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Vale a pena ler de novo - 2022

328 - janeiro de 2023


Sumário
Editorial
Editorial

Temática
​ retorno de Ulisses e a primavera - Robson de Freitas Pereira
O
Nomear o espectro - Alexei Conte Indursky e Norton Cezar Dal Follo da Rosa Jr
Nunca mais! - Gerson Smiech Pinho
Sinais (A Roda dos Expostos e as Safe Haven Baby Boxes) - Marcia H. de M. Ribeiro
Portas e limiares - Lucia Serrano Pereira
A irresistível tentação de ser produto - Luciano Mattuella
A língua de Ariane Mnouchkine, eu ouvi - Alfredo Gil
Sessão única: uma escrita inacabada sobre os paradoxos do amor - Volnei Antonio Dassoler

Debates
​Kiss, 10 anos: tão longe, tão perto - Volnei Dassoler e Vanessa Solis Pereira
Editorial
Editorial
Mais um janeiro! Mais um novo ano que se inicia. Marcamos o tempo com essa cronologia e, ritualisticamente, na virada do ano,
costumamos fazer uma retrospectiva, uma avaliação das nossas perdas e conquistas, tanto individuais quanto coletivas. Depositamos
esperanças no ano que se inicia, desejando que seja possível fazer novas escolhas, mas podendo reconhecer e refletir criticamente
acerca do caminho que nos trouxe até aqui.

Os textos do Correio Vale a Pena Ler de Novo foram publicados na coluna da APPOA no Jornal Sul21 no ano que passou e
escolhidos pelos próprios autores para comporem esta edição. São escritos que recuperam temas e nos ajudam a fazer memória do
vivido.

Se nos anos anteriores muito se falou sobre os tempos pandêmicos e seus efeitos, este ano, os temas versaram mais sobre memória,
ditadura, fascismo, totalitarismo, frestas, aberturas, sonhos, saídas, amor. Ano de eleições, momento de rever nossa história para
construir um amanhã mais humanitário e menos sombrio.

Convidamos, assim, à releitura destes escritos que nos relembram acontecimentos que marcaram o ano de 2022, que conjugam
psicanálise e arte e, também, que trazem reflexões acerca das modalidades do laço social atual.

Na seção Debates, em memória aos 10 anos da tragédia da boate Kiss, contamos com o escrito dos colegas Volnei Dassoler e
Vanessa Solis Pereira, de Santa Maria, dando visibilidade à dimensão coletiva deste trauma, bem como às elaborações que a
experiência partilhada nos permite.

Desejamos a todos uma boa leitura e um feliz ano novo. Esse, de fato, com ares novos, mais respiráveis, mais esperançosos!
Temática
​O retorno de Ulisses e a primavera
Robson de Freitas Pereira

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 5 de junho de 2022.

“eu, tu e todos no mundo/no fundo/ tememos por nosso futuro/

Et e todos os santos valei-nos, livrai-nos desse tempo escuro”

Gilberto Gil[1]

A história é bem conhecida, faz parte de uma das poucas grandes narrativas que ainda se sustentam nos tempos atuais. Na Odisseia,
em determinado momento de suas navegações, Ulisses desce aos infernos. Vai em busca de respostas, entre elas como conseguir
retornar são e salvo a Ítaca, reconquistar sua casa, reencontrar o filho - Telêmaco e a mulher que o espera, Penélope.

No reino de Hades (e morada dos mortos), consegue a autorização dos deuses para ultrapassar os perigos em segurança. Porém,
com uma condição: depois da reconquista, terá mais uma tarefa a cumprir. Isto, ele escuta nas palavras proferidas pelo vidente
Tirésias: “Se conseguires refrear a cobiça e a dos teus companheiros, à pátria hás de ir ter estremada… quando, porém, no interior do
palácio tiveres matado os pretendentes, com bronze afiado, ... põe-te de novo a caminho, com um remo de fácil manejo, até te
encontrares no meio de seres que o mar nunca viram, que por costume não tenham com sal temperar a comida e desconheçam
navios dotados de proa vermelha, bem como remos de fácil manejo, que às naus servem de asas. Dar-te-ei um bem visível sinal, que
não deves deixar passar logo que outro homem no mesmo caminho que o teu encontrares, e te disser que uma pá de espalhar grãos
de trigo carregas, crava, então, nesse lugar o teu remo de fácil manejo, e sacrifícios esplêndidos logo oferece a Poseidon… Volta,
depois, para casa e oferece hecatombes sagradas às divindades eternas, que moram no céu espaçoso, a todas elas, por ordem.
Distante do mar há de a Morte te surpreender por maneira mui doce e suave[2]...”

Depois de retornar a salvo e reaver seus domínios, Ulisses divide com Penélope a profecia que contém a tarefa a ser cumprida: levar
um remo nos ombros até uma terra tão distante que os habitantes não conheçam o mar, tampouco tenham os mesmos costumes e
confundam o remo -instrumento de navegação com uma pá- utensílio que serve para trabalhar a terra. A esposa o acalma dizendo:
“Se uma velhice assim calma, de fato, te foi prometida, é de esperar que consigas vencer todos esses trabalhos.”

Do muito que já foi escrito sobre a jornada de Odisseu e sua esperteza na guerra contra Tróia (Ilíada) onde inventou o famoso
“cavalo” que levou os gregos à vitória, e nos dez anos cheios de peripécias necessários para retornar a sua terra natal, ficamos com
esta última tarefa. Pagar uma dívida com os deuses é conseguir apresentar um instrumento fundamental para si, mesmo que aos
outros pareça completamente desconhecido. Ou melhor, que o utensílio que carrega nos ombros possa ser confundido com outra
coisa, que tenha uma função de arar a terra, ao invés de possibilitar a navegação. Em suma, que os objetos possam receber uma
nomeação diferente da que estamos acostumados e, nem por isto, aquele que o carrega seja nosso inimigo e tenha que ser
destruído. O exercício de um diálogo passa pelo reconhecimento do outro, mesmo que ele aparentemente fale outra língua e tenha
outros costumes. Aceitar o equívoco talvez seja nossa chance de recomeçar. Fazer o luto pelas experiências passadas, muitas delas
dolorosas, com perdas inestimáveis por vezes.

A mitologia e a história vêm em nosso auxílio porque estão repletas de derrotas que transmitiram a semente de uma transformação.
Prometeu e Atlas, dois titãs que se insurgiram, foram derrotados e sofreram castigos pela eternidade. Porém, conseguiram transmitir o
domínio do fogo e a sabedoria para a humanidade. O desejo de mudança pode ser evanescente, mas não se apaga facilmente. Ao
contrário, persiste, nos fragmentos, nas memórias, nas brechas que testemunham as fissuras daquilo que busca se impor pela
violência. A dívida de Ulisses é simbólica- com seus deuses, sua família, sua comunidade e tem força de lei.

Estamos no inverno, ainda. Mas a preparação da primavera começa a cada dia. Em todos os momentos em que vislumbramos,
compartilhamos com outros nosso desejo de recomeçar. Apesar do medo e da incerteza. O futuro não está garantido, mas por isto
mesmo, começa a se desenhar com nosso compromisso de desejar o impossível de “ter olhos pra ver/a maldade desaparecer”[3].

