Você está na página 1de 15
DOSSIE LORGANIZAGAO: NASHLA DAMAS PESQUISA HISTORICA: NASHLA DAMAS (TEXTO) = AMANDA ALVARENGA (TAGE) O acticar nosso de cada dia ara es ee eR ey ee aC aN om ate ta veneer aac) POR aaa cae Coe CMT ed Picea nee emer gem Cee (aCe Reema ae etre CeCe PCa ova ee aaa alc Oke ad Pan ad eedec ie Rae Rear ag ere cara RNa ee Tee ae rot ee rence Cen sc CUS arte ame rec Mee ae ese a eR Uma eC eR era a ae PO ee ea RT ee dare eM Reape tartan Cee ec cues Se COR ace Menem Red ULL RS gayi rasa Cer sr Re en ca eS a a Cp usee Meme ea eae ara Oa Ce VEC oe ca gaa eM ee cca Tee Rue Rea Mae eae Oe um aCe ee os ae ead POUT Un ag GCM Om Coane MeN Cel Cecae hoje invade a Amazénia. Seu produto bruto é “senhor” do Fra et Oa Ree ca ema a Came CMe Un Pun me tT Cae Run ame ag ossié Civilizacao do a¢gdcar JOSE AUGUSTO PADUA O amargo avanc¢o da docura No rastro da disseminacdo de uma unica planta, transformaram-se sociedades, paisagens e culturas OM AS CAMPANHAS DE ALEXANDRE MAGNO na. India, eoretorno de alguns dos seus participantes, come- caram a chegar Europa noticias sobre a existéncia, no Oriente, de “uma espécie de bambu que produzia mel sem intervencao das abelhas, servindo também para preparar uma bebida inebriante”, nas palavras do historiador portugués Henrique Parreira. Era por volta de 327 a.C., e aquelas noticias ins- creviam-se em um dos movimentos mais fascinan- tes da historia da humanidade: a disseminacio, entre os diferentes povos e regies, da grande diver- sidade de plantas e animais existente nas diferen- tes regiées do planeta. A cana-de-acticar se tornaria ath wal ezgeunine ste 2 fptencrice tiaite ¢ op? at vii oY Cie red pemen Thts my rave 1 mnedny -solern Spfolias = ‘uma das protagonistas deste fendmeno. Até entio desconhecida dos europeus, foi descrita a partir de elementos do mundo natural que eles ento conhe- iam, Ela se parecia fisicamente com os bambus ¢ produzia um liquido doce comparaivel 20 mel. ‘As primeiras noticias sobre a utilizagao da cana no Ocidente ndo mencionavam 0 agéicar. A extra- ‘cdo do caldo da cana, assim como seu emprego para produzir “bebidas inebriantes", marcou 0 inicio da sua presenga nas sociedades humanas. Se- ‘gundo pesquisas recentes, a Saccharum officinarum, espécie de cana dominante no mundo, uma grax sminea otigindria da regio onde hoje se encontra a Papua Nova Guiné, na zona tropical do Oceano Pacifico, onde deve ter sido domesticada por pop lagées tribais hi mais de 7 mil anos. Nao se sabe com precisto como se propagou na diregio da {ne dia e da China, mas por volta do século IVa. ela era cultivada nessas regides, inclusive com a ma ‘nufatura do acticar em escala reduzida. No século Ila, fabricavase na China, 2 partir da cana, um produto sugestivamente identificado pelos ideo- sgramas “peda” e “mel”, 0 primeiro grande impalso para transformar a ‘canadeacicar em um dos fcones do mundo mo- derno foi a sua disseminagao para a Bacia Mediter Anica, a partir do século X. O movimento ocorreu através dos circuitos que conectavam a expansao Atabe entre a {ndia e a Europa. O acdicar da cana, passou a ser protuzido no norte da Aftica, no sul da Peninsula Ibérica e no sul da Talia, Bra um mer cado de escala reduzida, mas com ganhos signifi cativos, voltado para © ormamento culiniio dos muito ricos ¢ para algumas priticas medicinais. ‘A pattir do sécalo XV acontece um segundo impulso inovador, que ampliara enormemente 0 volume da producio eo alcance social do seu con- sumo. De tal forma que no século XIX 0 agiicar jd seria artigo de primeira necessidade para os traba- Thadores e a classe média dos paises em proceso de urbanizacio ¢ industrializagio ~ um consumo frequentemente associado a difusio do café, do ché edo chocolate, que o antropélogo norteamert- ‘ano Marshall Sahlins chamou de “drogas suaves” da modernidade. No século II a.C., fabricava-se na China, u partir da cana, um produto sugestivamente identificado pelos