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2 914

HISTO
RIA

DA

IGREJA DO JAPAŎ ,
EM QUE SE CONTINUAM OS PROGRESSOS
da Religiao Catholica , e vários fucceffos , e perfegui.
ções da mefma Igreja naquelle Imperio.
ESCREVEO- A
EM FRANCEZ
14038

JOAO CRASSET
P.

Da Companhia de JESUS.

TOMO SEGUNDO.

E correndo já traduzida em Italiano ,


APPARECE AGORA DEDICADA

A
FRA
NCI
S. SCO

XAVIER
,
Primeiro Apoftolo daquelle Gentilismo,
E VERTIDA EM PORTUGUEZ
POR
D. MARIA ANTONIA

DE S. BOAVENTURA E MENEZES.

LISBO
A :
Na Officina de MANOEL DA SYLVA ,

M. D.C.C. LI
Com as licenças neceſſarias..
@
LICEN
ÇAS .

DO SANTO OFFICIO..

CENSURA DO MR. P.M.Fr.FRÄCISCO


Xavier de Lemos, Religiofo da Ordem dos
Pregadores no Convento de S. Domingos
defta Cid, de , Confultor do Santo Officio ,
&c.

ILLMOS E REVMOS SRES

Livro, que Vv. Hluftriffimas me man


dao ver , intitulado : Hiftoria da Igre-
O
ja do Japaỡ , em que fe continuao os
progreffos da Religiao Catholica , e vários
Succellos, e perseguições da mesma Igreja na-
quelle Imperio , Tomo fegundo , obra tradu.
zida do idioma Francez, em que feu Author
a compoz , no Italiano , e agora . novamente
vertida em o Portuguez por D. Maria An-
tonia de S. Boaventura e Menezes , he hum
dos mayores troféos , que já mais arvorou
triunfante a noffa Santa Fé nos ultimos con-
fins do Mundo ; e affim eftou indecifo , a
quem efta deve mais na oftentaçaõ defte tro-
féo , le ao Author, que primeiro compoz ef-
ta obra , fe á Traductora , que agora nova-
mente a verteo? Igualmente a ambos me pa-
rece fe deve gratificar por parte da Reli

$ 2 giaōo
giad Catholica o trabalho defte livro : áquel-
le por ordenar , e pôr em fórma Hiftoria
de tanta importancia para augmento da San-
ta Madre Igreja ; e a efta por fazer publica
na noffa lingua huma liçao tao proveitofa ,
de que muitos Portuguezes ficariao privados,
por ignorarem a estranha.
A' utilidade ajunta eſta Hiftoria o
deleitavel ; porque nao fey, que virtude ma
gnetica occulta , que attrahe o animo de
quem a lê , com tao cuftofa fadiga, que eu
confeffo me cufta apartar della os ólhos : e
fe Plutarco desejava , fe imprimiffe nos feus
livros a propriedade dos Amethyſtos , pedras
preciofas , que no fentir de Plinio tem por
virtude huma poderofa efficácia nas vonta-
des , fó afim , de que attrahindo com efte
iman os Leitores , foffem panegyriſtas dos
feus efcritos : efta obra tem effa ventura ;
pois experimento , que com huma occulta
magnetica virtude me attrahe de tal forte
o gofto na fua liçao , que me nao deixa re-
folver, fe foy do Amethyſto a idéa, de quem
b de quem
a compoz , fe de Iman a penna ,

a traduzio. O que fey_he , que tanto para
attrahir o agrado aos Fieis , camo para ne-
ceffitar aos que o nao forem a huma pia
affeição á Santa Fé , he obra muito digna de
fahir a luz , muito mais , nao tendo couza ,
que encontre a meſma Fé , ou bons coftumes.
Nao fallo em outro motivo , que de-
ve facilitar a licença , que de VV. Illuftriffi-
mas fe pertende para efta impreffao , que he
a gloria immortal , que della refulta á Sa-
grada
grada Familia da Illuftre , e mil vezes Efcla-
recida Companhia de JESUS , que no luzi-
do theatro defte livro faz especial papel ,
fecunda May das primicias da Chriftandade
do Japao , como das virtudes , e artes libe-
raes em todos os do Mundo ; porque o ef-
crupulo me tira da mao a penna , parecen-
do me ficar em reftituîçað ao bem publico
de todos os inftantes , que demóro nao fe
dar á luz do prélo. Este o meu parecer ,
VV. Illuftriffimas mandaráó o que forem fer-
vidos . Convento de S. Domingos de Lisboa
12 de Janeiro de 1751 .

Fr. Francifco Xavier de Lemos.

Ifta a informaçao , póde imprimir-fe o


livro , de que fe trata ; e depois volta-
rá conferido para fe dar licença , que corra,
fem a qual nao correrá. Lisboa 12 de Janei
ro de 1751 .

Fr. R. de Alancaftre.
Sylva.

Abreu. Trigozo.

$ 3 DO
DO ORDINARIO.

CENSURA DO M. R. P. M. PAULO
Amaro , da Companhia de Jefus , Lente
de Theologia no Real Collegio de Santo
Antao , Confultor do Santo Officio , &c.

EXMO E REVMO SOR

I , como V. Excellencia me ordena , o


1
V fegundo Tomo da Hiftoria da Igreja
da Japan, traduzido da Italiana na lin-
gua Portugueza pela Senhora D. Maria An-
tonia de S. Boaventura e Menezes ; e haven-
do de interpôr o meu juizo , digo , que efta
obra nað fó nada contêm contra os bons cof-
tumes , mas he huma das lições mais pias ,
em ་ que fe póde empregar qualquer Catholi
cp, pois nella, fe moftrao os exemplos das
virtudes mais heróicas ; do zelo de hum
S. Francifco Xavier , a quem , como a pri-
meiro Apoftolo do Japao , fe devem attribuir
os notáveis progreffos daquella florentiffima
Christandade , e de tantos filhos, e fucceffo-
res feus, que á cufta de immenfas fadigas cul-
tiváraó aquella Vinha do Senhor , regando- a
nað fó com o ſeu fuór , mas com o feu fan-
gue ; da piedade , devoçao , e fervor daquel-
les Neófitos , do valor , e conftancia , com
que fuftentáraó a Fé a pezar de tantas per-
CI feguições .
feguições dos Bonzos , e dos Edictos de Tay-
colama , padecendo alegres as fomes , os def-
terros , a confifcaçao dos bens , e dos Efta-
dos , e vendo-fe reduzidos por caufa da Re-
ligiao a fumma pobreza , e ignominia , os
que no Gentilifmo forao grandes Senhores
em rendas , vaffallos , e dominios , até che-
garem innumeráveis a defprezar as vidas ,
offerecendo- as com eſpantofa alegria ás cru-
zes , ás covas , ás fogueiras , e catanas do
tyranno , por nao largarem a Fé , que huma
vez receberaó no Baptifmo. E para que ex-
emplos tao fantos maisfuavemente fe infi-

nuem nos animos dos que os lerem , he tal
o eftylo , e artificio defte livro , tao natural ,
tao agradavel pela textura de fucceflos tao
vários, que igualmente enleva a quem os lê ,
e excita nelle os affectos mais pios , e pro-
prios da materia , que fe lê , com tal attra-
Etivo , que nao fe fatisfaz a vontade de o
ler todo pelo defejo , com que fica , de que
fe lhe continúe o mais que refta para a con-
cluſao da Hiftoria , ainda que feja á cuſta do
fentimento , que juftamente deve caufar em
hum peito Catholico a laftimofa ruîna de tao
florente Chriftandade.Muito fe deve por to-
.
dos eftes motivos ao Author do livro ; mas
nao menos á Senhora D. Maria Antonia de

S. Boaventura e Menezes , que entre os mais


teftemunhos da fua piedade nos quiz dar ef-
te , empregando o tempo , que muitas cof-
tumao empregar em fi , em obra de tanta
utilidade para o publico , do que fem duvi-
a, álem do merecimento para com Deos ,
The
The refulta a gloria de ficar conhecido no
Mundo o feu grande talento para femelhan-
tes estudos nao vulgares no feu féxo ; pois
nao fe requer menos para huma boa , excel-

lente traduçao , qual efta he , do que para


huma perfeita compofiçao : affim nola dá a
admirar nefta obra , em que a traduçao na-
da abate , antes realça a primeira compofi-
çao. Pelo que nao fó julgo o livro dignif
fimo , de que fe manifefte ao publico por
meyo da imprenfa , mas fe coubelle na minha
jurifdiçao , affim como cabe no meu defejo ,
mandára le déffem logo ao publico os mais
que faltao para a conclufao da Hiſtoria , e
com a brevidade , que pede a minha impa-
ciencia , e a de todos os que efta lêm. Efte
o meu parecer, V. Excellencia mandará o que
for fervido .Collegio de Santo Antao da
Companhia de JESUS , 18 de Janeiro de

1751 .

Paulo Amaro.

a " le o
livro , de que trata a petiçao ; e de
pois de impreffo , tornará conferido para fe
dar licença para correr. Lisboa 21 de Janei-
ro de 1751 .

D. J. A. de Lacedemonia.

DO
DO PAC O.

CENSURA DO M. R. P. M. Fr.JOSEPH
Pereira de Santa Anna , Religiofo de Nof-
fa Senhora do Carmo em Lisboa , Jubilado
na Sagrada Theologia , e na mesma Facul
dade Doutor pela Universidade de Coin-
bra , Confultor do Santo Officio , Ex Pro-
vincial , e Chronifta Geral da fua Ordem
nefte Reyno , e feus dominios.

SENHOR.

Bedecendo ao mandado de V. Mageſ-


tade , vi o livro intitulado : Hiftoria
da Igreja do Japao , &c. Tomo fe-
gundo , em que fe continuao os progreffos
da Religiao Catholica , varios fuccellos , e
perfeguições da mefma Igreja naquelle Im-
perio. Efcreveo efta utiliffima Hiftoria em
Francez o P. Joao Craffet da Companhia de
JESUS; e correndo já traduzida em Italia-
no , fuccedeo , que por alta providencia fe
animou D. Maria Antonia de S. Boaventura
e Menezes a traduzila tambem no idioma
Portuguez , para que todos nefte Reyno ſe
poffao aproveitar de taó eftimáveis noticias ,
e venhao a confeguir em tantos exemplos
de fantidade , e de Religiao multiplicados
eftimulos para promovermos a noffa Santa
Fé Catholica , até que em feu obfequio che-
Suemos gloriofamente a facrificar as vidas .
SS Tudo
Tudo fe deve ao zelo , e applicaçao da nof-
fa Traductora , que com fuperiores venta-
gens , e com diftinção notoria entre muitas
Heroinas , que fe conftituîrao no Mundo fa-
mofas , por te occuparem nos empregos , que
pareciao alheyos no feu féxo , confegue nefta
excellente obra os creditos , que eftimariaō al-
cançar aquelles grandes Efcritores , que devem
perfeitamente fatisfazer a propria obrigação .
Bem fe vê , que nesta Hiftoria o eftylo he o
mais natural , os termos os mais expreffivos ,
a narração dos fucceffos a mais confórme
aos affectos , que nelles occorrem e affim
por eftas , como por outras fingularidades
da obra , bem nos podemos gloriar , de que
haja de fer publicada na lingua materna por
huma tal Efcritora , que moftra fabêla na ma-
yor perfeição . E como o dito livro nada con-
têm contra as Leys do Reyno , mas antes a
fua publicaçao redunda em honra de Deos ,
e ferviço de V. Mageftade , pareceme , que he
digniffimo de fer impreffo. Carmo de Lis-

boa 31 de Janeiro de 1751 .

Doutor Fr. Jofeph Pereira de S. Anna.

Ue le pofta imprimir , viftas as licen-


ças do Santo Officio , e Ordinario ; e
Q
depois de impreffo , tornará á Meſa pa-
ra fe conferir , e táxar , que fem iffo ,nao

correrá . Lisboa 1 de Fevereiro de 1751 .

Vaz de Carvalho .
M. Prefidente.
Almeida. Mourao.
DO
DO SANTO OFFICIO.

Ifto eftar confórme com o original, pó-


V de correr. Lisboa 9. de Novembro de
1751 .
Fr. R. dc Alencastre. Sylva. Abreu.

Almeida.
Trigozo.

DO ORDINARIO.

Ifto eftar conforme com o original , pó-


V de correr. Lisboa 16. de Novembro de
175.1.

D. J. A. de Lacedemonia.

DO PAGO.

Ue poffa correr o livro , e o táxao em

Q oo reis em papel. Lisboa 18. de No-


vembro de 1751 .

M. Prefidente. Ataide. Quintela.

Almeida. Mourao.

ERRA-
ERRATAS.

ERROS. EMENDAS .

M varios lugares, affim na margem , CO-


EM mo no contexto Faxita Faxiba
barras
Pag. 10. lin. 29. varas
P. 147. lin. 9. layrados lavrados

P 196. lin. 25. D. Manfio D. Feronymo


P. 167. lin. 14. Linga-Pura Cincapura
P. 368. lin. 25. Rev Rey
P. 440. lin. 1. para mostrar o goſſfo gofto
P. 448. lin. 12. cadeira cadéa

P.453 . lin . 4. que uao que nao


tinha
P. 456. lin. 13. tinba
P. 509. lin. 19. em quanto fe mo-
erava a ra a colera

HISTO-
I

HISTORIA

DA

IGREJA

DO JAPA Ŏ.

LIVRO VI.

ARGUMENTO.

Cubo entra em difcordia com No-


bunanga. Nao admitte Tratados

O de paz , e fe prepara para a guer-


ra. Nobunanga vay com hum pode-
rofo exercito fitiar Meaco rende a Cidade,
e a faquéa. O Cubo he fitiado , e despoja-
do da Jua dignidade. Perigos , em que se
achou o P. Froes no tempo daquella guerra.
Motins Juccedidos em Omura. D. Bartholo
meu be fitiado , vence os inimigos , e expul-
fa do feu Reyno a idolatria. O filho fegun-
do do Rey de Bungo abraça a Religiao Ca-
tholica : manda lançar por terra os idolos ,
o que caufa grande desgofto aos Bonzos.
Hiftoria memoravel da converfao de Chica-
Tom. II . A torá,
12 Hiftoria da Igreja

torá , fobrinho da Rainha de Bungo. Efta


Senhora determina mandar matar os Padres.
D. Sebaftiaō , filho do Rey de Bungo , com
muitos Cavalheiros , e Senhoras Chriflăs
vao á Igreja para morrer juntamente com
elles.
O Rey moftra à estimaçao , que faz
dos Padres , e ameaça com caftigos, os que
Se atreverem a fazer- lhes algum dano . En-
trega o governo a feu filho , e se retira a
bum lugar deferto. Chicatorá be despojado
da fua dignidade , e defterrado da Corte. O
Rey em vingança defte fucceffo repudia a
Rainha fua mulher , defpoza-fe com outra ,
e abração ambos a Religiao Catholica. O
Principe feu filho favorece os Padres, e fe
quer fazer Chriftao. O Rey de Sauma The
declara a guerra : dá- lhe batalha , e o def
troe .Chicatorá morre na peleja . Os Reys
de Tofa , e de Arima recebem o Baptifmo. O
Rey de Arima morre pouco depois de bapti
zado . Abraçao a noffa Santa Fé todos os mo-
radores de Amacufa. O novo Rey de Arima

fe faz Chriftao. Funda hum Collegio dos
Padres da Companhia de JESUS. Eftado da
Igreja de Meaco. Nobunanga continúa a fa-
vorecer os Padres , e trata mal os Bonzos.
Prática fecreta , que tiverao os Padres com
elle fobre a Religias . Proteftaçao Chriftã
do P.Organtino. Vaidade de Nobunanga. Li-
ga , que se forma contra elle. Aperto a que
Je vio reduzido Fufto Veondono . Quanto
obrou por confervar a fua honra Jem da-
no da conciencia. Novos tumultos no Reyno
de
do Japaō. Liv. VI. 3
de Bungo. O novo Rey deixa a Fé , que an-
tes abraçara , e be caftigado pela fua infi-
delidade. Conftancia do Rey Francifco feu
pay. Faz tres votos fobre a materia da Re-
ligiao. Funda bum Convento , e hum Novi-
ciado no feu Reyno . Vefe precifado a tomar
outra vez o governo. Seu filho terceiro dei-
xa a idolatria, e fe faz Chriftaō. A Rainha
de Finga , e feus filhos recebem o Baptifmo.
Morte de D. Antonio. Protége Deos vifivel
mente a D.Bartholomeu. Defordens em Nan- .
gazaque com o caftigo dos culpados. Vay o P.
Valignano a Meaco : be bem recebido de No-
bunanga. Magnifico torneo defte Principe.
Dá licença para fe fundar bum Seminario
ná Cidade de Anzuguiama. O P. Organtino
préga com fruto nefta Cidade. O preceito da
Caftidade fe faz duro aos infieis , e impede,
que os Grandes fe façao Chriftaōs. Marty-
rio de hum mancebo Japao. Estado da Reli-
giao no Japao .

EPOIS que Nobunanga fe retirou


O Cubo en-
para o feu Reyno de Mino , o Cu- tra em dif.
bo , a quem lhe havia nafcido hum cordia com
Dfilho , começando a fentir o peza- Nobuna a
ng
no anno de
do jugo do cativeiro , em que ef- 1575%
tava , intentou facudilo , e fazer fe indepen-
dente do feu Libertador. Já nao o confide-
rava como pay , a quem devîa a vida , e os
Eftados , que poffufa ; mas como tyranno ,
que lhe tinha ufurpado muitos dos feus Rey-
nos , fem lhe deixar mais , que huma fantaf-
A 2 tica
4 Hiftoria da Igreja
tica Soberania ; fendo que na realidade era
feu fubdito, e escravo. Augmentando - fe ca-
da dia mais a fua affliçao , os do feu Con-
felho , que erao inimigos de Nobunanga ,
o perfuadirao a romper com elle. Começou
pois elegendo hum Vice- Rey de Meaco por
morte de Vatadono , que Nobunanga tinha
provîdo naquelle emprego , e mudou a or-
dem do governo, que elle eſtabelecéra , fem
lhe comunicar couza alguma .
O Principe dando fe por offendido
de procedimento tao livre , fe queixou ao
mefmo Cubo , moftrando -lhe os fundamen-
tos do feu delgofto : mas nao foy efta de-
monftraçao baftante para o fazer mudar de
intento. Vendo porêm que aquella refolu-
çao fe havia de fuftentar com armas , come-
çou a prover a fua fortaleza de munições ,
e mantimentos . Nobunanga irritado contra
o Cubo , entrou a meditar na fua vingança;
mas como déftro Politico quiz primeiro dar-
The a conhecer o erro , em que tinha cahi-
do , e perfuadir a todos os Reys do Japao,
que fe obraffe alguma couza contra o Impe-
rio , nao era movido de ambiçao , mas obri-
gado da justiça. Efcreveo pois ao Cubo hu-
ina Carta muy politica , em que lhe expu-
nha o fentimento , que lhe caufára o dar
ouvidos aos confelhos de feus Miniftros ,
que fo le encaminhavao a fomentar entre
ambos a difcórdia . Paffava depois a pedir-
lhe , fe lembraffe , que lhe devîa a vida , e
o Imperio e ultimamente lhe affegurava ,
queria
do Japao. Liv. VI. 5
queria viver com elle em paz ; e que para
demonftraçao da finceridade , com que lhe
fallava , lhe mandava em refens hum dos
feus filhos.
Efte procedimento tao illuftre fez Nao fe ad.
grande impreflao no animo do Cubo , de mitte a com
pofiçaó.
maneira , que lhe fupprimîo todas as defcon-
fianças, que tinha daquelle Principe : mas os
Grandes da fua Corte , que naổ podiaó já
fofrer o dominio de Nobunanga , da fua
meſma Carta , e refens tomárao occafiao pa-
ra perfuadir ao Cubo a romper totalmen-
te com elle ; porque o capacitaraó , que a
fubmiffao de hum inimigo era o mais evi-
dente final da fua fraqueza : que Nobunanga
era extremamente aborrecido de todos os
Reys , e Grandes do Japao pela fua fober-
ba , e altivez : que igualmente era odiofo a
todos os Bonzos , aos quaes tinha arruînado
os mofteiros , e queimado os templos ; que
apenas lhe declaraffe a guerra , fe offere-
ciao a pôr em campo hum poderofo exer-
cito em fua defenfa , e todos os póvos fe
aliſtariao voluntarios para pelejarem com o
inimigo dos Deofes , e dos homens que o
tempo era propicio ; que os moradores de
Meaco , que ainda agora viao fumegar as
fuas cafas com o incendio , com que as tinha
reduzido a cinzas Nobunanga; e os Bonzos de
Frenoxama , que viao os montes tintos com
o fangue de feus Irmaos , que elle barbara-
mente derramára , nao esperavaó mais , que o
final para entrar em campanha que em to-
Tom . II.
' A 3 do
6 Hiftoria da Igreja
do o caſo era mais honrofo para hum Im-
perador morrer pelejando , que viver fugei-
to , e fubordinado ás determinaçoens de hum
dos feus fubditos .
O Cubo perfuadido deftas razões ,
Prepara - fe manda o Principe a feu pay , e fem lhe dar
para a guer- repofta alguma , fe prepara para a guerra :
xa: faz liga com Mioxindono , e Daxandono ;
aquelles dous traydores , que matáraō a ſeu
irmao para lhe ufurpar a Coroa , e a elle
meſmo em outro tempo o tinhao encerrado
em huma eftreita prizao , cujo fucceffo fica
referido no tom . I. liv. V. pag. 496 , e pag.
502. Mandou depois publicar hum Edicto
em Meaco , em que prohibia o receberem
alguma peffoa , que viéffe das terras , e Rey-
nos de Nobunanga ; e ordenou a todos os
fubditos , amigos , e parciaes daquelle Prin-
cipe , que fahiffem com toda a brevidade de
Meaco , e fe retiraffem para os feus paîzes .
Emfim para mayor confirmação da refolu-
, que tomára , e para mostrar , que fé-
riamente queria romper com Nobunanga ,
mandou arruînar hum magnifico palacio ,
que efte Principe tinha começado a fabri
car em Meaco .
Tanto que Nobunanga teve eftas no-
Nobunanga
junta hu po- ticias , bem vio , que nao havia couza algu-
derofo exer- ma , que pudéfle fazer mudar de intentos ao
cito. Cubo ; poriffo fem mais demóra ajuntou

hum exercito de cincoenta mil homens , e


o mandou marchar fobre Meaco . A fama
daquelle apparato de guerra atemorizou eſta
grande
do Japao. Liv. VI. 7
grande Cidade, que conhecia o valor de No-
bunanga , e a fraqueza do Cubo feu inimi-
go. Puzérao-fe com tudo em defenfa , e
preparao-fe para a batalha. O Rey de Tam-
ba , o de Imori , eo de Tacacuque , que erao
Chriftaos , expedirao logo Correyos ao P.
Fróes , pedindo- lhe , fe retiraffe de Mea-
co , e os da fua Companhia , e fe foffem re-
fugiar nas fuas terras : mas elle lhes refpon-
deo , que ainda nao tinha noticias certas da
marcha de Nobunanga ; que quando as ti-
veffe, tomaria o partido , que Deos lhe inf-
piraffe.
No tempo , em que a Cidade estava Soccorro, que
em grande confternaçao , D. Joao Naytado- chegou a Me
aco.
no Rey de Tamba chegou com dous mil
Tambanezes muito bem armados , que tra-
ziao por estandarte huma Cruz : o Rey tra-
zia no alto do elmo o Nome de JESUS ef-
culpido em fino ouro. Foy logo introduzido
no palacio do Cubo , que ficou tað fatisfei-
to do foccorro . que lhe trazia , que lhe au-
gmentou a fua renda com dez mil fácos de
arroz por anno. O Vice Rey no dia feguin-
te quiz obrigálo a fazer juramento de fide-
lidade , ao ufo do Japao ; mas elle le efcufou
dizendo , que estava prompto a jurar como
Chriſtao ; porêm que a fua Religiao lhe nao
permittia hum juramento impio , e que nao
crendo nas fuas falfas divindades , todo o
juramento , que em feu nome fizeffe , nao
teria força , nem vigor algum : que fe havia
alguma fufpeita da fua fidelidade , eftava
A 4 prompto
8 Hiftoria da Igreja
prompto a dar em refens dous irmaos feus.
O Cubo , a que fe deo parte deſta repoſta ,
o difpenfou no juramento , dizendo , que fe
dava por fatisfeito com a fua palavra. O
valerofo Principe , nunca mais intrépido
que quando deo aquella chriſta repofta , foy
agora vifitar os Padres , e no dia feguinte
fez as fuas devoções com univerfal admira-
ção dos feus foldados . Eftando as couzas
nefte eftado , chegou avilo , que Nobunanga
vinha em marcha com o feu exercito ; mas
que Mioxindono , e Daxandono o eſtavao
efperando para lhes difputar a paffagem , e
Xinguen Rey de Janoque batia o campo com
hum exercito de Bonzos , os mais valerofos
do Japao : o mefmo Rey , que tambem era
Bonzo , publicou , que vinha vingar os Deo-
fes , ultrajados por Nobunanga : que queria
reftabelecer a Religiao , e culto de Fotoqui ,
e pôr o monte de Frenoxama no feu pri-
meiro efplendor. A'lem dito , teve a oufa-
dia de escrever a Nobunanga , arrogando fe
o titulo de Soberano dos Reys , e dos Reli-
giofos do Fapao . Efte Principe , zombando
daquella fua vaîdade , lhe refpondeo affinan-
do fe affim : Nobunanga , martélo , que Jugei-
ta , e defpedaça diabos , inimigo das feitas
do Japão , e flagello dos Bonzos .
O'effeito correfpondeo ás palavras ;
porque tanto que fahio a campanha , nao
houve quem lhe refiftifle . Defappareceo o
exercito dos Bonzos , o do Cubo ſe poz em
fugida , e Nobunanga fe achou no Reyno
de
do Japao. Liv . VI. 9
de Bomi vifinho a Meaco , quando menos o
efperava. OP. Fróes prevendo o faque in-
evitavel da Cidade , poz em duas , ou tres
malas todos os móveis da Igreja , e os en-
tregou a D. Joao Naytadono , que os fez
conduzir a Tamba .
Dia da Aſcençao ás onze horas fe
ouvio tocar a rebate na fortaleza , em que
eſtava o Cubo. Conftava a vanguarda de No-
bunanga de feis mil cavallos , que fe defco-
briaō no campo. Havia deixado o reſto das
fuas tropas entregue a Xibatadono feu Lu-
gar-Tenente General , que o feguia a gran-
des marchas. Tanto que eftes chegárao ,
Nobunanga para evitar toda a defordem
a que fe arrojao os foldados neftas occafiões ,
lhes prohibio a todos com pena de morte
entrarem na Cidade , e fazerem algum ag-
gravo áquelles habitadores , os quaes reve-
rentes a efta attençao , lhe abriraó as por-
tas. Com tudo quiz ainda dar ao Cubo al-
guma demonftração da fua Real benignidade,
demorando- fe quatro dias fobre Meaco, fem
emprender acçao alguma Militar. Nefte tem-
ро The mandou cometter vários tratados de

paz , e lhe repreſentou o perigo , a que ex-


punha nao fó a fua peffoa , mas a Cidade
toda , que havia de faquear. Mas o defgra-
çado Principe , determinado antes a mor-
rer , que a dever a vida ao feu inimigo ,
recufou todas as propóftas de Nobunanga ,
e fe refolveo a defender ſe na fua fortaleza
até ao ultimo perigo. Dizem , que Nobu-
nanga,
10 Hiftoria da Igreja
nanga , que era dotado de Real benevolen-

cia , vendo -fe obrigado pela contumácia do


Cubo a proſeguir as hoftilidades praticadas
na guerra , derramára algumas lagrimas .
Porêm vendo , que nao podia com
brandura mover o animo do Cubo , come-

çou a affolar pelo efpaço de tres , ou qua


tro leguas todos os lugares , e fuburbios de
Meaco deftacou para ifto oito mil caval-
los , que em hum fó dia queimárao noventa
lugares de quatrocentos até quinhentos fó-
gos , e tambem todos os templos , e mof-
teiros dos Bonzos, que encontravao. Nobu-
nanga julgando , que eftas primeiras hoftili-
dades teriao mudado de parecer o Cubo ,
The mandou fegunda vez offerecer a paz ,
propondo- lhe alguns artigos uteis , e conve-
nientess, a que elle nao quiz dar ouvidos . Os
moradores de Meaco vendo a obſtinaçao do
Cubo , e temendo , que a Cidade foffe dada
a faque , tomáraó a refolução de ſe renderem .
A Cidade ca- He Meaco huma Cidade dividida
pital. em duas partes , alta , e baixa : na alta ha- ›
bitao os Cavalheiros , os Officiaes mayores
do Imperador , a Nobreza , e os mercadores
ricos , de cuja terra diftribuîao as mais pre-
ciofas fedas para todo o Japao . Na baixa
móra a plébe: huma , e outra parte offere- :
ceo a Nobunanga mil e trezentas varas de
prata para remirem o faqueyo da Cidade.:
Os Deputados da baixa Meaco forao buscar
ao Rey , e depois de lhe renderem vaflalla-
gem , lhe offerecêrao o feu tributo , pro-
teftando
do Japao. Liv . VI. II
teftando fubmeterem- fe á fua clemencia . Mas
os da alta nao quizéraõ dar , o que lhes to-
cava , fenao com certas condições , que No-
bunanga nao quiz aceitar , e poriflo fe des--
fez o ajuſte : áquelles porêm nao fó promet-
teo izentálos do faque , inas com generofi-
dade Real lhes nao aceitou a prata , que lhe
offereciaó.
No dia 4 de Mayo de 1573 fez No- A Cidade he
bunanga avançar as fuas tropas ; e nao ha faqueada .
vendo na Cidade quem lhe fizéffe refiften-
cia , a entrou , prohibindo no meimo tempo
aos foldados o faque da Cidade baixa , dei-
xando - lhes porêm livre o da alta. Nao fe
póde facilmente dizer as riquezas , que ti-
ráraó , e a multidao de homens , e mulhe-
res , que forao victimas das fuas efpadas :
depois de fatisfeitos com o defpojo , puzé-
rao fogo a tudo o mais. Nem os famofos
templos de Xaca, e Amida ficárao livres das
chammas : queimáraõ fe feis até fete mil ca-
fas , vinte templos dos mayores , e oitenta
dos pequenos fervirao de pafto á voracida-
de do fogo .
Depois defte lamentavel eftrago , O Cubo he
vendo o Cubo , que Nobunanga fe encami- ficiado , e de-
nhava a fitiar a fortaleza , em que eftava re- pois rendido.
colhido , conheceo , ainda que tarde , que
fora mal aconfelhado : e temendo , que fe
ſe puzéffe em defenfa , fe expunha a per-
der a Coroa , e a vida , propoz alguns ar-
tigos de paz , a que o Rey agora nao quiz
dar attençao ; antes o obrigou a render- fe á
difcri-
12
Hiftoria da Igreja
difcrição. Todos entendiao agora , que No-
bunanga lhe mandaria cortar a cabeça , mas
como elle afpirava ao Imperio , e queria ,
que o tiveffem por Principe moderado , e
clemente , contentou-fe com o privar do go-
verno , e mudar todos os Miniftros , nao The
deixando mais regalîa , que o nome de Im-
perador.
Mandou depois fabricar hum fum-
Nobunanga
volca para Ptuofo palacio , e huma Cidadéla muito fór-
Mino, ecaf te , cuja obra depois de finalizada , fe re-
tiga de
zos Bon- colheo ao feu Reyno de Mino , fem entao
osFacu
Am. vifitar , nem agora fe defpedir do Cubo.
Soube no caminho , que hum famolo bando-
leiro tinha entrado no feu Reyno de Boari,
e tirado huma quantidade de arroz , fazen-
do- a transportar para o mofteiro dos Bon-
zos de Facufim , aonde ha huma famofa Uni-
verfidade. Logo fem mais demóra marchou
com o feu exercito para aquelle lugar : en-
tra na praça , manda matar todos os Bon-
zos , poem fogo a todos os feus mofteiros ,
e templos . Os idólatras efperavao , que os
feus Deoles Cami , e Fotoqui tomaffem vin-
gança de tantas afrontas , como lhes tinha
feito Nobunanga ; mas vendo pelo contrario,
que tudo lhe fuccedia á medida dos feus de-
fejos , fe virao obrigados a confeflar , que
os feus Deofes tinhao menor poder , que
elle , e entráraó a defconfiar da fua protec-
çao.
Os Chriſtaos pelo contrario conhe-
cêrao claramente , que Deos protegia os
Prégado-
do Japao. Liv. VI. 13
Prégadores do Evangelho , álem de outros ,
pelo fucceffo feguinte. O P. Fróes , antes Perigos , em
que Meaco foffe cercada , tinha fido perfua- que le vio o
dido pelos Chriftaós , que previaō a deſtruî- P Froes.
çaõ da Cidade , para que fe retiraffe a Bun-
go, lugar meya legua diftante de Meaco, com
o Padte feu companheiro chamado Cofme.
Hum Chriftao por nome Antonio os condu-
zio a cafa de hum feu primo , em que po-
diao ficar muito bem acomodados. Apenas
chegárao as tropas de Nobunanga , inveſti-
rao logo aquelle lugar para o queimarem ,
e faquearem ; cujo repentino affalto os pre-
cifou a mudar de fitio , e refugiarem- fe na
cafa de hum idólatra , filho de hum Chriſtao.
Efte nao achando lugar mais feguro para o
Padre , e feus companheiros , os meteo em
huma capoeira , que eftava junto a fua ca-
fa , e os fechou nella. Os moradores do re-
ferido lugar remirao por huma groffa foni-
ma de dinheiro o feu faque : pórêm os fol-
dados , entrando nelle , forao fegundo o feu
coftume á caça das gallinhas , e feguindo- as
a tiro de mofquete , difparárao muitos tiros
para a parte da capoeira. Foy couza digna
de admiraçao nao matarem o Padre , ou al-
gum de feus companheiros ; porque as bá-
las lhes paffavao muitas vezes junto da ca-
beça , fem mais dano , que o de lhes quei-
marem alguns cabellos. Alguns idólatras
que virao entrar os Padres , avifáraó aos fol-
dados , que o Prégador dos Chriſtaos, e ſeu
companheiro fe haviao efcondido naquella
cafa,
14 Hiftoria da Igreja
cala , e que podiao ou matalos , ou alcançar
por elles hum grande refgate. Forao logo
os foldados em demanda do dono da cafa , e
The perguntárao , aonde eftava o Sacerdote,
que para alli fe havia retirado ? He verda-

de , diffe o hofpede , que aqui efteve , mas


já nao está e dado , que estivéra , nunca
volo entregaria ; porque he extremofamen:
te amado de Nobunanga , e todo , o que o
offender , ferá levéramente caftigado . Eftas
palavras fufpendêrao a furia dos foldados ,
e nao fizera mais diligencia pelo Padre.
Na noite feguinte le ajuntárao todos os
Chriſtaos para o conduzirem a outro lugar
de quatrocentos fégos, que pertencia a hum
Bonzo chamado Foxi ; e para nao ferem def-
cobertos , partirao das dez para as onze ho-
ras da noite : áquella hora já as portas do
lugar , para onde hiao , eftavao fechadas , e
era tao difficil , como perigofo o abrilas ;
porque o Governador havia de procurar fa-
ber quem tinha vindo a taes horas , fendo
em tempo de guerra. Com tudo hum Chri-
ftao chamado Alexandre ganhou tres primos
feus , que affiftiao no lugar , e por meyo
deftes fez abrir as portas . O lugar he divi-
dido em dous Bairros , e para hir de hum
a outro , he neceffario paffar hum lago, nao
profundo , mas baftantemente largo. Hum
Chrifto tomou o Padre aos hombros para

o paffar á outra parte. Apenas tinha entra-


do no lago , quando duas mulheres Chriſtás
banhadas em lagrimis lhe différaó , que os
Bon-
do Japao. Liv. VI. 15
Bonzos , noticiados da chegada dos Padres ,
tinhao mandado alguma gente para os ma-
tar , e pôr o fogo á cala , em que eftivél-
fem . Os Chriftaos intimidados com esta no-
ticia , nao fe fabiao dar a confelho ; por-
que nao podiaō paffar adiante fem perigo
manifefto de perderem a vida : nem lhes era
menos difficultofo voltar para trás , para fa-
hirem pela porta , por onde tinhao entra-
do , por eftarem as chaves já nas maos dos
Bonzos. Nefta extrema affliçao o primo
de Alexandre , que tinha havido as chaves
ainda que Gentio, fe offereceo a efconder os
Padres em fua mefma cafa , e defendêlos ain-
da á cufta da propria vida. Foy neceffario
tomar efte partido , pofto que fummamente
perigofo : o Gentio porêm cumprio a fua pa-
lavra , tendo os Padres occultos em fua ca-
fa oito dias , até que Nobunanga retirou o
feu exercito de Meaco.
Voltou logo o Padre á Cidade , e OP Froes
o Principe Naytadono fahindo da Cidadéla , torna a Nica
o vevo logo vifitar , acompanhado de mui- co.
tos Cavalheiros , em cuja prefença quiz ,
que fe adminiftraffe o Baptifmo a hum de
feus irmaos , que tomou o nome de Julian ,
e tambem a hum feu fobrinho , que fe cha-
mou Bento . O Cubo convidou o Padre a
pernoitar no feu palacio , em agradecimen-
to dos bons ferviços , que havia recebido de
Naytadono , e do bom confelho , que lhe dé-
ra , de fe nao retirar da Cidade : porque o

Cubo , depois da partida de Nobunanga ,


recean-
16 Hiftoria da Igreja
receando , que quando voltaffe o prenderia ,
refolveo deixar Meaco , e recolher- ſe em
huma fortaleza , que elle tinha por inexpu-
Naytadono tendo noticia deſta refo-
gnavel .
luçao , foy logo a Palacio , e achou o Cu-
bo a ponto de partir com fetenta cavallos
de efcolta , e lhe reprefentou tao vivamen-
te o perigo , a que fe expunha a fi , e á
Cidade toda , que o fez mudar de parecer
e abraçar o seu confelho , que approváraó
todos , e experimentou depois o mesmo
Cubo, quao conveniente lhe fora o feguilo .
Deixemos por agora o pobre Imperador no
feu palacio , e acompanhemos ao P. Cabral
na vifita , que fez aos outros Reynos do

Japaó .
Havia dez_annos , que fe nao tinha
vifit Cabral
P.aFaca ta , prégado a Fé em Facata , e vinte em Aman-

Amaguche guche ; porque depois da morte do Rey de


Bungo , o que lhe fuccedeo no Trono , e feu
filho , que entao reinava , erao inimigos ju-
rados dos Chriftaós , e nao permittiao , que
entraffe nas fuas terras Sacerdote Catholico .
OP . Cabral porêm , movido do zelo da fal-
vaçaó das almas , entrou em Facata , aonde
foy recebido dos Chriftaos com extraordi-
naria alegria. A Cidade estava já reſtabele-
cida do estrago das paffadas guerras , e ref
tituída ao feu primeiro efplendor ; e os Chri-
ſtaos tinhaỏ fabricado huma fermofa Igreja ,
de que cuidava hum Japaổ chamado Cofme .
Aqui prégou o P. Cabral hum mez , e admi-
niftrou os Sacramentos aos Fieis , é conver-
teo
do Japao. Liv. VI. 17
teo muitos Gentios, Em quanto aos Chri-
ftaos de Amanguche , como nao tinhao Igre-
ja , os fez engenhofos a devoçao ; porque
erigirao em huma cafa huma Capella , aon-
de fe juntavao , e concorriao a fazer as fuas
devoções : liao os livros , que continhao os
Myfterios da noffa Santa Fé , e a explica-
ção dos Mandamentos da Ley de Deos , e
conferiao entre fi , o que ſe tinha lido. Paf-
favao daqui a nomear , os que deviaõ dif-
tribuir as efmólas ; e com eftes exercicios
de piedade ſe mantinhao firmes na Fé havia
vinte annos entre aquella Naçao infiel , e el-
tragada. O P. Cabral fe dilatou aqui tres
mezes , e neſte tempo nao fe póde exprimir
o gofto , e contentamento daquella Chriftan-
dade , vendo, e tendo comfigo o feu Paftor,
de que havia tantos annos eftava privada.
Nao foy menor a confolaçao do Padre, ven-
do o fervor daquelles bons Chriſtaos , e as
maravilhofas converfoes , que Deos obrava
por meyo dos pobres officiaes , e ainda de
algumas mulheres , huma das quaes tinha
convertido quatro Bonzos , a que agora ad-
miniftrou o Baptifmo o P. Cabral .
Em quanto o Padre affiftia em Aman- Converfad
guche exercitando os empregos do feu apof- de pelloas no
tolico minifterio occultamente , hum Cida- bres.
dao dos mais ricos daquella Cidade lhe ve-
yo pedir o Baptifmo. O Padre deſejou fa-
ber o motivo de tao inopinada mudança ,
e lhe perguntou , quem fora a cauſa da fua
converfao? Refpondeo lhe, que quem o mo-
Tom. II. B vêra
18 Hiftoria da Igreja
vêra a tao fanta óbra, fora hum pobre Chri-
ftao chamado Matheus , que andava pelas
ruas vendendo pentes , alfinetes , e outras
couzas femelhantes . 99. Efte homem ( diſſe ) ´

99 nao entrava em cafa alguma , em que nao


fallaffe na Ley do verdadeiro Deos . Eu o
" ouvi hum dia difcorrer nefta materia : ou-
"" vî lhe , que nao havia mais que hum fó
,, Deos ; que a efte deviamos adorar , e fer-
" vir ; que tinha dado preceitos muy fantos,
"" e juftos ; que aquelles , que os obfervaffem,
99 feriao eternamente bemaventurados no
,, Ceo ; e aquelles , que nao os obfervaffem ,
,, para fempre defgraçados no Inferno . O
99 difcurfo defte bom homem (continuou elle)
,, me converteo de tal fórte , que me refol-
‫ رو‬vî logo a fer Chriſtao , e voltando para ca-
,, fa , lancey no fogo todos os meus idolos.
,, A minha familia me avaliava por louco ,
,, vendo-me fahir com taes exceffos : mas eu
,, a defenganey dizendo-lhe , que fó agora
" moftrava ter juizo , pois que começava a
" abrir os ólhos , e a conhecer a verdade ,
,, defprezando os falfos Deofes , a quem fó
,, adorao , os que nao tem juizo , nem dif-
,, crição para conhecerem a fua cegueira. Os
" Bonzos me accufáraó ao Tono , dando - lhe
,, parte , de que tinha queimado os idolos.
"" Eu livremente o confeffey, e lhe diffe aber-
,, tamente , que queria fer Chriftao , e que já
"" nao adorava mais que a hum fó Deos Crea-
"" dor do Univerfo. O Tono vendo a minha
,, refoluçao , me diffe : Sede muito embóra
Chriſtao,
do Japao. Liv. VI. 19

,, Chriſtao , fe quereis ; mas nao me falteis


á fidelidade , que fe me deve. O P. Ca
bral de alegrou em extremo , vendo as ma-
ravilhas , que Deos obrava por meyo de inf-
trumentos tao fracos , e lhe conferio o Ba-
ptifmo , depois de acabar de o inftruir nas
verdades , que elle com tanto goſto confef-
fava ; ficando tao firme nellas , e taō forta-
lecido com a Divina graça , que hindo de
caminho para fua cafa , converteo hum dos
feus vifinhos.
O mesmo Padre refere nas fuas Car-
tas outro exemplo do zelo daquelles novos
Chriſtaos , e do império , que elles tinhao
fobre os demonios . Hum cégo, que era bom
Chriſtao , chamado Tobias , fuftentava a vida
1 com a prenda de tocar bem flauta e por-
que era deftriffimo neſta arte , tinha entrada
nas mayores cafas , e mais ricas daquella ter-
ra ; mas como o feu intento era mais ganhar
almas , que dinheiro , depois de tocar a fua
flauta , foltava a lingua em louvores da Ley
do verdadeiro Deos , e dos Myfterios da nof-
fa Religiaō ; e como fallava apaixonado , e
com graça , todos goftavao de o ouvir , e o
metiao em difputa com os Bonzos , para que
lhes nao faltalle tambem efte divertimento.
Tobias nao recufava entrar na batalha , fa-
bendo já por experiencia , que fempre fahia
vencedor.
Os falfos Sacerdotes irritados de fe- Fraqueza dos
demonios co❤
rem vencidos por hum homem fem letras , tra aos Chri-
mandárao chamar huns feiticeiros , e lhes Aas.
B 2 promet-
20 Hiftoria da Igreja
promettêrao grandes prémios , fe fizeffem
com que o demonio entraffe no corpo do
pobre cégo , para difcrédito affim da fua
peffoa , como da Ley , que prégava . Urdi-
da affimefta diabólica traça , declaráraó os
Bonzos a Tobias o defafio. Foy eleita para
campo da batalha huma grande cafa, em que
ſe ajuntou muita parte da Nobreza , deſejo-
ía de ver por quem ficava a vitoria. Foy
promptamente á hora finalada o bom cégo.
Dérao principio á difputa os Bonzos , pro-
curando enredar a Tobias com questões in-
tricadas , e difficeis ; mas elle fe defemba-
raçou deftes labyrintos com tanta deftreza ,
e efpirito , e provou as verdades da noffa
Santa Fé com tao efficazes, e fólidas razões ,
que confundîo , e fez calar os Bonzos .
Os feiticeiros , vendo-os convenci-
dos , começáraó a ufar das fuas artes. Nao
he crivel, quanto os demonios naquelle paîz
eftao á obediencia deftes miniftros do In-
ferno , e quanto fe fervem delles , como de
efcravos , para os feus danados intentos.
Tobias bem conheceo , que lhe queriao per-
turbar o entendimento , e que toda a infer-
nal canalha vinha em foccorro dos Bonzos;

mas elle , fem perder o animo , fe voltou


para os feiticeiros , e zombando delles , lhes
difle : Ponde em campo todo o volo poder,
armay contra mim todas as legiões do Infer-
no , que nao as temo mais que as mofcas ;
e quero , que conheçais , que os Deofes , a
que rendeis adorações , nao tem poder al-
gum
do Japaỡ. Liv. VI. 21.

gum fobre os Chriftaos . E com effeito nao


fizeraó o menor dano ao noffo cégo ; antes,
para fe vingarem do que delle tinhao rece-
bido , fe voltáraó contra os mesmos feiti-
ceiros , que começáraó logo a tremer com
todo o corpo , com tal exceffo , e de hum
modo tao estranho , que conhecendo o feu
erro , pedirao perdao a Tobias , e lhe pro-
mettêrao de não ufarem mais de femelhante

invenção. Defta fórte permittio Deos , que


o artificio diabólico , com que os Bonzos
queriaó confundir os Chriftaos, e defacreditar
a verdadeira Ley, redundaffe em mayor confu-
fao fua, exaltaçao da Fé, e crédito dos Fieis.
Eftas fao as couzas mais notáveis , que fuc-
cedêrao em Amanguche no anno de 1573 .
Daqui pallou o P. Cabral a Omura , Conjuraçao
aonde o Rey D. Bartholomeu efteve a rif. em Omura.
co de perder a vida , e a Coroa. Foy o ca-
fo , que efte virtuofo Principe tinha hum
cunhado chamado Izafay, que era inimigo ca-
pital dos Chriſtaós , e poriffo importunava
frequentemente ao Rey , perfuadindo-o a
que deixaffe a Fé : mas vendo o foberbo
idólatra , que erao em vao as fuas inftan-
cias , e perfuafoes , fe refolveo a perfeguî-
lo até lhe arrancar da cabeça a Coroa. Pa-
ra illo fez liga com o Rey de Firando , e
com outros Senhores poderofos , que com
toda a brevidade puzérao em campo dous
exercitos , para fazerem a guerra , hum por
mar , e outro por terra. Izafay chegou de
noite a Omura , de que ſe ſenhoreou por
Tom. II. B 3 traiçao
22 Hiftoria da Igreja
traição dos Bonzos . O Rey D. Bartholomeu
eſtava nefte tempo em huma fortaleza ſua ſo
bre o mar, fem mais que doze , ou quinze Ca-
valheiros , e cincoenta Damas da Raînha .
Pela meya noite lhe chegou a noticia da
entrega de Omura , e com ella a de que os
inimigos á rédea folta caminhavao para a for-
taleza para o foprenderem. Vendo - fe o Rey
fem humano foccorro para lhes refiftir , cha-
mou o Padre da Companhia de JESUS, que
tinha o cuidado da Igreja , e abraçando - o
ternamente , lhe diffe : Padre , eu estou per-
dido , fe Deos me nao acode : tudo Je acabou
para mim. Os meus inimigos me buscao pa-
ra me tirar a vida ; mas o que me confola
be , que me nao fazem efta guerra , Senaō
porque figo a verdadeira Ley : affeguro-vos,
que estou contentiffimo por derramar o fan-
gue pelo ferviço , e caufa do meu Deos . Pon-
de- vos em falvo , e rogay a Deos por mim.
O Padre The refpondeo com muitas lagri-
mas , que efperava , que Deos , que o tinha
defendido até aquella hora , continuaria a
protegêlo , e a livrálo de todo o perigo .
O Rey D.. Ao rayar da Auróra appareceo o ex-
Bartholomeu ercito inimigo , e entrando fem refiftencia
be fitiado.
na Cidade , a faqueárao , depois de arruîna-
rem as Igrejas , que allî tinhao os Chriſtaos .
O Rey , que da fortaleza , em que eftava ,
1
via efte funéto efpéctaculo , e a Cafa de
Deos profanada , e deftruîda , exclamou che-
yo de hum efpirito do Ceo : Agora fim ,
agora mepollo jáprometter a vitoria, quan-
do
do Japaỡ. Liv. VI. 23
do os meus inimigos fazem a guerra a Deos,
e profanao os seus templos. E com effeito
affim o moftrou o fucceffo ; porque tomando
alguns Cidadaos armas , caminháraó a toda
a preffa para a fortaleza , para defenderem
a vida , e a liberdade do feu Rey : mas fen-
do descobertos pelos inimigos , lhes procu-
ráraó impedir o paffo pelejando com el-
les ; porêm no mayor calor da peleja trinta
dos mais valerofos entrárao na praça. D.
Bartholomeu com efte pequeno foccorro ſe
refolveo a dar fobre os inimigos , que fe dif
punhao a aflaltar a dita fortaleza. Para ifto
poz os mais valerofos nos lugares menos
defenfáveis , e a cada huma das mulheres
deo fua lança : eftratagema , com que fez
crer aos traidores , que nao era tao peque-
na , como elles cuidavao , a guarniçað.
Subia-fe á fortaleza por hum cami- Rechaça os
nho afpero , e defpenhado , por cuja razao inimigos.
havia de huma , e outra parte huma eftaca-
da para evitar o precipicio. Tinha doze até.

quinze pés de largo , de fórte , que cabiao


feis , ou fete homens em fileira. O Rey ob-
fervando , que Izafay fubia por aquella parte
. com hum groffo deftacamento das fuas tro-
pas , e fe avifinhava á porta da fortaleza ,
fahio da praça com os trinta Cidadaos , e
invocando os Santiffimos Nomes de JESUS ,
e MARIA , deo fobre os contrarios com
tal impeto , e tao extraordinario valor , que
os obrigou a voltar caras , e falvarem-fe fu-
gindo , depois de deixarem no campo feffen-
B 4 ta
24 Hiftoria da Igreja
ta mórtos , fem que da parte dos vencedo-
res houvéffe hum fó , nem ainda levemente
ferido.
Quatrocentos Cidadaos vendo ao feu
Rey expolto a todo o perigo , compadecen-
do fe da fua defgraça , e envergonhados da
cobardía , e fraqueza , com que ſe tinhao ha-
vido , pegárao nas armas , e marchárao pa-
ra a fortaleza , a tempo , que os inimigos
fe difpunhao para o aflalto ; e com a efpa-
da na mao abrirao caminho por entre os feus
1
batalhões , e a pezar de toda a refiftencia,
ſe introduzirao na praça.
Ainda que o foccorro nao era mui-
to confiderável , com tudo agora mais que
nunca fe perfuadio o Rey D. Bartholomeu,
que corria por conta de Deos a fua defenfa.
É nao foy debalde efta fua efperança ; por-
que pouco depois viérao de Omura , e dos
lugares vifinhos muitos Capitães com boas
tropas em foccorro do feu Soberano , e en-
· trárao na praça fem ferem fentidos com o
favor da noite : e achando fe já D. Bartho-
lomeu com dous mil combatentes , como
era valente , e animofo , determinou inveſtir
os inimigos fem lhes dar tempo , para que
ſe recobraflem do paffado encontro. Sahio
pois na frente das fuas tropas , e deo fobre
as dos rebeldes , que eraõ dez vezes mais
em numero : travou fe a peleja , e reſiſtirao
com valor os rebeldes ; até que D. Bartho-
lomeu tirou por fuas proprias maós a vida
ao Tenente General de Izafay. Com a morte
defte
do Japao. Liv. VI. 25
defte General perdêrao o animo os feus fol-
dados , e largando as armas , fe puzérað em
precipitada fuga , deixando no campo da ba-
talha todas as bagagens , e defpojo , que
tinhao tirado em Ömura . O valerofo, e déf-
tro Principe os foy feguindo por muitas
horas , matando a muitos , e prizionando a
outros.

En quanto D. Bartholomeu peleja-


va com tanta fortuna , como valor , na ter-
ra , pelejava Deos a feu favor no mar : por-
que fobreveyo huma tao furiofa tempeftade,
que deftruĵo quafi toda a Armada naval dé
Firando , fumergindo huns navios , e defpe-
daçando a outros ; efcapando muy poucos
tao mal tratados , que com muito trabalho
pudérao tomar o porto , donde tinhao fa-
hido. Defte modo livrou Deos ao virtuofo
Rey de tao evidente perigo ; o que o con-
firmou tanto na Fé , que fe refolveo a ex-
terminar de todo a idolatria do feu Reyno.
Nao poffo deixar de referir o cafti Jufto caftige
go, que Deos deo a hum Bonzó infolente de hum Bon-
ZO.
nefta mefma occafiao . Foy o cafo , que en-
trando este miniftro de Satanás na Igreja dos
Chriſtaos , e achando na Sacriftia hum ro-
quete , o veftio , e fe poz á porta da Igre-
ja , para com efte efpéctaculo , e zombaria
motivar a rifo os idólatras : mas fahio lhe

muito caro o arremedo ; porque vendo-o os


foldados de Izafay , que fe vinhao retirando
desbaratados , hum delles perfuadindo-fe ,
que aquelle era o Padre , que cuidava da
Igreja,
26 Hiftoria da Igreja
Igreja , com hum tiro de mofquete o`lançou
por terra morto .
O Rey D. Bartholomeu refoluto ,
D. Bartholo-
meu extermi- como já diffémos , a fugeitar todo o feu
na a idolatria Reyno ao império de JESU Chrifto , cha-
dɔ feu Reyno, mou a Confeiho os principaes Senhores da
Monarquia na Cidade de Omura ; e depois
de lhe expor os perigos , de que Deos mife-
ricordiosamente o livrára , lhes diffe aberta-
mente , que estava na refolução de naõ per-
mittir mais que nos feus Eftados le déffe ao
demonio a honra , e culto , que fó fe devia
ao verdadeiro Deos. Que a experiencia ti-
nha mostrado a todos , que os Bonzos eraõ
huns enganadores , que embaûcavao o povo
com abomináveis fuperftições que viviaó
com huma vida eftra gada , e diffoluta , to-
talmente oppóſta á fua profiffao ; hypocri-
tas , que com capa de piedade diffimulavao
os vicios mais enormes : femeadores de dif-
córdias , e perturbadores do focego publico;
nao perdoando nem ao fagrado da fua pef-
foa , a quem pertendiao tirar a vida pelo
que eftaya determinado a caftigálos , fe os
nao viffe difpóftos a obedecer- lhe em tudo.
Quanto a vós (diffe) naõ duvido do
Ganha os
Grandes da volo bom juizo tenhais conhecido a verda-

fua Corte. de da Religiaō Chriſtă , e a pureza de coftu-


mes dos que a profeſſao. São muitos os pe-
rigos, de que Deos me tem livrado , vifivel
a benção , que lançou fobre as minhas ar-
mas : naō be justo que o culto , que fe de-
ve dar ao todo Poderofo , fe confagre aos
demonios,
do Japao. Liv. VI. 27

demonios, que fo pertendem levar-nos ao ul-


timo precipicio. Ha tempos , que tomey esta
refoluçao , mas dilatey à execuçaõ della pa-
ra vos dar tempo de conheceres , e vos inf-
truires nas verdades Chriftas . Depois de
huma taỡ finalada vitoria, que me concedeo
o Deos dos Exercitos, Jeria o mais ingrato
de todos os homens , e indigno de cingir a
Coroa , Je nao mandafle aliftar debaixo das
fuas bandeiras todos os meus vafallos : porif
Lo quero , e mando , que em todas as terras
do meu dominio fe prégue , e abrace a Reli-
giao Catholica , e que a nenhum feja licito
• Seguir outra.
O Rey pronunciou eftas palavras Ganha para

com tal efpirito, e mageftade , que nenhum Deos a mui-


fe atreveo a contradizelo ; e unicamente lhe tos Bonzos.
refpondêrao, que eftavao promptos a feguir
em tudo a fua vontade ; porêm que nao fe-
ria tao facil reduzir os Bonzos , que domi-
navao inteiramente o povo , e ſe faziaō obe-
decer, como divindades ; porque, como pof-
fufao muitas riquezas , fe lhes faria arduo
o largálas , e de trocar huma vida regalada ,
e livre por outra mortificada , e edificativa .
Com tudo D. Bartholomeu determinou fa-
zer fe obedecer por força , ou por vontade.
He coftume geralmente obfervado Coverfao de
em todo o Japao, que no principio do anno todo o Rey-
nao fó os Principes Seculares , mas tambem no .
Os Ecclefiafticos , ifto he , os Cabeças , e Su-
periores dos Bonzos ; vao a faûdar o Rey ,
e renovar o juramento de fidelidade , que
lhe
*
28
Hiftoria da Igreja
The tem promettido. D. Bartholomeu espe
rou esta occafiao para lhes declarar a fua
vontade , e lhes fallou com tal efficácia , e
refoluçao , que todos promettêrao obedecer-
lhe. Com effeito mais de feffenta Bonzos
pedirao , que os inftruîffem , e foraó muy
poucos os que tomárao o partido de fe re-
tirarem. Quatro Padres fe repartirao pelos .
Bairros da Cidade de Omura , pregando em
toda ella a Fé de Chrifto ; e foy tao gran-
de o fruto , que no anno de 1575 pedirao
o Baptifmo vinte mil peffoas , e mais de quin-
ze mil no anno feguinte : e neftes dous an-
nos fe fabricárao quarenta Igrejas no Rey-
no de Omura.
Nao fe póde exprimir o gofto, que
teve o Rey , vendo todos os feus Eftados
fugeitos ao império de JESU Chrifto. Man-
dou fabricar na Corte huma Igreja mais ca-
paz, que a primeira , e lhe annexou o melhor
Convento de Bonzos , que voluntariamente
o cedêrao : tendo pela mayor fortuna , po-
derem de algum modo contribuir para a ma-
yor honra , e gloria do verdadeiro Deos ,
que até áquelle tempo nao tinhao conheci
do. Nefta Igreja já fe celebrou a feftivida-
de do Natal , e os Officios da femana Santa .
O Rey , a Raînha , e os Principes
feus filhos erao os primeiros , que concor-
riaó á Igreja , e affiſtiao aos Officios Divinos ;
e crefceo tanto o numero dos Fieis , que nef-
te anno de 1576 fe contavaó já quarenta mil
Chriftaos diftribuidos por quarenta Igrejas.
Efte
do Japao. Liv. VI. 29.
Efte Reyno foy o primeiro dos do Japao ,
que teve a gloria de abraçar geralmente a
Fé Catholica Romana .

Nefte tempo chegou o P. Cabral a


dar o parabem ao Rey , affim da vitoria ,
que alcançára de feus inimigos , como da
converfao de todo o feu Reyno. D. Bartho-
lomeu o recebeo com muito agrado , e lhe
contou tudo , o que aqui temos referido. O
Padre fe dilatou alguns dias , trabalhando
com os outros Operarios na converfao das
almas ; e continuaria por mais tempo neſte
emprego, digno de hum Varao Apoftolico , fe
Rey de Bungo lhe nao pediffe inftantemen-
te , que com toda a brevidade poffivel vol-
taffe a Vozuqui , aonde tinha, que lhe comu-
nicar negocios de muita importancia .
He coſtume praticado em todo o Ja- Baptifmo do
pao , que o filho fegundo do Rey fe faça filho fegun
do do Re y de.
Bonzo , para evitar difcórdias com o Prin- Bungo
cipe herdeiro , e tirar toda a occafiao de in-
quietações no Reyno. O Rey de Bungo ti-
nha dous filhos , e poriffo feguindo o coftu-
me deftinou o fegundo para Bonzo . Confi-
nou-lhe groffas rendas para paffar confórme
a fua qualidade , e lhe mandou fabricar hum
fumptuofo Convento em Vozuqui. O Rey
coftumava hir huma vez no anno , acompa-

nhado defte Principe feu filho , a cafa dos


Padres , e hia mais algumas o Principe fó ;
ou para ver a Igreja , ou para fe divertir no
jardim. Porque era efte Principe de rara vi-
veza , em entrando, na Igreja perguntava, o
que
30 Hiftoria da Igreja
que fignificavaõ as Imagens , que via : e fe
moftrava muito fatisfeito das repoftas , que
The davao os Padres . Eftes aproveitando- fe
da boa indole , e entendimento do Principe,
The explicavao com efta occafiao os princi-
paes Myfterios da noffa Santa Fé . Fizéraó
tal impreffao no feu animo as verdades Ca-
tholicas , que fe refolveo a fer Chriftao a
todo o risco e declarou logo , que nao que-
ria fer Bonzo. Os Reys feus pays , fabendo
a fua refolução , intentáraó diffuadilo , repre-
fentando-lhe , que nao era juíto fe innovaf
fe hum coſtume tao inviolavel no Japaó , e
que efte era o unico partido dos filhos fe-
gundos : porêm o difcréto Principe refpon-
deo animofo , que nao queria outra couza
mais , que fer Chriftao ; e que nunca mais
tornaria a entrar no Convento , que para el-
le fe tinha edificado. Admiravel conftancia
em hum mancebo de quatorze annos ! A
Raînha , ouvindo efta repofta , fe embrave-
ceo fobremaneira ; porque tinha ódio mor-
tal aos Chriſtaōs , e fe lhe foffe poffivel, to-
maria por fuas proprias maos vingança do
Principe feu filho : mas o Rey , que o ama-
va ternamente , e o via tao conftante , per-
fuadindo-fe, que, fendo Chriſtao , feria mais
pacifico , e obediente a feu irmao , que fen-
do Bonzo , lhe deo licença , para que fe ba-
ptizaffe , e a efte fim chamou o P. Cabral a
Vozuqui. Apenas chegou a Vozuqui o P.
Cabral , lhe defcobrio o Rey a fua inten-
çao, e lhe entregou o Principe feu filho para
o inftru-
do Japao. Liv. VI. 31

o inftruir, e baptizar ; affegurando-lhe , que


efte exemplo attrahiria a muitos Grandes
e Cavalheiros do feu Revno , fem por entao
fallar em fe converter. O Padre ficou fum-
mamente alegre com efta tao agradavel no-
ticia , de que fe feguia tanta ventagem á
Religiao : louvou a piedade , e generofida-
de do Rey , e lhe rendeo as graças em no .
me de todos os Chriftaos , a quem elle da-
va huma Cabeça , e Protéctor tao illuftre ;
com cuja dádiva fe alimentava a eſperan-
ça , que tinha , de que S. Mageftade efcolhe-
.
ria tambem para fi a fortuna , que folicitava
para feu filho.O Rey refpondeo a eſtas ul-
timas palavras com hum forrifo , que con-
firmou ao Padre no peníamento , de que fe-
guiria o exemplo de feu filho .
O Principe como era de engenho Baptiza - fe o
vivo , e memoria feliz , em breve tempo Principe , e
toma por no-
aprendeo , e le inftruĵo em todos os Myfte- me Sebastiao,
rios da noffa Santa Fé , e fe lhe adminiftrou
o Sagrado Baptifmo com toda a folenidade.
em prefença do Rey feu pay ; que ainda que
entao era idólatra , tanto que o Sacerdote
fahio da Sacriftîa com os ornamentos Sacer-
dotaes , fe poz de joelhos , e efteve todo o
tempo , que durou a função , com a cabeça
defcoberta. O Principe tomou por nome Se-
baftiao , e foy o feu Baptifmo no mez de De-
zembro de 1575. Com elle o recebêraó mui-
tos Senhores , e Cavalheiros , e a todos deo
o Rey hum magnifico banquete em caſa dos
Padres.
No
32 Hiftoria da Igreja
No anno feguinte pedio o P. Cabral
Poem por
terra os ido- licença ao Rey para hir a Funay , aonde o
los. convidavao os Chriſtaos para hir celebrar a
fefta do Natal . O Rey nao fó lhe deo gra-
ta licença , mas quiz , que levaffe comfigo a
D. Sebastiao feu filho. Expedio criados para
The procurarem o alojamento , e lhe deo hum
grande trem para o acompanhar . Os Chri-
Itaóso viérao receber com muita alegria ,
e com o cortejo devido a hum tal Principe.
Paffada a festa do Natal , ajuntou os seus
Gentîs homens , e lhes declarou , que nao ad-
mittiria no feu ferviço , a quem nao fofle ,
como elle , Chriſtao : e fahindo a pé pelas
ruas da Cidade , mandou lançar por terra to-
dos os idolos , que achou expółtos á publi
ca veneração . Os Padres lhe repreſentáraó ,
que aquella demonftraçao do ſeù zelo pode-
ria irritar o Rey , e caufar algum motim na
Cidade ; mas o zelofo Principe refpondeo :
De propofito o fiz , para que todos faibaỡ,
que fou Chriftao : e tenho por mayor honra
efte titulo , que o de filho do Rey de Bun-
go. Quando fe trata das couzas de Deos ,
nao fe ha de temer a ira dos homens : que-
ro outra vez á manhã bir pelas ruas , e
fazer o mesmo aos idolos , que ficárao.
Afflição dos Efta repofta admirou os circumftan-
Bonzos , tes , e os encheo de alegria , ao mesmo tem-
po , que os Bonzos ardiao em cólera , • ven--
do Chriſtao ao feu Principe , e aos feus Deo-
fes ultrajados ; mas nao oufáraó dar alguma
demonftração da fua ira , fabendo quanto o
Rey
do Japao. Liv. VI. 33
Rey favorecia os Padres, contentavao- ſe com
fallar , e queixar-ſe entre fi , dizendo : Se o
Rey nao queria , que feu filho foffe Bonzo ,
como tinha refolvido , e be coftume , nao ha-
via de permittir, que folle Chriftao. Efta
be a mayor afronta , que nos podia fazer ;
ifto be atropelar todas as Leys do Japao ,
be bum procello contra os nollos Deofes , e
be tratalos , como se o nao follem ; e he con-
denar todas as feitas dos Bonzos , e zombar
dos nofos Cami , e Fotoqui. O Rey naб ig-
norava , que os falfos Sacerdotes murmura-
vao das fuas acções ; mas defprezava as fuas
queixas tanto , como a fua religiaó , e pef-
foas.
O Principe D. Sebaftiao , voltando á Congregaça
Corte, moftrou mais que nunca o feu fer- de mancebos
vor , e zelo ; de modo , que os Padres fe vi- Chriſtaōs
rao obrigados a ler todos os dias quatro, ou
cinco lições do Catecismo , por ferem mui-
tos , os que pediaó , que os inftruiffem na
Fé. Erao eftes pela mayor parte mancebos
de dezefete até vinte e cinco annos de ida-
de , e mudavao de tal fórte de vida depois
do Baptifmo , que caufavao admiraçao , aos
que os conhecerao antes. Para os confervar
no feu fervor , inftitufo D. Sebaftiaó no an-
no de 1576 huma Congregaçaõ debaixo do
nome , e protecção da Virgem Santiffima ,
compófta de cincoenta Gentis homens , que
fe ajuntavao todos os Domingos , e dias San-
tos , para conferirem entre fi os meyos de
fe adiantarem na virtude , e dilatar á Reli-
Tom. II. с giao
34 Hiftoria da Igreja
giao Chriſta . Comunicavao huns aos outros
as razões , com que haviaõ de convencer os
idólatras , e refponder aos feus argumentos;
e de tal fórte fe adéſtrarao em pouco tem-
po , que nao havia Bonzo , que lhes pudéffe
refiftir. O primogenito do Rey , ainda que
idólatra , fez gofto de ouvir humas deftas
difputas e mandando chamar muitos Bon-
zos , poz-lhes diante hum dos feus Pagens,
e lhes diffe , que entraffem com elle em dif-
puta ; porque queria fer o Juiz arbitro deſta
caufa , e dar a ſentença pelo vencedor. De-
pois de huma dilatada diſputa , o Págem fez
emmudecer os Bonzos , e o Principe decla-
rou por elle a vitoria e accrefcentou , que
era loucura argumentar contra a Ley dos
Chriſtaos , que era mais bem fundada , que
a dos Bonzos.
Defta fórte começava já efte Princi-
pe , pofto que idólatra , a declarar-le a fa-
vor dos Chriſtaos ; ou para lifonjear ao Rey
feu pay , ou porque na realidade conhecia
a verdade da noffa Religiao : mas a Raînha
fua máy , a quem os Chriſtaos pelo ódio ,
que lhes tinha , chamavao Jezabel , procu-
rava todas as occafiões de os arruînar; bem
moftrou quanto os aborrecia na converfao
de feu filho . Mas ainda o moftrou mais na
converfao de hum feu fobrinho , cuja hifto-
ria referem muitos Authores , tirando- a da
relação do P. Luiz Fróes , que foy teftemu-
nha de vifta ; e poriffo procurarey abbreviá-
´la , quanto me for poffivel.
Efta
do Japao. Liv. VI. 35
Efta Rainha Jezabel tinha hum irmað Hiſtoria mé.
chamado Chicacata , que fendo hum dos mais moravel do
ricos , e poderofos Principes do Japao , era fobrinh da
Rainhao de
Governador de tres Reynos , que lhe ren Bungo.
diaō oitenta mil ducados , e tinha debaixo
do feu dominio trinta mil vaffallos , promp-

tos a fervilo na paz , e na guerra : de mo-


do , que com muita razao era tido pela fe-
gunda peffoa do Reyno. Mas entre tanta fe
licidade lhe faltava a de ter hum filho, que
fofle herdeiro das fuas riquezas , e Estados.
Paflando por occafiao precifa á Corte de
Meaco , vio hum menino de fete annos , que
The agradou notavelmente , affim pela vive-
za do efpirito , como pela graça exterior
do corpo. Sabendo , que era filho de hum
Confelheiro do Dayre , o foy buscar a fua
cafa , e lhe perguntou , fe era contente, que
o adoptaffe por filho , e o conftituiffe her-
deiro dos feus Eftados. O pay vendo o in-
tereffe , que fe lhe feguia defta propóſta ,
aceitou a offerta com todos os finaes de
agradecimento , e lhe entregou o menino
que foy logo conduzido a Bungo , aonde
com o nome de Chicatora o mandou inftruir
em todas as artes liberaes : de ler , escrever,
pintar , tocar inftrumentos , montar a caval
lo , e jogar as armas ; e em tudo fahio tað
déftro , que feus Meftres , admirados , lhe
cediao a primazia.

