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Vicia

I sm a el , i m >s S a n t o s

Em busca da plena unidade


do corpo de Cristo
Um livro necessário
Este é um livro edificante, marcado pela
necessária e oportuna franqueza, pela objetividade,
que por certo será de grande valia a todos os
cristãos.
Ismael dos Santos, ao tratar da comunhão, tange
um dos mais críticos pontos, o verdadeiro calcanhar
de Aquiles da comunidade cristã nos dias de hoje. "A
ausência chi verdadeira comunhão tem abalado
incontáveis alicerces individuais, e tem comprometi­
do mesmo o nome do evangelho aos olhos daquele
que reclama de nós integridade como testemunhas
de Cristo”, afirma Joanvr de Oliveira no prefácio
desta obra.
As páginas em que o escritor apresenta seu
libelo contra a pseudo comunhão merecem ser
recebidas como agudas pontas sobre as consciên­
cias. Conduzem-nos a prof undas reflexões e fazem
em ergirem nossa memória figuras que n<fs foram
(ou nos são) caríssimas, mas que se recolheram a
um plano secundário, inconformadas com tantas
encenações, que vêm a ser assustadoras agressões
á pureza do cristianismo.
Ao chamar a igreja para uma nova maneira de
ser, este livro surge para ocupar um grande espaço
que urgia ser preenchido.

Ismael das Santos, rasado com Denise, é pastor em


Blumenau. SC. Bacharel em Teologia, em Administração
de Empresas e licenciado em Letras, é autor dos livros
Adoração em chamas e A caminho da maturidade.

1733-7 ISBN 0-8297-1733-1


Ministério Cristão
Ismakl ocxs Santos
ISBN 0-8297-1733-1

Categoria: Vida Cristã

©1991 por Ismael dos Santos


©1993 por Editora Vida

Todos os direitos reservados na língua portuguesa por


Editora Vida, Deerfield, Florida 33442-8134 — E. U. A.

As citações bíblicas são da Edição Contemporânea


de Almeida, da Editora Vida,
exceto onde outra fonte é indicada.

Capa: Gustavo Camacho


A Denise,
esp o sa abn egada, que sem pre
m e en corajou a escrever.
ÍNDICE

PREFÁCIO ............................................................ 7
INTRODUÇÃO ....................................................11
Capítulo I: UMA SÓ LINGUAGEM! ............13
Capítulo II: VOCÊ SABE O QUE É
COMUNHÃO? ............................................... 21
Capítulo III: FUNDAMENTOS
DA UNIDADE C R IS T Ã ................................33
Capítulo IV: UNIDOS PELA CRUZ ..............47
Capítulo V: É FÁCIL DIVIDIR! .................... 53
Capítulo VI: OS SETE LAÇOS
DA UNIDADE ............................................... 65
Capítulo VII: PRÁTICAS
REVOLUCIONÁRIAS ..................................75
Capítulo VIII: O QUE TEMOS
EM COMUM ................................................. 85
6 Para que todos sejam um

Capítulo IX: COMUNHÃO SEM


MÁSCARAS ................................................... 91
Capítulo X: COMUNHÃO E PARTILHA . . 97
Capítulo XI: DIVERSIDADE
NA UNIDADE .............................................103
Capítulo XII: IGREJA, UMA FAMÍLIA
QUE AMA ................................................... 109
Capítulo XIII: A QUESTÃO
ECUM ÊNICA...............................................115
PREFÁCIO

s propósitos do autor, enunciados com

O clareza no índice, são plenamente al­


cançados: P a ra que todos sejam um se const
de páginas edificantes, marcadas pela neces­
sária e oportuna franqueza, pela objetivida­
de, que por certo serão de grande valia para a
comunidade evangélica.
Ismael dos Santos com eça por tratar da
questão da linguagem que, na conceituação
de Aurélio Buarque, vem a ser “o uso da pa­
lavra articulada ou escrita como meio de ex­
pressão e de comunicação entre as pessoas”.
Só a reflexão sugerida pelo term o seria bas­
tante para levar-nos em longa excursão, atra­
vés do tempo, até a aurora da história do ser
humano, num excitante reencontro com a
Torre de Babel. Senão, leiamos o linguista
Frederick Bodmer: “As inegáveis semelhan­
ças que há entre essas línguas (as indo-euro-
péias que, na verdade, constituíram elemento
8 Para que todos sejam um
de comunicação sobre um a faixa enorm e es­
tendida quase sem interrupção da Ásia Cen­
tral às orlas da parte m ais ocidental da
E u ro p a ) su g e re m que são to d as re p re ­
sentantes de um a única língua primitiva que
deve ter sido falada por alguma comunidade
e em certo tempo no passado pré-histórico”.
(Frederico Bodmer, O H om em e a s Línguas,
[Guia para o estudioso de idiomas], Porto Ale­
gre, Editora Globo, 1960.)
Que mais é oportuno registrar com respeito
à linguagem? Continuemos a perquirir, recor­
rendo agora ao V ocabulário de Filosofia de An­
dré Lalande, da Sociedade Francesa (edição
espanhola), onde se registram quatro concei­
tos de linguagem. O primeiro: “(A)... expres-
sion verbal dei pensamento, sea interior sea
exterior” — e o último deles: “(D) Em sentido
más amplio, todo sistema que puede servir de
medio de comunicación. El lenguaje de los
gestos. Todos los organos de los sentidos pue-
den servir para um a lenguaje”. (André Lalan­
de, V ocabulário Técnico YCritico de L a Filosofia,
Buenos Aires, Libreria El Ateneo, 1953, p. 9.)
Ismael dos Santos reporta-se à linguagem
no seu aspecto de língua nacional, com a
evocação de que ela “servia até mesmo para
dem arcar fronteiras — onde se falava grego
era considerado território helênico”. Foram
essas observações que nos trariam asas à ima­
ginação e que suscitariam longas digressões,
caso fossem oportunas. É, porém, em sentido
menos amplo, que o autor dá os desdobra-
P refácio 9
mentos sugeridos pelo term o em tela, quando
discorre sobre “A linguagem da corrupção, a
linguagem da arrogância, a linguagem da re­
belião” e, indo ao outro polo, sobre “a lingua­
gem do Espírito”.
As considerações expendidas por Ismael
dos Santos sobre com unhão, tangem um dos
mais críticos pontos, o verdadeiro calcan h ar
d e Aquiles da comunidade cristã nos dias de
hoje. A ausência da verdadeira comunhão,
que se substitui por exclusivismo, desapreço,
indiferença, maledicência às vezes cruelmen­
te caluniosa, enfim pelo desamor, pelo oposto
da caridade, tem abalado incontáveis “alicer­
ces” individuais e tem comprometido mesmo
o nom e do evangelho aos olhos daquele que
reclam a de nós integridade como “testemu­
nhas de Cristo”.
O escritor apresenta impressionante libelo
contra a pseudo comunhão, a que se resume
a m eras e ineptas (felizmente!) máscaras a
encobrir aleivosias —e suas páginas m erecem
ecoar, e m erecem ser recebidas como agudas
pontas sobre as consciências. Conduzem-nos
à profundas reflexões e fazem em ergir em
nossa m em ória figuras que nos foram (ou nos
são) caríssimas, e que se recolheram a um
plano secundário, inconformadas com tantas
encenações, que vêm a ser assustadoras agres­
sões à pureza do cristianismo, sinônimo per­
feito da V erdade, irreco n ciliáv el com a
hipocrisia.
P a ra que todos s ejam um surge para ocupar
10 Para que todos sejam um
um grande espaço que urgia preencher. Que
este livro seja por muitos lido! E amado! Por­
que cham a a igreja para um a nova m aneira
de ser.
Jo a n y r de O liveira
INTRODUÇÃO

fecundo labor, a condução, a escola, os

O afazeres, enfim, a luta pela sobrevivên­


cia, fazem do hom em moderno um impro
sado atleta, que passa a vida inteira a correr,
sem tempo para si mesmo, para Deus e, muito
menos, para o seu semelhante.
O cristão, porém, não obstante sujeito à
m esm a rotina, precisa não apenas reservar
tem po para estar com Deus — porque sabe
que ele é a fonte de sua vida, mas tam bém
buscar fortalecer a cada novo dia os laços de
comunhão com o seu irmão.
Creia-me, o m aior desejo do coração de
Deus é que sejamos um! Se um Corpo não está
p e rfe ita m e n te sin cron izad o m ed ian te a
união de seus membros, seu desenvolvimen­
to e sua própria existência ficarão ameaçados.
De fato, existem obstáculos que há muito
deviam ter sido eliminados de nossas relações
fraternas. Ocorre que estamos tão preocupa­
12 Para que todos sejam um
dos com os nossos ideais, ou m esm o com as
atividades seculares da igreja, que acabamos
esquecendo-nos do irmão que está ao nosso
lado.
Sem a presunção de ter conseguido um a
obra completa, enfeixo nestas páginas um a
coletânea de idéias que julgo apropriadas ao
sentimento fraternal do povo evangélico. Este
trabalho pretende ser, sobretudo, instrum en­
to de conscientização e motivação à igreja de
Cristo na terra, para que satisfaça o desejo do
coração de Deus, tão bem aclarado na oração
sacerdotal do Mestre: “Eu não rogo somente
por estes, mas tam bém por aqueles que pela
sua palavra hão de crer em m im ; para que
todos sejam um , como tu, ó Pai, o és em m im ,
e eu em ti. Que eles tam bém sejam um em
nós, para que o mundo creia que tu m e en­
viaste. Eu lhes dei a glória que tu me deste,
para que sejam um, como nós somos u m ”
(João 17:20-22).
Que esta modesta obra nos leve a um a
m aior unidade em Cristo!
Ism ael dos Santos
Capítulo I

UMA SÓ
LINGUAGEM!

/■ linguagem se faz presente em qual-


-A^^Lquer grupo. Desde o alvorecer da his­
tó ria da hum anidade pode-se com provar
que todos os povos, m esm o os que se encon­
tram isolados ou semi-isolados da civilização,
possuem um a forma de transm itir idéias e
experiências de significados socialmente re­
conhecidos.
Linguagem, como ação comunicativa, ex­
pressa a m aneira de pensar, sentir e agir de
um a comunidade. Por meio dela dão-se as
relações e as iniciativas. Mais do que isto, a
fala une as pessoas, quer para o bem quer para
o mal. Dizem os historiadores que grande
parte das vitórias gregas deveu-se à unidade
linguística nacional, a qual servia até mesmo
para dem arcar fronteiras — onde se falava
grego era considerado território helênico. Co-
14 Para que todos sejam um
mo afirma Champlin: “A solidariedade cultu­
ral de um grupo se baseia em um idioma
com um ”. (Russel Norman Champlin, O Novo
Testam ento In terpretado, São Paulo, Editora
Milenium, vol. VI, 1980, p. 266.)
Há, naturalmente, fortes provas de que a
raça hum ana sempre tenha se deixado levar
por esta linguagem de grupo a fim de preser­
var sua unidade. Mas, tal solidariedade tem
sido procurada por caminhos opostos a Deus.
De fato, o hom em preferiu adotar um vocabu­
lário dosado de corrupção, orgulho e rebelião.

A linguagem da corrupção
Passaram-se cerca de mil e seiscentos e cin-
qüenta anos desde que Deus tinha criado o
primeiro hom em ; então, o Senhor volta o seu
olhar para a Terra, e o que seus olhos contem ­
plam deixa-o arrependido de ter criado o ser
humano, pois “viu Deus a terra, e que estava
corrompida” (Gênesis 6:12).
Eis os homens: estão a falar a mesm a lín­
gua, porém, língua de anarquia generalizada.
Era a prim eira tentativa hum ana para estabe­
lecer um a unidade alienada de Deus.
E, de lá para cá, o quadro continua desola­
dor. O m undo prossegue coesamente atrela­
do ao id iom a da lib ertin ag em coletiva.
Naqueles dias foi necessário o dilúvio para
desfazer a maléfica e corrupta sociedade con­
temporânea de Noé. Todavia, Deus continuou
trabalhando para levar a humanidade a um a
Uma só linguagem! 15
comunhão cujo resultado fosse um a só lin­
guagem de louvor à sua glória.

A linguagem da arrogância
Uns cem anos após Deus ter procurado
erradicar da civilização a linguagem da cor­
rupção, ele retorna a contemplar a Terra e
percebe que sua criação oficializou um novo
idioma. Os homens estavam literalmente fa­
lando a mesma linguagem: “a terra toda tinha
um a só língua, e um a só m aneira de falar”
(Gênesis 11:1). Eles sabiam da força existente
na unidade e tam bém de que o poder da
linguagem é persuasivo; então, conclam a­
ram : “façamo-nos um nome, para que não
sejamos espalhados sobre a face de toda a
terra” (Gênesis 11:4b). Ora, a torre erigida
seria um m arco de independência, um ponto
de referência para um a união declaradamen­
te embriagada pelo distanciamento de Deus.
Babel, um a confederação solidificada na
vaidade humana? Não! Os homens ainda não
tinham percebido que não poderíam manter-
se unidos enquanto não abandonassem o mi­
nado terreno do orgulho. Esta atmosfera de
lisonja levou o Senhor a agir e, como resulta­
do, o m onum ento erigido à custa da lingua­
gem da arrogância espatifou-se no solo duro
da segregação racial idiomática, com o surgi­
m ento de povos, tribos e nações.
Como é diferente a comunhão planejada
por Deus! Ela jam ais confunde ou separa;
antes, rompe os maus laços, omite as diferen­
16 Para que todos sejam um
ças e ultrapassa os tempos, unindo os povos
em um só corpo. Enquanto a unidade maqui­
nada pela m ente hu m an a volta-se contra
Deus, aquela que ele planejou procede do que
há de mais unido no Universo: a Trindade
divina.

A linguagem da rebelião
Se Deus decepcionou-se com as gerações
anteriores, muito m aior deve ter sido o seu
desagrado ao certificar-se de que a geração
que se cham a pelo seu nom e —Israel —estava
unida em torno da linguagem da rebelião.
Com efeito, a rebelião político-religiosa le­
vada a efeito por Coré, primo de Moisés, Datã
e Abirã, evidenciou a antiga verdade de que
qualquer solidariedade que não parta dos
céus sempre estará propensa ao mal.
Os coatitas e rubenitas rebelaram-se, não
contra Moisés apenas, mas diretamente con­
tra Deus. Foi um a espécie de psicose coletiva.
A propósito, a pior linguagem que podería ser
falada no meio do atual Israel de Deus — a
igreja de Cristo — é a linguagem da rebelião à
autoridade do próprio Deus.
Não há como duvidar de que o princípio da
rebeldia sempre corrói a beleza do Corpo. O
grande apóstolo das gentes — Paulo — ao
transm itir suas instruções ao jovem líder Ti­
móteo, advertiu-o de que “nos últimos tempos
alguns apostatarão da fé” (1 Timóteo 4:1).
Apostasia é rebelião, e o que Paulo estava
querendo dizer é que a linguagem da revolta
Uma só linguagem! 17
substituirá, para alguns, a linguagem da ge­
nuína fé cristã. Além disso, parece irrefutável
a idéia de que, muito em breve, a rebelião se
tornará a linguagem dominadora deste pla­
neta.
Mas, aleluia! Deus apresenta um a opção
m uito mais sublime e excelente para a hum a­
nidade.