ideogramas “pedra” e “mel” A indastria agucareira do Atlantico seré respon sivel pela invencio da primeira commodity agricola, cu seja, um produto cuja escala de producio ea co- tagZo dos ptegos sao definidas pelo mercado global. ara entender 0 desenvolvimento dessa nova etapa, € preciso considerar as caractersticas biolégicas a planta e as especificidades fisicas do produto, A cecologia original da cana-deacticar € profundamen- te tropical, o que delimitou sua difusdo geograti- ca. 0 clima quente do Mediterraneo até aceitou a aclimatagio da cana, mas ée forma limitada, Os colonizadores portugueses, em. seu pragmatismo Soiba Mais CARNEIRO, Haroque Ge apes Coreen 2003 DEAN. Waren A Fer Atria rosie So a2, 998, FERLN Ver Tere nc oos Ene rcs Ca Ba FREVRE Giro Nene: BDossié Civilizacdo do acdcar estratégico, aprenderam algumas ligSes sobre as restrigdes ecol6gicas de novos cultivos. Foi 0 caso, or exemplo, do fracasso da introdugo do trigo, que exige uma espécie de clima temperado, no Nordeste do Brasil. Com o tempo, eles se especiar lizaram em introduzir nas colénias atlanticas esp&- ies origindrias dos t6picos asiaticos e africanos, © pleno florescimento da produtividade da planta ocorreu quando ela foi levada para ilhas como a Madeira e as Canarias e, depois, com muito maior intensidade, ao Brasil ¢ ao Caribe. A aceleracio da producio de agiicar nas regides de floresta tropical do “novo mundo” também est relacionada com um impacto social de enorme alcance: foi © principal estimulo para a constru- go do escravismo moderno. Foi nos territérios dda América tropical que o modelo de produgio de ‘ménoculturas e trabalho escravo gerou 0 maior impacto na ecologia das paisagens. Desde o inicio da agricultura, especialmente no contexto das ci vilizagdes complexas surgidas nos Gltimos 7 mil anos, 0 desflorestamento global concentrou-se nas florestas temperadas do hemisfério norte. 0 des- ‘matamento tropical é um fendmeno modemo, que atingiu o seu auge no século XX. 0 Brasil e algumas lihas do Caribe, como Cuba e Jamaica, tornaram- se 08 simbolos do desmatamento provocado pela cana, Mas ele se alastrou para varias outras regi es, como as has Mauricio, Indonésia, Filipinas, Havat e Fiji. Em seu livro Nordeste, de 1937, Gilberto Freyre apresentou a entrada da cana na regio como “um conquistador em terra inimiga, matando as drvores, secando 0 mato, afugentando ¢ destruin- do os animals ¢ até os indios, querendo para si toda a forga da terra". Mais de dois séculos antes, em 1711, o jesusta Antonil jé havia descrito a for- ‘mula sintética do canavial como um impiedoso conquistador ecolégico - “feita a escotha da me- Ihor terra para a cana, roca-se, queimase e alimpa- se, tirando-the tudo o que podia servir de embara- 0°. A floresta tropical, com toda a sua diversidade, 0s olhos dos produtores, representava apenas im “embarago” para 0 avanco da cana, 4 importante ndo sermos anacrénicos no jul ‘mento dos agentes do desflorestamento tropical nna formaggio do mundo moderno, Naquele contex- to cultural e ecolégico, no qual as matas pareciam infindas, eles fizeram uso dos fatores de producio com os quais contavam, montando um sistema bastante eficaz, No Brasil, as variedades de cana introduzidas de fora estavam livres das doencas ¢ dos parasitas que as atacavam em seus lugares de origem. Os solos da regido. especialmente 0 mas- sapé, revelaramse propfcios. A chuva abundante € continua dispensava a necessidade de irrigacio. ‘As cinzas da biomassa queimada da Mata Atlantica fertilizavam 0 solo, dispensando a adubacao, O es- gotamento dos solos, apés alguns anos de uso, era enfrentado com novas queimadas e com 0 avango da fronteira econdmica Eo impacto nas florestas néo se devia apenas & abertura de terras para o plantio, Para cada quilo de acticar produzido, cerca de 15 quilos de lena ‘eram queimados nas fornalhas que alimentavam os enormes caldeirdes onde o caldo da cana era cristalizado. Para