suas receitas globais'. Nessa matéria, a casa de
,i 1
Por fim, C01110 quase toelos os validos antes dele, foi acusado de enriquecimento
ilícito. No entanto, essa acusação revestia-se de uma importante marca peculiar: tais
.~ Pombal ocupava uma situação única. De acordo com estimativas da sua administra-
ção judicial em 1793-1794, mais de metade das suas receitas totais líquidas tinham I
denúncias reportavam-se, não só, mas em primeiro lugar, aos investimentos que ele origem em Fenda dominantemente urbana cobrada na cidade de Lisboa! Para os
e seus irmãos fizeram no processo de reconstrução de Lisboa! Acresce que se podem anos de 1782-1788, chega-se, a partir de outras fontes, a resultados idênticos",
confrontar tais imputações com o que se conhece sobre a acumulação de parrirnó- Acresce que, sendo uma das quatro casas com maiores receitas', constituía também,
nio da casa dos marqueses de POmbal. E que, finalmente, o próprio L o marquês ede longe, a que tirava maior rendimento absoluto de propriedades urbanas. E nem
conferiu à questão uma decisiva relevância política: a primeira e mãis'extensaApoio- sequer se considera aqui a casa da Redinha, a qual quase só possuía rendas urbanas
gia de 1777 foi consagrada precisamente à justificação da foima como acumulou em Lisboa e seu termo, e fora desanexada da casa de Oeiras/Pornbal.nos anos 70 do
património. E a décima quinta e última ApoLogia também é dedicada a responder às século XVIII. A casa do .personagem, que sucessivas gerações vieram a associar à ima-
acusações de ter utilizado obras públicas em proveito próprio", gem da capital reconstruída, foi, assim, uma das grandes investidoras e uma das
As imputações feitas a Carvalho nesta matéria são bem antigas e podem datar-se grandes beneficiarias dessa reconstrução. E era assim, também, uma das casas aristo-
(em princípio) logo do início de 1756. As denúncias sobre enriquecimento ilícito, cráticas com maiores rendas.
embora ainda não relacionadas com as obras de reconstrução, aparecem já no antes Conhecem-se algumas das vias através das quais a casa Oeiras/Pombal foi, du-
citado manuscrito de ampla circulação Carta Que de Portugal Se Escreveu a Um rante o governo do 1.0 marquês, ampliando as suas propriedades urbanasem Lisboa
Grande de Espanba, do início daquele ano. Voltam a aparecer em muitos escritos pertencentes aos diversos morgados, os quais fora conquistando por via judicial ou
posteriores, designadamente na fase do declínio de Pombal. Nestes se denuncia, en-
t AzEVEDO, 1918-1921, pp. 233·234.
2 PEDREIRA,1995, pp. 381-383.
t «Memorias políticas», Arquivo Disrriral de Braga, Fundo Barca Oliveira, pasta n.• 35, identificado
3 MONTEIRO, 1998, Parte 1Il, capítulo 2.4.2. "11
por PINTASSILGO,1987,'pp. 170-2 e p. 212. '11
4 SENA, 1987.
2 BNL - Pombalina, cód, 695; idem, cód. 668.
j MONTEIRC>,1998, Parte Ill, capítulo 2.2.1. .~
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r:;;Jº~E D. JOSE E POMBAL: O RE1,P.:J:10NARQUlA E OVAlIDO

herdara. Ai se combinaram novos investimentos (depois anexados a!2$morgados)