Os Reys de Bungo attrahidos das ra-


ras qualidades do menino , fe refolvêrao a
dar-lhe por efpofa huma de fuas filhas : ma-
C 2 nifeftáraó
36 Hiftoria da Igreja
nifeſtárao eſta ſua determinaçao a Chicacata,
que lhes rendeo por ella as graças ; e ajuf-
táraó todos , que le faria o cafamento , logo
que o novo Principe tivéffe idade . Quan-
do Chicatora chegou a idade de quatorze
annos , feu pay ( affim chamaremos à Chica-
cata , irmao da Raînha , que o tinha adopta
do por filho ) o levou comfigo a Vozuqui ,
aonde eftava entao a Corte. Hum dia, que
com a occafiao de acompanhar ao Rey foy
vifitar ao P. Cabral , ouvio hum Sermao a

efte Padre , de que ficou fummamente agra-


dado. Fizerao tal impreffao naquelle tenro
peito as verdades Catholicas , que determi-
nou abraçálas : repetîa muitas vezes efta fa-
hida , para confultar com o Padre tudo , a
que conduzia para o feu intento . Chicaca-
ta naquelle tempo nao defgoſtava da voca-
çaõ de feu filho , por nao defagradar ao Rey,
que tinha confentido , que feu filho fegundo
fe fizéffe Chriſtao.
Nefte tempo chegou Chicatora a
Refolve-fe idade de dezefeis annos , e a Princeza aos
Chicatora a
abraçar a Fé treze , e determináraõ feus pays , que le ce-
de Chrifto lebraffe o defpoforio ; porêm o generofo
mancebo foy logo fallar com o P. Cabral ,
e lhe defcobrio a tençao , que tinha de fer
Chriſtao . Bem fe deixa ver , qual feria o
gofto do Servo de Deos com efta noticia :
abraçou-o com muita ternura , louvou - lhe a
fua refoluçao , e ordenou a hum dos feus Re-
ligiofos chamado Joao , Japonez, e excellen-
te Prégador , que o foffe inftruir a ſua caía,
Os
do Japao. Liv. VI. 37
Os domésticos de Chicatora vendo entrar o
Padre tantas vezes , e fallar muito tempo.
com elle no feu gabinete , fufpeitáraó o que
era , e avifáraó á Corte.
A Raînha com efla noticia chamou A Rainha fé
logo feu irmao Chicacata , e lhe diffe , que oppoem aos
fe Chicatora fe fazia Chriſtao , nao o teria intentos de
Chicatora.
mais por feu fobrinho , nem confentiria , que
cafaffe com fua filha. Chicacata movido def
tas razões , chamou a feu filho , e retirando-
fe com elle ao feu gabinete , lhe perguntou ,
fe era verdade , que elle queria fer Chriſtao?
O animofo mancebo lhe refpondeo promp-
tamente, que era certo , que eftava neffa re-
folução , e que efperava , que a todos os fa-
vores , que lhe tinha feito , ajuntaria o ma-
yor de The nao impedir o feu bom intento,
meyo unico para fer eternamente feliz. Seu
pay , que era idólatra , e nao conhecia o
bem , de que queria privar a feu filho , lhe
expoz os danos , que fe lhe feguiriao defta
fua refoluçao ; que fe desfaria o cafamento
de tanta honra para elle , e de tanta venta-
gem para fua cafa : que o Rey o defterraria
da Corte , e o privaria dos bens , e honro-
fos cargos , que o efperavao : e emfim con-
clufo : Eu mefmo me verey obrigado a man-
dar te para Meaco viver como particular,
podendo fer bum dos grandes Principes do
Fapao , se te quizées aproveitar da tua
propicia fortuna.
Chicatora ouvindo efte difcurfo , que Refoluçan dé
fem duvida briria brecha em outro peito , Chicatora,
1..
i Tom . II. C 3 que
38 Hiftoria da Igreja
que nao foffe , como o feu , fórte , e conf
tante , lhe refpondeo , que tinha previsto to-
das aquellas confequencias , fendo para elle
a de mayor ponderaçao incorrer na deſgra-
ça de hum Principe , que lhe tinha feito tan-
tas mercês , adoptando-o por filho , e procu-
rando lhe hum taó illuftre , e ventajofo ca-
famento , que efte receyo o tinha combati-
do , e caufado algum abálo em feu peito ;
mas que emfim o defejo de agradar à Deos
tinha vencido o temor de lhe defagradar el-
le , e o defejo da falvação da fua alma a
todos os intereffes temporaes : que fe teria
por indigno do nome de filho feu , fe fe
moftraffe tao cobarde , que faltalle á fua
obrigaçao ; tao ingrato , que faltafle a feu
Deos , e tao ignorante , que compraffe hu-
ma felicidade tranfitoria pelo preço inefti-
mável , e immortal da ſua alma , que devia
amar , e eſtimar mais , que todas as couzas
da terra. Que lhe pedia patrocinaffe os feus
defignios , procurando - lhe , como bom pay,
a vida eterna depois da temporal : que nao
havia couza no Mundo , que o pudéſle fazer
mudar de refoluçao , e que eftava prompto
a hir para Meaco , quando fofle fua vonta-
de mandálo que nao teria outro fentimen-
to mayor , que o ver - fe privado da compa-
nhia , e favor de hum Principe , que tanto
o amava ; e que em tudo , o que não encon-
traffe a Ley de Deos , lhe nao faltaria á obe-
diencia , que por tantos titulos , e refpeitos
The devîa .
Eſta
do Japaō. Liv. VI. 39.

Efta acertada repoſta , e conftante


refoluçao abrandou de tal forte o coraçao
de Chicacata , que nao pode reprimir as la
grimas. Via , que feu filho tinha por fi a

razao , e approvava interiormente , o que no


exterior fe via obrigado a condenar ; e co-
mo o amava extremolamente , nao podia
acabar com o feu coraçao o apartálo de fi ,
por mais que a obftinação da Rainha, e da
Princeza fua efpofa lho perfnadiao. Para
fatisfazer a ambas as partes , tomou a refo-
luçao de tratar com afpereza , e rigor ao
invencivel mancebo, perfuadindo-fe, que eſta
mudança no trato , junta com os poucos an-
nos , o faria mudar de propofito, e que nao
tendo prática com os Chriftaos , fe hiria
1
pouco a pouco rebatendo o defejo de abra-
çar a fua Ley.
Com efta determinaçao Chicacata Maltrata o
encerrou em hum quarto do palacio a Chi- feu pay, co
catora , prohibindo aos Religiofos Japões deferra para
entrarem a vifitálo : e o mefmo Principe , Buygen.
para fingir melhor o feu defapego , lhe fal-
lava raras vezes , e fempre com defprezo ,
e enfado ; porêm vendo , que nao furtiaō ef-
feito todas eftas demonftrações , fe determi
nou mandálo para o Reyno de Buygen , de
que era Governador , com ordem de que o
encerraffem em huma cafa , e nao conſentif
fem , que fallaffe com peffoa alguma , que
o pudéle confirmar no feu intento . O conf-
tante mancebo vendo fe cercado de guar-
das , e como metido em huma eftreita pri-
C 4 zao,
:
40 Hiftoria da Igreja
zao , gaſtava o tempo goftozo em fervoro-
fos collóquios com Deos , e fó fentia nao
eftar ainda baptizado , para o que era pre-
cifo , que o P. Cabral lhe declaraffe alguns
pontos da nofla Religiao , em que nao efta-
va ainda fufficientemente inftruido ..
Bem defejava o P. Cabral escrever
agora a Chicatora para o confolar no feu
defterro , e confirmar na fua refolução ; mas
os guardas , que fempre tinha á vifta, fruf-
travao todas as diligencias do Padre : até
que por meyo de hum Japaó , que affiftia
em Funay , de quem nao defconfiavao os
guardas , remetteo a Chicatora huma Carta,
em que o exhortava a permanecer conftan-
te na fua refoluçao , e lhe propunha a gran-
de recompenfa , que fe preparava á ſua fé.
Confolado , e animado com eftas razões o
valerofo mancebo , the refpondeo , que ain-
da que padecia muito na fua prizao , nen hu-
ma couza o affligia mais , que nao eftar ain-
da baptizado ; felicidade , que com extremo
defejava , e todos os dias pedia a Deos , e
a fua Santiffima May aquella graça , por cu-
ja poderofa interceflao efperava alcançála ,
tanto que fe viffe na fua liberdade. Que nao
temeffe mudança no feu animo ; porque nao
feriao baftantes as promeffas das mayores
felicidades do Mundo , nem os ameaços dos

mais exquifitos tormentos para o fazerem


mudar de refoluçaó . Efta Carta levou o
mesmo Japão ao P. Cabral , que ficou con
tentiffimo daquella fanta refoluçao .
Paffados
do Japao. Liv. VI. 41
Paflados alguns mezes , entendendo He chamado

Chicacata, que o rigor da prizao , e os traba- á Corre .


lhos , que nella padecêra , teriao abrandado
aquelle conftante peito , mandou , que fofle
reftituído á Corte. Tanto que fe divulgou
na Cidade a fua vinda , o forao eſperar ao
caminho muitos Cavalheiros ; porque o con-
fideravao já como genro do Rey , e fobri-
nho da Raînha . O Principe Chicacata o re-
cebeo com todas as demonftrações de cari-
nho , e ternura , que póde moftrar a hum
filho o pay mais amante : e a mesma Raî-
nha nao cedeo neftas demonstrações ao Prin-
cipe feu irmao. Mas Chicatora nao fe dei-
xou levar daquelles favores apparentes , e
enganofos , que elle confiderava , como la-
ços , que lhe armavaõ á fua, generofa conf-
tancia . O feu mayor defejo era ver fe com
o P. Cabral ; e fabendo , que estava na Cor-
te , fahio de palacio a buícálo com toda a
cautéla , e fegredo , que pedia o cafo. Nao
fe póde facilmente exprimir o gosto , que
teve , quando fe vio com o Padre , a quem
elle eftimava , e venerava , como verdadeiro
Pay , que lhe abria caminho para huma vi-
da feliz , e bemaventurada. Lançou fe a feus
pés , e banhado em lagrimas lhe pedio , que
o baptizaffe . O Padre lhe repreſentou a ne-
ceffidade , que ainda tinha de algumas inf-
truções , para as quaes era preciſo algum
tempo , paffado o qual , alcançaria a graça
de filho de Deos , que tanto defejava : que
entretanto fe difpuzeffe para fofrer outros
ainda
42 Hiftoria da Igreja
ainda mayores affaltos : que confideraffe ,
que devîa preferir o Reyno do Ceo ao do
Japao , e que le poriffo perdeffe huma Co-
roa temporal , ganharia fem duvida huma
eterna.
Animado , e fortalecido Chicatora
com eftas razões , e com a esperança de re
ceber o Baptifmo dentro de pouco tempo ,
voltou para palacio : e mandando-o pouco
depois chamar o pay á fua presença , lhe
diffe , que o mandára vir de Buygen para fe
effeituar o casamento com a Princeza : que
os Reys o desejavao com todo o affecto ;
e julgavao do feu bom juizo , que faria a
eftimaçaõ devîda de hum tao alto parentef
co , de que fe lhe feguiria muita honra , fe-
licidade , e riquezas. Chicatora depois de
The fazer huma profunda reverencia , The

rendeo as graças pela honra , que lhe fazia,


e pelas grandes ventagens , que lhe procu-
rava : mas accrefcentou , que fe era neceffa-
rio comprar a Coroa a preço da fua falva-
çao , lhe vinha a cuftar tao caro , que nao
queria lançar mao della : que fe fe lhe permit-
tiffe fer Chriflaó , eftava prompto para cum-
prir com a fua obediencia .
Vay buscar o Summamente offendido ficou o pay
P. Cabral. com eft a repofta , e affim o mandou encer-
rar em hum quarto do palacio , prohibindo-
>
1h tambem toda a comunicação com os
Chriſta's Expedio logo hum dos feus Gen-
tishomens ao P.Cabral , pedindo -lhe, exhor-
... filho
a ob d.ce - lhe , já que a Lev ,
que
do Japao. Liv. VI. 43
1
que prégava , mandava , que os filhos obe-
deceffem a feus pays. O Padre , ainda que
bem entendeo , qual era a intençao do Prin-
cipe ; com tudo , para nao o irritar , efcre-
veo ao mancebo Chicatora , dizendo-lhe ,
que era obrigado a obedecer a feu Rey , e
à feu pay , ainda que idolatra , em tudo , o
a
que nao foffe contrario á Ley de Deos , e á
falvação da fua alma ; porque por efta cau .
fa havia de dar a propria vida. O animo-
fo Principe , lendo a Carta , a poz fobre a
cabeça , e no feyo , que faó entre os Japões
os finaes de mayor refpeito , e veneraçao ; e
banhado em lagrimas a beijou com muita
ternura , e mandou ao Gentilhomem diffélle
a feu pay , que eſtavaprompto a obedecer
ao P. Cabral em tudo , o que lhe mandaffe.
Eſta repofta encheo de alvoroço a
Corte toda ; porque entendeo , que Chica-
tora eftava rendido á vontade do Principe
feu pay , e nao acabava de admirar a obe-
diencia dos Chriſtaos ao feu Paftor : mas de-
preffa fe defenganou a mefma Corte , vendo
que Chicatora fe moftrava mais conftante
que nunca em abraçar a noffa Santa Fé .
Vendo o pay, que nao podia abran-
dar com rigor aquelle conftante animo do
filho , o asfaltou com outra bateria , tanto
mais fórte , e poderofa , quanto mais bran-
da , quaes fao os goftos , e delicias da Cor-
te. Pôlo na fua liberdade , e mandou-lhe ,
que affiftiffe aos jógos , Comédias , bailes ,
é mais divertimentos da Cidade , dando- lhe
por
44 Hiſtoria da Igreja
por companheiros alguns mancebos illuftres,
que nao tanto com as palavras , quanto com
o feu máo exemplo o conduziffem áquelles
divertimentos , viftas , e objectos, que mais.
coftumao mover o coraçao humano : mas
elle fe moftrou em todas eftas occafiões taō
fabio , tao modéfto , e tao infenfivel , que
veyo a conhecer o pay , que nem o rigor ,
nem a brandura podiao abrir brecha naquel-
le fórte peito .
Recorre aos
Sahindo pois fruftrados todos os
feiticeiros. esforços humanos , recorreo Chicacata aos
demonios ( ultimo remedio , em que tinha
pofto a fua esperança ) por meyo de alguns
feiticeiros ; ordenando- lhes , empenhaffem to-
do o feu poder para aterrar o coraçao do
Principe feu filho. Obedecêrao elles pontu-
almente , e logo na mefma noite , e nas fe-
guintes lhe puzérao á viſta horriveis, e monf-
truofas fantafmas , cahindo ao mesmo tem-
po chuveiros de pedras no feu gabinete , e
ouvindo-fe tao horrorofos eftrondos , que
atemorizados os Camariftas todos , fe le-
vantárao , e com tochas acefas corrêrao to-
do o palacio , para ver fe defcobriaó a oc-
cafiao , e author do efpantofo ruîdo , que
ouviraŎ : até que defefperando de o achar ,
fe recolherao ainda mais medrozos , do que
fahirao. Durou efte diabólico invento por al-

guns tempos , ainda que com muy contra-


rios effeitos aos que efperava o pay. Por-
que Chicatora fe perfuadio , que os demo-
nios o atormentavao daquella fórte , porque
cftava
:

do Japao. Liv. VI. 45


eftava ainda na fua efcravidao ; e que tanto
que pelo Baptifmo fe fizéffe filho de Deos ,
nao teriaō nelle poder algum.
Pelo que , fem pedir licença ao pay, Chicatora
acompanhado de tres Pagens feus, que tam- recebe o Ba-
bem defejavao fer Chriftaós , foy buscar prifmo .
o P. Cabral , e lhe pedio em nome de Deos,
que o baptizaffe : ainda que o Padre previo
o delgofto , que havia de caufar a feu pay,
e á Raînha , le condefcendia com os feus
defejos , com tudo , vendo o fervor do man-
cebo , e confiderando os furiofos combates ,
que ainda the reſtavao para vencer , julgou,
que lhe nao devîa dilatar mais a graça do
Baptifmo , de que poderia tomar novos alen-
tos para os conflitos , que o efperavao ; e
levando- o á Igreja , lhe propoz muitos no-
mes , para que escolheffe , o que mais lhe
agradaffe . Elegeo o nome de Simao , que na
lingua China fignifica o que he enfinado por
hum Meftre ; e logo o Padre lhe adminiftrou
o Sagrado Baptifmo na Vigilia de S. Marcos
Evangelifta com todas as ceremonias , e fo-
lenidades , que a Igreja coftuma. Nao fe pó-
de exprimir a alegria de Chicatora , vendo-
fe já no numero dos filhos de Deos , e re-
generado com as faûdaveis agoas do Baptif-
mo : a graça refplandecia em feu rosto , e
fe deixava ver nas fuas palavras tanto , que
dizia ao Padre , que fó huma_couza nefte
Mundo defejava ; e era , que Deos lhe ti-
raffe a vida antes de perder a innocen-
cia.
Recolhi-
46 Hiftoria da Igreja
Recolhido outra vez a palacio , nun-
He prezo
cerceira vez ca mais vio as fantafmas , nem ouvio os ef-
• rrondos , com que os demonios o perten-
diao atemorizar. Nao perdia occafiao de hir
ouvir Miſla , a que affiftia com muita atten-
çao , devoçao , e reverencia : em palacio fe
portava com tal modéftia, e compoſtura , que
admirava aos que o viao ; chegando a tal
exceflo o feu fervor , que trazia o Rofario
ao pescoço , para que todos o conheceffem
por Chriſtao. Vendo-o Chicacata feu pay
R
com esta infignia , fe enfureceo de tal fórte,
que temendo deixar- fe arrebatar da cólera •
e fahir em algum exceffo , fe lhe explicaffe
o feu fentimento cara a cara , lhe mandou
dizer por hum dos feus Gentishomens , que
eftava muito offendido da fua defobediencia,
e do defprezo , que fazia do que lhe tinha

ordenado que nao contente com abraçar a


Religiao Chriflă, contra o que expreffamen-
te lhe prohibira , andava com o Rofario á
vifta , como provocando a fua paciencia :
que fe outra vez entraffe na Igreja dos Pa-
dres ( aonde fabia , que coftumava hir com
frequencia ) havia de cuftar aos que o acom
panhaffem a vida , e a elle o defterro para
Meaco depois de muitos opprobrios. D. Si-
mao refpondeo ao Gentilhomem , que efta-
va prompto para obedecer a feu pay , ain-
da com perigo de vida , honra , e fazenda ,
em tudo , o que nao foffe contra a Ley de
Deos ; mas que o julgava injufto em querer,
que a fua vontade folle preferida á do pri-
meiro
:

do Japao. Liv. VI. 47


meiro Rey , e Soberano de todos os Monar-
cas , que o mandava affiftir aos feus Divinos
Myfterios ; e affim que nao podia nefta par-
te obedecer-lhe.
Offendido Chicacata defta fanta li-
berdade , mandou o terceira vez encerrar em
huma camara , fem lhe deixar nem hum fó
criado para o fervir. Porêm Deos , que nun-
ca falta aos que padecem por feu refpeito ,
lhe defcobrio meyo , com que avilou ao P.
Cabral do eftado , em que fe achava. O Pa-
dre lhe mandou a Vida de S. Sebaftiao, tra-
duzida na lingua Japoneza , com as exhorta-
ções , que o Santo fazia aos criados do Im-

perador para os animar ao martyrio . Eſta


liçao foy de grande proveito para o noffo
Principe; porque della tirou valor , forças ,
e confolação , que lhe forao bem neceffarias
para refiftir , e rebater os affaltos , que de
novo dérað á fua conftancia.
Erao continuos os menfageiros , que He tentado
a Rainha , e feu pay lhe mandavao para ten- por todos os
tar a fua fé , reprefentando-lhe as convenien- modǝs.
cias , que fe lhe feguiriao de obedecer ao
Principe ; porque fe affim o fizéffe , feria a
fegunda peffoa do Reyno , genro de hum
Rey poderofo , Senhor de vinte mil vaffal-
los , e de todas as riquezas , Eftado , e he-
rança de feu pay , que era hum dos mais
poderofos Principes do Japao.
D. Simao ouvia fim todas eftas pro-
póftas ,mas tao firme , e immóvel na fua
refolução , como huma rocha combatida dos
furio-
48 Hiftoria da Igreja
furiofos affaltos das ondas ; e ultimamente
The refpondia , que antepunha o nome , с
qualidade de Chriftaó á de Rey doJapaó , e
nao poria nunca em contingencia a falvaçao
da fua alma por todos os bens da terra. Os
Gentishomens voltáraó com efta repofta ao
Principe , e com ella lhe expreffáraó a ad-
miração , que lhes caufava a invencivel conf-
tancia de feu filho ; repofta , que ainda fen-
do tao contraria aos feus defejos , naõ dimi-
nuîa a eſtimaçaó , que fazia delle ; antes fe
perfuadia cada vez mais , que nao era poffi-
vel achar em todo Japao mancebo mais per-
feito , e mais digno dos feus affectos.
Nova inftan- Conferio pois Chicacata com a Raî
cia ao P.Ca nha fua irmá o modo , com que poderiaó
bral.
vencer a fua conftancia , e de cómum acor-
do refolvêraó a empenhar de novo o P. Ca-
bral , para que admoeftaffe ao Chriſtao man-
cebo condescendeffe com a fua vontade. Ele-
geo pois o Principe para efta empreza hum
homem fabio , prudente , e fagaz , para que
da fua parte déffe ao P. Cabral hum recado ,
que le reduzia a eftes tres pontos. Primeiro:
que tinha feito a feu filho intratavel , e re
belde , fazendo-o Chriftao. Segundo : que
fendo nobre , e illuftre , o deixava hir á Igre-
ja , e com o Rofario ao pescoço ; infignia ,
que o vilificava para com as peffoas da fua
qualidade. Terceiro : que depois que abra-
çára a Religiao Chriſta , tinha deftruîdo os
templos , e mofteiros do feu dominio , de-
dicados a Cami , e Fotoqui ; e que fe podia
efperar,
do Japao. Liv. VI. 49
efperar , e temer , que alienaffe tambem as
rendas , que lhe eftavao confinadas. Depois
deftes tres pontos , concluîa o recado di-

zendo ao P. Cabral da parte do Principe ,


que nao obftante o feu jufto fentimento pe-
los motivos allegados , lhe promettia favo-
recer em tudo os Chriftaos por feu refpei-
to , fe elle aconselhafſe a ſeu filho , e o mo-
veffe de modo , que tornafle a abraçar a
religiao de feus Mayores ; e que quando af-
fim nao obraffe , fe difpuzéffe para experi-
mentar os rigores da fua jufta vingança .
OP. Cabral refpondeo aos tres pon- Repofta do
P. Cabral ás
tos , ou queixas , nefta fórma. Quanto ao queixas de
primeiro diffe, que fe admirava, que o Princi- Chicacata.
pe reputafle por offenfa , ter inſtruîdo nas ver-
dades Catholicas a feu filho ; quando elle
mefmo em outro tempo lhe pedira , que o
fizéſſe Chriſtaō. Que lhe naõ devîa chamar
defobediente , e rebelde , por nao obedecer
a hum homem , ainda que tao grande Prin-
cipe , contra o que lhe mandava Deos Rey
dos Reys , e feu verdadeiro Pay : que elle
meſmo Principe condenaria á morte aquelle
vaffallo , que por fazer a vontade ao pay ,
faltaffe á obediencia , que , como a feu legi-
timo Soberano , lhe devia. Ao fegundo dif-
fe , que a qualidade de Chriſtao naó era
nem podia fer ignominiofa a feu filho ; pois
fabia , que em Meaco havia Principes, e Se-
nhores da primeira grandeza , que fe honra-
vao defte nome- Que o Rey de Omura , o
de Tofa , e o filho do Rey D. Sebaftiao nao
Tom . II. D julg a-
50 Hiftoria da Igreja
julga vao ter degenerado da fua illuftre no-
breza , por terem abraçado a Religiao Chri-
fta.Que em Europa havia muitos Principes
Chriſtaos , mais poderofos fem duvida , que
o Imperador de todo Japao , que tinhao por
gloria entrar nas Igrejas , é affiftir aos Di-
vinos Officios que affim he , que D. Simao
nao era obrigado a trazer o Rofario ao pef-
coço , e que nao violaria algum preceito da
fua Religiao , fe nao o trouxéfle á viſta . Ao
terceiro ponto refpondeo , que ainda feu fi-
lho nao tinha chegado a executar as acções
Catholicas , de que o arguiao ; porêm ainda
que todos os templos de Fotoqui foffem de-
molidos , nao viria poriffo dano ao Estado ;
pois fabia , que Nobunanga , ainda que idó-
latra , tinha queimado os templos , morto
os Bonzos , e exterminado o culto do Cami,
fem que eftas fingidas divindades tomaffem
vingança de todos eftes opprobrios ; antes
era o mais rico, poderofo, e venturofo Prin-
cipe do Japao.
Refpondeo ultimamente á propóſta ,
que fe lhe fazia de perfuadir a feu filho , que
deixaffe a Religiao Chriſta , que abraçára.
Que a fidelidade, que devia a Deos , nao con-
fentia dar ouvidos áquella propofiçao ; porque
fe era digno de morte aquelle , que perfua-
diffe a outro a defobediencia ao feu Principe;
quanto mayor caftigo mereceria elle , fe
aconfelhaffe a feu filho foffe infiel a Deos :
que nao efperaffe acçao tao execranda , e
abominavel ; porque mais facilmente fofre-
ria ,
Liv. VI. 51
do Japão.
ria , que foffem reduzidas a cinzas todas as
Igrejas , que naquelle paiz fe tinhaõ dedi-
cado ao verdadeiro Deos , e que lhe tiraf
fem o fangue das vêas , que cometter tal
perfidia ; que deixaffe viver a feu filho na
Religiao , que tinha abraçado , e em tudo
o mais o experimentaria tao pacifico, e tra-
tavel , que excederia na fidelidade , e obe-
diencia a todos feus vaffallos.

Recebida efta repofta, foy logo Chi- P.Ameaçao⚫


Cabral co
conftancia deáfeu
cacata fallar filho, , expondo-lhe
Raînha Coa varios cafti-
affim
como a do P.
gos.
bral. A Raînha acefa em ira, e transformada
em huma furia com efte defengano, lhe diffe,
que com nenhum dos dous fe devîa já ter
attençao ; e vifto que o Padre fe nao ren-
dia com brandura , era neceffario intimidá-
lo com ameaços . He coftume obfervado no
Japaó , que quando o Principe eſtá irado con-
tra algum Bonzo , e lhe moftra algum , ain-
da que leve , indicio da fua queixa , procu-
ra logo o Bonzo aplacálo com prefentes ri-
cos ; ou vay bufcar em outro Reyno afylo
para escapar da morte. Efta foy a ultima
bateria , que efte Principe executou para con-
traftar a firmeza do Padre. Mandou dizer-
The por hum feu Gentilhomem , que fentia
muito chegar ao extremo , a que fe via pre-

cifado ; que era obrigado a manifeftar lhe ,
que le lhe cumpriffe o gofto , perfuadindo
a feu filho deixaffe a Fé , nao fomente o en-
riqueceria com larga mao , mas mandaria le-
vantar Igrejas em todos os feus Eftados , e
D 2 exhorta-
52 Hiftoria da Igreja
exhortaria a todos os feus vaffallos a fegui-
rem a Ley de Chrifto ; mas fe perfiftîa em
negar-lhe huma fatisfaçaõ tao jufta , manda-
ria pôr o fogo á fua cafa , e Igreja , e com
as proprias maos lhe tiraria a elle a vida ,
e mandaria matar a todos os mais Chriſtaos.
Feita efta propófta , entendeo havia
confeguido o que pertendia , perfuadindo-
fe , que o Padre temerofo de tantos cafti-
gos , condefcenderia com a fua vontade ,
ou mudaria de terra ; fendo-lhe preciſo con-
vir em todas as condições , que lhe propu
zéffem , fe quizéffe , como fe podia efperar,
voltar alguma vez a confolar os Chriſtaðs.
Mas o Principe em tudo fe enganou ; por-
que o P. Cabral era hum homem muito di-
verfo dos Bonzos , e poriffo nao fe deixou
vencer nem das fuas promeffas , nem dos
feus ameaços ; antes com fanta liberdade ref-
pondeo , que os Padres da Companhia de
JESUS nao deixavao os bens , que tinhao
na Europa , e as delicias , que podiaó gozar
na fua pátria , para vir bulcálasao Japao ;
que profeffavao Pobreza nefte Mundo, e que
no Ceo tinhao todos os feus thefouros ; que
a morte , com que o ameaçava , era o mayor
bem , que podia efperar ; pois nao tinha
mayor defejo , que derramar o fangue pela
gloria do verdadeiro Deos , que adorava :
que foubéffe , que nao neceffitava de tropas
para prendelo ; porque o acharia em cata
fem armas , e fem defenfa prompto a pa-
decer os mayores , e mais acérbos tormen .
tos ,
do Japao. Liv. VI. 53
tos , e ainda a mefma morte pela confiffao
da Fé.
Eſta grande refoluçao , e conftancia Procuraó fo
admirou a Chicacata , e vendo , que era in prender com
util a violencia contra aquelles forafteiros , enganos a D.
Simao
pois nao a temiao , e que eftavao debaixo da
protecçao do Rey , nao fe atreveo a execu-
tar, o que lhe fuggeria o ódio ; e diffimu
lando a fua paixao , intentou outra vez re-
duzir a D. Simao ( a quem já fuppunha can-
fado dos trabalhos de huma tao dilatada , e
rigorofa prizao ) com hum engano , inven .
tado fem duvida pelo pay delles . Foy pois
o cafo; que ganhando a vontade de hum Ca-
valheiro idolatra , de quem D. Simao fe fer-
via para mandar as Cartas ao P. Cabral , o
inftruĵo no engano , que tinha meditado ; e
hinda efte Cavalheiro vifitar , e confolar a
D. Simao , como coftumava , lhe fallou affim:
Sinto na alma , Senhor, dar vos buma noti-
cia , que fey vos ba de caufar grande affli-
çao. O Principe volo pay manda boje até
a manhã queimar a Igreja dos Padres , ti-
rar-lhes a vida a elles , e a todos os Chri-
Staos , que ha nos feus Eftados. Como nao
tem filhos , nao teme a indignaçaõ do Rey
e a troco de fe vingar dos Padres , naõ re-
para em se perder a fi. Eu os avifey dope
rigo , em que fe achao , e os certifiquey, de
que eftáveis refoluto a permanecer conftante
até a morte na Religiao , que abraçaftes ; e
que era o voffo intento edificar Igrejas , e
obrigares todos os voffos vaffallos a seguir
Tom. II. D 3 as
54 Hiſtoria da Igreja
as bandeiras de Chrifto , tanto que tomáf
feis poffe do governo. Refpondérao- me os
Padres , que tendo vós tao fanta refoluçao,
como eu lhes dizia , podieis por agora diffi
mular a vola Religiao , contentando - vos
de a teres no coraçao , fem a fazeres pu-
blica com tantas confiffoes. Que em cafo
tao apertado o podieis fazer, por livra
res os Padres , e com elles os mais Chri-

ftaos de extremo perigo , em que estavaõs


antes éreis obrigado a illo em conciencia , e
a evitar efta desgraça , manifeftando a vof-
fo pay a diverfa refoluçao , em que eftais .
Ifto be, Senhor, o que me diffe o P. Cabral.
Vede agora, fe vos fofre o coraçao deixálo
morrer com todos os mais Chriftaōs , eftan-
do tanto na voſſa mao o remedio ?
Efta noticia deixou ao afflicto man-

cebo em grande confternaçao ; porque por


huma parte nao fe atrevia a duvidar da ver-
dade de hum Cavalheiro , que fempre expe-
rimentára fiel , e que tinha eftreita cómuni-
caçao com o Padre ; e por outra avifado do
feu mesmo coraçao temîa fer infiel a Deos,
le feguifle aquelle confelho . Nefta perplexi-
dade entrou na fua camara , e proftrado hu-
mildemente por terra , pedia a Deos com
mais lagrimas , que vozes , lhe infpiraffe o
que devia obrar : e como deferia de hora em

hora a repofta, o Gentilhomem inſtava , que ſe


declaraffe , reprefentando - lhe o pouco tem-
po, que havia , e o perigo a que expunha os
Padres com a fua irrefolução , e demóra ;
pois
do Japao. Liv. VI. 55

pois talvez naquelle mefmo dia mandaria o


Principe executar a fentença , e Deos the
pediria conta de nao atalhar , como podia,
tantas defgraças .
D. Simao intimidado com eftas pa- Defcobre-fe
lavras escreveo logo a feu pay , prometten- o engano.
do-lhe fazer tudo , o que pudéffe para o

contentar. Efta declaraçao foy recebida na


Corte com huma tal alegria, que fe nao pó-
de exprimir ; e diffundindo-fe a fama por
toda a parte, foava a trifte nova para os
Catholicos , de que D. Simao largára a Fé,
e tinha triunfado a idolatria , e o Principe,
mais que todos , feftejava a fua vitoria,
Nefte meyo tempo teve D. Simao modo de
mandar avifar o P. Cabral do que fe tinha
paffado , queixando - fe docemente " de que
The mandaffe fazer huma couza , ao feu en-
tender tao ardua. O Padre ficou affuftadif

fimo de o ter por author daquelle enredo


e the refpondeo logo , que era falfo tudo
o que lhe tinhao dito ; e que nao devîa
diffimular a fua Fé por nenhum aconteci-
mento defgraçado , que pudéffe fucceder,
Que tal ficaria D. Simao com eſta repoſta
mais he para fe ponderar , que para fe ef-
crever ! Mil vezes fe queixava do motor
daquelle engano , e muitas mais fe arrepen-
dia de nao feguir o feu juizo , que baftan-
temente o apartava daquella crença ; e fem
perder inftante de remediar o feu peccado ,
efcreveo logo ao Padre , pedindo- lhe enca
recidamente lhe infinuaffe o caminho , que
D 4 podia
56 Hiftoria da Igreja
podia ter para fe defdizer publicamente ;
porque estava prompto nao fó para efcre-
ver a feu pay , retratando-fe do que tinha
dito , mas hir offerecer a fua vida aos ma
yores martyrios para teftemunho da Fé, que
profeflava ; e que fe lhe parecia , que elle
fugifle para a Igreja , onde eftavao os mais
Chriſtaos efperando a morte , o faria com
grande vontade.
O P. Cabral lhe refpondeo , que era
preciso eleger o primeiro meyo, que apon-
tava , ainda que foffe com o rifco de perder
a vida ; porque nao havia couza nenhuma ,
que defculpaffe , nao fe fazer publica confif-
fao da Fé , quando affim o pede a neceffi-
dade : e que fe os inimigos da Religiaō Chris
fta tiraffem a vida a dous Padres da Com-
panhia em Vozuqui , viriaó trinta da India
occupar logo o feu lugar. O difcréto man-
cebo , recebendo do Padre eſta repoſtå, ef-
creveo logo a feu pay outra Carta, em que
dizia , que eftava refoluto a viver , e mor
rer Chriſtao ; que fe fe defgoftava delle por
efta caufa , podia mandálo para Meaco , ou
tirar-lhe a vida , mas nao impedir- lhe a con-
filao publica da Fé de Chrifto ; e que fe o
defpediffe da fua caſa , tinha a da Compa-
nhia de JESUS com a porta aberta para o
receber , e elle muy goftozo de trocar a
dignidade , que lhe offerecia , pela humilde ,
Refolve Chi- e pobre habitaçao dos Padres.
cscata man.
dar matar os Efta Carta admirou agora a Corte
Padres . toda , trocando a alegria , e o paflado pra-
zer
do Japão. Liv. VI. 57
zer em huma penoza , e funefta tristeza ; e
Chicacata fe 1. enfureceo de maneira , que re-
folveo mandar matar os Padres , e a todos
os Chriftaōs . Para efta tyranna execuçao
mandou ajuntar as tropas , e ordenou a dous
Cavalleiros , que mataffem o P. Cabral , e a
outros dez ; que trouxéffem prezo o Irmao
Japonez , que havia inftruido a ; feu filho
e á vista de todos o fizéffem em miudos

pedaços ; e que o refto da cavallaria , e in-


fantaria paffaffem á efpada os Chriſtaos to-
dos , faqueaflem a Igreja , e lhe puzéſſem
depois o fogo.
Tanto que os Padres fouberao eſta
determinaçao , forao para a Igreja , e prof
trados diante da Divina Mageftade , fe offe
recêrao em facrificio , alegriffimos de com-
prarem por tao limitado preço o grande
prémio , que esperavao lograr na Pátria dos
Bemaventurados , e póftos em oraçao , ef-

peravao a morte , como fruto de todas as


fuas fadigas. Nao fe paffou muito tempo ,
que nao viffem chegar á porta hum grande
numero de peffoas da primeira Grandeza
cobertas , e bem armadas para os defende-
rem , fe a Ley Catholica o permittifle ; e
quando nao , fe offereciao promptas para
morrerem com os Padres. Para ifto traziaó
os melhores , e mais ricos veftidos , que ti-
nhao , como quem hia mais a triunfar , que
a morrer. OP. Cabral porêm fahio a pedir-
lhes quizéffen retirar-fe , pois o martyrio
era fó para ele , e os da fua Companhia ;
e que
:.
a
58 Hiftori da Igreja
e que os idólatras de os verem armados ,
entenderiao , que vinhao impedir-lhes o mar
tyrio ; o que daria caufa a hum dano irre-

paravel. Os Chriftaos lhe refponderaó, que


o intento , com que vinhao , nao era im-
pedir-lhes huma tal ventura , mas que per
tendiao fer participantes della , morrendo
todos juntos : que fe o Rey lhes mandaffe
depôr as armas , lhe obedeceriao promptif-
fimos , e com os joelhos em terra recebe-
riao o golpe da morte fem fazerem a me-
nor refiftencia ; porêm como aquella empre-
za era effeito da diabólica paixão , e violen.
cía de Chicacata , de que fe feguia prejuizo
grande á Religiaó , eftavao na refolução de
defenderem a Cafa de Deos , e impedirem
a deftruîçao da fua Igreja : e fe morreffem
em defenfa da Fé , ficariao gozozos de per-
derem a vida , ganhando gloriofamente
a Coroa do martyrio , que era o feu ma-
yor defejo. Acabando elles de pronunciar
eftas palavras , fe puzéraó todos á roda da
Igreja efcondendo as armas ; e fem dizerem
nada aos Padres , mandárao juntar em hu
ma cafa quantidade de arcos , fétas , efpa-
das , e efpingardas.
Defejo , qué Em quanto fe preparavao todos pa-
es Chriftaós ra hum fanguinolento conflito , o P. Cabral
tinhao de pa- recolheo todos os ornamentos da Igreja em
decer marty- duas caixas , e as entregou a hum nobre
zio.
Chriſtao , encomendando-lhe, que depois da
fua morte as mandaffe remettidas ao P. Joao
Baptifta em Funay ; e fe effe Padre tambem
perdeffe
do Japao. Liv. VI. 59

perdeffe a vida , as entregaffe ao primeiro


Miffionario , que viéffe ao Japao . O Chri-
ftao fe efcufou defta incumbencia , dizendo ,
que fe alguns haviao morrer pela Fé , elle
queria fer o primeiro , mas que deixaria a
fua mulher esta incumbencia .
Voltou logo o Chiſtao a fua cafa , e
recomendou a fua mulher o depofito pre-
ciofo. Era efta huma Senhora nobre , e de
grande diftinção entre os Chriftaos ; de hu-
ma compleição muito delicada , mas de hum
coraçao nobre , varonit , e generofo .
Tan-
lhe
to que feu marido lhe fez a propófta ,
refpondeo affim : Verdadeiramente fe me
faz muito eftranho , que havendo os Padres,
e vós de fofrer o martyrio efta noite , quei-
rais, que eu fique por guarda deftes móveis ,
privando-me da felicidade , que ides gozar.
Perdoay-me efpofo , e senhor meu , que naỡ
ba de fer affim : tornay , Je quereis , para
a Igreja , que pouco depois me vereis tam
bem nella e fe por acafo me matarem no
caminho , anticiparfeme-ha parte da vola

gloria.
O marido attonito da fua refolu-
çao procurou diffuadila defte projecto ; mas
forao em vao todas as fuas perfuafoes : e
nao fabendo a quem entregaffe as caixas re-
feridas , a fabia , e virtuofa Senhora lhe dif
fe as fiaffe de huma das fuas camariſtas , que
fendo doze , podia escolher a que lhe pare-
ceffe mais a propofito para o intento . Eraó
ellas todas Chriftás , e tanto que ouvirać
fallar,
60 Hiftoria da Igreja
fallar , em que haviao ficar em cafa , refpon-
dêrao todas unifórmemente , que nao ha-
viaō deixar fua Senhora ; porque na vida , e
na morte lhe queriao fazer fiel companhia .
Nefta perplexidade occorreo a ambos faze-
rem fiel do depofito a feu cunhado , que
ainda que idólatra , era prudente , e muito
attendido do Rey , e da Raînha .
D. Sebaſtiao Em quanto os Padres Cabral , e Fróes,
m-
vem ierocodos
panheir que fao os que referem efta hiftoria, eftavao

Padres. na Igreja com o nobre efquadrao dos, Fieis.


confagrados ao martyrio , fabendo D. Sebaf-
tiao , filho fegundo do Rey de Bungo ( que
havia dous annos fe baptizára ) o perigo im-
minente , em que eftavao todos , veyo com
a fua companhia , nao para defendêlos , mas
para morrer juntamente com elles , porque
eftava difcórde com feu tio Chicacata ,

O P. Cabral prevendo o tumulto , que fe


levantaria na Cidade com a fua presença ,
lhe pedio fe retiraffe , o que elle fez com
grande violencia por obedecer aos feus Mef,
tres ; mas deixou parte da fua gente com
ordem , que o avifaffem de hora em hora
do que fe paffava ; porque fazia tençao de
vir meter-fe com os outros Chriftaós efcon-

didamente para ganhar a felicidade do mar-

tyrio. T
Entrada já a noite , eftando todos
os Chriſtaðs em fervorofa oraçao na Igre-
ja , ouvirao bater com grande força na por-
ta: entendendo , que erao os foldados do
Principe , que vinhaó a fazer o cruel eftra-
go ,
161
do Japao. Liv . VI.
go , fe proftrárao com grande goſto diante
dos altares a esperar a morte ; mas hindo
os Padres abrir a porta , fe acháraó com hum
grande numero de Senhoras Chriflás , gran-
des , e pequenas , que goftozas vinhao of-
ferecer as vidas pela defenfa da Fé no ul-
gar , em que fabiaō eſtavaō para tao herói-
co facrificio feus maridos , pays , e irmaos .
Era couza digna de grande admiraçao ver
Senhoras das primeiras jerarquias , que pe-
lo ufo do paîz ſe naõ deixavað ver nunca ,
nem dos feus mefmos parentes , e as pou
cas vezes , que fahiaó de cafa , erao acom-
panhadas de grandiffimo numero de peffoas
a cavallo , e a pé , virem agora fem nenhu
ma deftas pompas a pé , e em huma noite
etcura bufcar a morte com tal gofto , que
nao o trocariaō pelo mayor defta vida ! Tan-
to comoifto fe abrazavao no amor de Deos,
fendo baptizadas de tao pouco , para confu-
fao dos que nafcemos , e nos ciramos no gré-
mio da Igreja !
Entre eftas vinha aquella virtuoſa
Senhora , a quem feu marido queria fazer
a
depofitári dos ornament os , a qual vendo ,
que os vifinhos tinhao cercado a porta, pa-
ra que nao fahiffe de cafa , fez com as fuas
criadas com incrivel agilidade , bem difficul-
tofa para as fuas forças , huma abertura na
parede , ou muro do jardim , e fugio parat
a Igreja com pafmo grande de todos.
O P. Cabral empenhou todo o feu
esforço para perfuadir à efte efquadraó il-
luftre
-62 Hiftoria da Igreja
luftre voltaffe para fuas cafas ; mas de mo-
do nenhum pode confeguilo. Eſtavao to-
das eftas Senhoras ricamente adornadas , co-
mo he coftume no Japao ; porêm debaixo
dos vestidos escondiao algumas armas , naõ
para fe defenderem , mas para provocar a
ira os foldados , que attendendo á fua qua-
lidade , e féxo quizéffem falvar-lhes as vi-
das. A noite fe paffou quiéta , e em ora-
çao continua : ao rayar da Auróra chegou
outra Senhora , mulher do irmao de Chica-
cata , author defta tragédia . Tinha eſta Se-
nhora ainda de berço hum filho unico , e
deixando- o com incrivel refolução , e a to-
da fua familia , veyo com feu marido , que
era Chriſtao , e o mayor amigo dos Padres ,
offerecer-fe ao martyrio. O P. Fróes , que
tambem eſtava com os outros , encarece mui-
to nas fuas Cartas o valor deſta Senhora ,
fegurando excede toda a imaginação ; e que
o feu exemplo excitaria o mais humilde, e
fraco de todos os homens a fofrer a mor-

te pela Fé de Chrifto.
Vifita "occul- No tempo , em que fuccediao eftas
ta,que D Se eftava ainda prezo no palacio D. Si-
baftiaó fez a couzas ,
D. Simaó. mao , nao fó da liberdade , mas tambem da-
quelles meyos , que defejava ter de comu-
nicar-se com D. Sebaftiao , filho do Rey de
Bungo , com quem tinha particular amifa-
de , por ferem em tudo iguaes , tanto na
Religiao , que feguiao , como na idade ; e
álem difto , concorrer a circumftancia do
novo parenteſco , que haviaõ de contrahir
com
do Japao. Liv. VI. 63
com o casamento da Princeza fua irmã. Por
eſta razao pois era tað grande o ciûme , que
Chicacata tinha defte trato , que vindo hum
dia certo Págem de D. Sebaftiao com huma
Carta para D. Simao , lhe embaraçou a paf-
fagem , e entrada no Paço; irritando de modo
o Principe , que logo procurou meyo de fal-
lar ao prezo mancebo a todo cufto : e af
fim o logrou , fahindo occultamente ao cam-
po , mas acompanhado de alguns feus con-
fidentes bem armados , e ſe aviftou com D.
Simao , que vinha acompanhado fó de dous
Págens . Abraçárao-fe com as demonstrações
da mais fina , e fincéra amifade , e eftivérað

largo tempo fem pronunciar palavra , fuffo-
cando as expreffoes da lingua as lagrimas ,
e dor do coraçao : quando eſta ſe moderou
algum tanto , D. Simao rompeo o filencio ,
declarando ao Principe feu primo a dura
contumácia de feu pay , que estava inflexi-
vel em defterrálo , quando nao pudéfle ti-
rar-lhe a vida ; e como elle fó a delejava
para fervir a Deos , e confervar-ſe na ſua
fiel amifade , lhe pedia por efta , e pela fi-
delidade , que fe tinhao jurado , pelos vin-
culos do parentefco , e principalmente pe-
lo bem commum da Religiao toda , que
com tanto gofto ambos haviao abraçado ,
The aconfelhaffe , o que devia obrar no efta-
do miferavel , a que eftava reduzido ?
D. Sebaftiao lhe refpondeo, que nun-
ca faltaria ás obrigações , em que o confti.
tuîaó a amifade , o parentefco , e fobre tu.
do
64 Hiftoria da Igreja
do a Religiao , que profeffavao : que por to
dos eftes motivos podia entender , nao ha
via peffoa alguma no Mundo , que tanto, co-
mo elle, le intereffaffe no feu focego ; pois
queria ter tanta parte nelle , que o feguiria
até no defterro , fe para este feu pay inten-
taffe mandálo; pois profeffando a mefina Ley,
eſtava prompto a derramar até a ultima
gotta de fangue pela defenfa da fua caufa.
Obrigado D. Simao de novo por eftas ex-
prefloes de amigo fiel, fe lhe deitou aos pés,
agradecendo do modo , que lhe era poffi-
vel , os favores, com que novamente o em-
penhava , e fegurando- lhe depunha já to-
do o temor , confiado na fua boa amifade ,
e efficáz protecçao : e paffando a outras bre-
ves períodos , dirigidos ao meſmo fim , ſe
defpedirao com a mesma ternura , retiran-
do-fe cada hum a fua cafa.
Furia grande A vifita deftes dous Principes nao po-
da Rainha de fer tao fecréta , que nao fofle á noticia da
contra feu fi- Raînha , que concebeo tal ira contra D. Se-
lho.
baftiao , que nao quiz mais fallar -lhe , nem
que a nomeaffe por may. Chicacata , que
media as proprias acções pelas de fua ir-
má , fe poz tambem em difcórdia com o
Principe feu fobrinho ; o qual efcandalizad
o
do injufto procedimento do tio , fobre o
máo trato , que tinha feito a hum feu Pá-
gem , lhe mandou dizer por hum dos feus .
Gentis homens : Que nao podia deixar de ef-
tranhar muito , que elle maltrataſſe a D. Si-
mao , por fe ter feito Chriftao ; moftrando
por
65
do Japao. Liv. VI.
por efte modo , que nao eftimava a Ley ,
que elle abraçára com beneplácito do Rey
leu pay , que até lhe tinha affiſtido ao feu

Baptifmo para moftrar , que approvava a


fua determinaçao ; e quando efta Real pef-
foa protegia a D. Simao em refoluçaõ tao
ajuftada, era arrojo grande condenála : e af-
fim tivéffe entendido , que elle dallî por
diante tomava por fua conta os interelles
de feu cunhado , e fendo a caufa cómua ,
o havia fer tambem o tratamento ; e levan-
tando mais a voz ao expreſſar efte recado ,
diffe: Quero que Chicacata entenda , que os
Padres fao meus Meftres ; que os eftimo co-
ma pays , e que quem oufar cometter contra
elles , ou contra a ſua Igreja , a mais leve
offenfa , experimentará, que poffo, e fey vin-
gar-me. Se fe atreve a tratar mal os meus
criados , por quem mando vifitar meu pri-
mo , que farey o mesmo aos Jeus ; que con-
fidere , que bum filho de hum Rey nao fó
fre, que se infulte a fua peffoa, nem as que
The pertencem,
Eftas palavras de hum Principe mo- Procurao a
ço , ditas com tanta acrimónia , enchêrao ruina de D.
de ira a Chicacata , e a Rainha may do mef- Sebaftiao có
a de todos os
mo Principe. Ambos agora defpachárao hum Chriſtaos.
Correyo ao Rey, que le achava , havia hum
mez , feis leguas diftante em huma casa de
campo com feu filho primogenito , diver-
tindo fe no exercicio da caça . Davao lhe a
entender , que os Chriftaos tinhao confpi-
rado contra a fua peffoa , e Eftados ; ajun-
E tando
Tom. II.
66
Hiftoria da Igreja
tando armas , e gente, de cujo corpo tinhao
feito Cabeça a D. Sebaftiao , e Chicatora :
que era preciſo cortar a cabeça a efte gi-
gante no berço ; porque fe o deixaffem cref-
cer , nenhuma diligencia o poderia atalhar:
e que fe os Chriſtaos, fendo tao poucos, fe
levantavao contra o feu Soberano , depois
de terem mais poder, feria impoffivel refif-
tir-lhes ; que o remedio unico, e feguro, era
exterminar aquella Seita infeliz , que dava
Occafiao a tantos tumultos , e acendia nos
Eftados o fogo da fediçao , e da guerra.
O Rey , que conhecia havia muito
tempo a virtude dos Padres , e as verdades
da noffa Religiao , fez pouco caſo defte avi-
10 , lembrando-fe , que a Rainha , como era
inimiga declarada dos Chriſtaos , maquina-
ria todo aquelle enredo para os malquiftar
com elle. O Principe primogenito , a quem
tambem escrevêrao , ainda que era do mef-
mo parecer ; com tudo , para contentar a
Rainha fua máy , e ao tio , fez faber ao P.
Cabral , que elle amava a Chicatora , como
a feu irmao , e que nao fofreria foffe defter-
rado da Corte ; e que do mefmo modo ama-
va os Chriſtaos , como fe teria conhecido
pelo affecto , com que os tratava ; mas que
corria huma voz , que lhe nao foava bem
cujos écos erao : Que os Chriſtaós faziaố
conferencias particulares para formarem
hum partido contra o Estado , elegendo a
Chicatora por cabeça com animo de o ac-
clamarem Rey : que defejava ſaber , ſe a fua
Ley
do Japao. Liv. VI. 67
Ley approvava , que os vaffallos fe fublevaf-
fem contra o feu Principe ; e affim lhe pe-
dia , que o mais depreffa, que foffe poffivel,
The refpondeffe , o que havia verdadeira-
mente nefte cafo?
Recebendo o Padre efta ordem, deo
logo a repofta , mandando a por hum Chri-
ftao fabio, e prudente. Em primeiro lugar
lhe agradecia a piedofa attençao de nao o
condenar fem o ouvir , e depois o informa-
va de tudo , o que fe tinha paffado , depois
da partida do Rey feu pay ; e de que a Raf-
nha fua mấy , e feu tio fe refolverad a ti-
rar- lhe a vida , fem mais caufa , que a fua
paixao implacavel : que affim era , que , co-
mo efperavao por inftantes a morte , fe jun-
táraó os Chriſtaðs na Igreja , naổ para em-
prenderem acçaó alguma contra o Estado ,
mas para fe prepararem para aquelle trance,
e derramar o fangue pela confiflao da Fé ,
que profeffavao , ao pé dos altares , e para
impedir , fe pudéffem , lançar-se o fogo á
Igreja que a Ley , que feguia , e prégava,
mandava aos vaffallos obedeceffem ao feu
Soberano , fervindo- o com tal fidelidade ,
que até perdeffem a vida por fua defenfa :

e nao menos prohibia todas as conjurações,
e conventiculos , que fe dirigiffem á ruîna
do bem publico; que nao havia Religiaō ,
que táxafle mayores caftigos a todos, os que
faltavao ao refpeito , e obediencia do feu
Rey , que a fua. Defte modo procurou fo-
cegar o animo do Principe , fem hir á fua
E 2 prefen-
68 Hiftoria da Igreja
prefença , nem á do Rey , por naõ deixar
ao defamparo os feus Fieis, e a Cidade em
tao grande confternaçao ; mas procurou in-
formar D. Sebaftiao , dando-lhe conta muy
por extenfo dos falfos infórmes , que haviao
dado a feu pay. O Principe affligido com
efta nova , tomou logo a pófta , e foy á pre-
fença do Rey , e o informou fielmente do

que fe havia paffado.


O Reymani- Ao tempo , que o Principe chegou ,
feita a efti- recebeo o Rey Cartas do P. Cabral ; e cer-
maçao , que to na injuftiça da Raînha , merecimento dos
fazia dos Pa-
dres da Com- Padres , e verdade de D. Sebaſtiao , rompeo
panhia. neftas palavras á vifta de muitos Senhores
da fua Corte : Meu filho, em vaõ procurais
defender os Padres , porque eu os conheço
ha vinte e fete annos , que tantos ha , que
chegárao ao meu Reyno , e fempre experi-
mentey nelles tanta fidelidade , e virtude ,
que nao tive razao para defconfiar delles
na mais minima acçao. O seu empenho foy
Jempre deftruir vicios , e plantar virtudes;
tao izentos de ambiçao , e cobiça , que bem
Se differençao, e fingularizao dos nofos Bon-
zos. Nao vos pareça , que os tomey debaixo
da minha protecçao fem me fegurar do Jeu
procedimento. Tive por espaço de tres annos
em meu palacio hum Medico Portuguez, que
curou de buma chaga perigofa a meu ir-
mao Rey de Amanguche : muitas vezes lhe
perguntey pelo poder do Rey de Portugal ,
quantas praças tinha na India , e princi-
palmente pelos Religiofos da Companhia de
JESUS,
do Japao. Liv. VI. 69
JESUS; qual era a sua profissão , os seus
coftumes , o feu efpirito , e as fuas occupa-
ções? Contou-me tantos bens dos taes Pa-
dres , e fez tao crefcidos elogios das fuas
virtudes , que quafi difficultey acreditalo, e
fiquey vacillante na narraçao, que lhe ouvi.
Para defenganar-me , defpachey o anno fe-
guinte para a India buma pelloa de minha
confidencia , para que fecretamente exami-
nalle tudo, o que eu tinha ouvido, e me viéf-
fe certificar da verdade. Cumprio exacta-
mente a comilao , que levava , e vindo a
Bungo , me aflegurou , que quanto me con-
tára o Medico, era nada, em comparaçaõ do
que elle vira , e prefenceára : que os Padres
da Companhia erao fummamente estimados
dos Portuguezes ; porque o feu emprego naõ
era outro , mais que dar a conhecer aquella
gente idolatra , e ignorante o verdadeiro Deos,
e enfinar-lhe o caminho de o poderem fervir,
e amar , de forte , que alcançaffem a Bem-
aventurança : que já mais tinhao feito pre-
juizo a nenhuma pessoa ; antes pelo contra-
rio, lhe procuravao todo o bem. Certificado
defta verdade , lhe concedi a minha protec-
çao; e por mais que os meus vaffallos per
tendao tirar-me defte propofito , nunca o con-
Seguirdo ; porque estou tao firme na crença
da fantidade da jua vida , e rectidao das
fuas intenções , que confenti vos baptizal-
fem; o que nao fizéra , ſe acafo duvidára.
Sey tambem , que a Rainha os aborrece , e
que be a motora deftes tumultos ; mas co-
Tom. II. E 3 mo
70 Hiftoria da Igreja
mo os recebi no meu Reyno , e lhes permitti
fabricarem Igreja , pede a minha honra con-
fervalos. Neftes termos , Je Chicacata (con-
tinuou mordendo os beiços , e levantando a
voz) ainda que tenha comigo tao estreita
aliança , tiver atrevimento de offender es
Padres , ou arruinar a fua Igreja , defde
logo o declaro por meu inimigo : e he tanta
a minha determinaçao nefte ponto , que fe
meu filho mesmo foffe tao temerario , que
the occafionale algum defgofto , nao lho con-
fentiria , e difficilmente pallaria fem cafti-
go , e tao exemplar, que folle terror a todos.
Quanto a Chicatora , quero que venha para
o meu palacio ; e fe Chicacata nao o quer
por filho , eu sempre o aceito por genro .
Cèffao as in- Eftas palavras ditas com refoluçao ,
quietações, e e inteireza por hum Principe idólatra, admi-
D. Simao fi-
ca livre. no-
ráraó a Corte toda , e logo chegáraó
ticia de Chicacata , e da Raînha , que con-
cebeo tal paixao , que cahio mortalmente
enferma. Teve fe por couza certa , que ef-
tava poffuîda do demonio ; porque erao
muitas vezes as furias tao fórtes , e violen-
tas , que feis homens muy forçosos nao a
podiao fegurar. Para que lhe fofle reſtituîda a
faúde , fizérao os Bonzos oraçao , e offerecêrao
muitos facrificios aos feus falfos Deofes ; mas.
fem nenhum effeito . Mandáraó vir de Meaco
hum infigne Medico , promettendo-lhe fete
mil e duzentos cruzados , fe tirafle aquellas
dores , que tanto a atormentavao : mas efte
mefimo declarou fer a doença incuravel ,
.. porque
do Japao. Liv. VI. 71
porque era o demonio quem a perfeguia ,
e atormentava.
Chicacata efperou a vinda do Rey:
para a Corte , e como fabio Politico fez
merecimento da propria obediencia para al-
cançar perdao das paffadas temeridades . Ad
mittio D. Simaó á fua graça , e o tratou com
muito carinho : reconciliou-fe affim mesmo
com D. Sebaſtiaō , e nefta fórma fe ferenou
toda a tempeftade , com grande crédito da
noffa Religiao , e confulao dos inimigos. O
Rey com prudente acordo , refervando para
tempo [mais opportuno ufar de outros re-
medios, avifou a D. Simao , que nao frequen-
taffe tanto a Igreja , por não renovar hum
fogo , que havia tao pouco tempo le apa-
gára : avifou tambem os Chriſtaos , que fe
portaffem com modéſtia , e nao infultaffem
a Rainha , e a feu irmao pela vitoria , que
delles tinhao alcançado .
Efta ordem do Rey nao embargou
a D. Simao , e D. Sebaftiao hirem de noite
bufcar os Padres á Igreja , e nella agradece-
raó a Deos o beneficio de os livrar de tao
grande perigo , e com tanto credito da nof-
fa Santa Fé. A conftancia de D. Simao cau-
fou grande abálo nos animos dos Cortezaós ,
e de fórte , que vinte delles movidos do feu
exemplo pedirao o Baptifmo ; feftejando D.
Sebaftiao o dia defta folenidade com hum ef-

plendido banquete. Defte modo prova Deos ,


os que o fervem , permittindo , que tenhao
perfeguições , em que fe acrifóle a fua Fé ,
E 4 e tiran .
72 Hiftoria da Igreja
e tirando dellas ventagens , com que fe co
Ide o feu fofrimento . Efta tragédia fuccedeo
no anno de 1577. Os Padres Cabral, e Fróes ,
que erao as principaes figuras defta catál
trofe , o referem muito por extenſo ao feu
Reverendiffimo P. Geral em Carta , que ef
crevêraó a Roma ; e accrefcentao , que no
anno precedente fe tinhao baptizado no Ja-
pao mais de quarenta mil peffoas , e depois
defta perfeguiçao , tao grande numero no
Reyno de Bungo , que faltava o tempo pa-
ra inftruîlos .
O Rey de Sobre tudo caufava admiraçao ver
Bungo entre- que o Rey favorecendo os Chriftaos por ef
o
do Reyno ao Paço de vinte e fete annos , confentindo
feu primoge. que feus filhos fe baptizaffem , nao fallaffe
nito.
em fe fazer Chriſtao ! Com o que dava oc-
cafiao a dizerem os feus familiares : Se a

Religiao dos Chriftaos he boa , porque naỡ


a abraça: e fe he ma , para que confente, que
feus filhos , e vaffallos a figao ? Porêm fen-
do certo , que parecia incompativel huma
Couza com outra , a verdade era , que o in-
feliz Rey prezo da Raînha ſua mulher , que,
como temos dito , era inimiga jurada dos
Chriftaos , nao fe atrevia a declarar-fe. Em-
fim pode mais a graça efficáz de Deos , que
o vinculo de trinta e fete annos , com pri-
zões de muitos filhos , e o temor de perder
o Reyno mudando de vida , e fe refolveo a
largar tudo de huma vez com heróica refo-
lução , entregando o Reyno a feu primoge-
nito , e escolhendo para fua quiéta vivenda
huma
do Japao. Liv. VI. 73
huma Provincia retirada da Corte.