purgar o agicar nas moendas, utilizavase cinza de madeira, em muitos lugares retirada dos manguezais. O conjunto da infraes- ‘trutura estava calcado na madeira ou em mate- riais cuja produgio requeria o uso de lenha em fornalhas ~ como tijolos,telhas e cal. Das érvores tropicals provinkam até as caixas onde 0 acicar era acondicionado para exportagio. No outro extremo da cadeia econémica, 0 acicar transformava ecologia do consumo. No mundo prémodemo, a culindria pouco utilizava © sabor adocicado ~ era pontual o uso de mel, de sorgo doce, de frutas ete. 0 acicar foi uma revotu- fo. Por ser ficil de armazenar e transporter, além Ge adogar sem modificar muito o sabor da comida, tomouw-se 0 adocante quase hegem#nico. Apenas © agicar de beterraba possui propriedades fisicas semethantes. Mas, apds crescer com forea na pro- ducio europeia do século XIX, cheganco a gerar 665% do aciicar consumido mundialmente em 1900, a beterraba perdu folego no século XX diante do vigorsesistente da velha cana tropical. Hoje repre- senta no mais do que 30% do consumo total Quais as consequéncias hoje do consumo global de mais de 160 milhoes de toneladas de agucar, contra apenas & milhées no inicio do século XX? Quais 0s efeitos sociais de um consumo méio anual de 23 quilos, em uma escala que vai de um rinimo de 8 quilos em Bangladesh para um méxi- mo de 66 quilos em Israel? Como avaliar 0 efeito Dr an ot ans Em maio deste ano, a Comissio de Mio Ambienta do Senado auton- zou © planto de cane-de-agicar nt rea ca Amazénia Legal. A razio std ligada 20 "desenvolvimento. do comércio nationale intemacionat de biocombustivi (© desconhesimento da teminclogia lurico-poltica que erarca a dscus- ‘So rio impede « tansparéncia da questi, ¢ ela no é nova: deser- volimento, No periado colonial ele {oi chamado enviquecimento, puro © ‘imple, eat © seulo XX grivleglou ‘© modelo da exploragdo. Nos anos 1960, © desenvolvimento foi visio ‘como um entrave & justia coi, Foi preciso uma dtadura para “acakmar” trabahadores e “maderizac” 0 pat Ne ocasiia, optou-se pelo modelo da ‘ependéncia interacion ‘Agora. o impasse se di dante de uma nova mentaidade que tenge a valor= Zar 0 meia ambierts como parte da Humanidade. Soucées menos crist- ‘eas, no entamto, ttm Sdo empregaces a i i i i i i a Jas a ‘ndvidual e instucionalmente. Etre flay hd a compra do slo "lega’ “sustenével" ou "recidado”, © cure ‘se_b04 parte das dores de conscitncia ‘que 3 destrugto da natureza pode Enquanto ito, 0 "cide da canade- agicar” contina, com enormes pro- Predaces, desmatamentos legtlza- ‘dos © fornas de trabalho em regime: de samiescravidio, Como se charac teste modelo! (Nuhls Dabs) da combinagio do agiicar com as bebidas energé- ticas (como o café) que estimulam a atividade dos compos humanos no ritmo de vida frenética da Givilizacdo urbano-industrial? Como equacionar 0 cortejo de delicias gustativas que o acicar gerou, associado 20 crescimento epidémico da diabetes, das cries dentarias e da obesidade? Para cada quilo de agticar, 15 quitos de lenha eram quet- mados. Das érvores tropicais provinham até as cuixas onde o produto era acondicionado para exportagio A.sensagio doce na boca tornou-se um dos tra- cos culturais distintivos da globalizagdo. Mas quem considerar todos os seus componentes hist6ricos = incluindo os desflorestamentos, as escravid6es e as chamadas “doencas da civilizagio” ~ nao poder deixar de notar um gosto amargo, por vezes dema- siadamente amargo, do império da dogura. H JOSE AUGUSTO PADUA E PROFESSOR DA UNIVERSIDAD: FEDERAL DO RIO DE JANEIRO E AUTOR DE Lin $080 DE DDESTRUICRO PENSAMENTO POLINCO E CAIICA AMBIENTAL NO ‘BRAS. (1766-1886) (ZAMAR, 2002) a... Civilizagao do agdcar STUART B. SCHWARTZ Como se cria um pais A cana-de-acuicar reforcou 0 papel do Brasil na economia global e foi responsdvel pela invencdo de uma nova sociedade. O negocio era ser “senhor” BRASIL COLONIAL NAO NASCEU DO AGUCAR, MAS DO PAU-BRASIL. Foi