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HISTORIA PUBLICA E CONSCIENCIA HISTORICA Sara Albieri A expressio “histéria publica” pode ser entendida de varias maneiras. De ime- diato, ela evoca a ideia de acesso irrestrito, isto é, de um conhecimento histérico franqueado a todos. Especialmente em nossos dias, entende-se que clausuras se- rao abertas e que informagées, antes censuradas ou veladas, doravante ocuparao espacos de dominio publico. Um exemplo é a expectativa em torno da abertu- ra para consulta de documentos pertencentes a arquivos de acesso restrito, tais como processos judiciais e militares, prontudrios e dossiés produzidos por 6rgaos de inteligéncia. A historiografia do Brasil contemporaneo viveu um periodo de grande efervescéncia com a abertura dos arquivos militares e policiais relaciona- dos a opositores do regime e presos politicos. Vale notar que, nesses casos, a publicacao nao é de interesse apenas para 0 trabalho historiografico, mas, com frequéncia, é reivindicada em meio a discus- sao de direitos politicos ou civis. O interesse histérico mistura-se 4 agenda de movimentos sociais, e a manifestacao desse interesse vem por vezes impregnada das paixdes que mobilizam os grupos que reivindicam a publicacao. Algumas vezes, a clausura é de outra ordem: aquela dos arquivos pessoais. Trata-se da documentacao relacionada a alguém, transformado pelas circuns- tancias em agente historico, que passa a ser relevante para a pesquisa historica. Nesses casos, as reticéncias provém em geral do segredo de familia, quando os Préprios atores sociais, seus parentes ou amigos, relutam em liberar 0 acesso de Pesquisadores a correspondéncias, didrios, anotacdes e papéis pessoais (ou mes- Introducdo a Historia Publica mo de interesse publico) que estejam sob sua guarda. Reivindicar a publicacdo desse tipo de informacao excede o tratamento exclusivamente historiografico, passando a envolver também questées éticas. Quando a memaria pessoal se entrelaca com aquela da vida piiblica, poe-se a questo do direito de alguém selecionar o que poderd ou nao vir a publico, por exemplo, para preservar a integridade de uma reputacao, ou de uma versao his- toriografica ja publicada, ou mesmo para evitar o comprometimento de outras pessoas, vivas ou mortas, relacionadas ao caso sob escrutinio. Até que ponto é HA outras formas de compreender a histéria publica. E frequente que ela seja pensada como um processo continuo de publicagao, que pode ser posto em movimento, ampliado, acelerado, nos muitos modos que poderiam ser reunidos sob a designacao “educagao histérica” - para comegar, o ensino convencional de histéria enquanto disciplina do curriculo escolar. Podemos constatar a preocupacao dos educadores nao apenas com os mo- dos de despertar o interesse dos jovens por historia, mas também com o tipo de historia que deve ser apresentado na vida escolar. Uma parte dessa preocupacao é transferida para a producao do livro didatico. Essa é uma forma de publicacao histérica extremamente importante e influente, j4 que 0 estabelecimento de um contetdo curricular e sua expressao no texto didatico acabam por balizar a edu- cacao histérica basica, aquela que sera decisiva na constituicao da concepcao de histéria mais disseminada numa cultura. Enquanto apresenta¢ao e narracao de um passado comum, as aulas de his- toria publicizam concepcdes em vigor na Academia. Ha algumas décadas, os livros didaticos costumavam enaltecer os grandes homens e os grandes feitos, e encorajar a memorizac4o de nomes e datas, como um tipo de conhecimento imprescindivel para a construcao do sentimento nacional de pertencimento, o qual deveria ser exigido de todos. Com a reformulagao da concep¢ao académica de historiografia, apresenta-se aos estudantes narra¢ées do passado que incluem descricées das instituicdes sociais, dos costumes e da cultura, ampliando assim a compreensio da vida politica - a qual, de todo modo, ainda aparece como 0 eixo Historia publica e consciéncia historica | 21 aglutinador desses outros componentes historiograficos. Os livros didaticos re- presentam entdo uma das formas mais poderosas de publicacao da Histéria. Eles sao responsaveis pela ideia de