He coftume , como temos dito, dos


Reys , e Grandes do Japao , tendo filho de
vinte até vinte e quatro annos com capaci-
dade de ſubſtituir o feu lugar , largar -lhe o
governo , deixando fó direito refervado pa-
ra lhe acodir nos negocios de mayor im
portancia com a fua direcçao , e confelho ,
e deftinando para a fua fubfiftencia congrua
fufficiente de manter a dignidade Real do
que fempre fica com o nome. Confórme
efte ufo , o Rey de Bungo , que já nao cui-
dava , mais que em paffar o resto dos feus
dias , aproveitando o tempo , que havia per-
dido em tantos annos , deixou o Reyno com
effeito a feu. filho no anno de 1578 ; e pon-
do-le prompto a partir para o feu retiro ,
The chegou noticia da morte do Rey de Fi-
unga feu genro , e que o Rey de Saffuma ſe
fenhoreára daquelle Reyno . Compadecido

de fua filha , que com dous meninos , dos


quaes o mayor nao paffava de dez annos ,
ſe viéra refugiar na fua protecçao , deixou
por entao a determinaçao , com que eftava,
e levantando hum exercito de feffenta mil
homens , foy buscar o inimigo com tal for-
tuna , que recuperou o Reyno , pondo os
contrarios em vergonhofa fuga.
Concluida a guerra , que foy breve, D. Simaổ hệ
e venturofa , determinou o Rey hir para o de novo per-
feu retiro , que era hum fitio muito ameno, feguido >
chamado Cuchimuchi ; mas antes de deixar delterrade,
a Corte , quiz ver compléto o goſto , que
tinha
74 Hiftoria da Igreja
tinha de favorecer D. Simao , cafando-o com
Mua filha , como eftava jufto ; pois conhecia
naó havia outro , que o excedeffe em valor,
prudencia , e Religiao . A Raînha fe oppoz
a efte defignio , dizendo , que fe elle nao
largaffe a Fé , de nenhum modo lhe daria
fua filha. Chicacata , que tambem nao fe
havia reconciliado com elle , fenao por te-
mor do Rey, em quanto Reynante , vendo
agora, que largava o governo , foy do mef-
mo parecer de fua irmã . O generofo , e
Catholico Principe lhe refpondeo refoluto ,
que nem por fenhor de todo Mundo larga-
ria a Religiao , que profeffára ; de que in
dignado Chicacata feu pay , revogou todas
as doações , que lhe tinha feito e o dei
tou fóra de fua cafa. Nenhum deftes con-
tratempos fez brecha no feu valerolo e
pio coraçao, e fem moftrar o mais leve fen-
timento foy buscar o P. Fróes, que com ter-
nura paterna o recebeo no feu hofpicio.
O Rey repu- Eſta cruel acçaõ efcandalizou fun
dia fua mu mamente ao Rey , tanto porque amava mui-
Ther.
to a D. Simao , como porque fe offendia a
fua authoridade : diffimulou porêm como fa-
bio , e aconfelhou ao Padre , que o mandal-
fe para Funay entregue aos Religiofos , que
lá havia da Companhia de JESUS . Alguns
dias depois , quando a Rainha estava no
mayor auge do feu gofto levantando troféos
á fua vitoria , baixou o Rey hum Decreto ,
pelo qual a mandava fahir logo de palacio,
e retirar para cafa de feu irmao , porque
elle
do Japao.
' Liv . VI. 75
elle fe defpofára com outra mulher . No
mesmo tempo foárao os tambores , trompas,
e outros inftrumentos , que davao final , de
que chegava a palacio a nova eſpoſa . Era
efta huma Senhora nobiliffima , já viuva , e
com huma filha , que # eftava cafada com D.
Sebaftiaō ; e ainda que idólatra , amava mui-
to os Chriſtaos , e tinha hum génio doce-
liffimo , e era dotada de muitas virtudes
moraes..
Efte golpe foy hum rayo , que ca-
hio na imperiofa Princeza : tranfportou-fe
toda da ira , dizendo , e fazendo mil eftra-
vagancias , querendo matar-fe até a fi mef-
ma ; e o faria fem duvida , fe nao fora im-
pedida de feu irmao Chicacata , que a man-
dou encerrar em hum quarto do feu pala-
cio com guardas á vifta por muitos dias ,
em que permaneceo furiofà , e defefperada.
Elle tambem ficou fummamente temerozo ,
receando , que fe defcarregaffe nelle golpe
femelhante ao de fua irmã : mas o Rey te-
mendo , que hum homem tao poderofo ,
vendo fe offendido , caufaffe alguma fuble-
vaçao nos feus Eftados , e affentando , que
em lhe repudiar fua irmá o caftigára bem
fenfivelmente , nao paflou a demonstraçao
mayor com a fua peffoa . Veremos logo co-
mo Deos o caftigou pelo que tinha feito Faz baptizar
2 fua nova ef-
aos Chriſtaos.
Tanto que o Rey repudiou fua mu- pofa, e rece
lher , cujo coraçao altivo , e génio foberbo be ellemef-
mo oBaptif-
fe achou mo.
o tinhao feito gemer tantos annos ,
em
76 Hiftoria da Igreja
em grande paz , reduzido de huma compa-
nhia tyranna a huma dócil , e benévola :
mandou logo inftruir a nova Raînha com
fua filha na Religiao Chriſtá , e quiz que os
Padres lhe fizéllem todos os dias huma prá-
tica fobre as verdades da noffa Santa Fé. Paf-

fados alguns dias , em que julgou estarem


bem inftruidas , mandou , que fe baptizaffem :
a Rainha le chamou Julia , e a Princeza fua
filha Quiteria. Toda a Corte ficou admira-
da , e muito mais , quando o Rey ordenou ,
que todos os Domingos houvéffe prática no
feu palacio ; o que fe continuou por tempo
de cinco mezes , a que elle affiftia com at-
tençao extraordinaria. Com tudo nao fe po-
dia ainda penetrar a fua intençao.
Entre as virtudes, que os Padres per-
fuadiao nos feus Sermões , duas erao as que
mais moviao a devoçao do Rey ; huma o
jejum , e outra o amor a MARIA Santiffi-

ma. Nao fe vay ao Pay, ( dizia ) Senaõ pe-


lo Filho , e be caminho feguro buscar o Fi
lho por interceffao da May , a qual fe conf-
titulo em certo modo Mãy dos Fieis na pef-
foa de S. Joao ao pé da Cruz. Começou lo-
go a rezar todos os dias o Rofario , jejuan-
do tambem Seftas , e Sabbados , para alcan-
çar de Deos o conhecimento da verdade , e
a graça de fervilo com toda a poffivel fide-
lidade .
Nao continuou muito tempo eſta
devoçaó fem experimentar os effeitos da
graça Divina , fentindo no feu coraçao hum
vehe-
do Japao. Liv. VI. 77
vehementiffimo defejo de fer Chriſtao , e

começou a moftrar a fua mudança neſta fór


ma. Tinha no feu gabinete duas eftátuas dos
primeiros inftituidores da feita de Fenfeus,
que muito eftimava , tanto porque reprefen-
tavao os falfos Deofes Camis , a quem elle
adorava todos os dias proftrado por terra ,

quanto porque erao lavradas com o mayor


"
primor , que fe podia executar no Japao.
Hum dia no principio da tarde mandou ti-
rálas dos nichos , em que eftavao collocadas,
e lançálas por terra , e pouco depois diffe
com voz imperiofa a hum dos feus Gentîs-
homens : Tomay eftes pedaços de páo , e ide
lançálos no mar. Efta acção acabou de ad-
mirar a Corte toda, principalmente aos Bon-
zos ; e o Superior 'delles lhe pedio permif
fao de voltar para Meaco , donde tinha vin.
do , fuppofto fer inutil a fua afliſtencia em
Vozuqui , nao lhe dando o Rey conta das
fuas meditações .
Depois defta acçaõ tao eftrondoza,
e tao pouco efperada do génio do Rey ,
The deo Deos hum deſejo tao vehemente de
abraçar a Fé , que logo fem demóra mandou
chamar o Irmao Joao , Japonez Jefuita , que
tinha inftruido a nova Rainha ; e fechando-
ſe com elle na fua camara , lhe manifeftou
a fua vontade , que era , e fora fempre de
ſe fazer Chriſtao ; mas que as razões de Ef-
tado o tinhao até aquelle tempo impedido ;
que eftando ao prefente livre do governo ,
nao tinha ao prefente a que attender , e
ainda
78 Hiftoria da Igreja
ainda que tivéra , em que reparar , eſtava tað
fentido de ter demorado a fua vocaçao, que

a todo preço queria comprar o relgate da


fua alma , ainda que foffe á cufta da propria
vida ; e affim chamaffe logo o P. Cabral , e
elegeffem ambos o nome , que devîa tomar.
Nao fe póde exprimir a alegria , e
contentamento do Irmao Joao , e com a
preffa , que lhe dictava o alvoroço , foy le-
var efta boa nova ao Padre , e mais Reli-
giofos , que juntos na Igreja , déraō mui-
tas graças a Deos ; e fem dilaçao nenhuma
fahio logo o Padre Cabral a buſcar o Rey,
que em palacio o eſtava elperando com to-
da a fua Corte , em prefença da qual mani-
festou o desejo , que tinha de fer Chriftao,
e lhe pedio com muita humildade o Baptif-
mo. Quanto ao nome diffe : Eu nao queria
outro nome , Senao o do P. Xavier ; pois foy
o primeiro , que prégou no Japaỡ , e a quem
Sou devedor da graça , que Deos me conce-
deo. O Padre tendo-lhe declarado , que de-
pois de Chriſtao nao repudiarîa mais fua mu-
lher , e promettendo-o affim o Rey com ju
ramento , a pezar da infeliz , e defefperada
Jezabel , o baptizou com muita pompa , e
folenidade na Igreja de Noffa Senhora na
Cidade de Vozuqui com o nome de Fran-
cifco , no dia 28 de Agosto de 1578 , aos
quarenta e nove annos de fua idade , e vin-
te e fete, depois que entrou S. Francifco Xa-
vier no feu Reyno , e teve com elle as pri-
meiras conferencias.
Aquelle
do Japão. Liv. VI. 79

{ Aquelle dia quiz jantar com os Pa-


dres , e quando fe recolheo para o feu pala
cio confeffou , que fentia o feu coraçao tao
mudado , como ſe ſe tivéffe tranfitado defte a
outro Mundo ; e que vendo pelas ruas o po-
bre povo nas trévas da idolatrîa , da qual
Deos Senhor Noffo o livrára , nao podia con-
ter as lagrimas . No dia feguinte deo hum
efplendido , e grandiozo banquete o Princi-
pe em obfequio de feu pay , ao qual affiftio
a nova Rainha , e todos os mais Principes ,
e peffoas Reaes , para fazer mais célebre , e
plaufivel aquelle Baptifmo . Conftavao as
iguarias de toda a variedade de • carnes ,
as mais exquifitas , e faborofas do Japao ;
mas como era fefta feira, o Rey nao quiz
ſe puzéffem na mefa: e fe foy logo bufcar to-
do o genero de peixe , e mantimentos nel-
tes dias permittidos aos Chriftaos . Tal pref-
fa fe deo em caminhar , e adiantar-se no ca-
minho da perfeição , que dizendo -lhe hum
Padre , que a fua idade junta com as enfer-
midades lhe nao permittiao jejuar tantas
vezes , e orar de joelhos por tantas horas ;
o difcréto , e fervorofo Rey lhe agradeceo
o cuidado , que tinha da fua faúde ; e conti
nuou : Que era precifo fazer penitencia do
paffado , e dar bom exemplo aos feus vaf-
fallos , tanto Chriſtaos , como idólatras ; que
reftando-lhe tao pouco tempo de vida , na-
turalmente era neceffario aproveitálo . Eftas
palavras moſtrao bem a mudança defte Prin-
cipe , transformado pela efficácia da graça
de
80
Hiftoria da Igreja
de Deos em penitente , o que até allîtinha
vivido entregue aos goftos , e delicias do
Mundo.
Tendo elegido o lugar do feu reti-
ro , como diffémos , no Reyno de Fiunga ,
para paſſar o reſto da ſua vida livre do trá-
fego do Mundo , e entregue fó ao negocio
mais importante da falvaçaõ da fua alma
ſe refolveo a fundar huma Cidade , que [naố
fofle habitada , mais que de Catholicos , e
governada com as Leys , que dicta a Chrif-
tandade. Mais que em tudo poz cuidado
em edificar huma fermofa Igreja , e huma
Cafa para doze Religiofos da Companhia de
JESUS. Em quanto fe trabalhava com gran-
de calor nefta óbra , chamou a D. Simao pa-
ra a Corte , e o mandou tratar como a ſeu
filho proprio , cuja eſtimaçao augmentou a
affliçao da Rainha repudiada, e de feu irmao
Chicacata , que o tinhao lançado fóra de
fua cafa.
Grande def- Tanto que fe acabou a fábrica , dei-
engano do xou o Reyno de Bungo , e foy para a nova
Rey.
habitaçao no de Fiunga. Embarcou-fe em
Vozuqui com toda a fua familia em huma
náo feguida de outras , que faziao luftrofa ,
ainda que nao grande , Armada. A Almi-
rante , em que hia embarcado o Rey , efta-
va ornada de muitas bandeiras , eftandartes ,
Alamulas, e galhardetes de damafco branco ,
diftintos com huma Cruz vermelha , e orla-
dos de franjas de ouro. Todos os outros
navios , conforme á fua proporção , eſtavao
igual-
do Japao. Liv. VI. 8r

igualmente viftozas.
O Principe feu filho
o acompanhou fó até á fronteira do Reyno;
porque feu pay lhe nao permittio paffar
adiante : mas na defpedida lhe encómendou
muito , favoreceffe os Padres de Funay, e de
Vozuqui , e que nao emprendeffe couza al-
guma grande fem o feu confelho ; o que el
le lhe prometteo executar pontualmente. O
P. Cabral , e os Irmaos Luiz de Almeida , e
Joao Japonez acompanháraó o Rey até a
nova Cidade de Cuximuchi , aonde eſtabe-
lecêrao huma Reſidencia.

Reftituído o Principe ao feu Reyno, Principe


foraó logo os Padres cumprimentálo , eelle herdeiro fa--
vorece osPa
os recebeo com as mayores demonftrações dres, e a Re-
de affecto , e benevolencia , dizendo , que ligiao Chri-
affim como fuccedia a feu pay nos Estados ,
The fuccederia tambem no affecto, e eſtima-
çao para com elles : e para moftrar , que
paffava das palavras ás óbras , deo ao Colle
gio de Funay huma grande praça para fe
levantar huma Igreja , e Cafa mais propor-
cionada aos Religiofos ; e para que ficafle
com mayor grandeza , fez demolir várias ca-
fas
, que lhe ficavao contiguas , refarcindo
os danos aos proprietários . Perfeguio com .
grande força os Bonzos , dos quaes dizia el-
le mefmo , que conhecia as hypocrifias , dif-
folução , e defordem ; e quando lhe chega
va á noticia algum delicto dos mesmos Bon-
zos , o caftigavaſem remiffao . Arruînou
muitos dos feus pagódes , e mofteiros : di-
minuîo-lhes as penfoes , e prohibio a alguns ,
Tom. II. F que
82
Hi da Ig
ft re
or ja
i
que andavao difperfos
a , e vagamund os por
todo Japao , entrarem no feu Reyno , fob.
pena de perderem a vida. Os feus vaflallos
fe admiráraó defte procedimento : mas elle
lhes refpondeo ,que nao era jufto fofrer
por mais tempo aquelles enganadores , que
andavao perturbando o focego publico com
as fuas hypocrifias : eftando eftas já tao co-
nhecidas , que até o Grande Nobunanga as
defprezava ; e que para elle fer bom Princi-
pe , devîa imitálo nefta acçao.
A eftas acertadas difpofições fe fe-
guirao as mais uteis para a fua alma , que-
rendo ouvir a doutrina Chriſta , e nao obran-
do couza alguma confiderável fem confelho
do Rey feu pay. Comunicou-lhe igualmente
a fua inclinaçao , e lhe pedio , que fe en-
tendeffe obrava bem em mudar de Religiao ,
The enviaffe o Irmao Joao Japonez para o
inftruir. O Rey D. Francifco , que outra
couza nao desejava mais , que a falvaçao de
feu filho , lhe mandou logo o Religiofo ,
que lhe pedia , fegurando-lhe o exceffivo
gofto , com que recebia efta nova. Chegou
o Irmao Joao á Corte , e começou logo o
exercicio , para que vinha deftinado : e o
Principe o ouvia todos os dias com grande
attençao , aprendendo bem os Myfterios , e
explicações da nofla Santa Fé ; e fe em algu
ma couza duvidava , queria lho explicaffem
com muita miudeza . Para fer inftruîdo com
mais brevidade , lhe deo o Irmao hum li-
vrinho , que o P. Luiz Fróes compuzéra em
Japonez
do Japão. Liv. VI. 83
Japonez contra as feitas do Japao . Efta óbra
The agradou em extremo ; porque lhe aca-
bou de illuftrar o entendimento para conhe
cer ,• que fó a Ley Chriſta era a verdadeira.
Em quanto fe fazia inftruir , fobre- Declara,quer
veyo hum accidente , que ainda mais o irri- fer Chritao,
tou contra os Bonzos. Tinha o Principe hu-
ma fobrinha , filha de fua irmã , que era
cafada com hum dos primeiros Senhores do
Reyno. Efta Princeza , que elle amava ter-
namente, cahio enferma ; e porque feus pays
eraó idólatras , ajuntáraó quantos Bonzos pu-
dérao para offerecerem facrificios, e fazerem
deprecações ao Cami , entendendo , que pe-
las fuas rogativas fararia fua filha : mas por
mais que eftas inftárao , a enferma finalmen-
te morreo. Seu pay com efta infelicidade
ficou tao opprimido da dor, que a impulfos
da fua mágoa mandou matar os Bonzos to-
dos , que tinhaem feu poder ; e havendo
tambem conhecido , que erao embuſteiros
mandou chamar os Padres a Funay para o inf-

truîrem, e fe baptizou com toda ſua familia:


No mesmo tempo o noffo Principe de Bungo
fez publicar hum Edicto, em que licenciava a
todos -feus vaffallos , para que pudeffem ma-
tar os mágicos , e advinhadores , que encon-
traffem nefte feu Reyno , como enganadores
do povo e tendo ouvido baftante tempo as
inftrucções do Irmao Joao , lhe diffe : Co-
nheço com evidencia , que todas as feitas do
Fapao fao falfas , e enganozas , e que nao
ba Religiao verdadeira , fenaõ a voffa. Pelo
F 2 que
84 Hiftoria da Igreja
que eu , e minha mulher queremos fer Chri
Staos, porém coma ha no meu Reyno tao gran-
de numero de Senhores idolatras, ferá acer-
tado ganhar-lhes primeiro as vontades, para
evitar algum tumulto ; e affim peço vos ofi-
gnifiqueis ao Rey meu pay, e ao P. Cabral ,
e que por agora defira o meu Baptiſmo pe-
je levantem contra mim ,
lo receyo , de que se
por fer mayor o partido da idolatria, e eftar
muito nos principios o meu governo : mas
cafo , que lhe pareça , nao devo reparar nef-
te obftaculo , estou prompto a declarar-me ,
ainda que baja de cuftar me a vida. Saben-
do o Rey D. Francifco a refoluçao Catholi-
ca de feu filho , fe alegrou della fumma-
mente ;e como conhecia o feu génio , jul-
gou não era bom obrar accelerado ; mof-
trando o fucceffo quao util fora efta determi
naçao.
Em quanto efte meimo Rey , reti-
O Rey de Sa.
xuma torna a rado na Cidade , que edificára , fe achava
entrar no -gozando do
alivio, que fe nao encontra nos
Reyno de Fi-
governos, infpirand o a efta meſma fó as Leys,
unga.
que feguem , os que fao Chriftaós , o Rey
de Saxuma entrou fegunda vez com hum po-
derofo exercito no Reyno de Fiunga , a que
pertencia o lugar , e nova Cidade , onde fe
retirára. O Principe feu filho com efte avi-
fo levantou logo hum exercito de quarenta
mil homens , e o fez marchar debaixo do
comandamento de feu tio Chicacata , que era
General das fuas armas , com ordem de
nao fazerem movimento algum Militar fem
confe-
do Japao. Liv. VI. 85

confelho do Rey D. Francifco , e mudou no


meſmo tempo a fua Corte de Vozuqui para
Nocem, Cidade fronteira ao Reyno de Fiun-
ga , para dalli poder dar melhor expedien-
te ao que foffe neceffario para a guerra. As
tropas de Bungo entrárao no paîz , e em
pouco tempo fe fenhoreárao das praças, que
The tinhao tomado ; e por ordem do Rey
D. Franciſco ſe demolirao os templos dos
Deofes , fem ficar dos feus edificios nem
hum leve veſtigio : e para expedir melhor
as ordens , fe paffou para hum fórte , dos
que fe recobráraó ao Saxumano , que eſtava
mais vifinho ao campo.
O P. Cabral o feguia , e todos os o exercito
dias celebrava o Santo Sacrificio da Mifla , de Bungo he
a que o bom Rey affiftia com toda a devo- vencido , e
desbaratado
çao. OP. Fróes eftava com o Principe em
Nocem , onde converteo o Governador da-
quella Cidade , baptizando-o com o nome
de Leao , e a fua mulher com o de Maria :
e logo movido defte exemplo hum dos gran-
des Senhores daquella terra , chamado Con-
tandono , que era calado com huma cunha-
da do Principe , irmã da Princeza fua eſpo-
fa , recebêrao tambem a agoa do Baptifmo.
Em quanto a noffa Religiao fazia progref-
fos tão grandes , e o exercito de Bungo con-
quiftas tao gloriofas , hum trágico , e funél-
to fucceffo turbou a alegria toda do Rey
D. Franciſco como era tao grato a Deos ,
fazia fe quafi preciſo graválo com tentações
para apurar a fua Fé, affim como o ouro fe
Tom. II. F 3 purifi-
86
Hiftoria da Igreja
purifica no crifol. Chicacata , General do
exercito , havia tomado tres fórtes praças
no Reyno de Fiunga , e reſtava fó huma pe-
lo inimigo animado porêm com o bom
fucceflo dos outros ataques , poz fitio a ef-
ta , parecendo- lhe a ganharia fem perda de
fangue , procedendo poriffo no cerco com
mais lentidao , e menos cautéla .
D. Simao fe achava na meíma con-
quiſta ; porque vendo feu pay , que a Raî-
nha já nao governava , e que era odiofo at-
tendèla , o tinha pedido ao Rey D. Francif-
co , reftituindo-lhe o direito da doaçao , de

que o havia privado.


O Rey de Saxuma , que eſtimava
aquella praça , como chave de todo o feu
Reyno , aproveitando-fe da lentidao do cer-
co , ajuntou todas as fuas tropas , e mar
chou de dia , e de noite com tal preffa ,
que amanheceo fobre a praça , quando os
fitiantes fe perfuadiao , que eftava no inte-
rior do Reyno. Chicacata , a quem os bons
fuccellos precedentes tinhao fobremaneira
vangloriofo , quiz pôr troféos á fua fortu-
na ganhando huma batalha ; e deixando - fe
levar do marcial ardor , de que era dotado ,
fahio ao encontro do inimigo , e lhe apre-
fentou batalha com tal valor , e ventura ,

que chegou a romper a vanguarda inimiga :


mas fahindo ao mesmo tempo a guarniçao
da praça , que era numerofa , e escolhida ,
e acomettendo a Chicacata pela retaguarda ,
fe vio efte obrigado a mudar de fórma , pa-
ra
87
do Japao. Liv. VI.
ta fazer cara aos inimigos por todos os la-
dos. Travou fe de novo a peleja , e eſteve
por muito tempo duvidoza a vitoria : até
que os Saxumanos , que erao mais em nu-
mero , inveſtindo os contrarios pelo costado ,
e pelo flanco , o puzérao em defordem , e
rompendo as linhas , fizérao hum horrivel
eftrago , e alcançáraó huma compléta vito- D Simaō
e
ria. Neft fatal dia obrou D. Simao prodi- morre no co⚫

gios de valor , rebatendo o impeto dos ini- flito.


migos já vencedores , e fazendo ao mesmo
tempo o officio de foldado , e Capitao : mas
vendo o imminente perigo , em que eſtava
feu pay Chicacata , cercado por todas as par-
tes de hum troço de cavallaria , correo in-
trépido a foccorrêlo , abrindo caminho com
a eſpada na mao por entre as tropas inimi-
ga, e com grande valor o livrou do inevi-
tavel perigo, em que fe achava . Os inimigos
porêm tornando a recobrar-fe defte aftalto ,lhe
tiráraó toda a efperança de remedio : pro-
curou com tudo neſte trance vender a vida
cara ; e ainda que coberto de feridas , e da-
quelle gloriofo pó , de que fazem a melhor
galla os Heroes , pelejou como hum leað ,
matando tudo , o que encontrava : até que
cercado por todas as partes , e faltando fhe
as forças pela grande cópia de fangue , que
lançára das feridas , cahio morto do caval-
lo ao pé de feu pay. Chicacata á viſta de
tao deploravel efpéctaculo , enfurecido , e
colérico com a exceffiva dor defta lamentavel
perda , entrou em parte a vingála , fazendo
nos
F 4
88
Hiftoria da Igreja
nos inimigos fatal eftrago : até que opprimê
do da multidao dos golpes , cahio fobre o
proprio filho em eftado , que todos o tivé-
rao por morto . Os foldados vendo- fe fem
Cabo , que os governaffe , fugirao com tal
defordem , que elles mefmos fe entregavao
nas maōs dos inimigos , de cujos golpes ape-
nas eſcapárao alguns poucos para levarem
efta trifte nova ao Rey D. Francifco , e ao
Principe feu filho.
Affim acabou D. Simao , fazendo a
fua memoria immortal pelo valor , com que
fuftentou a Fé , e deo a vida em defenía ,
e ferviço da pátria : o Principe deftinado
para grandes fortunas , ſe tivéſſe vida para
as lograr ; mas venturozo , por trocar a Co-
roa temporal pela immarceffivel da Gloria ,
com que Deos premiou as fuas virtudes.
Morreo de idade de dezefeis annos , haven-
do dous , que fora baptizado á cuſta de tan-
tas contradições . Chicacata , que tao gran-
de parte teve nellas , padeceo jufto castigo
nefta occafiao ; pois quafi morto o tiráraó
de entre os que verdadeiramente o eſtavao ,
e foy levado a Funay, aonde fe curou para
ter o defgofto de ver o máo expediente ,
que tinha dado á jornada , de que o encar-
regáraó.
Sabendo efta defgraça o Rey D.
Francifco , fe retirou com os Padres , e to-
da a fua familia para Vozuqui ; e o Rey de
Saxuma fe apoderou de todo o Reyno de
Fiunga. Efte infaufto fucceffo atemorizou
muito
do Japao. Liv. VI. 89
muito os Padres , receando, que foffe baftan-
te eſta perda a tornar tibio o Rey no feu fer-
vor ; porque , como tao principiante na Fé ,
juftamente defconfiavao da fua firmeza ; e
muito mais publicando os Bonzos , que era
efta desgraça caftigo do Cami , por elle ter
favorecido os Chriftaos : mas o bom Princi-
pe eftava tao radicado na Fé , que era o
primeiro , que confolava os Padres , dizen-
do-lhes : Eu Sou Chriftaỡ , e por mais infor-
tunios , com que o demonio procure tentar-
me , nao me mudarey nunca. Deos Sabe o
modo de vida , que eu queria exercitar em
Fiunga ; mas visto nao fe confeguir, devo
fobmetter a minha vontade á fua Divina
providencia :e fiado nella entendo , que a
Religiao tirará defta defaventura mayor
proveito , que dano ; porque os mayores int
migos dos Chriſtaõs perdéraõ a vida na ba-
talba. Deixemos agora efte fabio , e difcré-
to Rey com o Principe feu filho em Vozu-
qui , e difcorramos pelas outras Igrejas do
Japão , para voltarmos brevemente a efte
paiz , onde veremos fcenas , ora trágicas ,
ora favoráveis , como fuccede fempre no
Mundo .

O Rey de Tofa, que era cafado com Baptifmo do


huma filha do Rey de Bungo , ouvindo pré- Rey de Tola,
e rebelliao
gar os Padres , e conferindo a fua doutrina do feus vale
com a dos Bonzos , vendo com as luzes fallos no an-
da verdade a cegueira, em que andava , de- no de 1576,
fejou com grande ancia receber o Baptifmo.
Era efte Principe de grande juizo , mas duas
couzas
90 Hiftoria da Igreja
couzas o impediaõ ufar delle : huma a con-
fideração do Mundo, que julgava horroroza
huma Religiaó , que profeflava Humildade,.
outra o exemplo de feu fogro Rey de Bun-
go , e de feus dous filhos , que tantos an-
nos gaſtárao em conferencias com os Padres,
primeiro que fe fizéffem Chriftaos . Eftes ob
1
ftáculos lhe embaraçavao receber os auxi-
lios da Divina graça , que continuamente
The batiao no coraçao : mas depois vendo ,
que D. Sebaftiao recebêra o Baptifmo , teve
algumas conferencias com o P. Cabral , e fe
baptizou finalmente em Vozuqui , para onde
fe tinha retirado por algumas rebelliões dos
feus vaffallos..
Apenas fe fez Chriſtao, quando Deos
para premiar a fua Fé permittio, que os feus
vaffallos reduzidos á razaō mandáraō elles
mefmos pedir-lhe , fe recolheffe aos feus Ef-
tados , promettendo-lhe dalli em diante invio
lavel obediencia . O Principe deo graças a
Deos por efte fingular beneficio , e partio
logo para o feu Reyno , onde foy recebido
com muitas demonftrações de alegria : mas
defde que os idólatras virao , que elle era
Chriftao , e que pertendia , que os feus vaf-
fallos tomaffem o feu exemplo, fe rebellárað
de novo , e o conftrangêrao a retirar-fe para
huma fortaleza , fita nas fronteiras do feu
Reyno , de donde deo efta noticia ao P. Ca-
bral , que o confolou com Cartas , e livros
efpirituaes , para que efta liçao o confirmaſſe
na Fé , e lhe déſſe paciencia nas adverfidades.
Nefte
do Japao. Liv. VI. 91
Nefte meſmo anno de 1576 recebeo Baptifmo do
tambem o Rey de Arima o Baptifmo . Era Rey de Arí-
efte irmao de D. Bartholomeu Rey de Omu- ma.
ra ; e attrahido do feu exemplo , e conven-
cido das verdades da Fé Catholica , havia
muito tempo , que tinha efta determinaçao ;
mas nao a punha em effeito , porque as per-
feguições , que fobreviérao a feu irmao , e
os perigos , que tinha experimentado , o in-
timidáraó de forte , que fe nao refolvia à
declarar-fe. Porêm depois que Deos Senhor
Noffo lhe fez o fingular favor de lhe dar
vitoria de todos feus inimigos , e foube, que
D. Sebaſtiaō ſe havia reduzido , animado
com o bom exemplo de hum , e feliz fuc-
ceffo do outro , mandou chamar a Bungo o
P. Cabral para o baptizar. O P. teve gofto
exceffivo defte avifo; mas fendo preciſo af-
fiftir ao Rey de Bungo para negocios de
grande importancia , mandou em feu lugar
o Irmao Luiz de Almeida , que estava em
Cochinozû , o qual depois de o inftruir com
a Raînha fua mulher , hum de feus irmaos ,
e fua irma , e tambem a muita Nobreza da
fua Corte , os baptizou com as ceremonias
coftumadas.

Concluídos os negocios , que deti-


vérao o P. Cabral , veyo logo a efta Corte
ajudar ao Irmao Almeida , que eftava mui-
to canfado do trabalho de prégar, inftruir,
e baptizar , os que fe convertiaŏ á Fé : jun-
tos agora ambos trabalhavao de dia , e de
noite nefte exercicio apoftolico , fem que
Nefte
92 Hiftoria da Igreja
toda efta diligencia baftaffe para inſtruir tan
ta multidaó de gente , que pedia o Baptif-
mo. A providencia Divina porêm , que vela-
va fobre aquella Igreja , lhe enviou hum re-
frefco , quando o efperavao menos porque
nefte mesmo tempo chegáraó quatro excel-
lentes Operários da India : a faber , o Padre
Affonfo Gonçalves , o P. Chriftovao de Leao,
o P. Joao Francifco , e o P. Antonio Lopes.
Como tinhao chegado , e aprendido a lin-
gua antes de partirem , trabalháraó logo na
vinha do Senhor com tal proveito , que na-

quelle anno baptizáraó mais de mil peffoas


no Reyno de Arima.
Morte do
O Rey le chamou André , o qual
Rey de Ari- logo depois de feu Baptifmo converteo em
MA
Igreja o principal templo da Cidade. Ti-
nha tenção de imitar em tudo o feu irmao
D. Bartholomeu , obrigando a todos feus
vaffallos a receberem a Fé : mas Deos , cu-
jos juizos fao impenetráveis ao noffo fraco
conhecimento , em prémio da fua heróica
refoluçao lhe anticipou a Coroa eterna , le-
vando- o para a Bemaventurança. Morreo com
tanto conhecimento da graça , que Deos lhe
tinha feito , tirando-o das trévas do paga-
nifmo , que deixou fundamento para crer-
mos , que trocou a Igreja Militante pela
Triunfante. O Principe feu filho , que lhe
fuccedeo na Coroa , moftrou ao principio
defejo de imitar a feu pay , recebendo o
Baptifmo , como depois fez ; mas como era
muito moço , e falto de experiencia , os
Gran-
do Japao. Liv. VI. 93

os Grandes da fua Corte o perfuadirao,. que


corria rifco de perder a Coroa , fe mudaffe
de Religiao ; e o obrigáraó , que prohibiffe
os Padres de prégar nas terras do feu do-
minio ; o que fez tao atrevidos os Bonzos,
que deitárao por terra todas as Cruzes dos

Chriſtaos.
Alguns idólatras colhendo os peda• Saõ caſtiga-
ços das Cruzes quebradas os levárao para dos os profa-
cafa , e hum delles fez huma pequena tina nadores
Cruzes. das
para lavar os pés : mas Deos permittio, que
tao grande , e enorme facrilegio foffe cafti .
gado ; porque duas mulheres , que o comet-
têrao , cahirao em hum poço , onde em bre-
ves inftantes perdêrao a vida. Dous homens,
que as imitáraó , ſe enchêrao de tao aſque-
rofas chagas , que hum morreo em poucos
dias , e o outro, conhecendo o feu erro, pe-
dio perdao a Deos , e ficou fao das chagas ;
mas coxo de huma perna , para nao perder
a memoria da fua eulpa , que lhe durou to-
da a vida.
O novo Rey de Arima tendo prohi- Converfao de
hum grande
bido o ufo da Religiao Chriftá em todos inimigo da
feus Eftados , ( erro , que reparará algum Fé.
dia com heróicas acções ) obrigou os Pa-
dres , que fe retiraffem das fuas terras . O
P.Cabral mandou o P.Joao Francifco a Mea-

co para affiftir ao P. Organtino ; porque o


P. Fróes eſtava perigofamente enfermo . O
P. Belchior de Figueiredo teve ordem parą
vifitar os Chriſtaos de Facata , e tambem paf-
far ao Reyno de Gotto , onde affiftio á fefta
do
94 Hiftoria da Igreja
do Natal , e confeflou todos os Chriftaós :
depois paffou a Facata , e dallî a hum Caf-
tello chamado Taquivana por motivos espe
ciaes , de que he razao demos expreſſa no-
ticia.

Eftava naquella praça hum homem


principal , official da Cafa do Rey de Bun-
go , que era Chriſtao. Tinha comfigo hum
filho Bonzo , que nao ceffava de importu-
nálo , que renunciaffe a Fé ; e para fahir
melhor com o feu intento , quiz ouvir hum
Sermao dos Padres para converter tudo , o
que diziaó , em mofa, e zombaria. Depois
de ter exercitado algum tempo eſta diabó-
lica vida , fazendo-fe chocarreiro , ſe enfa-
dou defte emprego , e o largou junto com
o habito. Neftes termos foy preciſo mudar
de paîz, e retirar-fe ao Reyno de Chicuiem ,
onde o Rey de Bungo lhe deo o governo
do feu Caftello de Taquivana , fabendo, que
era homem nobre , e bom foldado. Eftan-
do hum dia com os officiaes da fua guarni-
çao converfando , quiz dar- lhes hum gofto-
zo divertimento , reprefentando por efcar-
neo o que tinha ouvido nos Sermões dos Pa-
dres , affectando as fuas acções , e imitando
as fuas vozes. Hum valerofo Cavalheiro ,
ouvindo o que elle dizia , fe fentio interior-
mente movido a faber, que couza era a nof-
fa Religiao. Com efte defignio partio para
Facata , onde ouvindo hum Sermao ao Pa-
dre Belchior de Figueiredo , por effeito ad-
miravel da providencia Divina fe converteo,
e lhe
do Japao. Liv. VI. 95
e lhe pedio foffe a Taquivana para o bapti-
zar com toda a fua familia. O Padre foy ,
e depois de inftruîdo , o baptizou com fua
mulher , filhos , e todos os feus domésticos :
mas o que faz o cafo mais admiravel he ,
que o Capitao , que tinha fido Bonzo , e
fazia todo o poffivel para fazer ridicula a
noffa Religiao , a abraçou com grande von-
tade , e fe baptizou , tomando o nome de
Damiao. O venturozo Cavalheiro , que fe
chamou Lead , converteo cinco Gentîsho-
mens e a todos os foldados do feu fervi-

- ço. Concluindo eſta funçao o Padre , fe re-


tirou para Facata , onde continuou o fen
minifterio , e baptizou
mais de quatrocen-
tas peffoas com outro Bonzo famofo , que
era hum dos mayores Prégadores do paîz.
A feára Évangelica dava tao copio- Chegao no-
fos frutos, que erao poucos os Operários pa- vos Opera-
ra a méſſe : mas o Senhor, que cuidava del rios ao Japaó.
la , lhe mandou mais Obreiros para a culti
varem , trazendo com felicidade o P. Bal-
thafar Lopes , que tinha ido á India por or-
dem do P. Cabral a bufcar foccorro , e con-

duzio treze Religiofos da Companhia de


JESUS , que erao feis Sacerdotes , e fete
Coadjutores. Chegáraó a Nangazaqui no
anno de 1577 : a alegria foy tao grande na
Cidade , que muitos Chriftaos fe metiao na

agoa até a cintura para ferem os primeiros,


que lhes tomaffem a bençao.
Eftes fervorolos affectos fizérað tal

impreffao nos corações dos mercadores Por-


tuguezes,
96 Hiftoria da Igreja
tuguezes , que eftavao no navio , que onze
delles renunciáraó o Mundo , e deixando o
feu tráfico , e negocios , fe applicárao ao
da falvação das almas : tanto he efficáz o
exemplo dos bons para mover os corações
dos homens , ainda quando mais entregues
aos interefles temporaes. O Padre diftribuĵo
os novos Miffionarios , para Omura huns , e
para Facata outros , tirando alguns para
Saxuma. Conduzio outros a Funay , onde
tinha tençao de fundar hum Collegio com
a protecção do Rey , para enfinar a lingua
Japoneza aos que vinhao da India , e hum

Noviciado em Vozuqui , para os Portugue


zes , e Japões , que quizéffem entrar na Com-
panhia ; o que teve cffeito , paſſado algum
tempo.
-Zelo de D. Os Operários , que o P. Cabral man-
Bartholomeu dou a Omura , acháraó o Rey D. Bartholo❤
Rey de Omu-
na. meu tranquillo nos feus Eftados , nos quaes
era adorado o verdadeiro Deos. Hum Se-

nhor chamado Riozogi , de quem temos fal-


lado , intentou perturbar o focego defte go-
verno ; e ajuntando algumas tropas , fe poz
na frente dellas contra D. Bartholomeu , o
qnal fahindo-lhe ao encontro, o desbaratou,
e conftrangeo a fugir vergonhofamente ,"
deixando mórtos no campo muitos dos feus
com muy pouca perda das tropas vitorio-
fas . Houve nefte choque huma acçao digna
de memoria. Huma mulher vendo morto feu
marido , tomou as fuas armas , caufa da fua
defgraça , com as quaes inveftio a dous dos
inimi-
do Japao. Liv. VI. 97
inimigos , que encontrára , e pelejando com
elles valerofamente , matou a ambos , ca-
hindo hum , e logo depois outro em terra ,
onde cortando- lhes as cabeças as levou ja
fua cafa , como monumento da fua animo-
fidade , e troféos da fua vingança..
Em quanto D. Bartholomeu dava ca-
ça ao feu inimigo , Deos o livrou de outro,
que tambem lhe queria tirar a Coroa , e a
vida. Era efte Izafay feu cunhado , de quem
já fallámos , grande inimigo dos Chriſtaos .
Sendo convidado efte infeliz para hum ban-
quete , comeo com tal exceffo , que levan-
tando -ſe da mefa , ao primeiro paffo cahio
repentinamente morto. Efte accidente mof-
trou ao bom Principe , que Deos tarde , ou
cedo , conforme as fuas altiffimas difpofi-
ções , caftiga os delictos ; cujo conhecimen-
to entranhou mais no coração daquelle Rey
o zelo da Religiaõ Chriſta.
Tinha elle grande confolação de ver
todos feus vaffallos adorarem o verdadeiro

Deos ; mas estava fenfivelmente afflicto , de


que o Rey de Arima feu fobrinho perfeguia
os Chriſtaos, e expulfava os Padres das fuas
terras. Cheyo porêm de hum zelo divino
foy vifitálo ao feu Reyno , e á força de ajul-
tadas razões , que lhe propoz , o reduzio a
tornar a confentir os Padres. Avifou logo
ao P. Cabral , que com efta noticia partio
para aquella Cidade a gratificar ao Rey efte
indulto , e offerecer-fe ao feu ferviço em
tudo , o que permittiffe a fua Religiao . Foy
Tom. II. G recebi-
98 oria ja
Hift da Igre
recebido do Řey favoravelmente , pedindo-
lhe , fe efqueceffe do paflado , e continual-
fe as fuas Miffões , para o que lhe dava in-
teira liberdade : e por final da fua fincerida-
de confentio , que feu irmao foffe inſtruîdo
nos Myfterios da Santa Fé , e recebeffe o
Baptifmo com o nome de Eftevao. Nao fe

póde facilmente explicar a alegria , que te


ve o fanto Religiofo com tao inopinada mu-
dança , e muito mais quando vio, que o Rey
meſmo lhe dava efperanças da lua conver
fao , quando tivéfle attrahida a vontade de
feu tio materno, que era exceffivamente op-
pofto á prégaçao do Evangelho .
A Ilha de A-
Affim a Religiao fe eftabelecia no
macufa toda
abraçou a Fé Reyno de Arima , e triunfava na Ilha de

Amacufa. D. Miguel , que a dominava , fe-


guindo o exemplo de D. Bartholomeù ,"" fez

baptizar fua mulher , e feu filho primoge-


nito com o nome de Joao ; e mandou pu-
blicar hum Edicto , em que ordenava a to-
dos feus fubditos, Bonzos , Cavalleiros , mer-
cadores , e officiaes , que ou haviao de fe-
guir a Ley do verdadeiro Deos , ou fahir lo-
go das fuas terras. Foy Noffo Senhor fervi-
do , que quafi todos obedecêrao ás determi-
nações daquelle Decreto , recebendo o Ba-
ptifmo ; de modo , que forao edificadas em
pouco tempo mais de vinte Igrejas no Rey-
no de Amacufa .

Effeitos mi- Por este tempo obrou Deos Senhor

lagrofos. Noffo muitos milagres para confirmar os


Fieis na Fé : entre outros he muito para
admi-
do Japaa. Liv. VI. 99
admirar o que fuccedeo tres leguas diftante
de Funay. Hum Gentio , que tinha vivido
trinta annos , cégo , e tinha dous filhos com
a meſma privaçao da viſta , convertendo- ſe
á noſſa Santa Fé , no meímo dia , que rece-
bêraó a luz da alma , recobráraó a viſta cor-
poral , com tanta admiraçao dos idólatras,
como alegria dos Catholicos.
Diffémos já acima , que o Rey de o Rey de A
Arima déra efperança da fua converfao : ríma fe fez
agora veremos o que fe feguio ás fuas de Chriſtao no
anno de 1597
terminações . O P. Alexandre Valignano , que
fuccedeo ao P. Cabral no emprego de Supe-
rior , e Vifitador do Japao , indo a primei
ra vez cumprimentar o mefmo Rey, achou-o
muito tibio no feu fervor ; porque os Bon-
zos , e os principaes Senhores da fua fami-
lia o tinhao diffuadido de fer Chriſtaó . Mas
o Padre continuando as vifitas , e nellas a
prática das virtudes , com tal efficácia lhe
fez ver as verdades da Religiao Catholica ,
que fe refolveo a receber o Baptiſmo. Nao
quiz porêm que efta funçao foffe na Cidade
de Arima, mas no porto de Cochinozû , onde
fegurou ao Padre fe acharia em hum tal dia,
que finalou , junto com feu tio , e primo ,
que tinhao a mefma tençao. OP. Vifitador
preparou tudo, o que era preciſo para a ce-
remonia fe executar com toda a folenidade .
Chegando o dia prefixo , e eftando
o Rey prompto para partir , lhe deo huma
convulfab tao fórte , e violenta , que cahio
como morto em terra , e foy neceflario le-
G 2 válo
100 Hiftoria da Igreja
válo com grande trabalho á cama. Efta re-
pentina moleftia fe foube logo pela Cidade :
os Bonzos , como costumavao , tomárao da-
qui pretexto para dizerem , que aquelle ac-
cidente lhe fobreviéra em pena de querer
1
abandonar a fua feita , e poriffo o caftiga-
ya o Cami com tanta feveridade. Porêm to-

das as fuas efperanças ſe fruftráraổ , quan-


do, tornando o Rey em feu acordo , mof-
trou mais affecto que nunca aos Chriſtaos ,
e firmeza na fua promeffa ; avifando logo
ao P. Vifitador , que em hum certo dia , que
The apontava , hiria effeituar a fua promef-
fa. Satanás , que por inftantes via a ruîna
do feu império , fe efte Rey largava o feu
partido , e o crédito , que teria a Religiao
Chriſta , fe elle a feguiffe , porque o exem-
plo dos Soberanos he grande attractivo pa
ra os fubditos , defconcertou de tal fórte os
negocios , que nao pode naquelle dia cum-
prir o feu defejo ; porque Riozogi , de quem
temos fallado , que fora vencido por D.Bar-
tholomeu , ligando- fe com alguns Reys feus
vifinhos , fe fenhoreou do Reyno de Chi-
cungo , e vinha entrando pelo de Arima ,
cuja invafao obrigou o Rey a pôr-fe em de
fenfa , mas como nao tinha forças baftantes
para lhe refiftir , pedio ao P. Valignano lhe
foffe fallar , e trataffe com elle algum ajuf-
te de paz. Quiz porêm primeiro receber o
Baptifmo , do que fe entraffe nefta negocia
çao , e elegeo para efte effeito huma forta-
leza , á qual fe tinha retirado para comoda-
mente
do Japað. Liv. VI. Ior

mente dar as ordens neceffarias á expediçao


da guerra e havendo eftas inquietações re-
tardado por alguns dias a viagem do Padre,
o Rey lhe mandou Correyos fobre Correyos
para o fazer abbreviar a jornada , de que le
leguia conferir-lhe hum bem , que eftimava
mais que o Reyno , e a propria vida. O Pa-
dre conhecendo , quanto prejudicial podia
fer a demóra , fe poz a caminho para a
fortaleza , onde depois de haver inftruido
alguns Cavalheiros do feu exercito , o ba-
ptizou no anno de 1579 com o nome de
Protáfio.
Regenerado o Rey com as faudá-
veis agoas do Baptifmo , concebeo tal fé ,
de que Deos reduziria os feus trabalhos a
mayor bem , e gloria fua , que entregando-
fe totalmente á fua providencia , defcançou
do cuidado , que até allî o affligia . O P.
Vifitador entrou na negociaçao , fallando a
Riozogi , e lhe reprefentou as graças , ẹ
.
favores , que tinha recebido do Rey de Ári-
ma, de quem era vaffallo , com tal efficácia ,
e eloquencia , que Riozogi mudou de inten-
to , e voltou as fuas armas contra o Reyno
de Fingo .
Summamente agradecido ficou o Rey
defte beneficio , que entendeo, lhe vinha da
poderofa mao de Deos por meyo do feu Ser-
vo ; e por final de gratidao , voltando para
a Cidade capital , mandou arruînar mais de
quarenta pagódes , ou templos dos idolos ;
de modo , que os Bonzos pela mayor parte,
Tom. II. G 3 ου
102 Hiftoria da Igreja
ou fe convertêraó , ou fe retiráraó do Rey-
no. Poucos dias depois fe baptizou a Rai-
nha com o nome de Luzia , e logo fe fegui-
rao tantas converfoes , que aquelle meſmo
anno recebêrao o Baptifmo mais de quatro
mil peffoas em Arima .
Arbitrio pa-
Contente o Padre do progreffo , que
ra te fundar fazia a Fé , fallando hum dia com o Rey,
hi Collegio
em Ar ima. the reprefentou , que para estabelecer a Re-
ligiao Chrifta no feu Reyno , era de fum-
ma importancia , que os meninos foffem bem
inftruidos no amor , e temor de Deos ; por-
que toda a profperidade do Estado depen-
dia da fua boa educaçao . Accrefcentou , que
era perigofo mandar mancebos nobres , . e
principalmente os que erao Chriſtaos , á
Academia dos Bonzos , os quaes nao falta-
riao em infpirar - lhes os feus erros , e intro-
duzir-lhes horror á Ley Chriſta ; e que af
fim lhe parecia conveniente para honra , e
gloria de Deos , e para augmento da Igreja,
fe eftabeleceffe hum Seminario , è fun-
1
daffe hum Collegio em Arima , como havia
em Europa , em que foffem inftruidos os me
ninos nos principios da Fé Catholica , e ao
mesmo tempo lhes enfinaflem as letras hu
manas. O Rey applaudio muito efte arbi-
trio , e confentio no defignio do Padre ; e
para que fe executaffe , lhe deo huma grande
praça vifinha a hum bello jardim , onde fe 1
fundou hum Collegio para inftruir os meni-
nos , e hum Seminario para educação dos
nobres.
Era
do Japão. Liv. VI. 103
Erao neceſſarios muitos Religiofos Chegao ao
para cultivar tantos Reynos , e para manter Japao feis
hum Seminario : Deos Senhor Noflo foccor- Religiofos ,
depois de
reo efta falta , mandando no anno preceden- huma horri-
te de 1578 feis Religiofos da Companhia vel tempel
de JESUS , e com huma efpecie de milagre tade:

chegarao ao Japao. Eftavao já em diftancia


defte paîz quafi cincoenta leguas, quando fe
levantou hum vento furiofo chamado tufao,

que em hum inftante poz o navio no ulti-


mo perigo ; porque rompendo as vélas, que-
brando os maftros , e faltando o léme , o
fepultou nas ondas , e ao efquife , em que
eftavao tres homens. Todos os navegantes
ficáraó tao atemorizados defte conflicto , que
vendo- ſe defarmados de todo o favor huma

no, fe puzéraó a gritar , mifericordia, 7 fazen-


do muitos votos a Deos, fe os livrava daquel-
le perigo. Quando os Padres eftavao occu-
pados em confeffar huns, e confolar outros,
exhortando a todos a pôrem a confiança em
Deos , que fó lhes podia falvar as vidas ,
o navio era aflaltado de tal maneira , que
eftando todo defarmado , fervia como de
brinco aos ventos , e ás ondas e o Piloto ,
tendo perdido o léme, nao podia obrar cou-
za alguma. O mayor de todos os feus defe-
jos era , que fe acabaffe de quebrar em al-
guma rocha , para que defpedaçado em tá-
boas , ferviffem eftas de os levarem a algu-
ma praya , onde falvaffem as vidas : mas fo-
breveyo hum vento tao furiofo , que o na-
vio , voltado de huma parte , ficou metade
G4 debaixo
T
104 Hiftoria da Igreja
debaixo da agoa , e a outra ficou expófta
ao combate das ondas , crendo todos , que
foffe ao fundo fem remedio. Imploráraó no-
vamente o que o he de todo mal , chaman-
do com grandes vozes a Virgem MARIA
Senhora Noffa , proftrados diante de huma
fua Imagem , que tinhao collocada em hum
altarzinho devoto ; e renovando com mais
fé os feus votos , virao os effeitos da miferi-
cordia Divina pela interceffao da Soberana
Senhora : porque foprando hum vento favo-
ravel da outra parte do navio , que debaixo
da agoa eftava , o poz na fuperficie direito,
contra toda a humana efperança , e dando-a
aos marinheiros , para que com a fua deftre-
za deitaffem fóra a agoa , que tinha recebi-
do em tao grande tormenta. Tudo ifto fuc
cedia no tempo da noite , nao ceffando em
toda ella de invocarem a Mãy de Deos , pa-

ra que acabaſſe o favor , que havia começa-


do : quando pela manha virao o ár fereno
o vento focegado , e huma tranquillidade
tal , que pudérao muito a feu falvo reparar
no modo poffivel o navio perdido , lançan-
do fóra por meyo das bombas a agoa , que
era em tal quantidade , que excedia a altu-
ra de dez pés , e logo pelo meyo dia avif
tárao terra , com que de todo fe cobrárao
do fufto , ainda que nao foy completo o
gofto , como todos os do Mundo ; porque
cuidando aportavao ao Japao , le acháraó
em Cortes , onde alguns annos antes tinha
eſtado hum navio Portuguez em risco de ſe
perder.
do Japão. Liv. VI. 105

perder. Nefta confternaçao pois fe achavao


vacillantes , fe déffem fundo naquelle porto,
ou fe voltaffem a entregarem fe ás ondas ;
pois em qualquer das partes era evidente o
rifco , e manifefto o perigo : ſendo nao me-
nor o da falta de mantimentos ; porque ef-
tavao quafi todos exhauridos. Confiados po-
rêm na fua piedofa Protéctora , fe entregá-
Tao aos mares , e á fua providencia com hu-
ma pequena véla , que tinhao formado das
defpedaçadas : e Deos correfpondeo á fua
fé com prodigios evidentes ; porque ao quin-
to dia defcobrirao o Japao , e ao oitavo to-
márað terra na Ilha de Tacuxima , cinco le-
guas de Firando , . onde forao recebidos com
alegria tao extraordinaria , que excede toda
a expreflao. O P. Sebaftiao Gonçalves fe
empregou nas Miffões do Reyno de Firando
com grande fruto : porque ainda que o Rey
nao amaffe os Chriſtaos , tambem nao os
perfeguia , tanto por nao offender a D.
Antonio , e a D. Joao , feus muito chega-
dos parentes , como por nao retirar os na-
vios Portuguezes dos feus pórtos , em que
afiançava conhecidas ventagens aos feus in-
tereffes .
Hum mancebo nobre veyo hum dia Converfað
menioravel.
bufcar o P. Gonçalves , e lhe repreſentou o
defejo , que tinha de fer Chriſtao , mas que
ſe não atrevia a manifeftálo , porque feu pay
era Gentio , e a fua familia huma das princi-
paes da Cidade : porêm que estava enfermo ,
e no ultimo da fua vida ; e que logo que elle
morref-
106 Hiftoria da Igreja
morreſſe , viria receber o Baptifmo. Infpi-
rado por Deos o Padre , mandou a cafa do
pay defte mancebo pedir licença para feu fi-
Iho fe fazer Chriſtao : o enfermo porêm ao
principio nao quiz convir nefta propófta ,
e muito menos , quando lhe accrefcentavao
da parte do Padre , attendeffe ao eftado, em
que eftava , e feguraffe a falvaçao da fua al-
ma por meyo do Baptifmo. Mas crefcendo
irremediavelmente o mal, vio elle hum Anjo
de rara belleza, veftido de branco, que tendo
na mao huma Cruz , o perfuadia a fazer-ſe
Chriſtao. Chamou logo o Padre , ao qual
declarou , o que tinha vifto ; e fendo inf-
truîdo quanto cabia no tempo , e era preciſo
para lhe conferir a graça , o mefmo Padre o
baptizou , em cujo inftante ditozamente deo a
alma a quem a creou para efta felicidade.
Que prodigio da Bondade de Deos ! Que
milagre da fua altiffima Providencia ! Deve-
mos crer , que aquelle homem , ainda que
idólatra , era ajustado aos dictames da ra-
zao , e charitativo , como o Centuriao Cor-
nélio , de quem nos Actos dos Apoftolos fe
faz mençao .
Em Facata houve outra converfao
Outra cover-
faō mais me- mais memoravel que efta. Hum bom velho
moravel.
tinha dous filhos , hum dos quaes era Bon-
zo da feita de Xenxus , e refidia em Funay ;
o outro eſtava em fua cafa , como primoge-
nito , e herdeiro dos feus bens. Ovelho era
fummamente dado ao culto dos idolos , em
obfequio dos quaes lhes tinha fabricado hum
magnifi-
do Japao. Liv. VI. 107
magnifico templo. Seu filho tendo ouvido
hum Sermao ao P. Figueiredo , fe refolveo a
fer Chriſtað . Sabendo-o feu pay , lhe prohi
bio ouvir o Padre outra vez ; o que o affli-
gio exceffivamente . Nefte tempo fuccedeo ,
qué huma noite o velho teve hum fonho
muito extravagante : ( porque Deos , como
fegurao os livros Sagrados , fe manifefta aos
homens em fonhos , e eftes finaes , como
declara S. Paulo , fao neceffarios aos infieis
para abraçarem a Fé. ) Suppofta efta verda-
de , veremos o que paffou o velho no feu
fonho. Vio pois hum templo , fabricado na
fórma , em que alli o faziao os Chriſtaos, e
nelle hum altar ricamente paramentado , em
cujo throno eftava huma Senhora de Magef
tade Suprema , que parecia toda Divina , e
tinha em feus braços hum Menino todo ref-
plandecente , que infundîa reipeito, e amor,
cercado de luzes celeftiaes , e prodigiofas.
Efpantado de tao admiravel vifao , pergun .
tou á Senhora , fe aquelle era o lugar , em
que os Chriſtaos adoravao o feu Deos ? E a
Senhora , baixando hum pouco a cabeça ,
The deo a entender , que fim , e defappare-
ceo. Logo pela manhã o velho referio a
feu filho o que tinha vifto , o qual confir-
mado com efta vifao na refolução , que ti-
nha de fe fazer Chriſtao , foy buscar os Pa-
dres , pedindo-lhes com muita ancia o ba-
ptizaffem. Refpondêraó , que nao podiaō
em quanto nao renunciaffe os idolos ; por-
que leu pay , como era tao fuperfticiofo ,
nao
108 Hiftoria da Igreja
nao lhe permittiria os exercicios , que fen
do Catholico devîa fazer , mas em lugar def-
tas obrigações o levaria aos feus pagódes
O fervorofo mancebo lhes refpondeo , que
nao temeffem , que elle fizéfle dallî em di-
ante nenhum facrificio ao Cami ; porque bem

depreffa viriao o defprezo , com que o tra-


tava. Vendo os Padres efta firme refoluçao,
The adminiftrárao o Baptifmo com extraor
dinario jubilo da fua alma : voltou logo pa-
ra fua cafa , e huma noite , acefo de hum

fanto zelo da gloria de Deos , entrou em


hum templo , que feu pay tinha mandado
fabricar , defpedaçou os idolos todos , e de-
pois lhes poz o fogo. Vendo o pay o que
o filho tinha feito , entrou em tal furia ,
que intentou matálo ; e nao podendo coníe-
guilo , depois de lhe lançar mil maldições,
voltou toda a ira contra fi mefmo , refolven-
do-fe a abrir o proprio ventre , para fatis,
fazer com a fua morte a injuria dos feus
Deofes : mas antes de o executar , julgou ,
que era preciſo declarar aquella tenção ao
outro filho Bonzo ; nao duvidando, que el-
le a approvaffe , antes perfuadindo-fe , feria
de grande admiraçao para todos o feu zelo ,
e valor. Para efte fim foy a Funay , onde
o dito Bonzo affiftia ; e contando- lhe o que
feu irmao tinha feito , e a refoluçao , que
tomára de defaggravar com a fua morte os
feus Deoles , o Bonzo le poz a rir defcon-
certadamente , ouvindo o que lhe dizia , e
logo com o femblante fério lhe refpondeo :
Em
do Japao. Liv. VI. 109
Em verdade , meu pay , que feria morte muy
benturoza , a que se tomaffe em fatisfação
do defprezo , feito a buns pedaços de pao !
O que a mim me pafma he , que fendo meu
irmaō Chriſtað , tardaffe hum inftante Sem
executar efta acçao. Sou emfim de parecer,
que volteis para cafa , e trateis de viver
com muita paz , Jem vos dar cuidado effe
desperdicio dos Deofes de metal , e pão. O
velho admirado com efta repoſta , trazendo
á memoria o fonho, que tivéra , tornou pa-
ra cafa , e pedindo a feu filho o inftruiffe ,
fe baptizou em poucos dias.
Depois de havermos vifitado a Igre- Eflado da
ja de Bungo , e dos Reynos circumvifinhos, Igreja deMe-
aco,
he tempo, que voltemos a Meaco, para ver-
mos o eftado daquella Igreja , tao florida >
como atormentada das perfeguições dos idó-
latras. Chegavaõ os Chriſtaos , que nella re-
fidiao , a mais de vinte mil ; porque cref-
ciao de fórte as converfoes , que , como re-
fere o P. Organtino neſte anno de 1577 em
huma Carta efcrita ao P. Vifitador , tendo
baptizado quatrocentas peffoas, entrárao to-
das em hum pagóde , que eftava no cami-
nho , e cheyos de ardente zelo pela Fé eftes
novamente baptizados , fizérao os idolos to-
dos em pedaços. Os favores finalados , que
Nobunanga fazia aos Padres , e Prégadores
do Evangelho , lhes davao animo para exe-
cutarem tudo, o que conduzia para a mayor
gloria de Deos.
O P. Organtino foy cumprimentar
efte
IIO Hiftoria da Igreja
Nobunanga efte Principe na entrada do anno , como he
protège , ecoftume no Japao. Logo que Nobunanga o
louva os PP.
vio, deixando toda a Nobreza, que em gran-
de numero lhe affiftia , o conduzio ao feu
quarto , e depois de converfar com elle ef-

paço de huma hora , ( favor , que nao con-


cedia a nenhum Senhor do Japao ) deo a
entender aos circumftantes o muito , que The

agradavao os coftumes daquelles Padres , e


que eftavao tanto na fua protecçaó , que ſe
poria em fua defenfa , contra quem inten,
taffe moleſtálos . Com tudo procurava , co-
mo fagáz Politico , averiguar a verdade ; e
affim eftando hum dia cercado de muitos

Senhores de grande refpeito , perguntou a


hum delles , o que lhe parecia da Ley dos
Chriſtaós ? Eſte lhe refpondeo : Tenho della
pouca noticia ; mas muitos dos meus vaffal-
los , que a profellao , Jervem-me com mais
fidelidade, do que os outros ; e obſervaö tað
louváveis coftumes , que nao fazem mal a
ninguem ; antes em tudo , o que podem , fa
vorecem a todos. Fez a mefma pergunta a
muitos outros , que refpondêrao na meſma
fórma ; e Nobunanga goftozo , de que lha
approvaffem , accrefcentou , que a elle lhe
parecia ajuftadiffima ; e que fe os Bonzos
aborreciao os Padres , era , porque lhes_def-
cobriao os feus vicios , e hypocrifias . E eu
porillo mefmo ( diffe ) estou refoluto a pro-
tegélos contra todos feus inimigos.
Nobunanga tinha tres filhos , e deo
a cada hum delles feu Reyno. Eftes Princi-
pes
do Japao. Liv. VI. III
pes tinhao o mesmo affecto , que o pay á
Religiao Chriftá ; de maneira , que vindo
hum a Meaco , foy ver a Igreja dos Chri-
ftaos em occafiao , que ouvio hum Sermao
ao P. Organtino , de que ficou muito fatis-
feito ; dizendo-lhe depois , que affim que ter-
minaffe algumas guerras , pediria Padres pa-
ra prégarem aos feus vaffallos a Ley de Deos;
porque lhe parecia em tudo fantiffima.
Voltando Nobunanga para o Reyno Faz - lhe no-
de Mino , fe demorou alguns mezes naquel- vos favores.
las terras , por caufa de certas guerras, que
tinha com os Principes feus vifinhos . [ O P.
Organtino , que fabia quanto era conveni-
ente ao bem da Chriſtandade ter fempre fa-
tisfeito , e propicio a efte Principe , e feus
filhos , partio para Anzuquiama no princi-
pio do anno de 1579 a cumprimentálo . Foy
recebido com grande benevolencia , e mui-
tas honras ; e difcorrendo em várias mate-
rias , fallárao na principal , que era a Ley

de Deos , e da impiedade dos Bonzos . Ó


Rey lhe protestou , que teria já extinto a
todos , fe nao receaffe alguma fublevaçao
nos feus Reynos; mas que nao perderia oc-
cafiao, em que lhes fizéffe experimentar a má
vontade , que lhes tinha. Nao paſſou muito
tempo , que fe lhe nao offereceffe huma boa
occafiao para o feu intento , que paffou na
fórma feguinte .
Maltr os
Duas feitas de Bonzos , huns , que Bonzos,ata

fe chamao Foquexos , e outros Idioxos , ef-


tando difcordes fobre vários intereffes, que a
cada
112 Hiftoria da Igreja
cada qual delles parecia lhe tocavao , re-
mettêraó a Nobunanga a decifaõ das fuas
duvidas , com condiçao , de que os que fi-
caffem vencidos , foffem todos degollados ,
parecendo-lhes , que o Juiz nao deixaria ,
que chegaffem a efte extremo. Pronunciada
a fentença contra os Foquexos , mandou No-
bunanga , que fem appellaçao fe executaffe;
e aos outros todos defterrou das fuas ter-
ras , depois de condenar a dous delles em
huma groffa quantia de dinheiro .
Difcurfo da Nefte meſmo anno vindo efte Prin

Religiao em cipe a Meaco , o P. Organtino, acompanha-


prefença de do do Irmao Lourenço Japonez , foy a pa
Nobunanga. lacio para o cumprimentar. A Corte era

numerofa , e quantidade de Senhores eſtavaō


na fala esperando occafiao de lhe beijar a
mao : mas fabendo Nobunanga , que entre os
muitos , que o efperavao , eftavao tambem
os Padres , os mandou entrar fós com ad-
miraçao de todos , converfando com elles
largas tres horas , na qual prática o Irmao
Japonez lhe provou com muitas , e effi cazes
razões as verdades da Religiao Chriſta . Mui-
to gostou Nobunanga de o ouvir , e queren-
do , que os Grandes , que eftavao fóra , o
ouviffem a elle , diffe para o Irmao.com voz
baixa : Refpondey-me Jem medo , ainda que
eu falle alto , e como quem está agaftado.
Entao mandou abrir a porta da camara , a
fim , de que nao fó os ouviffem , mas vif-
fem com quem elle fallava : propoz muitas
difficuldades , ás quaes o Irmao Lourenço
refpon-
do Japao. Liv. VI. 113
refpondeo com tanta força de engenho , e
clareza , que o Rey nao teve que replicar-
lhe , e fó em voz alta diffe : Eftou vencido :
Se algum naõ vem a foccorrer- me , diſponde-
vos , Senhores , a fer Chriftaös juntamente
com volfas mulheres , e filhos , porque nao

ba meyo de refiftir aos Bonzos de Europa : 1
e depois voltando-fe para o Irmao Louren-
ço , lhe pedio , fizéffe hum difcurfo a todo
o auditorio , e provaffe com evidencia, naõ 1
haver mais que hum Deos , que premêa os 1
bons , e caftiga os máos eternamente. O Ir-
mao o fez tao douta , e eloquentemente , que
todos os Senhores ficáraó admirados , e con-
fundidos.
Terminado o difcurfo , levou Nobu- Difcurfo fe +

nanga os dous Padres para o feu gabinete creto, que te


ve com
com mayor admiraçao dos Grandes, que nao ga Nobunan
osRe
podiao comprehender , que caufa houvéffe figiolos acer-
1
para fazer tanta diftinção a peffoas foraftei ca da iua crế-
ça.
ras. Nobunanga , depois de os mandar fen-
tar , lhes pedio da maneira mais fórte , e
perfuafiva lhes refpondeffem fem ficçao ,
nem lifonja , antes com toda a finceridade ,
ao que determinava perguntar-lhes : e os Pa-
dres lhe refpondêrao , que o fariao affim ;
porque a fua Ley lhes prohibia dizer o que
nað era verdade; e ainda que nao houvéra eſte
preceito , o refpeito , e os favores , que de
S. Mageftade haviao recebido , erao podero-
fos motivos para os obrigar a fallar-lhe ver-
dide em tudo , o que lhe praticaffem. Com
·
efta feguranca pois lhes difle o Rey : Dizey-
Tom. II. H me
IT4 Hiftoria da Igreja
me com toda a finceridade , fe credes o que
prégais ; porque muitos Bonzos , que fuften
tavao , como vós , que nao ha , Jenao hum
Deos , e que a alma be immortal , me con
fellarao depois , promettendo-lhes eu fegredo,
que nao criao nada do que tinhao dito , e
que mantinhao o povo naquelles pensamentos
quiméricos ; porque era ventajozo ao feu ef-
tado , e profilao atteftar o que buma vez
proferiao. O P. Organtino com o femblan-
te grave , e fério lhe protestou por quanto
ha fanto , e fagrado no Ceo , e na terra , e
pela fé , de que era devedor a Deos , e a S.
Mageftade , 1 que nao tinha prégado couza
alguma no Japao , que nao foffe certa , e
verdadeira , e que elle mefmo nao creffe
mais firmemente , que tudo aquillo, que via
com os olhos proprios ; e que fe tivélle mil
vidas , daria todas por confiffao das verda-
des , que enfinava . O Irmao Lourenço fez a
mefma proteftaçao ; o que fez palmar o
Principe infiel : e continuando a prática, re-
parou o P. Organtino , que eftava no meſmo

gabinete hum grande mappa , que reprefen-


tava o globo da terra , e pegando nelle , lhe
diffe : Que confideraffe com grande madure-
za a diſtancia , donde elles tinhao vindo ;
as viagens , que haviao feito ; os perigos ,
a que fe tinhao expofto , e de que por pro-
videncia altiffima de Deos tinhao escapado
para chegar ao Japao : e reforçando o dif-
curfo , lhe mostrou Italia no mappa com ef-
tas palavras : Senhor, efte he o lugar , de
que
do Japão. Liv. VI. 115
que partî ; tao, diftante do em que boje ef
Lou recebendo eftas honras de V. Mageftade ,
que ainda que eftupendas para buns forafter
ros , be certo , que nos perfuadem , que o
Deos todo poderofo , a que adoramos , Ihas
infpira , para affim recompenfar , como pie-
dofiffimo Remunerador de qualquer traba
lho , os que padeci em tao dilatado caminho,
83
largando a quietaçao , e deixando o defcan
fo dasnosas amadas pátrias, paîzes tão de-
liciofos, como abundantes, para vir annun-
ciar o feu Santo Nome a terras taõ incogni-
tas com manifefto rifco das nosas vidas .
Efta razao jo bastava para Segurar a V.
Magefiade , que o zelo de querer grangear
almas para o eterno defcanço , nos attrahe
a tao grande peregrinaçaõ ; que fem efta cau-
Ja , feria fobrada loucura perder a comodi-
dade , o focego, o comercio , a quietaçao ,
por andar viajando pelo Mundo , espalhan-
do noticias , que fó nos acreditalem de fá
tuos , e nos reduxiffem d ultima ruîna. Os
Vollos Bonzos vivem deftes enganos ; por-
que he tal a cegueira dos que os ouvem ,
que lhos fatisfazem com as offertas , que nós
defprezamos , e paſſao nos Conventos , que
lhes edificao , em prazeres , convites , foltu-
ras enormes , com peccados abomináveis, fem
temor de ferem examinados , e punidos. Po-
rêm nós fomos de outra forte muy diverfa ;
porque voluntariamente nos privamos de to-
dos os prazeres , e obfervamos huma conti-
nencia taō Severa, que naō nos be permitti-
H 2 do
116 4
Hiftoria da Igreja
do trazer bum fo momento no fentido couza
nenhuma, por minima que feja,contraria á pu-
reza : depois que estamos neftes Reynos, vive
mos com huma vida dura, e penoza , pelo in-
'
comodo do alimento, que be muito diverfo de
que ha nas nollas terras , e ainda defte pre-
cifo alimento naquella, e nefta parte nos pri-
vamos com jejuns , e abflinencias , que fa-
zemos , parte por obrigaçao , e parte por
devoçao.
Tereis fabido , Senhor, as miferias,
que traz comfigo a pobreza , e daqui pode-
reis entender, qual ferá a recompenfa , què
efpera, quem a abraça voluntariamente, ecom
preceito tao inviolavel , que teremos eterno
caftigo , fe o quebrantarmos. O nosso modo
de veftir parece , que baftantemente moftra
o gosto, com que exercitamos efta virtude ;
e Jupponho , que fe fe examinar a razað
porque em toda a materia procedemos , def-
prezando as offertas , que nos fazem , e dif-
pendendo facilmente em foccorro dos neceli-
tados o que poffuimos , que nenhuma duvida
fe poderá por ao que feguramos ; Sendo o
unico objecto , a que se dirige a nosa efpe
rança a poffe daquelle fummo bem , que
noffo Deos nos promette eternamente no
Ceo , para cuja felicidade com incanfavel

defvélo, e a todo risco procuramos grangear


almas : porque o noso Deos , Unico , e Omni-
potente , tem abundancia de bens celeftiaes ›
,
com que remunerar a todos , os que deixan
do os do Mundo , abraçarem com viva fé a
Suavi-
do Japao. Liv. VI. 117
fuavidade da fua Ley , e confiarem na infal
libilidade das fuas promeffas.