Autor: Robson de Freitas Pereira

Robson de Freitas Pereira é psicanalista - APPOA.

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 5 de junho de 2022.

[1] “Extra”, Gilberto Gil, canção do álbum homônimo de 1983

[2] Homero, Odisseia, canto XI: consultando os mortos. Tradução Carlos Alberto Nunes. Nova Fronteira. RJ.

[3] “Juízo final”, composição de Nelson Cavaquinho

Nomear o espectro
Alexei Conte Indursky e Norton Cezar Dal Follo da Rosa Jr
Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 29 de novembro de 2022.

Yad Vashem Photo Archive - Pessoas observam oficial nazista atacar loja de um judeu

Quando Elisheva Avital abriu um esquecido álbum de fotografia de seu avô – um soldado norte-americano
[1]
que servira ao exército
alemão na década de trinta – ela sentiu como se “tivessem queimado um buraco em suas mãos” . Ela se deparava com um dos raros
registros que mostravam as polícias alemãs em ação no emblemático acontecimento que ficou conhecido como a Kristallnacht, “A
noite dos cristais quebrados”. Ocorrida há oitenta e quatro anos, nessa noite, milhares de casas, lojas e sinagogas foram depredadas
e queimadas, dezenas de judeus foram assassinados e outros milhares foram forçados a deslocarem-se a guetos e, mais tarde, a
campos de trabalhos forçados.

Yad Vashem Photo Archive - Oficiais nazistas carregando livros, supostamente para serem queimados

Como é sabido, “A noite dos cristais” passou para a história como um dos marcos iniciais do Holocausto, em que mais de seis milhões
de pessoas (judias, ciganas, comunistas, com deficiência, gays, lésbicas, trans, negras) seriam exterminadas de forma sistemática e
planejada pelo governo nazista alemão. O que pouco se fala hoje é que a versão oficial fabricada pelo governo à época é de que se
trataria de uma reação espontânea de revolta da população ao assassinato do então diplomata alemão Ernst von Rath em Paris, pelo
jovem judeu revolucionário, Herschel Grynszpan. O que se procurava ocultar não era apenas a participação direta do governo nazista
em um dos primeiros pogroms contra judeus e comunistas alemães, mas igualmente que essa onda de violência era resultado direto
das formas discriminatórias inauguradas pelas Leis Raciais de 1933, em que os ditos “cidadãos de segunda classe” deveriam ter suas
casas marcadas com estrela de Davi, sua circulação restrita a partes específicas das cidades e seus comércios boicotados pelos
cidadãos arianos de bem.

No momento em que testemunhamos absortos a revolta de certos brasileiros com o resultado da eleição à Presidência da República,
convém refletirmos sobre o que está em jogo nessas manifestações que oscilam entre o ridículo e o que há de mais perverso na
cultura. Os ditos “patriotas”, além de se insurgirem em diversos atos antidemocráticos, clamam na frente dos quartéis em busca do
espectro das fardas, pedindo intervenção militar e um atestado para declarar a falta de legitimidade das urnas. Ora, eles esqueceram
o quanto as ditas forças armadas foram peritas em inviabilizar eleições em mais de duas décadas no nosso país? Como se não
bastasse esse clamor por engraxar coturnos, os autointitulados “homens de bem” chegaram ao absurdo de exigirem que os
“esquerdistas”, proprietários de estabelecimentos comerciais, deveriam pintar a estrela vermelha na frente do próprio comércio.

Como disse Derrida, um fantasma é sempre um retornante. Neste caso, ele retorna dos escombros do nazi-fascismo e de uma
ditadura que ainda não foi, mas precisa ser, passada a limpo.

Ainda que as palavras sejam insuficientes para dar algum sentido diante desse horror, é necessário buscar encontrá-las, apesar de
tudo. E, embora possamos reconhecer um método nessa junção entre paranoia e perversão, precisaremos de alguns anos para
compreender o que estamos atravessando.

Tamanha barbárie facilmente é tomada como bizarrice sem grandes consequências. No entanto, como psicanalistas, nos cabe fazer
duas ponderações. Primeira, esses supostos “homens de bem”, ou melhor, a serviços dos bens, podem encarnar as mais diversas
tiranias; segunda, certos espectros traumáticos da nossa história, quando não elaborados, estão sujeitos a retornarem através de
formas nefastas e abjetas. Nas últimas semanas, tomamos conhecimento da preocupação de alguns colegas por terem sido incluídos
numa lista de boicote, elaborada para identificar, agrupar e desmoralizar os “esquerdistas” da cidade. Os nomes, as histórias, as
trajetórias, transformaram-se em signos do mal a serem eliminados e extirpados em uma espécie de purificação revolucionária. A
submissão cega ao tirano que habita em cada um impede a capacidade de pensar, podendo engendrar atrocidades de diferentes
naturezas.
Alguns irão ponderar que não há nada de novo aqui, afinal o discurso bolsonarista sempre se nutriu do ódio, da lógica do bode
expiatório e da promessa de um golpe que abolisse a autonomia dos poderes da república. Há inclusive aqueles que chegaram a
propor que, após a derrota no pleito, deveríamos passar a nomear a turba patriótica de “extrema direita”, sugerindo um suposto
declínio do bolsonarismo.

Propomos aqui uma outra leitura: a desaparição – perversamente calculada – do líder e a autorização de seus seguidores às piores
violências em seu nome é um momento de afirmação crucial do neofascismo bolsonarista, uma espécie de emergência de uma
verdade. Mas que verdade é essa? Trata-se da emergência daquilo que estava colocado no discurso, na palavra, na promessa do
líder e quando este perde, desaparece e emudece, ressurge na dimensão do ato. A segregação, o assassinato político, o fanatismo
que muitos apoiadores defendiam não passar de um mero jogo de retórica, estão agora escancarados à luz do dia e colocados em
ato. Repitamos: este não é um efeito adverso, mas um momento de verdade do bolsonarismo

Portanto, se cedermos da nomeação do bolsonarismo como neofascista, se quedarmo-nos rindo complacentes aos crimes cometidos,
ou ainda aceitarmos esse apagamento calculado, estaremos coletivamente autorizando a normalização do neofascismo em nossa
cultura.

Talvez seja o caso de lembrarmos da importância do ato de nomear. Nomear é o primeiro passo que dispomos para que possamos
nos responsabilizar por algo que aconteceu. Nomeamos algo para construir coletivamente um laço compartilhado, para evitar que
cada um habite uma loucura privada, sem limiar de alteridade, para que através da linguagem construamos um comum. Na
contramão disso, a segregação neofascista vem incidir sobre o real, marcar a ferro em brasa um signo do mal, impor uma diferença,
autorizar sua eliminação, matar o nome.