a famosa madeira, da qual se extrai um corante, que primeiro deu motivos aos portugueses para se estabelecerem e explorar a terra a que tinham chegado em 1500. Porém, foi a introducao da cana-de-acticar e dos engenhos, com sua tecnologia para a producdo de agticar, as verdadeiras responsdveis por transformar a colé- | nia trés décadas depois desse primeiro contato. O agicar foi a madrasta da colonizacdo, que por quase dois séculos regeu a histéria econémica, social e politica do Brasil. E, em algumas regiées, continua a dominar. Ao longo da costa brasileira ~ primeiro em ‘Sao Vicente, Pernambuco e Bahia, depois no Rio de Janeiro e em outras dreas ~ foi no espago dos engenbos que a sociedade colonial tomou forma. Essa nova sociedade era fruto da Europa medieval, agiicar. Até 0 surgimento de Minas Gerais como forca econdmica, era comum dizer que o Brasil era uma(‘Sociedad® e civillzagio do agicar”) E ficil entender por qué. A producio do acticar cresceu de forma répida especialmente em Per- ‘a partir do conceito juridico de estados ou ordens,, hambuco ¢ na Bahia. Em 1570, havia 60 engenhos ‘com nobres ¢ plebeus, pagios ¢ cristios, cristios,)" no Brasil, Em 1630, eram 350 ¢ produziam mais de novos e cristios velhos. Foi modificada ainda com ‘as novas realidades americanas de etnias ou racas. ‘A presenga de indios e africanos, que tinham dif rentes cores de pele, culturas, religides e linguas, criava novas hierarquias eee aga pt sSezct mas a reforcavam, Nessas verdadeiras indistrias, ‘0 brancos eram os donos da terra e das moentlas. — Os indigenas e depots os aicanos era a orca de trabalho. E cabia aos brancos pobres, muilatos, mestigos € libertos os chamados “oficios mecini- os", Essas fazendas se transformaram no espelho ena metifora da sociedade brasileira: os brancos ‘nas mais altas posigdes. os negros (ot indios) na ‘mais baixa, e as pessoas de racas misturadas, no! ‘melo, Gradagdes bem parecidas. alids. com as éa produgio do agicar: 0 branco como o mais valo- izado: o de panela, escuto, ¢ de menor valor; € ‘marrom, mascavo, no meio. Claro que sempre houve segmentos da socie dade que nao estavam diretsmente envolvidos na rodugio acucareita - como roceiros, boiadeiros, calafates (profissionals que vedam as frestas de ‘uma embarcagdo) ¢ sertanistas ~ mas era frequen- te, de um jeito ou de outro, que seus negécios (as plantagbes, 0 gado, as embarcacoes, os indios cati- ‘yos) estivessem relacionados com a economia do 20 mil toneladas por ano. A riqueza estava sendo criada, No fim do século XVI o lucro que a colonia A produgao do agticar cresceu de forma rapida: em 1570 hay 350, produzindo mais de 20 mil t dava a Portugal jd era cerca de SOX maior que 0 seu custo de manutengio. Esse periodo de répida ‘expansio no século XVI, quando algumas fortunas foram riaas, oi possivel em fungi dos altos pre 508 do adcar no mereado europe Jé na década de 1620, querras eretragdes economicas diminulram as margens de luca. Embora os pregos tenham subido novamente em 1640, 0 ino da compet Go com o aqcar das thas cribenhas nas décadat teguintesacabou abaixando os valores novamente, Junto a isso, a demanda ness ihas por trabalho aumenton 6 custo dos escravos no AMlantico. No fim ca década de 169), os senhores de engenbo no Brasil relamavan due indstria aguarezaestava aquase find, Mas as guertas europeias novamente tudaram as condigbes do mercado, eos produto: res brasleios outza vez gankaram confangs Depois de 1670, o Brasil nunca mais dominow o mereado do agicar no Atlintico da mesma 1.60 engenhos no Brasil. Jd em 1630, eram eladas por ano Be maneira que antes, mas a indistria acucareira permaneceu lucrativa. Na maior parte do século XVII, os senhores de um engenho bem admi- nistrado contavam com um hucto anual de $a 410%, E em algumas décadas, como a de 1790, 05 ganhos foram consideravelmente mafores que isso. Também & importante lembrar que, até no pice da mineragio de ouro no sécalo