Em quanto o Padre fallava , tinha


Nobunanga os olhos fitos nelle com tal at-
tençao , que excede todo o encarecimento
e acabando o difcurfo , lhe fegurou o gol-
to, com que o ouvira, e a difficuldade, com
que fe feparava da fua companhia. O Pa-
dre lhe agradeceo tantas honras , e pedin-
do licença , fe retirou de palacio até outra
Occafiao.

Ainda que efte Principe fe moftraffe Os filhos de


convencido das verdades da noffa Santa Fé , favorecen
Nobunangaos
no feu interior nao acabava de a crer ; por- Padres.

que ella fe nao acómodava com a fua def-


medida ambiçao , e infames delictos : tanto
he difficil de introduzir a virtude em hum
coraçao foberbo , e impudico , que repugna
á humildade coftumado ás grandezas do Mun-
do. Já diffémos , que efte Principe tinha tres
filhos : o primogenito chamava fe Jono Su-
quendono , ao qual tinha dado os Reynos de
Mino , e Boari. Efte pois ficou tao fatisfei-
to de ouvir o P. Organtino , que lhe deo li-
cença para prégar nas fuas terras , e lhe af-
finou hum lugar na capital de Mino para
edificar huma Igreja. O fegundo fe chama-
va Oquaxem Fugendono : tinha o valor , e
juizo do pay, proporcionado para o mane-
jo dos mayores negocios do Reyno. Nobu-
nanga lhe prometteo o Reyno de Farima ,
em cuja conquiſta trabalhava nefte tempo .
Succedendo hir á Igreja de Meaco efte fabio
Tom. II. H 3 Prin-
118
Hiſtoria da Igreja
Principe , teve huma larga conferencia com
o Padre , e depois lhe mandou hum grande
prefente com huma Carta , em que lhe ex-
primia o gosto , que tivéra em ouvilo , e o
defejo , que tinha de fer inftruîdo na Reli
giao Chriſta . O terceiro chamava- le Sanxi-
chindono , a quem feu pay deo o Reyno de
Ixo ; e efte dizia publicamente , que já era
meyo Chriſtao, e brevemente o feria de todo.
Vaidade de Voltando Nobunanga para a fua Ci
Nobunanga. dade de Anzuquiama , achou o feu palacio
acabado na ultima perfeiçao , e igualmente 1
a fortaleza ; e cheyo de vaîdade pela mara-
vilha dos dous edificios , mandou publicar
por todas as terras dos feus dominios no

principio do anno de 1579 hum Manifefto ,


em que dava licença a todos , os que qui-
zéffem ver o feu palacio , e fortaleza no
Reyno de Mino , achariao abertas as por-
tas pelo espaço de alguns dias , que finala-
va. Com efte indulto fe defpovoáraó as Ci-
dades ; porque nao houve nellas Senhor de
refpeito , Cavalheiro , Superior dos Bonzos,
peffoa de diftinçao , que nao foffe a Anzu-
quiama ; fabendo nao podiao melhor corte-
jar aquelle Principe ambiciofo , que com lou-
var , e admirar as fuas obras. O P. Organ-
tino receando , que efte Rey julgaffe por of-
fenfa, nao fe achar prefente naquelle nume-
rofo concurfo , fe refolveo a eſta viagem ,
nao por ver a fábrica , que tinha vifto mui-
tas vezes , mas para grangear com efte ob-
fequio permiffao para fazer Igreja , e Cafa
na
do Japan. Liv. VI. 119
na mefma Cidade. A empreza parecia diffi-
cil ; porque muitos Bonzos lhe tinhao feito
a mefma fupplica fem alcançar defpacho :
porêm fabendo, que o Padre viéra pofitiva-
mente a ver a magnificencia do feu grandio-
fo animo, fignificado naquelle Regio monu-
mento , e quanto o tinha louvado , lhe def-
tinou logo fitio na mefma Cidade, e a Igre-
ja le fabricou com muita preffa pelo zelo ,
e liberalidade dos Chriftaos.
Ainda que as obras , e magnificen- Liga contra
cias de Nobunanga. The conciliavao grande Nobunanga .
refpeito , e admiraçao nos feus vaflallos ,
tambem ferviao igualmente de concitar con-
V
tra elle a invéja dos outros Reys do Japaō ;
porque zelofos da fua grandeza , e temero-
zos do feu poder , fe confederáraō juntos
para tentar deftruîlo . Seis Monarcas entrá-
rao nefta liga : o de Amanguche , que domi-

nava nove Reynos ; o de Farima , o de Ixo ,


o de Inzume , o de Ozaca , e Araqui Rey
de Cunocuni , que nao obftante fer vaffal-
lo de Nobunanga , entrou nefta aliança en-
fadado da fugeiçao , pertendendo ficar inde-
pendente. Antes que fe declaraffe, fez pro-
metter a Jufto Ucondono , que era feu vaf-
fallo , e a Darîo feu pay , ambos Chriſtaos
de quem temos fallado , que nao entrega-
riao a Nobunanga a fortaleza de Tacacuqui ,
de que Jufto era Governador. Elles nao qui-
1
zérao jurar pelo Cami , e Fetoqui ; antes
confentirao , que ficaffe em refens huma fi-´
lha , e hum filho por fegurança da fua fide-
H 4 lidade :
120 Hiftoria da Igreja
lidade : acçao digna de fe eftampar em la-
minas de diamante para memoria da integri-
dade, e inteireza , com que obfervavao a Ley
de Chrifto ; pois por não violála, expunhao
feus proprios filhos a perigo evidente de
vida.
Sabendo Nobunanga efta aliança , e
nao fe reconhecendo com forças para refif-
tir a feis Reys tao poderofos , como fabio,
e habil Capitao diffimulou a noticia ‫ ܕ‬-pro
curando deftruir a cada hum per fi do me-
lhor modo, que pudéfle. Começou pelo Rey
Araqui feu vaffallo , e lhe pedio a forta-
leza de Tacacuqui por pretextos particula-
res , que nao moftravao , que elle tinha ou-
tro intento. Araqui bem conheceo , que No-
bunanga queria apoderar-fe do feu Reyno ,
de que efta praça era a chave ; mas affegu-
rando fe do foccorro dos confederados , re-
cufou entregar- lha. Irritado Nobunanga da
negativa , foy logo fobre a praça com hum
exercito ; mas Jufto Ucondono lha defendeo
com tanto valor , que o perfuadio nao a
poder levar por força. Temendo porêm
que o máo fucceffo da primeira campanha
animaffe o valor dos inimigos , e viéffem
todos affaltálo , tentou a fidelidade de Juſto
com promeffas , e ameaças : e vendo , que
nada movia aquelle coração intrépido , e fiel,
o affaltou por huma parte, que elle nao po-
dia prevenir.
Anguftia de Sabendo , que Jufto Ucondono era
Justo Ucon-
done. Chriſtao , e preferia a Fé a todos os bens
do
do Japao. Liv. VI. 121

do Mundo , lhe mandou dizer , que fe nao


entregava a praça , mandaria matar todos
Os Prégadores do Evangelho , demolir as
fuas Igrejas , e exterminar de todas as ter-
ras do feu dominio a Religiaō Chriſta : se
que fe refolveffe brevemente ; porque da fua
-repofta pendia o bem , ou mal da Chriftan-
dade. Vendo fe Jufto nefta exceffiva confter-
naçao , nao fabia o que fizéffe ; porque fe
entregava a praça , faltava á fidelidade do
feu Soberano , e arriſcava a vida de feus fi-
lhos : fe nao a entregava , tinha por certo ,
que Nobunanga nao faltaria em feguir o feu
tyranno defignio , fazendo matar os Padres,
e com elles toda a Chriftandade. Combati-

do por duas partes tao poderofas , como he


a da honra , e amor paterno , o intereffe da
Religiao , e da conciencia , nao fabia a que
fe refolveffe. Nefta affliçao pois escreveo ao
P. Organtino , pedindo, lhe infinuafle o que
devia fazer para nao obrar couza alguma
contra a Ley de Deos. O Padre nao ficou
menos perplexo que elle com efta propofi-
çao : fez muitas orações a Deos , depois das
quaes lhe deo em breves palavras efta repof-
ta.
MEU SENHOR.

Endo o Rey Araqui vaffallo de Nobunan-


Sga
E pelos Reynos de Bomi , e Cunocuni ,
incorreo na pena de rebelde , fazendo liga
contra o feu Soberano . Eu fou de parecer,
que Vos fois obrigado a obedecer a Nobunan-
ga
122 Hiftoria da Igreja
ga , que be Volo Rey , e feu , e nao ao Rey
Araqui , que he rebelde ao feu Principe : e
nao obrareis couza alguma contra a Ley de
Deos , e contra a fidelidade , fe obedeceres
a Nobunanga.
No tempo , em que Jufto Ucondono
tratava efte negocio com o Padre , ignoran-
do Nobunanga , que elle era fabedor de tu-
do , o mandou chamar a palacio para lhe
pedir , perfuadiffe a Jufto Ucondono a en-
10 trega daquella praça. O Padre lhe declarou

tudo , o que até allî tinha tratado com elle ,


e fe offereceo a hir buſcálo , fe S. Magefta-
de julgava fer precifo , para o exhortar a
que condefcendeffe com a fua vontade. O
Principe approvou efte arbitrio , e o Padre
o executou , hindo fallar com o Governa-

dor á melma praça : teve com elle huma


larga conferencia , e quando chegou á pro-
pofiçaó de entregar a praça , fua mulher , e
fua may prorompêrao em lamentos taes, te-
mendo , que Araqui mataffe poriffo os me-
ninos , que tinha em refens , que o Padre
fahio da 2 praça fem concluir couza alguma .
Sua refolu..
Depois que o Padre fe foy , entrou
ça , e
lidade. fide- Jufto em combates mayores que nunca ſo-
bre o partido , que devia feguir . O amor
dos filhos , a quem ternamente amava , as
lagrimas de fua máy , e da efpofa lhe fe-
riaó o coraçao ; mas a ruîna dos Chriſtaos ,
e principalmente a morte dos Padres , de que
feria caufa , lhe davao mayor tormento . Nef-
ta penoza confideração entrou no feu gabi-
nete,
do Japao. Liv. VI. 123
nete , poz fe de joelhos , e depois de fazer
oraçao , fe levantou com fé femelhante á
de Abrahao , determinando facrificar os feuš
filhos , o feu repouzo , e o de fua mulher ,
e máy ao augmento , e confervaçao da Leý
Catholica , e á fé , que tinha jurado ao feu
Rey. Sahio pois da praça , e foy buscar o
Padre , que nao eftava ainda muy longe , e
havendo-o encontrado , the diffe , que a fua
refolução era renunciar o Mundo , cortar o
cabello , e paffar o refto da vida no ferviço
de Deos em companhia dos Padres : accref-
centando por mais forçofa razao defte inten-
to , que deixando a praça , não teria Ara-
qui fundamento de o accufar de traidor , è
perfido ; e tambem a Nobunanga nao daria
-
occafiao , por nao lha entregar , de vingar
ſe dos Chriſtaos . O P. Organtino louvou lhe
a refoluçao , e no dia feguinte o apresentou
a Nobunanga , que com alegria grande de
o ver , fe moveo igualmente a compaixao
da fua miferia , mandando- lhe, deixaffe crefcer
o cabello para o poder fervir a feu tempo ,
e augmentar- lhe em dobro as fuas rendas , e
foldo ;moftrando Deos por efte fucceffo ,
que nao fe perde nada em ſervilo , e que au-
gmenta o temporal daquelles , que o defpre-

zao por confervar o efpiritual .


Eſta mercê nao efperada confolou em
parte a Jufto Ucondono ; mas o cuidado , de
que Araqui defcarregaffe o golpe em feus fi-
lhos , e a affliçao de fua mulher , e de fua
máy , e fobre tudo a incerteza do que fucce-
deria
124 Hiftoria da Igreja
deria a feu pay , que tinha deixado na pra
ça , The impediaō gozar complétamente def
tes favores.
Paffados poucos dias, foube, que Da
rîo feu pay depois da fua partida fahira da
praça , e ſe fora lançar aos pés de Araqui ,
pedindo-lhe a vida dos dous nétos , que ti-
nha por feguro da fua fidelidade : que aquel
le Rey eftivéra alguns dias duvidozo de lhe
conceder efta merce ; mas depois lha permit
tira , entregando os meninos a feu avô pe

la confideraçao , de que Juſto nao entregára


aos inimigos a praça , e que fe fugira , len-
do tao valerofo, fora por nao faltar a algu
ma das partes ; que tendo tantos parentes
e amigos no exercito , abandonariaó o feu
ferviço , fe mataffe os meninos , que tinha
em feu poder : de modo , que movido por
compaixao, e por temor , os entregou a Da-
rio. A guarniçao refiftio quanto pode de-
pois da ausencia de Jufto , e Dario ; mas co-
mo ficárao fem cabeça , entregárao finalmen-
te a praça .
Vendo-fe Nobunanga Senhor do que
tanto desejava , deo outra vez o governo a
Jufto Ucondono com condições mais ventajo-
zas , do que o tinha antes ; porque álem de
The augmentar o foldo , e mais rendas , co-
mo temos dito , perdoou por feu refpeito
a feu pay Darîo ; e logo entrando no Rey-
no , de que era chave aquella praça , fe fe-

nhoreou delle , e pouco depois do de Oza-


ca ; de modo , que em breve tempo fe vio
Senhor
do Japao. Liv. VI. 125

Senhor de trinta e dous Reynos . Só o de


-Amanguche lhe fez por muito tempo refiften
·
cia , como diremos em feu lugar
O P. Valignano tendo chegado da Rebelliao de
India nefte anno de 1579 , como temos di Reyno deBũ.
go.
to , para fucceder ao P. Cabral no lugar de
Superior das Miffoes do Japao , teve huma
Congregação no fórte de Cochinozu , na
qual fe achárao quafil todos os Religiofos da
Companhia. Erao eftes por agora em todo
o:Japao cincoentace nove , dos quaes vinte
e tres erao Sacerdotes : decretou- fe pois nef-
ta Congregaçao que fe fundaffem Collegios
para fe enfinar a língua do paîz , e as ou
tras fciencias neceffarias aos que viéffem pa-
ra aquellas terras trabalhar no exercicio das
Mifloes : que álem difto era neceffario hum
Noviciado para receber os pertendentes , que
-Deos chamaffe para a Religiao , e tambem
-Seminarios para inftruir a mocidade.
Terminada a Congregaçao , fe reti-
rou o P. Valignano ao Reyno de Arima, ef-
perando que o de Bungo fe pacificaffe ; por-
que todo eftava em grande defordem , de-
pois que o Rey de Saxuma , como já diffé-
mos , lhe desbaratára hum exercito de qua-
renta mil homens. Efte Rey pois , animado
pela vitoria , nao fe contentando de fenho-
rear Fiunga , ganhou alguns Senhores do fer-
viço dos Reys de Bungo, e de Arima : o pri-
meiro foy Riozogi , vaffallo defte Rey , e o
fegundo Azequi , vaffallo do de Bungo , e
juntos eftes tres confederados , atacárao por
todas
126
Hiftoria da Igreja›
todas as partes a Rey de Bungo ; de forte ,
que Riozogi conquistou o Reyno de Chicun
go, e de Fingem ; Azequi: o de Chiculen ,
e de Bivien ; e o Rey de Saxuma Ye apode
rou da mayor parte do de Fingo.
Porque a ambiçaó he infaciavel , e
Riozogi via bem fuccedida a fua refoluçao ,
voltou as fuas armas contra os Reys de Ari-
ma , e de Omura. O P. Valignano , como
8
temos dito , havendo- o vificado da parte do
Rey de Arima , moveo o feu animo com tal
deftreza, que o fez confentir nas pazes ; mas
como era de animo inquiéto , e turbulento ,
quiz o Reyno de Fingo , que o Saxumano
tinha ganhado , quebrando a aliança , que
tinhao entre fi , e ficando declaradamente
inimigos. Pouco depois fe poz em guerra
com os Reys de Arima , e de Omura , hin-

do contra, elles com hum poderofo exer-


cito mas o Rey de Saxuma , para fe fatis-
fazer do motivo da quebrada aliança , os foy
foccorrer , e veremos a feu tempo o fim
defta guerra.j
No tempo . de todas eftas inquieta-
ções, abandonou a Fé o Principe de Bungo,
e com ella perdeo quafi. todos os Estados ;
porque no } mesmo tempo , que os Princi
pes confederados lhe arrebatárao os Rey-
nos , os principaes Senhores da fua Corte
The expuzéraó , que 4era inutil toda a dili-
gencia , que lhes fizéffem para o foccorrer,
fe lhes não juraffe , conforme o coftume do
paîz , pela Cami , e Fotoqui, que reftituîria
aos
do Japao. Liv. VI. 127
aos Bonzos as fuasorendas , reftabeleceria os
feus templos , poria em feu lugar os idolos ,
e celebraria as feftas dos Deofes do paíz, có-
mo antes faziam obai, el pe
Efta propóſta atemorizou o Princi O Principe
pe ; porque vendo-fe atacado por fóra , de de Būgo fal-
inimigos poderofos , dentro do feu Reyno ta á Fé.
dos feus proprios vaffallos , nao fabia , que
refolução tomaffe . Se eu concedo (dizia) quan-
to me pedem , concilio contra mim tantos ini-
migos , quantos fao : os Chriftaõs do meu Rey
1
no , e offendo ao Rey meu pay , que be del
les Pretector: Je nao o concedo , perco a Co-
roal, esasvida. Inftavao os Grandes , vefi-
do-o ·indecifo , pela repoſta : elle fuppondo
fe perdido , fe nao a dava , como elles per-
tendiao , jurou na fórma dos idólatras pelo
Cami , e Fotoqui , que lhes daria toda a fa

tisfaçao , que pediaō.


Ouvindo efta noticia o Rey D..Fran- Conflancía
cifco feu pay , ficou tao exceffivamente fen- admiravel do
-Rey D Fran
tido , que • cahindo enfermo , efteve em peri- cisco.
go de perder a vida. O Principe , e fua mu-
Ther foraó vifitálo ; mas nao foy poffivel ad-
mittilos na fua camara , de fórte , que voltá-
rao io fem lhe fallarem. Re-
таб para o feu palac
cuperando emfim a faúde , diffe em prelença
de muitos Senhores , e Cavalheiros , que con-
fiderava como feu mortal inimigo todo o
que offendeffe aos Chriftaos , e feria repu-
tada por injuria propria fua qualquer defat-
tença a elles feita. Efta declaração foy pre-
ciſa para impedir o projecto , que já tinhao
forma-
128 Hiftoria da Igreja
formado os idólatras contra os Chriftaos.
Sem embargo do juramento , que o
Principe fez , continuava em proteger ,
honrar os Padres ; fugindo com tudo da fua
companhia , ou por vergonha da infidelida-
de , que tinha comettido , ou por temor de
irritar os Bonzos . Pelo contrario feu pay ,
que vendo-le defembaraçado do governo ,
nao cuidava mais, que na fua falvação : con
feffava-fe , e comungava todos os oito dias
com admiravel devoção : orava duas . vezes
no dia , meditando nos Myfterios da Santa
Fé Catholica , principalmente na dolorofa
Paixao de Chrifto Senhor Noffo , e tambem
nos Noviffimos do homem , diftribuindo eſta
meditaçao pela manhã , e á tarde em horas
determinadas : antes de fe recolher , fazia

apontar toda fua familia , para rezar com


elle a Coroa de Noffa Senhora diante do feu
altar. I

Faz trés vo- Já diffémos , que depois de ver des-


tes. baratado o feu exercito na guerra , de que
tratámos , foy neceffario retirar-fe do Reyno

de Fiunga , que havia elegido para paffar o
réfto da fua vida antes porêm que o largat-
fe , féz tres votos a Deos. O primeiro de
obfervar caftidade conjugal : o fegundo de
fatisfazer fielmente nao fo aos Mandamentos
de Deos , mas ads confelhos que lhes déf-
fem os feus Confeffores dirigidos a aperfei-
çoar a fua alma : o terceiro de nao deixar
já mais a Fé , que tinha recebido no Baptif-
mo , ainda que fe
fé puzéffe em risco nao fó de
.
perder
do Japad. Liv. VI. 129

perder todos feus Eftados , mas a propria vi-


da ; e dado cafo ( que elle julgava impoffi-
vel ) que todos os Chriftaos largaffem à Re-
ligiao , elle fó a fuftentaria com todo o va-
lor até derramar na fua defenfa a ultima
gotta de fangue. Fez eftes tres votos de ſeu
moto proprio , fem os ter antes comunica-
do a peffoa alguma.
A noite do Natal do anno de 1579
ouvio tres Miffas de joelhos , e na ultima
cómungou : depois efteve por mais de hu-
ma hora proftrado diante do altar dando
graças ; e havendo terminado as fuas devo-

ções , diffe ao P. Luiz Fróes eu Confeffor ,


que nao tinha na fua vida tido mayor con-
folaçaó , que aquella , que Deos Noffo Se-
nhor lhe déra naquella noite, meditando no
feu Sagrado Nascimento .
O Principe feu filho nao tinha gof- O Principé
he
to nenhum de feguir a nofla Religiao ; por- pela fua infi-
que o temor do Mundo , e o detejo de con- delidade.
fervar os feus Eftados o faziao cada vez
mais frio nefta materia : mas Deos Senhor
Noffo , que ordinariamente caftiga as noffas
paixões pelos motivos mesmos , de que el
las nafcem , o defpojou de huma grande
parte de bens , que elle temîa perder , ſe
foffe perfeverante na Fé ; porque hum dos
principaes Senhores do feu Reyno , chama-
do Chicafiro , fe retirou da Corte, fem lhe
pedir licença , e depois lhe pedio as terras ,
que o Rey feu pay tinha dado a Chicacata,
com cominaçao , de que nao lhas querendo
Tom. II. I dar
130 Hiftoria da Igreja
dar por vontade , Ihas tiraria por força. O
Principe afflicto com efte pertendente , e te
mendo mais levantamentos , fe refolveo á
ceder-lhas , tirando-as a fua mãy a Raînha
Jefabel , e a feu tio Chicacata ; ficando ef-

tes Senhores tao pobres , que apenas tinhao


o preciſo , fem que baftafle para poderem
apparecer na Corte ; cuja miferia moſtra evi-
dentemente , que Deos cedo , ou tarde caf-
tiga os feus inimigos , e reduz a nada aquel-
les , que tivéraó refolução de fe rebellarem
contra a fua Ley.
Morte doRey Nefte meſmo tempo morreo o bom
de Gotto. Principe D. Luiz Rey de Gotto , que foy
grande, e fenfivel perda para a Chriftandade:
deixou hum filho , que igualmente fuccedeo
no Reyno com o nome , e Religiao de feu
pay ; mas como era muito menino , feu tio,
que era idólatra , e o feu tutor, tomárao o
governo do Reyno . Declarárro-ſe logo ini-
migos dos Chriftaós , e os perfeguirao com
furia tao implacavel , que quafi todos forao
conftrangidos a retirar-fe a Nangazaqui ;
mas nao os puderao exterminar , e extinguir,
como veremos em feu lugar.

OP. Valig- Tornemos ao Rey D. Francifco, que


nano vifita o he precifo, que nao nos elqueçamos das fuas
Key, e Prin- memoráveis acções . Mandou elle pedir ao
cipe de Bun P. Alexandre Valignano , quando eftava em
go.
Arima , the foffe fallar para hum negocio
importante, que era o Baptifmo do Principe
feu filho , que defejava fer Chriſtao : mas as
turbulencias , de que temos fallado , foraó
caufa
do Japao. Liv. VI. 131

caufa de fe retardar eſta ordem ; de fórte


que o Padre nao entrou no Reyno , fenao
depois de ceffar a tempeftade. Chegou pois
a Vozuqui no dia 14 de Setembro de 1580 :
foy logo vifitar ao Rey D. Francifco , e de-
pois ao Principe feu filho , que tinha diffi-
culdade em fallar- lhe , por ter comettido
aquella tao enorme infidelidade : mas o Pa-
dre foube introduzir-fe de modo , que ga-

nhou logo o feu animo com tao doces , e


efficazes palavras , que o Principe feguio em
tudo o feu parecer , e lhe deo efperança
de emendar o erro > em que tinha cahido .

Tanto que acabou a guerra ,,em que estava


empenhado , e para moftrar, que fallava fin-
céramente , ratificou a promeffa , que tinha
feito ao Padre , de dar-lhe lugar em Funay
para edificar hum Collegio. Goftofiffimo def-
ta promeffa o Rey D. Franciſco , deftinou
tambem hum lugar , e renda para fe fundar
hum Noviciado em Vozuqui ; e affim fe co-
meçáraó logo ambos os edificios : em hum
fe puzéraó dezeleis Noviços , fendo parte
delles da India , e a outra do Japao ; no ou
tro dezeſeis eftudantes , aos quaes enfinavao
as letras Divinas , e humanas.
4 Deftas duas Cafas como de duas Fundação de
praças de armas , fahiao valerofos Soldados , hum: Colle-
que faziaó guerra ao demonio , á idolatría , Sio , hu No-
, viciado,e hu
e aos vicios. Nao póde facilmente exprimir- maRefdécia .
fe o fruto , que fizéraó em pouco tempo ;
porque no anno de 1580 fe baptizárað mais
de cincoenta mil peffoas em Funay , e nos
I 2 lugares
132 Hiftoria da Igreja
lugares circumvifinhos ; e em Vozuqui mais
de trinta mil peffoas de refpeito , nao fe
comprehendendo a plébe , que ſe nao póde
numerar.

No mesmo tempo fe fundou huma


Reſidencia na Cidade de Nocende , aonde
D. Leao tinha feito huma Igreja , e le con-
tavao já tres mil e quinhentos Chriſtaos :
deftes era hum Bonzo doutiffimo , que ti-
nha huma livrarîa rica , em que estudavao
os outros Bonzos , de modo , que fe a qui-
zéffe vender , faria huma confideravel fom-
må de dinheiro ; mas a impulfo do zelo do
mais defintereffado Chriftao a queimou_toda ,
nao querendo deixar aos inimigos da Fé ar-
mas , com que a combater ; moftrando por
efta acção ter renunciado todas as ſuperſti-
ções daquellas feitas.
Succedeo nefte mefmo anno hum ca-
Hum Japão
fe livra da fo admiravel , que foy caufa de fe conver-
oppreffa do terem muitos idólatras. O Rey de Bungo
demonio com
a virtude das tinha hum genro, que fe chamava Quioton-
Reliquias. dono , o qual recebêra o Baptifmo em No-
cen : fua máy, e dous irmaos , porque erao ini-
migos jurados dos Chriftaos , tendo efta noti-
cia , o reprehendêrao de fórte , que arrepen-
dido elle do que tinha feito , vivia mais como
idólatra , que como Chriftao . Tinha efte mef-
mo hum cunhado chamado RomaŎ , que
era homem tao fabio , como Catholico , e
mais hum irmao cafado com a irmã de Ro-
mao. Em quanto Quiotondono andava na
campanha , entrou o demonio no corpo de
feu
do Japao. Liv. VI. 133
feu irmao , trocando-lhe de fórte o rofto
que parecia mais bruto , que homem ; e ef
tava tao furiofo , que doze homens nao po-
diao fuftentálo . Depois de experimentar
Romaó fem effeito toda a forte de remedios

no véxado , lhe poz ao pescoço huma Reli-


quia , que tinha apenas o fez , quando o
pofluido ficou tao manfó , como hum cor-
deiro , fem fer preciſo prendelo . Sómente
gritava , ou o demonio pela fua boca , que
The tiraffem aquelle Relicário , que logo fe
hiria. Romao lhe perguntou , porque entrá-
ra no corpo daquelle homem? E elle lhe ref- བ”

· pondeo , que por nao querer fer Chriſtao.


Que final ( difle Romao ) me dás , de quete
vas , e deixas efte corpo? Reftituir- lhe (tor-

nou o demonio) a fua figura natural. Ti-


-rárao-lhe o Relicário , cuja virtude o tinha
abrazado ; e logo o femblante , que até allî
parecia de bruto , fe reftituîo á fua natural
figura , e juntamente ficou tao pacifico , e
mudado , que pedio o Baptifmo , o qual re-
cebeo junto com fua may ; e fó lhe reftou
do paflado conflito huma tal debilidade pe-
los muitos tormentos , que tinha padecido ,
que nao podia ter-fe em pé. Quiotondono,
a quem , tanto que veyo da guerra , contá-
rao o fucceffo , fe moveo de modo á dor
dos feus peccados , e pezar da infidelidade,
que tinha comettido , que fez huma rigoro
fa penitencia junto com fua mulher ; dando
a todos tanta edificação o feu arrependimen-
to, como havia dado até allî eſcandalo a fua
Tom. II . inconf-
I 3
134 Hiftoria da Igreja

inconftancia : mandárao baptizar huma filha


unica , que tinhao , e muitos dos feus do-
mésticos ; o que caufou grande pena á Rat-
nha Jezabel : e para dar Quiotondono, e fua
mulher evidentes demonftrações da fua con-
verfao , pedirao a Romao foffe aos feus Ef-
tados , e mandaffe derrubar os idolos todos ,
que nelles houvéfle . Mandou fabricar hu-
ma Igreja na fua Cidade de Gujota ; e deſte
modo fez Deos fervir o demonio aos feus
defignios , tirando a falvaçao dos feus efco-
lhidos do feu mais implacavel inimigo.
OReyD. Frá-
cifco toma o Ainda que o Principe de Bungo te-
governo do ve noticia defle milagre , e moftrava muito
Reyno. affecto ao P. Valignano , nao fallava em fa-
zer-fe Chriftao ; ou por eftar prezo de mui-
tos vicios , que nao queria largar ; ou por-
que temia , que a mudança de Religiaó aca-
baffe de arruinar os feus Eftados , fortemen-
te inquiéto das guerras, que por toda a parte
The faziao : fendo tao infeliz , que temia mais
os homens , que a Deos, e com defgraçada po-
litica andava circunfpecto com os Chriftaos,
e com os idólatras , reduzindo-fe a tal ex-
tremo , que nao fabendo já o que fizéffe , fe
vio conftrangido a pedir ao Rey feu pay
com todos os Grandes do Reyno tornaffe a
tomar o governo. O bom , e fabio Rey D.
Francifco difficultou muito refolver-fe a dei-

xar a fua quietaçao para entrar em tao ar-


duos negocios ; mas vencido dos rógos do
filho , e perfuafoes dos Grandes do Reyno ,
e forçado da neceffidade publica do bem co-
mum,
do Japaō. Liv. VI. 135

mum , aceitou o governo debaixo de duas


condições. A primeira , que o Principe feu
filho fofle logo Tenente General das fuas ar-
mas , para que todas as vitorias cedeffem em
gloria fua e a fegunda , que já que lhe em,
baraçavao a fua folidao , foffem pontuaes em
feguir as fuas ordens, e confelhos ; pois dif
crepando-lhe deftes dous pontos hum ápice,
os deixaria voltando para o feu retiro.
Promettêrao com effeito de obfervar todas
as fuas refoluções : mas o Principe faltou á
fua palavra; porque quando foy atacar o ini
migo , temendo que feu pay tivéffe toda a
honra da batalha , e elle ficaffe fem crédito
de valerofo , quiż obrar tudo fó pelo feu
juizo , e direcção de alguns Senhores idóla-
tras , que erao contrarios ao Rey feu pay,
Efte irritado de procedimento tao livre , e
prevendo inevitavel a ruina do Reyno , fe
retirou do exercito , e tornou para Vozuqui .
Q Principe vio bem depreffa caftigada afua
vá prefumpção ; porque foy vencido dos ini
migos, que lhe tirárao os , Reynos de Fingo,
de Chicungo , de Chicugem , e de Buygem ,
que feu pay tinha conquistado , ficando lhe
fó o Reyno de Bungo com igual rifco : por-
que Chicacura , filho de Chicafiro , de quem
fallámos , fe rebellou contra elle , e attra-

hio para o feu partido os principaes Senho-


res de Bungo , que eftavao pouco fatisfeitos
de tao infeliz governo ..
Como tudo andava revolto com tan-
tas adverſidades , recorrêrað fegunda vez ao
I 4 Rey
136 Hiftoria da Igreja
Rey D. Francifco , que com exceffo de pie-
dade tomou outra vez o governo. Princi
piou pois efte , tirando do Conselho quatro
Senhores , que com o feu parecer puzéraó
o Principe , e os feus Eftados em tal ruina;
e depois levantando hum pequeno exercito,
offereceo batalha ao rebelde Chicacura. To-
dos os feus vaffallos , que tinhao abando-
nado o Principe , fe aliftáraó agora no feu
partido , de modo, que nao ficáraó mais que
oito centos homens a Chicacura , o qual foy
morto no conflito , ficando tambem no cam-
po mórtos a mayor parte dos feus foldados.
Tres parentes feus ficárao prizioneiros , a
eftes mandou cortar a cabeça , como rebel-
des ; e deixando o Reyno pacifico , voltou
para o feu retiro ; deixando feu filho tao

afiançado nos feus dictames , que dallf em


diante nao executou nada fem o feu confe-

lho. Teve mais a confolaçao de ver ò feu


terceiro filho baptizado com o nome de Pan-
taleao , e converteo hum Bonzo de idade

de fetenta annos , que era como Arcebispo


de todo paîz .
Ha hum valle vifinho a Funay de duas
A Rainha de
Fiunga le ba leguas de circumferencia , habitado de qua-
p.iza. tro Senhores , dos quaes fó hum era Chri-
ftao .O Rey D. Francifco efcreveo aos ou-
tros tres , pedindo-lhes , ouviffem feis dias
fucceffivos os Sermões do P. Cabral , e fe lhes
nao pareceſſe bem a fua doutrina , nao lhes
fallaria mais , em que fe fizéffem Chriftaos.
Huma razao tao juftificada , como modera
da,
do Japao. Liv. VI . 137
da , em hum Principe Soberano os obrigou
a cumprir o feu mandado ; e continuando a
ouvir os Sermões , no fim dos dias finalados
pedirao o Baptifmo com todos feus vaffallos;
cujo feliz fucceffo_encheo de alegria extra-
ordinaria ao bom Rey.
No mesmo tempo , que corria o an-
no de 1580 , a Rainha de Fiunga com o
feu filho primogenito forao a Vozuqui ; e
depois de terem algumas conferencias .com
os Padres , fe baptizáraó ambos . O fegundo
filho já havia tempo , que era Chriſtað , e
refidia no Seminario de Anzuquiama, que fun-
dou Nobunanga , como logo diremos , e ſe
chamava Jeronymo : o primogenito teve o
nome de Bartholomeu ; fazendo eftes dous
triunfos da Fé augmentar a alegria , e con-
1
folação do Rey D. Francifco , de cujo ex-
emplo , e zelo nafciao eftas converfoes.
!
Os milagres evidentes , que Deos Effeito ma-
ravilhofo da
continuamente fazia á viſta dos infieis, con- Baptifmo ,
tribuíao muito para o augmento da Religiao da Cruz,
Chrifta , como le verá dos feguintes. Em
huma Villa chamada Nocha viviao cinco per-
foas , que havendo perdido a viſta muitos
annos antes , a recuperáraó no meſmo inf-
tante , que recebêrao o Baptifmo : hum le-
profo , que vivia diftante de Funay cinco le-
guas , e era opprimîdo de muitas outras en-
fermidades , ouvindo fallar a alguns Chri-
ftaos na Ley de Deos , defejava com todo o
affecto receber o Baptifmo ; mas nao lhe per-
mittindo as fuas penozas enfermidades hir a
Funay,
138 Hiftoria da Igreja
Funay , lhe aconfelháraó, folle todas as ma
nhás pedir a Deos diannte de huma Cruz ,
que eltava no cemiterio , forças para hir a
Funay , ou a Vozuqui baptizar-ſe. Executou
efte confelho fielmente , e no terceiro dia ,
voltando da fua devoçao para caſa, ſe achou
fubitamente fao , como fe nunca estivéſſe en-
fermo.
Morte de D. Eftes milagres , e muitos mais , que
Antonio , e
paffo em filencio pelo motivo já exprimi-
protecção de do , accrefcentárao o numero dos Fieis ; mas
Deos fobre
D. Bartholo nefte tempo tivérao elles huma perda muy
meu.
fenfivel , qual foy a morte de D. Antonio ,
parente chegado do Rey de Firando , que
foy fempre o amparo da Religiaó , e o Ef-
cudo da Fé , Pay dos Chriftaos , e terror
dos idólatras. Morreo no anno de 1582 :
hum Religiofo da Companhia lhe affiftio na
fua morte , e todos os Chriftaos fe acháraó

prefentes no funeral , que fe celebrou com


toda a pompa , e magnificencia : nao hou
ve quem nao o choraffe como Pay , e quem
nao quizéffe antes , fe poffivel fora impedir
aquelle inevitavel golpe , facrificar a pro-
pria vida , fó por confervar a de tao beni-
gno Principe. 2

A Igreja de Omura fe vio no mef


mo tempo em perigo de perder a D. Bar-
tholomeu ; porque Riozogi , de quem_aci-
ma fallámos , havendo conquistado o Rey-
no de Chicungo , e huma parte do de Fin-
go , e de Figem , foberbo com eftes triun-
fos , mandou dizer ao Rey D. Bartholomeu ,
e a feu
fi
do Japao. Liv. VI. 139

é a feu filho chamado Sancho , que desejava


fallar-lhes . Muitos do feu Confelho forao
de parecer nao o admittiffe , e muito me-
nos hir bufcálo , como elle pedia ; porque
do feu malévolo procedimento receavao lhe
tirafle a vida , ou o prendeffe , para com
efte traidor ardil ficar Senhor do Reyno .
Confiderando porêm D. Bartholomeu , que
pôr- fe agora em difcórdia com Riozogi, fe-
ria a perda indubitavel dos feus Eftados , de-
pois de ter encomendado muito a Deos a
viagem , e ás orações dos Chriſtaos , que
eftivérao na Igreja por efpaço de vinte dias ,
que durou a jornada , pedindo a Deos o
bom fucceffo daquella refoluçao , partio ani-
mozo o Rey com o Principe feu filho , en-
tregues á Divina providencia.
Deos Noffo Senhor ouvio_piedofo
os rógos dos feus Fieis : porque Riozogi ,
contra toda a efperança , recebeo com mui-
tas honras , e affectuofas demonftrações aos
dous Regios hofpedes , e tratou hum cafa-
mento de fua filha com o Principe de Omu-
ra , que pouco depois fe effeituou . O mal ,
que elle tratou a hum dos primeiros Senho
res de Figem, rico, e idólatra , moftrou com
evidencia , que Deos protegia a D. Bartho-
lomeu : porque fendo por Riozogi chamado
no mesmo tempo aquelle Senhor , e deferin-
do a viagem debaixo de alguns pretextos
fabendo depois , que fora bem recebido o
Rey de Omura , fe poz entao a caminho , e
acompanhado dos feus parentes , e amigos .
O in-
140 Hiftoria da Igreja
O infiel Riozogi o recebeo ao principio com
grande attençao ; mas depois tyranno o man-
dou fazer em quartos com toda a comitiva
do meſmo infeliz por cinco mil homens ,
que tinha de embofcada , e depois fe fenho-
reou das fuas terras.
OP. Alexandre Valignano depois de
Defordem ,
fucce- dar os parabens ao Rey D. Bartholomeu da
que
deo emNan- fua feliz viagem , foy vifitar a florida Igreja
gazaqui. de Nangazaqui , Cidade do feu Reyno. Em
quanto fe demorou nefta terra , fobreveyo
hum accidente , que occafionou muita def-
ordem , pofto que depois refultou delle a
Deos grande gloria. Succedeoque pois ,
ma-
z
hum Portugue , havia tres dias antes
tára hum Japonez , homem de grande hon-
ra , e qualidade : feu filho , que era Chri-
ftao , encontrando-fe no porto com o mata-
dor , lhe deo muitas punhaladas , e ſe reti-
rou , fugindo para a Igreja. O Portuguez ,
ainda que mal ferido, o feguio até a porta ,
e lhe deo tambem algumas feridas perigofas,
de modo , que ambos dentro em poucos dias
acabáraó a vida , tendo-fe primeiro ambos
confeffado , e perdoado com todos os finaes
de arrependimento . Ao rumor defte fuccef-
fo os Portuguezes , que eftavao no porto ,
corrêraó por huma parte com as armas na
mao , e pela outra os parentes , e amigos do
Japonez ; e como os Portuguezes erao em
numero muito inferior , fe retiráraó á Igreja :
o P. Valignano mandou fechar as portas pa-
ra deter a furia dos Japões ; porêm como
eſta
do Japão. Liv. VI. 141

efta foy de modo , que ameaçavað até o Pa-


dre , fe lhes nao abria , fe refolveo a fallare
lhes , e com tal efficácia , que os obrigou a
retirarem -fe.
No dia feguinte chamou os Princi
paes da Cidade , e lhes reprefentou a irre-
verencia , que haviao comettido , querendo
entrar violentamente na Igreja para acomet-
ter , os que nella fe refugiavao , eſcandali-
zando os Gentios com efte atrevimento , cu-
ja temeridade o tinha affligido, e penaliza-
do tanto , que fe refolvia a demolir a Igre-
ja, e a deixálos , para hir a outra terra , on-
de achaffe Chriftaos mais religiofos , e fieis.
Pronunciou eftas palavras com dor , e zelo
tao grande para lhes intimar a gravidade do
delicto , que fem efperar repofta , voltou re-
foluto as coftas , e fe poz logo a caminho
de Arima , deixando Padres na Cidade para
defmancharem o altar , e deípojar de todos
os ornamentos a Igreja.
Sabendo os Chriſtaos no dia feguin-
te , que certamente o P. Vifitador fe havia

retirado , e vendo a Igreja no deploravel ef-


tado , em que eftava , a impulfos de grande
dor , e pezar , forao proftrar-fe aos pés dos
Padres , pedindo - lhes perdao, e offerecendo-
fe difpóftos a cumprir qualquer penitencia ,
que lhes impuzéffem. E porque toda a def
ordem nafcêra dos parentes do morto man-
cebo , que tinhaó fido , os que excitárao os
habitantes a vingar nos Portuguezes aquella
morte do feu patricio , forao defterrados to-
dos
142 Hiftoria da Igreja
dos da Cidade por aquelles mefmos, fem dei
xar da fua familia nem huma peſſoa , que fi.
zéffe renafcer as cinzas do referido incendio.
Depois expedirao dous Deputados ao P. Vi
fitador , pedindo- lhe com humildes rógos
perdoaffe a fua culpa , pois eftavao prom
ptos a fatisfazêla com as mais rigorofas , e
acerbas penitencias ; com tanto , que nao os
privaffe mais tempo da participação dos Sa
cramentos. O Padre lhes refpondeo , que o
cafo era tao enorme " e facrilego , que nao
podia conceder lhes o que pediaó , fenao
quando voltaffe á Cidade : e demorando-fe
no lugar , em que eftava , quinze dias , tor-
nou para Nangazaqui . Para levantar o inter-
dicto com mais folenidade , ordenou huma
prociffao geral, depois da qual prégou hum
Sermao elegantiffimo , difcorrendo fobre o
refpeito , e veneraçao , que fe deve ter aos
lugares Sagrados , e á immunidade da Igreja.
Todos depois juráraó publicamente, que dal-
li em diante a obfervariao , ainda que fofle
com rifco da propria vida. O Padre cantou
huma Miffa folene para benzer a Igreja, que
tinha fido contaminada com a effufao de fan-
gue humano , e por huma inteira reconcilia-
çao perdoou a todos , e pelos que tinhao fi-
do expulfados da Cidade, pedio foffem logo
reſtituidos a ella. Viérao pois todos em pro-
ciffao á Igreja os homens antes de entra-
rem tomárao huma difciplina de fangue , e
depois de pedirem perdao do efcandalo, que
haviao dado , jurárão como os primeiros de
guardar
do Japao. Liv. VI. 143

guardar inviolavelmente a immunidade da


Igreja. Aflim Deos tira do mal bem , per-
mittindo , que os meimos peccados , que co-
mettem os feus efcolhidos , lhes firvaó por
meyo da penitencia de mayor utilidade pa
ra a fua falvaçao . ¡
Em quanto o Rey D. Francifco , e o Viagem do
Principe feu filho fe occupavao na guerra do P. Valignano
Saxumano , o P. Alexandre Valignano , con a Meaco.
forme a obrigação do feu officio , fov vifitar
a Igreja de Meaco. Partio pois de Vozuqui
no primeiro de Março de 1581 , levando por
companheiros os PP. Luiz Fróes, e Lourenço
Mexia. Os corfarios os perfeguirao perto de
Sacay; mas Deos , que queria fervir- fe delles
para empregos grandes , os livrou das mãos
daquelles inimigos prodigiofamente. Chegou
a Sacay dous dias antes da femana Santa , e
dalli partio para Tacacuqui , onde foy rece-
bido de Jufto Ucondono com a alegria , que
fe póde conjecturar do feu Catholico animo,
efperando- o acompanhado de toda a Nobre-
za , e do P. Gregorio de Cefpedes , que efta-
va na praça naquella occafiao. O P. Organ-
tino chegou quafi na meſma hora , e juntos
celebráraó os Officios da femana Santa com
a poffivel folenidade : todos os dias havia
Sermao da Paixao , e da Inſtituîçao do Santif-
fimo Sacramento : mais de quinze mil Chri-
ſtaós fe aggregáraó aos da terra dos luga-
res circumvifinhos, para receberem os Sacra
mentos da Confiffao, e Comunhão, e muitos fe
finalárao na devoçao com difciplinas de fague.
Pafla-
144 Hiftoria da Igreja
Paffada a Pafcoa, que fe feftejou com

igual grandeza , foy cumprimentar a Nobu-


nanga o P. Valignano , para agradecer a ef-
te Rey_os favores , que fazia aos Chriſtaos ,
e aos Padres , que prégavao no feu Reyno.
Tinha o Padre trazido comfigo da India hum
preto escravo : logo que efte appareceo na
Cidade , corriao os Japões em bandos para
o verem : o P. Organtino apresentou o ne-
gro a Nobunanga , que ficou admirado da
fua côr , nao podendo crer foffe natural ,
"
mas fim pintado fómente ; o que obrigou o
efcravo a defpir-fe até a cintura e depois
de o haver examinado bem , ficou perfuadi-
do, a que era natural aquella côr . Continuou
a fazer ao Padre todas as demonftrações de
honra , que coftumava , e lhe affinou hum
dia de audiencia particular com o P. Vali-
gnano.
Favores, que Chegado o dia determinado , forað
lhes faz No.
os Padres todos tres a palacio : Nobunanga
bunanga.
os efperava com os tres Principes feus filhos,
tratando-os com honras mais particulares , e
fazendo muitas perguntas ácerca da India ; e
depois de difcorrer com os Padres em varias
materias com muito agrado , recolhendo-ſe
eftes a caſa , achárao hum prefente , que lhes
tinha mandado de ádes o Rey , de que a
elle tinha feito offerta o Embáxador do Rey
de Bandou : porque Nobunanga era mais cof-
tumado a receber obfequios , que difpender
favores , admirou a Corte toda eſta diſtinçaó,
que ufou com os Padres.
Todos
i
do Japao. Liv. VI. 145

Todos os Grandes nefte tempo Torneo em


eſtavao na Corte para celebrar huma fefta, Meaco,
que mandava fazer Nobunanga em memoria
"
das fuas proezas , para que affim ſe publicaſſem
pelos paîzes mais remotos os effeitos da fua
vaîdade , que nao perdoava a meyo algum ,
por onde a pudéſſe augmentar mais. Para
efte fim mandou preparar huma grande pra-
cercando -a de huma eftacada de lavor
ça ,
maravilhoso e para fazer célebre em tudo
aquella funçao , fez publicar hum Edicto ,
em que ordenava , que todos , os que quizét-
fem affiftir áquelle jogo , foffem com o mais
luzido acompanhamento , que pudéſſe caber
no poffivel ; porque o feu coraçað era tað
grande , que a mayor pompa lhe nao punha
limite ; e que os que nao tivéffem poffibili-
dade para eſta profufao , le retiraffem da

Corte naquelles dias.


Como todos defejavao dar-lhe gof-
to , fe aparelháraó com grande luzimento ,
avaliando-ſe a defpeza dos que a fizérao me-
nor em quarenta mil cruzados quafi cada
hum. Jufto Ucondono fez fete entradas com
toda fua numerofa comitiva fempre com di-
verfas librés : Xibatadono , Tenente General
de Nobunanga , chegou a Meaco na vefpera
do torneo , acompanhado de dez mil ho-
mens de cavallo , e leis mil machos cober-
tos de riquiffimas gualdrapas . Os prefentes,
"
que offereceo ao Rey, tanto de ouro , como
de outras efpecies com lavores exquifitos ,
chegáraó a cem mil cruzados , difpendendo
Tom. II . K outro
146 Hiftoria da Igreja
outro tanto com o feu trêm , e equipagem .
Outro Senhor lhe tinha precedido com cin-
coenta palafreneiros , veftidos do mais bello
brocado da China. Supponho , que o meu
leitor nao cenfurará , que eu , para fatisfa-
zer a ſua curiofidade , e dar alguma recrea-
çao ao feu efpirito em huma liçaõ tao féria ,
The exponha a grandeza defte magnifico tor-
nêo do Japao , conforme o defcrevem as me-
morias , que figo ; porque affim formará mais
jufto conceito da grandeza daquellas Ilhas ,
tanto tempo para nós defconhecidas. • Efta
a fórma , com que fe executou a funçao .
No dia finalado para efta celebrida-
de , eftando todos juntos , começou a mar-
cha por fete centos Cavalleiros , que entrá-
rao emparelhados , feguido cada hum dos
feus palafreneiros , veftidos de librés diffe-
rentes de ineftimavel preço. Seguiao-fe logo 1
os tres filhos de Nobunanga , que fe diftin-
guiao de todos , tanto pela mageftade do al-
pécto , como pela riqueza dos veftidos ; por-
que eraó de feda riquiffima , bordados ma-
ravilhofamente de ouro, e prata , femeados,
e tecidos os meyos , e relevados de pérolas,
e pedras preciofas : as gualdrapas dos caval-
los erao da mefma fórma com excellente pri-
mor , e hiao acompanhados de grande
nu-
mero de palafreneiros .
Tanto que entrárao na praça, feguio-

ſe a comitiva de Nobunanga , precedida de


trompas , e mais inftrumentos marciaes de
huma multidao innumeravel de officiaes , e
pala-
do Japao. Liv. VI. 147
palafreneiros , que marchavao diante delle .
Logo que fe vio o Rey , que appareceo
com pompa muy distinta todo o campo
foou com acclamações de alegria , e feſtejo :
ainda aos que eftavao mais diftantes , nao era
neceffario bufcálo com a vifta ; porque fe
diftinguia muito bem , tanto pela mageftade ,
e altivez da fua peffoa , como pela nobreza ,
e refplandor dos veftidos , que erao layrados
pelos mais excellentes bordadores da China ,
cobertos de pedras preciofiffimas , e brilhan-
tes , especialmente a capa , que era de valor
quafi infinito : a gualdrapa , peitoral , e mais
arreyos do cavallo , erao de ouro , e prata ,
lavrados primorofamente , e guarnecidos de
pérolas , e pedras preciofas , e o freyo de
ouro finiffimo . Como efte Principe era alto ,
e deftriffimo Cavalleiro , levava apoz fi os
ólhos de todos os circumftantes : o femblante
alegre , fem perder com tudo aquelle ár de
fereza , que diftinguia o feu caracter , e va-
lor : era feguido de mil Cavalheiros da fua
Cafa , todos brilhantes a refpeito das côres
das librés , e riqueza já mais vifta no Japao .
Quando entrou na eftacada efte Grande Mo-
narca , todas as peffoas do torneo fe puzé
rao em ordem nos lugares , que lhes compe-
tiaố : começáraó as carreiras a dous , e dous ,
e a tres , e tres , cada hum trabalhando por
ſe finalar com ventagem aos outros na def-
treza , e valor . Depois entráraó os tres Prin-
cipes admirando a todos , tanto na fermofu-
ra do feu adorno , como na fciencia do ma-
K 2 nejo
P48 Hiftoria da Igreja
nejo dos cavallos , e rápido das carreiras ,
e especialmente na deftreza de lançar o dar
do , manejar a efpada , e executar todos os
movimentos militares.
Nobunanga foy o ultimo , que cor-
reo , montado em hum poderofo cavallo che-
yo de fogo , e de brio : a efte moderou de
tal modo , que o fez primeiro andar a paf-
1o , correndo o terreiro com grande bizar-
ria depois o meteo na carreira com toda a
força , de fórte , que poz os circumſtantes
em reverente pafmo , affim na mageſtade
guerreira , como na deftreza fumma do ma-
nejar da efpada , e de lançar o dardo , fe-
rindo com notavel acerto a baliza ; couza
que nenhum dos outros tinha feito. Rece- 4

beo nao fó acclamações da vitoria , mas in- I


finitos vivas com applaufo geral dos affiften-
tes. O torneo durou todo o dia ; e fuppof-
to , que fe numeráraó com todos os circum-
ftantes , e torneadores cento e trinta mil pef-
foas , nao houve defordem , nem tumulto.
Severidade Mas poucos dias depois fe trocou
de Nobunan- toda efta alegria em lagrimas , e triſtezas :
ga.
Nobunanga , que fempre jogava feguro, ven-
do toda a Nobreza junta em Meaco , quiz
aproveitar-fe da occafiao para dar a invefti-
dura do Reyno de Ixo a hum de feus filhos.
Os Senhores defte paîz , que amavao o feu
Rey , nao recebêrao efta propofiçao , como
elle eſperava , antes difficultárao muito acei-
tála ; cuja repugnancia lhe acendeo tal cóle-
ra , que mandou prender trinta , e fem ou-
tra
dò Japaō. Liv. VI. 149

tro crime , nem fórma de proceffo os man-

dou degollar.
O P. Alexandre Valignano vendo o Seminario
animo defte Principe tao bem difpofto para deAnzuquia-
os Prégadores do Evangelho , depois de ha ma.
ver encomendado muito a Deos o negocio,
The pedio , fe goftaria S. Mageftade , que le
eftabeleceffe na Cidade Real de Anzuquiama
hum Seminario femelhante ao de Arima para
educar os meninos nobres no eftudo das
letras , e exercicio das virtudes ? Exceffivo
gofto moftrou Nobunanga deſta propófta , e
The deo logo o mais bello fitio da Cidade
para fe fabricar : quiz que fem demóra fe
principiafle , e concorreo com as defpezas
todas , que erao neceffarias para obra tao

grande.
O Padre tendo-lhe agradecido , quan-
to pode , favor tao finalado , foy logo para
Anzuquiama começar o edificio , no qual fe
trabalhou com tanta diligencia , que voltan-
do de Meaco Nobunanga , o achou muy adi-
antado : approvou o defenho , e quiz fe aca-
baffe com toda a preffa ; de fórte , que an-
tes de partir o Padre , recebeo vinte e cinco
‫ހ‬
meninos nobres para Porcioniſtas , nomean-
do para Superior defte Seminario o P. Organ-
tino , que levou de Meaco , e mandou o P.

Fróes em feu lugar.