cia, dois aspectos. Em primeiro lugar, a directriz geral de que «bens de raiz perten-
com sub-rogações (troca de bens vinculados por outros bens ou benfeitorias de
centes aos Morgados da sua Casa que achando-se dispersos em diferentes lugares e
idêntico valor)'. Neste sentido, houve, claramente, uma colossal política de concen-
em diversas Províncias; foram vendidos pelo Suplicante com Provisões Régias, e
tração do património em Lisboa e em Oeiras-,
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Foi tudo isto que Pombal pretendeu justificar na sua primeira e mais extensa
e Lisboa: acrescentando assim à mesma Casa aquela grande força de renda que todo
Apologia de Março de 1777, onde, como se viu anteriormente, afirmando não pre-
o Mundo Instruído sabe que sempre resultou da união de muitos prédios pequenos
tender comparar-se ao duque de Sully (cita como fonte de inspiração a edição das
em um grande»; directriz que refere ter tido por inspiração a realidade alemã e ser,
suas memórias, de facto intituladas Mémoires de Maximilien de Bethune, Duc de Sul-
naturalmente, aque presidiu à legislação que fez publicar sobre a matéria. Em se-
Iy, Principal Ministre de Henri le Grand, 8 tomos, Londres, 1763), diz que «era con-
guida, sobressai a avultada dimensão dos investimentos em Lisboa, avaliados, só na
tudo certo, e era público, que se achava igual com Ele na desgraça das imputações
Rua Direita da Sé Velha, na Rua Direita de São Paulo e junto ao convento das Car-
que se lhe maquinaram pelos muitos descontentes do Governo d'El-Rei seu amo, e
melitas, em mais de 120' contos, e o balanço que faz dos investimentos urbanos:
pelo Outro muito grande número de invejosos da sua fortuna: convertendo-se to-
«Regra certa, e infalível, que na mesma Cidade de Lisboa se está vendo verificada;
dos em outros tantos inimigos», dirigindo-se para sua defesa à rainha regente na es-
não somente na Casa do suplicante, mas também no grande número delas estabele-
perança de que esta contemplasse «a Memoria do Seu Augusto Esposo na Pessoa do
cidas desde o Terramoto pelos Negociantes, e cidadãos de boa Economia que hoje
seu Primeiro Ministro». Não interessa, naturalmente, resumir toda a extensa Apolo-
se acham, com rendas muiro, e muito avultadas, do que podiam caber na imagina-
gia, mas apenas salientar alguns dos seus aspectos mais importantes para o fim em
ção das gentes.}}Pombal consagraria ainda a última das suas apologias a demonstrar
vista. Assim, destaca que a aplicação à «economia doméstica», conceito que retoma
do texto das citadas memórias, era virtude «dos grande homens de todas as Nações que não utilizou pequenas obras públicas (como o chafariz da Nova Praça da Pam-
antigas e Modernas», e sublinha, mais de uma vez, que «só costumava reservar para pulha) em proveito da sua casa. _
os seus Negócios familiares, nas manhãs dos Domingos, aquelas poucas horas que Para além dessas miudezas e de outras imputações menos miúdas, não interessa
mediavam entre a Missa, e o Jantar», argumento que seria depois muitas vezes repe- aqui avaliar a legitimidade dos meios que usou para acrescentar a sua casa. Alguns
tido, entre outros, por Jacome Ratton. Pombal realça, em vários ensejos, as mercês dos seus adversários, como o citado 6.° conde de São Lourenço, acabaram por de-
recebidas de D. José no pressuposto de que, como ames se viu, à semelhança de fender: «suposto o Marquez de Pombal se haver aplicado a deixar seus Filhos bem
Sully, Fjchelieu e Mazarino, a casa de um primeiro-ministro não podia ser «das me" herdados, como conseguira, todavia nunca para o dito efeito se valera de meios in-
nos consideráveis». O seu objectivo primacial era mostrar que a acumulação de pa- justos, ou desonestos, e escandalosos, como os de Peculatos, ou de Concussôes-'.
trimónio registada pela sua casa durante o reinado de D. José não resultara de fon- Outros, pelo contrário, duvidaram, porém, da probidade do ministré. Em síntese,
tes ilícitas. A seu favor afirma que os três irmãos, Sebastião, Paulo e Francisco, há algumas constatações relevantes que se extraem a partir dos elementos aqui apre-
coabitaram sempre que estiveram a viverem Lisboa; cooperaram, como bem se sa- sentados: de acordo com padrões bem remotos que pautaram a acção de outrosyali-
be, no acrescentamento da casa da qual era sucessor o primeiro; pautaram os seus dos, Pombal nunca dissociou o governo do reino do acrescentamento da sua casa,
consumos por «quanta moderação podia permitir a decência»; e, finalmente, canali- associando a autoridade política própria ao seu engrandecimento social e económi-
zaram todos os rendimentos dos ordenados de ofícios, bens'da coroa e ordens e ren- co; como todos aqueles que gozaram da legitimidade duvidosa dos validos, foi acu-
dimentos não dispendidos em consumos correntes na aquisição, permuta e benfei- sado de enriquecimento ilícito; e, finalmente, em todos esses processos o terramoto
torização do patrirnónio '. e a reconstrução de Lisboa tiveram um papel fundamental.
Reconhecendo o grande acrescentamento da sua casa nos anos em que fora se-
cretário de Estado, PQmbaldescreveu minuciosamente, ao longo ,de várias dezenas
de páginas e quadros anexos, a proveniência de todos os seus bens e as fontes de fi-
nanciamento das benfeitorias que sofreram, Destacam-se ainda, pela sua importân-

1 SENA,1987,
2 SILVA, 1993, pp: 83 55.
3 BNL - Pombalina; cód. 695. I Biblioteca dos Condes de São Lourenço, A-4-30.
2 MINDL!N, fls. 19v-20v.

308
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