A linguagem do Espírito
A nova era teria que ser iniciada com um a
nova linguagem e, por isso “todos foram
cheios do Espírito Santo, e com eçaram a falar
noutras línguas, conforme o Espírito Santo
lhes concedia que falassem” (Atos 2:4). No dia
de Pentecoste, cumpriu-se a promessa feita
através do profeta Sofonias: “Então darei lá­
bios puros aos povos, para que todos invo­
quem o nome do Senhor, para que o sirvam
de com um acordo” (Sofonias 3:9). Note-se que
um dos objetivos imediatos da descida do
Espírito foi que a humanidade, sem distinção
de cor, ritual ou situação geográfica, servisse
a Deus num mesmo e único espírito.
Ali estava gente “de todas as nações que
estão debaixo do céu” (Atos 2:5b), e todos
presenciaram as vozes de soberba e oposição
a Deus darem lugar a um novo som, o som da
unidade que brotou no Calvário e que, agora,
poderia ser ouvido nos quatro cantos da Ter­
ra, por meio do sopro do Espírito de Deus.
Aqueles cento e vinte irmãos reunidos no
Cenáculo tiveram seus corações abrasados e
18 Para que todos sejam um
ainda mais fortemente ligados ao sentir a real
presença do Espírito do Senhor.
Antes, na linguagem da arrogância, os ho­
mens se uniram para construir um a torre de
tijolos de barro, porém quando aqueles discí­
pulos de Cristo com eçaram a falar a lingua­
gem do Espírito, deu-se início à construção do
mais belo de todos os edifícios — o da comu­
nhão espiritual, cujo material para edificação
eram eles próprios, “pedras vivas”, como bem
lembra o apóstolo Pedro (1 Pedro 2:5).
Dali para frente os cidadãos do Reino dos
Céus conversariam num novo idioma, lin­
guagem esta que permitiría a cada cristão
extravasar sua necessidade de compreender e
ser igualmente compreendido. Essa lingua­
gem veio para derrubar os muros de separa­
ção, descongelar os “icebergs” da rivalidade e
fazer com que os homens respirem a própria
atm osfera dos céus. Naquele dia, quando
aqueles seguidores do Nazareno, na sua maio­
ria iletrados pescadores, receberam o prom e­
tido revestimento do alto, passaram a falar a
linguagem nativa dos céus, vinda, sobretudo,
para intensificar a unidade desejada por
Deus. Indubitavelmente, por detrás daquele
enchimento do Espírito havia um a positiva
resposta à oração sacerdotal de Cristo.
Esta, pois, foi a razão da explosão do cristia­
nismo; os cristãos primitivos passaram a falar
um a só linguagem, a linguagem da unidade
cristã. Não será outra linguagem que poderá
impactar o mundo de hoje!
Uma só linguagem! 19
Falemos um a só linguagem. Sejamos um
povo onde circula a voz da unidade. Aliás, o
idioma do Espírito, no qual se sobressai o
am or de Deus, é o segredo para um a vida
com unitária brilhante.
Capítulo II

VOCÊ SABE O QUE


É COMUNHÃO?

conceito de unidade cristã, tal como a

O Bíblia o apresenta, assume definições


várias. Destas, im porta destacar as que de
tam sentido completo, como veremos.

Com unhão é participação


Um relacionamento capaz de perm itir um a
participação de vida em com um , isto é co­
munhão!
De fato, o vocábulo comunhão pode ser
literalmente entendido como participação,
pois tam bém o é no sentido básico do original
grego.
Comungar fala do empenho de todos os
recursos na construção de um a inconfundí­
vel harm onia de coração e espírito. Não se
trata, portanto, de um a união m atem ática,
mas de um a unidade manifesta num inter-re-
22 Para que todos sejam um
lacionamento vivo, onde todos tenham um a
participação efetiva.
Como frisou James Thompson, “a fraterni­
dade não será real e nem bíblica a não ser que
todos os membros tenham um papel a desem­
penhar” (James Thompson, N ossa Vida Juntos,
São Paulo, Editora Vida Cristã, 1983, p. 127.)
Ora, participação é o ato de compartilhar, de
colocar aquilo que temos e somos à disposição
de outrem. Consiste em conjugar forças num
mesmo ideal, envolvendo-se com e pelos ou­
tros.
A propósito, unidade é um a AÇÃO UNIDA.
Uma participação que faz com que a nossa
comunhão transcenda a aparente unidade
tão com um nas associações humanas.
Se participação gera comunhão, o inverso
tam bém deve ser verdadeiro, pois os que tra­
zem a m arca do entusiasmo cristão não m e­
dem esforços em tom ar parte das iniciativas
do Corpo. Por isso, nunca se om ita de partici­
par, de ajudar, de se envolver. Participe! A
comunhão com eça por aí.

Comunhão é com panheirism o


Somos, por natureza, dotados de um senti­
mento gregário. Quando Deus nos criou, do­
tou-nos de um forte instinto de sociabilidade.
Daí sentirmos a necessidade de viver em gru­
po. Há, dentro de nós, um anseio por compa­
nheirismo. No dizer de Berger, sociólogo
norte-americano, “a biografia do indivíduo,
Você sabe o que é comunhão? 23
desde o nascimento, é a história de suas rela­
ções com outras pessoas”.
Até certo ponto não deixa de ser correto
afirmar, portanto, que comunhão é um pro­
cesso de amizade recíproca. Aqui está implí­
cita a idéia de que a amizade, quando sadia e
cristã, extrapola os limites de um a experiên­
cia natural, passando a ter um papel impor­
tantíssimo na vida cristã em comum.
O coleguismo sadio, caloroso, enaltece a
interdependência que Cristo desejou para o
seu Corpo. É por isso que devemos buscar
tem po para estar juntos, em com panhia uns
dos outros, sempre unidos no Senhor.
Em bora estejamos vivendo num a era de
indiferentismo hum ano, nós, que fomos re­
generados pela Cruz, precisamos de um a co­
m unhão onde o isolamento, a marginalização
e o desprezo pelo semelhante estejam com­
pletamente banidos.
Viver isolado, ilhado do relacionamento
com os outros irmãos, é um a maldição: “ai do
que estiver só; pois, caindo, não haverá quem
o levante”" (Eclesiastes 4:10b). Calvino dizia:
“Nenhum m em bro do corpo de Cristo rece­
beu um a perfeição tal que o torne apto a
suprir suas próprias necessidades, sem a as­
sistência dos outros”.
Estou persuadido da urgência de enraizar­
mos em nossas igrejas aquilo que costumo
ch a m a r de O peração B a m a b é. Tão antiga
quanto a igreja, esta prática nada mais é do
que ir ao encontro de algum m embro que
24 Para que todos sejam um
talvez se ache enclausurado num individua­
lismo superprivado, exilado da comunhão
por razões ínfimas ou simplesmente recuado
a um isolamento circunstancial, tal com o o
apóstolo Paulo (Atos 11:25), e trazê-lo para a
nossa “Antioquia”: o aconchego da com u­
nhão fraternal. Para Paulo, tornou-se Bam abé
um oásis no árido deserto da discriminação.
Com efeito, o que fez o “filho da consolação”
foi um a forma de integração do novo conver­
tido à igreja local. E quem não deseja receber
atenção, ser acolhido e compreendido ? Nada
pode ser mais fraternalmente unificador.
Paulo gravou isto no coração, e durante
todo o seu ministério teve por costume, sem­
pre que lhe era possível, andar acompanhado
de um ou mais companheiros. Ele entendeu
que isto era energia para o Corpo. Além disso,
não poucas vezes elevava aos céus um a pala­
vra de gratidão a Deus pelos seus companhei­
ros de jo rn ad a. Aliás, atitu d e digna de
imitação.
Com toda certeza, um a amizade dedicada,
que se manifesta em atos de afeição e interes­
se recíproco, é um perfeito elo para a com u­
nhão cristã. Afinal, Koinonia não significa
apenas um contato amistoso ou um a confra­
ternização amigável; é, sim, um relaciona­
mento de am or e companheirismo entre os
irmãos.

Comunhão é renúncia
Comunhão é tam bém um a questão de re­
Você sabe o que é comunhão? 25
núncia. Estar unido ao Corpo de Cristo é dis-
por-se a renunciar coisas que, aparentemen­
te, nos são legítimas, planos que nos trariam
vantagens, mas que no entanto, impedir-nos-
iam de com preender os interesses e as lutas
daqueles que estão ao nosso lado.
Os meios de comunicação nos arrastam à
um a excessiva preocupação com aquilo que é
nosso: aparência, posses, dotes, posição. En­
tão, passamos a ser embalados por um senti­
m ento de auto-suficiência quando, com o
membros do corpo, os outros deveriam ter
um grau de importância superior aos nossos
caprichos e ambições egoístas.
A Palavra de Deus é rica em exemplos de
vidas que renunciaram algo para que a co­
m unhão do grupo dos que são povo peculiar
do Senhor fosse um a realidade. Moisés, por
exemplo, “recusou ser chamado filho da filha
de Faraó, escolhendo antes ser maltratado
com o povo de Deus” (Hebreus 11:24b, 25a).
Este grande líder renunciou o próprio trono
egípcio para viver em comunhão com os seus
irmãos. E o que dizer de Paulo? Assumindo
um a atitude de “êxtase de am or e infinito
sentimento de com unhão”, no dizer de Ba­
con, o apóstolo declarou sua disposição para
ser um dos separados de Cristo (Romanos
9:3), caso fosse possível, para que a nação
israelita —da qual a maioria odiava tanto a ele
quanto ao seu Senhor —passasse a fazer parte
do Corpo.
Há algo de significativa autonegação nestas
26 Para que todos sejam um
palavras do apóstolo. Aos coríntios ele disse:
“Eu de muito boa vontade gastarei, e m e dei­
xarei gastar pelas vossas almas” (2 Coríntios
12:15a). Paulo procurava com diligência o
bem-estar daqueles crentes, embora se mos­
trassem, na ocasião, frios e indiferentes ao seu
ministério.
É basicamente nisto que está a veracidade
de nosso am or para com Cristo: o sacrifício
em favor do seu Corpo. E que valor poderia­
mos dar ao que fazemos, comparado ao que
ele fez? Voluntária e cabalmente ele renun­
ciou a si mesmo, a fim de que eu e você nos
tornássemos um nele.
Em sua oração sacerdotal existe um a re­
núncia incomparável. Voltemo-nos àquela ce­
na. Eram os últimos instantes de Cristo antes
de subir ao Calvário. Um tom de despedida
m arca suas palavras. Seu semblante sereno,
sua voz meiga, sua presença inconfundível,
tornam a oração que brotou dos seus lábios
um a das mais emocionantes que temos nos
registros sagrados. De súbito, os discípulos
escutam um a intercessão que os deixa extasia­
dos: “Eu não rogo somente por estes, mas
tam bém por aqueles que pela sua palavra hão
de crer em m im; para que todos sejam um ,
como tu, ó Pai, o és em m im , e eu em ti; que
tam bém eles sejam um em nós, para que o
mundo creia que tu me enviaste” (João 17:20,
21).
Era demais para os discípulos. Ali estava
diante deles o Senhor do Universo, o Todo-po-
Você sabe o que é comunhão? 27
deroso, declarando-se disposto a tom ar o cáli­
ce — símbolo máxim o da renúncia —para que
tanto eles como nós fôssemos um , como refle­
xo direto da unidade existente entre ele e o
Pai. Ora, é no seu exemplo que devemos nos
inspirar.
Verdadeiramente, não existe outro cami­
nho! Somente um a aceitação incondicional
do outro —poderá nos rem eter a um a bem-su­
cedida unidade.
Um dia, o apóstolo Paulo soube que duras
facções proliferavam no seio da igreja de Fili-
pos. Por isso, tomou da pena e escreveu com
autoridade: “Não atente cada um somente
para o que é seu, mas cada qual tam bém para
o que é dos outros” (Filipenses 2:4). Ele sabia
da eficácia do princípio da renúncia para res­
tau rar elos partidos.
Mormente quando insistimos em não ce­
der em nossos interesses, estamos sendo um
empecilho à unidade do Corpo. Temos de
aprender a renunciar, a optar por um estilo
de vida sacrificial e altruísta; do contrário
nossos esforços pela comunhão serão inúteis.
E o que dizer da maléfica preocupação com
o irm ão que está sendo mais abençoado do
que nós? Temos sofrido, não raro, a tentação
de não admitir o sucesso de outrem, quando
nós mesmos tivemos um inesperado retroces­
so.
São horas de sabor amargo, que tornam
inevitáveis um sorriso forçado, um a congra­
tulação inibida pela vitória alheia. Lá no re-
28 Para que todos sejam um
condito de nosso artificialismo, sentimos a
traça da frustração carcom endo implacavel­
mente. Tal sentimento não traduz, em abso­
luto, com unhão! Estar unido ao Corpo é
alegrar-se com a prosperidade de outrem, pro­
curando o seu progresso e motivando-o no
sentido de alcançar níveis ainda mais eleva­
dos. Descobrir o que há de melhor no irmão
é, inquestionavelmente, um desafio que exige
renúncia.
Que revolução! Imaginemos o que sucede­
ría se todos os que se dizem nascidos de novo
adotassem o princípio da renúncia, esquecen­
do seus interesses mesquinhos e tomassem a
firme decisão de assumir um real e fervoroso
interesse pelo irmão que está ao seu lado.
Seria, com toda certeza, um a revolução autên­
tica — a revolução do amor!

Comunhão é responsabilidade
É impraticável divorciarmos o compromis­
so com Deus do compromisso com o seu povo.
Quando nos propomos fazer parte do Corpo,
ficamos comprometidos não apenas com a
Cabeça — Cristo — mas tam bém com todos os
demais membros. Como se vê, comunhão de­
m anda compromisso; requer com prom eti­
mento de fidelidade e dedicação para com os
irmãos. Paulo, com voz enérgica, salienta a
responsabilidade que recai sobre cada m em ­
bro no tocante a este compromisso espiritual
e visível de uns para com os outros, quando
Você sabe o que é comunhão? 29
aconselha: “tenham os membros igual cuida­
do uns dos outros” (1 Coríntios 12:25b).
No primeiro capitulo de Gênesis, pode-se
observar que a prim eira responsabilidade da­
da ao hom em foi a de preservar a vida da
célula número um da sociedade — a família
(Gênesis 1:28).
Sabe por que não havia comunhão entre
Caim e Abel? Fácil! Porque Caim estava indi­
ferente quanto à divina responsabilidade de
guardião do seu irmão. É tão evidente que,
quando Deus o interrogou sobre o paradeiro
de Abel, o primeiro fatricida respondeu laco-
nicamente: “Não sei: sou eu guardador do
m eu irmão?” (Gênesis 4:9b).
Todavia, a resposta de Caim não o absolveu
de sua culpa. Apenas serviu para ressaltar seu
determ inante NÃO ao princípio de fraterni­
dade estabelecido pelo Senhor. Pobre Caim!
trocou a com panhia de Abel por um a vida
cheia de culpa e solidão.
Ora, se não me sinto responsável pelo meu
irm ão é porque certam ente nossa comunhão
acha-se interrompida, ou nunca existiu. Um
compromisso com Jesus Cristo tem que ser
obrigatoriam ente seguido de um sincero
com prom etim ento com o m eu irmão, nele.
Destarte, a ausência deste compromisso fra­
terno produzirá relacionamentos apáticos e
espiritualmente neutros.
Responsabilidade gera dependência m ú­
tua e a isto Caim não estava disposto. Mergu­
lhado em si mesmo, não alimentava nenhum a
30 Para que todos sejam um
preocupação altruística pelo seu irmão m e­
nor. Desconhecia que unidade envolve com ­
promisso, porque nela não apenas se recebe,
mas é preciso dar e doar-se. Assim, corroído
por um agudo sentimento de indiferença,
Caim lavrou sua própria sentença. Estar com ­
promissado fraternalmente significa um inte­
resse positivo pelos problemas, pelas lutas e
pelos ideais do irmão. Pois, quanto m aior for
o sentimento de responsabilidade entre um
grupo de cristãos, maiores serão os laços que
os unirão.
Certamente, o valor extraordinário da uni­
dade cristã deve nos levar a assumir sério e
profundo compromisso com o corpo. Deste
modo, firmados neste pacto de am or mútuo,
veremos florescer um a comunidade forte e
sadia.

Comunhão é cooperação
Operar junto, é assim que acontece a co­
munhão participativa. Refiro-me a um a co­
operação norteada para um a caridade mútua,
que traz em seu bojo a soma de esforços,
energias e disposição para a concretização de
um objetivo comum. Comunhão é, portanto,
ação em conjunto.
A unidade cristã deve ultrapassar os limites
da necessidade de relacionamento. Sua moti­
vação deve provir de um puro e inquebrantá-
vel sentimento de cooperação.
Parece necessário insistir na idéia de que
comunhão representa um a vida de m ão du-
Você sabe o que é comunhão? 31
pia. Daí ser a reciprocidade um elemento fun­
damental. Ser um com m eu irmão significa
que sou m em bro ativo de um a família dotada
da graça de dar e receber ininterruptamente.
Assim, você é ajudado quando ajuda, con­
fortado quando conforta, animado quando
anima. Você aprende com seu irmão e ele com
você; o sofrimento dele tam bém é sofrido por
você, e sua alegria é dele igualmente. Nosso
irmão passa a ser alguém com quem dividi­
mos vitórias e frustrações; alguém com quem
partilhamos nossas tristezas e triunfos.
Trata-se de um a dinâmica cooperação entre
os diferentes elementos que, desempenhan­
do, harm onicam ente, o serviço que lhes são
inerentes, contribuem para o aperfeiçoamen­
to do Corpo.
Mas, cuidado! Comunhão não é competi­
ção! As disputas dilaceram o Corpo. Além
disso, não é tão interessante aquilo que nós
podemos fazer sozinhos, mas sim, o trabalho
que podemos desempenhar em equipe. Estar
cooperando no mesmo espírito de comunhão
é contribuir para que haja um ambiente de
compreensão, entendimento e solidariedade
e, finalmente, de bem-estar entre os m em ­
bros.
O plano de Deus é que as necessidades
sejam supridas mutuamente. Afinal, recorrer
ao auxílio de alguém não é sinal de fraqueza,
antes, de maturidade! Por outro lado, é tempo
de parar e ouvir o que o irmão tem a dizer:
suas lutas e vitórias, seus receios e esperanças.
32 Para que todos sejam um
O afeto e o calor da comunhão estão em suprir
as carências do irmão. De fato, os resultados
são bem maiores e mais eficazes quando um a
igreja tem seus membros cooperando entre
si.
Talvez, a julgar por estas definições, ainda
estejamos distantes de um a com unhão frater­
nal perfeita. Lancemo-nos, portanto, num a
busca intensa de fortalecimento e solidifica­
ção de nossa unidade espiritual.
Capítulo III

FUNDAMENTOS DA
UNIDADE CRISTÃ

v
vista dos ensinam entos sagrados, a

A unidade cristã alicerça-se em bases de


que não se pode abrir m ão. Se assim n
fosse, existiría apenas um a reunião de pes­
soas e nunca um a união de salvos; além
disso, tais preceitos não apenas determ inam
a natureza da nossa com unhão, m as são eles
que perm item o pleno funcionam ento do
Corpo.