Havendo difpofto felizmente tudo
o que pertencia ao feu cargo naquelle paîz ,
pedio licença a Nobunanga , o qual depois
de lhe ter mostrado o feu palacio , e forta-
K 3 leza,
; Tom . II .
150 Hiftoria da Igreja
leza , lhe deo hum beobus , que he huma ef-
pecie de tapeçaria, na qual le moſtrava debu-
xada a Cidade de Anzuquiama com todas as
fuas excellencias; promettendo o mesmo Prin
cipe de favorecer os Padres em tudo , o que
The foffe poffivel , e ter os Chriſtaos muito
na fua protecção. O Padre lhe gratificou tan-
tos beneficios , promettendo-lhe , conforme
o feu defejo , huma larga , e feliz vida , è
pedindo ultimamente licença , partio para
Bungo. Confolou de paffagem a D. Paulo
Rey de Tola , que por hum dos feus vifinhos
eftava defpojado do Reyno ; mas teve gran-
de gosto de o achar tao conftante na Fé ,
que preferia efte thefouro a todas as Coroas
da terra .
OP. Organ-
Acabado na ultima perfeição o Se
tino préga có
muito fruto minario de Anzuquiama , entrárao nelle os
em Anzuqui meninos nobres , e pouco depois o foy ver
ama.
Nobunanga : teve grande gofto de ver o fi-
lho do Rey de Fiunga , que tocava hum inf-
trumento mufico deftriffimamente : moftrou

igual gofto em ouvilo , e voltou para pala-


cio muito fatisfeito. O P. Organtino no mef-
mo tempo prégava na Igreja com grande acei-
taçao , e converteo , e baptizou os Reys de
Bomi , que
eſtavao neſta Cidade , porque lhes
tinhao roubado os feus Eftados , e todos os
feus domésticos fe difpunhao a fazer o mef-
mo ; mas morrendo o Rey logo depois de
baptizado , o que foy final da fua predefti-
naçao , o attribuîrao os idólatras a fer cafti-
go do feu Cami , cujo fucceffo esfriou na-
quella
do Japao. Liv. VI. 151

quella familia o receber as faûdáveis agoas


do Baptifmo.
O filho primogenito de Nobunanga , A virtude da
converfando hum dia com o P. Organtino , Caftidadehe
The diffe , que fem duvida ſe faria Chriſtao , difficultofa
aos Gentios .
fe pudéſſe acabar comfigo viver com a pu-
reza , que mandava a Ley de Chrifto ; mas
que efte obftáculo lhe parecia a elle , e a
muitos invencivel , por fer hum preceito tao
contrario á inclinaçao fenfual dos homens.
O Padre lhe refpondeo nefta fórma : Se-
nbor, fe a obrigaçaõ de viver caftamente
folle Ley poftapelos bomens , eftes podiaỡ mo
derala , ou mudala , e até aniquilala confor-
me a fua vontade; mas porque Deos , Sobe-
rano Monarca do Univerfo , e primeiro de to-
dos os Legisladores, fez efte Eftatuto , naỡ
ba poder na terra , que o poffa difpenfar.
Como o mesmo Senhor be infinitamente Sabio,
e Fufto , e conhece a noſſa fraqueza , naõ nos
opprime com pezo intoleravel ; antes o feu
jugo be fuave, e nos ajuda para o fuftentar.
Sendo pois a fua Divina graça tao poderosa,
facilmente faz obfervar o que a natureza
julga impoflivel : Vos o vedes, Senhor, em
todos aquelles , que fazem profiſſaõ da Reli-
giao Chriftă no Japao , os quaes vivem em
buma continencia maravilhofa ; e fe Vos via-
jáfleis a Europa , verieis buma infinidade de
pessoas , que por voto fe obrigao á Caftida-
de , e vivem com tao grande pureza , como

Se follem puros efpiritos , os quaes ſe nao


deixao levar do gosto dos Jentidos . O Prin
K 4 cipe
152 Hiftoria da Igreja
cipe ficou admirado , mas fem poder perfua
dir-fe , que foffe preciſo fer Chriſtað para
fe affemelhar aos Anjos na pureza .
Martyrio de Hum mancebo Chriftao , e Japonez
hum mance- moftrou nefte mefmo tempo , que a graça de
bo Japonez. Deos póde fazer a hum Chriſtao nao fó def-
prezar os gostos corporaes , mas ainda a
propria vida. Efte mancebo pois no anno
de 1581 , eftando pouco fatisfeito do Se-
nhor , a quem fervia , e reduzido à defefpe-
ração , entrou em hum navio Portuguez, que
voltava para a India , e tomou terra no Rey-
no de Funda, que eftava fugeito ao dominio
dos Mouros a familiaridade , que elle teve
com os infieis , contaminou os feus coftumes
de fórte , que largou a Fé para abraçar a
brutal feita de Mafoma. Hindo alguns Por
tuguezes , que moravao em Malaca , a Fun-
da para comprar pimenta , o Japao , que ti-
nha remorfos na conciencia infopportáveis
foy ao navio , e lhes diffe , que era Chriſtao,
e que antes queria padecer mil mortes , que
viver mais tempo com aquelles infieis. Os
Portuguezes o recebêraó a bordo , refolutos
de o conduzirem a Malaca , e daqui mandá-
lo ao Japao : mas os Caziquis ( affim fao cha-
mados naquelle paîz os miniftros da ley de
Mafoma ) fizérao requerimento ao Rey , pa-
ra que o mancebo foffe reftituído . Mandou

logo o Rey prender trinta Portuguezes , que


negociavao nas fuas terras, e lhes tomou tam-
bem oitenta mil cruzados de fazenda , que
elles tinhao, até que entregaffem o dito man ,
ceboo
do Japao. Liv. VI. 153
cebo. Houve grandes difputas por ambas as
partes , cada huma querendo defender o feu
direito. Vendo porêm o mancebo Japonez o
perigo , em que por fua caula eítavao os
Chriftaós , diffe , que queria hir apresentar-
fe ao Rey , e efperava , que Deos lhe déffe
força bastante para reparar os feus erros ,
dando a vida pela confiflao da Fé. Sahio pois
do navio , em cuja occafiao foy prezo pelos
infieis , e o levárao á prefença do Rey, que
eſtava acompanhado dos feus Caziquis , e de
muitos Miniftros de Juftiça. Perguntárao - lhe,
porque deixára a ley de Mafoma ? Refpon-

deo o mancebo , que por fer Chriftao , e
querer viver , e morrer na Fé de JESU Chri-
fo. Furiofos os Barbaros de ver defprezada a
fua ley, e nao podendo ouvir confeffar aquelle
Dociffimo Nome , ſe lançáraó fobre o Chri-
ftao mancebo , e lhe dérao tantas punhadas,
que fe lhe cobrio de fangue o rofto : como
efte primeiro impulfo da crueldade nao o
fez mudar de propofito ; antes continuava na
confiffao da Fé, pedindo em altas vozes per-
dao a Deos de o ter deixado , lhe déraō
coléricos com hum páo tantas pancadas , que
fe lhe nao ouvio mais palavras , que as
que temos referido. Vendo emfim os inimi-
gos da Fé , que perfiftia firme o Chriſtao na
refolução de morrer , lhe cingirao hum har-
pao de ferro, que o tinha fufpenfo pelo pef-
coço com grande violencia : efteve aflim pre-
zo o mancebo nefte cruel tormento algum
tempo , e nao ceffando ate o ultimo de fua
vida
154 Hiftoria da Igreja
vida de pronunciar o Credo , acabou feliz
mente dizendo: JESUS , MARIA. Os Por-
tuguezes , que affiftiraó á fua morte , nos
participárao efta hiftoria , que bem merece
ter lugar na noffa.
Antes de deixar o Japaó para fazer
Estado da huma viagem á Europa , he jufto , que de-
Religiaō no
Japaó. claremos , em que eftado ficava a Igreja da-
quelles Reynos no anno de 1581. O P. Ale-
xandre Valignano dividio o Japao em tres
partes para melhor comodidade do governo:
a primeira , e principal he a Ilha , onde ef-
tá fituada a nobre Cidade de Meaco. Aqui
havia tres Calas , ou Refidencias de Jefuitas;
huma em Anzuquiama , outra na meſma Ci-
dade de Meaco Y e a terceira em Tacacuqui,
Na Refidencia de Meaco eftavao dous Padres,
e dous Irmaos , que prégavao , e celebravao
os Divinos Myfterios em huma fermola Igre-
ja : na de Anzuquiama eftavao tambem dous
Padres, e dous Irmaos ; hum tinha á fua con-
ta o Curato da melma Igreja , affiftindo a to-
dos os Chriftaos , e Catecumenos ; o outro
Padre enfinava , e inftruia vinte e cinco man-
cebos nobres no Seminario , de que temos
fallado , nas tres linguas , Natural , Latina
e Portugueza. Na Refidencia de Tacacuquí,,
de que Jufto Ucondono era Governador , ef-
tava hum Padre , e hum Irmao : tinha elle
mandado edificar huma bella Igreja , e Cafa
para os Padres , e lhes dava todo o neceffa-
rio para o feu fuftento . Em diſtancia de tres

leguas estava a Igreja de Vocayama , a do


fórte
do Japao. Liv. VI. 155
forte de Imori , e a da Ilha de Sanga , que
dependia defta Refidencia . Duas leguas dif-
tante de Sanga tinha D. Simao Tangando ,
Senhor de Jáo , oito centos vaflallos Chri-
ftaos : deftes havia grandiflimo numero no
Reyno de Amanguche , mas nao tinhao Igre-
ja ; porque o Rey lhes nao permittia fabri-
cála

A fegunda parte do Japao he a que


fe chama Ximo : nefta tinhao os Chriſtaos
mais Igrejas , e tambem a Companhia mais
Cafas. Havia na Cidade de Funay , que he a
capital do Reyno de Bungo , hum Collegio,
e huma Univerſidade , na qual havia claffes
de Artes , e Theologia , e fe doutoravao fo-
lenemente, e tambem aprendiao a lingua Ja-
poneza. Vinte Jefuitas eftavao nefte Colle-
gio. A Cala de Noviciado eſtava em Vozu-
qui , onde o Rey affiftia. No valle de Jú ,
fete leguas diftante , e na Cidade de Nocem,
eftavao duas Calas, ou Refidencias , e deftas
quatro Cafas fahiao todos os Operários Evan-
gelicos , que trabalhavao na vinha do Senhor.
Os mesmos Padres tinhao huma Cafa em Fa-
cata , Cidade do Reyno de Chicuiem , que
pertencia ao Rey de Bungo ; mas tomando
Aquizuqui efta Cidade , deftruîo tudo . O
Reyno de Chicungo , que he contiguo ao
de Chicuiem, nao tinha mais que huma Igre-
ja , de que cuidava hum virtuofo Chriſtao
depois que Riozogi o conquiſtou ; porque nao
permittia aos Jefuitas entrar nella. No Rey-
no de Fiunga , que Riozogi , e Aquizuqui di-
vidirao
156 Hiftoria da Igreja.
vidirao entre fi , eftavao duas Cafas da Com-
panhia ; huma na Cidade de Amacula , e ou,
tra no fórte de Funda . Eftas duas Refiden-

cias tinhaõ á fua conta mais de vinte Igre-


jas. Em quanto á Ilha de Xequi , vifinha á
de Amacufa , tinha huma Igreja compóſta de
mais de cinco mil Chriftaos , que era gover-
nada por hum dos habitantes ; porque o Se
nhor daquella terra nao queria , que os Pa-
dres da Companhia lá refidiffem , fuppofto
lhes permittia vifitálos nos dias mais fo-
lenes fe juntavao na Igreja de Amacufa para
os feſtejarem com a poffivel celebridade.
No Reyno de Gotto nao havia nem
Igrejas para os Chriftaós , nem Caſa para os

Padres depois da morte do Rey D. Luiz ;
porque o tio , e tutor do Principe menor
erao grandes inimigos dos Chriftaos , como
temos dito. O Rey de Firando , ainda que
idólatra , como eftes , permittia , que dous
Padres , e dous Religiofos , que nao erao
ainda Sacerdotes , affiftiffem com as confola
ções efpirituaes a D. Joao feu tio , e a D.An
tonio feu filho .
Em quanto aos Reynos de Omura ,
e de Arima , certamente nelles florecia mais a
Religiao depois do de Bungo . Os Padres ti-
nhao tres Cafas no Reyno de Omura , em
que Reinava D. Bartholomeu a primeira
na mefma Cidade de Omura , a fegunda no
porto de Nangazaqui , e a terceira na Cida-
de de Cori. Deftas tres Refidencias fe vi-

fitavao mais de quarenta Igrejas, e cincoenta


mil
do Japão. Liv. VI. 157

mil Chriftaos , que havia naquelle Reyno.


No de Arima , em que Reinava D. Protásio,
havia tambem tres Refidencias : a primeira
na mefma Cidade de Arima , onde afliftiao
cinco , ou feis Jefuitas , dous dos quaes go-
vernavao o Seminario , em que aprendiao
vinte meninos nobres , e entre elles o filho
do Rey de Fiunga , primo com irmao do
Rey de Arima ; os outros erao todos filhos
dos primeiros Senhores do Reyno . A fegun-
da Refidencia era na Cidade de Aria, que he
mayor que a de Arima e a terceira no por-
to de Cochinozû, célebre pelo feu comercio.
No Reyno de Saxuma , onde o Glo-
riofo S. Francifco Xavier defembarcou , quan-
do , como abrazado Serafim , entrou no Ja-
pao , havia muitos Chriſtaos , a quem vifita-
vao os Padres algumas vezes , mas fem de-
móra fixa ; porque os Bonzos os tinhaõ def-
terrado com authoridade do Rey. Numerá-
vao-le entre todo o Reyno de Ximo mais de
cento e trinta mil Chriftaōs.

A terceira parte do Japao nao con-


têm mais que quatro Reynos , e fó o Rey
de Tofa era Chriftao . Havendo pois o Pa-
dre Valignano terminado a fua vifita , e dif-
pondo-fe a partir para a India , deixou cen-
to e cincoenta mil Chriſtaos no Japao , du-
zentas Igrejas , cincoenta e nove Religiofos
da Companhia , fem contarmos hum grande
numero de mancebos Japonezes doutos , e vir-
tuofos , de que le ferviao para inftruir os
Catecûmenos .
Antes
158 Hiftoria da Igreja
Antes de partir juntou os Padres em
Nangazaqui no anno de 1581 , e nomeou o
P. Melchior de Moura por Provincial , e Su-
perior dos Religiofos, que eftavaõ divididos
pelo Japao , e defpedido delles , ſe embar-
cou para a India , como diremos no livro

feguinte.

FIM

DO LIVRO SEXTO.

HISTO-
159

HISTORIA

DA

IGREJA

DO JA PA Ŏ.

LIVRO VII.

ARGUMENTO.

Res Monarcas do Japaõ mandaỡ Embá-


xadores ao Papa para dar obediencia em
T
Jeu nome. Embarcao em Nangazaqui ,
e correm risco de fe perderem por huma
grande tempeftade . Chegao a Goa , donde
partem para Lisboa , depois de fe demora-
rem na Ilha de Santa Elena . Defcripçaõ
defta Ilba. Sua entrada em Lisboa : vaō a

Evora , onde os recebe o Arcebispo ; e vaỡ


a Madrid , fazendo-lhes o Rey de Hespanha
honras extraordinarias . Vem a Italia , e da-
qui a Roma , onde forao conduzidos_á_au-
diencia do Papa. As Cartas dos tres Reys
do Japao je lêm em publico Confiftorio . Dif
curfo
160 Hiſtoria da Igreja
curfo , que fez no Confiftorio o P. Gafpar
Gonçalves em nome dos mesmos Reys, e Em-
báxadores . A Repofta do Senhor Antonio Bo-
capaduli em nome do Papa aos Embaixadores.
Honras, que lhes fizerao em Roma. Morte
de Gregorio XIII. Xifto V. fuccede no Pon-
tificado : moftra grande affecto áquelles Se-
nhores Fapões : tomao a benção ao Papa , e
pallao a Veneza. A Senhoria os recebe com
grande magnificencia . Palao por Mantua ,
e Milao , e embarcao para Genova . Vaõ pa-
ra Madrid , donde , cortejado o Rey Catho-
lico , partem para Lisboa , e nefte porto em
barcao para a India. Chegao a Goa , e de-
pois ao Fapao. Fruto , que tirarao os Em
baxadores defta jornada.

EMBAXADA , que tres Reys do


Tres Reys do
Japaō man- Japao mandárao ao Vigario de
dao dar obe-
Chrifto o Papa Gregorio XIII .
diécia ao Pa-
pa por feus A he tao célebre , e famofa , que
Embáxadores
merece lhe dêmos lugar neſta
Hiftoria : pelo que deixamos agora o Japað,

para acompanharmos os feus Embáxadores a


Roma .

D. Francifco Rey de Bungo , D. Pro-


táfio Rey de Arima , e D. Bartholomeu Rey
de Omura, fabendo, que o P. Alexandre Va-
lignano tornava a Europa para paffar a Ro-
ma a dar conta ao Reverendiffimo P. Geral
da Companhia de JESUS do que tinha feito
na Vifita , que lhe encarregára do Japao , re-
folvêrao
do Japaō. Liv. VII. 161
folverao entre fi mandar em fua companhia
alguns Senhores da fua familia para dar em
feu nome obediencia ao Papa Gregorio XIII ,
Cabeça da Igreja Univerfal , e beijar-lhe o
pé. P. Alexandre lhes approvou muito a
refoluçao , julgando produziria grandes ef-
feitos o primeiro , que vendo os Principes
da Europa , e os Padres da Companhia hum
final do espirito , natureza , e valor dos ha-
bitadores do Japaó , julgaſſem naõ era in-
util a fadiga dos que cultivavao aquella ter
ra , defamparada por tantos feculos. O fe-
gundo , que os mefmos Embáxadores , vol-

tando para a fua pátria , contariaó , como


teftemunhas de vifta , a magnificencia da
Igreja de Roma , poder , e mageftade_dos
Soberanos da Europa , e grandeza dos Rey-
nos , que eftao fugeitos ao império de JESU
Chrifto .
Efte teftemunho era tao neceffario ,

quanto difficultofo de perfuadir aos Japões,


que houvéffe terra no Mundo, que com a fua
pudéffe ter comparaçao , nem Naçao , que os
igualaffe no animo , valor , e deſtreza : por-
que ainda que os Padres lhes contaffem cou-
zas maravilhofas da Europa , parecia lhes im-
poffivel , que fendo affim , deixaffem hum
paîz tao bom, e deliciofo , renunciando tan-
tos bens , e prazeres , de que podiao licita-
mente gozar , para hir ao fim do Mundo
paffar a vida entre pobreza , e perseguições ;
e fómente teftemunhando com os proprios
ólhos a verdade , viriaó no conhecimento ,
Tom . II. L de
162
Hiftoria da Igreja
de que por lhes introduzir a de que neceffi-
tavao para a falvaçao, fe expunhao a tan-
tos trabalhos . Suppofta efta razao , foy para
o Padre fummamente goftoza al companhia
dos Embáxadores , que por parte do Rey D.
Franciſco foy D.Manfio feu fobrinho , filho do
Rey de Fiunga , Principe de idade de dezefeis.
annos ; mas fabio, e entendido mais , do que
eftes muitas vezes promettem . Por parte dos
Reys de Arima , e de Omura foy D. Miguel
Cingina , fobrinho de hum , e primo com
irmão do outro. Era de idade igual ao pri-
meiro e nada menos diftinto pelas prendas
naturaes, acompanhadas de hum afpecto tao
mageftofo, que fe dava a conhecer a fua grans
deza fó com attendélo . Eftes eraõ as Cabeças
da Embáxada , e as fegundas Peffoas eraõ eftes:
D.Juliao Nacoura, e D. Martinho Fara , am-
bos mancebos , e Senhores de grande quali-
dade , e quafi da mefma idade.
Nenhum teve difficuldade em fe ex-
pôr a tao perigofa viagem : mas fuas mays ,
que erao viúvas, e tinhao eftes filhos unicos ,
nao podiao confentir em huma tao dilatada
aufencia , e trabalhofa navegaçao , em que
hiaō expóftos aos trabalhos infalliveis de jor-
nada até entao nao experimentada de nenhum
Japao ; mas os Principes defejofos de ver o
Papa , e a Chriftandade da Europa , moftrá-
rao tão grande empenho na licença, até que
vltimamente fe lhes concedeo . Chegado o
dia da partida , no ultimo a Deos forao tan-
tas as lagrimas , e tao violenta a dor , que
huma
do Japao. Liv. VII. 163
huma dellas efteve em perigo de vida pela
grande enfermidade , que lhe fobreveyo :
confolarao-fe porêm com a promeffa , que lhes
fez o P. Alexandre de nao os apartar de fi ,
e de os reconduzir elle meímo ao Japao .
Levou comfigo hum Padre , " e hum Irmao
que tivéllem delles cuidado na viagem; e
julgou nao convinha grande acompanhamen
to , como ufao no Japao , affim pelo dilata-
do do caminho , fugeito a tantos perigos de
mar , e terra , e encontro de corfarios , co-
mo pelos Principes infieis , que os poderiaó
cativar , vendo-os acompanhados de grande
equipagem , por quererem afiançar os feus
interefles no relgate , que por elles fe offe
receria , como peffoas de grande diftinção) :
e affimP fó lhes permittio trazerem alguns Pá-
gens para o ferviço doméstico .
Embarcáraó pois os Embáxadores em Embarcaō -fe
Nangazaqui no navio de Ignacio de Lima , en Nanga-
› zaqui..
que era muy cordeal amigo dos Padres , e
Jhes cedeo "logo a fua propria camara . Dé
rað á véla em 22 de Fevereiro de 1582 : ao
principio tivérao vento favoravel ; mas de-

pois de alguns dias foy tao furiofo , que fe
virao obriga dos a colher as vélas : fendo
tao impetuoza a furia dos mares , que o Pi-
loto defconfiava já do remedio .
He mais facil de comprehender , que
de explicar a dor , que fentia o P. Valigna
no , vendo em tao manifefto perigo os qua-
tro Embáxadores " a ponto de naufragarem
nos mesmos mares do Japao , quaſi á viſta
L 2 dos
164 Hiftoria da Igreja
dos feus Nacionaes , que efcarmentados defta.
infelicidade , nenhum mais emprenderia fe-
melhante jornada. Reprefentavafe- lhe viva-
mente a afflicçaõ daquellas mays , a defcon-
folaçao da Chriftandade , o gofto, que reful
taria aos Bonzos daquelle accidente , e as
vozes , que efpalhariaó por toda a parte ,
de que os feus Deoſes tinhao caftigado aquel-
les Principes , por largar a Religiaó dos feus
antepaffados : e fobre tudo o movia a laſti-
ma a vifta daquelles Principes, que nao coftu-
mados a femelhantes perigos, enao le poden-
do fuftentar em pé pela violencia dos balanços
da náo, eſtavao deitados na coberta esperando
por inftantes a morte, que julgavao inevitavel.
Confolava-os o Padre com i a esperança de
huma vida melhor fem comparação , que a
que eftavao para perder : exhortava-os a pôr
a fua confiança em Deos , que poderofo era ,
fendo conveniente á fua falvaçao , para li-
vrálos de tao grande perigo , e os perfua-
dia a fazer fervorofa oração a Deos. Ouvio
finalmente os feus rógos ; porque depois de
feis dias de tormenta desfeita amainou o
vento , o mar fe aplacou , e ficou em bonan-
ça tanto fufto , de modo , que com feliz via-
gem dallî por diante chegárao dezeſete dias
depoîs a Macáo , Ilha do Reyno da China ,
conquiſta entao dos Portuguezes , a quem no
anno de 1668 a tirou o Imperador da Chi-
na. O Bispo, o Governador , e todos os mo-
radores da Cidade recebêrao eftes Embáxado-
res com muito eftrondo de artilheria , e inf-
trumen-
do Japão. Liv. VII. 165
trumentos béllicos , e os Padres da Compa-
nhia os hofpedárao no feu Collegio , onde
ſe demorárao nove mezes efperando , que
os navios partiffem para a India , o que naố
fuccede mais que huma vez no anno ; e nef-
te tempo aprendêrao a lingua Latina , e
Portugueza , e tambem o nollo modo de ef-
crever acabando de fe aperfeiçoar no de-
curso da viagem .
Chegando o tempo da partida efta Viagem de
vao promptos tres navios , e cada hum dos Macão a Ma-
laca , e peri
Capitães com defejo de levar os Principes :
go, que tive
o navio de Ignacio de Lima parece tinha mais raō,
jus pelos ter conduzido até allî , e estarem
os mefmos Principes muito agradados da ur
banidade , é cortezania do Capitao Lima ;
mas havia outro muito mayor , e com me-
lhores cómodos : todos erao de parecer , fe

preferiffe na escolha ; porêm como o P. Va


lignano nao refolvia couza alguma fem o
haver bem recomendado a Deos , depois de
fazer oraçao , diffe contra a expectaçao de
todos , que elle havia continuar a viagem no
mefmo navio , em que a principiára. O fuc
ceffo moftrou , que Deos lhe infpirára eſta
refolução. Para confolar o Capitao do ou-
tro navio mayor , confentio que nelle fe em-
barcaffem dous Padres da Companhia.

Partirao pois de Macáo no ultimo


de Dezembro de 1582 com vento favoravel ;
mas crefcendo a pouco efpaço , foy necefla-
rioamainar as vélas ; porque o navio era
pequeno , e hia muito carregado : os outros
Tom . II. L 3 dous ,
166 Hiftoria da Igreja
dous , que erao poffantes , aproveitárao-lè
do vento , que foprava pela poupa , com
vélas foltas paffáraó adiante , o que foy cau-
fa da fua desgraça ; de fórte , que fe póde
dizer deſta viagem do mar , o que S. Paulo
diz da do Ceo , que o fucceffo naõ depen
de tanto do que corre , e quer , como da
mifericordia de Deos.
Com effeito hum furacao de vento
voltou a lancha de hum dos navios , em que
eftavao dezefeis marinheiros , que fe afogá
rao , e ſe ſe nao cortaffe com promptidao o
cabo , que a tinha preza ao navio , fem du-
vida tambem fe perderia efte : porêm naố
evitou o naufragio por muito tempo ; por→
que avifinhando-fe a Malaca , deo em hum
baixo , onde infelizmente naufragou . As fa
zendas , que fe avaliárao em hum milhao e
meyo de cruzados, perecêrao, parte nos ma-
res , e a outra parte cahida nas maós dos
Barbaros. Os homens fe falváraó quafi to-
dos os dous Padres, da Companhia chegáraó
a terra com os outros ; mas hum delles, que
eſtava muito doente dos trabalhos da viagem,
e tempeftade , morreo entrando em Malaca.
Nefte mefmo tempo o navio , em
que vinhao os Embáxadores, que ficou atrás ,
eftava tao mal tratado dos ventos , que o

Capitao , nao achando já remedio humano ,


veyo confeffar-se com o P. Valignano , e lhe
diffe , que fó Deos os podia falvar de feme-
lhante perigo. Todos fe puzéraó logo em
oraçao , o Padre , e os Principes , pedindo
a Deos
do Japao. Liv. VII. 167
a Deos os livraile ; pois faziaó aquella via-
gem fómente pela exaltaçao do feu Santiffi-
mo Nome , e estabelecimento da fua Igreja.
Quvio piedolo o Senhor eftas fupplicas ; por-

que logo pouco depois ceffou o vento rijo , e


contrario, e fe poz tao favoravel, que dentro
em muy poucos dias defcobrirao terra. Vi-
rao correr pelas ondas muitas táboas , e fa-
zendas , por onde entenderaó , que o outro
navio tinha naufragado .

Quando fe julgavao já fóra de peri-


go , entráraó em outro mayor. Ha hum ef-
treito entre Malaca , e a Ilha de Sumatra ,
chamado o Estreito de Linga Pura , que hé
o paffo mais perigofo de todos os mares do
Oriente ; porque alem de nao ter mais lare
gura, que a de hum tiro de pedra , e cheyo
de bancos de area, e elcolhos , o rápido de
fuas agoas defvia os navios da pequena ve-
reda , que tem livre , e com facilidade ca-
hem nos bancos da area , ou nos cachopos :
pelo que bem fe póde dizer com verdade ,
que paffáraó por entre Scylla , e Charybdes.
Daqui vem , que nenhum Piloto fe atreve a
paffar por cfte lugar , fenao fendo altos os
mares ; e fe fuccede errar-lhe as medidas , in-
fallivelmente fe perde.
O navio dos Embáxadores teve eſta
defgraça ; porque nao havendo agoa fuffici
ente , encalhou na arêa , em que ficou prezo.
Aqui foy geral a confternação dos paffagei-
ros , que fe augmentou , vendo o outro na-
vio grande defpedaçado na area. Porêm ani
L 4 molos,
168 Hiftoria da Igreja
mofos , e confiados em Deos , a quem fervo-
rofamente fe encomendárao , puzérao páos
fobre os penedos , e fufpendêrao o navio ,
efperando , que crefceffe a maré para o fa-
zer nadar ; o que com effeito fuccedeo pe-
la mifericordia de Deos , que os tirou da-
quelle tao evidente perigo , e chegáraó a Ma-
laca no fim de Janeiro de 1583 .
Nao fe detiverao aqui mais que qua-
Chegao de-
pois de hu- tro dias , por nao perder o tempo opportu
ma molesta no da navegaçao. Como efta coftuma fer fó
viage a Goa: de hum mez , nao fe fazem demafiadas pro-
vifoes para a equipagem : mas fobreveyo hu-
ma tao grande calmaria , que eftivérao mui-
tos dias fem poder navegar : e como os ca
lores erao grandes , muitos paffageiros cahi-
rao enfermos , entre os quaes foy hum D,
Manfio , e o P. Mefquita , que era o Inter-
prete , e Mestre dos Embáxadores . D. Man-
fio tinha huma fébre tao violenta , que em
poucos dias entrou em grandes delirios , jul
gando todos o perigo evidente : o Padre pa
decia a mefma fébre maligna , que lhe du-
rou mez e meyo ; e o que accrefcentou o
trabalho , foy faltar a agoa doce , fendo pre-
ciſo ao Capitao tomar a chave , onde ella ſe
guarda , como fe coftuma fazer em feme-
lhantes occafiões ,
e a diftribuîa cada dia em
bem pouca quantidade . Continuando a cal-
marîa , e augmentando-fe a fede , fe refol
vêrao muitos a beber agoa falgada , que em
lugar de lhes mitigar a fede , lhes avivava
mais a leccura , matando a muitos , ou tra-
tando-os
do Japao. Liv. VII. 169
tando- os muito mal ; o que tudo duplicava
a affliçao , e o tormento .
Nefta grande miferia pois recorrêrao
a Deos , que ouvindo piedofamente os feus
rógos , fe levantou logo hum vento fresco ,
que os levou á Ilha de Ceilao , onde pudé-
Fao fazer agoada ; mas temendo lhes faltaffe
aquella arágem , que Deos lhes concedia , con-
tinuárao a derrota , e com o mefmo ventò
forao deſcahindo para Cóchim , ou Coulao,
diftante de Cóchim dezoito leguas . Eftes
dous pórtos erao entao dos Portuguezes , e
por noffos peccados os poffuem agora os
Hollandezes . Refrefcou mais o vento , e o
navio levado da corrente do mar hum pou-
co contra o Setentriaó , fe acháraó na Cofta
da Peſcaria junto de Travancor : mas como
nao fe aviſtava , era facil enganarem fe; por-

que aquelles lugares eftao quafi na meſma al-


tura : e como continuáraó a derrota , avifi-
nhárað-ſe aos baixos de Colay , famofos pe-
-los naufragios , que nelles tem fuccedido ;
e julgando-fe perdidos , porque nem podiaổ
voltar , por lhes foprar rijo o vento por
poupa , nem continuar por diante pelo peri-
go de dar nos cachópos , porque achárao ,
que havia fó quarenta braças de agoa , efte
novo perigo os poz em grande confternaçao;
porque á medida do movimento do navio
fe hia diminuindo a altura .

Nefta affliçao conhecêrao certamen-


te , que eſtavao na Cófta da Peſcaria vifinha
a Trincambar ; o que de alguma forte os con-
folou.
170 Hiftoria da Igreja
folou . O P. Valignano pedio ao Piloto dei-
taffe a ancora , vendo o perigo , em que ef
tavao mas efte duvidava lançala dizendo ,
que o deitála naquelle lugar nao era de fe
gurança alguma ; pois o fundo tinha pedras
tao agudas , que nao havia amarra tað groß
fa , que nao foffe cortada. Porém que fazeis
vos replicou o Padre ) nefte cafo , fe em
tudo reconheceis perigo ? O Capitao movido
deftas razões mandou lançar a ancora : eo
P. Valignano mandou logo a Trincambar ,
que fica diftante defte lugar cinco , ou feis
leguas , dar avifo da fua chegada aos Padres
da Companhia . Viérao elles com toda a
promptidao foccorrêlos com refrescos , que
reftituîrao os alentos , e forças a todos os
navegantes ; e julgando , que os Embáxado-
res neceffitavao de defcanço, os metêrao em
huma barca, que os levou a terra , hindo os
Padres Pjuntamente com elles para celebrar
a feſta da Paſcoa , porque eftavao na femana
Santa. Na noite feguinte fe quebrou a amar
ra , e fem duvida pereceriao nos escolhos ,
le lhes nao acodiffem promptamente com
outra , que estava de referva ; e affim efcapá-
rao do naufragio , em que fe conheceo bem
a providencia de Deos , para quem devéras
fe lhe entrega , e fe vio o empenho , que o
demonio tinha de embaraçar eſta viagem ,
de que receava tanto dano.
1
Paffada a fefta , foy de parecer o P.
Valignano , fe dilataffem algum tempo na
Refidencia de Tutocorim , e de conduzir por
terra
do Japão. Liv. VII. 171
terra a Coulao os Embáxadores . Dous Padres
fe embarcárao outra vez , e o navio fe poz
A
ao largo , tanto que fe mudou o vento , e
foy navegando para Cóchim : os noffos Ém-
báxadores fe achárao fem cómodo algum pa!
ra a viagem por terra ; porque naquella cofta
nao ha mulas , nem cavallos , e ſo ſe ſerveni
de huma efpecie de liteira , ou palanquim
que levao ás coftas quatro Indios , e cami-
nhao com tal velocidade , que vencem no
dia oito , e dez leguas . Os Embáxadores fé
fervirao deftes palanquins , e chegárão final
mente a Coulao , onde paffarao huma noite
no Collegio dos Padres da Companhia. No
dia feguinte embarcárao de novo para hir
a Cóchim , que he diftante quafi trinta le
guas de Coulao , onde chegárao no mez de
Abril do anno de 1583. O navio , em que
hiao os Padres , tomou terra quafi no mef-
mo tempo , e fe virao conftrangidos a in²
vernar naquelle lugar por espaço de feis me
zes , efperando a Primavera , que começa no
mez de Setembro. Logo que chegou efle tem-
po, ſe fizéraó á vela , e chegárao com vento
em poupa dentro em vinte dias a Goa.
D. Francifco Mafcarenhas , que en

tao era Vice-Rey da India , recebeo os Em-


báxadores com toda a pompa, e magnificen-
cia poffivel : abraçou-os ternamente , e lhes
lançou huma cadea de ouro ao pescoço , da
qual pendia hum Relicario preciofo. O Ar-
cebilpo de Goa , e toda a Cidade , princi-
palmente os Padres da Companhia , moſtra-
таб
172 Hiftoria da Igreja
raó extraordinaria alegria , tazendo cumpri-
mentar os meímos Embáxadores por todos
os Estudantes ; o que lhes deo exceffivo gosto.
Eftivérao hum mez no Collegio, ef
perando monçao para Portugal. Neite tem
po perdeo o P. Valignano a esperança , que
tinha de conduzir os Embáxadores a Roma
para os apresentar ao Papa , e informar ao
P. Geral Claudio Aquaviva do estado da Chris
standade do Japao ; porque recebeo do mef-
mo P. Geral huma Carta , na qual lhe manda
va ficar na India exercitando o emprego de
Provincial. Obedeceo promptamente , e deo
todas as fuas inftrucções ao P. Diogo de Mef
quita , que vinha na fua companhia , e ao
P. Nuno Rodrigues , que os devîa conduzic
a Roma. Os Principes fentirao com exceſſo
a feparação de tao bom Padre ; mas o que
The fuccedeo, fatisfez tao bem a fua obrigas
çao , que fez menos fenfivel aos Embáxado-
res a ausencia do P. Valignano .

A fua viage Eraó já paffados dous annos, que os


de Goaa Lis. Embáxadores tinhao partido do Japaō, quan-
boa. do embarcarao para Lisboa. O Vice- Rey D.
Francifco Mafcarenhas lhes deo fete mil e

quinhentos cruzados para a viagem , e de


cinco náos, que partirao , efcolheo á mayor,
e mais forte, chamada Santiago, para os tra-
zer. Empregou mais dous mil cruzados em
fazer duas grandes , e bem concertadas_ca-
maras para hirem melhor acomodados . Par-
tirao emfin no dia 20 de Fevereiro do an-
no de 1584.
A na-
do Japão. Liv. VII. 173
A navegação foy a mais feliz , que
podiao defejar ; porque fempre tivérao ven-
to prófpero , e favoravel. Paffáraó a Linha
a nove de Março fem tempeftade , felicida
de bem rara naquelles mares : e para final cer-
to, de que nao era efte fucceffo effeito da efta-

çao , nem da temperança dos áres , as quatro


nàos, que tinhao partido com elles , tivérað
grande trabalho na mesma parte , e ficàrao
muy mal tratadas de huma tormenta. Paffa-
da pois a Linha com tanta felicidade , acal-
mou o vento , e ficàrao parados quinze dias
fucceffivos, receando fer-lhes preciſo inver-
nar em Moçambique , fe efta fufpenfao con-
tinuaffe. Nefta anguftia porêm acodio Deos
mifericordiofamente , para que fe conhecef-
ſe era a fua providencia , quem dirigia eſta
viagem : porque de repente foprou o vento ,
a que os navegantes chamao geral, com que
em poucos dias recuperàrao , quanto tinhao
perdido com a calmarfa. Em 10 de Abril
pafláraó a Cofta de Natal , terra de Africa ,
habitada de Cafres, e temida dos navegantes
pelas tempeftades , que fempre ha naquelles
mares, fem as experimentar a noffa nào: paf-
fou o Cabo de Boa eſperança aos 10 de Mar-
ço, e com vento propicio chegou felizmente
å Ilha de Santa Elena, onde os navegantes el-
tivéraó algum tempo para buscar refresco ,
e defcanfarem de tao perigofa viagem .
Efta Ilha he hum milagre da nature. Defcripção
za , tanto pela fertilidade , como pela fua da Ilha de S.
Elena.
fermotura. Tem treze leguas de circuito ,
confór-
174 •
Hiftoria da Igreja
conforme diz Brandao , ainda que outros Au-
thores lhe daō fete , e alguns tres . He fitua
da no meyo do grande Oceano da Ethiopia ,
que he notavelmente profundo : levanta-fe do
profundo do mar efta Ilha , como hum na-
vio fluctuante , ou como huma cafa , que Deos
firmou no meyo dos mares.com fundamen-
tos tao fólidos , que nem o rápido das cor-
rentes , nem o impetuozo dos ventos , nem
os golpes furiofos das ondas fao poderofos
contrarios para a demolirem por alguma par-
te . Deos a collocou no meyo daquelles ma-
res para fervir de alivio , ou para melhor di-
zer , de eftalagem aos navegantes , que vem
da India , que todos allî deitao ancora para
fe refrigerar de tao penoza navegaçao .
He fituada em diftancia de trezentas

e cincoenta leguas do Cabo de Boa efperan


ça , e quinhentas e déz do Brafil , que he a
terra mais vifinha em dezeſeis gráos de La-
titude meridional. Foy defcoberta por hum
Portuguez no anno de 1502 , e no dia de
Santa Elena , de quem tomou ò nomé , e ef
tá toda cercada de grandes rochas , que fe
levantao fobre as agoas de fórte, que fervem
como de terrapleno contra a violencia dos
ventos . Dentro da Ilha fe vêm grandes mon-
tes , e fermofos : valles , entre os quaes fe
aventajao quatro , que fao banhados por qua
tro rios , que vao defagoar ao mar para a
parte do Setentriao .
O ár he muito falutifero , e tempe-
rado , de fórte , que os enfermos , que tra-
zem
do Japao. Liv. VII. 175
zém ordinariamente os navios , apenas che-

gao a terra , quando recupéraó logo faúde.


Tem porto grande , cómodo , e cercado de
rochedos : o terreno he fecco, e árido ; mas
como ordinariamente chove todos os dias ,
e logo lhe fobrevem o Sol , he copiofamen-
te fecundo. A'lem difto , tem quantidade de
fontes de agoa doce , eftando no meyo do
mar falgado , e muitos rios , que cayem dos

montes ; porque , como fao muy batidas ,


fao excellentes as agoas .
Nos bofques defta Ilha fe criao la -
ranjas , cidras , romas , figos , e outras fru-
tas excellentes nao fe achao em toda a ſua
circumferencia féras , como leões , urfos , lo-
bos , e tigres , e menos áves de rapina , fer-
pentes , e outros animaes ferózes , e vene-
pózos pelo contrario , os montes " e bof-
30
ques eftao cheyos de viados , cabras , lébres ,
javalis ; e os valles produzem toda a fórte
de legumes.
Antigamente nao era habitada nem
de homens , nem de animaes : até que hum

foldado Portugues , que vinha da India , def-


cobrindo aquelle lugar tao ameno , e longe
do comercio humano , fe refolveo ficar nel-
le para fazer penitencia o refto da ſua vida.
Os companheiros lhes deixárao algumas ca-
bras , gallinhas , lébres , e outros animaes ,
que no navio levavao , e grande cópia de
trigo , que elle femeou , e frutificou de ma-
neira , que ha baftante para refresco dos na-
vios , que dao fundo nefta Ilha.
O Rey
176 Hiftoria da Igreja
O Rey de Portugal informado da
bondade , fertilidade , e cómodo defta Ilha,
prohibio a todos demorar-fe nella mais que
o tempo precifo para tomar alento para o
refto da viagem , è affim ficaffe livre ao ufo
de todos : até que os Inglezes fe apoderáraó
della ha annos a efta parte , e fabricàrao hu-
ma fortaleza , que lhes fegura a poffe , que
injuftamente tomàrao ; porêm fempre lhes
ficou hum lugar , onde ſe juntaó todos os
navios de Portugal para irem em conſerva
feguros dos corfarios .
Quando a nào dos Embáxadores che
Vem hum
genero de ex- gou a efta Ilha , havia dous dias , que as ou
quifitos pei- tras nàos tinhao dallî partido ; o que muito
xes. os affligio : e porque lhes foy preciſo demo-
rarem -fe onze dias , fe entretivéraó no diver-

timento da pesca , e da caça , que de huma,


e outra couza he a Ilha muito abundante .
Tivérao o mesmo divertimento no resto da
viagem ; porque ainda que a nào foffe a pan-
no largo , viao hum numero quafi infinito de
peixes , que nadavao em feu feguimento com
a mefma velocidade ; ou porque o mesmo
movimento , que fazia a nào na agoa os at-
trahiffe ; ou porque os paffageiros lhes dei-
tavao alguns pedaços de bifcouto , e outras
couzas femelhantes : ou finalmente , porque
os muitos naufragios , que allî tem aconte-
cido , os tinhao feito defejofos de carne hu-
mana . O que porêm cauſou mayor goſto aos
naveg antes , foy ver hum genero de peixes
muito particular , e exquifito . Tanto que fe
paffa
do Japao. Liv. VII . 177

paffa a Linha , fe cobre o mar de duas efpe-


cies de peixes : huns , que voao pelos áres ,
e poriffo fe lhes chama peixes voadores ; ou-
tros , que nádao na fuperficie da agoa , e fe
lhes chama bonitos , os quaes fao inimigos
mortaes dos voadores : eftes faõ quafi tao
compridos , como os arenques , mas algum
tanto mais delgados : as barbatanas , ou ázas,
fao muito eftreitas, e compridas, e a cauda
fubtiliffima, e aguda ; de modo , que quafi le
affemelha á dos morcegos, e he peixe delica-
diffimo, e faborozo. Os bonitos fað gróffos ,
como o atum, e fem efcama ; a pelle he ver-
de, e tao liza, como vidro ; a cabeça aguda,
e nao tem espinhas, mais que a do meyo, co-
mo o falmao: quando cozidos , equivóca o
feu fabor , e cor com a de vitela , e he o
mayor regálo dos navegantes . Eftes bonitos,
como tenho dito , fazem guerra aos peixes
voadores , e os perfeguem tao vivamente ,
que le vêm obrigados a fahir do mar , vo-
ando fobre a agoa para fe livrarem daquelle
perigo : porêm aqui encontrao outro mayor;
porque eftes pobres animaes fao como os
coelhos na terra, que fao perfeguidos dos ho-
inens , das féras , e áves de rapina : porque
apenas eftao fóra da agoa , fe lançao fobre
elles as áves de rapina ; e quando nao ha ef-
tas , féccaōfe - lhe as ázas de forte , que na
turalmente ſe tornao a banhar no mar , pa-

ra que com efte novo alento tomem fegundo


vôo da altura de huma lança : mas os boni-
tos, que os feguem com a vifta , cayem fo-
Tom. II. M bre
178
Hiftoria da Igreja
bre elles tanto que mergulhao , e facilmente
os apanhao. He tao grande a quantidade def-
tes peixes , que fórmao huma nuvem fobre o
mar muy efpeffa , e muitos daỡ nas vélas
dos navios , livrando affim aos marinheiros
do trabalho de os pefcar .
Quanto aos bonitos , os apanhao ou
com fifgas, harpéo, ou com anzol, que pren-
dem na extremidade de huma cana de pef-
car , pondo the por ifca alguma couza , que
arremede o feitio dos peixes voadores ; e al-
fim levados os peixes bonitos da lua natural
antipatia , fe lançao ao anzol , e ficao pre
ZOS. Os Embáxadores tivérao por muitos
dias o divertimento defta caça , álem do gof-
to de ver variedade de áves , que pouzavao
C
fobre os maftros da não , e ás vezes fobre
as cabeças, e coftas dos mesmos navegantes ,
ou porque nao temiao os homens , não os ten-
do nunca vifto ; ou porque canfadas de voar
fobre aquelle vafto Oceano, vinhao defcanfar
á náo , onde as apanhavao á mao com mui-
ta facilidade.
Efta caça era muy deleitavel ; mas a
Chega os
Embaxadores dos corfarios , que correm aquelles mares ,
a Lisboa. tirava em grande parte o gofto a efte diver-
timento. Para evitar o encontro delles , che-
gou o Piloto até quarenta e tres gráos de
Latitude Setentrional ; mas o frio , que re-
cebêrao neſte fitio , matou trinta e tres pef-
foas . Os Embíxadores porêm nao experimen-
táraó incómodo algum ; e nao fó nifto fe re-
conheceo a providencia Divina , que os pro-
tegia,
do Japaỡ. Liv. VII. 179
tegia , mas em os livrar de huma efquadra
de corfarios , que appareceo , e fem fe faber
a caufa pallou pela nofla náo fem lhe fazer
dano algum ; de modo , que o Piloto admi
rado delta tao feliz viagem dizia , que em
toda fua vida nao tinha feito viagem nem
mais divertidal , nem mais feliz. Chegáraó
finalmente a Lisboa a 10 de Agoſto do anno
de 1584.

As quatro náos , que tinhao paffado Como foraŭ


adiante , déraō noticia , que os Embáxado- Lisb
recebidos
oa. em
"
res eſtavao tao perto , que brevemente che-
gariao ; cuja noticia deo tempo de fe pre-
pararem para os receber com extraordinaria
pompa mas abrindo as Cartas do P. Vali
gnano para os Religiofos da Companhia ,
acháraó recomendava , que nao recebeffem
os Principes com muita pompa ; ou por nao
caufar ciúmes em alguns efpiritos , invejo-
fos da gloria da Companhia ; ou porque os
Principes , canfados de tao larga viagem ,
neceffitavao mais de defcanfo , que de rece-
bimentos luftrofos.

OP. Geral da Companhia tinha có-


municado ao Papa o voto do P. Valignano :
porêm S. Santidade foy de diverfo parecer ,
e ordenou , que por todas as partes , por
onde paffaffem , foffem recebidos com a ma-
gnificencia poffivel . Porêm como eſta ordem
do Papa nao tinha chegado ainda a Lisboa ,
fe feguio aqui o parecer do P. Valignano, de
modo , que fó os Padres da Companhia fo-
rao em efcaléres buscar os Embáxadores , e
M 2 OS
180
Hiftoria da Igreja
os conduzir ao pelo Tejo á Cidade , e daqui
á Cala Profeffa de S. Roque. Ainda que en-
trárað ſem pompa , ficárao muito admirados
de ver efta grande , e nobre Cidade , nao
tendo visto até áquelle tempo outra feme-
lhante .

No dia feguinte os Embáxadores fo-


rao vifitar o Cardeal Alberto , Archiduque
de Auſtria , e Governador do Reyno , e lhes
offerecerao huma taça de unicórnio , guarne-
cida de prata , de que efte Principe le agra-
dou muito , e lhes offereceo tambem com
Real generofidade tudo , o que foffe preciſo
tanto para as fuas peffoas , como para a
Christandade do Japao. Dilatáraō-ſe neſta Ci-
dade alguns dias para defcanfar , e outros
para ver os feus magnificos templos , e fum-
ptuofos palacios ; e fobre tudo a mageftade,
e grandeza, com que fe celebravao os Divi-
nos Officios ; couza , que lhes fez conceber
tao alta idéa da Religiao Chriftá , que nao
podiao exprimir o gofto , que tinhao de a
ter abraçado .
Partem para No dia 5 de Setembro partirao para
Evora
rec fao Evora , cujo Arcebifpo os tinha mandado
, e pe-
ebidos
do Arcebispo. Cumprimentar por hum dos feus Gentisho-
mens , logo que chegáraó a Lisboa . No cami-
nho achárao hum coche do mefmo Arcebif-

po , e nelle entráraó em Evora. Acompanha-


vao aos Principes fómente os Padres Mesquita,
e Moraes ; porque o P.Nuno Rodrigues tinha
partido por mar para Roma a dar noticia
ao Papa da fua chegada. O Arcebispo lhes
offere-
do Japao. Liv. VII. 181
offereceo o feu palacio ; mas fabendo , que
queriao fempre ficar nos Collegios da Compa-
nhia, os foy vifitar áquelle Collegio , e os de-
teve perto de oito dias , fazendo-os ver em
todos as couzas mais particulares da Cidade,
e querendo , que foffem fervidos pelos feus
Págens , e com a fua copa.
No dia da Exaltaçao da Santa Cruz,
que he a fefta daquella Cathedral , os convi-
dou a affiftir aos Divinos Officios , que fe
celebráraō com a poffivel mageftade, e igual
devoção. O concurfo do povo foy tao gran-
de , qne nao cabia na Igreja , fendo tao am-
"
pla: huns choravao de alegria , outros lhes
davao mil bençaós , e todos moſtravao por
vários modos o contentamento de ver efte
triunfo da Fé. Acabados os Officios Divinos ,

• Arcebispo os convidou para jantar, e lhes


moftrou a fua Capella , offerecendo - lhes o
melhor , e o mais preciofo, que havia nella.
Aos 15 de Setembro partirao para o Duque dé
Villa Viçosa , domicilio entao dos Sereniffi- Bragança os
recebe em
mos Duques de Bragança : efte Principe , e
VillaViçosa,
a Duqueza fua May , Prima com Irma de
Filippe II Rey de Hefpanha , recebêraó com
grande magnificencia os Principes Embáxa-
dores , e lhes mandàrao os feus coches mais
de huma legua a esperálos com todos os Ca-
valheiros da fua Corte , e a mayor parte da
Nobreza da Villa ; e o mesmo Duque os ef-
perava com tres Irmaos feus em hum Con-
vento , que fica fóra da Villa , donde os con-
duzio para o feu palacio ; e os dias, que allî
Tom. II. M 3 fe
182 Hiftoria da Igreja
fe detivérao , gozàraó muitas vezes do di-
vertimento da caça na grande Tapada daquel-
la Sereniffima Cafa , célebre pela extenfao ,
e quantidade de gamos , e outra caça , que
nella ha em abundancia : e em outros dias

houve muitos jógos , e torneos , com que


paffarao alegres , e mais com huma engenho-
fa graciofidade da Duqueza , que agora di-
rey. Mandou efta Princeza pedir aos Emba-
xadores the empreftaffem hum dos feus vef-
tidos ; e mandando-lho elles , fez logo cor-
tar hum femelhante de brocado de ouro pa-
ra veſtir o feu fegundo filho , que fe chama-
va D. Duarte , e depois convidou os Em-
bàxadores , para que viéffem ao feu palacio
ver hum Cavalheiro Japonez. Admirados fi
càrao elles da novidade ; mas vendo , que

era o Principe veftido ao feu modo , ti-


vérao dito grande defvanecimento , de que
hum Principe de Europa ufaffe do traje Ja-
ponez. Na defpedida lhes pedirao os Du-
ques , quizéffem voltar pelas fuas terras
quando voltaffem de Roma. Forao nos feus
coches até fóra do Reyno , e lhes dérao ma-
gnanimos huma quantia confideravel de di-
nheiro para as defpezas até Italia.
Chegao á Entrados em Heſpanha os Embáxa-
Corte deMa. dores , caminháraó para Guadalupe , para
drid.
terem a confolação de ver aquelle célebre San-
tuário . Daqui continuárao a jornada para
Toledo , onde enfermou de huma fébre con-
tinua D. Miguel , a qual fe terminou em fa-
rampo. No fim de Outubro chegáraó a Ma-
drid,
" 183
do Japaō. Liv. VII.
drid , em cuja Corte , em quanto le prepa-
ravao para hir cumprimentar o Rey , adoe-
ceo D. Martinho de huma fébre tao aguda ,
que 1 fe temeo foffe ainda mayor o elrago.
Rey the mandou os feus Medicos, os quaes
o curáraó com tanto acerto , e felicidade ,
que dentro em vinte A dias fe achou perfeita-
mente fao o Embáxador.
Na fua convalecença chegárao a Ma-
drid todos os Grandes de Hefpanha para ju-
rarem o. Principe D. Filippe , que depois foy
Rey terceiro defte nome . Efta funçao, que
foy das mayores , que fe virao em Hespanha ,
celebrou-fe aos 12 de Novembro de 1584 :
e como os Embáxadores nao haviaō ainda ti-

do a fua primeira audiencia pela doença de


D. Martinho , nao apparecêrao em publico;
mas affiftirao incognitos , e ficáraó notavel-
mente admirados de tanta grandeza .
Aos 14 de Novembro tivérao a pri. Tem a pri
meira audiencia do Rey , que era D. Filippe meira audi-
II , que os recebeo com fummo agrado , e encia doRey,
lhes fez faber , que teria goſto de os ver que lheshor
faz
as
vestidos á Japoneza ; cujo defejo fatisfizéraō
logo os Embáxadores , voltando nos coches
do Rey á fua prefença , que estava acompas
nhado do Principe Herdeiro , e dos Infantes.
O Rey estava em pé , coberto com hum man
to , e encoftado a huma mefa pequena . En
trando os Embáxadores na fala , lhe fizéraó
huma reverencia profunda , e lhe aprefentá-
rao as Cartas dos tres Reys do Japaó , que
eraō efcritas na lingua japoneza , e traduzi-
M 4 das
184 Hiftoria da Igreja
das no idioma Caftelhano . Quando elles apre
fentárao as Cartas , différao , que tinhao or-
dem dos feus Soberanos para em feu nome
beijar a mao a S. Mageftade , como a hum dos
mayores Monarcas da Chriftandade , e render-
The as graças pelos favores , que fazia aos Chri-
ftaos do Japão , e pedir- lhe continuaffe em
honrálos com a fua Regia protecçao, e bene
volencia. Offerecêrao depois os feus prefen-
tes , e inftando elles outra vez para lhe bei-
jar a mao , nao o confentio o Rey ; antes
abraçou a todos cada hum per fi com mui-
to affecto , e ternura , ordenando , que o
Principe , e Infantes fizéflem o mesmo. De-
pois lhes refpondeo , que recebia grande
gofto com a fua vinda á Europa : que mof-
traria , quanto eftimava a aliança com os
Reys , de que erao Embàxadores , a quem
ja confiderava como parentes ; pois eftavao
unidos com os eftreitos laços da verdadeira
Religiao : e que da fua parte nao faltaria a
diligencia alguma , que pudéffe conduzir pa-
ra firmar eternamente efta uniao , e para
moftrar o zelo , que tinhada dilataçao da
Fé Catholica. Acabadas eftas razões , con-
verfou com elles em materias vàrias com
muita familiaridade , e fazendo-lhes mui-
tas perguntas fobre os coftumes do Japao :
obfervou a perfeição , e riqueza dos feus vef-
tidos , e com especialidade os alfanges , que
àlem de ferem de huma têmpera, que fe nao
tinha ainda viſto em Europa , eftavao enri-
quecidos de pérolas , e diamantes de grande
valor :
do Japao. Liv. VII. 185
valor e neftas práticas gaftou huma hora in-
teira em pé , cujas demonftrações admirou a
Corte toda. Convidou-os para ouvir Vefpe-
ras na fua Capella , que fe cantàrao com
grande folenidade ; e quiz o Rey , que os
Embáxadores eftivéflem fentados ao pé do
altar , para que toda a Corte os vifle muito
á fua vontade.
No dia feguinte forao vifitar a Im-
peratriz Maria ; e depois todos os Grandes,
Ecclefiafticos , e Seculares. O Rey D. Filip-
pe mandou aos Embáxadores hum dos feus
coches para irem ver o Efcurial , com or-
dem de fe lhes moftrar todas as riquezas ,
que fe guardao naquelle célebre templo. Tres
dias eftivérao nefte fitio : e voltando para
Madrid , forao vifitados dos principaes Se-
nhores da Corte , especialmente do Embáxa-
dor do Rey Chriftianiffimo , que lhes offereceo
da parte do feu Soberano tudo , quanto pu-
déffe depender delle :convidou - os a paffar
por França , quando viéflem de Italia , affe-
gurando-lhes o gofto , que o Rey feu Amo
teria de os ver.

Antes de partirem de Madrid , quiz


o Rey, que viffem o feu Arfenal , o Thefou-
ro , Armazens , e todas as joyas da Coroa.
Deo ordem , para que fe preparaffe a eftes
Principes huma grande náo , que os levaffe
a Italia , e tambem , para que em todas as
terres do feu dominio foffem tratados com
toda a grandeza , e magnificencia. Efcreveo
tambem o meſmo Rey ao Conde de Oliva-
res ,
186 Hiftoria da Igreja
res , feu Embaxador em Roma , que recebef-
fe os Principes Japões , como Reys : e para
realce de todas os favores , e grandes hon-
ras , que elles tinhao recebido daquelle Pio,
Catholico , e Magnanimo Monarca , os foy
vifitar poffoalmente ao Collegio dos Padres
da Companhia , onde eftavaō hofpedados ,
acompanhado do Cardeal de Toledo , e de
todos os Grandes da Corte.
Paíão a Partirao finalmente de Madrid os
Italia, Embáxadores , e tomarao o caminho para
Italia , paffando por Alcalá , onde aquella
famofa Univerſidade lhes fez as mesmas hon
ras , que fao devîdas aos Reys : depois fo
raó a Murcia , e chegáraó a Alicante , Cida
de do Reyno de Valença , onde fe embarcá
raó para Italia. Duas vezes fe virao conftran-
gidos a arribar por caufa do vento contra.
rio , que fempre tivérao ; e da terceira vez
padeceraó o cruél tormento de huma rigo-
rofa tempeftade , que os levou á Ilha de Ma
lhorca , onde fe detivéraó alguns dias para
deſcanfar do trabalho da viagem , depois dos
quaes embarcarao , e chegarao a Liórne , Ci-
dade do Ducado de Tofcana , no primeiro

de Março de 1585. Foy providencia de Deos


aquella tempeftade ; porque obrigou os cor-
farios de Argel , e o grande numero de na
vios Turquefcos , que difcorriao pelo Medi-
terrâneo , a retirarem-fe aos feus pórtos : o
que fe nao fuccedeffe , infallivelmente cahi-

riaó nas fuas mãos , depois de terem venci-


do tantos perigos .
O Graó
do Japao. Liv. VII. 187
O Grao Duque de Tofcana fabendo ,
que os Embáxadores do Japao erao chega-
dos aos feus Eftados , lhes mandou pedir qui-
zéſſem fazer caminho por Piza , onde elle
entaō refidia , para ter o gofto de os ver, e
cumprimentar . Partirao elles logo , e chegà-
rao a Piza pouco depois do meyo dia , e vi-
nhao acompanhados de muitos Senhores , que
os forao esperar ao caminho . O Grao Duque
mandou recebêlos por dous irmaos feus á
porta do palacio , e elle mefmo defceo até
o meyo da efcada ; e abraçando -os com ex-
traordinarias demonftrações de alegria, lhes
diffe , que fe julgava muito feliz , por fer o
primeiro Principe de Italia , que tinha rece-
bido Senhores de tao alto caracter , e tao
zelofos da Fé Catholica , que de terras tao
remotas vinhao render obediencia à Cabeça

da Igreja .
Os Embàxadores lhe refpondêrao
que elles nao eftavao menos fatisfeitos de
ver em Italia hum Principe , de quem os Pa-
dres da Companhia lhes tinhao contado no
Japao tantas , e tao grandes couzas . E aca-
badas eftas primeiras ceremonias , tomou o
Duque pela mao a D. Manfio , e o condu-
zio junto com os outros ao quarto da Du-
queza , que os recebeo com ternura de máy.
Levou fempre D. Manfio à fua mao direita ,
e quando fe fentavao , lhe dava o primeiro
lugar , tomando para fi o fegundo ; feguiao-
fe depois os outros Embàxadores , e ultima
mente o irmao do mefmo Grao Duque. Paf-
farao
188
Hiftoria da Igreja
farao o Carnaval em Piza, rogados com gran-
de empenho do Duque ; e na quarta feira
de Cinza foraó á Igreja de Santo Estevao ,
onde virao a ceremonia dos Cavalleiros , que
tomàrao a cinza , jurando ao mesmo tempo
obediencia , e fidelidade ao Grao Duque , co-
mo Mestre , e Cabeça da Ordem. Na quin-
ta feira partirao para Florença , e dallî a
Senna , fendo recebidos em todos os luga
res com honras , e magnificeneia Real por
ordem do Grao Duque , que havia mandado
hum Gentilhomem pelá pófta a pôr prom-
pto tudo , o que era preciſo ao feu trato
e efplendor em todas as terras dos feus EL-
tados.
Butrao nos
Ertados da I- Nefte tempo já o P.Nuno Rodrigues,
greja. que tinha partido antes , chegára a Roma ,
e tinha avifado o Papa , que era naquelle
tempo Gregorio XIII , da vinda dos Embá-
xadores. Nao fe póde facilmente exprimir
a alegria , que recebeo S. Santidade , vendo
tao perto da fua presença as primicias da
Christandade do Japao , e talvez com algum
prefágio da ſua morte lhes mandou pedir ,
apreffaffem , quanto pudéflem , as jornadas ;
ordenando tambem ao Vice Legado de Viter-
bo Orazio Celfo , que logo que entraffem nos
Eftados da Igreja , os mandaffe acompanhar
com toda a pompa , e lhes tivéffe prompto
em toda a parte tudo , o que foffe neceffa-
rio , e util para o feu bom cómodo . Nao ti-
nhao menor delejo os Principes de chegar
ao fim gloriofo , para que fe expuzéraó a
tantos
do Japao. Liv. VII. 189
tantos trabalhos ; mas demoráraó- fe algum¸
tempo , por adoccer D. Juliao de grande fé-
bre.
Melhorado o doente , ainda que лаб
Chegao a
convalecido , le difpuzérao a partir ; e quan- Roma.
to mais fe avançárao no caminho, mayor de-
fejo tinhao de abbreviálo . Era tanta a gen-
te , que concorria de todas as partes para
os ver, e cumprimentar , que com difficul
dade podiao romper pelas eftradas ; mas quan-
do chegarao em diftancia de Roma duas jor-
nadas , mandou o Papa duas Companhias de
cavallo ; e o Duque Bomcompagno , Lugar-
Tenente das fuas tropas , ajuntou outras mais,
que fizérao todas huma luzida eſquadra .
Entràrao em Roma com eſta eſcolta

huma ſeſta feira, que fe contavao 20 de Mar-


ço do anno de 1585 : queriao entrar inco-
gnitos , e para este fim eſperàraõ, que anoi-
teceffe fechados em hum coche ; mas achou-
fe hum tao grande numero de gente á por-
ta da Cidade efperando-os , que foy impof
fivel lograr efte defignio. E affim com lu-
zido acompanhamento, e ao fom de clarins ,
timbáles , e outros inftrumentos béllicos che-
garao à porta da Cafa Profeffa da Compa-
nhia de JESUS , onde os efperava o P. Ge-
ral Claudio Aquaviva com duzentos Religio-
fos. Abraçarao-fe com muitas lagrimas de
alegria de ambas as partes , e foraó á Igre-
ja , que com fumma difficuldade fe podia fe-
char pela quantidade de gente , que concor-
reo a ella. Cantou-fe o Te Deum com ex-.
cellente
190 Hiftoria da Igreja
cellente mufica ; e os Embáxadores o ouviraő
de joelhos fobre almofadas de veludo , fen-
do precifos muitos rógos , para que D. Juliao
fe fentafle , attendendo á fua moleftia : mas

o devoto Principe , depois de mostrar , que


cedia ao preceito , pedio lho levantaffem ,
e continuou todo o tempo , que durou a ac-
çaó de graças pofto de joelhos ; dizendo ,
era pequena demonftraçao de agradecimento
a Deos Noflo Senhor , depois de os conduzir
com tanta felicidade ao termo dos feus defe-

jos em huma jornada de tres annos, hum mez,


e dous dias, atravellando tantas terras, e ma-
res com perigos tao evidentes , nao fó de
tempeftades , e naufragios , mas de corfarios,
e ladrões, que curfaõ os meſmos mares , e ter-
ras em fete mil leguas , que andàrao. De-
pois de cumprir com a fua devoçao , os con-
duzio para o quarto , que para elles tinha
preparado o P. Geral , a cujo lugar concor-
rêraó logo os Padres todos a dar-lhes os pa-
rabens da fua feliz chegada , com igual gofto ,
tanto dos que os davao , como dos que os
recebiaó.
O Papa cha- Pouco antes da vinda dos Principes ,
ma Confitto chamou o Papa a Confiftorio para refolver
rio para de-
terminar o a fórma , em que os havia receber. Os Pa-
que devia o dres da Companhia lhe haviao reprefentado ,
brar.
que os Embàxadores tinhao vindo do Japao
para beijar o pé a S. Sintidade em particu-
lar , e que lhes parecia era conveniente á
Companhia foffe concedida fem pompa eſta
graça . O Papa porêm querendo ver as Car-
tas
do Japao. Liv. VII. 191
tas dos Reys , que os mandavao , e fabendo,
que D. Manfio vinha em nome de D. Fran-
ciſco Rey de Bungo , D. Miguel por D. Pro-
táfio Rey de Arima , e D. Martinho por D.
Bartholomeu Rey de Omura a dar obedien-
cia á Santa Sé , e que nao faltava nada à Em-
baxada para ter qualificada Real ; pois erao
Embaxadores de Reys tao poderofos , com
confelho de Cardeaes quiz , e mandou , fol,
fem recebidos em publico na fala Real , e
lhes fizéffem todas as honras , que fe coftu-
mao fazer aos Embaxadores de teftas Coroa-

das , e com alguma efpecialidade mais , para


gloria da Santa Sé , edificaçao da Igreja do
Japaó , e confufao dos fequazes da herefia .
No dia , que fe feguio ao em que Dao entrada
chegarao a Roma , forao conduzidos fóra da en Roma, e
faó conduzi-
porta da Cidade , que fe chama do Populo, dos á audien-
a huma Caſa de campo do Papa Julio III , cia do Papa.
pela qual fe fazem as entradas folenes dos
Embaxadores em Roma . D. Juliaõ eſtava ain-
da com fébre , e os Medicos eraó de pare-
cer fe nao levantaffe da cama ; mas elle ti-
nha tal defejo de affiftir àquella Augufta ce-
remonia , e beijar o pé ao Papa , que entrou
na carroça com os tres Embaxadores : po-
rêm junto à porta da Cidade fentio tað gran-
de debilidade , que julgou impoffivel poder
montar a cavallo , como eftava determinado ;

e fem poder refolver-fe a voltar para caſa ,


hum Senhor de grande refpeito o tomou no
feu coche , e o levou a S. Pedro , em cuja
occafiao beijou o pé ao Papa , que o rece-
bco
192 Hiftoria da Igreja
beo com alegriaextraordinaria , dando-lhe
muitas vezes a bençao. D. Juliao queria ef-
perar , que o Confiftorio fe juntaffe : mas o
Santo Padre lhe aconfelhou , fe recolheffe ,
por nao experimentar mayor dano, promet-
tendo fazer-lhe a mefma ceremonia no dia,
em que elle eſtivéfle capaz de a prefencear.
Os tres Embàxadores ficàraŎ no lu-
gar, que tenho dito efperando , que tudo fe
puzéffe prompto para marcharem. Aqui fo-
rao vifitados pelo Bifpo de Imola , Meftre
da Camara do Papa , em nome de S. Santida-
de. Os Cardeaes mandàrao tambem os feus
Gentîshomens a cumprimentálos da fua par-
te , e começàrao logo a fua entrada na Ci-
dade com a fórma feguinte. Marchavao
primeiro as Guardas do Papa a cavallo rica
mente veftidas ; logo a Companhia dos Ef-
guizaros , depois deftes os officiaese domel-
ticos dos Cardeaes veftidos de roxo , porque
era Quaresma : feguiao- fe os Embaxadores ,
e Miniftros dos Principes eftrangeiros , e de-
pois os Camariftas , e Ajudantes da Camara
do Papa com os Efcudeiros , e outros offi-
ciaes de Palacio em boa ordem , todos vef-
tidos de roxo. Precediao a todo efte luzido

acompanhamento clarins , tambores , pîfa-


nos , e outros inftrumentos , que faziao fua-
viffima harmonîa aos ouvidos grata.
Depois dos officiaes do Papa vinhao
os tres Embaxadores Japões montados em fo-
berbos cavallos com gualdrapas de veludo
negro , enriquecidas de grandes paffamanes
de
do Japaō. Liv. VII. 193

de ouro ; vestidos à Japoneza de feda , bor-


dada de ouro em várias figuras , e viftozas
folhagens , flores , e áves , como he coſtume
no Japao : as mangas largas , que chegavaổ
até o cotovelo , e fobre ifto huma como ca-
pa , obrada primorofamente , que he a divi-
fa dos Principes, e Senhores Japonezes : leva-
vao os alfanges da parte efquerda, que eraó
guarnecidos de pérolas , e diamantes , e da
direita hum punhal. A fua compoftura jun-
ta aos poucos annos , que cada hum tinha ,
fem lhes faltar Soberanîa de Principes , dava
tal galla , e luftre á riqueza dos vestidos ,
que attrahiao a fi os ólhos de todos.
Em primeiro lugar hia D. Manfio
entre dous Arcebispos , D. Miguel em fegun-
do , e em terceiro lugar D. Martinho , cada
hum entre dous Bifpos : fechava a comitiva
hum groffo de cavallaria , compóſta de No-
breza Romana. As ruas , porque paffavao

eſtavao cheyas de gente , as janélas , e bal-


cões de muitas peffoas illuftres , que davao
aos Principes muitos vivas , e bençãos .
Quando chegarao á Ponte de Santo
Angelo , forao falvados por toda a artilhe-
rîa do Caftello : a do Palacio de S. Pedro

The refpondeo. Seguiao-fe muitos concertos


maravilhofos de diverfos inftrumentos de

mufica , que nao celláraó de tocar, e cantar


até o Palacio do Papa. Tanto que S. Santi-
dade vio , que chegavao á porta de Palacio ,
fahio com todos os Cardeaes á fala Real
que achou cheya de tantos Prelados , e pef-
Tom . II . N foas
194 Hiftoria da Igreja
foas de diftinçao , que os officiaes tivérað
trabalho de fazer caminho para os conduzir
aos feu lugar.
Tanto que fe fentàrao , mandàrað
entrar os Embáxadores , cuja preſença admi-
rou a todos , vendo tres Principes mance-
bos , primicias da Igreja do Japaó , que vi-
nhao de taŎ remotas terras a reconhecer o

Summo Paftor da Igreja com tanta piedade ,


humildade , e devoçao. Logo que o Santo
Padre os vio , ficou de forte enternecido ,
que nao pode conter as lagrimas , como tam-
bem a mayor parte dos Cardeaes ; e chegan-
do elles a beijar- lhe o pé , fe baixou para
os levantar , abraçando a todos tres com tan-
to amor , alegria , e ternura , que tinha o
rofto todo banhado em lagrimas . Os Prin-
cipes confeflárao depois , que mais os obri-
gára o affecto , que o Papa lhes moftrou ,
que todas as honras , que lhes tinhao feito
pelas terras de Europa , por onde paffáraó.
Depois de beijarem o pé , fe levan-
tàrao , e em poucas palavras pelo feu Inter-
prete o P. Mefquita différao a S. Santidade,
que vinhao alli da parte dos Reys do Japao,
Vi-
e em feu proprio nome a reconhecêlo por
gario do Filho de Deos na terra , e a render
huma perfeita obediencia , como a Cabeça
da Igreja Univerfal , e Soberano Paftor de
toda a Chrifſtandade .
Depois de lhes refponder o Santo Pa-
dre com palavras graves , e affectuofas , lhe en-
tregárao os Embáxadores as Cartas dos Reys
feus
do Japao. Liv. VII. 195
feus Amos , e immediatamente forao condu-
zidos pelo Meftre das Ceremonias de entre
os Cardeaes para hum lugar eminente , que
Thes eftava preparado. Eitando em pé com
a cabeça descoberta , o Secretario do Papa
começou a ler em voz alta as ditas Cartas
que eftavao traduzidas em Italiano , e forao
ouvidas de todos com grande attençaó , e ſi-
lencio.