XVI 0 valor da produgio agricola sempre excedeu 0 do garimpo. Mesmo quando Barbados, Jamaica e coutras ilhas se tornaram grandes produtores de acticat, o Brasil produzia mais do que todos eles. “Apesar das rivalidades e competicdes entre si, 0 setor acucareiro=0s senhores de engenho, 0s la- /vradores de cana, os mercadores que entregavam { 0 agicar~ continuaram sendo uma forea politica \na colon oO. SES PRODUCAO DE DOCES DECORAGAO 0 Brasil se tornou uma colénia de sucesso por ue a coroa portuguesa podia taxar a produgio € © comércio de agicar, e percebia que a indistria agucareira crescia principalmente a partir de in- vestimentos privados. Enquanto isso foi verdade, ‘a coroa portuguesa deu aos produtores de acticar alguma liberdade, © crescimento da produgio de agticar foi acompanhado por outra mudanga e, de alguma forma, s6 foi possivel gracas a ela: a ques- ‘to da.mio-de obra indigena, Na primeira inetade ‘do século da producio brasileira, os povos nativas foram contratados ou forados a rabalhar no cam- po. Mas a relutancia de guerreiros em trabalhar na agricultura ~ que eles consideravam servico de ‘mulheres ~ as doengas epidémicas da década de 1560, as guerras de resistencia, a6 leis reais con- ta a excravizacdo dos indigenas (de 1570, 1595 e = af? BEBIDAS ALCOOLICAS eacicarna itha da Madeira permitiu 0 acicar era misturado a gomas,nozese que fermentava dava origem a um Europa maior acesso avérios tipes _amidos, para que, cristalizado, formasse produto que no adogava, mas servia de doces, considerados privilégios por figuras, que a seguireram pintadase expostas para alterar a consciéncia, consolar i i 4 Emmeoe gosto 1, a prometo No final do século XV eno comeco do XVI Na producto de agticar,o caldo da cana i conta dos altos precos. nas mesas das familias até alegrar os escravos, Era a cachaga. < sistema de plantation, 1608), além dos esforcos dos jesultas que exigiam ‘um tratamento mais digno para os indios, toma- ram muito caro e dificil 0 uso de trabalhadores indigenas, A resposta veto da Arica 0s eseravos africanos eram caros, mas 0s por tugueses acreditavam que eles eram mais produ- tivos que os indios, e menos propensos a fugir ot a morrer de doengas. “Sem agtcar, nao hé Brasil; sem a escravidio, nio ha agticar; fem Angola mio bf escravos", era um dito comum que mostrava a centalidiade. do acticar. da escravidao ¢ da Africa pata a existéncia da col6nia. O que saiu daf foi o jue ao fim se espalhou pelas ‘Américas, de Luisiana a Barbados, como uma for ‘ma classica de produgio do agicar e, depois, para 0 cultivo de café, cacau e outras monoculturas ‘A escravidio faria parte de todos os aspectos da Vida brasileira, mas nas éreas do agicar os esera- vos eram frequentemente 70% da populacio. A alta mortalidade e as baixas taxas de fertilidade dos es- cravos nessas dreas exigiam uma importacio conti- rua de mais africanos ~ um fato que ajuda a expli- car a presenga e a persisténcia da culvura afticana no Brasil. Quando o Conde de Arcos, governacdor a Bahia, reclamou com exasperagio em 1760 que sua capitania era “uma terra de hotentotes [povo do sudoeste da Aftica)”, cle estava reconhecendo a hheranga do agticar. ‘A influéncia do doce produto ultrapassava as porteiras dos engenhos. Quase todas a primeiras cidades brasileiras foram portes criados para ex portar o acticar ¢ importar maquindrio, materials, comida € pessoas necessrias as moendas. Jé a “in crivel machina e fébrica", como 0 padre Anténio Vieira chamou os engenhos, por sua vez, eram verdadeiras cidades: escravos, administradores, tra bathadores lives e artesios se reuniam nas lavou- ris, o que reduzia @ necessidade de pequenas vis do agitear foi sda rurais ¢ comunidades. As capelas, por exemplo, ‘encontradas em muitos engenhos, serviam como centros da vida religiosa, Além disso, nos primeiros ‘anos da colonizacéo, os engenhos também tinham ‘uma fungdo defensiva contra ataques indigenas, ou seja, cada