Nascer na família de Deus.


Unidade no Corpo de Cristo é, em essência,
fruto da regeneração. Saber como se vive na
família não é o mesm o que viver como um
membro da família, e ninguém pode incorpo­
rar-se à família de Deus sem ter experimenta­
do o novo nascimento.
Nascer de novo é pré-requisito absoluto pa­
34 Para que todos sejam um
ra am arm os os nossos irmãos. Esta é apenas
outra m aneira de reafirm ar o que já foi dito
por João: “qualquer que am a é nascido de
Deus e conhece a Deus” (1 João 4:7b).
Como ser um com alguém que não é leal à
Cabeça, a saber: Jesus Cristo? Ora, os que não
entram pela Porta continuam separados do
Senhor e desvinculados do seu Corpo, não
podendo, sob hipótese alguma, desfrutar da
comunhão existente entre os integrantes da
família de Deus.
“Andarão dois juntos, se não estiverem de
acordo?” indaga o profeta Amós (3:3). Absolu­
tamente. Os ideais, a postura, as atitudes do
não regenerado são contrários à natureza do
salvo e, se isto não bastasse, a Palavra adverte:
“Não vos prendais a um jugo desigual com os
infiéis; porque, que sociedade tem a justiça
com a injustiça? E que comunhão tem a luz
com as trevas?” (1 Coríntios 6:14).
Se com unhão é responsabilidade, como
posso assumir um compromisso de relaciona­
mento fraterno com indivíduos que são cúm ­
plices do reino das trevas? Aqui não se trata
de m era amizade com o descrente, mas, sim,
de entrosamento íntimo, no Senhor, com ele.
Tendo ingressado no Corpo através do no­
vo nascimento, capacitamo-nos a um relacio­
namento sincero e pleno, passando, tam bém ,
a usufruir da afinidade espiritual existente
entre os membros deste corpo.
Convêm considerar que unir-se a um a igre­
ja local não elimina a necessidade de regene­
Fundamentos da unidade cristã 35
ração. O caráter de salvo não se adquire por
meios comuns, mas tão somente pelo proces­
so do novo nascimento. Uma vez consumada
a conversão, dá-se um a transformação de va­
lores capaz de conduzir o indivíduo à comu­
nhão com a família.
A nova vida coletiva toma-se um absurdo
para o hom em natural, um mistério que ele
ignora. Porém, para o que nasceu de novo,
não há mais nenhum a dificuldade em com­
preender que a comunhão é um privilégio do
qual somente os salvos são dignos de desfru­
tar. O jovem Timóteo foi devidamente ins­
truído: “segue a justiça, a fé, a caridade, e a
paz”. Com quem? indagaria o leitor, e o mes­
mo texto responde: “com os que, com um
coração puro, invocam o Senhor” (2 Timóteo
2:22b).
Logo, estar unido a outrem, em Cristo, é
algo exclusivo dos que receberam a vida di-
m anada do Calvário. Na verdade, cristãos não
regenerados são sempre um perigoso foco de
discórdias e contendas estéreis.
Mas, quando estamos entranhadam ente li­
gados a Cristo, trazemos conosco um contí­
nuo sentimento de comunhão calorosa com
os nossos irmãos.

Base doutrinária
Sob a luz do evangelho, o vocábulo doutri­
na, que é usado cerca de vinte vezes nas pági­
nas neotestamentárias, define amplamente
os ensinos e as instruções à vida cristã. Se o
36 Para que todos sejam um
crente os praticar e a eles obedecer, obterá um
fortalecimento gradativo e profícuo no seu
relacionamento com Deus.
Fundamentos bíblicos distorcidos tornam
as ligações fracas, anêmicas, sem vida. Primei­
ram ente porque nossa unidade é orgânica e
não administrativa. Isto posto, não podemos
estar associados àqueles que disvirtuam ou
interpretam erroneam ente as Escrituras. Afi­
nal, seria ridículo se o pé esquerdo andasse
para trás enquanto o direito seguisse para
frente.
Disse o grande reform ador Martinho Lute-
ro: “Amaldiçoados sejam qualquer am or e
concórdia que coloquem em jogo a Palavra de
Deus”. Estar ligado a alguém que possui outro
fundamento além de Cristo é com ungar com
suas heresias, por isto: “Se alguém vem ter
convosco, e não traz esta doutrina, não o rece­
bais em casa, nem tam pouco o saudeis” (2
João 10).
A comunhão se achará prejudicada quando
nos associarmos com aqueles que fazem opo­
sição às verdades rudimentares do evange­
lho. De fato, a confusão doutrinária tem
causado divisões irreparáveis no Corpo de
Cristo, desde a primeira era do cristianismo,
pelo que os irmãos de Roma foram severa­
mente admoestados: “noteis os que prom o­
v e m d isse n sõ e s e e scâ n d a lo s c o n tra a
doutrina que aprendestes. Desviai-vos deles”
(Romanos 16:17b).
Todo e qualquer outro ensinamento que
Fundamentos da unidade cristã 37
não esteja em harm onia com a Palavra deve
ser veem entemente rejeitado. Distanciar-se
dos preciosos e sacrossantos ditames bíblicos
é am eaça dram ática e perigosa à unidade do
Corpo.
A sã doutrina leva à unidade e não à discór­
dia. Todavia, a comunhão autêntica jamais
poderá ser cúmplice do erro, e tam pouco po­
d erá aco b ertar falsos en sin am en tos por
“am or” à unidade. Não! A com unhão cristã
não pode ser chantageada, aceitando tudo
para agradar a todos. Ela é defensora dos
inconfundíveis ensinos do Mestre e o zelo
doutrinário só lhe traz benefícios. Assim, vi­
vamos um a comunhão mantida em toda a
verdade. Por outro lado, a sobrevivência da
unidade depende da nutrição espiritual que
cada m em bro recebe. Percebemos facilmente
que a ausência do alimento sólido (Hebreus
5:14) é a causa de haver membros fracos e
debilitados. É que o corpo estará fortalecido
só se for alimentado com a Palavra da sã
doutrina (1 Timóteo 4:6). Quanto mais afasta­
dos da Palavra mais sujeitos estaremos às
intrigas e dissensões.
O conhecimento bíblico atesta a robustez
do Corpo. Se um a comunidade se rege pela
Palavra, com o os cristãos prim itivos, que
“perseveraram na doutrina” (Atos 2:42), não
há por que tem er divisões.
Repito, o evangelho puro não separa; tal­
vez possam surgir divisões, em virtude da
defesa inescrupulosa de princípios e costu­
38 Para que todos sejam um
m es e sta b e le cid o s p elo h o m e m . In d is­
cutivelmente, existem igrejas locais que es­
tão, de certa forma, intoxicadas por regras e
tradições que acabam atrasando a tarefa uni­
ficadora do Espírito de Deus.
Se bem observarmos, as tradições mantidas
e praticadas em qualquer comunidade cristã
são insuficientes para m anter a comunhão.
Porém, as doutrinas cardinais da fé cristã,
quando tomadas como padrão de conduta,
nos conduzem a um a unidade singular e in­
dissolúvel.
Há, portanto, dois extremos que precisam
ser evitados: o descompasso entre a Palavra e
as tradições humanas, e a indiferença para
com as doutrinas fundamentais do cristianis­
mo.
Então, “andemos segundo o que já alcança­
m os” (Filipenses 3:16), pois o testem unho do
evangelho, se observado, é substância eficaz
para eliminar as disputas e controvérsias.

Amor que supera as diferenças


O am or é a mais bela expressão do cristia­
nismo. Qualquer relação fraternal desacom­
panhada desta virtude não passará de m ero
formalismo, destituído de qualquer im por­
tância.
Dwight Moody costumava dizer que “o pri­
meiro impulso de um novo convertido é o de
am ar”; destarte, o vazio que se vê em muitas
comunidades evangélicas é resultado imedia­
to da ausência deste am or fraternal. Ora, se
Fundamentos da unidade cristã 39
existe um a virtude que deve diferenciar o
grupo de cristãos dos demais agrupamentos,
tal virtude é o amor.
Comunhão é muito mais que um abraço
formal, um aperto de mão, um tapinha nas
costas; significa estar ligado em am or ao ou­
tro. Por conseguinte, se o am or que tenho a
Deus não é suficiente para envolver meu ir­
mão, m inha vida de fé é um a farsa, pois “se
alguém diz: eu amo a Deus, e aborrece a seu
irmão, é mentiroso” (1 João 4:20a). É impres­
cindível que aprendamos isto, ainda que te­
nham os que exercitar repetidas lições na
escola do amor.
A não ser a chave do amor, nenhum a outra
será capaz de abrir a porta que dá acesso ao
genuíno relacionamento cristão. No amor, te­
mos a fusão dos opostos, a junção dos extre­
mos. É o único denominador com um que
pode fazer que suportemos, pacientemente,
quaisquer diferenças existentes entre nós.
Viver em com unhão não significa, absolu­
tam ente, que eu não possa pensar de modo
diferente de m eu irmão, mas é a fiel interpre­
tação de que o am or entre nós existente supe­
ra tais diferenças. Todos percebemos os fatos
com relativa divergência. Não existem per­
cepções exatam ente iguais. Ninguém é igual
a outrem! Está provado cientificamente que
se fosse possível termos trezentos bilhões de
irmãos, todos seriam individualmente dife­
rentes.
Cada qual possui o seu próprio ponto de
40 Para que todos sejam um
vista; não somos iguais no agir e no pensar,
pois viemos de lugares diferentes, possuímos
formações distintas e peculiaridades ímpa­
res; mas isto não impede que sejamos UM em
Cristo. Sem violar a individualidade, o am or
elimina tais contrastes e faz-nos ocupar a mes­
m a posição de harm onia e unidade no Corpo.
Nosso Senhor não teve problemas com as
diferentes classes de pessoas que vinham a
ele, exatamente porque o am or dominava sua
vida, palavras e passos. Cristo é a revelação
perfeita do amor. Ele foi só am or em todo o
seu viver, e seu exemplo precisa ser cultivado
entre os seus seguidores.
A m arca do cristianismo é o amor: “por­
quanto o am or de Deus está derramado em
nossos corações pelo Espírito Santo que nos
foi dado” (Romanos 5:5b). Ora, considerando
que a constituição que rege a família dos sal­
vos fundamenta-se na lei do am or — “Novo
m andam ento vos dou: Amai-vos uns aos ou­
tros. Como eu vos amei a vós, assim tam bém
deveis am ar uns aos outros” (João 13:34) —tal
ordenança impõe-nos a obrigação de estar
sempre no lado oposto da contenda.
O que precisamos ver nas diferenças pes­
soais é a oportunidade para afirm ar a veraci­
dade da nossa união. À igreja de Tessalônica
o apóstolo recomendou “crescerem am or uns
para com os outros” (1 Tessalonicenses 3:12),
sabendo ele que o crescimento do Corpo é
determinado pelo grau de am or que há entre
os vários membros. Parece-nos que Paulo ob­
Fundamentos da unidade cristã 41
teve um a boa resposta ao seu apelo feito nesta
prim eira carta aos tessalonicenses, pois mais
tarde ele afirmou: “a vossa fé cresce muitíssi­
m o e o am or de cada um de vós aum enta de
uns para com os outros” (2 Tessalonicenses
1:3b).
Você am a o seu irmão ? Prove isto através
de um relacionamento amistoso, avalizado
pela compreensão e afeto fraternal. Se estiver­
mos expostos aos benditos raios do am or de
Deus não haverá perigo de sermos atingidos
pelas negras sombras da animosidade.
Portanto, não deixe que o am or fraterno se
torne arrefecido, antes “perm aneça o am or
fraternal” (Hebreus 13:1). Fuja do perigoso
despenhadeiro do ódio e corra para a inaba­
lável rocha do amor. Neste lugar seguro a
família de Deus se acha invulnerável às inves­
tidas da contenda e da discórdia. Ser guiado
pelo am or é, por certo, tom ar a direção da
mais pura e sólida comunhão, é decretar um
decisivo basta às disputas.
Sobretudo, é imperioso saber que na estufa
do am or existe calor suficiente para eliminar
nossas diferenças.

“Assim com o Cristo vos perdoou”


Perdão pode ser definido como o ato pelo
qual deixamos de levar em consideração a
ofensa de outrem. Esta é, tam bém , atitude
fundamental à com unhão cristã. Procure re­
fletir, por exemplo, no que seria da nau ava­
42 Para que todos sejam um
riada do ofensor, caso não existisse o firme
ancoradouro do perdão.
Antes de mais nada, ferimos o coração de
Deus quando insistimos em não perdoar, e
mais, estamos equipando Satanás com armas
que ele certam ente utilizará para deter o nos­
so progresso espiritual. Tomemos a sério a
recomendação paulina: “assim como Cristo
vos perdoou, assim fazei vós tam bém ” (Colos-
senses 3:13b).
Quando o perdão se ausenta, quem assume
seu lugar é a mágoa. Disse o Sábio que é mais
difícil ganhar de volta a amizade de um a
pessoa ofendida do que conquistar um a for­
taleza na guerra. As brigas são portas tranca­
das que fecham a vida dessa pessoa para você
(Provérbios 18:19 — Bíblia Viva). Isto quer
dizer que se torna difícil reconquistar o rela­
cionamento fraternal caloroso com um irmão
ofendido.
Existem cristãos que têm sede de contenda
e, por razões ínfimas, dão vazão ao rancor, à
cólera e à amargura. Tais atitudes são, fatal­
mente, nocivas à unidade do Corpo.
“Assim como Cristo vos perdoou”; ora, em
Cristo vemos o perdão que está livre de auto­
defesa, que não reivindica nenhuma razão
para si, que atua até na ausência de arrepen­
dimento do culpado.
Compete-nos, diante da ofensa, m oderar as
palavras, já que “a resposta branda desvia o
furor, mas a palavra dura suscita a ira” (Pro­
vérbios 15:1). Refrear o tem peram ento expio-
Fundamentos da unidade cristã 43
sivo, deixando-se controlar pelo Espírito San­
to, é contribuir para um a inter-relação assina­
lada pela harmonia.
Não importa qual seja a nossa posição no
Corpo, sempre seremos alvo de incompreen-
sões e ofensas; aqui, contudo, é precisamente
onde entra em atividade o divino princípio do
perdão. Em bora sujeitos à áreas de atritos, ao
acionar o perdão sufocamos a amargura, cuja
missão é tornar os relacionamentos ásperos e
envilecidos.
Quantas divisões ter-se-iam evitado se al­
guém se dispusesse a dizer: “eu perdôo”. Ter
os sentimentos afinados pelo diapasão de um
espírito perdoador é possibilitar que as feri­
das sejam curadas m utuamente, evitando-se
assim que as relações entre os irmãos fiquem
ameaçadas de naufrágio nas ondas bravias da
rivalidade.
Perdão é sinônimo de força! Força que eli­
m ina as mais duras facções e une os mais
distanciados corações.