Cartas dos
CART А tres Reys do
Japaō , lidas
DE publicamente
no Côfiftorios

D. FRANCISCO

REY DE BUNGO ,

Que he a primeira, que fe lêo ; cujo fobre-


fcrito, e Carta erao do theor feguinte.

O Sacerdote , que deve fer honra-


do na terra , como aquelle , que
Ad
faz as vezes do Rey do Ceo , o Máximo,
e Santiffimo Padre.

Epois de ter pedido (occorro a Deos ,

D meu Soberano Senhor , começo a eſcre-


ver com humildade profundiffima a
V. Santidade. O Senhor , que tem o domi-
nio do Ceo , e da terra , do Sol , da Lua ,
e das Estrellas , fez refplandecer as fuas luzes
N 2 fobre
ia da Igreja
196 Hiftor
fobre mim , ' que eftava fumergido na igno.
norancia , e fepultado nas profundas trévas
da Gentilidade , defcobrindo os thefouros da
fua Mifericordia aos habitadores deftes paî-
zes por meyo dos Padres da Companhia de
JESUS , que ha mais de trinta e quatro an-
nos , que femêao a palavra de Deos nos co-
rações dos homens , entre os quaes foy fer-
vido Sua Divina Mageftade , que entraffe eu
tambem .
Efta graça tao eſpecial attribúo eu aos
Voflos merecimētos , e orações, Santiffimo Pay
de todo povo Chriſtao : fe eu nao eſtivéſſe im-
pedido pela guerra continua , que tenho com
os meus inimigos , e opprimîdo tambem dos
muitos annos
" hiria peffoalmente vifitar os
Santos lugares do Voffo Reyno , e render-
vos obediencia , beijando os pés a V. Santi-
dade ; e pondo-os depois com toda a reve
rencia fobre a minha cabeça , Vos rogaria
formáffeis com a voffa fagrada mao o final
da Santa Cruz fobre o meu coraçao. Mas
fendo-me impoffivel efta occafiao pelas ra-
zões ., que tenho expreffado , intentey man-
dar D. Manfio meu fobrinho , filho do Rey
de Fiunga e porque o P. Vifitador eſtá com
preffa de partir , e elle por agora muito lon-
ge defte Reyno , me refolvo , a que fubfti-
túa o feu lugar D. Manfio , que he feu Pri-
mo com irmao.
V. Santidade me fará hum favor fin-
gular , pois tem as vezes de Deos na terra ,
em receber-me debaixo da fua protecção , e
tambem
do Japao. Liv. VII. 197
tambem a todos os Chriſtaos deftes Reynos.
Recebi o Relicário , que o P. Vifitador me
deo da parte de V. Santidade, e o puz fobre
a minha cabeça com todo refpeito , e vene-
raçao. Nao ha lingua , nem boca, que pof-
la explicar a gratidao, e agradecimento, que
confervo , e delejo moftrar a V. Santidade :
mas fupprao os meus defejos , o que falta
na minha poffibilidade ; e o P. Vifitador , e
D. Manfio informaráo mais por extenfo a
V.Santidade dos negocios todos , que refpei-

tað á minha peffoa, e ao meu Reyno . E eu


rendo de todo coraçao , e vontade a minha
obediencia a V. Santidade. Efcrevi efta Carta

com muito temor , e refpeito aos 12 de Ja-


neiro de 1582.

Aquelle , que fe proftra aos pés fan-


tiffimos de V. Santidade

Francifco Rey de Bungo.

Tom. II. N 3 CAR-


198 ia a
Hiftor da Igrej

CARTA

DE

D. PROTASIO

REY DE ARIMA,

Que foy a que fe feguio , e lêo ; cujo ſobre-


fcrito , e Carta diziaó affim .

Eja entregue efla Carta ao Grande,


e Sant
SEj a o Senhor de mim honrado , co-
mo aquelle , que faz as vezes de Deos.

Prefento efta Carta a V. Santidade , já

A que Deos me concedeo a graça de po-


der efcrevêla , com humildade , e ve-
neraçao profunda . Sao paffados dous annos,
depois que na Quarefma , em cujo tempo fe
celébra a Paixao de Chrifto Noffo Senhor
que entre os tumultos da guerra , a defola-
çao da minha familia , e confufao dos meus
negocios , eftando fumergido nas profundas
trévas da infidelidade , o Pay das Mifericor-
dias fe dignou illuftrar- me com as luzes da
verdade , enfinando-me o caminho da falva-
çao por mevo do Veneravel P. Vifitador , e
dos outros Prégadores da Companhia de JE-
SUS , os quaes me tem feito grande affif-
tencia , e com o Sacramento do Baptifmo
fizérao defcer fobre mim, e os meus vaffallos
o orva-
do Japão. Liv. VII. 199
o Orvalho , Celefte , que he a graça de Deos.
Efte grande , e infigne beneficio me encheo
de alegria , de modo , que nao céffo de ren-
der as graças ao Rey do Ceo. E como fuy
informado , que V. Santidade governa , e
apafcenta o rebanho de Chrifto, tinha fummo
defejo de hir peffoalmente render-lhe obedi-
encia proftrado em terra com a mais reveren-
te humildade , e depois de lhe ter beijado os
pés, collocálos fobre a minha cabeça . Mas co-
mo o impoffibilita a multidao dos meus nego-
cios , envio com o P. Vifitador a D. Miguel
meu Primo com irmao , para que em meu
nome fignifique a V. Santidade o meu refpei-
to , e a minha obediencia. Elle exporá a
V.Santidade o fincéro da minha intençao , e
dirá tudo, o que V. Santidade fe dignar que-
rer faber do eſtado do meu Reyno. Acabo
pois de reprefentar a minha veneraçao com
coraçao fiel , e profunda humildade. Elcrita
aos 8 de Janeiro de 1582 .

Proftrado aos pés de V. Santidade

D. Protafio Rey de Arima.

N 4 CAR-
200 Hiftoria da Igreja

CARTA

DE

D. BARTHOLOMEU

REY DE OMURA,

Que he a que fe lêo em terceiro , e ultimo


lugar ; cujo fobrefcrito , e Carta érao,
como fe tranfcreve .

Om as maōs levantadas ao Ceo of


Cfereço com refpeito profundo a·pre-
Sente ao Nolo Santiffimo Padre o Papa,
h
que tem as vezes de Deos Noflo Senbor
na terra.

Emofaltar ao refpeito , que devo a


V. Santidade : fó emprendo , foccor
T
rido da graça do Rey do Ceo , a oufa-
dia de efcrever efta Carta com termos , e
palavras tao rudes , fabendo que V. Santida-
de tem o lugar de Deos na terra , e todo o
povo Chriſtao recebe de V. Santidade os do-

cumentos, e doutrina , era juſto, que eu paf-


faffeos mares para hir vifitar-vos peffoal-
mente , e pôr os Voffos fagrados pés fobre
a minha cabeça ' , depois de os ter beijado
com toda a veneraçao ; mas nao poffo fatis-
fizer a esta obrigação por muitas razões ,
uc me embaraçao . Nao ha muito tempo ,
que
do Japao. Liv. VII. 201

que o P. Vifitador da Companhia de JESUS .


veyo a efte Reyno ; e depois de converter
nelle muitas almas , e alcançar grandes ven-

tagens para a Religiao Catholica , volta ago-


ra para Europa. Aproveitando - me cu defta
occafiao , mando meu fobrinho D. Miguel
com elle , para render em meu nome a V.
Santidade omenagem , e fignificar-lhe a mi-

nha inteira , e fincéra obediencia : ainda que


efta comiffao he muito fuperior á fua idade,
forças , e merecimentos , me concederá V.
Santidade huma grandiffima graça , fe lhe
permittir beijar-lhe os pés em meu nome.
Supplico affim mefmo a V. Santidade me hon-
re com a fua memoria , e me favoreça , e a
todos os Chriftaos do Japao com a fua gra-
ça , e protecção , que he o que mais que tu-
do defejo. O P. Vifitador , e D. Miguel in-
formaráð com mais individuaçaō a V. Santi-
dade de tudo , o que refpeita aos meus ne-
gocios , e á minha peffoa , que offereço a
V. Santidade com reverentes adorações . Ef-
crita aos 26 de Janeiro do anno de 1582 ,
depois da Vinda de Chrifto Noflo Senhor.

Proftrado aos pés de V. Santidade

Bartholomeu Rey de Omura.

Depois
202 Hiftoria da Igreja
Depois de fe lerem todas eftas Car
tas , fez hum difcurfo em Latim o P. Gaf-
par Gonçalves , Portuguez , da Companhia
de JESUS , na prefença de todo o Confifto
rio em nome dos Embáxadores , e dos Reys,
que os tinhao mandado quafi pelos termos
feguintes.
1

DISCURSO

D'O

P. GASPAR GONÇALVES,
DITO EM CONSISTORIO

Em nome dos mesmos Reys , e Embáxadores,

Natureza feparou as Ilhas do Japao


do paîz , em que eftamos , com tan-
A
tas terras , e mares tao bravos , que
muy poucos fao, os que antes do feculo pre-
fente tivérao dellas noticia , e ainda agora
ha muitos , que nao acabaó de dar crédito
ao que dellas lhes dizemos. He porêm cer-
to , Santiffimo Padre , que ha muitas Ilhas
no Japão de grande fermofura , é notavel
grandeza , e nellas muitas Cidades , cujos
habitadores tem engenho fubtil , coraçao no-
bre, e guerreiro , natural affavel, e benigno,
os coftumes honeftos , e a inclinação grande
para o bem. Todos aquelles , que os tem
conhecido , nao fe lhes faz difficultofo pre-
ferilos
do Japao. Liv. VII. 203
ferilos a todos os póvos da Afia , e fó o de-
feito da Fé lhes impede pôrem -se em igual
parallélo com os de Europa.
Ha já alguns annos , que entrárað
Miffionarios zelolos da falvaçao das almas

a prégar, e introduzir áquella Naçao a Reli


giao Chrifta com authoridade da Sé Apofto-
lica. Ao principio foy pouco o fruto , como
aconteceo na primitiva Igreja ; mas depois ,
abençoando Deos a femente Evangelica, lan-
çou finalmente raîzes nos corações dos Nobres;
e depois de alguns annos no venturozo Pon,
tificado de V. Santidade eſtá recebida dos ma-

yores Senhores , Principes , e Reys do Ja-


pao ; e efta felicidade deve confolar-vos mui-
to , Santiffimo Padre , pois trabalhando com
tao incanfavel zelo para reftabelecer a Reli-
giao , combatida , e quafi deftruîda pela no-
va herefia, que fe introduzio nos Reynos de
Europa , a vedes nafcer , e fazer grandes
progreflos nos Reynos mais diftantes do Uni-
verfo.
V. Santidade tinha ouvido até ago
ra com muita alegria contar os grandes fru-
tos ,que produz aquella vinha novamente
plantada na extremidade da terra ; mas ao
prefente póde vêlos , tocálos , e goſtálos nef-
te Augufto Congreflo , e dar individuaes no.
ticias a todos os Fieis da fua Igreja. E que
alegria não devem ter os Chriſtaos , e prin-
cipalmente o povo Romano , vendo os Em-
báxadores de tao grandes Principes vir qua+
fi da ultima parte do Mundo proftrar- te aos
pés
204 . Hiftoria da Igreja
pés de V. Santidade por puro motivo de Re-
ligiaō ; couza , que até efte feculo nao fuc-
cedeo ? Que jubilo para ella ver os Reys
poderofos , e generofos do Univerfo , que
domados pelas armas da Fé , e pela préga-
ção do Evangelho , vem fubmetter -fe ao im.
pério de JESU Chrifto , e nao podendo pe-
la diſtancia virem peffoalmente dar o jura-
mento de fidelidade , e obediencia , enviaő
Embáxadores tao dignos , como os feus mais
intimos parentes, e amigos ! Quanto a mim,
confiderando na grandeza defta acçaó , na-
da acho , que poffa fer mais grato á Summa
Cabeça da Igreja , mais honroza ao Sacro
Collegio , de mais gloria para a Chriſtanda-
de , e povo de Roma , que efta Embáxada .
Efta Cidade pois em outro tempo fe fe jul-
gou venturoza no Imperio de Augufto , quan-
do alguns póvos da India , attrahidos das
fuas grandes acções , mandáraó Embáxado-
res a confederar- fe com elle : de toda a Ita-

lia concorreo gente a ver huns homens , que


The pareciaó de outra efpecie , admirando a
novidade do traje , a differença da côr , e
dos coſtumes : fe efta Embáxada pois moveo
tanto o desejo , e admiraçao dos povos ,
quanto mais o poderá fazer efta , fendo fem
comparação muito mais nobre, mais illuftre,
e mais gloriofa ? A India he certo , que fi-
ca muito defviada de Roma ; mas muito mais

diftante fica o Japao ; pois foy neceffario tres


annos para poderem chegar aos pés de V.
Santidade , andando fete mil leguas por mar>
e terra

do Japao. Liv. VII. 205
terra entre immenfidade de perigos.
No tempo de Augufto a gloria do
Imperio Romano fe tinha dilatado quafi até
á India ; mas nao tinha experimentado o
poder das fuas armas , nem viſto tremular
as Aguias nas fuas bandeiras . Os Indianos
vinhao buscar a amifade dos Romanos ; mas
nao a dar- lhes obediencia : tratavao- nos co

mo iguaes , mas nao como vaffallos ; defeja


vao a fua aliança , mas nao pertendiao fu-
geitar-fe ao feu dominio . O que hoje ve
mos nefte grande theatro do Univerfo , he
hum efpéctaculo muito mais eftupendo ; pois
eftamos vendo tres Mancebos , Senhores de

fangue Real , proftrados aos pés de V. San-


tidade , nao para lhe pedir a fua amifade ,
como iguaes , mas proteftando-lhe obedien
cia, como fubditos Fieis , ainda que efperao
fer amados , como filhos. Aquelles , que já
mais cedêrao ( que eu faiba ) a armas eftran-
geiras , nem tem recebido as leys de algum
dos feus inimigos , arvoráraó nas fuas terras
o Eſtandarte vitoriofo de JESU Chrifto , que
allî fez levar V.Santidade, e fe confeffao ven-
cidos das armas invenciveis da Igreja Roma-
na, quero dizer, da virtude da Fé de Chrifto ,
e Catholica , julgando, que efta vitoria lhes
ferá tao ventajofa , como he grata a toda a
Igreja de JESU Chrifto , e gloriofa a V.San-
tidade , debaixo de cujos aufpicios foy ga-
nhada.

A Religiao Chriftá avaliou por gran-


de fortuna das fuas conquistas adquirir para
• feu
206
Hiftoria da Igreja
o feu dominio , recebendo a Ley de JESU
Chrifto , e fugeitando-fe á Igreja Romana
com a fabia direcçaó de Gregorio o Grande
a Ilha de Inglaterra , feparada , como entao
diziaó , de todo o reftante do Mundo : To-
to divifos orbe Britanos ; quanto mais glorio-
fa foy efta conquiſta , tanto he mayor a dor
ao prefente , vendo- a outra vez feparada do
mais corpo da Igreja por caufa do fcifma ,
e da herefia. Agora porêm vê nao huma
Ilha , mas muitas , e muitos Reynos , fepa-
rados de Roma com hum Mundo inteiro de
permeyo , receber as fuas Leys , e facrificar-
le inteiramente á fua obediencia debaixo do
feliz , e fabio governo de outro Gregorio :
de modo , que a perda paffada de Inglater-
ra , ainda que muy grande , fe vê bem re-
compenfada com efta nova conquista, e com
a efperança bem fundada de a fazer mayor ,
fugeitando todo aquelle Imperio á Fé de
Chrifto ; cuja felicidade póde enxugar nof-
fas lagrimas , e mudar em univerſal alegria
toda a tristeza da Igreja.

Parece-me , que o Real Proféta af-


fim a previo , e pronofticou muitos feculos
antes , quando cantava ao fom da fua har-
(1) Populus, pa : ( 1 ) Hum povo , que nao era conhecido,
quem non co- me fervio , e apenas ouvio a minha voz ,
fervi-
vit mihi: in- me rendeo obediencia. Ifaias defcreveo com
"
auditu auris igual pompa a folenidade defte dia , quan-
obedivit mihi do , fallando da Igreja , diffe eftas palavras :
Pí 17. v. 45.
[ 2 ] Ecce gen (2 ) Chamareis buma Naçao, que era por Vós
tes, quas ne- defconhecida , e hum povo , que vos ignora-
va,
do Japao. Liv. VII. 207
va , e eftes virao em Volfo Seguimento por fciebas , vo-
amor do Senhor Vollo Deos de Ifrael , que cabis: & gen-
vos encheo de gloria. O Santo velho Tobias tes,quæ te no
cognoverunt,
fez a mefma congratulaçao á Igreja , porque ad te current
reftituindo - lhe Deos os olhos do corpo , The propter Do-
minu Deum
abrio tambem os da alma , para lhe mostrar, tuum , & fan-
quanto havia de acontecer depois da Vinda um Iirael ,
do Salvador. ( 3 ) Refplandecereis ( diz ) com quia te
glorifi-
buma luz brilhante, e todas as Nações da ter V. 5 .
ra vos adoraráõ : os povos virao de terras (3) Luce
muy diftantes , e terao em veneraçao a Vof- fplédida ful-
gebis, & om-
fa terra , como terra Janta. E para que os nes fines ter-
Hereges nao crêao devem defprezar , como ra adorabunt
te: Nationes
fazem , a Igreja Romana , accrefcenta : ( 4 ) venient ad te

Aquelles , que vos defprezarem , ferao mal- de lóginquo ,


ditos ; e os que vos blasfemarem , ferao fu- & terram tua
in fanctifica-
geitos a maldiçao : bemaventurados aquelles, tionem habe-
que vos amao, e ſe alegraõ com a Volla paz, bunt Tob. 13
Nao fey como a melodia defte Divi (4) Maledi&i
erunt,qui con-
no Cantico me apartou fem o advertir do téplérint te ;
meu argumento. Tornando pois agora a el- & maledicti
erunt omnes ,
le , digo , Santiffimo Padre , eftao preſentes qui blasphe-
aos Voffos olhos dous Principes de fangue maverint tes
Real , que vem dar-vos omenagem em no- Beati omnes ,
me dos leus Reys , que eftao com elles uni- quidiligút te,
& qui gau.
dos eftreitamente , tanto por fangue , como dent fuper
por affecto. Se fe confidéra a grandeza do pace tua. Ib.
feu nascimento , o fervor da fua devoçao, a
firmeza da fua Fé , o refpeito profundo ,
que tem á Santa Igreja Catholica , de que
he prova fufficiente huma tao dilatada via-
gem , fem duvida os achareis digniffimos de
os admittir a beijar os pes de V. Santidade ,
benemé-
208 Hiftoria da Igreja
beneméritos de alcançar a Voffa bençao ,
emfim merecedores de ferem muy particu-
larmente amados nefte tempo , e admirados
' em todo e por todo o Mundo.
Toda a Antiguidade louvou unani-
memente certo Filofofo ( no demais era ho-
mem fummamente vao ) fó porque defejolo
de alcançar a fabedoria , fez huma dilatada
viagem . Entrou pois na Perfia , paffou o
monte de Circaffia , penetrou para fallar com
S. Jeronymo os paízes de Albanefis , dos Tar-
taros , e os Reynos opulentos da India , pa-
ra vifitar, e ouvir hum certo Jarca, que fen-
tado fobre hum throno de ouro difcorria

diante de hum pequeno numero de difcipu-


los ácerca da natureza e movimentos dos

aftros , curfo dos annos , e outras materias


femelhantes . Efte defejo de faber foy ver-
dadeiramente grande , e raro ; mas nao dei-
xa de fer inutil , e vao : o defejo dos noffos
Principes he muito mais admiravel , quanto
he fuperior a caufa , que o move ; pois fó
por amor da Fé, que abraçáraó , le difpuzé-
rao a emprender huma viagem muito mais
dilatada , e perigofa : porque que caminho
foy o daquelle Filofofo , comparado com o
deftes Principes , que paffáraó tantos mares ,
e atraveЛfáraó quafi todos os paîzes , que con-
têm o globo da terra para chegar a Roma ,
como a centro da Fé , e da Religiaō ? Seu
trabalho foy fem comparaçao mayor , o feu
defejo mais vehemente , a fua intençao mais
pura , e a fua viagem mais difficil , e arrif-.
cada .
do Japão. Liv. VII. 209
cada. He bem verdade , que a utilidade he
muito mayor , e a recompenfa mais venta-
jofa : elle nao vio mais que hum Filofofo no
meyo de alguns , ainda que poucos , difci-
pulos ; os noflos Principes vêm o Santiffimo
Padre Gregorio XIII no meyo_deſte Auguſto
Congreffo de Eminentiffimos Cardeaes , fen-
tado nao em throno de ouro , mas na Ca-
deira de S. Pedro , que difputa nao do mo-
vimento dos aftros , mas fim que enfina o
caminho certo de chegar ao Ceo. Oh eſpé-
ctaculo grato aos ólhos do corpo , e admi-
ravel aos do efpirito !
Eftes Émbáxadores , Santiflimo Pa-
dre , tem viſto muitas couzas raras na ſua via-
gem , paffáraó por muitos Reynos , terras ,
e paîzes : tem obfervado os coftumes , e ufos
de muitas Nações , admiráraó muitos mila
gres da natureza, e da arte ; mas nao ha ob
jecto , que lhes tenha caufado mayor ale-
gria , e gofto , como o ver- fe nefte Sacro
Collegio na prefença de V. Santidade . Ago-
ra fim , agora dao por bem empregadas as
afflicções, que fofrêrao , e todas as fadigas,
que tolerárað : pelo que V. Santidade fatisfa-
rá de todo os feus defejos , dignando- ſe de
receber a obediencia dos Reys , que os en-
viárao de taó remotas terras , pois tem au-
thorizada a fua cómiffaó com as Cartas de
crença , que apreſentáraó.
Elles fe promettem efta graça , San-
tiffimo Padre , da Voffa bondade paternal ,
que dá brádo por todo o Mundo , e elpe-
Tom . II. raỏ
210 Hiftoria da Igreja
rao tambem feja muy efpecial para os feus
Soberanos , que dao tao manifeftos finaes da
fua Fé , da fua piedade , e da fua obediencia ,
e tem feito ferviços tao grandes á Igreja .
O Rey D. Francifco , que he hum dos pri-
meiros , e mais poderofos Monarcas do Ja-
pao , ainda que ha pouco tempo le bapti-
zou , ha trinta annos , que favorece de for-
te a Religiao Catholica nos feus Eftados
que bem fe póde dizer , que depois de Deos
a elle fe deve attribuir todos os progreffos ,
que tem feito a prégaçao naquellas partes.
Elle foy o que recebeo com toda a benigni-
dade o P. Francifco Xavier , hum dos pri-
meiros Padres da nofla Minima Companhia ,
e lhe permittio prégar livremente a noffa
Santa Fé em todas as terras do feu :dominio.

Os Padres , que lhe fuccedêraó , acháraó no


feu amparo igual refugio ; de forte , que fe
lhes nao foffe tao propicio , poderiaó pere-
cer em terras tao remotas " fem algum foc
corro humano ; e o piedofo Rey the fubmi-
niftrou charitativamente tudo , o que podiao
efperar de hum Principe generofo , e fum-
mamente affeiçoado á noffa Fé. Elle foy o
que lhe deo entrada nos outros Reynos, fo-
licitando com Cartas , e Embáxadas o favor
dos outros Reys : elle he o que nos perigos ,
e guerras , que fobreviérao , lhes deo fem-
pre afylo nos feus Eftados . E que podiamos
defejar mais para hum Principe , que affe-
Etuolamente nos favorecia com tanta efpe-
cialidade , e fe moftrava tao zelofo da pu ,
blicação
dò Japaō. Liv. VII. 211

blicação do Evangelho , fendo lume da Fé?


Se elle com tudo deferio abraçála mais do
que defejávamos , pela mifericordia de Deos
tivérao fim ditozo os noffos defejos ; porque
recebeo a Fé Catholica com tal refoluçao , e
fervor , que bem moftra quer com elle recu-
perar o dano, que a fi cauſou com a demóra.
Nao fe póde exprimir o amor , que tem á
Religiao , o zelo , com que a defende , o
esforço , que continuamente faz para chegar
ao cume da perfeiçao Chriſta . E ainda que
ſe vê avançado em annos , fugeito a enfer-
midades grandes , e quafi fempre em guerra
com os Reys feus vifinhos , o defejo de ver,
e de beijar os pés a V. Santidade era tao ve-

hemente , que nao podendo fatisfazêlo por
eftes verdadeiramente grandes obftáculos , fub-
ftituto a fua Real peffoa na de D. Manfio, que
eftá prefente , fobrinho do Rey de Fiunga , e
feu parente muy chegado , tao diftinto pelo
feu naſcimento , e ainda mais pela fua virtude.
Por elle pois Vos pede humilde o recebais na
obediencia , e graça da Santa Sé , pondo- o
no numero dos filhos da Santa Igreja.
D. Protafio Rey de Arima , meritif-
fimo Principe , Vos pede a mefma graça ; e
para alcançála , envia a D. Miguel , que he
feu Primo com irmao . D. Bartholomeu Rey
de Omura , tio do Rey de Arima , e do mer-
mo D. Miguel , Vos fupplica a mefma graça.
Nao fallarey individualmente dos méritos do
Rey de Arima , que tem adquirido pela fua
Fé , zelo , e devoçao , por não fer extenfo :
O 2 porêm
212
Hiftoria da Igreja
porêm nao poffo paffar em filencio as gran-
des acções, que o Rey de Omura tem feito pe
lo culto, e gloria de JESU Chrifto . Elle pois ,
Santiffimo Padre , foy o primeiro dos Reys
do Japao , que recebeo a Fé, e a abraçou com
tanto valor , que por haver defpedaçado to-
dos os idolos , que fe achavao nas fuas ter-
ras, e extinto as fuperkições , cómoveo con-
tra fi mefmo horriveis perfeguições , até fer
defpojado do feu proprio Reyno ; fem que
efte grande infortunio o fizélfe vacillar na
Fé ; antes nefta confideravel defgraça fe mof-
trou mais conftante , e affecto á Religiao
Chrifta , e affim foccorrido de Deos , e aju-
dado do feu invencivel animo, recuperou to-
dos os feus Eftados. O que unicamente jul-
ga falta á fua felicidade , he nao fazer pef-
foalmente , quanto D. Miguel tem ordem de
executar em feu nome , e confeffa de fi , que
fe tivéffe efta fortuna , fe julgaria pelo mais
feliz de todos os Principes.
Deos immortal ! Que effeitos tao pro-
digiofos da voffa graça ! Que em lugares tao
diftantes da Santa Sé , onde fe nao tinha ou-
vido o Nome de JESU Chrifto , nem préga-
do o feu Evangelho , logo que le diffundirao
os primeiros rayos da verdade , homens de gé-
nios tao diverfos dos noffos Reys , tao illuftres
pela fua nobreza , formidáveis pelo feu po-
der , felices pela abundancia dos feus thefou-
ros , Conquistadores , e guerreiros famofos
pelas fuas vitorias , reconhecem a grandeza ,
e dignidade da Igreja Romana , e tem por
fingu-
do Japao. Liv. VII. 213
fingular honra beijar os pés á fua Cabeça pe-
las peffoas de feus Embáxadores , a quem
fummamente amao , como a parentes tao
chegados e nós vemos aqui na noſſa Euro-
pa homens tao cégos, e impios , que inten-
tao cortar com mao parricida a Cabeça ao
Corpo Myftico de JESU Chrifto , e duvidar
para fua propria ruîna da authoridade da
Santa Sé , eſtabelecida pelo mefmo Chriſto
confervada pelo curfo de tantos feculos , de-
fendida pelos efcritos de tantos Santos Dou
tores , reconhecida, e approvada por tantos
Concilios : mas nao he juſto , que me deixe
tranſportar da dor , e mallógre a alegria .
e feftividade prefente com a memoria de
calamidades.

Tornemos pois ao noffo difcurfo , e


profigamos o argumento , que a variedade
de tantas couzas me tinha quafi feito efqué-
cer. Lembra-me, que muitos Authores com-
párao o Principe bom com o Sol ; pois af-
fim como efte , nao fe contentando de có-
municar liberal aos mais Aftros , e lugares vi-
finhos a luz , diffunde, e reparte os feus ra-
yos , e influencias pelas terras mais remotas,
e apartadas ; affim o bom Principe naõ deve
reftringir a ſua liberalidade a alguns lugares,
e peffoas , mas espalhar, e diffundir os feus
favores , e graças por toda a parte , para
que as gozem ainda as Nações mais remotas,
e diftantes. Alguns haverá , que o poflao fa-
zer , mas muito poucos ha , que o tenhao
feito. Vós , Santiffimo Padre , fingular, e fo-
Tom. II. 03 bre
214 Hiftoria da Igreja
bre todos os Principes da terra , pois nella.
tendes o lugar do Supremo Rey do Ceo , nao
eftreitais o Voflo zelo , e liberalidade á Ci-
dade de Roma , em que affiftîs , e aos con-
fins de Italia , Alemanha , Bohémia , Hun-
grîa , Polonia , Syria , Dalmácia , Grécia ,
Reynos , e Provincias , em que tendes fun-
dado tantos Seminarios , que fervem de for-
talezas , e baluartes para defender a Fé , e
fao outros tantos , eternos monumentos da

Voffa piedade , e magnificencia ; mas eften-


dendo a Voffa liberalidade até a India , e a
China , e feguindo , digamolo_affim , o Sol
be
no feu curfo , chegaſtes até o Japaó, que
a extremidade da terra. Depois que V. San-
tidade teve noticia , que a Fé fe prégava na
quellas partes , e fazia venturozos progref-
Los , e que nao podia haver melhor meyo
para confervar , e ampliar , que formar
a
hum grande numero de Prégadores da mef-
ma Naçao , attendendo a que os Japões fao
hábeis , e engenhozos ; nem a diſtancia do
lugar , nem o exceffo da defpeza foraó dif-
ficuldades baftantes a impedir a fundaçao do
Seminario de meninos , que crefcendo em ida-
de , e doutrina fanta , conferváraó a Fé Ca-
tholica , e extermináraó a idolatria , que ha
tantos feculos domina aquelles póvos. Eftes
Embáxadores , Santiffimo Padre , rendem as
graças a V. Santidade da parte da fua Naçao ,
e em feu proprio nome , pelos infignes be-
neficios , e ardente zelo , que V. Santidade
moftra da fua falvaçao , com tanta mayor
juſtiça,
do Japao. Liv. VII. 215

juftiça , quanta he a certeza , que tem , de


que V.Santidade fundaffe Seminarios no mef-
mo anno , que os feus Reys, e Principes os
elegêrao para a viagem de Roma : de mo-
do , que apenas intentáraó vir tributar-lhe
obediencia , como feus verdadeiros , e legi-
timos filhos, cuidou V. Santidade , como Pay
charitativo , nas fuas neceffidades efpirituaes ,
e negocios da fua falvaçao ; e efta benigni-
dade lhes dá efperança , que havendo elles
voluntariamente abraçado a Fé com tanto
fervor , e vendo fe cheyos de graças , e fa-
vores de V. Santidade ; e animados com tao
bons Operários , como produzirao aquelles
Seminarios , abraçaráo com mayor fervor ,
e em mayor numero a Religiaố Catholica .
Affim , Santiffimo Padre , fuccederá
em breve tempo , que Deos favorecendo os
defejos de V. Santidade , e as fadigas, e tra-
balhos da noffa Minima Companhia , tereis
noticia das converfoes , nao fó de algumas
Cidades , e Reynos do Japao , como fao os
que ao prefente fe vos offerecem, como primi-
cias de hum campo , que começa a cultivar-
fe; mas de muitos outros, que dividem aquel-
les vaftos paîzes , e de huma tao grande mul-
tidao de peffoas , que feja quafi impoffivel
numerálas.

FIM DO DISCURSO.

04 Com
216
Hiftoria da Igreja
Com geral applaufo daquelle luzidif
fimo Congreffo , e lagrimas de muitos dos
circumftantes finalizou o Difcurfo o P. Gaf-
par Gonçalves : feguio- te a Repoſta tambem
em Latim em nome de S. Santidade aos Em-
báxadores na forma feguinte-

REPOSTA,

QUE DEO O SENHOR

ANTONIO BOCAPADULI

EM NOME

DO PAPA

Aos Embáxadores.

Ua Santidade me manda dizer-vos , No-

S biliffimos Senhores , que D. Francifco


Rey de Bungo , D. Protáfio Rey de Ari-
ma , e feu tio D. Bartholomeu Rey de Omu-
ra , obráraó como Principes fabios , e reli-
giofos , quando enviárao a Vós , feus inti-
mos parentes , das remotiffimas Ilhas do Ja-
pao a reconhecer , e honrar o poder , que
Deos pela fua mifericordia lhe deo fobre a
terra ; pois nella nao ha mais que huma Fé ,
huma Igreja , huma Ley , e huma Cabeça ,
que a governa , que he Paftor univerfal de
todo o rebanho de JESU Chrifto , que fao os
Catholicos difperfos por todo Mundo , que
he
1
do Japao. Liv. VII. 217 .
he o Bifpo de Roma , e Succeffor de S. Pe-
dro. S. Santidade fe alegra muito , de que
os Voflos Reys crêao , e confeffem efta ver-
dade da noffa Religiao com todos os outros
Myfterios da Fé Catholica. E affim mesmo
rende graças immortaes á Divina Bondade ,
e julga nao haver para elle alegria mais firme,
e jufta, que efta , que procede do zelo , que
tem da gloria de Deos , e falvaçao das al-
mas. Poriffo o Santo Padre com feus Vene-
ráveis Irmaos os Cardeaes da Santa Igreja
Romana recebe voluntariamente a protefta-
çao , que lhe fazeis da fua Fé , devoçao , e
obediencia. Defeja , e pede a Deos , que to-
dos os outros Reys daquellas Ilhas , e todos
os Principes do Mundo , renunciando á fua
imitação a idolatría , e todos os mais erros ,
reconheçao ao verdadeiro Deos , e aquelle ,
a quem o mefmo Deos mandou ao Mundo ,
que he JESU Chrifto Noffo Salvador ; por-
que nefta Fé , e conhecimento confifte a vi-
da eterna.

FIM DA REPOSTA.

Dada
218 Hiftoria da Igreja
Dada efta repofta , tornárao os Em-
báxadores a beijar o pé fegunda vez ao Pa-
pa , que os recebeo , e abraçou com muita
ternura e quiz , que lhe fuftentaffeni a vef-
1
te Pontificia , cujo favor fe nao concede ,
fenao a Principes, e Senhores grandes. Hum
famofo Hiftoriador accrefcenta , que quiz lhe
levaffem da cauda ; regalia, que pertence ao
Embáxador do Imperador , quando eſtá pre-
fente.
Conduzido o Santiffimo Padre ao feu
Honras , que
baxadores palacio , o Cardeal de S. Xifto fobrinho do
Le fizeraó
Papa os convidou a jantar, como S. Santidade
The havia ordenado , e com elles o Cardeal
Gaſtavillani , e o Senhor Jacobo Bomcompa-
gni , General das tropas da Santa Igreja.
Na mefa fe portárao com muita civilidade
e modeftia. C Acabada ella , quiz o Papa con-
verfar com os Principes em particular : fez-
lhes muitas perguntas ácerca da fua viagem,
dos coftumes do Japao , da fua converſaó >
quantos erao os Chriſtaos nas fuas terras , é
outras couzas femelhantes ; a que refpondê-
rao com tanta prudencia , viveza , e difcri-
çao , que o Papa ficou em extremo fatisfei-
to. Depois de hum largo difcurfo , quiz que
foffem á Igreja de S. Pedro vifitar o Princi-
pe dos Apoftolos , para lhe render as graças
de os trazer felizmente a Roma.
No dia feguinte , que era o da An-
nunciação de Noffa Senhora , vay o Papa, fe-
gundo o coftume inveterado , á Igreja de Nof- 1
fa Senhora de Minerva : quiz tambem , que
OS
do Japao. Liv. VII. 219
o's Embá xado res Japõ es o acom panh afle m ,
dando- lhes pelo caminho , e dentro na Igreja
o lugar mais diftinto, que he o que fica mais
vifinho ao Santo Padre. Neſte dia ainda ap .
parecêrao veftidos à Japoneza ; mas logo no
outro fe veftirao á Italiana. O Papa lhes deo
tres vestidos ; hum curto , e dous compridos
de veludo negro , guarnecidos de paffama-
nes de ouro a cada hum , e huma yéfte de
camara tambem de veludo . ་
Veftidos nefta fórma , recebêrao vi- Recebem vi-
fitas dos Em .
fitas dos Embáxadores do Imperador , do báxadores dos

Rey de França , do Rey de Hefpanha , e da Principes


Chriftaōs , e
Republica de Veneza : foy tambem corteja- tem fegunda
los o Senado em corpo gefto, os Miniftros da audiencia .
Confervatoria , os Magiftrados , e toda a No-
breza de Roma com extraordinaria pompa ,

e magnificència . Todos lhes davao os para-


bens da fua feliz viagem , e louvavao a de-
voçao , que os movêra a emprendêla : e D.
Manfio refpondeo a todos com muita pru-
dencia . viveza , e gravidade .
Nefta mefma femana , álem das au-
diencia publica , tivérao outra particular ,
".
na qual depois de receber S. Santidade os
prefentes, que lhe traziao do Japao , tratou
com elles muito familiarmente , como hum
Pay com feus filhos ; e fabendo , que defeja-
vaŎ vifitar as fete Igrejas de Roma , difpoz
elle mesmo a fórma , em que haviað fer re-
cebidos , que foy tao diftinta, e honorifica ,
que nao podia fer mais , fe o mesmo Papa
peffoalmente as foffe vifitar. Quanto a D.Ju-
liao,
220* Hiftoria da Igreja
liao , nao fe póde exprimir facilmente o cui-
dado , que o Papa tinha da fua faûde : por-
que álem de ordenar aos mais perîtos Medi-
cos de Roma lhe affiftiffem com o mayor

defvéllo , mandava todos os dias faber , co-


mo tinha paffado.
Morte do Pa- Eftando pois a Cidade alegre toda, e
pa Gregorio contente , nao le fallando nas converfaçoes,
XIII.
mais que nos Japonezes , foy Deos fervido
levar para fi o bom Papa Gregorio XIII em
idade de oitenta e quatro annos . Huma ho-
ra antes de morrer quiz faber novas de D.
Juliao. Morreo aos ro de Abril de 1585 , e
geralmente foy fentida a fua morte pelas
raras virtudes , de que era dotado , princi-
palmente do ardente zelo de dilatar a Fé
por todo Mundo . Os tres Embáxadores fen-

tirao exceffivamente efta perda. O P. Geral


da Companhia informado da fua defconfola-
çao , e dor , foy vifitálos ; e para lha miti-
gar em parte os fegurou , que o Papa , que
de novo fe elegeffe , teria para elles o mef-
mo affecto , e ternura , que o antecedente ;
e que aquella morte fora huma admiravel dif-

pofiçao da providencia Divina , para que el-


les com a eleiçaõ de hum novo Papa pu-
déffem particularmente informálo dos feus
intereffes. Efta prática do P. Geral_confo-
lou- os muito ; mas fobre tudo o affecto , que
lhes mostráraó os Cardeaes , que eftavao no
Conclave ; porque fabendo , quanto lhes foy
fenfivel a falta de Gregorio XIII , lhes en-
viáraó o Senhor Saffo Bifpo de Ripa Tranfo-
na
do Japao. Liv. VII. 221

na a cumprimentálos da parte do Sacro Col-


legio , e para lhes fegurar , que qualquer ,
que foffe eleito Papa , teria a elles o mefmo
affecto , que o precedente.
Ao quarto dia do Conclave foy elei Xito V he
to Papa de confenfo de todos os Cardeaes tra eleito,e
muitomof-
af-
Xifto V. Dous dias depois da fua eleiçao eto aos Ema-
forao os Embáxadores beijar lhe o pé ; e el- báxadores.
le os recebeo com muita alegria , e benigni-
dade , promettendo- lhes a fua protecção em
todas as fuas dependencias : depois voltan-
do- fe para os Padres, que os acompanhavao ,
diffe em voz alta : Vede , que lhes naõ fal
té nada ; e fe neceffitao alguma couza , fa-
zey que se me dé parte. D. Manfio depois
-de agradecer a S. Santidade tao efpeciaes fa-
vores , lhe aprefentou hum Memorial , que
continha diverfos pontos pertencentes á Chri-
ſtandade do Japao , que o Papa aceitou ; e
lendo- o , immediatamente lhe refpondeo, que
depois de o conferir com o Geral da Compa-
nhia , faria todo o poffivel , para que ficaf-
fem fatisfeitos .

No dia da fua Coroação lhes deo


lugar entre os Embáxadores , e quiz que le-
vaflem o pállio , e lhe déffem agoa ás maos
na Miffa. Quanto aos negocios , que por ef
crito lhe tinha D. Manfio propoſto , nao fó
ratificou a doação de dez mil cruzados , que
o Papa feu predeceffor havia confinado aos
Seminarios do Japao , mas the accrefcentou
cinco mil cruzados mais , fem outra limita-
çao , que o dizer , foffem dados , em quanto
a Sé
222 Hiftoria da Igreja .
à Sé Apoftolica nao delle outra providencia.
A'lem difto , estabeleceo feis mil e quinhen-
tos cruzados para a viagem dos Embáxado-
res ; e para ajuntar com a defpeza a honra,
quiz elle meſmo armálos Cavalleiros do Ef
poraó de Ouro.

Arma-os Ca- A ceremonia fe fez na vefpera da Af


valleiros. ceníao , em cujo dia o Papa tem Capella ,
em que affiftem tambem os Cardeaes , mui-
tos Principes , e os Embáxadores das Coroas.
Acabadas as Vefperas , forao conduzidos pe-
lo Meftre das Ceremonias á presença de S.
Santidade ; e depois das adorações , e jura-
mentos ordinarios , lhes cingiraó a efpada ,
calcáraó as efpóras de ouro os Embáxadores
de França , e Veneza , que fe acháraó naquel-
le acto : logo o mefmo Papa lhes lançou hu-
ma fermofa cadea de ouro, e os abraçou com
tanta ternura , que nao pode conter as la-
grimas , que lhe cahiao de alegria. Concluf-
da a ceremonia , agradecêraó os novos Ca-
valleiros a S. Santidade a honra, que lhes ti-
nha feito , e promettêrao defender a Fé Ca-
tholica com as armas , que haviao recebido
até perderem as vidas.

Di The pre . No dia feguinte quiz S. Santidade ,


fentes , e a que afitif :m á Miffa , que diffe particular-
Communha mente , e lhes deo a Comunhao pela fua mao ,
pela fua maō
com tanta confolação espiritual dos mesmos
Principes , que confeffárao nao ter tido oth
tra mayor em fui vida. Deo lhes muitos , e
preciofos donativos para os Reys , que os
mandárao , 4 depois de os benzer , como he
coftu-
do Japao. Liv. VH . 223
cia. coftume dos Papas , quando fazem femelhan
en- tes prefentes aos Principes da Europa . Ajun
ado tou a eftes favores hum mais confideravel

nra, que foy hum Breve Apoftolico , pelo qual


EL dava a todos os tres Reys do Japao o lugar
entre os outros Reys Chriftaos , e direito pa
ra entrar no Confiftorio. Quanto aos donati-
vos de devoçao , álem de huma fermofa
a,
Cruz , que deo a cada hum , em que estava
as. huma grande Reliquia do Santo Lenho, lhes
e- mandou paramentos de riquiffimo brocado
S. para huma Capella , que conftava de huma
Catúla, Capa de afperges, Dalmática , e fron
tal juntamente com as repoftas ás fuas Cartas.
Antes de fe defpedirem do Papa, fi- Os Embaxa-
zérao os Embáxadores algumas vifitas em dores pedem
Roma : a que he mais digna de fe referir , licéça ao Pa-
pa para par
foy a do Senado , e do Povo Romano , que tirem.
fe ajuntàrao no Capitólio para os receber.
Entre as muitas honras, que lhes fizérao , foy
a mais confideravel de os receber por Cida-
daos Romanos , e aliftálos entre os Patricios,
dando a cada hum fua Patente efcritas em
pergaminho , e com hum grande fello de
:
ouro da largura de huma mao , e da groffu-
ra de hum dedo . Os Embáxadores recebêrao
eftes favores com fumma gratidao , e D.Man-
fio em nome de todos diffe aos Senadores
que Roma com muita razað ſe qualificava por
Senhora do Mundo ; pois nao fó o havia fu-
geitado com a força das fuas armas , mas
tambem ainda mais gloriofamente com as
armas da Fé : porêm que a fua grandeza fe
fazia
224 Hiftoria da Igreja
fazia ainda mayor naquelle dia , pois eften-
dia o feu domínio até os Reynos do Japao ,
dos quaes tomava poffe nas fuas peffoas , que
defde aquelle ponto fe nomeavao feus Ci-
dadaos , e vaffallos ; cuja repoſta agradou
muito ao Senado , e a toda a Cidade de Ro-
ma , que admirou a viveza , engenho , e
promptidao daquelle Principe de tao poucos
annos. Na velpera da fua partida forao ao
palacio Pontificio beijar o pé a S. Santidade ,
e lhe agradecêraó as graças , e favores , que
lhes tinha feito , tanto a elles , como a to-
da a Chriſtandade do Japao . Com grande
gofto , e ternura paternal os ouvio o Papa,
e lhes diffe muitas vezes, que quanto tinha
de-
a elles feito , era nada a respeito do que
fejava fazer: mandou , que fe lhes déffem
fete mil e quinhentos cruzados para a defpe-
za de tao trabalhofa viagem , e expedio hum
Breve ao Rey de Hefpanha , e á Republica
de Genova , em que recomendava lhes tivéf-
fem prompto navio , ou galés para paſlarem
a Hespanha. Ordenou tambem a hum dos
feus Secretarios , efcrevelle aos Governadores
de todas as Cidades do Estado Ecclefiaftico ,
por onde haviaõ de paffar , que fahiffem a
recebelos com todas as honras poffiveis , e
que os acompanhaffem , e lhes fizéffem todos
os gatos até fahirem de Italia . Emfim deo
grata licença para fe partirem , a qual foy com
muitas reliquias , e a fua paternal benção.
Partem de Partirao de Roma aos 3 de Junho de
Roma para
Veneza . 1585 : muitos Gentîs homens os acompanhá-
rao
do Japao. Liv. VII. 225
rao algumas leguas , e os cavallos ligeiros
do Papa toda a primeira jornada. O Cardeal
de S. Xifto os hofpedou , e tratou eſplendi-
damente em Cartelhana , Cidade pertencen-
te ao feu governo , e dalli os mandou con-
duzir a Narni , e depois a Efpoleto , onde o
Governador lhe apresentou as chaves da Ci-
dade , e os hofpedou com todo o regálo ,
e grandeza , tendo- os recebido com defcar-
ga de toda a artilberta , e ao fom de clarins,
e outros inftrumentos béllicos , repicando ao
meſmo tempo os finos da Igreja Cathedral
como fe faz aos Prelados. Daqui paffáraó a
Monte Falco , e neſta Cidade virao o Corpo
de Santa Clara de Monte Falco , que está in-
corrupto , e tao freſco , como fe naquella
hora expirára, e o feu coraçao , no qual ef-
tao vivamente efculpidos os Myfterios da Pai-
xao de Chrifto Senhor Noffo. De Monte Fal-
co continuáraó a fua jornada até Affis para
adorar as Reliquias de S. Francifco , e dallf
a Perugia , onde os efperava o Cardeal Spi-
nola , Legado de S. Santidade , que os rece-
beo , e tratou com a poffivel magnificencia.
Chegáraó finalmente a Loreto , e virao a Ca-
pella frequentada de todos os Fieis , fantifi
cada com a affiftencia da Santiffima Virgem,
e Incarnação do Filho de Deos , venerada
de todos os Principes Chriftaos , e enrique-
cida com os donativos, que lhe fazem . Aqui
cumprirao com as fuas devoções , e puzéraō
o bom fucceffo da fua viagem nas maos da
Santiffima May de Deos. Partiraó de Loreto
Tom. II . P para
226 Hiftoria da Igreja
para Ancona , e feguirao o caminho por Bo-
lonha , onde admiráraó o Corpo de Santa
Catharina , que está incorrupto , e fentada
em huma cadeira , como fe eftivéffe viva .
Nao fe póde exprimir as honras , que lhes
.
fez o Duque de Ferrara : tratou-os , como a
teftas Coroadas , moftrou - lhes os feus jár-
dins , que naquelle tempo fe avaliavao pe-
los melhores da Europa ; mas entre toda ef-
ta maravilha , goſtárao muito mais de ver
a Sagrada Hoftia , que fugio milagrofamente ·
da mao de hum Sacerdote , que duvidava da
verdade daquelle Myfterio , levantando fe no
ár , onde ficou fufpenfa . Os Principes em
gratificação de tantos favores offerecerao ao
Duque a femitarra do Rey de Bungo D.Fran-
cifco , féndo de têmpera tao fina , que nao
havia aço , que lhe pudéffe refiftir ao feu
golpe. Embarcando no rio , entràrao no Ef-
tado de Veneza , e acharao em Chioza huma
barca · que estava coberta , e guarnecida de
veludo carmezim , que lhes tinha preparado
a Senhoria . Chegados ao Priorado de Santo
Efpirito , que difta meya legua de Veneza ,
acharao quarenta Senadores ricamente vefti-
dos , que os efperavao : depois de ferem cum-
primentados de hum delles da parte da Se-
nhoria , lhe pedio , éntraffem em dous na-
vios , nos quaes fe coftumao receber os Du-
ques , e Principes , e a elles fe feguio gran-
de numero de barcas , e gondolas cheyas de
Nobreza . Entràrao pelo Canal grande , fen-
do-lhes motivo de grande pafmo ver a ſitua
çaō
do Japao. Liv. VII. 227
çao fluctuante daquella Cidade, a magnificen-
cia dos feus palacios , a fermofura dos tem-
plos , a multidao dos canaes , e quafi hum
numero infinito de gondolas , de que efta-
vao cobertos.-

Chegando ao Collegio dos Padres da Chegao a


Companhia , forao conduzidos á Igreja, on- Veneza.
de fe cantou o Te Deum , e depois a hum
quarto , que lhes eftava prevenido pela Se-
nhoria ; deputando para fervilos , e acompa-
nhálos os Gentishomens do feu corpo. No
mefmo dia , em que chegárao , forao vifita-
dos pelo Nuncio do Papa , pelo Patriarca de
Veneza, e por muitos Embáxadores dos Reys,
e Principes Chriftaos. Dous dias depois fo-
rao conduzidos por hum grande numero de
Gentishomens ao palacio , em que o Doge
.
os efperava , fentado em hum elevado thro-
no , que rodeavao os Senadores veftidos de
vermelho , os quaes fizéraō a honra aos Em-
báxadores de os collocar aos dous lados do
Doge em duas ricas cadeiras de encofto.
Paflados os primeiros cumprimentos , offe-
recêrao os Embáxadores ao Doge hum vefti-
do Japonez , huma efpada , ej hum punhal ,
prefente que foy muito grato ao Doge , e
ao Senado , como couza eftimavel , e que fer-
veria de memoria á pofteridade . Sahidos de
palacio , foraó ver o Thefouro , e Arsenal ,
e tambem as mercadorias preciofas, e depois
as fábricas de vidro , e cristal , de que ficà-
rao fummamente agradados , por fer couza
totalmente ignorada no Japao. Mas o que
P 2 lhes
228 Hiftoria da Igreja
lhes deo grande gofto , e nao menor confo-
laçao , foy a pompola , e folene prociffao ,
que annualmente fe faz no dia 25 de Junho,
fefta da Apparição de S. Marcos , fendo defe
rida por feu refpeito até 28 , julgando a Se-
nhoria ,que aquelle efpéctaculo lhes feria
mais grato , que qualquer outro divertimen-
to, com que fao feftejados os Principes. Foy
efta fefta mais folene , do que fe coftumava
fazer, pelo exceffivo numero de Sacerdotes ,
Religiofos , várias Confrarias , grandes cai-
xas de reliquias de ouro , e de prata , enri-
quecidas de tantas pedras preciofas, que fa-
ziao huma agradavel vifta, e fe avaliavao por
mais de dez milhões. A'lem difto , ſe viao
muitos paffos da Hiftoria do novo , e velho
Teftamento com figuras preciofamente vefti-
das feguia-fe a reprefentaçao dos mesmos
Senhores Japões no acto de render obedien-
cia á Suprema Cabeça da Igreja. Ficàrao os
Principes tao admirados defte eſpéctaculo ,
que différao nao ter viſto outro nem de me-
Thor gofto , nem mais devoto.
Nos dias feguintes forao ver tudo o
mais preciofo , e espéctavel , que ha naquel-
la grande Cidade , e á noite tivérao huma
cêa efplendida fobre o rio , entre os dous
Caftellos , que eftao fabricados de huma , e
outra parte do canal , por onde se entra ao
mar. A Senhoria para nao omittir nada, que
pudéffe obfequiar os Principes , mandou re-
tratálos ao vivo em huma lala do palacio
Ducal , com os feus nomes proprios em ca-
da
do Japao. Liv. VII. 229
da retrato , e huma infcripçao , que declara-

va as fuas qualidades , e a occafiao da fua


viagem , nas duas linguas , Japoneza , e Ita
liana e por conclufao de todos eftes favo
res ,
os enriqueceo com vàrias , e preciofas
dádivas , e mandou , que fe lhes fizéffe o
mefmo recebimento , e defpezas neceffarias
em todas as terras do feu dominio .
Sahindo de Veneza, paffáraó por Pá- Padao pos
dua , Vincencia , e Verona , e chegaraó a Mantua,
Mantua , onde os recebeo o Daque, e Prin-
cipe feu filho com hum cortejo, de cincoen-
ta coches , e grande numero de cavallaria.
Todas as ruas, por que paffavao, le viaõ che
yas de povo , que pondo- fe de joelhos cho-
rava de alegria , por ver huns Principes mo
ços , que do fim do Mundo viérao reconhe
cer o Vigario deJESU Chrifto. Em todas as
Cidades, por que paffavao , fazia o povo o
mefmo , e lhes lançava muitas bençãos. Na
noite toda houve muitos fógos de artificio ,
e luminárias , de que goftàrao muito os Prin
cipes. No fegundo dia da fua chegada a Man-
tua , depois de Vefperas , le baptizou hum
Judéo , de quem eftava deftinado para Padri-
nho o Principe ; mas pedindo a D. Manfio ,
que o quizéffe fer , elle o aceitou , e no Ba-
ptifmo le lhe poz o nome de Miguel Man-
fio. O Duque deo grandiozos prefentes aos
Embáxadores , e eftes lhe offerecerao com hum
rico vestido á Japoneza huma efpada de ra-
ro valor , e estimaçao . Admiràraó as rique-
zas , grandeza , e magnificencia de Italia , e
Tom . II. èfta-
P 3
230 Hiftoria da Igreja
eftavao fummamente fatisfeitos das grandes
honras , que em toda a parte lhes faziaō ;
mas eſtavaó tao fatigados de ceremonias , e
cumprimentos , que outra couza nao deſeja-
vao mais , que algum tempo de deſcanço :
porêm nao o puderao confeguir ; porque os
Principes á competencia os queriao ver , e
cumprimentar , e os póyos naỏ ſe ſatisfaziaõ
fem terem a fua parte nefta univerfal ale-
gria da Chriftandade .
Paffaraó por Cremona , e cómungá-
* Chegao a
Milao. rao da mao do Bispo , e efte Divino regálo
era a mayor confolação da fua viagem. Che-
gáraó a Milao , cuja entrada , por fer das
mais fumptuofas , e magnificas , nao poffo
eximir-me de a defcrever. Ainda que á en-
trada da Cidade eſtavao muitos , e muy ri
cos coches , pedirao aos Embáxadores , qui-
zéffem montar a cavallo em quatro fermo-
fos ginetes , que lhes tinhao prevenido , co-
bertos com gualdrapas de veludo , franjadas
de ouro , para que affim foffem melhor vil-
tos da multidao do povo , que tinha con-
corrido á fama da fua chegada. O Governa-
dor efperava os Principes nos arrabaldes da
Cidade , acompanhado de dous filhos feus ,
e do Marquez de Avelos feu fobrinho , o Se-
nado todo , os Magiftrados com o corpo da
Cidade, e mais de quinhentos Gentis homens
a cavallo. Depois das ceremonias ordina-
rias , marcháraó com boa, e concertada ordem .
O Governador , acompanhado da fua Guar
da , poz . a D. Manfio á mao direita : o Lugar-
Tenente
do Japao. Liv. VII. 231
Tenente do Duque levava D. Miguel á fua :
O Graó. Canceller conduzia a D. Martinho :
e o primeiro Prefidente a D. Juliao. Chegá
rao com, efta, ordem ao Collegio dos Padres
da Companhia , onde o Governador tinha
feito preparar os quartos , em que haviað
pernoitar os Embáxadores, por nao quererem
hofpedar- fe em outra parte. Aqui recebêrao
as vifitas de todos os principaes Senhores.
No Domingo feguinte lhes deo o Arcebispo
a Comunhão na fua Cathedral , e depois fo-...
rao conduzidos ao Caftello com a defcarga
de toda a artilheria , que fazia hum conti-
nuo fogo , e com talordem , que parecia ler
dous exercitos , que mutuamente fe eſtavao
acanhoando. Seguio-fe hum banquete efplen
dido , e quando entravað á mefa , trouxerao
os foldados, conforme o feu eftylo, as chaves
do Caftello ao Governador , o qual as man-
dou offerecer a D. Manfio , que refpondeo
áquella acçao dizendo , que nao perdêra na-
da do feu direito , fazendo o Senhor daquel-
las chaves ; porque podia difpor o que foffe
fervido daquelle , a quem as mandava entre
gar. Acabada à meſa, forao ver as manufa-
turas de feda , ouro , e prata , tapeçarias
e toda a forte de obras , que fe fabricao na
quella grande Cidade , cujos moradores , e
artifices faziaó efpecial gofto de lhas mof
A
trar. Nao fe contentavao de expôr as fuas
mercadorias excellentes nas lojas , mas ef

tendiao nas janelas peças inteiras de téla


de ouro, e prata , e brocados os mais ricos,
P 4 que
232 Hiftoria da Igreja
que tinhao; por cujo luftre as ruas tinhao
mais que ver, que os palacios dos Principes.
Em quanto fe detivérao em Milao , recebê-
rao avifo de Genova , que as galés, em que
haviao de paffar a Hefpanha , eftavao prom-
ptas para fe fazerem á véla , cuja noticia os
obrigou a pedirem licença ao Duque para
partir.
Chegao a Nao pudérao demorar-fe mais que
Genova , e dous dias em Genova , porque as galés foli
embarcao pa
* Barcelona. Citavao aprellada partida naquelle breve
tempo recebêrao todas as honras poffiveis ,
e depois os embarcàrao em huma galé pri-
morofamente ornada em 8 de Agoſto de
1585 , levando apoz fi os affectos de toda
a Italia , tanto pela viveza , e generofidade
do feu efpirito , como pela fua modeftia ,
e devoçao, Chegàrao a 27 do mefmo mez
a Barcelona , e allî lhes foy preciſo deter-ſe
hum mez inteiro pela indifpofiçaõ de D. Ju-
liao , que na viagem_interpoladamente era
affaltado de fébre. Logo que convaleceo ,
forao adorar o Santuario de Noffa Senhora

de Monferrate , e vifitar os Ermitáes , que


affiftem naquelle afpero monte.
O Rey Catholico Filippe II eftava
Pedem licen
ça ao Reyde naquella occafiao em Monçao , e os Embá-
Helpanha. xadores lhe forao beijar a mao , e pedir li-
cença para a fua partida. Efte Rey lhes fez
as mefmas honras , que na occafiao paffada ;
porque na audiencia , que lhes deo , efteve em
pé , e quiz que feus filhos eftivéffem preſen-
tes a efta ceremonia . Ordenou , que por to-
das
do Japão. Liv. VII. 233
das as terras dos feus dominios fe lhes fizéf
fem todas as honras , e defpezas . Mandou
aparelhar hum navio para o feu tranfporte,
e dar lhes dez mil cruzados para a viagem .
Deo ordem aos feus officiaes da India , que
lhes fizéffem todos os gaftos até o Japaō ;

e quando chegaffem a efte paîz, lhes déffem


quatro fermofos cavallos com gualdrapas pri-
morofamente bordadas. Depois de agradece-
rem ao Rey os favores, e grandezas , que recé-
bêrao, fe defpedirao os Embáxadores, e pon-
do-fe a caminho , entráraó nas terras de Por-
tugal , e em todas as Cidades , por que paf-
favao , forao recebidos com as melmas de-
monftrações de alegria, que a vez primeira.
Embarcárao finalmente em Lisboa pa- Embarca☎
ra a India no ultimo de Abril de 1586 com em Lisboa
e chegao a
dezefete Religiofos da Companhia de JESUS, Goa.
que elles pedirao ao P. Geral em Roma , con-
fórme a ordem expreffa , que tivérao dos
Reys do Japão. O vento foy favoravel , e
paffáraó felizmente o Cabo de Boa efperan
ça ; mas acalmando o vento , forao conftran-
gidos a invernar em Moçambique até o mez
de Abril de 1587, em que fe fizérað á véla
para Goa, onde dérao fundo aos 29 de Ma-
yo , nao tendo perdido da fua comitiva mais
que dous Padres da Companhia , chamado
Annibali Arnati hum , e Egydio Lopes o ou
tro. Nao fe póde exprimir a alegria , que
recebeo o P. Alexandre Valignano , Provin
cial da India, com a fua feliz chegada ; por

que eftando encarregado de os conduzir ao


Japao ,
234 Hiftoria da Igreja
Japaó , e nao tendo noticia delies por elpa-
ço de quinze mezes temîa lhes tivéffe for
brevindo algum funéfto incidente . O Vice-
Rey nao teve menor gofto, com a fua A vin
da : pagou logo cinco mil cruzados, que thes
tinhao empreitado em Moçambique , e thes
eftabeleceo duzentos mil reis por mez a ca
da hum para as fuas defpezas fez lhes pre-
fente de hum cavallo da Arabia , e os proveo
Liberalmente de quanto. lhes era neceffario
para a viagem , conforme a ordem , que ha
wia recebido do Rey Catholico. Partirao de
Goa com o Padre Valignano no primeiro de
Abril de 1588 , e chegáraó ao Japaó no an
no de 1590s, oito annos depois da fua par
tida , como diremos no livro feguinte.
He tempo , que voltamos ao Japao,
Frutos, que
tirarados para vermos o que all fuccedeo depois da
Embáxadores partida dos Embáxadores , e tornemos ao
da fua viage. fio da hiftoria, que interrompeo a narraçao
defta jornada. Suppofto , que ainda vamos
dar conta della , coneluindo a com referir
os frutos , que tiráraó os Embáxadores de tao

prolixo , e dilatado caminho. O primeiro


foy, huma alta idéa , que concebêrao da Re-
ligiao Chrifta , da grandeza , e mageftade
da Igreja Romana , da magnificencia dos
feus templos , da fantidade das fuas cere
monias , da eminente dignidade do Summo
Pontifice , e dos outros Prelados , e da efti
$
maçao , e affecto de todos os povos para
com eftes tres Principes , que levou a Roma
o zelo da Religiao. Eftas couzas todas fizé
rao
do Japao. Liv. VII. 235
rao grande impreffao nos fèus animos , e por
confeguinte as honras , que recebêrao de to-
dos os Principes Chriſtaos , e o affecto fin-
gular , com que os tratáraó . Eftavao fingu-
Jarmente penetrados do amor, e gratidao dos
dous Papas , que lhes haviao moſtrado tað
paternal ternura , e os enchêrao de favores
tao finalados . Diziaó , que nao achavao pa-
davras para exprimir o defejo , que tinhao
de chegar ao Japao para juftificarem , que
quanto lhes tinhao dito dos Reys Chriftaos,
nao tinha parallélo com a piedade , grande
za , e magnificencia y que nelles haviao vif-
to. Defta forte a viagem lhes fervio de os
confirmar na Fé, e os poz capazes de infor-
mar os Reys do Japao das couzas admiráveis
da Europa porque ainda que de tão poucos
7
annos , tinhao tal juizo, e difcriçao, que ob
fervavao o que viao, e o efcreviao pontual-

mente para ao depois o relatar com indivi-


duação aos feus Nacionaes .
Mas fe elles forao fatisfeitos dos
Principes Ecclefiafticos , e Seculares , eftes
nao ficárao menos edificados delles pela ex-

cellencia dos feus coftumes , 1 divifando hum
certo ár de grandeza , que inculcava bem o
illuftre das fuas peffoas , acompanhadas de
huma actividade tao grande , e modeſtia tao
"rara , que mais pareciaó Religiofos , que
Principes feculares. O feu modo de vida era
tao regular nas irregularidades das viagens ,
e fadigas do caminho , que nunca faltárað
ás obrigações de Chriftaos muito fervorofos.
Tinhao
236 Hiftoria da Igreja
Tinhao oraçao todas as manhas , e depois
ouviaó Miffa com devoçaõ inexplicavel : con-
-fellayaó-fe , e comungavao cada oito dias , e
nao fe recolhiaó fem fazer exame de con-
ciencia. Hum dia tendo affiftido a hum fef-
tim até pouco antes da meya noite , foy
hum dos Padres buſcálos ás fuas camaras , e
achando os de joelhos junto do leito , lhes
perguntou , porque fe nao recolhiao , fendo
tao tarde , e havendo de madrugar ao ou-

tro dia para a jornada ? Affim o faremos (lhe


reſpondêrao) quando acabarmos o noso exa-
me deconciencia. Efta virtude dos noffos Em-
báxadores ſe verá mais diſtinta , quando re-
ferirmos , o que depois fofrêrao , e o que
obráraó na defenfa da Fé.
O fegundo fruto da fua viagem, foy
alcançar do Papa , e do Rey de Hefpanha
hum Bifpo para o Japaó , que tanto o ne-
ceffitava para miniftrar o Sacramento da Con-
firmação áquella nova Chriſtandade, que pre-
cifava de todo auxilio , e esforço para refif-
tir aos idolatrás ; e , tambem para conferir as
Ordens,do Sacerdocio aos eftudantes, que ef-
tavao nos Seminarios , e a Japões , que fe
achavao capazes. Efte era hum dos pontos
principaes , que levavao para tratar com S.
Santidade , e com o Rey Catholico . A fup-
plica pareceo a ambos tao juſta , que o Rey
de Hefpanha ' nomeou o P. Šebaftiaó de Mo-
raes , Religiolo da Companhia de JESUS ,
natural da Cidade da Ilha do Funchal , que
era entao Provincial de Portugal, para Bifpo.
S. San-
do Japao. Liv. VII. 237
S.Santidade approvou a nomeaçao, e lhe con-
cedeo todos os privilegios , que entendeo
i
ferem convenientes para o bem daquella no-
va Igreja.Foy Sagrado em Lisboa , e par-
tio no anno de 1587 com outros tres Reli-
giofos da mefma Companhia , dous dos quaes
morrêrao na viagem. Efte bom Prelado , che-
gando a Moçambique , enfermou de forte ,
que allî acabou a vida.
No anno de 1591 foy eleito em ſeu
lugar o P. Martins , entao Provincial da In-
dia , e the déraó por Coadjutor,e faturo
Succeffor o P. Luiz de Cerqueira , ambos vir-
tuofiffimos Religiofos, e dignos daquelle em-
prego. OP. Martins era natural de Coimbra,
e alli tinha enfinado Filofofia , e Theologia ,
e era grande Theologo , e Prégador famofo;
qualidades , que o fizérao merecedor de acom-
panhar ao Sereniffimo Rey D. Sebaſtiao na in-
feliz jornada de Africa , onde ficou muitos
annos prizioneiro , e fendo refgatado , foy
para a India com cinco Religiofos da mef-
ma Companhia de JESUS no anno de 1585;
mas dando o navio , em que hiao , em hum
penḥafco , e abrindo-fe todo com a violen-
cia da pancada , quatro dos feus companhei
ros eſcapárao da furia do mar ; mas toman-
do terra , cahirao nas maos dos Cafres, que
barbaramente os matáraó. O P. Martins por
fingular providencia de Deos efcapou da
morte com o quinto companheiro , e che-
gou falvo á India. O P. Luiz de Cerqueira
era natural de Alvito , Villa do Alem- Tejo.
CIXI Enfi-
238 Hiftoria da Igreja
Enfinou Filofofia , e Theologia na Univerfi-
dade de Evora. Depois veremos , em que
tempo chegárao ao Japao , e o que fofrêrao
pela gloria de Deos , e exaltaçao da Fér Ca-
tholica eftes dous Servos de Deos.