Não por acaso os militares brasileiros se esforçaram ao longo desses anos em apagar os nomes, impossibilitar que soubéssemos
quem foram os torturadores, julgá-los e construir assim uma política alicerçada na memória, ao invés do esquecimento e da mentira.
Impedir uma nomeação, relegar ao silenciamento, eis a estratégia perversa do poder para interditar o luto em sua dimensão pública e
política. Nesse sentido, a desaparição de Bolsonaro é perversa porque visa deliberadamente essa interdição. Ao desaparecer,
Bolsonaro age para que seus seguidores sigam mobilizados, para que a revolta, dita espontânea, não leve ao reconhecimento da
perda do pleito, como no luto normal, mas seja o afeto principal do neofascismo brasileiro. A revolta baseada na recusa do nosso laço
compartilhado, instrumentalizada por certos agentes públicos e financiada por certos empresários.

Nomear o neofascismo brasileiro e seus partícipes é, portanto, o primeiro passo para nos responsabilizarmos e julgarmos os crimes
que estão sendo cometidos sem cessar no Brasil. Não precisamos mais esperar oitenta anos para que fotos como as de Elisheva nos
revelem tais pactos espúrios. Está tudo registrado em vídeos compartilhados Brasil afora. E nossas mãos estão constantemente em
brasas.

Os anos que se anunciam em um incerto horizonte de esperança serão decisivos para que reconstruamos os laços de humanidade
que foram e estão sendo esgarçados e dilacerados. Para que refundemos a política sob a égide da memória, ao invés da segregação,
do silenciamento e da mentira.

Finalizamos esse texto lembrando o discurso final do promotor Julio Strassera, recentemente encenado no filme Argentina 1985,
quando do julgamento dos militares que participaram da ditadura argentina: “Salvo que a consciência moral dos argentinos tenha
descido a níveis tribais, ninguém pode admitir que o sequestro, a tortura e o assassinato constituam feitos políticos ou contingências
de combate. Agora que o povo argentino recuperou o governo e o controle de suas instituições, assumo a responsabilidade de
declarar em seu nome que o sadismo não é uma ideologia política, nem uma estratégia bélica, senão uma perversão moral”.

Nunca mais!

Autor: Alexei Conte Indursky e Norton Cezar Dal Follo da Rosa Jr

Alexei Conte Indursky é psicanalista, membro da APPOA

Norton Cezar Dal Follo da Rosa Jr é psicanalista, membro da APPOA e Instituto APPOA, doutor em Psicologia Social e Institucional –
UFRGS, autor do livro Hamlet com Lacan e alguns outros. Editora Escuta: São Paulo, 2022.

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 29 de novembro de 2022.

[1] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-6358...

Nunca mais!
Gerson Smiech Pinho

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 8 de novembro de 2022.

“Nunca mais!” Com este par de palavras, o promotor Júlio Strassera concluiu a leitura do discurso de acusação no julgamento de um
grupo de militares ocorrido na Argentina, em 1985. Entre os indiciados estava o ditador Jorge Rafael Videla, presidente do país entre
1976 e 1981, condenado à prisão perpétua na ocasião daquele julgamento. Após os trágicos e sangrentos anos de ditadura militar na
Argentina – marcados pela censura, violação de direitos humanos, tortura, desaparecimentos e incontáveis mortes – esse episódio
pôde encaminhar rapidamente a punição de alguns dos responsáveis diretos pelo truculento e brutal genocídio experimentado em
todos os cantos do país.
O desenrolar desse memorável julgamento constitui o argumento do recente “Argentina, 1985”, filme dirigido por Santiago Mitre e
protagonizado por Ricardo Darín, que encarna o personagem do promotor responsável pelo caso, Júlio Strassera. O roteiro se baseia
nos eventos imediatamente subsequentes ao restabelecimento da democracia na Argentina, em 1983, quando o então presidente
Raúl Alfonsín determinou que os ex-comandantes do regime militar fossem levados à juízo por seus crimes. Enquanto os réus
pressionavam para serem julgados por tribunais militares, a história ganha um novo rumo quando o processo é endereçado à justiça
civil.

Durante o julgamento, em certa passagem do categórico discurso de acusação feito por Strassera, escutamos que “o sadismo não é
uma ideologia política, nem uma estratégia bélica, mas uma perversão moral.” Este enunciado conduz diretamente ao que foi
escutado nos depoimentos das vítimas do regime de exceção, que compõem alguns dos momentos mais intensos e sensíveis do
filme, impactantes e repletos de emoção. A partir da crueza dos relatos, o sadismo e a crueldade dos algozes são postos em relevo,
podem ser observados a olho nu. A violência do laço perverso se atualiza novamente na tentativa dos réus e de sua defesa de
imputar culpa às vítimas, ao tentarem justificar a violência contra elas com base no combate ao terrorismo subversivo.

Na sequência da leitura de seu discurso, o promotor ainda afirma que “este processo significou para quem teve o privilégio doloroso
de vivenciá-lo profundamente, uma espécie de descida às zonas mais tenebrosas da alma humana nas quais o sofrimento, a
degradação e o terror atingem profundidades difíceis de imaginar antes e de compreender depois.” “Argentina, 1985” reafirma a
necessidade de preservar a memória de um passado difícil de assimilar, de imaginar ou de compreender, mas, por isso mesmo,
necessário de ser recordado ao invés de ser esquecido. Nas lembranças e nos depoimentos das vítimas, a construção da história se
edifica nas bordas do trauma que é de cada um, mas também é coletivo.

Ainda que sejam países vizinhos e com histórias que se aproximam e se cruzam, a Argentina pôde fazer diferente do Brasil ao
condenar os culpados logo após o fim da ditadura militar, ainda que a história não tenha terminado por ali e que modificações
posteriores tenham sido feitas nas penas estabelecidas. Em tempos em que, em nosso país, a democracia é colocada novamente em
risco e que uma parcela da população clama por intervenção militar, é fundamental a retomada da memória desses regimes de
exceção. A mensagem deixada por “Argentina, 1985” é tão fundamental quanto necessária. Nunca mais!

Autor: Gerson Smiech Pinho

Gerson Smiech Pinho é psicanalista (APPOA) e do Centro Lydia Coriat.

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 8 de novembro de 2022.

Sinais (A Roda dos Expostos e as Safe Haven Baby Boxes)


Marcia H. de M. Ribeiro

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 15 de março de 2022.

Sinais são menos que texto, escrito ou falado; são melhores do que ausência de qualquer coisa a que se apegar. Sinais era o nome
dado aos pequenos objetos deixados com alguns bebês colocados na Roda dos Expostos em Portugal. Aliás, foi de lá que, no século
dezenove, veio a ideia de instalar por aqui o mesmo mecanismo para receber de forma anônima os bebês que não se podia criar. A
Roda parou de funcionar nos anos 1940. Por um tempo ela esteve exposta (que ironia) para visitação num dos museus de Porto
Alegre, mas foi consumida. Virou comida de cupim. Há uma réplica no Museu da Santa Casa para quem tiver interesse em conhecer
parte dessa história. Também há outros registros escritos, alguns no Arquivo Histórico de Porto Alegre, e em livros, suficientes para se
ter uma ideia também do alto índice de mortalidade infantil na Casa dos Expostos. Ela foi a precursora das imensas instituições de
abrigamento quando a tutela das crianças abandonadas passou ao poder do Estado. E assim continuamos sem Roda por aqui. Por
aqui.