O domínio da paz
Paz, afirma Phillip Keller, “é o espírito de
um a pessoa estar tão embebido da presença
do Espírito de Deus, que ela não se irrita com
facilidade. Não é um a pessoa susceptível. Não
se exaspera. Não fica enraivecida à-toa. Seu
orgulho não é facilmente ferido. (...) É um a
atitude de serenidade, calma e força, um a
atitude positiva, que reage ao ataque de ou­
trem com bom ânimo, tranqüilidade e grande
44 Para que todos sejam, um
quietude de espírito”. (Phillip Keller, Frutos
do E spírito Santo, Venda Nova, Editora Betâ-
nia, 1981, p. 89.)
Vê-se que a paz é tam bém um dos alicerces
básicos da unidade cristã: Não é em vão que a
Palavra nos dá o imperativo: “Tende paz entre
vós” (1 Tessalonicenses 5:13b). Observar tal
ordem é estar imunizado contra brigas e res­
sentimentos, pois esta paz nos m anterá afas­
ta d o s de d isp u tas e c o n tro v é rs ia s que
debilitam o corpo.
Paz, na concepção bíblica, é o oposto do
ódio, da contenda, da dissensão; ela atua co­
mo um a corda que am arra os corações, unifi­
cando-os em to rn o de C risto, evitand o,
conseqüentemente, que qualquer perturba­
ção fraternal venha a colocar em risco a soli­
dez da nossa comunhão.
Tem ainda a paz oferecida por Cristo a
virtuosa atribuição de servir de bálsamo no
instante em que algum m em bro do Corpo é
ferido; não só alivia a dor, mas, tam bém , neu­
traliza o veneno faccioso das guerras fratrici-
das.
Porém, esta paz não é obra de arte a ser
trabalhada em tela comum; é, sim, um a virtu­
de que deve ser buscada e vivenciada; ora,
promover a paz é refazer relações quebradas,
reconstruir pontes fraternais destruídas pelo
ódio, cim entar nossos relacionamentos.
Fora dos domínios da paz de Cristo não
existe, como se vê, possibilidade de a família
Fundamentos da unidade cristã 45
cristã manter-se unida. Mas, sob sua égide,
existirá harmonia!
Ater-se a estes fundamentos da comunhão
cristã é estabelecer bonança nas relações fra­
ternas perturbadas pelos ventos da discórdia.
Capítulo TV

UNIDOS PELA CRUZ

comunhão dos salvos é, positivamente,

A um resultado da cruz. Na cruz reside o


acesso exclusivo ao Corpo de Cristo. E e
não é um caminho florido de rosas, pétalas
perfumosas, paisagens arrebatadoras. A traje­
tória da unidade cristã não é outra senão a
que traz as marcas do madeiro.
Não existe outro itinerário, nem atalhos:
sem cruz não há como vincular-se ao Corpo;
somente o sangue borrifado naquela cruz do
meio é que pode ligar-nos uns aos outros.
Considerando-se que a cruz não se limitou
a reconciliar-nos com Deus, mas que sua obra
estendeu-se num a linha horizontal, fazendo
surgir um ponto singular de encontro entre
nós e os nossos semelhantes, temos nela a
força precisa e benfazeja para desfazer nossas
contradições; sob seus raios luminosos pode­
mos todos nos abraçar fraternalmente.
Através da cruz passamos, tam bém , ao es­
48 Para que todos sejam um
tado de crucificados para a vida centrada no
eu, que serve apenas para insuflar divisões.
Você já viu um morto reivindicar algum direi­
to para si? O exemplo é banal, não porém a
questão. Manifestamente, estar crucificado
com Cristo traz como conseqüência a filiação
num a comunidade cujos integrantes não vi­
vem mais para si mesmos.
Na senda do vitupério e do suplício, os
sentimentos egoístas, as provocações carnais,
as rixas desvairadas e outras manifestações
estranhas à natureza da cruz sucumbem na
presença do lenho, no alto.
De que Satanás não pode ultrapassar a li­
nha dem arcada pela cruz, ninguém tenha dú­
vidas; o que se passa é que “vivemos às vezes
como se o milagre da cruz não tivesse aconte­
cido”.(James Thompson, ob. cit. p. 102.) É essa
um a questão muito importante, pois a indife­
rença para com o Calvário tem perpetuado
intrigas que já deveríam ter sido definitiva­
mente erradicadas.
Que fazer, pois? Temos que nos voltar dia­
riamente para a senda que conduz ao Gólgo-
ta. Assim, daremos prova de que a ignomínia
a que expuseram Jesus não foi vã. Ainda mais,
demonstraremos fielmente que o sangue es­
pargido no Calvário foi suficiente para nos
tornar UM!
Paulo sentenciou que a cruz foi muito mais
que um pedaço de madeira, quando, tacita-
mente, ensinou que a missão de Cristo foi
“pela cruz reconciliar ambos com Deus em
Unidos pela cruz 49
um só corpo, matando com ela a inimizade”
(Efésios 2:16); isto demonstra, mais um a vez,
que a cruz foi erigida não somente para nos
reconciliar com Deus, mas, tam bém , para nos
unificar com nossos semelhantes.
Se nos reportarmos ao contexto histórico,
entenderemos melhor o que o apóstolo que­
ria ensinar com esta declaração. Havia, no
templo, um a parede que divisava o Pátio dos
Judeus do Pátio dos Gentios. Qualquer gentio
que ousasse ultrapassar os limites estabeleci­
dos estaria sujeito a pena de m orte, tam anha
era a rivalidade dos judeus para com os de­
mais povos!
Mas, o texto assevera que Cristo veio para
derrubar esta parede, unificando os povos em
um mesmo Corpo: “porque ele é a nossa paz,
o qual de ambos os povos fez um , e destruiu
a parede de separação, a barreira de inimiza­
de que estava no meio, desfazendo na sua
carne a lei dos mandamentos, que consistia
em ordenanças, para criar em si mesmo dos
dois um novo homem, fazendo a paz” (Efésios
2:14, 15). Com a cruz, as distinções foram
abolidas e todos foram conduzidos a um mes­
m o patamar. Aliás, a cruz é, indubitavelmen­
te, o principal instrum ento nivelador de
todos os tempos. Sua presença elimina com
eficácia as divergências, permitindo que ho­
mens de raça e credo diferentes passem a ter
igual acesso à vida comunal em Cristo.
Pela cruz Deus executou, magnificente-
m ente, o seu plano unificador. Agora, aqueles
50 Para que todos sejam um
povos, antes rivais, poderíam ter um relacio­
nam ento fraternal, sem preconceitos nem
privilégios parciais, pois Cristo aniquilou a
inimizade.
John MacArthur, em um a de suas m ensa­
gens sobre a unidade do Corpo de Cristo,
ilustrou muito bem esta verdade com a se­
guinte história: “Na França, na Segunda Gue­
rra Mundial, havia um cemitério católico.
Alguns rapazes haviam perdido um de seus
amigos e desejavam enterrá-lo. Já era noite e
os canhões haviam silenciado. Levaram, por­
tanto, o corpo à porta do cemitério, onde um
sacerdote estava parado, observando:
— Nós queremos que ele tenha um enterro
decente, disseram os rapazes.
O padre perguntou:
— Ele é católico?
A resposta foi negativa, a que o padre acres­
centou:
— Sinto muito, se não é católico, os regula­
mentos não perm item que seja enterrado
aqui.
Então, frustrados e tristes, levaram o corpo
e decidiram que, já que não podiam enterrá-lo
dentro do cemitério, iriam enterrá-lo bem
perto, do lado de fora da cerca. Encontraram
um pequeno lugar, a uns dois metros da cerca
de madeira. Cavaram a sepultura e enterra­
ram-no ali. Ao acordar no dia seguinte, levan-
taram-se e decidiram prestar suas últimas
homenagens ao saudoso amigo no seu túm u­
lo. Porém, não puderam achar o local onde o
Unidos pela cruz 51
haviam enterrado; tinha desaparecido, e não
podiam imaginar como isso acontecera.
Procuraram por toda a parte, e após um a
hora de buscas infrutíferas, resolveram per­
guntar ao sacerdote se sabia algo a respeito.
Assim, tiveram que contar-lhe toda a história.
E o sacerdote respondeu:
— Bem, na prim eira metade da noite eu
fiquei acordado sentindo remorsos pela mi­
nha atitude intransigente com vocês; passei o
resto da noite mudando a cerca de lugar!
Foi exatamente isto que Cristo fez: ele nos
pôs dentro das promessas e das alianças de
Deus, num a ação que foi além da lei, pela
graça. Jesus simplesmente tomou a cerca e
mudou-a de lugar. O Senhor removeu a bar­
reira, abriu o canal e agora judeus e gentios
encontram-se juntos em Cristo”.
Aleluia! A cruz foi a nova nota que soou na
sinfonia dos planos divinos. Nela, as mais
intrincadas desarmonias tiveram solução.
O Calvário tornou-se, verdadeiramente, o
único terreno onde pode crescer a frondosa
árvore da comunhão. Pelo caminho que passa
ao pé da cruz, podemos chegar juntos a Deus.
Na vitória da cruz está o triunfo da unidade.
Capítulo V

É FÁCIL DIVIDIR!

e o plano de Deus sempre foi o de unifi­

S car o seu povo, por que existem tantas


divisões?
Creio que as razões que passaremos a ana­
lisar são, em geral, as que mais causam bre­
chas na unidade do Corpo.

Individualismo acentuado
Diótrefes foi, com toda certeza, um dos
principais inimigos da comunhão vivenciada
pela igreja primitiva. Dele foi dito: “Escrevi
algumas palavras à igreja, mas Diótrefes, que
gosta de exercer a primazia, não nos recebe”
(3 João 9).
Seguram ente, o apóstolo João via nesta
arrogante postura de Diótrefes um a liderança
prepotente, permeada de ambições pessoais.
A curta biografia deste hom em deixa transpa­
recer alguém que se deleitava em vã jactância,
procurando construir seu próprio império
54 Para que todos sejam um
dentro da igreja, visando ditar ordens e diri­
gir, a seu bel-prazer, os rumos daquela con­
gregação.
São semelhantes a ele certos cristãos obce­
cados em perpetuar vantagens autopromo-
cionais, que causam à unidade do Corpo o
mesmo dano que a areia num a engrenagem:
compromete-lhe drasticamente o funciona­
mento.
A propósito, um a visão global da história da
civilizãção nos levará a concluir, sem muita
dificuldade, que os principais fatores de extin­
ção das sociedades antigas foram a ambição e
o orgulho.
Impérios e reinos tom baram quando seus
governantes deram vazão ao egoísmo impla­
cável. Quando não dessa forma, a extermina-
ção te v e o rig e m n a a m b içã o b ru ta l e
desumana de colonizadores e invasores que
destruíam tudo o que se atrevesse a estancar-
lhes a sede de maiores posses territoriais,
mais riquezas, mais poder. Este “mais para
m im ” tem sido o “carro-chefe” da desgraça,
não só de grandes impérios, mas tam bém de
pequenas sociedades como, por exemplo, a
família.
Permitiremos que o egoísmo faça rombos
tam bém na unidade do Corpo de Cristo? Não
exortou Paulo aos Filipenses: “Nada façais por
contenda ou por vangloria, mas por humilda­
de; cada um considere os outros superiores a
si mesmo. Não atente cada um somente para
Éfácil dividir! 55
o que é seu, mas cada qual tam bém para o
que é dos outros” (Filipenses 2:3,4)?
O que o ensino paulino está condenando é
a preocupação excessiva com nós mesmos, ao
invés de estarmos interessados num trata­
m ento preferencial para com os nossos ir­
m ãos. Com efeito, a atenção dem asiada
àquilo que nos pertence distancia-nos dos de­
mais. Trata-se, portanto, de um mal que pre­
cisamos combater.
A natureza adâmica anseia por aplausos,
mas quando olhamos para Cristo acabamos
percebendo que, em nós mesmos, não existe
razão alguma para jactância. O orgulho não
passa de um ilusório pedestal onde tentamos
firm ar vantagens próprias.
Logo, o culto à personalidade, o exibicionis­
m o e todo sentimento arrogante tornam-se
danosos à com unhão e, em conseqüência,
aguçam o esfacelamento de fraternais rela­
ções.
Em outra ocasião Paulo reitera: “Ninguém
busque o proveito próprio, antes cada um o
que é de outrem ” (1 Coríntios 10:24). Procu­
rar, antes de tudo, o bem-estar alheio, é con­
tribuir para um a unidade totalizante.
Cum pre-nos, p o r isso, m otivados pelo
am or de Deus, considerar com mais apreço os
interesses do próximo, sem importar-nos se
tal atitude trará ou não benefícios pessoais.
Por outro lado, nenhum ser hum ano pode
ser um a ilha. O isolamento é a antítese m áxi­
56 Para que todos sejam um
m a da comunhão. Quando um m em bro pen­
sa poder crescer sozinho, ele se atrofia.
Queiramos ou não admitir, um a síndrome
de isolacionismo se alastra em nossas igrejas.
O crescimento do individualismo tem sido
vertiginoso: cada um vivendo para si, buscan­
do o seu próprio bem.
Relutar em contar com o auxílio dos outros
é um a afronta à lei do amor; se depreciamos
a cooperação alheia provocamos maldosa-
mente o surgimento de rivalidades e antago­
nism os. Quando um m em bro pressupõe:
“Não m e interessa muito se os outros m em ­
bros estão ou não progredindo, o importante
é que eu cresça”, ele está caindo no ridículo,
pois “o olho não pode dizer à mão: não tenho
necessidade de ti” (1 Coríntios 12:21a). Que
monstruosidade seria ter-se mão m aior que o
braço!
No capítulo quatorze da primeira carta aos
Coríntios, há um veemente protesto contra o
individualismo de alguns crentes daquela co­
munidade. Ali, a comunhão estava fraciona-
da porque cada um daqueles irmãos exaltava
a função que lhe fora dada para exercer em
benefício do Corpo. Uma atitude interesseira
pervertia a serenidade e a pureza da unidade
cristã. Então, o apóstolo os advertiu: “Faça-se
tudo para edificação” (1 Coríntios 14:26b), de
m aneira que o valor da capacidade ou dos
dons pessoais está no seu uso para o benefício
com um do Corpo.
Esforcemo-nos, pois, no sentido de que ati­
Éfácil dividir! 57
tudes independentes cedam lugar a um forte
sentimento de comunhão. Afinal, se quere­
mos ser edificados em Cristo, devemos saber
que dependemos e precisamos dos demais
membros do seu Corpo.

Disputas carnais
No primeiro século da era cristã, Corinto
sobressaía-se como grande metrópole, além
de ser reduto da política romana na região.
Em Corinto, porém, os valores morais nada
valiam, e as distinções de classes eram acen-
tuadíssimas.
Foi neste ambiente que Paulo fundou a
igreja de Corinto. Anos depois, a família de
Cloé visita aqueles irmãos e vê um a comuni­
dade esfacelada por contendas absurdas.
Com temor, transm itiram a desagradável no­
tícia ao apóstolo que, imediatamente, tom a
da pena e remete um a carta àquela comuni­
dade, interrogando: “Está Cristo dividido?” (1
Coríntios 1:13a).
Por causa desse ímpeto contencioso que
pairava sobre os cristãos de Corinto, Paulo,
Cefas, Apoio e, até m esm o Cristo, passaram a
ser motivo de um a divisão quádrupla naque­
la igreja, como se o Senhor ou qualquer dos
outros líderes fosse possessão pessoal deles.
Cristo não pode ser dividido! Então, por
que nos lançarmos em disputas carnais? Ou,
por acaso, não é carnal sacrificar a paz entre
os irmãos a fim de manter-se posições egocên­
tricas? “Havendo entre vós inveja, contendas
58 Para que todos sejam um
e dissensões, não sois porventura carnais, e
não andais segundo os homens?” (1 Coríntios
3:3), indaga o apóstolo.
Também Tiago tinha convicção de que o
partidarismo é obra da carne: “De onde vêm
as guerras e contendas entre vós? Não vêm
disto, dos prazeres que nos vossos membros
guerreiam?” (Tiago 4:1). Se damos lugar às
disputas, substituímos a cruz de Cristo por
heróis ou doutrinas humanas. Com isso, agi­
mos como carnais.
Quando ficamos postados em nossas trin­
cheiras partidárias, obstruímos os relaciona­
m entos, dissolvemos os laços fraternos e
denegrimos a imagem da família de Deus. À
vista disso, “oh! quão bom e quão suave é que
os irmãos vivam em união” (Salmo 133:1).
Evódia e Síntique eram duas irmãs que
gozavam de boa reputação na igreja de Fili-
pos; ambas trabalhavam com galhardia em
prol do evangelho. Porém, “onde há inveja e
sentimento faccioso, aí há confusão e toda
obra m á” (Tiago 3:16). Foi necessário Paulo
apelar, verbal e diretamente: “Rogo a Evódia,
e rogo a Síntique, que sintam o m esm o no
Senhor” (Filipenses 4:2); ambas teriam que
declinar de suas preferências pessoais para
que a harm onia voltasse a reinar na igreja de
Filipos.
Dessas observações pode-se concluir que
dificilmente um a controvérsia trará benefí­
cio ao Corpo; além disso, não nos iludamos,
Deus aborrece “o que semeia contendas entre
É fácil dividir! 59
irm ãos” (Provérbios 6:19b). Enfim, evitemos
os propagadores de discórdia que, ao invés de
cuidar que a igreja se torne um lugar de pas­
tos verdejantes, transformam-na em campo
de batalha.