Histdria que impregna o senso comum de uma cul- tura e de um povo. E embora a producao didatica esteja estreitamente associada as discussées historiograficas académicas, também reflete suas idiossincrasias, transmitidas dogmaticamente nos bancos escolares. Outra forma instituida de publicacdo da Histéria esta ligada aos “lugares da meméria”:’ museus, monumentos e sitios histdricos sio objeto de politicas de conserva¢ao, restauracao, exposicao e visitacao. Com frequéncia, se engendram esforcos para que esse patriménio cultural seja aberto a algum tipo de divulgacao maior. Buscam-se modos de aproveitar esse acervo de maneiras mais abrangen- tes, que atinjam um maior numero de pessoas; formas de tornar acessivel a um publico comum, nao académico, um tipo de patriménio e de informa¢ao que, de inicio, seria uma espécie de propriedade intelectual dos especialistas - como encarregados de identificar 0 patriménio histérico e recomendar os melhores modos de sua preservacao. Em vez disso, pretende-se ampliar o acesso a estas informagées, ou a uma parte delas, a um ptiblico que, de outro modo, seria priva- do desses bens culturais. Exposicées didaticas e visitas guiadas visam colocar 0 publico em contato com um passado que, em geral, é apresentado como heranca comum a todos. Outro aspecto da educacao histérica esta associado a divulgagao cientifica da historia por meio de documentarios, filmes de carater histérico, livros roman- ceados com pano de fundo histérico, histérias em quadrinhos ambientadas his- toricamente. Sao outras tantas as formas de publicacao da histéria presentes na cultura comum, que por vezes merecem reflexao quanto aos contetidos historicos que veiculam. O cenario de publicacao da histéria é amplo e diversificado. Isto 6, é como se a historiografia académica — aquela que é produzida como ciéncia pelos especia- listas - vazasse por muitos poros, e formasse uma intrincada rede de vasos co- municantes que sustenta e alimenta a visao comum do que é a histéria. O peque- 1. A expressio foi consagrada por Pierre Nora, historiador francés contemporaneo, que dirigiu a obra Les lieux de mémoire, trés volumes destinados a fornecer um inventario dos lugares e objetos nos quais se encarna a meméria nacional francesa. Introdugao a Histéria Publica no inventario até aqui realizado visou esbocar os contornos e os principais veios desse cenario. A partir dele, podemos propor alguns problemas para reflexao. O primeiro pée em questdo a concep¢ao de que, antes de tornar-se publico, o conhecimento historico se acumula ocultamente, assumindo uma forma pre- cisa. Trata-se de uma concep¢ao do conhecimento histérico como algo objetivo, cumulativo, que possa ser controlado e possuido por alguém. Nesta concepsao, esta embutida a crenca de que aquilo que esta guardado contém algum tipo de verdade objetiva e inequivoca. E como se 0 acesso a certos documentos fosse tudo o que falta para que a revelac4o iluminadora da verdade histérica finalmen- te ocorra. Ora, essa ja é uma visdo da histéria que contém certo cacoete acadé- mico tedrico-metodolégico, que nao é facilmente identificado nem pelo publi- co comum nem pelos responséveis pela divulgacao da histéria. Tal pressuposto tedrico passa em geral despercebido por aqueles que clamam pela abertura de acervos e arquivos, que questionam contetidos de livros didaticos, ou discutem a acuracia da narracao histérica em filmes e novelas - por exemplo, o recente deba- te critico em torno de Dan Brown e do filme baseado em seu best-seller. Todas essas criticas, clamores e reivindicagées parecem tomar por suposto que, nao fosse pelo enclausuramento, bem como pelos desvios ou apropriacdes indevidas, o conhecimento histérico estaria puro, cristalino, intacto, correto, embora escondido em algum lugar por algum agente malévolo. A publicacdo é considerada um ato simples, como se consistisse apenas em mostrar ou trazer a luz aquilo que estava antes escondido. Neste ponto, caberia ao historiador pro- fissional efetuar a correcao de curso nos caminhos da histéria publica, porque ele, mais do que ninguém, estaria ciente do papel fundamental do intérprete no tratamento das “fontes” - documentos, objetos, depoimentos e tantas outras formas em que pode se apresentar a evidéncia histérica Quando se vé a histéria publicada, nao se pode esquecer que a omissao ou adaptagao de informagées faz parte do processo de publicaco; isto é, cabe ao intérprete decidir previamente o que vai ou nao fazer parte do corpo histérico divulgado. Além disso, 0 processo de corregéo daquilo que foi publicado 6, ja, uma interpretacao histérica, dado que quem corrige tem também uma opiniao. A corre¢do carrega as marcas da interpretacao. 