Há cerca de vinte anos a Roda dos Expostos renasceu nos Estados Unidos da América através de uma organização da sociedade
civil, sob a proteção da lei do parto anônimo, com o nome de Safe Haven Baby Boxes. A concepção da caixa é semelhante à da
Roda. O bebê é colocado de forma anônima num lugar fisicamente protegido para ser entregue à adoção. Comumente instaladas em
prédios do corpo de bombeiros, são dotadas de tecnologia sofisticada: alarme silencioso para avisar a chegada de um bebê, e berço
aquecido. No entorno do equipamento há avisos e um número de telefone, similar aos 0800 daqui, para apoio e orientações. Caixas
desse tipo são encontradas em alguns países dos outros continentes. Segundo os dados divulgados pelas organizações em seus
sítios na Internet, há mais caixas para bebês que crianças deixadas nelas.

Os Sinais.

Eles me evocam experiência que não aconteceu no tempo da Roda, tampouco durante a vigência de legislação obsoleta sobre o
direito infantojuvenil. Os guardiães reclamavam a alteração judicial do registro de nascimento para retirar do campo observações que,
o agora adolescente, fora nomeado “exposto” deixado “em uma caixa”. A caixa, alguns objetos e o local onde fora encontrado eram os
Sinais, vertidos em texto, na certidão. Nada mais. O adolescente queria saber aonde aqueles Sinais poderiam levá-lo para conhecer a
história que o precedeu, as causas do abandono daquela forma. A frase injúria presente na certidão compunha para ele o elemento
mínimo da mitologia sobre sua origem. Antes que apagar, ele queria saber mais. Onde podia procurar. Quem tinha guardado as
informações. A polícia? A justiça? O hospital? E planejava voltar à cidade de nascimento para, através dos Sinais, encontrar os
testemunhos que o ajudassem a dar sentido ao enigma sobre sua origem. Substituir o vazio de palavras por referências, pois um
vazio emoldurado por puro enigma faz claudicar também a fantasia se ela não encontra suporte.
No Brasil não existe previsão legal de parto anônimo. Houve uma tentativa legislativa para instituí-lo em 2008. Não colou. Não porque
as mulheres não tenham direito a reconhecer um impossível na radical experiência da maternidade. Entregar um bebê para outrem,
para adoção, não é crime. Abandonar à própria sorte, ou para a morte, sim. Mas isso não é prática corriqueira por aqui. Embora
quando aconteça vire manchete, e sirva como combustível para radicais discursos moralizantes e culpabilizadores.

Uma mulher pode entregar um bebê em adoção. As insuficiências de toda ordem, em geral econômicas, se destacam entre os
motivos para o ato. Uma criança tem o direito a conhecer suas origens – aliás, existe um procedimento judicial para isso, pois por aqui
o Estado é também o fiel guardião dos Sinais e da história, e está obrigado desde a promulgação do ECA a preservar esses registros
antes incinerados – por isso também o princípio do anonimato não vigora aqui. Para que não se institua um silêncio perpétuo que
deixe a moldura vazia para sempre.

É verdade que na falta de um texto pode-se tentar narrar uma história partindo dos Sinais – ainda quando seus traços sugiram um
passado trágico, uma violência – como queria o adolescente a quem primeiro chamaram “exposto” num tempo em que da Roda
restara história escrita.

Autor: Marcia H. de M. Ribeiro

Marcia H. de M. Ribeiro é psicanalista (APPOA).

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 15 de março de 2022.

Portas e limiares
Lucia Serrano Pereira

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 8 de fevereiro de 2022.

Nas conversas informais, na clínica, no cotidiano de nossa experiência tem retornado constantemente o tema do tempo como isso
que se desorientou, de alguma maneira, e que no vaivém do remoto/presencial que se alterna apresenta seus efeitos; mas
principalmente o enigma do tempo naquilo em que vai se embaralhando nas continuidades... Quando foi mesmo? Nesse ano que
passou ou no primeiro da pandemia? Nos falamos há alguns meses, ou foi no início do ano passado? Já faz tanto tempo? Primeiro
encontro depois de dois anos? Ou, já estamos em fevereiro e nem sei como chegou tão rápido…

Dimensão do tempo mas também de espaço que se vê alterado e que pede, de alguma forma, que as referências e as marcas
possam trabalhar com mais contraste. Para que possamos ritmar, nos situar. E com essas impressões e ecos na cabeça encontro um
escrito, breve capítulo de A casa queima, de Giorgio Agamben, de 2021, intitulado “Portas e limiares”. Na verdade, ao contrário. A
leitura de portas e limiares é que permitiu trazer a importância da retomada, como esses ingredientes que vemos depois da coisa
feita, como eles são indispensáveis, necessários.

Começa Agamben trazendo a obra de um artista, Carlos Scarpa, que convidado a realizar o projeto para a entrada da Universidade
Iuav de Veneza, nos anos 70, recebe o pedido de que utilizasse neste uma porta. Não era uma qualquer: uma porta de pedra de Ístria
(na Croácia) encontrada durante a restauração do Convento dos Telentini, sede da Faculdade de Arquitetura.Primeiro, se queria que
esse portal de mármore fosse colocado como a entrada da faculdade. E Scarpa escolhe então, em seu trabalho, não fazer o uso
“normal” de uma porta, e sim deitar essa porta no chão, e deixá-la coberta de água. Não como uma entrada natural mas como peça,
reverberando sua função subvertida. Ela fica submersa, cria uma paisagem por debaixo da água. Linda obra, vale a pena visitar o
site.

Colocar na horizontal uma estrutura que tem seu uso mais forte na verticalidade deve ter sido pensado com cuidado, Agamben
observa. E então se desdobrao vôo do autor. Portas. Dois significados diferentes, que o uso corrente mistura. Um deles o de abertura,
acesso; o outro de uma estrutura que fecha ou abre.
Diferenças nessas significações, que em geral nem nos ocorre pensar: uma, a passagem como algo que se cruza, se adentra ou se
sai, a da primeira vertente; a outra, como estrutura, a porta que serve para separar, que permite ou não a passagem. Porta-limiar,
porta-estrutura. E que em geral se superpõe, vem juntas. Acesso e abertura, por exemplo. É diferente do muro, a porta pode até estar
fechada, mas tem a possibilidade do abrir.

Vem a referência ao mundo clássico, onde a porta poderia ser horizontal, mundo dos vivos ou o Hades dos mortos, por baixo.
Passagens arriscadas. Como algumasportas literárias: a jovem mulher de Barba Azul tem acesso a todas as portas menos uma, não
deve abrir aquela à qual não resiste, onde estão os cadáveres das seis esposas que vieram antes dela.

“Estamos nos tornando muito pobres em experiências de limiares” frase de Benjamin que me toca, vale muito no trabalho de achar,
escolher algumas ferramentas simbólicas que auxiliem a lidar com este nosso momento.

Afirmativa que vem com uma forte reflexão sobre a modernidade, os ritos de passagem que Benjamin observava já totalmente
diferentes em sua presença na comparação com as sociedades tradicionais; a função do coletivo que passa a ceder lugar ao
individualismo, e todo um desdobramento que não vamos aprofundar aqui, mas sim chamar a atenção sobre um ponto.