Más conversações
O emprego da língua, em más conversações,
tem produzido golpes cruéis no relacionamen­
to fraterno. Quantas amizades rompidas por
causa da língua incontrolável!
A língua “contamina todo o corpo” (Tiago
3:6). Se pararmos para refletir sobre isso, ve­
remos que se trata de um a conclusão óbvia:
podemos m acular a pureza da unidade se não
submetermos nossas conversas ao controle
do Espírito de Deus.
Palavras ferinas, descuidadas, duras, ditas
sem afeto e sem consideração, produzem o
rom pim ento dos mais resistentes selos de co­
munhão. De fato, “há alguns cujas palavras
são com o pontas de espada” (Provérbios
12:18a)!
No âmbito fraterno dos crentes não deveria
ser assim. Antes, nossas conversas deveríam
ser despojadas “da ira, da cólera, da malícia,
da maledicência, das palavras torpes” (Colos-
senses 3:8). Aliás, podemos inferir deste texto
a certeza de que é inavaliável o poder faccioso
de um a língua viperina.
O que é maledicência? Diz respeito às críti­
cas mordazes que fazemos às escondidas,
m orm ente carregadas de maldade e ressenti­
60 Para que todos sejam um
mentos. É falar injuriosamente do irmão. Por
isso, “irmãos, não faleis mal uns dos outros”
(Tiago 4:11a). Tiago, com este conselho, visa
corrigir conversas contenciosas que são fonte
de discórdia e intrigas no seio da família
cristã. Acrescente-se a isto que a confiança
m útua fica duramente abalada quando deixa­
mos vir à tona palavras frívolas.
Manter sob domínio nossas conversas evi­
tará m uita confusão! O que falamos exerce
influência decisiva em nosso relacionamento
com os demais membros do Corpo. Então,
como é de se esperar, nossas palavras devem
com unicar força e edificação. Confirma esta
afirmativa a Palavra de Deus: “Não saia de
vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a
que for boa para prom over a edificação, para
que dê graça aos que a ouvem” (Efésios 4:29).
Portanto, que dos nossos lábios aflorem sá­
bias palavras, que venham em benefício do
próximo e do fortalecimento da comunhão.

Julgamentos precipitados
Nossos julgamentos possuem um incrível
poder de atração sobre as desavenças e atritos
entre irmãos. Pior ainda é saber que esses
julgamentos, além de dosados de condenação
e punição, via de regra são destituídos da
inteiração dos fatos.
Certa feita, lendo um devocionário, ficou-
m e claro que “a crítica pressupõe que aquele
que está criticando conhece melhor e sabe
mais do que aquele que está sendo criticado;
É fácil dividir! 61
muitas vezes, a crítica é usada para disfarçar
as próprias incapacidades do crítico, tentan­
do agradar outras pessoas”.
Não raro, o julgamento que fazemos do
próxim o ignora suas qualidades e destaca
seus defeitos; e numa observação minuciosa
pode-se ainda verificar que, freqüentemente,
as opiniões que emitimos diferem da realida­
de. Será que nossa perfeição é tal que somos
capazes de im por condenação a outro m em ­
bro da família? Se não somos juizes compe­
te n te s de nós m esm os, m u ito m enos o
seremos de nosso semelhante!
Para explicar que é do poço da vã exaltação
que surgem as incompreensões e os desenten­
dimentos, que não poucos percalços têm cau­
sado à unidade do Corpo, Tiago escreveu:
“Tu, porém, quem és, que julgas ao próximo?”
(Tiago 4:12b).
Claramente se conclui, então, que não se
pode compensar defeitos pessoais, apontan­
do erros alheios; fazer isto é embutir no Corpo
a chaga da divisão. Na verdade, encontrar
prazer nas falhas de outrem é um a postura
demasiadamente rude num cristão nascido
de novo.
A difamação sempre fez guerra ferrenha à
fraternidade; diz o ditado: “Repetir um a calú­
nia é deitar azeite sobre o fogo”. Por isso, a
ordem divina a Israel foi: “Não andarás com
o mexeriqueiro entre os teus povos” (Levítico
19:16a).
Com a calúnia desacreditamos o irmão: tá­
62 Para que todos sejam um
tica grosseira que apenas revela total afasta­
m ento do am or fraterno. Com efeito, se acuso
o m eu irmão estou acusando a m im mesmo,
porque ele pertence ao mesmo Corpo a que
pertenço.
Seria muito bom que nos perguntássemos
antes de fazer qualquer com entário sobre ou­
trem : “que proveito isto trará ao Corpo?” Mas,
melhor ainda é dar ouvidos à exortação pau-
lina de fazer “todas as coisas sem m urm ura-
ções nem contendas” (Filipenses 2:14).
É fato real que os m urm uradores nunca
estão satisfeitos. Ainda que o serviço tenha
sido muito bem feito, sempre encontrarão
falhas. Nada lhes dá contentamento.
Em geral, os que estão dispostos a julgar
precipitadamente, carregam consigo a peno­
sa morosidade de aprovar o que os outros
fazem. Preferem reprovar sempre, aprovar
nunca!
Lembra-se do capítulo doze de Números?
Moisés, o líder espiritual de Israel, é duramen­
te criticado pelo fato de ter tomado um a mu­
lh e r e tío p e co m o esp o sa. Tal situ a çã o
provocou um mal-estar entre seus irmãos
Arão e Miriã, que tam bém eram auxiliares
diretos do grande líder. Não se sabe com m ui­
ta precisão o porquê de tam anho constrangi­
m ento de seus irmãos mais velhos, nesta
questão (preconceito racial?).
O certo é que o julgamento precipitado de
Arão e Miriã não atingiu apenas a pessoa de
Moisés, mas principalmente a autoridade que
Éfácil dividir! 63
Deus havia delegado a esse líder. Se analisar­
mos o contexto histórico-jurídico da época,
concluiremos que não havia lei que proibisse
Moisés de desposar aquela estrangeira.
Observe, porém, a descrição do hom em de
Deus: “Moisés era hom em m uito m anso,
mais do que todos os homens que havia na
terra.” (Números 12:3). Ele não se apressou
em buscar argumentos para sua defesa, sim­
plesmente se calou.
De fato, se na ânsia de salvaguardarmos
nossa reputação, revidarmos imediatamente
à critica que nos é dirigida, causaremos maior
im pacto ainda nas relações interpessoais.
Grande parte dos julgam entos teria suas for­
ças diminuídas, se respondéssemos a tais
afrontas com tem peram ento dócil e compas­
sivo. Senão, na luta pela defesa dos nossos
direitos, o coração se tornará insensível e o
espírito amargoso, a tal ponto que Cristo já
não mais terá influência em nós. Então, desa­
parecerá a unidade!
Devido à m urm uração de Arão e Miriã,
Israel teve que se deter em Hazerote por sete
dias (Números 12:15), até que Miriã cumpris­
se os dias de purificação de lepra (“prêm io” à
sua crítica descaridosa!). É inegável, pois, que
aqueles que m ergulham perdidamente nas
águas barrentas da m urm uração sempre de-
terão o avanço da igreja.
Não caia na cisterna dos boatos condená­
veis. Saiba, contritamente, transform ar quei­
xas e censuras em atitude de compreensão e
64 Para que todos sejam um
ajuda. Vamos, supere a crítica! Desarme os
julgamentos precipitados com um espírito
afável e genuinamente manso!
Capítulo VI

OS SETE LAÇOS DA
UNIDADE

*
confortador saber que a despeito da

E confusão eclesiástica que se faz sentir


em nossos dias, existem autênticos laços qu
unem os membros do Corpo de Cristo.
São laços reais, embora invisíveis, que sus­
tentam toda unidade cristã. Não se trata de
vínculos administrativos, governamentais ou
de qualquer outra natureza humana; antes,
são espirituais e nisto está a validade e eficácia
dos mesmos.
Em bora presentes em muitos textos das
Escrituras, o apóstolo Paulo os condensa com
brilhantismo na sua carta aos Efésios: “Há um
só corpo e um só Espírito, como tam bém
fostes chamados em um a só esperança da
vossa vocação; u m só Senhor, um a só fé, um
só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual
66 Para que todos sejam um
é sobre todos, e por todos e em todos” (Efésios
4:4-6).
Analisemos, separadamente, estes vínculos
da comunhão cristã.

Prim eiro laço: um só corpo


O texto principia por afirmar que “há um
só corpo” (v. 4) referindo-se, naturalm ente, à
Igreja Universal, composta de todos os arrola­
dos na família de Deus.
Se aprofundarmos devidamente a validade
deste conceito, descobriremos que o Corpo é
um a das analogias mais utilizadas nas cartas
paulinas; em não poucas ocasiões deparamo-
nos com afirmativas semelhantes à de Colos-
senses 3:15: “fostes chamados em um corpo”.
Tal analogia nos submete a um a perspectiva
sublime do cristão como membro de um Cor­
po glorioso e vivo: a igreja de Cristo — em que
as partes possuem, entre si, um inter-relacio-
nam ento que as to m a vitalmente unidas a
Cristo.
Ora, a comunhão atinge sua plena legitimi­
dade quando nos apropriamos desta verdade
contida no maravilhoso plano unificador de
Deus, a saber: cada m embro em particular é
parte com plem entar do Corpo de Cristo.

Segundo laço: um só Espírito


“E um só Espírito” (v. 4); aqui não se refere
ao espírito humano, e sim, à terceira pessoa
da Trindade: o Espírito Santo de Deus. Ele não
é, como muitos querem defender, m era in-
Os sete laços da unidade 67
fluência. É, sim, um a pessoa divina, real, sen­
sível e atuante na unidade do Corpo, que nos
conduz não apenas a um a comunhão íntima
com Deus, mas tam bém com os nossos ir­
mãos.
Em bora seja interessante prom over con­
gressos e outras reuniões que visam fortalecer
a unidade, se o Espírito Santo não for convi­
dado a atuar, será tudo desperdício, quando
muito um a formalidade religiosa a mais. Sua
ausência significará a substituição de um a
comunhão amorosa por um relacionamento
frio e mecânico.
Assim, sem o Espírito a unidade cristã per­
dería o seu sentido. É ele quem nos habilita a
viver distantes dos focos de agressão, reunin­
do-nos solidamente sobre o fundamento que
é Cristo. É ele que elimina os elementos sola-
padores da convivência fraternal e produz em
nós um a vontade férrea de servir ao Corpo.
Sua presença permite que a comunhão per­
m aneça ainda quando os ânimos ficam exal­
tados, curando nossas divisões e promovendo
um a unidade ímpar. Estar sob seus cuidados
é, conseqüentemente, deixar de “alfinetarmo-
nos” uns aos outros para desfrutarmos de
um a interdependência franca e sincera.

Terceiro laço: um a só esperança


Há um terceiro vínculo que o texto assim
expressa: “como tam bém fostes chamados
em um a só esperança da vossa vocação” (v.
4b).
68 Para que todos sejam um
Qual é a esperança do Corpo? Indubitavel­
m ente, a participação na glória, que a Cabeça
— Cristo — detém (Hebreus 2:10; Romanos
8:17-30). Incorreremos num erro fatal se limi­
tarmos a nossa filiação ao Corpo à vida terre-
nal. Paulo coloca isto no devido contexto: “Se
esperamos em Cristo só nesta vida, somos os
mais infelizes de todos os hom ens” (1 Corín-
tios 15:19).
A esperança é um fato auspicioso que faz
com que nossa comunhão ultrapasse as fron­
teiras da presente vida. Tanto é assim que este
anseio imperturbável dá-nos segurança bas­
tante para crer que, se todos comungamos
um a expectativa única, todos a gozaremos.
Ainda mais, esta esperança, configurada
num a vivida expectação coletiva, é o funda­
mento sobre o qual a unidade cristã atingirá
o seu zênite absoluto!

Quarto laço: um só Senhor


O que é fraternidade cristã? Uma vida co­
mum, cuja base é Jesus Cristo! No program a
unificador de Deus existe “um só Senhor” (v.
5), que é o centro de toda glória e autoridade
existente no Corpo.
Convém assinalar que a consciência de ser­
vir a um mesmo e único Senhor deveria ser
suficiente para rom per as animosidades e
atritos que, porventura, despontassem no ho­
rizonte da caminhada fraternal.
Se Cristo é Senhor da nossa unidade, ao nos
dividir não só rejeitamos o seu senhorio mas,
Os sete laços da unidade 69
criamos, desse modo, um corpo sem cabeça e,
obviamente, sem vida! Da preem inência de
Cristo depende a existência do Corpo, pois a
vida do Corpo é a vida dele.
Em Cristo habita a perfeita harm onia. O
pobre e o rico, o indouto e o sábio, o branco e
o amarelo, todos podem encontrar-se nele. Se
o mundo se voltasse para ele, não havería
direita nem esquerda, as distinções cessa­
riam, os extremos se encontrariam, os contrá­
rios se integrariam. Logo, em Cristo não há
tendências opostas.
Noutra perspectiva tem os a inamovível
convicção de que, para nossa felicidade, bre­
vem ente Deus fará “congregar em Cristo to­
das as coisas” (Efésios 1:10), e disto procede
algo mais do que m era apreciação escatológi-
ca; há, aqui, um a perfeita descrição da vonta­
de divina de tom ar Cristo Senhor reconhecido
de tudo e de todos! E, aleluia, assim será!

Quinto laço: um a só fé
A comunhão entre os irmãos tornar-se-ia
um ideal inatingível não fosse o efeito desta
“um a só fé” (v. 5). Paulo refere-se à um a co­
m um e positiva crença em Jesus Cristo.
Da igreja primitiva é dito que “todos os que
criam estavam juntos, e tinham tudo em co­
m um ” (Atos 2:44); note-se que a comunhão
existente entre os primeiros conversos ao cris­
tianismo acontecia entre “os que criam ”. Por
isso se compreende que, quando entregamos
nossa vida ao Senhor Jesus, tornamo-nos par­
70 Para que todos sejam um
te de um grupo que possui um a única fé; isto
é, de um povo que crê de um a com um manei­
ra.
Da m esm a forma que não podemos aproxi­
mar-nos de Deus sem o aval da fé, será infru­
tífera a tentativa de unir-nos ao Corpo sem fé.
Antes de tudo, somos um a família de fé!
Fé, nas Escrituras, revela diferenciadas sig­
nificações, duas das quais estão diretamente
relacionadas com a vida cristã comunitária.
Vejamos, primeiro, aquela fé que nos condu­
ziu à regeneração; se bem que esteja vincula­
da àquilo que, conscientemente cremos, não
é apenas um credo doutrinário com um , mas
um a fé que nos permitiu chegar ao conheci­
mento de Cristo e confessá-lo como nosso
Salvador e Senhor.
Numa outra ótica dispomos da fé funcio­
nal, que tem um a dupla finalidade: sustentar-
nos no presente e garantir-nos a perpetuidade
da vida com Deus.
Compete-nos exercitar essa confiança cole­
tiva, dirigida ao Senhor, para que nossa uni­
dade p e rm a n e ç a fo rte m e n te a lice rça d a
contra os embates da vida em conjunto; é
aquilo que os romanos são aconselhados a
fazer: consolar e serem consolados pela fé
m útua (Romanos 1:12).
Enquanto a incredulidade se interpõe en­
tre nós e nossos irmãos, a fé enriquece subli­
m em ente nossa vida com unitária. O que
ocorreu com os discípulos no Getsêmani, de­
veria servir-nos de lição contínua: foram es­
Os sete laços da unidade 71
palhados porque trocaram a fé pelo tem or
(João 16:32). É evidente, pois, que um a atmos­
fera fraternal carregada de dúvidas será sem­
pre terra fértil para desavenças e confusão.

Sexto laço: um só batismo


Que quer dizer “um só batism o” (v. 5)?
Certamente não se alude a um mesm o tipo de
cerimonial de batismo em águas, por mais
que o batismo espiritual seja cerimonialmen­
te simbolizado por este ato. Aqui, porém, está
em foco a nossa união com Cristo e conse-
qüentemente, com o seu Corpo.
A expressão “um só batismo” transcende,
por isso, em muito, a cerimônia simbólica de
imersão nas águas; Paulo, de m aneira não
menos enfática, explica aos Coríntios que “to­
dos nós fomos batizados em um só Espírito
formando um só corpo” (1 Coríntios 12:13a).
O texto salienta, dessa forma, que este batis­
m o indica nossa incorporação num a nova
comunidade, sem paralelo, eterna.