2. Ver O cédigo da Vinci (2003), adaptado em filme em 2006 sob o mesmo titulo. Historia publica e consciéncia histérica | 23 Por “marcas da interpretacao”, porém, nao se quer dizer que interpretar é um ato de absoluta liberdade da imaginacao. Alguém que cuida da interpretacao historica esta, na verdade, trabalhando segundo uma heranga disciplinar de mé- todos, definicao de objetos, concep¢ées tedricas de como situar essa atividade. Quando se corrige e se critica, quando ha acesso, finalmente, as tais fontes escondidas, quando se avalia um filme de divulgacao ou um livro didatico, todas essas interven¢ées sao ~ e devem ser - balizadas por uma concepco, quer com- plementar ou concorrente daquela outra, implicita na obra criticada. Nesse caso, as redes académicas de produao historiografica se constituiriam como uma es- pécie de forum de controle epistémico do que chega ao publico como divulgacao histérica. Si Creio ser mais que tempo de estabelecermos as pontes de comunica¢ao entre 0 saber académico e o trabalho dos divulgadores. O termo divulgagdo, creio, tem uma conotac4o muito mais pejorativa nas Ciéncias Humanas do que nas Ciéncias Naturais ou Exatas, que j4 convivem com a divulgacao cientifica ha muito tempo. Inclusive, com frequéncia o divulgador 6, a0 mesmo tempo, um cientista respei- tado. E 0 caso do fisico Carl Sagan e do bidlogo Stephen Jay Gould, autores de indmeros best-sellers. No Brasil, o fisico Marcelo Gleiser e 0 médico Drauzio Va- rella ocuparam com sucesso 0 espaco da divulgacao cientifica na TV, nos jornais e nos livros. Nem sempre o divulgador é um escritor de tiltima hora, que apanha as rebarbas da produsao cientifica e as traz para o grande publico de modo irres- ponsével. Existe uma producio de bom nivel, legivel e acessivel para um publico nao especializado, perfeitamente adequada ao territério intermedidrio entre a cultura comum e aquela especializada, produzida na Academia. Talvez a passagem do conhecimento académico para a divulgacao seja mais facilmente aceita no caso das Ciéncias Naturais, por tratar-se, via de regra, de um conhecimento altamente matematizado e expresso num jatgao bastante hermé- Introducdo a Historia Publica tico. A divulga¢ao parece necessaria para garantir a compreensao, até mesmo, de académicos de Areas diversas, completamente leigos fora de suas areas de espe- cializagao. Talvez por isso a divulgacao cientifica seja uma atividade respeitada, merecendo prémios de reconhecimento de qualidade. Nao por acaso, o jornalista que trabalha com ciéncia recebe classificagao propria, j4 que tem que desenvolver conhecimentos especificos para produzir comentarios adequados. No caso das ciéncias do homem, talvez devido a quase auséncia de recursos matemiticos e ao vocabulario semelhante a linguagem comum, tende-se a con- siderar que 0 acesso a esse tipo de conhecimento ndo precisa de mediacao. Essa concep¢ao pode ser ilustrada por um comportamento bastante comum dentro da Academia. Por exemplo, alguém que estuda Hist6ria cré poder recorrer sem dificuldades a uma literatura de Antropologia, ou aprender Filosofia como leitura de cabeceira: uma vez dentro das humanidades, cremos poder nos reinventar enquanto cientistas sociais, fildsofos ou tedricos da literatura sem enfrentar as dificuldades das formagées especificas, como se, nesse campo, os saberes fos- sem facilmente intercambidveis. Na vivéncia cotidiana, os préprios académicos com frequéncia nao respeitam a complexidade dos esforcos de cada drea para constituir seu cabedal tedrico, a massa interpretativa de seus temas e problemas - como se fosse possivel embarcar de ultima hora numa complexa atividade in- vestigativa, sem maiores