engenho era “uma nagio dentro de si”, conforme comentou um contemporaneo. Outros ‘observadores ressaltaram que, por estar tio diluido nesses pequenos pontos isolados, faltava 20 Brasil ‘colonial o senso de comunidade e coesdo social. Nas cidades verdadeiramente constitufdas era possivel encontrar ainda figuras importantes, Seiba Mais CALDERA ree & io scr o Bal Sto Palo tor 199 FRAGOSO, fae, Femangs: GOUVEA, Mari cl in (re). ‘como mercadores portugueses e estrangeinos, ad- Syn mugen ‘vogados, inspetores, fiscais de impostos ¢ offciais— Tepe: Adnimca do governo. Essa aglomeracio até alimentava as tens6es entre engenho e municipio, senhor de cengenbo e mercador, mas pesquisas recentes tem mostrado que as elites urbana e rural estavam ruitas vezes interligadas, e que a posse de um ‘engenho era yo ODjetI¥0 sOeial-ndo apenas uma atividade econémica. Os Sénhores de engenho in- (Sess XV. Rio 2 ere: Civinageo ‘rst, 2001 \VAINEAS Ronaldo, Dicer Boe colt Re ani ‘Objet, 2000 Muitos dos senhores de engenho eram de origem plebeiu ou cristdos-novos, mas agora viviam e agian como se pertencessem a uma aristocracia sistiam em usar esse titulo porque ele significava autoridade senhorial. Eles raramente se zutode nominavam “fazendeiros". Como na famosa pas- sagem de padre Antonil (pseudOnimo do jesuita italiano Giovani Andreoni, que vivew no Brasil en- tre os séculos XVII e XVII}: “€ titulo [o de senhor} ‘2 que muitos aspiram, porque traz consigo a ser servido, obedecido e respeitado de muitos". Muitos dos senhores de engenho tinham ori- _gem plebeia ou eram cristiosnovos (ou seja, des- cendentes de judeus), mas agora viviam ¢ agiam ay ~ ‘USOS MEDICINAIS século XVL 0 |direto Entre os séculos XVI e XVI, podem ser * ‘encontradas prescrigées de conservas, rapadiura. Os pedacos de rapadura eram —_acficar e xaropes em livros de medicina, — ic TRAM odintatd faciimente acomodados em sacolas de ajay rsnde due mse inclusive os dedicados aos pobres. Tratava- da “medicina humoral” A esa cla casa ora a, 0 nagociant de Canto com fara evade cic como se pertencessem a uma aristocracia, Fles exam apoiados pelos lavradores de cana, que nio tinham capital suficiente para ter seus préprios engenhos, mas que, ainda assim, cultivavam a cana-de.agticar em suas proptiedades ott em terras alugadas. Essa classe era caracteristica da econo- mia brasileira do agticar. Entre esses lavradores havia desde homens ricos com alto status até po- bres e dependentes, O certo é que a maioria era branca e quase todos desejavam possuir seu pré- prio engenho. Por volta de 1710, quando o Brasil tinha 525 engenhos, havia cerca de 450 familias controlando-os, e em toro de 2 mil familias de lavradores. Juntos. eles formavam a elite colo- nial. Mesmo que fossem frequentes as dividas com mercadores da coldnia, 0 setor agucareiro encantava estes comerciantes: até eles buscavam ‘ganhar prestfgio social para também se tornarem senhores de engenho. Conforme a indtistria acucareira se desenvol- vveu, 0 campo se ajustou a0 seu produto principal ¢ 8s suas necessidades. Gado, lenha e farinha de mandioca estavam todos ligados ao mundo dos engenhos, E no centro de tudo estava a safra de hove meses, com a qual 0 engenho operava dia e noite, moendo a cana e consumindo a lenha € as pessoas para produziragicare riqueza. “Um enge- rho de agicar € horror, ¢ todos os seus senhores séo maldites’, disse o jesuita Andrés de Gouvea, na Bahia, em 1627, Padre AntOnio Vieira fez uma comparasio do caldeirdo de cobre e da fumaca que subia das caldeiras com o inferno, Em um famoso sermio, ele equiparou os escravos do en- genho a paixio-de Cristo. ” Vieira era um realista, cujo irmao era dono de engenhos na Bahia. Ele conhecia bem a econo- ria da cama, Sempre reconheceu que a riqueza dlo agicar assegutava 0 erescimento do Brasil. O seu comércio garantia a Portugal a capacidade de se manter independente ¢ de defender o seu im- pétio contra as ameacas de