Sétimo laço: um só Deus


Finalmente o apóstolo das gentes dá um
esplêndido desfecho ao seu raciocínio, afir­
m ando que há “um só Deus e Pai de todos, o
qual é sobre todos, e por todos e em todos” (v.
6 ).
De início, parece-nos que o texto apresenta
certa ambigüidade, mas se o analisarmos cui­
dadosamente, veremos que o escritor quer
72 Para que todos sejam um
afirm ar que a unidade cristã é beneficiada
por um triplo aspecto divino.
Num primeiro estágio é-nos garantido que
DEUS É SOBRE TODOS, o que equivale dizer
que o seu domínio é total e supremo. Não há,
assim, exagero na afirmação de que nada po­
de fugir do seu poder unificador.
A imensidade deste domínio, por seme­
lhante modo, leva-nos a deduzir que Deus é o
sustentador de toda a criação. E posto que
todos os seres vivos estão sob o seu domínio,
muito mais a igreja, que é composta de seus
filhos.
Depois, é-nos dito que DEUS AGE POR
MEIO DE TODOS. Logo, ele é o único agente
sem o qual nenhum ato seria efetivado. Todo
poder de ação e m ovimento provém dele
“pois ele mesmo é quem dá a todos a vida, e
a respiração, e todas as coisas. Porque nele
vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos
17:25b, 28a).
Sua supremacia não pode ser burlada. O
universo todo opera alicerçado nele. Deus é,
pois, o sustentador de tudo quanto existe,
inclusive nossa unidade. Afinal, dele procede
a mais perfeita e poderosa ação unificadora.
Ora, se é “Deus quem opera tudo em todos”
(1 Coríntios 12:6b), não existe razão para dis­
putas e contendas entre os seus filhos.
Por último, Paulo declara que DEUS ESTÁ
EM TODOS. É irrefutável que, sem sua pre­
sença, tudo seria caos. Foi ele quem dispôs,
providencialmente, tudo o que existe no seu
Os sete laços da unidade 73
devido lugar. Sua onipresença desconhece li­
mitações.
Quando o nosso olhar está voltado para este
Deus soberano, a comunhão fraternal é gera­
da com espontaneidade. Se “Deus é um só”
(Romanos 3:30a), sua notabilíssima unidade
garante a unicidade do seu povo.
Capítulo VII

PRÁTICAS
REVOLUCIONÁRIAS

m erro com um da igreja evangélica do

U Século XX tem sido o esquecimento


acentuado de atitudes fundamentais esta
lecidas pelo evangelho de Jesus Cristo.
Longe de abolir estas determinações, preci­
samos confirmá-las e realçá-las. Tais práticas
sintetizam os princípios norteadores da uni­
dade cristã.
Não nos esqueçamos, contudo, de que um a
coisa é conhecer e apregoar estes princípios;
outra, bem diferente, é exercitá-los. Cumpre,
portanto, que nos esforcemos em reativá-los,
a fim de que o Corpo seja perfeitamente sau­
dável.

A prática da consolação
O consolador é alguém que se aproxima de
outrem com u m coração cheio de estímulo.
76 Para que todos sejam um
Consolar é dar coragem a um irmão de jorna­
da, ante circunstâncias aflitivas ou desanima-
doras.
“Consoleis os de pouco ânimo, sustenteis
os fracos, e sejais pacientes para com todos”
(1 Tessalonicenses 5:14b), foi o que rogou
Paulo aos irm ãos de Tessalônica. Ao cristão
cabe, sobretudo, a iniciativa de ir ao encon­
tro daqueles que estão à espera de um a ação
consoladora. A m útua assistência, quer em
palavras, quer em atitudes concretas de con­
solação, pode prodigiosam ente levantar o
caído, fortalecer o fraco, aliviar o sobrecarre­
gado, anim ar o abatido, am parar o que su­
cumbe.
A prática da consolação, traduzida num rela­
cionamento de apoio e estímulo mútuos, dá-nos
vida fraternal robustecida, além de encoraja­
m ento recíproco no caminho do Senhor.

A prática do conselho
Eis um a das mais importantes razões da
existência da igreja local, na qualidade de
grupo corporativo: o conselho mútuo. Numa
de suas exortações ao am or fraterno o apósto­
lo Paulo ordena: “A palavra de Cristo habite
em vós abundantemente, em toda a sabedo­
ria, ensinando-vos e admoestando-vos uns
aos outros” (Colossenses 3:16a); isso, um a vez
mais, reafirm a o propósito que deve perm ear
o envolvimento entre os irmãos: a prom oção
e o crescimento, através do compartilhar soli­
dário de conselhos e experiências.
Práticas revolucionárias 77
O conselho, naturalm ente, não consiste
apenas de palavras afáveis. Haverá situações
em que se fará necessário o uso da exortação,
particularm ente quando isto servir para des­
viar o irmão do erro, como bem adverte o
escritor aos Hebreus: “Exortai-vos uns aos ou­
tros todos os dias, durante o tem po que se
cham a Hoje, para que nenhum de vós se en­
dureça pelo engano do pecado” (Hebreus
3:13).
Ainda assim, em nossas palavras deve sem­
pre prevalecer um espírito cortês e agradável,
medida que, com beleza poética, recomendou
Salomão: “O óleo e o perfume alegram o cora­
ção, e a doçura do amigo vem do seu conselho”
(Provérbios 27:9).
Que Deus nos faça sábios conselheiros!

A prática da edificação
“Pelo que exortai-vos uns aos outros, e edi-
ficai-vos uns aos outros, como tam bém estais
fazendo (1 Tessalonicenses 5:11). Como edifi-
car e ser edificado num a vida comunitária?
Existem pelo menos duas maneiras de viven-
ciarmos um a edificação recíproca.
Por um lado, temos o exercício da confissão
m útua: “confessai as vossas culpas uns aos
outros” (Tiago 5:16a). Ainda que para muitos
isto tenha cheiro de confissão clerical, não é
por certo esta a intenção de Tiago. O apóstolo
nos fala da confissão entre irmãos, cujo obje­
tivo é obter-se auxílio na oração. Aliás, quan­
do param os para ouvir as falhas pessoais,
78 Para que todos sejam um
confessadas pelo próprio infrator, estamos
ajudando a levantar as mãos cansadas, e os
joelhos vacilantes... “para que o que é m anco
não se desvie inteiramente, antes seja cura­
do” (Hebreus 12:12, 13).
Por outro lado, temos o ministério da inter-
cessão mútua: “e orai uns pelos outros, para
serdes curados. A oração de um justo é pode­
rosa e eficaz” (Tiago 5:16b). Ao interceder,
levamos a carga do irm ão (Gênesis 6:2); lite­
ralmente, tomamos parte do peso que está
sob seus ombros e compartilhamos do seu
fardo.
Portanto, confissão e intercessão estão es­
treitam ente entrelaçadas na prática da edifi­
cação. Esta parceria faz arder no peito um
relacionamento vibrante entre os irmãos.
Edificar o companheiro de jornada é reafir­
m ar o nosso amor!

A prática da submissão
Não fora a submissão, seria impossível a
unidade de elementos tão divergentes em um
m esm o e único Corpo. Por isso, o Novo Testa­
m ento atribui papel destacadíssimo à sujei­
ção “no tem or de Cristo” (Efésios 5:21).
Submissão recíproca é um a interdepen­
dência de amor; não um a sujeição indiscrimi­
nada, m as um a disposição para valorizar,
antes de nossos próprios desejos tem porais, a
condição eterna do irmão.
Pedro nos alerta: “sede todos sujeitos uns
aos outros, e revesti-vos de humildade, por­
Práticas revolucionárias 79
que Deus resiste aos soberbos, mas dá graça
aos humildes” (1 Pedro 5:5b). Nasce daí a ver­
dade de que, removida a altivez, ter-se-á remo­
vido indesejáveis conflitos e ressentimentos.
Além do que, Pedro, dotado de agudíssima
sensibilidade, faz-nos record ar, com este
mandam ento, a ceia no Cenáculo, quando
Jesus, cingindo-se com um a toalha, lavou os
pés dos discípulos. Ele quis, com isto, de­
m onstrar o espírito ideal de submissão. Esta
sujeição recíproca, acionada pelo amor, e que
se exprime num a disposição altruística e vo­
luntária em servir desprendidamente, não
apenas é um claríssimo atestado de nosso
com panheirism o e estim a fraternal, m as,
tam bém , é tudo de que precisamos para revo­
lucionar o mundo! Se os de fora puderem
contemplar em nós um a submissão, em que
cada um considera os interesses do outro aci­
m a dos seus próprios, certam ente ficarão de­
sejosos de saber qual é o segredo.

A prática da m ansidão
Ser manso é, basicamente, subjugar tudo
que caracteriza a nossa índole obstinada, re­
belde, teimosa e hostil, em proveito da co­
munhão com o irmão.
Não deve passar despercebido que os man­
sos, fazendo agudo contraste à arrogância, ao
insulto e à ameaça, são perpassados por um
ameno sopro de serenidade, qualidade eficaz
na convivência norm al com os defeitos e as
virtudes do semelhante.
80 Para que todos sejam um
Há, entre outros, um texto sagrado precio­
síssimo sobre este assunto: “Quem entre vós
é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom
procedimento as suas obras em mansidão de
sabedoria” (Tiago 3:13); o que esta passagem
traz a lume é a notoriedade da presença da
mansidão em nossas palavras e, principal­
mente, obras.
Os irmãos de difícil convivência são inevi­
táveis! Você pode escolher um amigo, mas
não um irmão! Porém, se atentarmos para a
prática da m ansidão poderem os respirar,
sem m uita dificuldade, o ar puro da unidade
cristã.
Praticar a mansidão é rum ar definitiva­
m ente para um nível extraordinário de rela­
ções fraternas.

A prática da m isericórdia
Entenda-se misericórdia como sendo a ca­
pacidade de se ter um profundo interesse na
felicidade alheia. Pertinentemente, a miseri­
córdia a que o Mestre faz referência no Ser­
m ão da M ontanha registrado por Lucas:
“Sede pois misericordiosos, como tam bém
vosso Pai é misericordioso” (Lucas 6:36), cor­
responde a um a disposição amorosa que dá
diapasão à convivência de irmão com irmão.
Se alguém não trata o seu companheiro
com misericórdia, como pode esperar que
Deus use de misericórdia para com ele mes­
mo? “Porque o juízo será sem misericórdia
Práticas revolucionárias 81
sobre aquele que não usou de m isericórdia”
(Tiago 2:13a).
Exercer piedade significa pleitear pelo ir­
m ão vacilante; não que devamos tolerar o
erro, mas sim, que é nossa obrigação promo­
ver a restauração daquele que errou; em vez
de explorar suas falhas, precisamos suportá-
las amorosa e fraternalmente a fim de recon­
duzir nosso irmão errante à com unhão com
Deus. Destarte, se algum m embro for lesado
todo o Corpo deve estar atento.
Judas, por sua vez, ordena que sejamos
compassivos e piedosos com “alguns, que es­
tão duvidosos” (Judas 22b); como vemos, tam ­
bém a misericórdia se confirma na atitude de
procurarm os eliminar as dúvidas e preocupa­
ções que atorm entam morm ente cristãos m e­
nos esclarecidos.
Nossa unidade precisa ser sempre a expres­
são de nossa misericórdia, inserida na amabi-
lidade com que tratam os os outros. O profeta
Zacarias, revelando ao povo a vontade de
Deus, declarou: “Assim falou o Senhor dos
Exércitos, dizendo: Executai justiça verdadei­
ra, m ostrai bondade e misericórdia cada um
a seu irm ão” (Zacarias 7:9). É isto que nos fará
fortes no Senhor!
Sejamos, a cada novo dia, um instrumento
de misericórdia de Deus entre os irmãos.

A prática da hospitalidade
À sombra da hospitalidade, o evangelho
82 Para que todos sejam um
obteve grande prosperidade nos seus primei­
ros tempos.
Com freqüência, encontramos nas epísto­
las algum tipo de referência a essa prática; há,
entretanto, um texto indispensável, porque
considera não apenas o ato de receber alguém
em casa, conforme a praxe cristã primitiva,
mas um envolvimento social em benefício da
vida comunitária. Refiro-me ao que foi dito
aos Hebreus: “Não vos esqueçais da hospitali­
dade, por ela alguns, não o sabendo, hospeda­
ram anjos” (Hebreus 13:2).
Ser hospitaleiro im plica num gesto de
am or intenso que dá e que se doa a favor dos
irmãos. Por que não estarmos tam bém uni­
dos reciprocamente por laços acolhedores? O
desprezo desta prática cristã não se coaduna,
em circunstância alguma, com o espírito da
fraternidade.
Admiro o exemplo abnegado de Lídia; gra­
ve bem o que ela disse a Paulo e aos seus
companheiros de viagem: “Se haveis julgado
que eu seja fiel ao Senhor, entrai em m inha
casa, e ficai ali. E nos constrangeu a isso” (Atos
16:15b). A nova convertida abriu as portas de
sua casa àqueles missionários que, vindos a
Filipos, revelaram-lhe as verdades do evange­
lho.
Não parece ser esta um a postura com um
em nossos dias, mas se quisermos encontrar
a comunhão bíblica, tem os que nos prender
a atitudes iguais a esta, de distinta generosi­
dade.
Práticas revolucionárias 83
Ainda temos que aprender muito sobre tais
práticas, algumas até já adormecidas. Isso não
significa, porém, que modificações revolucio­
nárias não possam ter lugar a partir do pouco
que sabemos.
Capítulo VIII

O QUE TEMOS EM
COMUM

erca de duas dezenas de vezes surge nas

C páginas do Novo Testamento o vocábu­


lo KOINONIA; a alusão, explicitamente, d
respeito àquilo que é com um à família de
Deus.
Claro está que muitos são os fatores co­
muns aos eleitos; principalmente quando nos
lembramos de que os planos de Deus para a
humanidade estão entranhavelmente presos
a um conceito de coletividade.
Vejamos, pois, uns poucos aspectos destes
elementos que tem os em comum.

A m esm a cidadania
Somos um povo vinculado aos céus e, por
fazer parte das fileiras dos cidadãos celestiais,
vivemos num a dimensão não terrenal: “Mas
nós, segundo a sua promessa, aguardamos
86 Para que todos sejam um
novos céus e nova terra, nos quais habita a
justiça” (2 Pedro 3:13).
Repare-se ainda que há um a insistente
preocupação nos escritores neotestamentá-
rios para que nossas inclinações se fixem lá,
nessa nova cidade: “Pensai nas coisas que são
de cima, e não nas que são da terra” (Colos-
senses 3:2); ou então, declarações veementes
como esta, que não deixam dúvidas quanto a
que “a nossa cidade está nos céus” (Filipenses
3:20).
No dizer de H. H. Halley: “Andamos aqui,
mas nosso coração está ali”; por isso, não
deveriamos ressentir-nos quando o mundo
nos marginaliza: não somente somos estra­
nhos ao seu convívio, mas tam bém fazemos
ferrenha oposição às suas práticas.
Tendo rejeitado a cidadania m undana im­
porta-nos, então, buscar, diligentemente, a
cidade cujos fundamentos são inabaláveis.

A m esm a peregrinação
Considerando-se que nossa perm anência
neste m undo é transitória, embora im portan­
te e divinamente planejada, cabe-nos, na con­
dição de peregrinos, m archar juntos para a
pátria dos justificados pelo sangue do Cordei­
ro.
A propósito, o term o paróquia, em nossa
língua, procede do grego “parókis”, que quer
dizer “assembléia de estrangeiros”, o que vem
confirmar que nossa residência nesta terra é
provisória. Assim, observada esta condição
O que temos em comum 87
ineludível, é-nos imperativo deixar para trás
tudo aquilo quanto se nos apresenta nos esca-
ninhos da efemeridade. Aliás, chega a ser ri­
dículo ver cristãos vivendo sobrecarregados
de preocupações e superfluidades como se
nossa existência terrena fosse eterna. E não é
só. Seremos igualmente insensatos se o nosso
relacionamento com os demais peregrinos
for praticam ente nulo. Dá-nos a impressão de
que se poderá ter um cantinho hermetica-
m ente isolado lá na glória.
Nossa peregrinção deve estar toda ponti­
lhada de m arcos de solidariedade vital. Por
mais que forasteiros, formamos um a família.