apresentacées. Esses desvios de compreensao propiciam novos equivocos quando se trata do trabalho de divulgacao ou de publicacao. Nao ha clareza quanto a fronteiras ou vias para o tratamento epistémico dessa producao. Aquele que desejar apoio aca- démico para a divulga¢ao do conhecimento tera, muitas vezes, que improvisar os meios para garimpar suas informacées. Inversamente, se um membro da Acade- mia se prestar a esse auxilio ou resolver dedicar-se pessoalmente a atividades de publicacao, teré que enfrentar os comentarios depreciativos dos colegas. Trata-se de uma manifestacao de poder disciplinar mal dirigida, justamente pela auséncia de clareza quanto a natureza e contornos dos saberes académicos. O exemplo dos pesquisadores da natureza pode ser um bom guia nessas questées. Afinal, eles administram bastante bem o seu convivio com divulga¢ao e ficcao, e ha bastante tempo. A fic¢do cientifica é um género literdrio muito apre- ciado; contudo, requer muito trabalho elaborar uma construc4o da imaginagéo que, ao mesmo tempo, seja bem fundada no solo de conhecimentos compartilha- Historia publica e consciéncia historica 25 do pelos cientistas. Assim, embora se trate de uma projecdo da imaginacao para o futuro ou para outros mundos, tal produgao ficcional é dita cientifica porque nao contraria o que a ciéncia admite como possivel, ainda que em algum nivel de especulac4o. Ora, por que nao caracterizar de modo andlogo a literatura de inspiragao hist6rica? Por que nao poderia ser bem aceita nessa condicao: de fic- ¢do cientifica de tipo histérico? Ainda, com mais razao, deveriam ser acolhidas as. producées mais sérias, assumidamente de nao ficcao, elaboradas em linguagem acessivel para um piblico mais amplo. E tempo de argumentar a favor da respeitabilidade dos géneros “divulgacao historica’”, “ficcao histérica”, “historia didatica”, de todas as formas de publicacao historica. A unica divulgacao da pesquisa que a Academia aceita e encoraja é a pu- blicagdo em periédicos e livros destinados a comunidade cientifica stricto sensu: os leitores sao interlocutores especializados, ligados 4 vida académica. E, contu- do, produzir ficc4o ou divulgagao cientifica, assim como elaborar livros didaticos, exige muito empenho, porque nao é facil dizer de modo simples o essencial; o processo de publicacao envolve decisdes cruciais de selecao e reescrita na massa de informacio e de interpretagdo académica disponivel. Quando bem feito, nao se trata de um trabalho de “recorte-e-cole” visando a producao em massa, mas de uma tarefa que exige engenho e arte. E mister que a Academia reconheca esses caminhos de publicagao, nao sé como espacos nos quais seus préprios profis- sionais possam atuar sem qualquer reprovacao ou embaraco, mas como o lugar privilegiado de didlogo entre a Academia e a recepco social de seu trabalho. Penso que deveriamos nos empenhar pelo reconhecimento das formas de publicagdo histérica como formas que podem perfeitamente emanar da Acade- mia ou andar de maos dadas com a historiografia académica. Nao é preciso que esta seja uma relacdo hostil e conflitante. Para ajudar a pensar essa conciliacdo e essa passagem, poderiamos invocar um conceito filoséfico - 0 de consciéncia histérica. A expressao designa o modo como os seres humanos interpretam a experi- éncia da evolucao temporal de si mesmos e do mundo em que vivem. A preocu- Pagao de fazer referéncia a uma experiéncia tipicamente humana do mundo esta Presente no pensamento alemao, pelo menos, desde o Romantismo, e aparece na reflexao de Hegel, Dilthey, Husserl e Benjamin. Pode-se especular que, de certa forma, essa preocupa¢ao continuada era compativel com o processo de forma¢io Introdugao a Histéria Publica da nagao alema, concluido nas ultimas décadas do século XIX. Com efeito, a cons- trucao da identidade nacional ale de inicio nao vem das fronteiras desenhadas enem de um poder politico tinico. Ela ¢ reivindicada, sobretudo por intelectuais, a partir da unidade da lingua e da cultura, e é conduzida por uma historicidade peculiar - do “espirito do povo” - aquela dos usos e costumes, dos modos de habitar 0 espaco, de pensar o mundo, que caracterizam muito mais uma historia da sociedade