conquistas dos holan- _deses invejosos ou a absorgio pela vizinha Castela, Mesmo que no fim do século XVII Vielra tenha reconhecido que a finta brasileira, 3s vezes, carre- agava Canals queixas que cainas®, ele, como as de- mais pessoas, viram que o agicar moldou 0 corpo 2 alma da colnia, suas virtudes e seus pecados, e deu importancia ao Brasil dentro do império de Portugal ¢ da economia global. Esse legado conti- ruaria de diversas formas bem depois de o acicar deixar de ser o principal produto brasileiro. H STUART B, SCHWARTZ E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE YALE (ELA) F AUTOR DE SEGREDOS INTERNS: ENGENHOS E ESCRAVOS NA SOCIEDADE COLONIAL, 1550-1635 (COMPANHIA DAS LETRAS, 195) f= MELADO ADOGANTE POPULAR PRODUGAO DE ComBUSTIVEL O melado é um liquido escuroedenso _acticar mascavo tomouse popular com A produso de lcool combustivel ou resuitante da etapa de centrifugacio da _o aumento das plantacées deagiicarno _etanol a partir da canadeagiicar produgdo do agticar.# menos calérico Caribe no século XVIIL Foi usado como _acompanhou o desenvolvimento da que o acticar refinado, sendo alimento adocante na Inglaterra e em suas colénias _inddstria automotiva no século XX. Na rico em vitaminas do complexo B, americanas, pois era muito mais barato _década de 1970, 0 coo! foi uma solugio cflcio, potissio, ferro. do que oaciicar branco. * rasileira alternativa ao uso do petréleo, b ' } SD DANIEL STRUM Commodity refinado ESPECIARIAS, LOUGAS, SEDAS, algoddes, mobilidrio ~~ o lucro com os maravilhosos produtos exéticos que Portugal fazia trazer das coldnias no Oriente comesou a ficar em segundo plano quando, na vira- da do século XVII, uma nova riqueza se consolidou ‘no comércio europeu: 0 acticar brasileiro. Nesses ‘mesmos anos, Amsterdé, antes uma praca mercan- til apenas mediana, transformouse no principal entreposto mercantil e financeiro do continente, Para esse vigor contribuiu bastante 0 agvcar. Individuos, empresas @ reinos comecavam a criar as bases para relagdes econémicas e juridicas aprimoradas e mesmo inéditas, que impulsiona- vam os setores vinculados ao agticar: da produgio a0 comércio, das lavouras aos mares, da exporta- ‘gio & reexportacio, do crédito aos seguros. No Brasil, que despontava como o principal produtor do Ocidente, seu comércio nio apenas -garantia 0s lueros da venéa, como proporcionava 4 diminuta populacio europeia (e europeizaca) da colénia acesso a uma série de artigos produzidos fora ~ em Portugal, nas ithas Atlanticas, no norte da Europa, do Mediterraneo, no Oriente e na Aft ca-como vinho, azeite, cereais, bacalhau, metais ¢ instrumentos, textis Enquanto isso, em Amstend, centro distri buidor do artigo no norte europeu, o mimero de refinarias aumentava vertiginosamente. Impor- tavase agiicar contra a revenda de produ‘os ma rnufaturados localmente, importados ou apenas transportados de outras regides europeias. E reex- portava-se para 0 norte da Europa ¢ mesmo para Civilizagao do acucarl Destaque paraa deanicar se Pra do espanho = Hepes deers No paris colon diculdades era erent para cr regar os mawos com © agar destnado a9 ‘cemerc transl No detane cen gra da segue, modes de compo tera com arpa € en tampe pars o# ces mas oft ado © Mediterraneo. Assim, toda a cadeia de producio desses setores era aquecida, dizeta ou indiretamen- te, pelo comércio agucareiro. ‘A produglo e a comercializagao de conteitos oces finos criaram todo um novo estatuto profis- sional, o dos confeiteiros. O refino de agicar conso- Tidou o dos refinadores. A docaria popular. majori- tariamente feminina, ajudava a sustentar familias ‘menos afortunadas ¢ permitia-thes consumir parte os artigos que 6 comércio internacional ofertava. Toda a sociabilidade da época tornowse mais Goce. Mimos de agticar eram utilizados nas rela- ies afetivas e familiares e nas de subordinagio € Glientela. Filhas, esposas e mesmo freiras busca- ‘vam agradar seus amados com doces. Aos escra- vos dos engenhos eram dados como merenda de coisas doces fornecida pela Santa Casa da Mise- ricérdia para consolar os penitentes. No entanto, ‘denunciado “sempre dava consolagio ¢ coisas doces ‘40s fariseus e nada ao da figura de Cristo”. (Os mares eram agitados. O negécio estimulava ‘transporte maritimo, a construcio naval e outros setores subsididrios. 