FI M

DO LIVRO SETIMO.
To

212 &

Dab 6.
35A0

HISTO .
239

HISTORIA

DA

IGREJA

DO JAPA Ŏ.

LIVRO VIII.

ARGUMENTO.

Obunanga quer fer adorado , como di-


vindade. Manda fabricar hum templo,
N
em que poem à fua eftatua , e ordena
a todos os feus vaffallos, que o adorem. For
ma fe buma confpiração contra elle, de que
be cabeça, Aquechi. Matao Nobunanga , e ao
Seu primogenito. A Cidade de Anzuquiama
be faqueada. Arma Je outra conjuração , con-
tra Aquechi : be desbaratado, e morre nape-
leja. Faxita fe declara Governador do Impe-

rio: faz muitos favores aos Chriftaos. Ef-
tado do Reyno de Bungo. O tyranno Riozogi
faz guerra ao Rey de Arima, e ao de Omu-
ra , e fica morto na batalha. Piedade de
D. Protafio Rey de Arima. Fidelidade admi-
ravel
240 Hiftoria da Igreja
ravel dos tres filhos de D. Bartholomeu Rey
de Omura. Fervor de D. Pantaleao , filho
terceiro do Rey de Bungo. Morte do Irmao
Luiz de Almeida , e fuas maravilhosas ac-
ções. Zelo de Fufto Ucondono. Faxita toma
por affélio a Cidade , em que estava o ter-
ceiro filho de Nobunanga , e lhe conferva a
vida. Sua ambiçao , e poder : toma o nome
de Cambacundono. O P. Provincial o vifita ,
e elle o recebe com grande benignidade. Pra
tica familiarmente com os Padres , e lhes
descobre os feus defignios. Concede-lhes Pa-
tentes muy bonorificas. O Rey de Amangu-
che reconhece Cambacundono por feu Sobera
no , e permitte aos Padres prégarem no feu
Reyno. Ganha e dá a faque as Cidades
de Vozuqui , e Funay. Retirada do Rey D.
Francifco. O Rey de Saxuma faz guerra a
feu filho: entra em Bungo , e afola o Rey-
no. D. Simao Condera vem em foccorro do
Principe de Bungo , o qual ultimamente re-
cebe o Baptifmo. Recupera ofeu Reyno. Cam-
bacundono le faz fenbor de Ximo . Todos os
Reys Je Jugeitao ao feu dominio ; e elle dif-
poem dos Jeus Reynos . Morte de D. Bartha-
lomeu Rey de Omura, e de D. Francifco Rey
de Bungo. Seus funeraes , e elogios.

NO
do Japao. Liv. VIII. 241

O TEMPO , em que os Embáxa- Nobunanga


dores embarcáraó para hir a Ro- pertende fer
ma , poffuîa Nobunanga trinta Rey- adorado , co-
mo divinda .
nos, e dominava quafi todo Japao. de

Era tao formidavel a todos os Reys


pelo feu poder , riqueza , valor , e feverida-

, que nao havia nenhum , que fe oppu-


de ,
zélle á fua vontade : tinha porêm muita in-
clinação aos Catholicos ; e aborrecimento
notavel aos Bonzos , conhecendo os feus en-
ganos , e peffima vida . Attendia tambem

muito aos Padres da Companhia de JESUS ,


e fazia grande gofto de os converfar ; por-
que via nelles elpirito , fabedoria , inteireza ,
modeftia , e virtude. Tinha fe feito inftruir
nos Myfterios da Religiao Chriſta ; e como
era dotado de grande juizo, e viveza de en-
genho , facilmente fe perfuadio , que era a
verdadeira , e affim fallava dos Deofes do

Japao com grande_defprezo .


Eftas prendas naturaes juntas_com a
eftimaçao , que fazia da noffa Santa Ley , e
o affecto , que moftrava aos Padres , que a
prégavao , dava efperanças , de que algum
dia a abraçaria , e deſterraria a idolatria de
todo Japao ; mas como era demasiadamente
ambiciofo , lhe embaraçou o feu orgulho
aquella felicidade , e o fez cahir em hum
profundo abyfmo : porque imitando o atre-
vimento do Rey Nabucodonofor , depois de
ter edificado foberbamente a fua Cidade de

Anzuquiama , enchendo o Japao do terror


Tom . II. das
Q
242 Hiftoria da Igreja
das fuas armas , chegou a tal exceflo a fua
vangloria , que quiz fer adorado , como di-
vindade ..

Faz fabricar Para effeituar efte facrilego defignio,


hum templo, efcolheo hum deliciofo fitio na eminencia

em quepoem da Cidade de Anzuquiama , e nelle mandou


a fua eftatuae fabricar hum fumptuofo , e magnifico tem-
plo e como nefte occupou officiaes quafi fem
numero , brevemente fe vio acabado , e na
ultima perfeição. Para attrahir pois a devo
çao do povo , poz nelle os idolos mais fa-

mofos do Japao , e no lugar eminente a to-


dos mandou collocar hum grande idolo de
pedra com as fuas armas , que fazia as ve-
zes da fua eſtátua confórme o coſtume do Rey-
no , e lhe deo o nome de Xantay : e cref-
cendo cada dia mais a fua vaidade , fez pu-
blicar dous Edictos , prohibindo em hum del-
les adorar os outros idolos do templo , ref-
tringindo a veneraçao fó para aquella fua
eftátua ; dizendo , que era o author da natu-
reza , o fenhor do univerfo , e o unico Deos ,
que devîa fer adorado. Nao porque elle crêf-
fe , que era immortal ; mas como fabia , que
todos os Deofes do Japao tinhao fido ho-
mens mortaes , que fe finalárao no Mundo ,
ou pela fabedoria adquirida com os estudos ,
ou pelos beneficios , ou pelas famolas acções
no exercicio das armas , que por eftes mo-
tivos os poz a Gentilidade no numero dos
Deofes , entendeo, que elle merecia melhor
que todos aquellas honras , e poriffo expoz
a fua eftátua á publica veneraçao .
No
do Japao. Liv. VIII. 243
No outro Edicto , que fez publicar
no principio de Fevereiro de 1582 , manda-
va , que todos os feus vaffallos fe achatlem
no ultimo do mefmo mez na Cidade de An-
zuquiama para celebrarem o dia do feu natci-
mento , e adorarem a fua eftátua. Ajuntou
a efte preceito , com prefumpçaõ fem exem-
plo , elta vaidofa promeffa , que todos OS

que adoraffem a fua eftátua , de pobres fica


riaó ricos , e os que o foffem , mais pode
:
rofos, e opulentos que teriao filhos, os que
os defejaffem : fatide os enfermos : e em fum-
ma , alcançariao todos o cumprimento dos
feus defejos : efperança ridicula , com que
lifonjeava aquelles idolatras. E porque co-
nheceo , que nao fariao caſo deftas promet-
fas , intimidou os que as defprezaffem nao
fó com o ameaço de calamidades , mas com
a morte nos mais horriveis fupplicios.
Todos fe rirao das fuas fantafticas Primeira fe-
promeffas , mas nenhum quiz experimentar fta em obfe-
o rigor da fua vingança. No dia finalado fe quio
cua. da efta .
juntou hum quafi infinito numero de peffoas
de todas as idades , féxos , e condições , de
modo , que fendo a Cidade tao grande , era
pequena para acomodar tanta gente, e affim fe
alojou pelos campos em barracas ; e nao fen-
do ifto baftante para tanta multidao , fe re-
colhêrao nas embarcações , que havia em
grande numero em hum lago vifinho : mas
foy digno de reparo nao fe achar entre efte
tao notavel concurfo , conduzido da adula-
çao , ou do temor , hum fó Chriſtað . Nað
Q 2 quiz
244 Hiftoria da Igreja
quiz porêm Nobunanga averiguálo ; ou por-
que nao lhe lembrou , ou por lhe parecer o
devîa diffimular.
O primeiro , que adorou o Xantay,
foy o filho de Nobunanga , feu preconizado
herdeiro feguirao fe os principaes Senhores,
depois os Cavalheiros , e ultimamente o po-
vo. Deos , que refifte aos foberbos , e aba
te os mais elevados cédros do Libano , nao
deferio o caftigo de tao horrivel facrilegio;
porêm para mayor realce da fua mifericor
dia , o avifou com vários finaes , e prefagio
da fatal defgraça , que o ameaçava , para aſ-
fim lhe introduzir o arrependimento ; mas
como era homem intrépido , e julgava naổ
haveria poder fobre a terra , que oufaffe le-
vantar fe contra elle , nao forao fufficientes
para o intimidar, e perfeverava obftinado na
fua impiedade , e , como outro Lucifér , fe
atreveo a querer igualar-fe com Deos , que
foy a caufa total da fua ruina , que fucce-
deo da maneira feguinte.
Conspiração Havia já tempo , que este monftro ,
contra No- disfórme pela fua vaidade , intentava fazer
bunanga.
guerra ao Rey de Amanguche , porque ha-.
via feguido o partido do Bonzo Ozaca feu
inimigo : determinando pois deftruîlo , poz
em campo hum poderofo exercito , de que
fez Lugar - Tenente a Faxiba , e no meſmo
tempo mandou feu filho terceiro com qua-
torze mil homens tomar poffe do Reyno de
Ava , que lhe tinha dado ; e concluidas ef-
tas expedições , fe retirou a Meaco com o
feu
do Japao. Liv. VIII. 245

feu primogenito , onde viviao em palacios


feparados.
DeftacouFaxita trinta mil homens pa-
ra deftruir, e expulfar do feu Reyno o Rey
de Amanguche e julgando Nobunanga fer
pouco esforço para tao grande empreza, cé-
go da fua cobiça , mandou as melhores tro
pas da fua guarda a reforçar o exercito, de
modo , que ficou em Meaco quafi fem de-
fenfa , perfuadido , que a fua peffoa baftava
para fupprimir qualquer orgulho , e que elle
fó era luperior a todo perigo ; mas experi-
mentou o contrario por caftigo bem mereci-
do de tao louca prefumpçao , e foberba.
Havia na Corte hum homem de for- Aquexi he

tuna , aftuto , valerofo , fagáz , Cortezao , e cabeça da fus


blevaçaō
Politico perfeito , chamado Aquexi , o qual
fazendo - fe grato a Nobunanga pelo feu efpi-
to , e condiçao , lhe havia dado o governo
do Reyno de Tango com o monte de Freno-
xama , que tirou aos Bonzos . Como confia-
va muito da fua fidelidade , nao fe conten-
tou de lhe fazer fó eftas mercês , fenao que

na expediçao prefente lhas accrefcentou ,


fazendo -o General das tropas , que mandava
a Faxita. Sahio pois com efta incumbencia
de Meaco , e devendo tomar o caminho pa-
ra Amanguche , voltou para huma fortaleza,
que diftava de Meaco cinco leguas : e cui-
dando os feus officiaes , que errava o cami-
nho , o advertirao difto ; mas elle lhes ref-
pondeo ter ordens particulares , que o obri-
gavao a tomar aquelle.
Tom. II. Q3 Quan
246 Hiftoria da Igreja
Quando porêm vio , que era tempo
de fe declarar, chamando á parte alguns dos
Capitães , de que fazia mayor confiança , e
fabia eftavao defcontentes do governo de

Nobunanga , lhes defcobrio o feu defignio :


exaggerou- lhes o orgulho infofrivel defte

Principe , e a fua defmedida ambiçaõ , jun-


ta á violencia , e injuftiça , com que tratava
os póvos : diffe-lhes , que era tempo de fe
livrarem daquelle tyranno , e de fe enrique-
cerem todos com os feus defpojos , que a
fortuna liberalmente lhes offerecia ; pois fi-
cando fem guarda , nem defenfa em huma
Cidade , que o aborrecia , era facil tirar-lhe
a vida. Que todos os Reys, de que era odia-
do , goftariao de fe ver livres de tao cruel
inimigo que podiao eftar perfuadidos , de
que nao bufcava nefta acção os proprios in-
tereffes , mas o bem publico, e o alivio dos
póvos ; porque delle nao tinha recebido , fe-
nao favores , e mercês , ainda que com pe-
zar de lhe ferem feitas pelo mais peffimo
homem do Mundo. Que era neceffario vin-
gar os Deofes , e Bonzos de Frenoxama , e
reftituir a liberdade aos Reys do Japao , que
elle tinha feito feus efcravos : que lhes nao
propunha os bens, e intereffes, que tirariao
do bom fucceffo defta empreza ; porque bem
podiao julgar, que vindo- lhes á mao os the-
fouros de Nobunanga , poderiao ficar mais ri-
cos , que os mayores Principes , e Senhores
da mais opulenta Cidade do Mundo .
Nao tivérao os Capitães difficuldade
alguma
do Japao. Liv. VIII. 247
alguma de feguirem efte partido , e affim ex- Morte deNo-
pedirao logo todas as ordens neceffarias pa- bunanga,
ra o fim , que intentavao ; e na madrugada
do feguinte dia marcháraō todas as tropas
para Meaco , dizendo ao resto dos officiaes,
e foldados , que Nobunanga lhes havia man-
dado , que foffem caftigar hum grande Se-
nhor , que eftava naquella terra. No dia 22
deJunho do anno de 1582 appareceo 1obre
a Cidade , e a entrou fem refiftencia algu-
"
ma efta gente. A marcha do exercito ſe fez
ao rayar do dia tao prompta , e ſecréta, que
Nobunanga , que nao tinha defconfiança ne-
nhuma , primeiro fe vio fitiado , que foubéf-
fe defta traiçao , em cuja occafíaō ſe eſtava
*
lavando , quando lhe déraō a noticia , e a
tempo , que eftava o palacio todo cercado.
Abrio confufo a jahéla para ver o que nao
cria , e apenas appareceo, difparáraó contra
elle tantas féttas , que huma dellas o paffou
por entre as efpáduas : valerofamente a ti-
rou do corpo , e metendo mao á efpada , fe
defendeo por algum tempo com incrivel va-
lor dos que tinhao entrado no palacio ; mas
fendo mortalmente ferido por hum tiro de
moſquete, fe retirou á fua camara , e fechou
a porta por dentro. Alguns crêrao, que elle
abrio a fi proprio o ventre , como fazem os
valerofos do Japao : mas nao fe pode faber
ifto com certeza ; porque os confederados
puzérao fogo ao palacio tao violento , que
em pouco tempo fe reduzio a cinzas e o
feu primogenito Rey de Mino , primeiro idó-
Q4 latra
.
248 Hiftoria da Igreja
latra defte falfo Deos , que entao eftava jun-
tamente com elle , quando vio entrar os fol-
dados , fe poz logo em defenfa com a ſua
gente ; mas o fogo , que cercava o palacio,
The impedio a fahida , e o fuffocou em hum
inſtante.24

Affim morreo o foberbo Nobunanga,


pouco depois, que fe quiz fazer Deos, obri-
gando os feus vaffallos , a que o adoraffem .
Deos Senhor Noffo , que até allî o tinha en-
riquecido com tantas profperidades em re-
compenfa dos ferviços , que lhe tinha feito,
proftrando os templos dos idolos , e favore-
cendo os Prégadores do feu Evangelho, per-
mittio , que nao paffaſſe avante a fua vai-
dade , depois que defconheceo a Soberana
mao de Deos , que o favorecia ; e em cafti-
go de tao defmedida foberba , paflou dás
chammas temporaes ás eternas , para moftrar
aos homens , que ha hum fó Deos no Ceo ,
que domîna fobre todos os Reys , e humilha
a prefumpçao falfa dos homens.
Qual foffe a confufao , e defordem ,
Aquexi fa-
quèa a Cida- que fe feguio em Meaco, mais facilmente fe

de de Anzu- confidéra , do que fe explica : os Chriſtaos


quiama.
fe julgárao perdidos , especialmente quando
virao , que os foldados de Aquexi procu-
rárao os validos , e fautores de Nobunanga
para lhes dar morte cruel : porque como ti-
nha ſempre mostrado muito affecto aos Pa-
dres da Companhia , e principalmente ao P.
Fróes , que naquelle tempo eftava em Mea-
co , crêrao firmemente , que lhes arruîna-
riaó
do Japao. Liv. VIII. 249
riao a Igreja , e lhes tirariao a vida. Porêm
Deos com efpecial providencia os livrou de
tao evidente perigo ; pois querendo Aquexi
attrahir ao feu partido muitos Cavalleiros
Chriftaos , que havia no exercito , de que
era General Faxita , principalmente Jufto
Ucondono , naó fez offenfa alguma aos Pa-
dres, nem á Igreja , efperando por interven-
çaõ defte grande homem fe paffaffem mui-
tos Chriftaos ao feu ferviço.
Eftando fegura a Cidade de Meaco ,
e fabendo , que os thefouros de Nobunan-
ga eftavao na fua Cidade de Anzuquiama ,
fez marchar para efta mefma as fuas tro-
pas com grande preffa para fe fenhorear del-
les. O Governador da praça informado do
feu defignio mandou romper a ponte , que
eſtava fobre o braço de hum lago , por on-
de havia paffar o exercito ; e em quanto Aque-
xi a fazia reparar , tivérao os Padres como-
do para fe falvarem com os Seminariſtas em
huma pequena Ilha , algumas leguas diftante,
e de levarem para ella os ornamentos da
Igreja. Refeita a ponte , fe avifinhou Aque-
xi á praça , e fe apoderou della , e da Cida-
de fem muita refiftencia. Nao fe póde ex-
primir a grandeza dos thefouros , que allf
achou ; que para Nobunanga juntálos tinha
gafto quinze annos , para que em hum dia
os poffuiffe hum feu traidor , e homicida :
defte modo coftumao os homens pela mayor
parte fatigar-fe para juntar riquezas , que
por fua morte ficao aos feus mayores inimi
gos,
250 Hiftoria da Igreja
gos , que le fazem poderofos com eftes déf-
pojos.
Repartio Aquexi efte riquiffimo def-
pojo com os feus parciaes , dando a huns
dez mil ducados , e a outros vinte mil , e
affim á proporção ; de modo , que difpen-
deo em tres dias o que a avareza , e injuf-
tiça de Nobunanga ajuntou em tantos an-
nos ; e nao fe contentando fó com os the-
fouros do Principe , faqueou as riquezas dos
vaffallos na Cidade : e fabendo , que o P. Or-
gantino com os do feu Seminario fe tinha
retirado a huma Ilha vifinha , The mandou
dizer , que fe elle fe empenhaffe com Jufto
Ucondono , para que feguiffe o feu partido,
protegería os Chriftaos , e lhes faria mayo-
res favores , que Nobunanga : a cuja propól-
ta lhe refpondeo o Padre , que faria todo o
poffivel para o affociar á fua parcialidade.
Liga forma- Nefte tempo o terceiro filho de Na-
da contra A- bunanga , que era Rey de Ava , fabendo a
quexi.
morte de feu pay , partio logo com todas
as fuas forças para a vingar : Faxita fe unîo
a elle , depois de fazer tréguas com o Rey
de Amanguche ; e Jufto lhe fahio ao encon-
tro , primeiro que algum dos outros , e fez
marchar as fuas tropas a grandes jornadas
para confervar a fua praça de Tacacuqui
que eftava vifinha a Meaco : mas efperando
Aquexi ganhálo para o feu partido , prohi-
bio aos feus fazer- lhe algum dano. Recebeo
Jufto neste lugar a Carta do P. Organtino ,
e a lêo ; mas nem poriffo mudou de pare-
cer ;
do Japao. Liv. VIII. 251
cer ; antes continuou a marcha para fe unir
com Faxita , e com o filho de Nobunanga ,
que vinha vingar a morte de feu pay.
Vendo Aquexi , que os tres exerci-
tos vinhaó contra elle , partio com toda a
diligencia de Anzuquiama para Meaco mas
apenas fahio daquella Cidade , quando o fe-
gundo filho de Nobunanga , que estava nella ,
e o tinhao por infenfato , mandou pôr fo-
go ao magnifico palacio de Nobunanga , e á
Cidadéla , que tinha feito fabricar com tan-
to defvéllo , e notavel defpeza , afim de
que o matador de feu pay fe nao aproveitaf-
fe della mandou tambem queimar toda a
Cidade , que fe avaliava por hum milagre
do Mundo ; permittindo Deos Senhor Nof-
fo efta deliberaçao para deftruir até os fun-
damentos áquelle theatro de orgulho , e im-
piedade, no qual fe tinha comettido tao abo-
minavel idolatrfa.

O tyranno Aquéxi fe encaminhou Morte de A-


para Meaco , e na eftrada , por onde elle de quexi.
via paffar , fe achava Jufto Ucondono , que
avifou ao Rey de Ava , e a Faxita , que eſta-
vao diftantes fó tres leguas , perfuadindo-os
a que viéffem a unir-fe com elle : mas pre-
venindo Aquexi efte incidente , que lhe po-
dia fer fatal , appareceo na frente de oito
mil homens , quando Jufto nao tinha mais
que mil , ainda que todos Chriftaos , e refo-
lutos a vencer , ou morrer. Efteve algum
tempo duvidozó , fe offereceria batalha com
forças tao defiguaes ; porêm confiando em
Deos ,
252 Hiftoria da Igreja

Deos , e na juftiça da caufa , atacou o ini-


migo com tao valerofa refoluçao , que lhe
rompeo a vanguarda , e matou duzentos dos
mais esforçados fem perder hum fó dos feus.
Efta primeira acçao intimidou os rebeldes ,
e ao mesmo tempo , que algumas compa-
nhias de Jufto , que ficárao atrás , viéraō de
galope a entrar na batalha , perfuadidos os
inimigos, que erao as tropas de Faxita , e do
Rey de Ava , ficárao tao confternados , que
fugirao vergonhofamente , feguindo o exem-
plo de Aquexi , que depois de ficar ferido
na peleja , fe retirou a huma fortaleza vifi-
nha , na qual nao fe dando por feguro , fa-
hio fó, e fem acompanhamento para nao fer
conhecido . Nao tinha andado muito , quan-
do o encontráraó alguns rufticos do campo,
que fendo delles conhecido , lhe déraó mui-
tas feridas , julgando , que com eſta acçao
ganhariaó a graça de Faxita ; e affim morreo
o traidor doze dias depois que matára o feu
Rey , e feu bemfeitor , e o feu corpo foy
pofto em hum patibulo na Cidade de Meaco
Faxita feguio o refto dos rebeldes , e matan-
do-os , mandou arruînar de todo as fuas cafas :
e Jufto Ucondono tendo recebido a congratu
laçao, que fe devîa ás fuas heróicas acções ,
nao cuidou mais que em reftabelecer o Semi-
nario de Anzuquiama ; e vendo a cafa quei-
mada , o mudou para a fua fortaleza de Ta-

cacuqui , onde Darîo feu pay , que tinha vin-
do do defterro pela morte de Nobunanga ,
tomou por fua conta augmentálo , contente
de
do Japao. Liv. VIII. 253
de acabar os feus dias em empreza tao fan-
ta , e de tantas ventagens para a Religiao
Catholica.
Faxita depois de vingar a morte de Faxita fe de-
Nobunanga , querendo ficar Senhor do Impe- clara Gover-
rio , tomou todas as medidas neceflarias pa nador do Im
perio.
ra confeguir o feu intento. Era homem de
viliffima, e baixa condiçao ; porque referem
os Hiftoriadores , que o feu primeiro exerci
cio tinha fido andar nos mátos cortando le-
nha , da qual fazia duas cargas no dia , què
trazia ás coftas á Cidade para ganhar de co-
mer : e o P. Fróes nas fuas Cartas do Japao
diz , que elle coftumava contar as fuas ven
turas , dizendo , que de pobre cortador de
lenha fubira a Monarca. Como tinha gran-
de valor , o aconselháraó feguiffe as armas :
aliftou fe em huma companhia , e em todas
as pelejas fe diftinguia muito pelo feu esfor-
ço ; de forte , que Nobunanga o foy atten-
dendo. Quando chegou a mayor poſto, mof-
trou, que igualmente fabia mandar , que pe-
lejar , de modo , que ganhando muitas vito-
rias o elegêo Nobunanga feu Lugar-Tenen-

te General , e Comandante em chefe de to-


das as fuas tropas.
Eftas prendas naturaes des luftrava

com huma defmarcada ambição ; e vendo


morto a Nobunanga , e que ainda que tinha
tres filhos , o primogenito , que incorreo

com elle na mefma defgraça , nao deixára


mais que hum filho de tres annos , o fegun-

do era avaliado por mentecapto , e o ter-


ceiro,
254 Hiftoria da Igreja
ceiro , ainda que valerofo , como não tinha
forças , nem dinheiro , julgou , que fe daria
por muito fatisfeito com qualquer governo ,
que fe lhe offereceffe , e que defte modo fi-
cava abfoluto Senhor do Imperio fem algu-
ma contradiçao . Para provar pois a fua for-
tuna, expedio ordens como Soberano aos Ca-
bos mayores do exercito ; e vendo todos dif-

póftos a obedecer-lhe , como a Nobunanga ,


para diffimular a fua cobiça , tomou poffe do
governo , como tutor do Principe menino ,
herdeiro do Imperio , e o poz em huma for
taleza , tratando-o com toda aquella decencia,
e grandeza , que fe devia ao feu Regio naf-
cimento . O terceiro filho de Nobunanga co-
nheceo logo a fua intençao , e nao podendo
fofrer , que hum vaflallo de feu pay gover
naffe todos os feus Reynos , fez liga com al-
guns Grandes , inimigos de Faxita , e zelofos

do feu poder : mas não logrou eſta empreza ;


porque Faxita, que era grande Capitao , e tinha
boas tropas, vindo pelejar com elle , o venceo
com facilidade ; e a todos, os que intentárað
eftorvar os feus defignios , tirou a vida .,
Hum daquelles confederados era o
Catástrofe
cunhado de Nobunanga , chamado Xibatado-
tragico.
no : e Faxita julgando conveniencia de Efta-
do livrar fe defte homem , o fitiou com qua→
renta mil homens em huma fortaleza , a que
elle ſe tinha retirado com parte das fuas tro-
pas , e fua mulher , e filhos. Vendo o fitia-
do , que lhe era impraticavel affim a refif-
tencia , como a fuga , tomou huma eftranha
refolu-
do Japao. Liv. VIII. 255
refoluçao , por nao cahir nas maos do feu
inimigo : ajuntou toda a fua familia , e lhe
diffe , que elle eftava determinado de abrir
a fi mesmo o ventre ; que lhe pedia queimaf-
fem o teu corpo , e depois fizéllem pazes
com o feu inimigo para falvarem as vidas.
Refpondêrao- lhe todos, que nao queriaõ vi-
ver fem elle, e que estavao promptos a feguir
⚫ feu exemplo : e agradecendo- lhes Xibatado-
po efte affecto , os convidou a hum banque-
te , que lhes tinha preparado , e depois da
mefa , fez encher as falas , e camaras de le
nha , e de faxina , e lançando - lhes o fogo ,
correo com a efpada nua para fua mulher ,
e atraveffando- a , paffou a fazer o mefmo a
feus filhos, e criadas ; e os mais, que tivérao
animo , para fatisfaçao da fua promeffa abri-
rao a fi proprios os ventres , e o fogo os
confumio bem depreffa nefta vida para hirem
fentir efte tormento eternamente . Alguns me-
nos barbaramente valerofos fugirao do eftra-
go , e forao os que déraõ noticia defte cafo.
Nao tendo Faxita já contrarios , que Faxita fe fe-

The fizéffem oppofiçao , tirou o Principe me- nhorèa da


nino da fortaleza para o ter em fua compa- Tenía.
nhia , receando que alguns fe apoderaffem
delle , e lhes occafionaffem novos diſturbios :
ajuntou depois toda a Nobreza em Meaco
para affiftir ao funeral de Nobunanga , que
fez celebrar com toda a magnificencia ; mas
o feu principal projecto era mudar- lhe os go
vernos , e dar- lhe outros em terras mais dif-
tantes , para lhe tirar toda a comunicaçao
de
256 Hiftoria da Igreja
'de que pudéffe temer novidade : e para mof-
trar , que tinha o valor, e espirito de Nobu-
nanga , quiz imitálo nas fuas acções . Para
efte fim mandou edificar a Cidade de Ozaca

com huma fortaleza a mais excellente , que


houvéffe no Japaó , fazendo trabalhar neſta
óbra cincoenta mil homens ; e infinuou aos
Grandes , que cada hum mandaffe fabricar
na meſma Cidade hum palacio mayor , e mais
fumptuofo , do que tinhaó em Anzuquiama
cuja vontade executáraó todos com incrivel
diligencia , querendo cada hum merecer o
agrado do novo Monarca com a promptidao ,
com que executavao as fuas ordens , e lhe

lifongeavao o gosto.
Vendo- fe Faxita pacifico poffuîdor
Motra mui
to afecto aos da Tenfa , e de todos os Reynos de Nobu-
Christaós, nanga , para dar fundamento ao feu domi-
nio , affectou huma tal docilidade , e brandu-
ra no governo , que attrahio o coração de
todos . Sómente os Chriſtaós eftavao duvi-
dozos , fe feria para elles favoravel , e beni-
gno , mas pouco tempo lhes durou efte cui-

dado ; porque fabendo , que Nobunanga os


refpeitava , fez logo o mefmo , acarician-
do-os com especial affecto , e dando-lhes os
póſtos mais honorificos , que fe lhe offere-
cêrao ; ou porque verdadeiramente os ama-
va , ou porque nao os queria por inimigos :
conhecia dever parte da fua fortuna, ou to-:
da a Jufto Ucondono , e affim o eftimava
muito , e do mesmo modo aos mais Chri-

ftaos , que eftavao no feu ferviço ; porque


em
do Japao. Liv. VIII. 257
em todos reconhecia valor , e piedade. Do
meſmo modo tratou os Padres , quando fo-
rao cumprimentálo , fazendo-lhes as meimas
honras , que recebiao de Nobunanga e para
fincéra demonftr açao , de que lhes tinha in-
clinaçao igual , lhes deo fitio para fazerem
huma Igreja , e hum Seminario , como tinhaõ
em Anzuquiama . A Raînha fua mulher tinha

muitas Damas Chriftas no feu ferviço , as


quaes Faxita tratava com muito refpeito pela
modeftia , e piedade, que nellas via : permit-
tia lhes hirem á Miffa , e affiftirem aos Ser-
mões , e moftrava grande gofto , quando al-
gum dos feus fubditos fe fazia Chriſtao . Com
efte favor fe animáraó os Padres a prégar ,
e cumprir com todos feus minifterios , como
ſe eſtivéllem em terra de Catholicos , e foy
grande o numero de infieis , que abraçáraó
a Fé Catholica. Faxita particularmente efti
mou muito efte augmento, e diffe em publi-
co , que fe a Religiao Chrifta foffe alguma
couza mais fuave , e favoravel á inclinaçao
da natureza , a havia de receber fem duvida

nenhuma e em quanto elle vay deitando ali-


cerfes mais fólidos ao feu dominio , he pre-
cifo voltarmos ao Ximo , que nos chama o
Rey D. Francifco para dar conta das fuas
proezas , depois que fe vio obrigado a to-
mar outra vez o governo para evitar as def-
ordens, e turbulencias , a que tinha dado cau-
fa a imprudencia, e máo governo de feu filho.
Efado d
Depois que o Rey de Bungo fe ba- Reyno de Bū
ptizou , felicitou Deos Senhor Noſſo as fuas gɔ.
Tom . II. R empre-
258 Hiftoria da Igreja
émprezas de modo , que em pouco tempo ſe
vio vitoriofo dos feus inimigos ; e tanto que
defpachou os Embáxadores para Roma , co-
mo deixamos dito , aquietou os tumultos dos
feus vaffallos, e com valor, e prudencia recu-
perou o Reyno de Buygem, que feu filho ti-
nha perdido. Ao mesmo tempo , que fe aug-
mentava o Estado temporal , crefcia a Fé com
taes progreffos, que feria prolixidade referilos ,
ou pertender numerar os infinitos milagres ,
que a poderofa mao de Deos obrou para
confortar aquella nova Chriftandade.
Com tudo , ainda que para feguir a
brevidade , que prometto , omitta quafi to-
dos , nao poffo efcufarme de referir dous be-
neficios finalados , que a Santiflima Virgem
MARIA Senhora Noffa fez a favor de dous
enfermos. O primeiro foy a hum Chriſtaō ,
que fe tinha baptizado havia dous annos
mas de tal forte efquecido da fua obrigaçao ,
que ignorava até os preceitos da mefma Ley,
que abraçára ; e cahindo enfermo, teve hum
deliquio tal , que o julgáraó por morto : ef-
teve defte modo efpaço de huma hora , e
tornando em fi , diffe , que Noffa Senhora the
apparecêra , e depois de o reprehender al-
peramente , lhe ordenára , que aprendeffe
de novo a doutrina Chriftă , porque dentro
em breve tempo morreria. Chamou logo hum
dos feus filhos para lha enfinar , e depois de
dous dias morreo .

O outro beneficio foy feito a hum


Cavalheiro de Funay , avançado muito em
annos,
do Japao. Liv. VIII. 259
annos , e pelas fuas virtudes veneravel. Ef
tando gravemente enfermo , mandou chamar
hum Padre da Companhia , e lhe diffe_em
preſença de hum parente feu, que vira a San-
tiffima Virgem , e lhe promettêra , que paf-
fados tres dias , viria bufcálo para o Ceo,
Finalizado este termo , pedio agoa para la-
var as maos , e o rofto , com hum femblan.
te tao alegre , como fe tivéra faûde perfei-
ta. Rezou com muita devoçao o Rofario ,
e apenas o acabou , inclinou a cabeça , e deo
o efpirito a Deos . Efte prodigio moftra evi-
dentemente , que o fruto principal da devo-
çao da Mãy de Deos , he alcançar - nos graça
para morrer bem , e fazer penitencia antes
da morte.

Em quanto o Rey de Bungo gozava Riozogi faz


da
paz , que tinha adquirido com as fuas ar- guerra aos
mas , o Rey de Omura , e D. Protáfio feu fo- Reys de Ari-
ma , e de O
brinho Rey de Arima , eſtavao affáz embara- mura
"
çados pela guerra , que lhes declarou o re
belde Riozogi. Efte tyranno tendo-fe levan-
tado com o Reyno de Chicungo , e huma
parte do de Fingo , e de algumas praças do
de Figem , veyo com hum poderofo exerci-
to fitiar Omura , e Arima : D. Bartholomeu ,
que nao estava em eftado de lhe fazer refif-
tencia , e nao queria tambem expôr a vida
dos feus vaffallos , que eraó todos Chriſtaos ,
fe fubmetteo ao dominio do tyranno, e lhe
deo em refens tres filhos , como he ufo no
Japao ; fervidao ignominiofa , que D. Protá-
fio nao pode fofrer , com tanta mayor ra-
R 2 zao,
260 Hiftoria da Igreja
zao , quanto mayor era o atrevimento de
Riozogi , fendo feu vaffallo .
Irritado efte tyranno contra elle ,
por nao querer reconhecêlo por feu Sobera
no , entrou nas terras de D. Protáfio , e fi-
tiou a fortaleza de Ximabara , que tomou com
mais algumas praças vifinhas : quando porêm
ſe diſpunha a continuar , e adiantar as fuas
conquistas, teve avifo, que alguns Grandes do
Reyno de Chicungo le tinhao rebellado. Efte
inopinado accidente o obrigou a deixar a
conquiſta de Arima , e partir para remediar
o dano , que lhe ameaçava a nova conjura-
çao ; deixando nas praças conquiſtadas hu-
ma tao numerofa guarniçaõ de tropas , que
feria difficultofo rendêlas.
Sabendo D. Protáfio , que Riozogi
fe tinha retirado , refolveo- fe valerofamente
a recuperar a fua fortaleza de Ximabara ; e
para efte fim pedio foccorro ao Rey de Omu-
ra feu tio , e ao Rey de Saxuma . D. Bartho-
lomeu lho prometteo , mas com condiçao de
fe nao achar em peffoa em campanha , temen-
do que Riozogi mandaffe matar os feus tres
filhos , que tinha em refens e o Rey de
Saxuma mandou todas as fuas tropas em feu
foccorro , receando que crefcendo Riozogi
em poder , e dominio , voltaffe as armas con-
tra elle , e fe fizéffe Senhor das fuas terras.
D. Protásio pois com dez mil homens affal-
tou Ximabara , em cuja guarniçao eſtavao
cinco mil foldados , mas todos de muito
brio , e valor.
Haven-
do Japão. Liv. VIII. 261
Havendo o tyranno aquietado os tu-
multos de Chicungo , voltou logo com hum
exercito de vinte e cinco mil combatentes ,
marchando com bem difpófta ordem. A van-
guarda era compófta de mil moſqueteiros, e
de mil e quinhentos armados com lanças , de
hum batalhaó de Nanquinates, que fao os que
entre elles ufaó de partazanas ; e álem difto
muitos archeiros , que erao fuftentados por
hum groffo de cavallaria : a retaguarda conf-
tava de oito mil cravineiros , e de hum ba-
talhao de piqueiras , que conduziaó algumas
peças de artilheria, muitas máquinas de guer
ras , quantidade de munições, e riquezas in-
numeráveis.
No meyo defte exercito andava Rio-

zogi em huma cadeirinha de maos , acompa-


nhado de quinze , ou vinte Bonzos , entre.
Os quaes havia hum de grande reputaçao ,
por fe dizer , que todas as noites tinha con-
ferencias como demonio. Chegando com
eſtá fórma de marcha, e comitiva a hum al-
to , de donde fe defcobria a fortaleza de Xi-
mabara je o exercito inimigo , mandou fuf-
pender a marcha ; e depois de o eftar obfer-
vando hum breve elpaço , dando huma gran-
de rilada, diffe eftas palavras : Para ifto me
puz eu em campanha ? Eftimára , que todas
as forças de Arima , e Saxuma fe juntalem
para fazer mais gloriofa a vitoria. Dito il-
to , fez logo desfilar huma parte das fuas
tropas para o pé do monte , outra para as
margens do mar , e a terceira marchou di-
Tom. II . R 3 reita-
262
Hiftoria da Igreja
reitamente a Ximabara ; porque era o feu in-
tento tomar de forte o caminho aos fitiado-
res , que nenhum the pudéffe escapar.
Vendo D. Protáfio efte exercito tão

fuperior , nem poriffo perdeo o animo , mas


confiando em Deos , efperou a pé firme o
inimigo. Mandou embarcar duas peças de ar-
tilheria com partes da infanteria para inco-
modar , os que eſtavao nas prayas ; e deixan-
do boas tropas fobre a fortaleza para impe-
dir aos fitiados a fahida , marchou a bufcar
Riozogi na frente de fete mil homens . Fa-

zia galharda vifta efte pequeno exercito ,


porque nas bandeiras , que levavao , que
erao mais de feffenta , tinhao todas borda-
do maravilholamente o vitoriofo final da
Cruz.c be broam
Matao Rio- Em quanto os dous campos fe pre-
zogi na bata paravao para a batalha , nao ceflavao as pro-
lha.
ciffoes , e rogativas em Omura , e Arima pe-
lo bom fucceffo das fuas armas , do qual de-
pendia o bem da Chriſtandade daquelles dous
Reynos. Chegou emfim o dia de fe decidir
pelo combate a vitoria , e começando na ma-
nhã de 24 de Abril de 1583 , fe travou a pe-
leja , e durou até o meyo dia , fem fe conhe-
cer ventagem de alguma das partes . No pri-
meiro ataque a vanguarda de Riozogi affal-
tou com tal furia a gente de D. Protáfio
que a fez retroceder até as fuas trincheiras ;
mas o valerofo Principe junto com o Gene-
ral Saxumano , reprehendendo efta cobardia ,
e exhortando a fua gente antès a morrer
que
do Japão. Liv. VIII. 263

que a fugir , com a efpada na mao rompêraố


a primeira linha do inimigo , matando os
que fe lhes oppunhao , fem lhes dar tempo
a tornar a carregar os mofquetes.
Da outra parte a artilheria do Rey
de Arima, que eſtava nos navios, jogava com
tao bom fucceffo , que fazia horrivel estrago
nos batalhões ; porque de cada vez cahiao
vinte, e trinta mórtos , o que diminuîa mui-
to o exercito : porêm como era tao copio-
fo, que para cada hum Chriftaō havia dous !
inimigos , apenas hum cahia, logo outro ſub-
ftituta o feu lugar. Eſtando ainda a vitoria
indecifa , hum Capitao dos Saxumanos ven-
do a Riozogi na cadeirinha , fe refolveo a
matálo , ou a deixar a vida na empreza ; e
entrando pelo meyo do exercito inimigo com
a efpada na mao,
x fazendo caminho pelos ca-
dáveres , que o embaraça vao , chegou á li-
teira , e lendo viſto por Riozogi , entenden-
do que era dos feus , e que tivéra algum li-
tigio com outro Capitao , the diffe : Nao be
tempo de decidir os vofos litigios , quando
be neceffario pelejar com os inimigos : affim
vos atreveis a contender na minhapresença ,
Sem attender a que estou eu aquí ? Tu es
( refpondeo o Capitao ) a quem eu bufco : e
virando-fe logo para os que levavao a cadei-
rinha , os acometteo , e matando alguns del-
les , cahio Riozogi em terra ao mesmo tem-

i po , e voltando para elle o Capitao , com


hum golpe da efpada lhe cortou a cabeça ,
e decidio a duvida.
R 4 No
264 Hiftoria da Igreja .
No mesmo tempo fe levantou , e ef
palhou huma voz , que publicava eftar mor-
to o rebelde : a fua gente atemorizada com
efte inopinado accidente começou a fugir def-
ordenadamente. Os vencedores os feguirao
por efpaço de huma legua , e fizeraō nelles
"
hum horrivel eftrago. Depois defta vitoria
fe rendeo a fortaleza de Ximabara , e cinco
mil homens da fua guarniçaõ fahiraó, falvas
as vidas : D. Protáfio confervou o feu Rey-
no , e D. Bartholomeu refgatou os feus , tres:
filhos , que tinha dado em refens ; conhecen-
do ambos , que fó á protecçao de Deos de-
viao eſte triunfo , por que lhe déraō muitas
graças todos os Chriftaos .
Excedeo nefta piedade D. Protáfio
Piedade de
D. Protafio, porque havendo expofto a " fua Real peffoa
naquella batalha , e feito o officio de gran-
de Capitao , pondo o feu exercito em or-
dem , tomando os póftos mais perigofos ,
fazendo jogar a artilheria , e animando a fua
gente , quando defmayava , achando- fe em
todas as partes com vigilante cuidado , e
trabalho , nao attribuîa a vitoria a eftas fuas
diligencias mas confeffava publicamente ,
que todas feriao inuteis , fe Deos pela fua
mifericordia nao os livrára daquelle perigo;
e affim agradecido determinou extinguir de
todo no feu Reyno a idolatrîa.
Achavao- fe nefte tempo oito, ou dez
Bonzos em Arima , dous dos quaes corref-
pondiao entre os idólatras aos noffos Bil-
pos. Mandou-lhes o Rey dizer , que efco-
lheffem
do Japao. Liv. VIII. 265
theffem fem dilaçao huma de duas ; ou con-
verter-ſe , ou fahir do Reyno : elles fe refol-
vêrao a pedir os inftruiflem nos dogmas da
Fé para fe baptizarem. Hum fe chamava
Minchi , e era de tanta reputação no Reyno ,
que quando hia á Corte, o Rey melmo antes
de fer Chriftao fe levantava para o receber,
e lhe cedia o feu lugar. Depois de eftar
bem inftruido , ficou tao perfuadido das ver-
*
dades da nofla Religiao , que fahia fóra de
fi , quando confiderava a graça , que Deos
The tinha feito de o illuftrar com as luas lu-
zes livrando-o das trevas da idolatría. No

dia precedente ao do feu Baptifmo mandou


levar á Igreja os livros , que continhao os
preceitos mais fevéros da fua profiffao , e

das arte Magica , que enfinava , e fez hum
muy grato facrificio a Deos lançando os no
fogo. Chamou- fe no Baptifmo Joao , e redu-
zio a fua cafa a huma efpecie de Eremito-
rio , que intitulou o Eremitorio de MARIA,
e nefte retiro paflou o reftante dos feus dias.
Tinha feito na fua vida fete vezes aquella
famofa romaria , de que fallámos no primei-
ro Tomo , para fazer penitencia dos feus pec-
cados ; e fe quando cégo na idolatria defe-
java fer perfeito , como o feria depois de
metido no caminho da verdadeira falvação ?
Deo aos Padres inteira noticia da feita abo-
minavel dos Xamebugis , e da peregrinaçao,
que faziaó aquelles barbaros , quando hiao
adorar os demonios , para que inftruidos das
·
fuas maldades , procuraffem o meyo mais
efficáz
266 Hiftoria da Igreja
efficáz de deftruflas em todo o tempo, que
vivea depois de Chriftao , foy zelofiffimo da
nolla Santa Fé, e dizia , que experimentava
com incrivel gofto a differença , que achava
entre o jugo fuave da Ley de Chrifto , e a
tyrannia , que o demonio ufa com os que o
fervem. Depois defta vitoria ſe baptizára
em hum anno mais de mil peffoas naquelle
Reyno 127
Fidelidade, e Em quanto o exercito Chriſtao pele
conftacia dos java contra o de Riozogi , os tres filhos de
tres filhos
D. Bart holode D. Bartholomeu Rey de Omura fuftentavaól
meu. huma batalha muito mais perigofa no palas
cio daquelle tyranino : porque todos os feus
domefticos le empenháraó em os combater
para perderem a Fé, e a innocencia . D.San
1
cho, que era o primogenito , foymais fortes
mente tentado; porque os Grandes , e os Gens
tîshomens idolatras o affaltavao com razões

huns , e com promeffas outros ., fegurando-


lhes alcançaria huma filha de Riozogi para

efpofa : mas o Principe fabio e conftantes
refpondeo , que antes perderia aovida , que
renunciar น a Fé de Chrifto. Nao podendo em-
fim ganhar-lhe o animo , pertendêrao conta-
minar- lhe o coracao Admiravao fe de ver
hum Principe na flor da idade faó modéſto,
e circumfpécto , que difficultofamente fe atre
viao a dizer huma fó palavra menos decen-
te na fua presença ; e por mais que a invés
Ativa diabólica procurou inficionálo , confer-
vou fe no mevo daquella Corte diffoluta pu-
ro , como outro Jofeph no Egypto. Ultima-
mente
do Japão. Liv. VIII. 267

mente o perfeguirao , ea feus irmaos , pa-


-ra que comellem carne nos dias prohibidos;
mas ajudados da Divina graça fofrêrao a fo-
me antes , que violar o preceito. No meyo
deftes trabalhos regulavao tao bem as fuas
4
vidas , que tinhao horas determinadas parad

orar, e fazer as fuas devoções , Tem faltarem.contr
hum fó dia ao exame de concienciali è fazen- 25.7
1
do , que os feus Pagens obfervaffem o mer-
mo theor de vida , como le eftivéffem em
cala de feu pay. Edificou de forte efte pro-
cedimento aquelles infieis , que o terceiro
filho de Riozogi , que era de vinte e dous
annos de idade , tomou a refolução de fer
Chriſtao mas ouvindo a noticia da morte
de feu pay , fé affligió tanto , que endou-
deceone of ora uloq abas tque bul
Hopps Nefte tempo morreo D. Miguel, Se- Morte de D.
nhor de Amacuſa , hum dos melhores Chri- Miguel , Se-

nhor deAma .
ftaos do Japao. Quando fe fentio perigofa- cufa.
mente enfermo , juntou Tua mulher , filhos
e parentes e lhes fez hum difcurfo muy

terno pára és exhortar a confervar a Fé , e


obfervar perfeitamente os Mandamentos da
Ley de Déos : e tendo recebido os ultimos
Sacramentos , efteve ſempre em oraçao com
as maos póſtas ; até que chegando a hora de

expirar , as levantou para o Ceo , dizendo


eftas palavras : Eu vou. Foy fepultado com
grande pompa , e igual fentimento de fua
I
mulher , que no mesmo dia fez pela fua al-

ma huma acçaó de grande charidade , man-


dando dar de comer a mais de mil pobres ,
e venden-
-268 Hiftoria da Igreja ,
e vendendo os feus mais ricos , e preciofos
vestidos , difpendeo todo o dinheiro em ef
mólas.
Depois da morte de Riozogi recu
hnaidade
Fidel mu-de perou o Rey de Bungo o Reyno de Chicun-

lher, a quem go, que elle lhe tinha ufurpado , e o Rey


baptizára S. de Saxuma huma parte do Reyno de Fingo.
FrancifcoXa
OP. Gafpar Coelho , Superior das Miffões
Tier,
do Japao , mandou o Irmao Damiaó a feli
citar o Rey de Saxuma , por moftrar tanto
affecto aos Chriftaos ; e elle lhe prometteo
fer-lhes lempre propicio. Estava naquella
occafiao em Cangoxima , em cujo porto def
embarcára S. Francifco Xavier, quando en-
trou no Japao , e nelle habitava tambem hu-
ma Chrifta chamada Maria , que tivéra a for-
tuna de fer baptizada pela maó do Santo ha,
via trinta e feis annos ; vivendo entre aquel-
les idólatras , como a rofa no meyo dos efpi-
nhos. A efta pois vifitou o Irmao Damiao ,
e lhe perguntou , como oufava trazer o Ro-
fario ao pescoço á vifta dos Bonzos , e em
huma terra , em que fe nao achava , fenao
infieis ? E ella lhe refpondeo : Todos Sabem,
que eu fou Chrifta ; e prouvéra a Deos , que
algum Bonzo me tirara a vida , para que a
minha alma purificada no meu fangue voaf
Je ao Ceo , e gozale mais deprefa da vista
de Deos em companhia do Santo P. Francifco
Xavier , que me baptizou : defejo antes mor-
rer Martyr pela defenfa do Santo Nome de
JESUS , que no leito por alguma doença ;
mas fempre quero fe cumpra em mim a Jua
Divina
do Japao. Liv. VIII. 269
Divina vontade. Temo muito , que os meus
parentes, quefao idolatras, me fepultem con-
forme o feu rito Gentilico ; e lhe tenho pedido
naõ chamem nenhum Bonzo na minha morte ,
e me entérrem com o Rofario ao pescoço na-
quelle lugar, em que algum tempo nesta terrafe
Jepultavao os Chriftaos. Pedi Vos a Deos ,
que executem nefta parte a minha vontade :
nenhuma outra couza quero do Mundo ; por-
que fo cuido na morte , e em falvar me. O
Irmão Damiao teve grande gofto de a ou-
vir , admirando tao grande conftancia , e for-
taleza em huma mulher ; e bem conheceo ,
que Deos nao exceptua peffoas , mas cha-
ma para fi os que he fervido .
Já diffémos, que o terceiro filho do Fervor de D.
Rey de Bungo le baptizára com o nome de Pantaleaō, fi
lho terceiro
Pantaleao , e era o direito Succeffor de Chi- doRey de Bu-
cacata. Chegado o tempo , em que, confór- go.
me o ulo do Japaó, havia entrar no gover-
no dos feus dominios > tomou poffe delles

nefte anno de 1583 , e começou a governar


os feus Eftados . Amava a Deos com tanta
ternura , que nunca canfava de ouvir fallar

nos feus Divinos attributos ; e quando os Pa-


dres vinhao vifitálo , paffava días , e noites
conferindo com elles em materias de con-

ciencia : quando fe defpediao do palacio, fu-


bia ao lugar mais eminente delle para os fe-
guir com a vifta derramando muitas lagri-
mas , fem fe apartar delle , ſenaõ quando já
nao os alcançava com a vifta.
Pouco depois de tomar o governo ,
man-
270 9
Hiftoria da Igreja¨·
mandou noticiar aos Bonzos , que moravaõ
nas luas terras , que nao tendo neceflidade
da fua doutrina , pertendia dividir as ren-
das , de que gozavao , e dar parte dellas aos
foldados , que fe aliftavao no feu ferviço .
Efta declaração atormentou muito todos os
Bonzos , e muitas peffoas affeiçoadas ás fuas .
fuperftições forao fallar a Chicacata , e fe
queixárao da injuftiça , que lhes fazia o no-
vo Principe. Efte idólatra , fazendo-fe par
te nos intereſſes dos Bonzos , the mandou di-
zer, que nao devîa declarar fe tanto no prin-
cipio do feu governo ; porque os Bonzos
como eftavao fenhores dos animos , e con
ciencias dos feus vaffallos , poderiaŎ levan-
tar alguma rebelliao , e affim era mais acer-
tado ganhar a vontade dos feus vaffallos ,
do que expôlos a hunia exafperação com o
feu rigor. D. Pantaleaó lhe refpondeo , que
agradecia o feu avifo , mas que nao fe rel
folvia a feguilo ; porque nao era licito á fuá
authoridade , e honra mudar tao facilmente
as ordens , que tinha dado ; e muito mais
fendo eftas as primeiras , por nao pôr os feus
vaffallos no coftume de revogar os feus de
cretos , dando animo aos fediciofos de fe

levantarem com qualquer pretexto : e que ef


tava refoluto a fazer executar a fua deter
minaçao , ou por força , ou por vontade.
Efta repofta intimidou a Chicacata , vendo
que porfiava com hum Principe animozo , e
intrépido ; e affim aconselhou os Bonzos

que obedeceffem , perfuadindo-os a que o


Rey
do Japao. Liv. VIII. 271
Rey D. Francifco nao fofreria a minima def-
attençao , que fe fizéffe a feu filho. Defte
modo triunfou D. Pantaleaó da idolatrîa , e
mandou logo lançar por terra todos os feus
templos , e expulfar os Bonzos dos feus Ef-
tados.

No anno feguinte mandou D. Leaŏ Igreja feita


em
edificar hum templo magnifico em Nocem, en Nocem .
que foy confagrado em dia da Natividade
de Noffa Senhora ; e affiftido de alguns Pa-
dres cantou nelle a primeira Miffa folenemen-
te o P. Gomes , Reytor do Collegio de Funay,
que teve o gofto de ver cinco mil Chriſtaos
juntos no lugar , em que poucos annos an-
tes nao fe via hum fó.

Em quanto a Religiao crefcia com Morte do Ir-


tantos progreflos , teve huma perda confi- maó Luiz de
Almeida , e
deravel no Irmao Luiz de Almeida , que Deos
Luas acções.
levou para fi nefte anno de 1584. Fora elle
ao Japão a contratar , mas fazendo os Exer-
cicios de Santo Ignacio pela direcção do P.
Balthafar Gago , fe dedicou ao ferviço de
Deos , fendo recebido na Companhia pelo
P. Cofme de Torres , companheiro que foy
de S. Francifco Xavier : e tendo doze mil
cruzados em dinheiro , os empregou na fa-
brica de dous hofpitaes ; hum para engeita-
dos , e outro para leprofos , de que ha gran-
de numero naquelles Reynos , e eſtavao pri-
vados de todo o humano foccorro. A'lem
deftas óbras meritorias , fe exercitou em to-
das as mais virtudes com tanto fervor , que
pelo decurfo de vinte e fete annos nao cel-
fou
272 Hiftoria da Igreja
fou de adquirir almas para Deos , trazen-
do-as ao caminho da verdadeira falvaçao .
Como fabia perfeitamente a lingua Japone-
za , e os coftumes daquelles Gentios , e era
dotado de huma eloquencia grande , naõ ſe
póde expreffar dignamente o fruto , que fa-
zia a fua prégaçao. Difputou com os Bon-
zos muitas vezes , e os confundio ; porque
ainda que tinha eftudado pouco , era taó
douto , e illuftrado , que os Padres fe per-
fuadiaó , que lhe tinha Deos comunicado
fciencia infula de todos os Myfterios da nof-
fa Religiao , e a virtude de fárar, enfermos
nas doenças mais perigofas , nao tanto com
de que tinha al-
os remedios da Medicina ,
gum conhecimento , como com as fuas ora-
ções , e com a fua fé. Fundou as Igrejas de
de
Facata , de Ximabara , de Cochinozu ,
Amacufa , e de Funay ; e reftabeleceo , e ac-
crescentou muitas outras , como a de Can-
goxima , e a de Saxuma . Elle foy o'primei-
ro , que prégou o Evangelho no Reyno de
Gotto , e o fugeitou ao império de JESU
Chrifto ; e o numero de Bonzos , que con-
verteo , nao fe póde exprimir. Quem quizés-
fe referir a fua vida , fuas viagens , as
as
fuas fadigas, batalhas , e perfeguições , acha-
ria hum retrato vivo do que padeceo S.Pau-
lo na prégaçao do Evangelho . Andava mui-
to pobremente veftido , e fendo de hum tem-
peramento delicado , comia muy pouco , e
trabalhava fem repouzo : andava fempre dif-
correndo de Reyno em Reyno a buſcar ove-
lhas
do Japao. Liv. VIII. 273
lhas perdidas ; e em muitas partes ſe encon-
trava com os Bonzos , e idolatras , que lhe
faziaō muitas injurias , chegando a fublevar
os povos contra elle para o matarem. Def-
terrado por elles de Cangoxima , eſteve pe-
lo tempo de hum anno em huma praya do
mar dentro de huma pequena cabana , fem
outro alimento mais que hervas do campo :
e quando pela perſeguiçao dos idólatras lhe
foy preciſo deixar o Reyno de Gotto , viveo
por muito tempo em hum afpero deferto ,
retirado em huma caverna. Foy prezo pelos

corfarios , defpojado dos proprios vestidos ,


maltratado , ferido , e polto em huma pe-
quena barca no meyo do mar fem provifao
alguma , enfermo, fem alento , e expofto ás
tempeftades , e ondas , fem Piloto , nem léme ,
até que milagrofamente fahio a terra.
Nao fó era perfeguido dos homens
mas tambem dos demonios , que the tinhaổ
mortal ódio. Em huma occafiaó tendo lan-

çado fóra o efpirito maligno do corpo de hu-


ma peffoa , a quem opprimira pelo espaço
de dezoito annos , o demonio lhe deo tanta
pancada huma noite , que ficou por muitos
dias enfermo : mas nenhum deftes trabalhos
defanimavao ao valerofo Soldado de JESU
Chrifto; porque delles voltava com mayor
esforço á batalha. Tinha infaciavel vonta-
de de padecer , e fe póde dizer , que naố
achou o complemento dos feus defejos , fe-
nao em Amacufa , porque allî confumido da
enfermidade , trabalhos , e exceffos do feu
Tom . II. S zelo ,
274 Hiftoria da Igreja
zelo , depois de receber todos os Sacramen-
tos ,
morreo no anno de 1584 , tendo de
idade cincoenta e nove annos , e tres annos

depois de fer Sacerdote.