e da cultura do que os métodos da historiografia politica, na época em ascensao nas academias. E preciso entao desenvolver as artes do intérprete para ler, nas marcas da ac4o humana sobre o mundo fisico, os sinais simbélicos das intengées do espirito, dos projetos que recriam a cada vez a ordem das coisas, reinventando o passado e visando sempre o futuro. A proposta académica para a unificagao alema é fundada sobre uma hermenéutica da cultura. E certo que o processo de formagao dos estados nacionais foi, em geral, acompanhado do empenho em reunir um cabedal de memoria coletiva, justa- mente para legar a cada na¢ao seu patriménio histérico. A construgdo de um passado, nos estados nacionais, é uma atividade constante de funda¢ao mitica, de justificagao de fronteiras e de legitimagao de governos. E quem recebe essa heranga historica junto com a nacionalidade é instado a reconhecé-la sob a forma material de nomes, datas, lugares, episddios, cores. Relatos expressos em signos que podem ser percebidos pelos sentidos, reconhecidos visualmente, podem ser tocados: a historia dos herdis, dos pais fundadores, das grandes guerras, dos epi- sédios de independéncia e de libertacao, das proclamagées, das bandeiras e dos hinos, é oferecida como um leque de icones palpaveis. Mas a manifestacao da consciéncia historica se da culturalmente; ela é pré- via e mais fundamental que os simbolos sensérios que se impdem a imaginacao coletiva para a constituigao de memérias hist6ricas determinadas. Ela evoca uma condi¢ao primeva da humanidade, aquela de organizar historicamente a experi- éncia do mundo. Segundo esse pressuposto, a prética historica seria muito mais Nos anos recentes, Reinhart Koselleck e Jérn Riisen trataram da experiéncia do tempo e de sua tessitura de intengées e expectativas, constitutivas das agées Historia publica e consciéncia histérica 7 humanas. Ela esta inscrita no modo de o homem se colocar diante das coisas, de agir social ou culturalmente. Os pensadores alemaes contemporaneos, que her- daram essa categoria da consciéncia histérica pensada e desenvolvida em muita literatura académica, comentam, por exemplo, a questao dos ditos “povos sem historia”. Trata-se de uma ideia posta em voga pela historiografia do século XIX, aquela que se tornou uma 4rea disciplinar na Academia e que formou os pressu- postos das escolas historicas até os dias de hoje. Tudo se teria passado como se s6 a Europa tivesse buscado sua historia; assim, se a Europa colonizou outros con- tinentes, esses povos teriam sua histéria contada conforme a tradicao cultural europeia. Ademais, essa tradi¢ao seria também aquela que dita o modelo do toriar, dai a suposta auséncia de qualquer histéria em outras culturas e tradicées. O interessante é que, mesmo com a revisao desse modelo historiografico, j4 em curso hd algumas décadas, e com a consequente valoriza¢ao das culturas que fi- caram A margem desse historiar, continua a parecer adequado falar desses povos com qualquer outro vocabulario, menos aquele da histéria. Ou seja, trocam-se os valores - de positivo para negativo - mas permanece a concep¢4o de que, frente a essas culturas, estamos diante de algo externo ao historiar, que, contudo, deve ser levado a sério, embora com outros métodos. Ora, a ideia de consciéncia histérica permite empreender a interpretacao das diferentes culturas segundo um principio universal dado na condigao hu- entre'as’maltiplas formas de dar sentido as coisas no tempo, Tais manifestacées também fazem parte do cotidiano: os Albuns de familia, as memérias de infancia as narrativas dos antepassados constituem outros tantos modos de historiar, plenos de mitos e ritos. Quando se faz ciéncia, o historiar metodiza e corrige 0 dado na cancciéncia histdrica_ O recurso a nogao de consciéncia historica permite fundamentar filosofica- mente a passagem da histéria académica para a historia publica. Trata-se de uma visdo tedrica, que reconhece na condicao humana o pressuposto historico: pen- samos e falamos historicamente, e esse é o modo pelo qual nos posicionamos na cultura. Assim identificamos 0 mundo ao nosso redor, assim construimos nossa

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