Agamben alerta que não é tão simples a proposição benjaminiana, que é preciso avançar com as nuances e ir abrindo a
complexidade. Temos experiências de limiares que podem ficar, ao contrário, extensas, como por vezes se fala das adolescências.

O que me parece valioso em “portas e limiares” é que isso pode compor uma zona, se pudermos nos aproximar. Zona como área,
quase como região. Porta - foris, foras, fora, do latim. Porta enquanto experiência de abrir uma zona de fora, de vazio que ajuda a
fazer diferença, e, portanto, abrir o contraste, o intervalo, o desejo, o tempero, que nos inspira e anima. O que é diferente dos circuitos
de continuidade que podem automatizar. As zonas de limiares, em Benjamin, lembremos, são os lugares privilegiados de constituição
de experiências. Do exercício da singularidade, nós podemos dizer. Leitura de Infância em Berlim, com cada recanto obscuro e
prazeiroso, com o não saber, a curiosidade e o assombro, nas frestas da infância. Leitura de Em busca do tempo perdido que esse
ano aniversaria e que também compõe limiares surpreendentes nas reviravoltas da irrupção das memórias involuntárias do pequeno
Marcel. Do tempo mais próximo de nós,leitura de Passagem para o Ocidente de Mohsin Hamid e seus portais oníricos e ao mesmo
tempo de pesadelo no transito das migrações.

Portas, portais, limiares. Que nos ajudam no difícil trabalho de encontrar as fendas no excesso de continuidades. Que contribuem,
nesses dois anos, também a orientar nossos mapas, a fazer traçados, contornos, a lidar com as descontinuidades que podem ser
perturbadoras mas que criam caminhos.

Essa porta deitada na água está ali dando lugar a uma abertura, vai concluindo Agamben, abertura que não leva a nenhum lugar que
possa ser determinado, “mas se dirige ao céu” a um puro “ter lugar” que acontece em intimidade com uma zona de fora, de alteridade.

Quando podemos dar tempo e espaço para que a zona dos limiares se desdobre e faça sua função. Não nostalgia de outro tempo,
mas poder sublinhar o que nos permite constituir o valioso.

Autor: Lucia Serrano Pereira

Lucia Serrano Pereira é psicanalista (APPOA).

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 8 de fevereiro de 2022.

A irresistível tentação de ser produto


Luciano Mattuella

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 1 de fevereiro de 2022.

Rolar os stories do Instagram é a forma contemporânea de zappear canais na televisão. Em tempos em que a televisão por
assinatura está sendo cada vez mais substituída pelos streamings, tivemos que encontrar uma outra forma de saciar aquela nossa
ânsia por dar uma espiada na satisfação que pode produzir aquele outro canal - ou aquele outro recorte de vida de alguém.

Foi num desses momentos de tédio que me deparei com a ideia para esta coluna. Passando os stories dos conhecidos, vi uma foto
que me parece paradigmática dos tempos em que vivemos: um grupo de (suponho) amigos em uma festa, todos vestidos com a
mesma roupa vermelha e levantando um copo de cerveja na direção da câmera. Meu primeiro pensamento foi que se tratava de um
post patrocinado, essas postagens que as empresas fazem para venderem os seus produtos nas redes sociais. Demorei alguns
segundos para reconhecer naquela imagem o rosto familiar de um amigo que não vejo há tempos. Acima dele, a marca da cerveja
estampada na parede, dando a entender que estava em uma festa patrocinada pela empresa.

Apesar de eu ter seguido zappeando a programação dos outros, essa imagem ficou na minha cabeça. Ela me parece paradigmática,
como eu disse antes, porque ela pode servir como um ótimo interpretante de nossa cultura. Gostaria que o leitor percebesse que há
uma certa inversão de papéis ali: não se trata de uma marca de cerveja fazendo comercial do seu produto, mas de um conhecido se
colocando como o próprio produto a ser consumido. A cervejaria em questão não gastou um centavo com essa publicidade. A
propaganda da marca se deu de forma espontânea e deliberada, por livre escolha. A mensagem por detrás era algo como “seja feliz
como eu sou bebendo esta cerveja com os meus amigos”.
Não costumo ser alguém lá muito nostálgico, mas confesso que senti um certo desconforto com essa postagem. Não acho que as
redes sociais são o grande mal da humanidade - ela mesma é -, nem que os tempos antigos é que eram bons. Também não acredito
que sejamos assim tão inocentes a ponto de sermos atingidos de forma tão sem crítica por propagandas no Instagram, Twitter ou seja
lá onde for. Mas também não acredito que seja possível menosprezar o quanto a lógica das redes produz, sim, uma modalidade de
subjetivação que ainda não existia. Ainda que eu tenha aproximado no começo desta coluna redes sociais e televisão, há pelo menos
duas diferenças importantes entre estes dois meios: a primeira é que nos horários comerciais a gente costumava trocar o canal para
ver o que estava passando. E a segunda, mesmo quando víamos as propagandas, o esforço das marcas era seduzir o espectador
com as promessas de satisfação que produto traria. Aquele que estava ali na frente da tela era visto como um consumidor, precisava
ser convencido a gastar o seu dinheiro.

Quando vemos, entretanto, filas se acumulando na frente das lojas da Apple antes mesmo do lançamento de uma nova geração de
celulares, percebemos que esta dinâmica parece ter mudado. Algo em que a Apple foi - perversamente - genial foi em se endereçar
ao seu público não como consumidores, mas como membros de uma irmandade: não à toa, todos os seus computadores, celulares e
iPods vinham com um adesivo da marca, essa maçãzinha branca que volta e meia vemos coladas nos carros. Ostenta-se este
decalco como uma insígnia de pertença a uma fratria. E, mais uma vez, a empresa não precisa gastar nada com esta publicidade: ela
é espontânea e escolhida.

Mas nas redes a lógica parece ser ainda mais sofisticada. No caso do meu conhecido bebedor de cerveja, ele não é o garoto
propaganda de uma marca, ele é o próprio adesivo no carro, por assim dizer. Ele é o produto. Ele é quem é consumido. Como diz o
adágio cuja autoria se perdeu, quando um produto é gratuito - como o Instagram, por exemplo - é você mesmo que é o produto.

O que me parece mais curioso nisso tudo é que este empuxo a se tornar objeto de consumo é um ato voluntário e deliberado,
passando longe de ser uma imposição. Compartilhar a nossa intimidade nas redes se tornou tão banal que nem percebemos mais o
significado disso.

É evidente que todos queremos ser amados, reconhecidos e invejados. Seria hipócrita dizer que isso não acontece. Precisamos do
olhar do outro para avalizarmos o nosso valor frente à sociedade, para encontrarmos o nosso lugar entre os pares. Seria ingênuo,
também, supormos que essa hipoteca do valor social de alguém ao olhar dos outros seja uma invenção recente. Entretanto, nunca
parece ter sido tão evidente a distinção entre reconhecimento e fama, entre ser amado por algo que se produz ou por quem se é.