0 transporte do agiicar, soli vel, era feito em navios & vela, fabricados com ma~ deira e guiados por astros ¢ sinais visiveis. Com ele viajavam outros produtos, passageitos, meios de agamento ¢ cartas. Enfrentavam intempéries, fa- thas humanas e, principalmente, agressbes decor- rentes dos conflitos entre as poténcias da época. Para prevenir prejuizos € mitigar 0s riscos ineren- ‘tes ao transporte maritimo, investia-se em treina- ‘mento, rotinas ¢ cuidados especiais, dispersio subprodutos nao comercializaveis da producio, de cargas, grandes navios bem armados, nave- além da aguardente. Nos Paises Baixos, senho- res de terras presenteavam. seus servos ou dependentes com pies de agticar, € os doces eram consumidos nas reunides as populares camaras de ret6rica - so- ciedades literérias que promoviam pecas teatrais e declamagio de poesias. 0 doce associavase a muiltiplos rituais, piblicos e reservados, das mais diversas ins- titulgdes laicas e religiosas. Na primeira visi- tagdo do Santo Oficio ao Brasil, em 1591, o je- suita Luiz da Grd denunciou um mestre de act {gaGio em frota e comboios escoltados por na- vios de guerra. Os altos custos dessas medidas Vinhaun acompanhados da aquisigdo de seguros (¢ do consequente pagamento de prémios), cujo uso cresciae se aper- | feicoava (Os mereadores tinham que adminis- tar intrincadas transagées. 0 dinheiro era feito de metais preciosos amoedados. 0 que redundava em falsificagdes e depreciae 8es. O acicar era uma commodity e, portanto, podia substituir as moedas como meio de pagit- ‘cares da capitania de Sao Vicente acusado ‘mento, o que nao diminua a complexida- de acreditar no judaismo em segredo. Em uma procissio celebrando a Paixio de Cristo, levavam imagens de Jesus e de fariseus. O mesire de agticares carregava uma caixa PEL, de do negécio. As moedas e mescadorias Juntavamse diferentes instrumentos de dito, Os ttules de crédito - como le tuas de climb e notas promissérias ~aumentavam 4 Liquidez dos mercadores e ampliavam 0 volume €.a velocidade das transagées. Em paralelo as ati vidadles comerciais, os mercadores também realizavam e recebiam agamentos por ordem de seus ‘correspondentes e de terceiros, ge- rando um protossistema bancdrio. ‘Na tiltima década do século XVI e nas duas oe ‘Amsterda instituigdes como a Bolsa, o Banco de Cambio ~ embrigo de uma espécie de | Banco Central - e a Camara de Seguros, ‘que regulava o setor ¢ reduzia 0s riscos fs custos para seguradores e segurados. As agdes a Companhia das indias Orientais permitiam 2 germinagio do mercado de valores. Esses progres 808 repercutiam na reducio das taxas de juros € dos seguros ao longo da rota do acticar. Mercadores dependiam de seus agentes para nio terem de viajar, eles mesmos, a outras pragas e 1 vender e comprar mercadorias, receber © pagar, cobrar dividas ¢ liquidar contas, contratar trans- ortes € outros servicos. Deleyar essas fancées fazia-os sujeitos ao oportunismo e a desonestidade dos agentes, assim como de devedores,transporta- dores, fomnecedores e seguradores. Contavam, para sua protegao, com a considerivel capacidade dos tribunals, de diferentes algadas, de fazerem valer as normas e as obrigagdes. Um morador da aldeia de Linhares, no interior de Portugal, garantiu seus direitos contra um devedor inadimplente em Per- nambuco fazendo com que o juiz da alfindega do Porto embargasse agicares e os mandasse deposi- tar sob os cuidados de dois mercadores portuenses. © credor de Linhares instrufa seus procuradores na cidade ~ um advogado, dois mercadores e um

Você também pode gostar