A m esm a prom essa


As Sagradas Letras nos dizem que, por in­
termédio do Filho, todos recebemos “grandís­
simas e preciosas promessas” (2 Pedro 1:4);
tais promessas incorporam a plenitude das
bênçãos que há nele. A isso, acrescente-se o
fato de que nem mesmo os santos do passado
alcançaram a promessa na sua plenitude; co­
m o está escrito: “todos estes, tendo tido teste­
m unho pela fé, não alcançaram a promessa:
provendo Deus alguma coisa m elhor a nosso
respeito, para que eles sem nós não fossem
aperfeiçoados” (Hebreus 11:39, 40).
Michael Green esclarece: “A plenitude da
bem -aventurança será possível para alguns
quando for possível para todos”. (Michael
Green, Int. e Com. II P edro, São Paulo, Edições
Vida Nova e Mundo Cristão, 1983, p. 136.)
88 Para que todos sejam um
Somos, em potencial, detentores da m esm a
promessa, cuja concretização será, portanto,
com um a todos os salvos, sejam eles do passa­
do, do presente ou do futuro.

A m esm a corrida
Estamos num a m aratona: o curso é a vida
cristã, o alvo são as mansões celestiais e o
prêm io, superior às nossas expectativas, é
conquistado por cooperação!
O fato de que não correm os sozinhos é de
significativa inspiração; a carreira é com um a
todos quantos pretendem chegar às seguras
paragens celestiais. Por mais que estejamos
correndo em épocas distintas daquelas do
passado, todos correm os na m esm a trilha,
rumo à presença perene de Deus.
É bem possível, tam bém , que ao longo des­
te percurso existam corredores fadigados à
espera de um alento, porquanto cabe a cada
participante ser um entusiasmador do seu
companheiro de corrida.

O m esm o com bate


Nas suas epístolas o apóstolo Paulo se utili­
zou m uito do linguajar de combate, pois via
o cristão como um soldado combatente da
“boa milícia da fé” (1 Timóteo 6:12); mais do
que isto, havia neste líder um ardente anseio
de ver os seus ouvintes lutar unânimes, “com­
batendo juntam ente com o mesmo ânimo
pela fé do evangelho” (Filipenses 1:27b).
Um soldado sozinho, no campo de batalha,
O que temos em comum 89
tem pouquíssimas probabilidades de sobrevi­
ver. Faz-se necessária a companhia de outros
combatentes que lhe dêem cobertura, estímu­
lo e força.
É lamentável, porém, que a com unhão se
veja às vezes prejudicada porque muitos ir­
mãos utilizam todo o material bélico contra
os seus próprios companheiros de combate,
ferindo-se m utuamente. De fato, se Satanás
puder jogar-nos uns contra os outros, seu ca­
minho estará livre para aprisionar e destruir.
E, como derrotar o inimigo se nós mesmos
estamos divididos? Aqui jaz a tirania de nos­
sos desentendimentos!
Por certo, nada molesta tanto o relaciona­
m ento fraternal quanto um a “guerra civil”;
temos que rom per esta tendência através da
luta unida em defesa e propagação do evan­
gelho de Jesus Cristo.

A m esm a herança
Um destino com um nos envolve! Assim
como Canaã era um a possessão coletiva para
os israelitas, a herança eterna reservada por
Deus para os eleitos tam bém o é.
À luz das Escrituras tem os que Cristo nos
gerou “para um a herança incorruptível, incon-
taminável, e imarcescível, guardada nos céus
para vós” (1 Pedro 1:4); veja-se o envolvente
“vós”. Por isso, erram os quando idealizamos
um a herança particular. A natureza da nossa
herança é coletiva! O Corpo, na sua totalida­
90 Para que todos sejam um
de, se acha vocacionado para herdar as rique­
zas da eterna glória.
Esta herança, além de ser um vínculo de
união com os irmãos no presente, aponta pa­
ra o futuro de nossa unidade: a participação
com um da glória reservada aos remidos!
A herança que nos aguarda, fruto da m ente
divina, será surpreendente! Tinha razão o
saudoso com positor de m úsica evangélica
brasileira, Sérgio Pimenta (que já desfruta
hoje, em parte, desta herança celeste), em
dizer:
“Lá está o meu tesouro,
Lá onde não há choro,
Onde todos cantarem os juntos
Hinos de louvor ao Senhor”.
Capítulo IX

COMUNHÃO SEM
MÁSCARAS

omo haverá luz numa comunidade, por

C tênue que seja, se sombras de hipocrisia


pairam sobre os corações?
A duplicidade na vida cristã tem feito mais
mal à comunhão do que qualquer outra ano­
malia. Praticar atitudes desonestas é não só
perder a postura de m embro do Corpo, mas
tam bém m anchar sua formosura com nódoas
fúnebres. Quantos irmãos desiludidos com a
fraternidade cristã, por causa das máscaras!
Comunhão mascarada é condenável sob
todos os aspectos, pois funciona como um
desastroso obstáculo, dificultando nosso ir­
m ão a andar conosco. Por serem artificiais, as
reações fraternas passam a ser teatralizadas
no palco de corações gélidos; decorre disso
que os relacionamentos são sempre ensaia­
92 Para que todos sejam um
dos e completamente banidos da espontanei­
dade de espírito, tão salutar à comunhão.
Consultando os anais bíblicos descobrimos
que a arte de usar máscaras é tão antiga quan­
to o Éden. Ali, o exímio enganador inaugurou
sua prim eira fabriqueta de máscaras; e o ne­
gócio prosperou. Têm-se máscaras de todos os
modelos e com os mais variados tam anhos;
elas têm sido, ao longo da história do cristia­
nism o, um inim igo ardiloso da unidade
cristã.
Talvez, os primeiros cristãos a fazerem um a
visitinha ao “mercado das m áscaras” tenham
sido Ananias e Safira, e escolheram aquela
que lhes pudesse dar um a reputação de apa­
rente desprendimento e dedicação, quando,
na realidade, suas intenções estavam carrega­
das de hipocrisia. O resultado você conhece...
O uso de máscaras é, antes de tudo, um a
provocação ao Espírito de Deus (Atos 5:3).
Ainda que consigamos simular esta ou aquela
postura, fingindo que somos aquilo que na
realidade não somos; ou que, para obter cré­
dito junto à comunidade, consigamos iludir o
próxim o, nunca, porém , ludibridiarem os
aquele que perscruta os corações. O que aga­
salhamos no íntimo é que vale para Deus!
Arranque as máscaras! Você as usa quando
negligencia a afeição para com os demais
m embros; quando aperta a mão do próximo
com o coração corroído pela rivalidade; quan­
do elogia outrem mas acalenta no íntimo in­
veja e antipatia.
Comunhão sem máscaras 93
Vamos! Retire o véu! Ele só serve para avi­
var labaredas de discórdia e desconfiança,
denegrindo e enfraquecendo o relaciona­
m ento de irmão com irmão.
Com ungar sem máscaras é viver o que
apregoamos, praticar o que defendemos. Ora,
nosso testemunho verbal deve compatibili­
zar-se com o nosso testemunho de vida; então,
a comunhão dar-se-á sem obscuridades.
Herdamos a falsa concepção de que é ver­
gonhoso revelar quedas e fraquezas pessoais.
Por que razão esconder erros e defeitos atrás
de um a fachada hipócrita? Por que abrigar,
por detrás de um véu, a presunção e o perfec­
cionismo carnal? Afinal, “nada há encoberto
que não haja de ser descoberto; nem oculto,
que não haja de ser sabido” (Lucas 12:2). Na
transparência de cada m em bro consiste a pu­
reza da unidade cristã. O mais notável, no
relacionamento fraterno, é quando os outros
podem enxergar além da nossa aparência.
Aliás, é funesto querer ser diante de alguém
aquilo que não somos diante de Deus!
Confesso que sempre fico impressionado
com o testemunho de vida cintilante do após­
tolo Paulo. Ele não tem ia sustentar que “a
nossa glória é esta: o testem unho da nossa
consciência, de que com simplicidade e since­
ridade de Deus, não com sabedoria carnal,
mas na graça de Deus, temos vivido no mun­
do, e especialmente para convosco” (2 Corín-
tios 1:12).
Na maioria das vezes que Paulo utiliza o
94 Para que todos sejam um
term o sinceridade, ele emprega a palavra “ei-
likrineia”. O grego aqui sugere “ser puro mes­
mo à luz do sol”. É o m ínimo que se requer do
cristão: coerência entre o que ele é e o que
aparenta ser. Assim, para que apareça seu real
caráter é imprescindível que caiam as másca­
ras.
A comunhão nos obriga a usar de plena
franqueza para com os irmãos. Trata-se de
um a questão de honestidade para com aque­
les a quem Cristo nos uniu.
De fato, a artificialidade se consolida quan­
do o tem or de que os outros saibam quem
realm ente somos leva-nos a um relaciona­
m ento pincelado de verniz. Não nos sur­
p re e n d e que v iv a m o s u m a c o m u n h ã o
agonizante! Entretanto, cedo esta fina cam a­
da de verniz desaparecerá e, então, será vexa­
tório o que os outros fatalmente verão em nós.
Lembro-me de ter lido que “é muito fácil
vivermos superficial e ostensivamente, com
tudo em ordem, escondendo a pessoa real que
somos. Temos a necessidade de ser como Je­
sus, interna e externam ente, em nossas atitu­
des, reações e motivações. O processo pode
ser doloroso, mas a liberdade que resulta
quando as máscaras são colocadas de lado e
podemos viver honesta e abertamente, uns
perante os outros, é compensadora e agradá­
vel ao Senhor”.
A consideração m útua e intensa, uns pelos
outros, é a maneira mais eficiente e cristã de
lançarm os fora as afeições hipócritas. Se que­
Comunhão sem máscaras 95
remos, pois, um a comunidade cristã onde
todos sejam UM, só nos é lícito exibir a glória
e o am or de Cristo!
Capítulo X

COMUNHÃO E
PARTILHA

eduzir a unidade cristã à um a concep­

R ção puram ente abstrata é, convenha­


m os, distanciar-se do padrão de bond
neotestam entário, pois estaríamos despre­
zando algo de expressiva eficácia na consoli­
d a çã o f ra te r n a l. C o m u n h ão n ão p ode
limitar-se a palavras, deve ser atos! Unidade
não depende de quanto falamos, mas de
quanto fazemos. Ora, a vida comunal do cor­
po demanda preocupação pelas condições fí­
sicas e materiais dos menos privilegiados.
Não há como fugir desta obrigação. É a lei do
amor, manifesta numa partilha generosa de
recursos. Isto é cristianismo prático!
O Senhor sempre defendeu os direitos dos
desvalidos e necessitados. O seu interesse pe­
los desfavorecidos é pertinente à sua Palavra.
Salomão, compreendendo isto, afirmou: “Ao
98 Para que todos sejam um
Senhor empresta o que se compadece do po­
bre, e ele lhe pagará o seu beneficio” (Provér­
bios 19:17). Vê-se, p o rtan to , que a m ais
sim p le s b e n e v o lê n c ia te r á ju s to re co ­
nhecimento daquele que tudo vê. É indiscutí­
vel que o capítulo vinte e cinco de Mateus faz
clara referência ao julgamento das nações;
entretanto, as palavras dirigidas aos benfeito­
res deveríam causar-nos séria reflexão: “Por­
que tive fome, e me destes de comer; tive sede
e me destes de beber; era forasteiro, e m e
hospedastes; estava nu, e m e vestistes; estive
enfermo, e me visitastes, preso e fostes ver­
m e”. E a narrativa acrescenta: “Então os justos
lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te
vimos com fome, e te demos de comer? ou
com sede, e te demos de beber? E quando te
vimos estrangeiro, e te hospedamos? ou nu, e
te vestimos? E quando te vimos enfermo, ou
na prisão, e fomos ver-te? E, respondendo o
Rei lhes dirá: Em verdade vos digo que, quan­
do o fizestes a um destes meus pequeninos
irmãos, a m im o fizestes” (Mateus 25:35-40).
Julgo que com isto fica implicitamente proi­
bido refutar as implicações sociais do evange­
lho.
O cristianism o ter-se-ia m antido m uito
mais cristalino não fosse o peremptório afas­
tamento de um a conduta compassiva e espon­
tânea entre muitos que se cham am pelo
nome de Cristo. Tiago faz-nos lembrar que “a
religião pura e imaculada para com Deus, o
Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas
Comunhão e partüha 99
tribulações, e guardar-se da corrupção do
m undo” (Tiago 1:27).
Este conceito conduz nosso pensamento
imediatamente à vida com unitária da igreja
nos seus primórdios, quando “não havia en­
tre eles necessitado algum; pois todos os que
possuíam herdades ou casas, vendendo-as,
traziam o preço do que fora vendido, e o
depositavam aos pés dos apóstolos. E repar­
tia-se a cada um , segundo a sua necessidade”
(Atos 4:34, 35). Deduz-se, pois, que a congre­
gação primitiva possuía um fundo para aten­
der aos pobres e desvalidos.
Entre os primeiros convertidos, o zelo pelos
membros em necessidade era de um brilhan­
tismo peculiar. Lapidados pelo am or, parti­
lhavam generosamente os seus recursos a fim
de aliviar a dor de um irmão carente. Para
sermos precisos, a comunhão que os envolvia
canalizava a singular experiência de am ar
não “de palavra, nem de língua, mas por obra
e em verdade” (1 João 3:18).
Poderosa virtude é a caridade, principal­
m ente quando expressa em “philadelphia” —
am or fraternal. Paulo advogava constante­
mente em favor dos irmãos necessitados, aler­
tando a que “enquanto temos tempo, façamos
bem a todos, mas principalmente aos domés­
ticos da fé” (Gálatas 6:10). Por certo, o apóstolo
não está impedindo que o com partilhar de
recursos extrapole o círculo da irmandade;
porém, é flagrante que a vida caridosa deve
ter intensidade m aior entre os irmãos.
100 Para que todos sejam um
Ora, fechar os olhos a um m em bro necessi­
tado, negar-lhe um bocado de pão ou m esm o
a partilha de nossas posses, se preciso, é pior
do que indiferença, é pecado: “Aquele, pois,
que sabe fazer o bem e não o faz, com ete
pecado” (Tiago 4:17).
Novamente, Tiago nos lembra de que não
se pode negar a dimensão de reciprocidade da
comunhão cristã: “se o irmão ou a irm ã esti­
verem nus, e tiverem falta de m antim ento
cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em
paz; aquentai-vos e fartai-vos, mas não lhes
derdes as coisas necessárias para o corpo, que
proveito há nisso?” (Tiago 2:15, 16). O teste­
munho do cristão deve, como se conclui, ser
traduzido no pronto exercício do amor. Se o
am or de Deus está derramado em nossos co­
rações, com liberalidade nos im portaremos
com o possível bem-estar do semelhante. De
outra forma, questiona o apóstolo do amor:
“Quem pois tiver bens do mundo, e, vendo o
seu irmão necessitado, lhe cerrar as suas en­
tran h as, com o estará nele a caridade de
Deus?” (1 João 3:17).
Destarte, m inistrar aos pobres, visitar os
encarcerados, assistir aos indigentes, acudir
aos menos favorecidos, socorrer alguém em
precário estado vivencial, am parar o irmão
nas necessidades básicas, enfim, servir de for­
m a efetiva e com atos de compaixão na área
da beneficência cristã, revela concretam ente
a generosidade do nosso coração. E mais ain­
da: quando tais atitudes são ditadas pelo am or
Comunhão e partilha 101
fraterno, trazem incalculável benefício à uni­
dade do Corpo. Por isso, as igrejas locais de­
vem estim ular cada m embro para que se
envolva na ajuda aos necessitados, aliviando
o sofrimento do próximo e, m orm ente, dos
irmãos da fé.
A partilha dos bens materiais é um teste de
am or pelo qual devem passar todos os m em ­
bros do Corpo local.
Capítulo XI