Exemplo recente disso é o participante do Big Brother Brasil deste ano cujo objetivo de vida era “ser famoso”. Assim, sem mais
adendos. Ser famoso. Não ser um cantor famoso, um ator conhecido, um advogado de renome. Só ser famoso. Ou, como ele mesmo
disse: não conseguir comer em uma praça de alimentação sem ser importunado por algum fã.

Não é de se estranhar que em uma cultura onde parece que todos nós estamos sob uma placa de “sorria, você está sendo filmado”,
chegue tanto ao consultório indivíduos parecidos com este participante do Big Brother. Engana-se quem pensa que a casa onde os
brothers estão confinados seja uma exceção ao mundo: o que vemos lá, na verdade, são os sintomas do nosso laço social em estado
agudo, como uma ferida aberta. Afinal, somos sim uma sociedade que confunde reconhecimento com fama.

Em uma época eminentemente visual, em que somos apaixonados pela nossa própria imagem, percebemos uma ânsia pela
adequação às demandas da sociedade, ou seja, um ímpeto a fazermos de nós mesmos um produto a ser consumido. Uma certa
antropofagia digital, por assim dizer. A dissonância com relação ao ideal cultural é ou vista como uma marginalização de si ou, pior
ainda, como o ato heroico de alguém que então será consumido como um exemplo de dissidência. Mesmo aqueles que se colocam
“de fora” são consumíveis como role models.

Já o reconhecimento passa por uma outra via: poder fazer-se reconhecido implica, pelo menos, a produção de algo que se destaque,
se separe daquele que a produz. Seja um livro, uma música, uma dissertação de mestrado, um artigo científico ou mesmo o trabalho
cotidiano de um consultório ou escritório. Poder oferecer à cultura não a si mesmo, mas algo que se faz.

Em um ambiente colonizado por influencers e pessoas que supõem que a sua pequena vida é digna de exibição, perdem-se os
referenciais de intimidade e as intensidades dos laços afetivos. Falamos daquela atriz ou daquele ator como se fossem nossos
amigos, choramos pela morte de um desconhecido como se fosse a de um parente próximo. Confundimos visibilidade com
competência e acabamos atribuindo saber a figuras mais preocupadas com o gerenciamento de sua imagem do que com a dedicação
ao seu campo profissional.

Se “a televisão me deixou burro, muito burro demais”, como já diziam os Titãs nos anos 80, hoje em dia há que se estar atento a que
não sejamos os próximos produtos em liquidação nas prateleiras digitais.

Autor: Luciano Mattuella

Luciano Mattuella é psicanalista (APPOA).

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 1 de fevereiro de 2022.

A língua de Ariane Mnouchkine, eu ouvi


Alfredo Gil

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 3 de maio de 2022.


Não sei por que razão o teatro sempre esteve no segundo ranque das minhas fruições culturais, artísticas. Apesar disso, não é difícil
saber ou ter ouvido falar sobre o lugar singular que ocupa, no mundo cênico, a troupe do Théâtre du Soleil, fundado em 1964 e
dirigido pela incansável Ariane Mnouchkine. Desde então, ele manteve-se idêntico, ou seja, cada criação é única e estupenda, e
sempre política.

Uma amiga, conhecendo há anos seu trabalho, me levou para assistir, na semana passada, a sua última realização: L’Île d’Or (A Ilha
de Ouro).

Ir ao Théâtre du Soleil é uma experiência estética que começa antes que as cortinas da cena se abram. Antes mesmo de entrarmos
na sala do espetáculo. Somos progressivamente absorvidos pelos diferentes espaços contendo os elementos da trama que nos
aguarda; L’Île d’Or nos embarca para o Japão. O público é recebido na grande sala do teatro - antigo depósito de pólvora do exército
até o final da Segunda Guerra - com cores, imagens e decorações nipônicas, além dos sabores da gastronomia japonesa que
podemos apreciar antes ou após as três horas de espetáculo. Situado em meio à floresta de Vincennes, o Théâtre du Soleil é um
conceito, político e comunitário. Compreende-se rapidamente que não estamos em um teatro de boulevard, quando se é acolhido, há
50 anos, pela própria Ariana Mnouchkine, 83 anos, resplandecente, a quem entregamos o ticket e irresistivelmente declaramos nossa
admiração.

Nesta Île d’Or, Mnouchkine e sua troupe cosmopolita inventa uma ilha, um lugar de sonho, loucura e realidade. A construção
dramatúrgica, a força da música, o jogo de luzes, a distribuição dos atores nos diferentes espaços do teatro nos levam a vacilar entre
estes três registros. Uma ilha de Babel que acolhe grupos de teatro do mundo inteiro na qual cada um conta sua história, em chinês,
japonês, hindu, persa do Afeganistão, árabe, hebraico, russo, português do Brasil. Uma ilha situada em mar japonês – Japão, berço
da aprendizagem do teatro de Mnouchkine.

Mas o espectador é imediatamente tomado pela língua de todos, que é o francês. Em meio às marionetes do Bunraku, ao gestual
simbólico do nô, à arte do taiko e seus tambores, às mímicas do kyōgen, os artistas contam a história desta ilha em um francês
subvertido, “à la japonaise”, cuja sintaxe exige a paciência do público para conhecer o sujeito e sua ação, o que provoca um
estranhamento que se transforma, progressivamente, em prazer da língua. “Le temps, ici, toujours changeant est” (O tempo, aqui,
sempre mudando está).

A língua francesa reinventada no teatro, reestruturada, nos evoca primeiramente os alexandrinos: língua da poesia, esta composição
de doze sílabas é o verso cardinal francês, cujas regras foram enunciadas em L’Art poétique, de Nicolas Boileau no século XVII. Daí a
beleza de um Molière: “On ne meurt qu’une fois, et c’est pour si longtemps !”, Racine : « Je ne l’ai point encore embrassé d’aujourd’hui
», ou Hugo : « Je vis un ange blanc qui passait sur ma tête », e um Rostand : « Au milieu la césure, entre les hémistiches ! ».

Ora, o fraseado inventado por Mnouchkine nos pede uma atenção redobrada. Ele suscita expectativa, suspende a compreensão do
ouvinte para captar o sentido do que é dito: “Contente de vous retrouver j’étais” (Contente de te encontrar eu estava); o agente
quando posto no final, nos relança para o início.

Podemos especular que este deslocamento do sujeito no emprego da palavra, modificando a noção do tempo no trabalho de
compreensão, deve-se ao fato de que o projeto L’Île d’Or foi em parte concebido durante o confinamento da crise sanitária.
Compreender o enclausuramento e o impensável da crise também levou Mnouchkine e sua troupe a convocar líderes que laboram
para que a língua esteja a serviço do ódio, de uma realidade sem sonho nem poesia. Assiste-se ao desembarque, na Ilha de Ouro,
direta ou indiretamente, do presidente chinês e do brasileiro, de Trump e de outros ativistas do eixo do mal.

A língua de Île d’Or, que é o francês e não é, reposiciona o sujeito e sua ação na História e abre a possibilidade do uso da palavra
numa relação gramatical em que, respeitando as regras do viver juntos, se inova poeticamente a arte da con-versa.

Autor: Alfredo Gil

Alfredo Gil é psicanalista em Paris; membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA) e da Association Lacanienne
Internationale (ALI). E-mail: alfredo.gil@wanadoo.fr

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 3 de maio de 2022.

Sessão única: uma escrita inacabada sobre os paradoxos do amor


Volnei Antonio Dassoler

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 11 de outubro de 2022.

Seja lá quem te mandou

Meu amor te recebeu

E hoje o céu de sua estrela

Menino, sou eu

Menino, sou eu

(Verso da música "Iluminada", de Maria Bethania)


Esta história é um compilado de pequenos excertos clínicos recolhidos no início dos anos 2000(1). A mulher – com pouco mais de 30
anos – chegou no horário marcado para a primeira consulta com um sorriso suave que a apresentava como simpática. Sentou na
poltrona indicada e, convidada a falar, disse que havia procurado atendimento porque se via atrapalhada com os paradoxos do amor;
disse isso assim, sem meias palavras, aguçando minha curiosidade.

Longe de qualquer humor deprimido, mostrava lucidez em seu raciocínio e, antes de discorrer sobre seu itinerário amoroso ao longo
da vida, fez questão de ressaltar a importância do movimento feminista naquilo que hoje vivia com naturalidade como o direito de
manifestar seus desejos, interesses e vontades no confronto com lugares preestabelecidos pela hegemonia do discurso machista.
Inserida no mercado do trabalho e vivendo a liberdade sexual, não parecia apartada ou alheia às coisas da vida em geral, desde
aquelas mais importantes até as triviais.

A fala intensa e a atenção sensível que dava às palavras e ao fluxo do pensamento fazia supor que não rejeitava o inconsciente. Sua
história amorosa prévia incluía dois relacionamentos qualificados como marcantes. Num deles, o fim teria partido do companheiro; no
outro, a iniciativa tinha sido dela. Entendia que, por ter vivenciado términos distintos, tendo experimentado o lugar de quem havia
produzido ruptura e sofrimento e também o da parte que havia sofrido as dores da rejeição, havia adquirido um relativo know-how que
a colocava em vantagem para enfrentar o que viesse pela frente em termos amorosos. Antes desses relacionamentos, no intervalo
entre os dois e na sequência do último, tinha se arriscado em alguns poucos encontros fortuitos, mas nenhum deles havia chegado a
ser qualificado como uma boa aventura. Ao longo do tempo, havia criado suas playlists particulares às quais recorria toda a vez que
se via afetada pela saudade, pela fossa ou pela paixão. Nesses momentos, sentia-se interpretada pelas palavras, frases e sons que
davam repouso ao seu coração. No seu acervo, “Sonho meu” era hors concours: “sonho meu, sonho meu, vai buscar quem mora
longe, sonho meu”. Em um determinado momento da sessão, fez questão de dizer que tinha inventado suas próprias frases clichês,
visto que aquelas que encontrava replicadas de maneira generalizada não a acalmavam por mais do que breves cinco minutos.

Não tinha problema em ficar sozinha, tampouco lhe causava conflito estar com alguém sem compromisso, mas esta não era –
segundo ela, usando uma expressão da época – sua praia. Achava que conviver bem consigo mesma era uma qualidade a ser
cultivada e que a auxiliava a escapar da angústia da espera pelo telefonema do dia seguinte cada vez que vivia algum encontro que
lhe parecia promissor. Hoje, esta cena poderia ser atualizada com os traços azuis das mensagens do WhatsApp, que, quando
aparecem na tela do aplicativo, confirmam que a manifestação do desejo alcançou o destinatário, indicando que o período de espera
se iniciou.

A jovem mulher se via como alguém amável e, por isso, sonhava com viver uma nova experiência amorosa, como amada e amante.
Entretanto, à sua maneira, reivindicava alguma garantia de descanso emocional para fazer frente às prováveis armadilhas que todo e
qualquer relacionamento dessa natureza impõe: insegurança, ciúmes, traição, violência, desencanto, ausência, angústia,
dependência, perda de desejo ou amor excessivo. Sem me permitir o tempo para lhe propor discorrer sobre as tais ciladas, indaga se
eu conhecia a metáfora do porco-espinho, em alusão à dificuldade dos humanos para estabelecerem uma fórmula “equilibrada” que
alie a necessidade de convivência a alguma forma de proteção contra as dores e feridas que o semelhante pode causar. Respondi
afirmativamente no mesmo instante em que me vi pensando na diversidade de significados que um significante como “amor” pode
colocar em causa.

A forma como a paciente percebia, sentia e descrevia sua trajetória amorosa me fez lembrar o ensaio de Roland Barthes Fragmentos
de um discurso amoroso. Assim como na cena clínica, nesse trabalho, o autor dá lugar de fala ao sujeito amoroso, que, em face ao
outro (objeto amado), formula perguntas e hipóteses sobre o que é o amor e o que faz com esse sentimento incerto e precioso seja
vivido tão intensamente pelos sujeitos no mundo todo.

Depois de quase uma hora e em tom de cansaço, a jovem mulher formula as perguntas que permitem entrever as razões que a
tinham motivado a pedir um horário de atendimento. Queria saber se ainda valia a pena acreditar no amor e se haveria um antídoto
para as contradições insolúveis da experiência amorosa.

As perguntas feitas naquele início do milênio continuam sendo enunciadas nos dias de hoje. Voluntários ou não, habitamos desde
sempre o campo amoroso e dificilmente conseguimos nos furtar de ansiar estar em algum lugar de exceção em relação a um outro
semelhante e este em relação a nós. Usando a metáfora futebolística, jamais tiramos nosso time de campo, jamais abandonamos o
jogo, dando-nos por vencidos, embora, em alguns momentos, nos convenha ir para o intervalo. Cada vez mais recorrente na
atualidade, o rechaço ao amor carrega em si o rechaço ao semelhante ao generalizar os insucessos, atribuindo-os à totalidade dos
encontros possíveis, algo que se opõe radicalmente ao desejo que nos anima. Entre as várias versões que cabem ao amor,
formulamos uma a mais, a de ser uma experiência da condição humana que se mostra, em sua estrutura, parcialmente exitosa e
parcialmente fracassada. Quanto à jovem paciente, depois daquela única sessão, recentemente a vi no show da Marisa Monte, de
mãos dadas com outro alguém, cantando “Beija Eu”.

Autor: Volnei Antonio Dassoler

Volnei Antonio Dassoler é Psicanalista (APPOA), Doutor em Psicologia Social e Institucional (UFRGS). Email: dassoler@terra.com.br

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 11 de outubro de 2022.

1 Texto de natureza ficcional, escrito a partir de uma construção com base em diferentes experiências do autor em sua clínica.
Debates
​Kiss, 10 anos: tão longe, tão perto
Volnei Dassoler e Vanessa Solis Pereira

Texto originalmente publicado no Jornal Sul21, Coluna da APPOA, em 24 de janeiro de 2023.