DIVERSIDADE NA
UNIDADE

rariedade sempre esteve no roteiro do


spírito Santo, o que, longe de dar las­
tro à desunião, proporciona ao Corpo sólido
desenvolvimento.
De igual modo, no Novo Testamento, a fra­
ternidade dos crentes é vista sob este prisma
de multiplicidade: “Porque tam bém o corpo
não é um membro, mas m uitos” (1 Coríntios
12:14).
É conveniente, num a prim eira análise, re­
futar a falsa idéia de que unidade possui a
m esm a significação que igualdade. Comu­
nhão não quer dizer ligação entre coisas uni­
formes; trata-se de um fenômeno que ocorre
entre elementos diferentes. Daí diversidade
não ser sinônimo de divisão. Ressalte-se que
a magnificência do Corpo está na unicidade
de membros com funções distintas. De outra
104 Para que todos sejam um
forma, num a perspectiva cristã, seríamos coa­
gidos a pensar e agir como o nosso irmão
pensa e age; e não é assim que ocorre.
No corpo humano temos a analogia perfei­
ta para entender o processo de diversidade na
unidade. Um corpo é constituído de múlti­
plos membros, e, por m aior que seja a interli­
gação existente entre si, possuem as mais
diversificadas operações. Transpondo este sí­
mile para o campo da unidade bíblica, temos
que cada membro, individualmente, possui
um a missão específica a cumprir, em benefí­
cio do todo.
Resta-nos saber, convictamente, o que rece­
bemos para desempenhar no Corpo de Cristo.
Se você ainda tem dúvidas quanto às suas
dotações espirituais, um estudo criterioso das
(pelo menos) cinco listas neotestamentárias
relativas aos dons e ministérios à disposição
dos membros do Corpo, deixá-lo-á perfeita-
mente esclarecido. Depois, peça ao Espírito
Santo que o oriente a desenvolver, não apenas
o que você deseja ou de que é capaz, mas com
prioridade, aquilo de que o Corpo necessita.
Como frisamos logo à entrada deste capítu­
lo, m esm o sendo um único Corpo, são muitas
as funções distribuídas de modo apropriado
a cada membro; e todos, por menos habilita­
dos que pareçam ser, devem realizar o que
lhes compete.
Existem duas maneiras errôneas de enca­
rarm os os talentos. Num extremo, está a jac-
tância pela posse deste ou daquele dom. Essa
Diversidade na unidade 105
atitude indica, no mínimo, um sintoma de
imaturidade espiritual. No extremo oposto,
encontramos a depreciação do dom recebido,
tornando-o inútil por absoluta inércia.
Tanto a auto-suficiência quanto a omissão,
para não citar a concorrência abominável,
m ilitam resistentemente contra o fraternal
bem-estar do povo de Deus.
Se recuso exercer o talento recebido ou se o
valorizo demasiadamente, estou opondo-me
ao princípio da diversidade na unidade. As­
sim se explica que as divisões vicejam com
negativa grandeza quando não há equilíbrio
na manifestação dos dons espirituais.
É imediato concluir que Deus deseja con­
tem plar na sua família um a ação em conjun­
to. Pertencendo uns aos outros e estando
ajustados no Corpo eclesiástico, devemos for­
m ar um a unidade compacta.
Insatisfeito com a situação da igreja em
Corinto, Paulo delineou com clareza o alvo
das concessões feitas pelo Espírito de Deus: “A
cada um , porém, é dada a manifestação do
Espírito para o proveito com um ” (1 Coríntios
12:7, ARA); observe-se, então, que na vertente
dessas operações sobrenaturais, situa-se a fi­
nalidade de prom over o desenvolvimento
m útuo e a coesão interna dos membros entre
si.
Ainda que a tarefa que cada um recebe é
impar, isto não impede a unicidade; ao con­
trário, fortalece-a. O que realizamos com fide­
lidade e diligência a favor do Corpo trará,
106 Para que todos sejam um
sobretudo, um resultado essencialmente uni-
ficador. Como seiva sempre nova, o ajusta­
m ento de nossas funções, no Corpo, indicará
o vigor da m útua dependência.
De outra feita, aplicando a m esm a analogia
do corpo humano, o apóstolo dos gentios ex­
plicou: “Porque assim como em um corpo
temos muitos membros, e nem todos os m em ­
bros têm a m esm a operação, assim nós, que
somos muitos, somos um só corpo em Cristo,
mas individualmente membros uns dos ou­
tros” (Romanos 12:4,5). O raciocínio de Paulo
é magnífico! Uma vez que ele não estava inte­
ressado em dar um tom aristocrático nem
elitista aos dons, podemos crer que todos fo­
mos chamados para “o aperfeiçoamento dos
santos” e “edificação do corpo de Cristo” (Efé-
sios 4:12).
Às vezes visualizamos injustamente a capa­
citação espiritual que o Espírito distribui para
o bem comum. Quem sabe, devido à ênfase
nos dons e ministérios de liderança, tem-se
abafado o sacerdócio universal que incide so­
bre cada membro do Corpo de Cristo. Sucede,
no entanto, que o leigo (literalmente “alguém
do povo”), é o meio mais capaz de, sob a unção
de Deus, fazer com que o Corpo tenha um
crescimento equilibrado.
Tendo todos, sem exceção, sido agraciados
com algo — das mãos do Senhor — é m ister
que “cada um administre aos outros o dom
como o recebeu como bons despenseiros da
multiforme graça de Deus” (1 Pedro 4:10).
Diversidade na unidade 107
Verdadeiramente, o Corpo corre o risco de
exaurir-se, quando o caos da inércia é progres­
sivamente trazido para dentro dele, através
de um m embro estagnado, um parasitóide
camuflado, que debilita o organismo, nada
fazendo e ainda impedindo que outros façam
o trabalho do Senhor.
Ora, como elementos constitutivos de um
Corpo único, é de esperar-se que haja plena
integração entre nós, desempenhando e per­
mitindo que outros desempenhem suas fun­
ções. O entendimento desta reciprocidade
perm itirá descobrirmos o que há de melhor
no irmão e ajudá-lo a desenvolver esse poten­
cial; dessa forma, o funcionamento do Corpo,
m arcado pela pluralidade e dependência dos
dons, tornar-nos-á sócios de um mesmo espí­
rito. Graças à perfeita sincronização destas
distintas capacidades, findaremos por encon­
trar unidade na multiplicidade.
Como vimos, precisamos uns dos outros!
Os sábios precisam dos menos sapientes e
estes precisam dos que possuem mais enten­
dimento. Os fracos dependem dos fortes e
estes, naturalm ente, dependem dos que pos­
suem força m enor. Se num corpo nem tudo é
mão, boca ou ouvido, como pode um cristão
considerar-se capaz de exercer todos os dons
ou ministérios sozinho? Se ousarmos agir as­
sim, nossa pseudocomunhão será, quando
muito, inconseqüente.
Como num a orquestra, compomo-nos de
diferentes instrum entos, mas deve existir
108 Para que todos sejam um
apenas um a harm onia; não por causa da ap­
tidão absolutista de algum membro, antes,
porém, porque estamos sob a prodigiosa re­
gência do Santo Espírito de Deus.
Capítulo XII

IGREJA, UMA
FAMÍLIA QUE AMA

igreja é a expressão literal do Corpo de

A Cristo!
O Credo Apostólico define-a como “a comu­
nhão dos santos”. A verdade é: o conceito
pessoal que temos da igreja de Cristo determi­
nará o nosso relacionamento com os m em ­
bros do Corpo. Em sua plenitude, a igreja de
Cristo é a junção de vidas conquistadas pelo
Calvário. Entendemo-la, tam bém , como um a
associação multicultural sem paralelo. Repu­
tá-la, pois, como m era instituição religiosa é
duvidar do propósito eterno de Deus, que a
elegeu antes da fundação do m undo, a fim de
que, através dela, se completasse gloriosa­
m ente o seu desígnio de plena unidade de
todas as coisas em Cristo. Isso, precisamente,
ensinou o apóstolo Paulo: “Para que agora,
pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus
110 Para que todos sejam um
seja conhecida dos principados e potestades
nos céus, segundo o eterno propósito que fez
em Cristo Jesus nosso Senhor” (Efésios 3:10,
11).
No entanto, embora a igreja de Cristo seja
um a só, ela é representada por assembléias
locais. Prova disso é que das cento e quinze
referências contidas no Novo Testamento,
inerentes à igreja, mais de noventa dizem
respeito às igrejas locais. Desse modo, dare­
mos ênfase neste capítulo, não à igreja no seu
sentido amplo, mas no aspecto microcósmi-
co, a saber, a igreja local como manifestação
concreta da Igreja Universal.
Aliás, não se pode excluir um a comunidade
geograficamente do Corpo inteiro de salvos
sobre a Terra; nem se deve pressupor que
esta, por apresentar um a estrutura aparente­
mente falha, não represente a igreja de Cristo.
Há relação vital entre um a e outra. Assim,
antes de censurar um a igreja em particular,
quem sabe pelo simples prazer de m urm urar,
é necessário ponderar que ela faz parte inte­
grante do program a unificador de Deus.
Mas, o que entendemos por igreja local? É
aquela que se reúne freqüentemente num
mesmo lugar, sob a bênção do Senhor Jesus e
da sua Palavra, servindo como um centro
irradiador de vida, graça e paz.
Dever-se-ia, contudo, cham ar a atenção pa­
ra o fato de que, a nosso ver, um a das grandes
dificuldades das igrejas atuais tem sido o es­
Igreja, uma fam üia que ama 111
quecimento do seu importantíssimo ministé­
rio na unidade dos salvos.
Ora, justamente por causa desse involuntá­
rio (ou voluntário) esquecimento, muitos cris­
tãos vivem como se não pertencessem a um a
fam ília que, n ecessariam en te, deveriam
amar.
A igreja de Cristo é um a fraternidade! Basta
com preender que desde os seus primeiros
passos esta foi a sua identidade. Lucas descre­
ve com exatidão a comunhão que envolvia os
cristãos primitivos ao registrar que “era um o
coração e a alma da multidão dos que criam ”
(Atos 4:32a). Todavia, é evidente que a unida­
de cristã não pode ficar presa à sua gênese
histórica. É necessário senti-la efusivamente
em nossas igrejas hoje.
O cristianismo nunca foi um movimento
isolado! Bruce L. Shelley diz com razão: “A
salvação plena sempre significa vida na famí­
lia de Deus, a igreja de Jesus Cristo”. (Bruce L.
Shelley, A Igreja: o Povo de Deus, São Paulo,
Edições Vida Nova, 1984, p. 42.)
E a despeito de nenhuma igreja ter poder
em si m esm a para produzir comunhão frater­
nal (se assim fosse, freqüentá-la seria o bastan­
te para ser parte do Corpo), percebe-se que
este fato não diminui a função das igrejas.
Desde que ligadas ao Corpo de Cristo, as igre­
jas locais são instrumentos concretizadores
do anseio unificador existente no coração di­
vino. Evidentemente, é nas assembléias lo­
cais que a comunhão tem o seu campo de
112 Para que todos sejam um
ação; nelas, o mundo deve conhecer um a uni­
dade que ignora barreiras geográficas, raciais
ou políticas.
Aqui tam bém irrompe outra verdade: do
mesmo modo que um a criança necessita de
um a família para crescer, o cristão precisa da
igreja para desenvolver-se com equilíbrio e
harmonia. E à igreja local cabe sustentar um a
comunhão regular, criando e promovendo
oportunidades de relações estáveis e de enco­
rajamento mútuo. Afinal, se não encontrar­
m os na com unidade cristã um lu gar de
satisfatório relacionamento com os irmãos,
onde o encontraremos?
Uma breve reflexão em torno da prontidão
em se reunir poderá ajudar-nos a m elhor
com preender a im portância da igreja local.
O congraçamento com os companheiros de
fé não pode, em hipótese alguma, ser relegado
a um plano secundário. A igreja que freqüenta-
mos merece fiel dedicação. Possivelmente, te­
nha pensado nisso o escritor aos Hebreus ao
advertir: “Não deixando a nossa congregação,
como é costume de alguns, antes admoestan­
do-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto
vedes que se vai aproximando aquele dia”
(Hebreus 10:25). É de notar, em face do que o
autor desta carta postula, que a falta de fre­
quência aos cultos estará furtando-nos um a
rara oportunidade de aconselhamentos e es­
tímulos mútuos. A adoração corporativa tra­
duz, sobretudo, a nossa participação em um a
entidade exclusiva —o Corpo de Cristo. Desse
Igreja, uma famüia que ama 113
caráter sobrenatural provém a possibilidade
de nos encontrarm os não só com o Senhor,
mas tam bém com os irmãos que nele foram
gerados. Que mais se pode acrescentar que
não seja redundante? Talvez lem brar que o
pecador ficará m uito mais impressionado
com a comunhão que nos envolve do que com
qualquer outra atividade no culto que esta­
mos celebrando a Deus. Aliás, não é desta
m aneira que levaremos o mundo a crer nas
boas novas do evangelho?
Logo, se queremos sentir mais amplamen­
te a comunhão que envolve o Corpo de Cristo,
temos que rejeitar qualquer maquinação ecle­
siástica que esteja a produzir igrejas afetiva­
m ente m ortas, cujos m em bros se acham
perdidos num a alienante sensação de desam­
paro. É imperioso, portanto, que nos empe­
nhemos em tornar nossa igreja local numa
família que saiba viver, real e impetuosamen-
te, o am or em toda sua magnitude.
Capítulo XIII

A QUESTÃO
ECUMÊNICA

e todos os problemas relativos à unida­

D de cristã, talvez o mais espinhoso e


controverso seja o da questão ecumênica. E
bora um a análise criteriosa da já m ilenar con­
fusão eclesiástica possa ser estran h a ao
presente trabalho, é-nos forçoso tecer algu­
m as considerações.
Não seria correto pensar-se nas correntes
sectaristas como sendo um mal surgido em
nossos dias. Os historiadores afirm am que no
final do segundo século da era cristã, devido
à tenaz infiltração de filosofias conturbadas
no seio do cristianismo, existiam já uns vinte
grupos que se declaravam representantes le­
gítimos da igreja de Cristo.
Mais tarde, no século dezesseis, o surgi­
m ento em massa de várias igrejas reformadas
deveu-se ao fato de que Roma não estava dis­
116 Para que todos sejam um
posta a ceder, diante do retorno à pregação e
prática do evangelho genuíno, um a vez que
isso impactava em cheio as incipientes teorias
doutrinárias do catolicismo, indiferente às
verdades cardinais do cristianismo.
Quanto à atualidade, o panoram a parece-
nos ser ainda mais dramático. Percebe-se com
nitidez que os defensores da atual era ecum ê­
nica estão muito mais preocupados em reunir
os diferentes grupos religiosos sob a bandeira
do pacifismo político-eclesiástico, que se vol­
tar para o inquestionável testem unho das Es­
crituras.
Em contraste, quando um a igreja, hoje, re­
trai-se ao ponto de invocar para si o monopólio
da verdade, acaba por provocar a proliferação
de desnecessários hiatos entre os irmãos. Se o
fundamento é Jesus Cristo, qualquer incenti­
vo às pessoas para encarar sua igreja local
como superior a todas as outras é anti-cristão.
Não há grupos privilegiados! Desde que
seus princípios sejam pautados pelo evange­
lho, estão em condições de reproduzir um a
imagem fiel do Corpo de Cristo.
Destarte, se um a igreja local possui qualifica­
tivos que outra não tenha, talvez esta última
possua algo que esteja faltando à primeira. Am­
bas, pois, podem completar-se. É triste saber
que, não raro, as cores e as fronteiras organiza­
cionais tornam-se detalhes inquietantes à co­
munhão dos salvos.
Conta-se que dois pequenos irmãos esta­
vam brincando animadamente em um par-
A questão ecu m ên ica 117
que infantil. De súbito, desentenderam-se e
um deles acabou atirando um a pedra ao ou­
tro. O corte foi razoável e o menino foi condu­
zido aos p ran tos p ara u m a u n id ad e de
emergência de um hospital. Lá chegando, o
médico efetuou alguns pontos no lugar do
ferimento e, depois, percebendo que o m eni­
no continuava a choramingar, deu-lhe um
chocolate. O garoto parou de soluçar e comeu
um a parte do bombom, guardando a outra
cuidadosamente no bolso do casaco. O dou­
tor, que o observava de longe, indagou:
—Por que você não comeu todo o chocolate?
— É que... a outra metade... eu guardei para
o m eu irmão!
— Mas não foi ele quem te machucou?
— Foi, mas ele é m eu irmão!
É... apesar das pedradas, que muitas vezes
sacodem e desestabilizam a solidariedade
cristã, somos irmãos!
Muito mais se poderia dizer sobre este te­
ma; não obstante, o que aqui foi dito é sufi­
ciente para reafirm ar que não existem igrejas
locais perfeitas, mas, aleluia! o Corpo de Cris­
to o é!

Conclusão
Nossa comunhão não foi hum anam ente
bosquejada, e tam pouco condicionada às li­
mitações ou mutações dos tempos.
Deus a planejou inspirado na sua própria
perpetuidade. Seu porvir será um perfeito
relacionamento, livre de dissonâncias e res-
118 Para que todos sejam um
sentimentos, pois a presença m arcante de
Cristo fará de nossa união um magnífico elo
de am or e glória.
Mas, enquanto lá não chegarmos, que o
mundo contemple em nossa vida familiar
cristã um a unidade coesa, imutável e divina.
Vivamos, portanto, aqui e agora, um a in­
tensa e fervorosa comunhão fraternal!

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