No próximo dia 27 de janeiro, o incêndio ocorrido na Boate Kiss, na cidade de Santa Maria, em que 242 jovens morreram e 636
sobreviveram, completará 10 anos. Quem são e como estão os sobreviventes e os familiares das vítimas hoje? Como estão lidando
com as consequências físicas e emocionais do horror vivido naquela noite, um horror que implodiu a realidade e provocou uma
ruptura radical e traumática na vida de cada um? E quais são as narrativas construídas e compartilhadas pela cidade e seus
moradores a partir dessa vivência?

Um acontecimento como esse, queiramos ou não, deixa suas marcas. É inegável que podemos nos referir a um antes e a um depois
em relação a ele. Não há morador da cidade que, fora dela, não seja reconhecido por associação à tragédia da Boate Kiss. A
solidariedade compôs o início de uma narrativa que acolhia e envolvia a todos. Aos poucos, essa reação começou a ser deslocada
para a margem, e o pedido de volta à normalidade impôs silêncio e vergonha à dor e à luta pela justiça num movimento de
individualização em relação ao ocorrido. Reconhecer que a história de vida das vítimas, sobreviventes e familiares é parte da história
da própria cidade recoloca cada um em uma outra relação com o evento e seus desdobramentos. Assim, para além dos efeitos
intransferíveis que recaíram individualmente, localizar e dar visibilidade à face pública e coletiva do trauma e do luto é um mandato
social irrecusável e urgente. Se o incêndio e seus restos traumáticos pertencem à cidade, temos um compromisso na transmissão
transgeracional do que houve na medida em que uma perda dessa natureza exige, em seu processo de elaboração, memória e
historicização, a participação do Outro e dos outros e o reconhecimento por parte deles.

Nesse contexto de intenso pesar, mas também de solidariedade, além do aspecto da memória, a questão da justiça se coloca como
um dos eixos base deste drama. Sua relevância se deve ao fato de a intervenção da Justiça impactar de forma direta na necessária
relação de confiança relativa às instituições, que é uma das prerrogativas de uma sociedade democrática na medida em que, nesse
tipo de sociedade, as estruturas simbólicas operam como mecanismos de mediação da ética do cuidado e do viver em comum. Já
contamos 10 anos de impunidade e de espera por algum grau de responsabilização por parte do poder judiciário, circunstância
agravada pela anulação do julgamento ocorrido em agosto de 2022. Tal decisão nos distancia ainda mais da materialidade do fato e
faz com que toda e qualquer sentença definitiva que possa vir a ser proferida no futuro seja irremediavelmente acompanhada por uma
perda parcial e significativa do seu alcance e valor simbólico. Assim, quanto mais distantes no tempo se situarem acontecimento e
julgamento, mais injusto parecerá o que for estabelecido, determinando que a decisão proferida seja vivida como um novo ato de
violência que vem acrescer a condição de vulnerabilidade já existente: a ferida sempre aberta pela perda concreta dos entes queridos
será acompanhada, então, da sensação de desamparo e descaso, testemunho de um prejuízo cabível de ser atribuído ao Estado
brasileiro.

Uma consequência deste fracasso, marca histórica da nossa Justiça à brasileira, é a autorização velada de julgamentos moralizantes
no campo social, já que o que deveria ter sido validado no âmbito legal perde seu rigor e seu tempo. Esta dinâmica põe em cena
posicionamentos individuais baseados no senso comum que colocam à margem o interesse social e a legitimidade das demandas. Tal
descompasso se faz ver na proliferação de manifestações que ganham força nas ruas e nas redes sociais: “é preciso seguir em
frente”, “já passou”, "vocês ainda estão nisso?”, “deixem eles descansarem”, "vocês não vão ganhar nada com isso” são frases
proferidas cotidianamente em resposta aos movimentos por memória e justiça. Tais argumentos, à primeira vista, soam como
defensivos e, muitas vezes, até mesmo como um ato solidário com quem sofreu a dor de uma perda avassaladora. A lógica que
parece reger esta perspectiva pareceria se fundar na crença de que tocar na dor resultaria em mais dor; sendo assim, uma intenção
de “cuidado” estaria aí colocada. Mas será que a escolha de calar sobre um sofrimento de tamanha complexidade amenizaria a dor?
Em que medida seria possível elaborar uma perda quando se tem um interdito sobre ela? Silenciar seria um ato equivalente a
descansar?

Mesmo que não intencionalmente, e inversamente ao que muitos postulam, esses discursos e gestos carregam em si um potencial
violento de anulação da dor do outro, pela exigência de apagamento do acontecido. Nesse contexto de indiferença e estigmatização,
no qual se recusa a dimensão coletiva do trauma e do luto, sujeitos são forçados a um silenciamento solitário que impõe dificuldades
ao processo de amarração imaginária e simbólica na trama social que poderia fazer borda ao real da morte.

Quais seriam os efeitos de um não dito ou de um desmentido para as próximas gerações? Temos uma responsabilidade coletiva
frente a essa dor? Hannah Arendt, em seu texto “Responsabilidade coletiva”, nos diz que, ao fazermos parte de uma sociedade
humana, tornamo-nos responsáveis pelos feitos de tal coletivo ao longo da história. Diz ainda que somos responsáveis inclusive por
aquilo que não fizemos. Para fundar suas afirmações, a autora faz uma distinção entre culpa e responsabilidade: para ela, seríamos
culpados pelas nossas ações e deveríamos ser julgados, individualmente, pelos crimes que cometemos. A culpa é sempre individual.
A responsabilidade, no entanto, seria sempre coletiva. Miriam Debieux Rosa, por sua vez, no livro A clínica psicanalítica em face da
dimensão sociopolítica do sofrimento, alerta-nos em relação aos efeitos devastadores de um não dizer para as gerações seguintes,
efeitos que poderão vir a se expressar na forma de sintomas, angústia ou inibições ou, ainda, gerar repetições em ato, desatualizadas
e fora do contexto.

Diante disso, vale destacar aqui o slogan da campanha dos 10 anos: “Resgatar a memória é construir o futuro”, em alusão ao
evento que acontecerá nos próximos dias 25, 26, 27 e 28 de janeiro em Santa Maria, promovido pela Associação dos Familiares de
Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) juntamente com o coletivo Kiss: que não se repita e o Coletivo de
Psicanálise de Santa Maria, dentre outros parceiros. Mais do que um slogan, é um convite. Mais do que um convite, é um
compromisso que abre lugares de fala no espaço público, aproximando e colocando em cena diferentes atores, numa operação
dialética que abre e torna possível a elaboração e a produção de um tipo de memória que testemunha a aposta de transformação de
uma dor individual em uma experiência compartilhada.
Referências Bibliográficas:

ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

ROSA, Miriam Debieux. A clínica psicanalítica em face da dimensão sociopolítica do sofrimento. São Paulo: Escuta – Fapesp, 2ª
edição 2018.

Autor: Volnei Dassoler e Vanessa Solis Pereira

Volnei Dassoler - Psicanalista, membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, doutor em Psicologia Social e Institucional
(UFRGS). dassoler@terra.com.br

Vanessa Solis Pereira - Psicanalista, membra da APPOA e Instituto APPOA, integrante do Eixo Kiss do Coletivo de Psicanálise de
Santa Maria e do Coletivo Testemunhos da Pandemia. vanessasolisp@gmail.com

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