Zelo deJuto Temos dado fufficiente noticia do
Ucondono. Reyno de Bungo , e dos outros circumvifi-
nhos : he tempo de voltarmos a Meaco , on-
de Faxita continuava a favorecer os Chri-

ftaós. Goſtava muito da companhia do Irmao


Lourenço. Hum dia fallando familiarmente
com elle , lhe difle , que de boa vontade ſe
faria Chriſtao , fe o difpenfaffem de obfer-
var huma das claufulas da fua Ley, que era
confervar-fe fó com huma mulher : miferia
fobre todas as do Mundo , pois por tao bre-
ve gofto perdem os eternos prazeres da Glo-
Gloria. Os favores , que cada dia fazia aos
Chriſtaos , accrefcentava cada vez mais o
feu numero ; e Jufto Ucondono da fua parte
trabalhava com zelo apoftolico em extirpar
as idolatrias . Havia nefte tempo nas terras
do feu dominio trinta mil infieis : mandou
publicar hum Edicto , em que ordenava, que
ou abraçaffem a Ley de Chrifto , ou mudaf-
fem de paîz ; porque elle nao conhecia por
vaffallos , fenao os que adoravao o verdadei .
to Deos . Efta declaraçao obrigou a todos a
pedirem os inftruiffem para ferem baptizados ,
dando goftozo trabalho aos Padres, que affif-
tiao em Meaco. O zelo de Jufto Ucondono
nao fe limitava ló ás fuas terras , mas fe ef-
tendia até a nova Cidade de Ozaca , onde
eſtava a Corte. Nefte anno de 1584 fe inf-
truîrao ,
do Japao. Liv. VIII. 275
truirao , e baptizárao pelo Irmão Lourenço
mais de cincoenta Gentis homens. O de ma-
yor graduaçao foy hum Nobre, a quem Faxi-
ta amava como proprio filho , e o tinha feito
feu Almirante : chamou-fe Agoftinho , e def-
te Heróe Chriftaõ ſe leráo grandes acções no
difcurfo defta Hiftoria. Era exceffivamente

altivo em quanto idólatra , mas depois do


Baptifmo ficou tao comedido , humilde , e
modéfto , que os mefmos idólatras fe admi-
ravao de tao repentina mudança . Converteo
logo a feu pay, que tomou o nome de Ro
drigo , e a fua mấy , que fe chamou Magda-
lena , e mais dez Cavalheiros , fendo hum
deftes Condera , General da cavallaria de Fa-
xita, que fe baptizou com o nome de Simao .
Em quanto Faxita trabalhava para Faxita fitia
eftabelecer o feu Imperio , o terceiro filho de de
terceiro filho.
Nobunan
Nobunanga nao podendo fofrer, que hum vaf- ga,e a feu tio
fallo rebelde , e tao favorecido de feu pay lhe Micabadonor
déffe Leys , tratou ſecrétamente com feu tio
Micabadono , e alguns Senhores feus aliados
excluîlo do Imperio. Noticiofo Faxita defta
fublevaçao , procurou livrar- fe a fi , e def
truir os fediciofos . Levantou logo hum ex-
ercito de fetenta mil homens , e os fitiou em
"
huma fortaleza , que parecia inexpugnavel ;
porque era cercada de altos montes , que lhe

ferviaó de muros , e baluartes : porêm adver-


tindo , que da mefma montanha cahia hum
rio , que corria mais alto que a fortaleza ,
fez hum canal , no qual meteo muitas em-
barcações com bons foldados. Havendo o
S2 rio
276 Hiftoria da Igreja

rio feguido o feu curfo por aquelle canal á


roda da fortaleza , e crefcendo as fuas cor-
rentes mais que nunca , chegou finalmente a
'inundar a praça ; o que obrigou os fitiados
a render-fe á ditcrição . Concedeo Faxita a
vida ao tio , e fobrinho em confideração de
Nobunanga , e lhes affinou húma penfão com
a condição , que lhe haviao ceder todas as
terras , de que eftavao de poffe , e viver
fempre na Corte.
E para melhor fegurar os feus inte-
Jufto Ucon-
dono perfe- reffes , depois de edificar a nova Cidade de
gue os Bon- Ozaca , quiz Faxita fenhorear fe de todas as
ZOS.
fortalezas circumvifinhas . Era Tacacuqui hu-
ma dellas , e a mandou pedir a Jufto Ucon-
dono , que a dominava , offerecendo - lhe em
troca huma das melhores terras , que houvél-
fe no Japao , e foffe mais do feu agrado. To-
mou outra praça a Simao Tangandono , dan-
do- lhe em recompenfa huma forte praça no
Reyno de Mino , prómettendo a ambos fa-
vorecer em tudo os Chriftaós. Foy altiffima
providencia de Deos, que D. Simao foffe para
Mino, para confolar, e defender os Chriftaōs ,
que eftavao nefte Reyno privados de todo o
foccorro humano : e Jufto, tanto que tomou
poffe do feu novo governo , fe refolveo fu-
geitálo ao império de JESU Chrifto . Saben-
do os Bonzos a fua intençao , ſe embarcáraó
com todos os idolos , e forao lançar-ſe aos
pés da Raînhal, mulher de Faxita ; pedindo-
The os recebeffe a todos na fua protecçao .
Compadecida a Rainha das fuas lagrimas, e
movi-
do Japao. Liv. VIII. 277
movida do ardente zelo da fua religiaō, fal-
lou a favor delles ao Rey feu marido : mas
Faxita , que nao era muito devoto , lhe ref-
pondeo afperamente, dizendo, que tinha da-
do aquella terra a Jufto por outra , que lhe
tirára , e que cada hum nas terras do feu
dominio podia fazer o que quizéfle. Os Bon-
20s (continuou) pódem levar os idolos com-
figo , e fe lhes pezarem muito, pódem deitá-
los no mar, où deixálos a fecar no monte
com outra lenha para ferem pafto do fogo.
A Rainha voltou com efta repofta defcon-
foladiffima ; e Jufto deo muitas graças a Deos,
proteftando pôr o esforço todo , para que
os feus vaffallos abraçaffem a Fé Catholica.
Em quanto os Padres procuravao com Poder, e am-
bição de Fas
todo o exceffo eftabelecer o Imperio de JESU xita.
Chriſto, nao cuidava Faxita em outra couza,
mais que em fegurar o feu. No anno de 1585
tomou o nome de Cambacundono , que quer
dizer, Soberano Senhor do Japaō ; e com ef-
feito affim era , nao havendo em todo elle
Rey, nem Potentado , que fe pudéfle oppôr
á fua vontade. Nobunanga tinha confervado
ao Cubo o feu nome , e huma efpecie de
Soberania ; mas Faxita até defta o defpojou ,
nao querendo que houvéffe no Japaó, quem
na Soberania foffe feu femelhante. Quanto ao
Dayre , como nao confiftia o feu poder mais.
do que ter aquella fantaſtica dignidade , con-
fentio que viveffe no feu palacio, coarctando-
The porêm toda a liberdade de poder exer-
cer o feu dominio. Defta forte ficou Camba-
Tom. II . S 3 cundono
278 Hiftoria da Igreja
cundono mais poderofo , e abſoluto , que o
feu predeceffor Nobunanga : e porque efte
edificára foberbamente a fua Cidade de An
zuquiama , para lhe nao ceder na magnificen-
cia , quiz levantar a fua de Ozaca á mayor
grandeza , que até allî fe vira no Japao.
Mandava trabalhar nella feffenta mil officiaes
de todos os generos de dia , e de noite :
mandou-lhe abrir fóffos , aos quaes vinha
agoa em abundancia pela fua muita profun-
didade. As pedras fe conduziao pelos rios
de lugares diftantes vinte , e trinta leguas á
cufta do povo , dos Cidadaos , e dos Gran-
des : fó a Cidade de Sacay lhe dava cada dia
duzentas barcas , com cuja traça crefceo em
breve tempo o edificio de forte , que as
cafas fe dilatavao huma legua para a parte
de Sacay, e outra para a de Meaco. Cercou - a
de muros de pedra lavrada muy largos , e al-
tos . Corria entre a antiga , e nova Cidade
hum caudaloso rio até Meaco, navegavel ain-
da por vafos mayores. Aqui fabricou huma
fortaleza de huma eftructura maravilhofa , e
hum palacio tao fumptuofo , e excellente ,
que as telhas delle erao todas douradas , lan-
çando tal resplandor que ( permittafe- me di-
zer affim ) quafi fe' affemelhava aos do Sol.
O P.Provin Nefte mefmo anno de 1585 chegou
cial vista a a Ozaca o P. Gafpar Coelho , Provincial do
Cambacun- Japao . D. Jufto , D. Agoſtinho , e D. Simao
dono.
Condera o recebêrao com grandes honras , e
The alcançárao foffe faûdar a Cambacundo-
no , offerecendo- fe para o conduzir a pala-
cio,
do Japao. Liv. VIII. 279
cio , e facilitar- lhe a audiencia . Os Padres ,
que affitiao em Meaco , conhecendo o ani-
mo altivo defte Principe , receárao nao fof-
fe bem recebido ; porêm , finalado o dia
foy com effeito á fua prefença , acompanha-
do de oito Religiofos da meima Companhia,
quinze Catequiftas , e feis Gentishomens Ja-
ponezes , que fe educavao no Seminario . Pe-
dio audiencia , e para alcançála , confórme
o uso do Japaó , enviou ao Rey, e á Raînha
as offertas , que lhes trazia , as quaes the
franqueáraó logo a entrada , e forao condu-
zidos a huma grande fala , ornada de vifto-
fas pelles de tigre , e outras efpecies de ani-
maes de grande preço . Efperáraó a repoſta
do Rey , que fe dilatou muito tempo , por
eftar occupado da admiraçao , em que o pu-
zérao os prefentes : ( nao fe diz , de que
conftavao , mas pelo que foraó eftimados ,
fe póde conjecturar a fua preciofidade) deo
finalmente ordem ao feu Secretario Simao

Aydono , feu primeiro Medico , e Valido ,


que mandaffe entrar os Padres.
Defta fala pafláraó a outra toda dou- He recebido
rada , e adornada de preciofas pinturas , na com muita
qual eftava Cambacundono fentado em hum benevolencia
throno eminente , e aos feus lados Mataye-
mam ? Senhor de tres Reynos , o Rey de
Tangi, e muitos Embáxadores , a quem o niel-
mo Cambacundono tinha detido com eftas
palavras Deixay- vos eftar, que querofejais
teftemunhas da maneira , que recebo eftes
eftrangeiros. O P. Provincial , e os outros
S 4 Padres
280 Hiftoria da Igreja
Padres da Companhia fizéraó huma profun-
da reverencia ufo do paîz , e depois fe
ao
retirá ao acompanhados do Secretario até a
porta . Era tao grande a cafa , que donde
eftavao , nao diftinguiao as feições do roſto
de Cambacundono : mandou chegar para mais
perto o Provincial , o qual lhe agradeceo em
termos refpeitozos o affecto , que moftrava
á Religiao Chrifta , e o muito , que prote-
gia a todos, os que a profeffavao. Conclufo
o feu cumprimento dizendo , que efperava,
e tinha por feguro , que o verdadeiro Deos,
a quem elle honrava nos feus fervos , lhe
remuneraria com liberalidade exceffiva osfa-

vores , que lhe deviao, e o protegeria contra


feus inimigos : o Rey , ainda que de natural
arrogante, lhe refpondeo com muito agrado,
e benevolencia . Depois defta repofta , fez fi-
nal de fe apartarem hum pouco os circum-
ftantes , e chamou para junto de fi os Pa-
dres , e a Jufto Ucondono , dizendo , que
queria , que tambem elle , como Catholico
tivéffe parte , e foffe teftemunha do que fal-
lava ; e começou logo a louvar o zelo , com
que fe arriscavao a bufcar terras tao diftan-
tes para publicarem a Ley de Deos , que ado-

ravao , e lhes fez depois várias perguntas


ácerca da India . Paflado algum tempo , fez
final para lhe trazerem muitas mefas peque-
nas ao uso do Japao , cobertas de frutas de-
licadas , das quaes pedio aos Padres comef-
fem , querendo , que foffem fervidos por
Pagens Chriftaōs .
Acaba-
do Japao. Liv. VIII. 281
Acabado o convite , difcorreo fami- o Rey falla
liarmente com os Padres fobre o modo, com familiarme-
que governava os feus vaflallos , e lhes dif- te com osPa-
dres , e lhes
je , era a fua intençao nao fó eftabelecer a defcobre os
paz , mas deſarraigar todas as raîzes da dif- feus intentos.

córdia , que pudéile perturbar o ſeu repou-


zo ; e que póſtas as couzas em ordem , de-
terminava paffar á China , nao para a affo-
lar , e deftruir , mas para a fugeitar á docu-
ra do feu imperio : que a efte fim tinha man-
dado cortar muita madeira aos bóiques ; por-
que pertendia pôr no mar huma armada de
dous mil navios : que álem deftes delejava
duas grandes náos de Portuguezes bem pro-
vidas , e armadas , e as pagaria pelo mais
fubido preço , em que as eftimaffem ; e que
fe por meyo dos Padres alcançaffe efte foc-
corro , promettia , tanto que eſtivéſſe tudo
prompto para aquella empreza , mandar ,
que ametade do Japao abraçaffe a Ley Chri-
fta , e que depois de conquistar a China , le-
vantaria ao verdadeiro Deos templos em to-
das as Cidades , Villas , e Lugares do feu Im-
perio , e obrigaria todos os feus vaffallos a

receberem o Baptifmo.
Acabada efta prática , fe levantou ,
e mandou a Jufto Ucondono moftraffe aos Pa-
dres a riqueza , e magnificencia do feu pala-
cio : e em quanto elles andavao de huma e

outra parte admirando tanta grandeza , le


encontrou outra vez com elles defpido da
Purpura , e fem guarda , mais que huma Da-
ma veftida como as noffas Religiofas , que
trazia
282 Hiftoria da Igreja
trazia hum grande mólho de chaves , e mais
huma Senhora de treze annos com a fua ef-

pada ; porque os Reys do Japao fao fervidos


por mulheres dentro nos palacios , e neſte de
Cambacundono havia fo para o quarto da
Raînha trezentas , filhas dos principaes Se-
nhores dos feus Reynos. Os Padres ficáraó
admirados de o ver fó , fem pompa , nem fi-
nal de grandeza ; e elle fofrindo- fe diffe :
Nao quero ceder ao voljo , e meu Ucondono
em demonftrações de estimaçao , e affim eu
A
mefmo vos quero moftrar o meu palacio : e
andando adiante , fazia abrir a Dama as por-
tas , dizendo em huma : Efta casa está cheya
de ouro , efta de prata , a outra de todos os
bordados de feda mais primorofos , e naquel-
la as minhas armas . Šahindo defte lugar ,
dados poucos paffos , fubirao huma efcada ,
que terminava no oitavo andar , onde lhe
moftrou huma camara portátil de ouro maci-
ço com todas as peças precifas para o feu
adorno do mefmo genero, que fe tinha aca-
bado no dia antecedente. • Subirao logo ao
ultimo do palacio , que fe terminava em fór-
ma pyramidal muito alta , donde fe defco-
bria a Cidade toda de Ozaca, e todos os ar-
tifices , que trabalhavão em a edificar. A'lem
defta agradavel vifta , fe defcobria huma di-
latada campina , que era hum encanto dos
ólhos. Toda a Corte estava fufpenfa de ver
o Principe naquella fórma com os Padres ;
porque femelhante honra nao a tinha feito a

peffoa alguma , ainda que foffe Real.


Defcê-
do Japao. Liv. VIII. 283
Defcêrao finalmente da torre , e che-
gando a huma efpaçofa fala , fe fentou , e
mandou fentar os Padres para lhe contar a
famofa difputa , que o P. Fróes , e o Irmao
Lourenço tivérao em Meaco na presença de
Nobunanga com o Bonzo Niquixoxumi. Eu
eftava prefente, ( diffe o Principe ) e me par
recia muy racionavel o que diziao os voos
Padres , admirando fobre tudo a fua modef-
tia ; e de tal forte me irritou o Bonzo bru-
tal, e infolente , que fe tivéra entao o poder,
que hoje tenho , lhe mandara cortar a cabe-
fa. Depois defta prática , em que defcanfá-
rao de tao largo , ainda que goftozo , paffe-
yo , conduzio os Padres a huma camara, na
qual tinha muitos vestidos bordados , femea-
dos de pérolas , e outras pedras preciofas
de ineftimavel valor e nao fe fatisfazendo
de tantas demonstrações honrozas , mandou
chamar todas as Damas , e meninas da affif-
tencia da Raînha , que muitas erao Chriſtás,
para reverenciarem os Padres ; e acabada ef
ta ceremonia obfequiofa , os defpedio igual-
mente fatisfeito da fua modeftia , como os
Padres obrigados a tao exceffivas honras .
Soubérao pelas Damas Chriftas , que tambem
a Raînha , ainda que idólatra , tinha grande
gofto de os ver , e que moftrava muito gof-
to de lhes ter feito tantos favores o Rey.
Sendo informado o P. Provincial da Concede - lhe
boa vontade da Raînha , lhe mandou hum Patétes am-
Memorial pela Dama D. Magdalena Vacuza pliimuitomas , e
favo
doni , máy de D. Agoſtinho , que era muito raveis.
fua
284 Hiftoria da Igreja
fua favorecida : continha elle tres artigos
que defejava alcançar de Cambacundono .
primeiro ,que lhe fofle permittido prégar
em todos os feus Reynos a Ley de Deos , e
a todos os feus vaffallos recebêla : fegundo ,
que as fuas Calas follem izentas de alojar
foldados , pentao a que eftavao fugeitos to-
dos os Conventos dos Bonzos : terceiro, que
foffem livres de todos os impóftos , tributos,
e táxas , que os Grandes impunhao aos feus
vaffallos , pois elles erao forafteiros . A Raf-
nha prometteo fallar ao Rey , e proteger o
feu requerimento ; mas quiz que os Padres
The défem huma minuta da fórma , por que

queriao as Patentes. Logo a fizeraŎ com as


condições mencionadas , e ella a aprelen-
tou a Cambacundono , o qual nao le conten-
tando fó em convir nas condições , que lhe
pediaó , accrefcentou , e concedeo mercês no-
vas ; porque deo aos Padres permiffao nao
fó de prégar nos feus Reynos , mas por to-
do Janao , de que muito fe jáctava Sobera-
no. Ordenou fe déffem duas cópias de Pa-
tentes aos Padres , e as affinou de proprio
punho ; favor , que nao tinha feito até allî
a ninguem , querendo que huma cópia fical-
fe no Japao , e outra fe enviaffe a Europa :
Para que conheçao os Principes Chriftaos
( dizia ) quanto amo os Padres , e os eftimo.
Novos favo- Recebendo as Patentes o P. Provin-
res do Rey, e cial , foy fegunda vez a palacio com o P.
Rainha.
Organtino a render as graças a S. Magefta-
de. O Rey os recebeo , como no dia ante-
cedente,
do Japao. Liv. VIII. 285
cedente , e difcorreo com elles por espaço
de tres horas ; e quando elles efperavao lhes
déffe licença para fahirem da fua presença ,
porque era já tarde , os deteve dizendo, que
queria ceaffem em palacio. Trouxérað logo
os Moços da Camara para o meimo quarto
do Rey muitas mefas pequenas ao ufo do Ja-
pao efplendidamente cobertas , e forao ban-
queteados Regiamente. Depois da cêa, man-
dou o P. Provincial dar o agradecimento de
tantos favores á Raînha pela Dama D. Ma-
gdalena , a qual lhe mandou muitos pratos
de fruta na ultima perfeiçao , dizendo , que
fe confiderava muito venturoza , por poder

confeguir dar-lhes gofto , e lhes fegurava ,


que em todas as fuas dependencias a acha-
riao fempre propicia.
Todos os Grandes da Corte eftavad
cheyos de admiraçao , vendo ao feu Princi-
pe dar de comer na fua propria camara a
peffoas eftrangeiras ; favor até allî nao con-
cedido nem ainda aos mayores Principes do
Japao ; e affim fe divulgou por todos os
Reynos a voz , de que o Rey fe queria fa-
zer Chriftao : porêm o feu orgulho, e laſci-
via lhe difficultava efta felicidade ; mas com
effeito alguns dias antes de chegar o P.Pro-
vincial a Ozaca , tinha hido em fegredo a
Cafa dos Padres , e vifitou a Igreja , na qual
vendo a Imagem do Salvador , fez muitas
perguntas ao Padre Cefpedes, que o fatisfez
plenamente fobre muitas duvidas , que lhe
propoz ; e antes de fe retirar , difle ao Pa
dre :
286 Hiftoria da Igreja
dre : Conheço , que fois gente mais de bem
que os Bonzos de Ozaca : a voffa Ley me
agradára muito , fe permittira a pluralida-
de das mulheres , porque efte só preceito me
impoffibilita fer Chriftao . Terrivel cegueira ,
a que induz o demonio , motor de todo en-
gano para levar as almas ao defpenhadeiro ,
a que fe expoem por efte depravado vicio .
O Rey de A- Já diffémos , que quando matáraó
maguche re- Nobunanga , Cambacundono , que era entao
conhece
bacundono Lugar - Tenente General das fuas armas , fa-

por Sobera zia guerra ao Rey de Amanguche , e que fi-


no,aos
te Padres zéra tréguas com elle, tendo noticia da mor-
epermit
prégaren no te do feu Soberano . Introduzindo - fe depois
feu Reyno. Senhor do Imperio , chamou efte Rey , para
que lhe déffe homenagem , na qual confen-
tio elle com as condições mais favoráveis
que pode alcançar por intervenção de D.Si-
mao Condera, General da cavallaria de Cam-
bacundono , que era o feu mayor Valido.
Havia já trinta e fete annos , que S. Fran-
cifco Xavier, e o P. Cofme de Torres tinhao
reduzido muitos idólatras em Amanguche á
Fé de Chrifto , e fe confervavao conftantes
fem ferem vifitados , nem confolados dos Pa-
dres ; porque o Rey lhes prohibia a entrada
no feu Reyno : mas D. Simao Condera como
o reconciliára com Cambacundono , alcançou
a permiffao de fe poder prégar no feu Rey-
no a Ley de Deos ; o que produzio grandes
frutos , que referiremos no feu lugar proprio.
D. ' goftinho
D. Agoftinho da fua parte trabalha-
accrefcenta a
Religiao. va com incantavel zelo pelo augmento da
Fé .
do Japao. Liv. VIII. 287
Fé. Tinha grande crédito com Faxirandono
Rey de Bugem , e de Figem , o qual nao ti-
nha mais que treze , ou quatorze annos :
conduzia aos Sermões grande numero dos Se-
nhores da fua Corte , muitos dos quaes ti-
nhao recebido o Baptifmo : dous Governa-
dores defte Reyno o pedirao ; e porque Cam-
bacundono concedêra licença pelas fuas Pa-
tentes para fe prégar em todo o feu domi-
nio , D. Agostinho alcançou de Faxirandono ,
e de fua mulher, que eftava agora na Corte,
a mefma faculdade de fe fazer huma Igreja
na principal Cidade do Reyno, chamada Vo-
cayama.
No anno de 1586 fe fentio hum ter- Terremote
remoto tao horrivel , como até allî fe nao horrivel.
tinha ouvido no Japaó. Durou quarenta dias
inteiros fem parar , e fe eftendeo defde a Ci-
dade de Sacay até Meaco. Arruînou feffenta
cafas em Sacay , e parte de Nagafama , que
he hum arrabalde de mil fógos , foy fover-
tido , e • a outra parte confumida de hum fo-
go , que fahio da terra. Em Meaco muitas
cafas ficárao arruînadas , e o célebre templo
dos feus idolos . No Reyno de Vazaca havia
huma pequena Cidade junto ao mar, que era
muy frequentada de mercadores , a qual , de-
pois de fofrer horriveis affaltos por espaço
de muitos dias , o mar fe enfureceo de fór-
ma , que o impetuozo das fuas ondas deitou
todas as fuas cafas em terra , e fe alagou de
modo, que nem ainda lhe deixou alguns vef-
tigios , de que fe pudéffe inferir , que alli
foy
288 Hiftoria da Igreja
foy Troya. Havia huma fortaleza no Reyno
de Mino , fituada fobre hum alto monte cha-
mado Vogaqui : abrio- fe a terra , e tragou o
monte , e a fortaleza ; e no lugar , em que
eftava , appareceo hum lago grandiffimo. Em
outros Reynos do Japaó abrio-ſe a terra taó
fórtemente , que hum mofquete nao alcança-
va de huma parte a outra a diſtancia ; fahin-
do hum cheiro tao terrivel daquellas conca-

vidades, que nao havia quem pudéſſe chegar


áquelle fitio. Quando começou o terremoto,
eftava Cambacundono em hum Caftello de
Achequi vifinho a Meaco : o temor , que te-
ve de perigar a ſua vida, o fez vir pela póf-
ta para Ozaca , onde os feus novos edificios
podiao fofrer mais os terriveis abálos , e tre-
mores de terra ; e com effeito , ainda que
fentirao grande abálo , nao chegáraó a ar-
ruînar-fe .
O Rey D. Depois defte furiozo terremoto , pe-
Francifco
nun re-
cia o go - dio licença a Cambacundono o P. Provincial
verno. para voltar a Bungo , onde chegou no prin-
cipio do anno de 1587, tendo a confolaçao
de ver a Religiao em tao bom estado , que
fe nao podia defejar melhor : tudo pela di-
ligencia , zelo , e bom exemplo do Rey D.
Francifco , de modo , que em hum anno fe
baptizáraó mais de quinze mil peffoas. To-
dos os vaffallos de D. Pantaleao feu filho ,
que fe andavao inftruindo na Fé , e fe dif-
punhao a receber o Baptifmo , chegavao a
quarenta mil ; e feis mil fe convertêrao nas
terras de D. Paulo. O Rey D. Francifco fen-
tindo-fe
do Japão. Liv. VIII. 289
tindo-fe carregado de annos e vendo os

Reynos de Bungo , de Bizem , e de Chicun-


go em paz, renunciou fegunda vez o gover-
no , e fe retirou a Sacumi com hum Padre da

Companhia , e o feu companheiro ; elcolhen-


do elte fitio , porque todos os feus habitan-
tes erao Chriſtaos.
Quanto ao Principe feu filho , tinha
efte a fua Corte em Funay , onde naõ fazia
bem , nem mal aos Chriftaos ; mas efta meſma
ineptidao , a fua vida diffoluta , e máo exem-
plo difficultava aos infieis a converfao , e lhe
originou todas as defgraças , que fe lhe fe-
guirao , fazendo-o mais indigno do perdao
nao fe aproveitar dos exemplos de feu pay ,
que vivia como hum Anjo no feu retiro ; e
da mudança da Rainha Jezabel fua máy, que
nefte anno ſe poz tao favoravel aos Chri-
ftaos , quanto até allî lhes tinha fido contra-
ria ; pois nao podendo fofrer até entao nem
a vifta , nem a companhia de nenhuma pel-
foa Catholica , deo entrada no feu palacio
a mais de feffenta Damas Chriftás, conceden-
do grata licença a todos os feus domésticos
para ouvirem Miffa nos Domingos , e nos
mais dias de preceito , e tambem para tra
zerem o Rofario á vifta ; quando antes com
impio furor o quebrava , e lançava no fogo.
Tinha duas filhas Chriflás , huma chamada
Maxencia , e outra Regina : alegrava- fe tan-
to, de que eftas cumpriffem com as fuas obri-
gações , que efquécendo hum dia a D. Ma-
xencia o feu Rofario , lho mandou por hum
Tom. II. T Págem.
290 Hiftoria da Igreja
Págem. Entrava muitas vezes no feu Orato-
rio , e lhe perguntava o nome dos Santos ,
de que via as imagens . He fem duvida, que
as orações , e exemplo do Rey D. Francifco
fizérao efta notavel mudança : as Princezas
fuas filhas mandárao pedir ao P. Provincial
as vifitafle , e a Rainha o recebeo com to-
das as demonftrações de affecto , e venera-
çaó , que podia fazer , le fofle Catholica.
O Rey de O Principe de Bungo tomando fegun-
Saxuma faz da vez as rédeas do governo , nao foy nem
guerra ao de mais fabio , nem mais venturozo , que da
Bungo.
primeira perfiftia na idolatria, e approvava
fazer- fe dano aos Chriſtaos : nao ficou porêm
feni caftigo ; porque permittio Deos , fe le-
vantaffem contra elle feus inimigos , os quaes
The fizérao experimentar os effeitos da fua ira,
e da fua vingança. Os inimigos erao o Rey
de Saxuma , e Aquezuqui , que tinhao con-
quiftadoo Reyno de Chicujem : o Rey de
Saxuma devia entrar por Bungo , e Aquezu-
qui pelo Reyno de Bugem. Vendo os Bunge
zes a tempeftade , que le formava contra el-
les , recorrêrao ao feu coftumado afylo o Rey
D. Francifco , pedindo-lhe foffe a Ozaca pe-
dir foccorro a Cambacudono. Teve elle gran-
de repugnancia em deixar a fua folidao ; mas
obrigado da neceffidade, e fupplicas dos feus
vaffallos , fe refolveo a facrificar o feu cómodo
ao focego publico , como quem obfervava com
tanta exacção os dictames da Ley Catholica.
Cambacundono o recebeo , como peffoa do
feu alto caracter , e tomou por fua conta
ajuftar
do Japao. Liv. VIII . 291
ajuftar differenças ; mas o Saxumano
eftas
nao quiz convir , nem attender a nenhum
ajufte dos que lhe propoz Cambacundono ,
o qual irritado com efta repulfa prometteo,
nao fó dar-lhe o foccorro , que lhe pedia ,
mas hir á mefma guerra peffoalmente , fe
foffe neceffario . O Rey de Bungo lhe agra-
deceo taō eſpeciaes finezas , e voltou para
a fua folidao.
Informado o Saxumano de quanto fe Entra em
tratava em Ozaca , fe poz em campanha , an- barata
Bungo,oeRei-
des-
tes que chegaffe o foccorro de Cambacundo- no.
no ; e porque o Principe P de Bungo nao era
amado dos feus vaffallos , facilmente attrahio
ao feu partido alguns Senhores , que abando
nando o feu legitimo Soberano , accrefcentáraó
o numero dos feus inimigos . Sufpeitando o
Principe,que feu irmao D.Sebaftiao entretinha
com elles correfpondencias perniciofas ao El-
tado , fem mais infórme , que a fua imagina
da defconfiança , o defpojou de todos os
feus bens , reduzindo-o a tal miferia, que aca-
bou bem depreffa a vida : mas Deos Senhor
Noffo nao deferio por muito tempo a vin-
gança da fua morte ; porque o Rey de Saxu-
ma entrando no Reyno de Bungo com todas
as fuas forças , e Aquezuqui no de Bugem ,
começáraó a deftruir , e affolar as terras
metendo tudo a fogo , e fangue. Noticiozo
Cambacundono defte eftrago , quiz hir pef-
foalmente atalhálo , e dar fobre os inimigos
do Rey de Bungo ; mas nao fe achando com
tropas fufficientes para efta empreza , man-
T 2 dou
292 Hiftoria da Igreja
dou a D. Simao Condera , General da fua
cavallaria , a foccorrer o Reyno de Bugem ;
avifando ao Rey de Amanguche , que lhe af-
fiftiffe com todas as fuas forças contra Aque-
zuqui : efcreveo ao mesmo tempo ao Rey de
Sanoqui , dizendo- lhe , que o mais depreffa
que pudéffe, foffe acodir com as fuas tropas
ao de Bungo.
D. Simao D. Simao Condera fez marchar os

desbarata A- feus efquadrões para o Reyno de Chicujem ,


quezuquieta
Procura , que pertencia a Aquezuqui , fazendo nelle tal
belecer os estrago , que obrigou o inimigo a deixar o
PP. em A. Reyno de Bugem , em que tinha entrado ,
manguche.
para vir em foccorro do feu ; mas Condera,
que era grande Capitao , desbaratando lhe o
exercito , fe fenhoreou de todos os feus Ef-
tados. E conhecendo efte valerofo Capitao ,
que Deos favorecia as fuas armas , para mof-
trar-ſe grato a efte beneficio fazia todo o ex-
ceffo ; de modo , que alcançou de Morindo-
no Rey de Amanguche , feu grande amigo ,
nao fó que os Padres prégaflem nos feus do-
minios , mas que tivéffem tres Reſidencias ;
huma na Cidade de Amanguche , outra no
porto de Simonocaqui , e a terceira no Rey-
no de Ixo : effeito maravilhofo da providen-
cia de Deos , que preparava afylo aos Padres
depois da inteira defolaçao do Reyno de
Bungo , que le feguio pela imprudencia do
As Cidades Rey de Sanoqui.
de Vozuqui , Vindo efte Principe em foccorro do
e Funay fao de Bungo , e unindo- se ao filho do Rey D.
Tomadas , e
faqueadas. Francifco , em vez de defender as fuas ter-
ras ,
do Japaō. Liv. VIII. 293
ras , com politica inconfiderada entrárao pé-
lo Reyno de Bugem : e aproveitando fe o Sa-
xumano da fua menos acertada refoluçao ,
voltou para o Reyno de Bungo , e achando-o
fem tropas , dividio o exercito em dous cór-
pos ; hum marchou para Funay, e outro pa-
ra Vozuqui. O Rey D. Francifco , cujos acer-
tados dictames defprezárao , bem vio , que
o feu Reyno le perdia ; e recolhendo -fe lo-
go a huma fortaleza cercada do mar , que
corria até Vozuqui , recolheo nella os Padres
da Companhia , e alguns Chriſtaðs dos luga-
res circumvifinhos .

Nefte tempo o Rey de Saxuma , co-


mo hum rio impetuozo , deftruîa , e affola-
va tudo, o que lhe podia fervir de obftacu
lo aos feus defignios : tomou a Cidade de
Nocem , queimou a Igreja , que tinha feito
D. Leao , lançou por terra as Cruzes , paffou
todos os moradores ao fio da efpada , exce-
pto alguns Chriftaos , que deixou prizionei-
ros com a ambiçaõ de hum confideravel ref-
gate.
De Nocem paffou a Vozuqui , e ga
nhando a Cidade por affalto , fez nella hum
horrivel eftrago , e pondo-lhe depois o fo-
go por quatro partes, a reduzio a cinzas com
o palacio do Principe , cafa dos Padres , e
Igreja : teve tres dias fitiada a fortaleza ;
mas porque nao tinha navios para lhe im-
pedir o foccorro pela parte do mar , lar-
gou-a , e marchou para Funay a unir-se com
o reflo das fuas tropas .
Tom. II. T 3 O Rey
294 Hifto da Igrej
ria a
O Rey D. Francifco tinha muito an
tes avilado os Padres , que refidiao em Fu-
nay , para que nao efperaffem o Saxumano ;
mas quanto antes le retiraffem a Amanguche
com todos os paramentos , e móveis da ſua
Igreja , prevendo a defgraça , que fobreviria
á Cidade. Quizérao elles executar o feu con-
felho , mas tudo eftava em tal defordem ,
que nao havia fegurança nem por mar, nem
por terra ; porque o Rey de Sanoqui por
outra parte , como mandado por Cambacun-
dono para fe oppôr aos defignios dos inimi-
gos, havia prohibido aos moradores de Funay
com pena de morte , fahir da Cidade , ou ti-
rar della couza alguma ; por cujo motivo nao
foy poffivel aos Padres executarem aquelle
projecto , e fe virao obrigados a correr com
os outros a mefma fortuna. O P. Provincial,
que estava em Amanguche , vendo o perigo,
em que eftavao , pedio com inftancia a D.
Simao os quizéffe por em feguro , reprefen-
tando- lhe o dano, que fe feguiria á Religiao,
fe foffem
, mórtos todos os Padres, que efta-
vào em grande numero em Funay : porque
naquella Cidade havia Seminario de Sacerdo-
tes, e de Prégadores do Evangelho ; e fe ca-
hiflem nas mãos dos idólatras , nao eſcapa-
ria hum fó. Mandou Condera pôr logo prom-
ptos dous navios para os conduzir ao porto
de Ximanocaqui : e Deos Senhor Noffo , que
defendia os feus Servos , foy fervido infpirar
a hum Capitaō idólatra, vaffallo de D. Agof-
tinho , tiraffe os Padres do perigo , em que
eſtavao ,
do Japao. Liv. VIII . 295
eſtavao , perfuadido a que nao podia fazer
mayer , nem mais grato ferviço ao feu Prin-
cipe. Com effeito foy a Funay com dous na-
vios grandes , em que fe embarcáraó trinta
e tres Religiofos da Companhia , e vinte e
oito mancebos Japonezes , e os conduzio pa-
ra Amanguche ; ficando treze Religiofos no
Reyno de Bungo para affiftir aos Chriſtaos ,
e os confolar em tantos trabalhos ; dous na
fortaleza com o Rey D. Franciſco , dous em
Funay , e os mais em outras Refidencias.
Tendo-fe unido finalmente os dous
exercitos do Rey de Saxuma , marchárað pa-
ra Funay , e inveftirao huma fortaleza , que
eftava no caminho : o Governador , que era
Chriſtao , ſe defendeo com grande valor
mas cahindo morto de hum tiro de mofque-
te , o inimigo fe apoderou da praça. Em
quanto durou efta conquista , o Principe de
Bungo , e o Rey de Sanoqui fe puzérao em
eftado de foccorrer Funay tinhaỏ tençaõ de
romper as linhas ; mas fahindo o Saxumano
ao encontro , lhes aprefentou batalha . Pele-
jou fe valerofamente de huma , e outra par-
te , eftando muito tempo indecifa a vitoria;
mas emfim fe declarou pelo Rey de Sa-
xuma , o qual poz o exercito contrario em
tal defordem , que o Principe de Bungo , e
o Rey de Sanoqui fugirao á rédea folta com
o favor da noite , e fe retirárao á ultima
fortaleza do Reyno de Bungo , vifinha a Bu-
vem , deixando Funay á difcrição dos ini-
migos.
T 4 Vendo-
296 Hiftoria da Igreja
Vendo- fe eftes fenhores do campo da
batalha , e reforçados com as tropas , que

vinhao de Vozuqui , entrárao em Funay fem


nenhuma refiftencia : faqueáraó a Cidade , e
depois a arrazáraó até os fundamentos , fem
perdoar a Igreja , cafa , portas , nem muros;
e deixando a Cidade inhabitada , e deferta ,
paffáraó avante .Os moradores , que fe ha-
viao retirado , voltáraó depois , e começá-
rao de novo a eftabelecer- fe ; mas fobreveyo-
lhes huma tao violenta péfte , que tirou a
vida aos que tinhao efcapado de ferem vi-
timas da guerra : a Rainha Jezabel foy a pri-
&
meira que ſe vio tocada da péfte , e que
'em mais breves dias acabou a vida mais ob-
ftinada que nunca na idolatría. Todas eftas
defgraças fe attribuîrao ao Rey de Sanoqui ;
porque nao tendo experiencia alguma da
guerra , quiz dar as ordens conforme o po-
der , que lhe tinhao dado Cambacundono ;
e o Principe , porque dependia delle , nao
oufava contradizêlo , nem tomar conselho
com feu pay; e efta defordem foy a total ruî-
na daquelle Reyno.
Conderayem A Religiao Chriſta chegaria ao ulti-
foccorrer o mo perigo , e rifco de fe perder naquelles
Principe
Bungo. de Reynos , fe Deos Senhor Noflo nao mandaf-
fe, como antigamente a Judas Machabêo pa-
ra reftabelecer a Santa Cidade de Jerufalêm ,
a D. Simao Condera , que por fer Catholico ,
e valerofo Capitao , remediou tantos danos 7.
e defgraças . Efte fabio General fabendo a
derrota do Rey de Sanoqui , e do Principe
de
do Japao. Liv . VIII. 297
de Bungo , e a defolação total do Reyno ,
depois de ter em muito boa ordem os nego-
cios de Chicujem , e de Buvem , marchou na
frente das fuas tropas para a fortaleza , em

que os dous Principes eftavao retirados . An-


tes de emprender acçao alguma , perfuadio
ao Rey de Sanoqui , que fe retiraffe ao feu
Reyno com o pretexto , de que a fua gente
eſtava muito maltratada ; e depois de apar-
tar de fi a caufa de todas as defordens , e
a que fe podia oppôr aos feus defignios ,
chamou á parte o Principe de Bungo , e com
femblante grave , para o que lhe dava au-
thoridade o feu zelo , a fua idade , e o lu-

gar , que exercia , de que elle eſtava depen-


dente pelo eftado , a que o tinha reduzido
a fua pouca fortuna , o reprehendeo da fua
infidelidade, e da refiftencia , que fazia á gra-
ça de Deos ; fegurando- lhe , que nao devia
efperar nem de Deos , nem delle o remedio
de tantas calamidades , fe primeiro nao fe
reconciliaffe com Deos.

O Principe de Bungo ouvio com mui- O Principe


de Bungo re-
ta attençao eſtas reprehenfoes , e ameaços ; cebe o Bap
e ou foffe por eftar verdadeiramente arre- time.
pendido , ou porque era de animo inconf-
tantiffimo , ou porque a dependencia lhe en-
finou a fingir o que nao era , reſpondeo a
Condera , que conhecia o feu erro , e que
Deos o caftigava , por haver deferido tanto
tempo a fua converfao : que fe confeſſava
obrigado aos feus confelhos , e que para de-
monstraçao fiel , de que os abraçava , man-
daffe
298 Hiftoria da Igreja
dafle vir os Padres para o inftruîrem , é ba-

ptizarem ; e com effeito fe expedio logo


hum Correyo ao Rey D. Francifco feu pay ,
para que lhe mandaffe alguns Padres dos que
tinha em fua companhia.
Nao fe póde expreffar a alegria def-
te bom Principe , reflectindo na do Patriarca
Jacob , quando lhe différao , que feu filho
Jofeph , a quem elle fuppunha morte , efta-
va ainda vivo e como nao fofria dilações
cafo femelhante , avifou logo ao Padre Go-
mes foffe á fortaleza de Chicacata na fron-
teira do Reyno de Bugem , onde entao eſtava
o Principe feu filho. Como efte tinha fido
baftantemente inftruîdo na Fé , nao teve ne-
ceffidade de muito enfino , e foy. folenemente
baptizado aos 27 de Abril de 1587 com a
Princeza fua mulher , hum filho , e duas fi-
lhas : tomou o nome de Conftantino , a Prin-
*
ceza chamou fe Jufta , feu filho Fulgencio ,
as filhas huma Sabina , outra Maxima ; e mui-
tos Senhores da fua Corte , que esperavao fó
o feu exemplo , recebêrao com elle o Ba-
ptilmo.
Restaura o Deos Senhor Noffo , cujos caftigos
feu Reyno. fao effeitos do feu amor , nao menos que da

fua justiça , moftrou com evidencia , que os


fataes defaftres , que lhe fuccedêrao , forao
todos nafcidos de ter dilatado a fua conver-

lao; porque logo que elle fe baptizou , os


feus intereffes mudáraó de fortuna , e tudo
fe lhe poz , como elle podia defejar . Foy
com Condera bufcar os inimigos , que fe ti-
nhao
do Japao. Liv. VIII. 299
nhao fenhoreado do Reyno ; e porque efta-
vao animozos pelas vitorias paffadas , efpe-
rárao intrépidos o combate, difpondo em boa
fórma de batalha o exercito : mas tanto que
aviſtáraó Condera , penetrados de hum temor
pânico, largando o campo, fe puzérao em pre-
cipitada fuga. Nacacuza, que fe tinha accla
mado Rey de Bungo , moftrou mayor animo,
e valor , fuftentando o primeiro impeto ; mas
foy logo derrotado , è com grande difficul-
dade pode efcapar, fugindo de fer morto, ou
prizioneiro.
Depois deftas duas grandes vitorias
quafi fem peleja , foy D. Simao Condera vi-
fitar o Rey D. Francifco, conduzindo- lhe feu
filho Catholico, e vitoriofo. Será difficil ex-
primir o gofto , que fentio o bom Principe
com a vifta de feu filho , eftimando mais de
o ver Chriſtao , que vitoriofo dos inimigos :
abraçou o juntamente com fua mulher , e fi-
lhos , banhando- lhe o rofto com lagrimas ,
fem poder repetir mais, que as palavras do
Santo velho Simeao : que eftava prompto a
morrer em paz , pois tinha vifto o que tan-
to defejava , antes de fahir defte Mundo. O
Principe feu filho lhe pedio perdao dos feus
erros ,
e lhe fegurou , que dallî por diante
viria na promptidao da fua obediencia , e
na ſua ſubmiſſaō a mudança , que no feu.co-
raçao fizéra o Baptifmo.
Voltando logo para Bungo , fe appli-
cou na reftauraçao das Cidades de Funay , e
de Vozuqui com as Igrejas , que fe tinhao
demoli-
300 Hiftoria da Igreja
demolido ; e nefte mefmo tempo D. Simao
continuava a defalojar de todo os Saxuma-
nos de alguns póftos, que ainda occupavao,
e D. Paulo Xidgandono da fua parte fazia tu-
do , o que fe pode efperar de hum genero-
fo Chriſtao : porque na invaſaó dos Saxuma-
nos fe retirou a huma fortaleza , donde fa-
zia várias fahidas com grande dano dos ini-
migos , que temiao tanto o feu valor , que
nao ſe reſolvêraó a atacálo ; efdepois da ulti-
ma derrota fitiou huma praça fórte , á qual
algumas tropas de Fingo fe tinhao retirado.
Havia dentro grande numero de Chriſtaos :
o de mayor refpeito era D. Joao de Amacu-
fa , que nao fe pode difpenfar de vir a eſta
guerra , fendo vaffallo do Rey de Saxuma .
Eftando já o fitio muito adiantado, e a pra-

ça em termos , que fe nao podia defender


por muito tempo , D. Paulo mandou dizer
ao Senhor de Amacufa , que fe queria fahir
com os Chriſtaos , o podia fazer fem peri-
go , ou contradiçao , e lhe empenhava para
iffo a fua palavra. D. Joao porêm agradecen-
do a offerta , lhe reprefentou , que nao po-
dia com honra abandonar , os que eſtavao na
praça ; antes eftava refoluto a morrer com
elles , quando nao lhe quizéfle fazer inteiro
o favor. D. Paulo levado defta generofa re:
pofta , deo a todos com a vida a liberda-
de , e convidou a D. Joao , e a D. Bartho-
lomeu feu irmao para jantarem com elle , dan-
do-lhe prefentes ricos , pofto que nao os
tinha ainda viſto , e depois os acompanhou
até
do Japao. Liv. VIII. 301
até a fronteira do Reyno , fazendo triunfar
a charidade Chrifta do mais implacavel dos
feus inimigos , que he o ódio , e vingança.
Em quanto fe fazia guerra em Bun- Cambacun-
go , Cambacundono , que afpirava a fer Se- dono fenho-
nhor do Japao todo , nao buscava fenao oc- rea leXimo
no de doRei-
.
cafiões de fe apoderar de todos os Reynos ,
e affim ¡nao deixou agora a que fe lhe offe
recia de ficar Senhor de Ximo , que contêm
em fi muitos Reynos . Temos dito o deſejo,
que tinha de hir peffoalmente contra o Rey
de Saxuma , e que por falta de gente mandá-
ra a D. Simao Condera , General da fua ca-
vallaria. Efte ambiciofo Principe , logo de-
pois da partida de Condera, fez leva de hum
exercito poderofo para atacar os Reynos de
Ximo por mar , e por terra , e nomeou a

D. Agoftinho Almirante da Armada , e a D.


Jufto Ucondono Lugar-Tenente General das
fuas tropas ; e chegando ao porto de Ximo-
nozuqui , que pertence ao Reyno de Aman-
guche , foube a perda do Reyno de Bungo,
e que os mais dos Religiofos da Companhia
fe haviao retirado a Amanguche : perguntou
logo , fe eftava allî o P. Provincial , e man-
dou marchar o exercito para o Reyno de
Fingo , para depois hir bufcar o Saxumano.
O P. Provincial fabendo , que Cam- Concede hu-
bacundono perguntára por elle , julgou, que ma fingular
era preciſo hir bufcálo : chegou ao exercito mercè a P.
Provincial.
a tempo , que huma praça fórte ſe tinha ren-
dido á difcricao ; e como tinha feito algu-
ma refiftencia , determinava Cambacundono
paffar
302 Hiftoria da Igreja
pallar todos os moradores á efpada ; e ainda
que estava muito colérico , e irritado , rece
beo benignamente o P, Provincial , e fallou
tao familiarmente com elle , como o tinha
feito em Ozaca. Os que fahirao da praça
eſtavao como hum rebanho de cordeiros ,
que eftao para hir ao matadeiro ; e obfervan
do , que Cambacundono fazia muitas corte-
zias ao Padre , the pedirao com muitas lagri
mas intercedeffe por elles : os Cavalheiros ,
que eftavao prefentes , lhe différaó , que ef-
tando condenados á morte , nao feria poffi-
vel revogar-ſe a fentença. Com tudo vendo
o Padre , que entre elles eftavao muitas mu-
lheres , e meninos , movido a compaixao ,
tornou ao Imperador , e lhe pedio a. vida.
para aquelles infelices ; e Cambacundono vol-
tando para elle com hum ár de rifo , lhe
diffe: Perdoo-lhes por amor de vós , e que-
ro , que fejais o mesmo, que lhes manifefteis
efta mercé, para que vos fiquem na obriga-
çaõ della.
O exercito de Cambacundono era tao

fe fu- poderofo por mar , e terra , que nao havia


Os Reysde
Ximo
geitaō ao Rey, que oufaffe defender- fe, nem oppôrſe-
Imperador, e lhe. D. Bartholomeu Rey de Omura , e D.
primeiros ,
elle feus
dos Rey- Protásio Rey de Arima forao os
difpoem
nos. que lhe rendêrao os feus Eftados ; feguindo
o feu exemplo o Rey de Saxuma , e logo to-
dos os mais : e vendo-fe Cambacundono em
tao pouco tempo de poffe do Ximo , para
affegurar o feu Imperio, e remunerar os que
o tinha bem fervido , fez troca das terras ,
dando
do Japão. Liv. VIII. 303
dando as do Ximo a pefloas eftrangeiras , e
outras mais diftantes aos de Ximo . Affim os

dividio , e feparou , para que nao tivéſſem


forças de fe tornarem a unir.
Deixou ao Principe de Bungo o feu
Reyno , e offereceo ao Rey feu pay o de Fi-
unga ; mas o bom velho lhe rendeo as gra-
ças , ainda que nao aceitou a offerta , dizen-

do , que desejava empregar a pouca vida ,


que naturalmente lhe reftava , em ganhar o
Čeo, e nao em dominar a terra. Cambacun-
dono deo parte delle a D. Bartholomeu, ou-
tra parte a D. Jeronymo , primo com irmað
do Rey D. Francifco , e outra ao General
Condera , e a Aquezuqui , a quem tinha def-
pojado do Reyno de Chicujem , e ao mesmo
Condera deo mais grande parte do Reyno
de Buvem. O Rey de Sanoqui foy defterrado
de todas as fuas terras , e efteve arriſcado a
.
mandálo degollar , pelo haver fervido mal
contra o Saxumano.
Os Reys D. Bartholomeu, e D. Pro-
táfio forao confervados pacificamente nos feus
Eftados, fem lhes tirar hum palmo de terra.
A D. Agoſtinho , Almirante da Armada , deo
huma parte do Reyno de Fingo , e o fez
Vice- Rey de todo Ximo , que foy huma par-
ticular providencia de Deos para bem , e
confolação de todos os Chriftaos : e ao Rey
de Saxuma nao defpojou dos feus Eftados ,
porque foy dos primeiros, que lhe rendêrao
obediencia ; mas para mayor fegurança o le-
vou comfigo , e mandou , que governaffe feu
filho
304 Hiftoria da Igreja
filho em feu lugar ; e defte modo eftabele-
ceo feguro o feu dominio naquelles Reynos .
Facata refta- Depois da divifao dos Reynos de Xi-
belecida. mo , mandou Cambacundono , que foffe ref-
tabelecida a Cidade de Facata , e elle mef
mo delineou o modelo das praças , e das
ruas que devîa ter. O P. Provincial toy lo-

go vifitálo , e depois de lhe dar os parabens


das fuas conquiftas , lhe repreſentou , que os
Padres da Companhia tinhao perdido huma
Cafa , e huma Igreja em Facata , e affim pe-
dia a S. Mageftade ordenaffe foffe tambem
reſtabelecida : o Imperador lhe concedeo gof-
tozo quanto defejava , e lhe contou todas as
mudanças , e trocas , que tinha feito em Xi-
mo , fem tocar nos Estados dos Senhores

Chriſtaos , para moftrar a estimaçao, e con.


fiança , que delles fazia , e o affecto , que
lhes tinha.
Morte de D. Entre tantos motivos de alegria fuc-
Bartholomeu cedêrao duas couzas , que occafionáraó aos
Reyde
ra. Omu Chriftaos muita tristeza , e forao as mortes
do Rey de Omura , e de D. Francifco Rey
de Bungo , que ambos tinhao enviado feus
Embáxadores a Roma. O primeiro , que Deos
Noffo Senhor tirou do Mundo, foy D.Bartho-
lomeu , e adoeceo depois da partida de Cam-
bacundono a fua doença foy dilatada ; por-
que efteve feis mezes de cama e neste tem-
po fe difpoz para a morte com muita fre-
quencia de Sacramentos , que era a fua mayor
confolação e affim tanto que fentio chegar-
fe a fua hora , chamou feu filho D. Sancho ,
que
do Japão. Liv. VIII. 305
que lhe devia fucceder na Coroa , e aos Prin-
cipes , e Princezas feus filhos , e lhes fallou
defte modo : Saō já paffados vinte e cinco
annos , que recebi a Fé, e Baptifmo , minif-
trado pelo P. Cofme de Torres : quando fubi
ao throno , naō havia hum fó Chriftao em
todo o meu Reyno , agora morro com a con-
Jolaçao , de que nao deixo nelle , que eufai.
ba, bum fó idolatra, e me tem cuftado muito
confeguilo ; porém pela mifericordia de Deos o
alcancey. Nos grandes negocios , que occorré-
rao no meu Reynado, temo nao ter fatisfeito
a minha obrigaçao , e de ter fido caufa pela
minha negligencia , e mãos exemplos , de que
os meus vallallos nao tenhaõ vivido , como
deviao a bons Chriftaōs : a vós toca , filho
meu muito amado , como herdeiro , reparar,
e emendar os meus erros . Probibo- vos cafares
volas irmãs com Principes idolatras, e vos
mando , e rogo elejais para feus confortes
alguns Principes Chriftaos . e que fejaõ de
bons , e louvaveis coftumes . Quanto a vos
Lino , meu filho fegundo , e a vós , minhas
filhas , refpeitay volo irmao mais velho ,
como fe fora a mim mesmo : ordeno-vos tam-
bem honreis a vola may , e a trateis com
muito cuidado na fua velhice , guardando-
lhe a obediencia , e refpeito , que a fua ida-
de , e pessoa merece ; pois lhe nao fica outro
remedio mais que a voffa piedade. Defejo to-
meis confelho em todos os voffos negocios com
os Padres da Companhia de JESUS , e que
The obedeçais, como a mim mesmo . Lembray
Tom. II. V vos
306 Hiftoria da Igreja
vos da minha alma , quando Deos forfervi

do livrar-me das prizões do corpo , procu-


rando lhe o defcanfo eterno por meyo das
Miffas, Officios, efmólas, e orações . Quan
to ao corpo , nao quero , que seja Sepultado
com muita pompa , e efta be a minha ultima
vontade. Peço a Noflo Senhor JESU Chri-
fto vos encha da fua Divina graça em todo
tempo da voffa vida , e depois da morte nos
ajunte a todos no Ceo.
Acabada efta prática , defpedio a
feus filhos , que fe desfaziao em lagrimas ,
mandando-lhes , que nao entraffem mais na
fua camara , porque queria empregar o ref-
to da fua vida em fallar com Deos ; affiftin
do lhe o P. Lorena , e os Irmaos Francif-
co , e Fernandes , ambos Japonezes . O Pa-
dre lhe adminiftrou os ultimos Sacramentos ,
e depois de receber a Extrema-Unção o mo-
ribundo , fe abraçou com hum Crucifixo , a
quem fez terniffimos collóquios , e pedio ,
nao fe lhe fallaffe , mais que em Deos : o
meſmo Padre lhe fez repetir os actos de Fé ,
Efperança , e Charidade , e com os feus dif-
curfos The infpirava hum grande desejo de
hir gozar de Deos . Quando efteve em ter-
mos de expirar , fe chegou a elle hum Gen-
tilhomem da fua Corte , e em voz baixa lhe
perguntou , fe tinha alguma couza , que di-
zer a D. Sancho , e D. Lino feus filhos ? Eo
bom velho , voltando-se com muito vigor ,
The refpondeo : Quem be efte Lino , e efte
Sancho ? Nao vos tenho dito , que nao me
falleis
do Japao. Liv. VIII. 307
falleis , fenaō em JESUS , e MARIA? O
P. Lorena no decurio da fua enfermidade fó-
mente lhe fallava na Paixao de Noffo Senhor
JESU Chrifto , com cuja prática le enterne-
cia tanto , que banhava em lagrimas até a
propria cama : expirou finalmente com os
Dulciffimos Nomes de JESUS, e MARIA na
boca.
Executou-le a ſua ultima vontade , Seu louvor ,

que mandava , que depois da fua morte ne- e funeral.


nhuma mulher o amortalhaffe , como he cof-
tume no Japao : mas no que refpeita ao ſeu
funeral , excedêrao as fuas ordens ; porque
foy fepultado em Omura no anno de 1587
com toda a pompa , e magnificencia , por-
que era bem merecida efta honra áquelle ,
que primeiro que todos os Reys no Japao
recebeo o Baptifmo , e fez publica profiffao
da Religiao Chrifta , eftando tao defprezada ,
e perfeguida de todos os feus vaffallos , co-
mo eftrangeira , nova , e contraria á que fe
feguia naquelle paîz : expondo todas as fuas
riquezas , fua honra , e até a propria vida
para defendêla ; e affim com o feu zelo con-
feguio exterminar a idolatrîa dos feus Efta-
dos , derrubar todos os templos dos falfos
Deoles , fem deixar no feu Reyno nenhum
veftigio das antigas fuperftições , fem temer
o ódio dos Bonzos , dos Reys , e dos Gran-
des da fua Corte, e até o de feu proprio pay,
que era o mayor perfeguidor dos Chriſtaos .
Deve-fe efte elogio , e pequeno final
de gratidao a hum Principe , que obrigou
V 2 OS
308 Hiftoria da Igreja

os feus vaffallos , que chegavao ao numero


de fetenta mil , a receberem o Baptifmo ;
defterrando todos os idólatras dos feus Efta-
dos. Vio fe defpojado do feu Reyno , cer-
cado muitas vezes de exercitos numerofos ,
fem mais forças para defender-fe, que a con-
fiança intrépida , com que efperava o foccor-
ro de Deos Noffo Senhor , que lhe valeo por
meyo dos feus Anjos , que em várias bata-
lhas pelejáraõ a feu favor , como elle mef-
mo confeffou aos Padres da Companhia. Nas
rebelliões , perfeguições , perdas de feus Ef-
achou ,
tados , e perigos de morte, em que ſe
fempre fe moftrou conftante , e nunca já
mais vacillante na Fé , que tinha abraçado :
de modo , que fe póde juftamente chamar o
fegundo Conftantino , primeiro Rey Chriſtao
Japonez , a Gloria da Religiao , a Luz , e
Fundamento daquella nova Igreja.
Morte doRey
Dezoito dias depois da morte de
D. Francif. D. Bartholomeu levou Deos Noffo Senhor o
co , e fuas
virtudes . bom Rey D. Francifco. A dor , que eſte
Rey teve de ver os feus Eftados invadidos
dos Saxumanos , as Igrejas queimadas , as
Cruzes lançadas por terra , lhe caufáraó hu-
ma tao grande , e penoza afflicçaó , que ca-
hio enfermo . Ao princio nao foy mais que
huma fébre lenta ; mas a malignidade dos
áres fe introduzio tambem na queixa , e a
augmentou de forte, que fe fez incuravel , e
deo a alma a Deos no mefmo anno de 1587
aos 6 de Junho . O P. Laguna , que elle ele-
gêra para lhe fazer companhia na fua foli-
dao ,
do Japaō. Liv. VIII. 309
dao , lhe affiftio á morte, e lhe adminiftrou
todos os Sacramentos : naõ quiz , que lhe fal-
laffem em outra materia , que nao foffe de
Deos ; tendo de tal forte perdido a lembran-
ça das couzas do Mundo , como le tivéffe por
toda a vida vivido em hum deferto .
Temos feito mençaõ neſta Hiſtoria
das fuas raras virtudes , e ardente zelo ; e
para concluirmos com o retrato defte gran-
de Principe , ajuntaremos algumas particu-
laridades , que fizérao a fua vida , e morte
preciofa nos olhos de Deos. He verdade ,
que depois da primeira conferencia, que te-
ve com S. Francifco Xavier, efteve vacillan-
te em abraçar a Fé vinte e fete annos, ain-
da que admittia, louvava, e queria a feguif-
fem todos no feu Reyno ; mas logo que Deos
com a fua graça diffipou as trevas do feu
entendimento , e rompeo as prizões do feu
coraçao , procurou recuperar fervorolamen-
te com as fuas acções o tempo , que havia
perdido omiffo, e negligente . Viveo dezoito
annos depois de receber o Baptifmo com tan-
ta piedade , e devoçao , que nao fó parecia
hum Principe Chriſtao , mas o mayor, e mais
perfeito Religiofo.
Começou defde a fua converſaŏ a Sua peniten-
tratar o feu débil corpo , enfermo , e confu- cia.·
mido da idade , trabalhos , e doenças com
afperiffimas , e continuas penitencias. Jejua-
va a mayor parte da femana , tomava todos
os dias difciplina, e muitas vezes em publico
com os outros , para refarcir ( dizia ) os ef-
Tom. II. V 3 candalos,
310 Hiftoria da Igreja
candalos , que havia dado com a fua vida
licenciofa . Hia muitas vezes a pé com o P.
Joao Baptifta do Monte a hum lugar muito
diftante para adorar huma Cruz , que nelle
eftava collocada , e pelo caminho rezava ora-
ções , e difcorria com o Padre em materias
devotas. Confeflava-fe , e comungava algu-
mas vezes na femana , e rezava todos os
dias o Rofario , e a Coroa de joelhos .
Sua oração. Pela manhã fahia de palacio por hu-
ma porta fecréta , e hia fazer oraçao a Ca
fa dos Padres da Companhia : e em cada hum
anno hia ao Noviciado de Vozuqui , e allî
por espaço de oito , ou dez dias fazia os
Exercicios de Santo Ignacio ; fahindo daquel-
le fanto retiro , como outro Moyfés do mon-
te Sinay , todo cercado de luzes , todo abra-
zado no fogo do amor Divino , levando a
Ley de Deos imprefla no feu coraçao , e nas
fuas maos , para fazer , que o feu povo a
abraçaffe .
Seu zelo. Póde dizer fe defte Rey , que tinha
o zelo de Elias , que o abrazava , e o confu-
mia. Quando renunciou o governo dos feus
Eftados , elegeo para lugar do feu retiro o
territorio de Sucumi , que era o centro da
impiedade , e da idolatria : nao ſe viaō allî :
mais , que templos dos falfos Deofes , e fa-
zendo a Religiao tantos progreffos no feu
Reyno , naquella parte parece fe tinha acaf-
tellado a idolatria ; mas logo que chegou o
Rey D. Francifco com os feus Miffionarios ,
defterrou todos os Bonzos , arruînou todos
OS
do Japao. Liv. VIII. 311
os templos , e defpedaçou os idolos fem

deixar vettigio algum das antigas fuperftições .


Confervavaō-fe no principal molteiro
com incrivel veneração muitos volumes do
Deos Xaca , efcritos com letras de ouro , e
com várias , e primorofas eftampas de dez-
enove difcipulos feus , tiradas ao natural , e
de ineftimavel valor . Quando os Bonzos fe
despedirao , rogáraó com muita instancia ao
Rey lhes permittiffe o tranfporte daquellas
imagens , e livros : empregárao para obter
efta mercê o crédito dos mais poderofos do
Reyno , e até o Principe feu filho lhe fallou,
reprefentando- lhe o perigo , a que expunha
os feus Eftados no principio do feu governo,
fe a negafle , o que fem duvida feria moti-
vo de grandes fublevações ; mas o Catholico
Rey nao deo affenfo a todas estas fupplicas ,
e fem attender á politica humana, queimou
os livros , e as imagens daquellas fallas di-
vindades. Mandou depois Prégadores do
Evangelho por todas aquellas Cidades , e
Villas , em que fe convertêrao, e baptizárao
mais de duas mil peffoas. Ainda que era de
hum efpirito guerreiro , e marcial , tanto que
a unçao da graça lhe penetrou o coração, fe
mudou de tal forma, que nao queria mais que
a paz ; e quando fe via obrigado a tomar as
armas , era fó por extirpar as herefias, e efta-
belecer a Religiao Chriſta : eſte era o seu gof-
to , a fua gloria , o feu triunfo , e este prefe-
ria á conquista de todos os Reynos do Ja-
pao. Andava á caça de Bonzos , como fe
V 4 foraó
312 Hiftoria da Igreja
foraó féras , tendo por prazer fingular exter-
minálos dos feus Eftados.
Quando fazia guerra a Riozogi , ip-
jufto , e violento ufurpador , fe fenhoreou
de hum monte altiffimo , que era no Japao
tao eſtimado , como o Thabor entre os Chri-
ſtaōs. Havia no mais alto daquelle monte hum
templo de grandeza , e magnificencia prodi-
giofa , e huma eftátua de hum gigante fobre
o altar , á qual todos os dias fe offereciao
facrificios : contavao-fe até tres mil fumptuo-
fiffimos mofteiros de Bonzos , fundados fobre
a parte efconfa do monte , e eraõ frequenta-
dos de innumeravel concurfo, que de todas
as partes vinhao áquelle lugar por devoçao.
Tanto que o Rey D. Francifco ganhou aquel-
mandou proftrar , e
le fórte da idolatria ,
desfazer aquelle grande Coloflo : arruinou os
altares ,e os templos , e queimou tres mil
mofteiros , que forao de tal forte confumi-
dos do fogo , que nao ficou veftigio algum
de tanta fábrica.
O zelo tao ardente defte Principe
Sua
cia. pacien- moftra com evidencia a grandeza da fua Fé,
e da fua Charidade ; mas nas adverfidades
em que mais fe conhece a virtude de hum
homem , foy o Rey D. Franciſco provado
com as mais fenfiveis. Vio quarenta mil vaf-
fallos mortos, e prizioneiros em hum fó dia,
e em huma fó batalha perdida pela inconfi-
derada difpofição do Principe feu filho : vio-
fe defpojado de quatro Reynos , que tinha
adquirido com o feu valor , e unido ao de
Bungo :
do Japao. Liv. VIII. 313
Bungo vio fe precifado a andar de mon-
te em monte , de bofque em bofque , de-
pois defta fanguinolenta batalha , ultrajado,
e perfeguido dos Bonzos , que infultavao a
fua miferia, e confpiravao para a fua morte.
Era hum eftranho efpéctaculo ver hum Rey
tao poderofo reduzido a neceffidade tao ig
nominiofa , que lhe era forçofo caminhar
por lugares fragofos , fem levar comfigo ,
mais que hum Crucifixo , cuja doce compa-
nhia lhe era mais grata , que as riquezas to-
das , que havia perdido. Em quanto todos
o injuriavao , imputando- lhe a caufa daquel-
las defgraças , por ter deixado a religiao
de feus antepaffados , o fanto , e religiofo
Principe , pondo os joelhos em terra , e le-
vantando os ólhos , e maós ao Ceo , dava
graças a Deos , porque permittira o defpo-
jaffem do feu Reyno , e lhes tiraſſem aquel-
les bens enganozos , que por tanto tempo
o impedirao de conhecêlo , e amálo ; avi-
vando-se com eftas expreffoes a fua Fé de
modo , que no meyo de tantas defgraças
protestou em altas vozes , que ainda que ( o
que era impoffivel ) todo Japao , toda Euro-
pa , todos os Sacerdotes , e todos os Bilpos
da Igreja Catholica largaffem a Religiao ,
elle le fentia illuftrado com huma luz tao vi-
va , e tao fortificado de auxilios Divinos ,
que perfiftiria em defender , e confervar a
mefma Religiao até perder a vida. Fez o vo-
to , de que já fallámos , de obedecer á San-
ta Igreja , e aos Padres da Companhia de
JESUS
314 Hiftoria da Igreja
JESUS em tudo, o que foffe dirigido , e con-
veniente á falvaçao da fua alma.
Seu funeral. Pelo caminho da Cruz , e dos traba-
lhos o guiou Deos Noffo Senhor para o Rey-
no do Čeo ; pois o Eterno Pay defte modo
tratou a feu proprio Filho Senhor Noffo . Fi-
zéraō lhe os funeraes, que merecia hum Rey
tao poderolo , que tinha feito tantos fervi-
ços á Igreja Catholica , fugeitando todos os
feus vallallos ao império de JESU Chrifto ,
e todos os Principes , e Senhores Chriftaos
nao fó de Bungo , mas dos Reynos circum-
vifinhos affiftirao ás fuas exequias . O feu cor-
po vestido com as roupas Reaes foy pofto
em hum efquife rico , e levado pelos mayo-
res Principes do Reyno : feguiao- fe todos os
Tonos, que correfpondem aos noffos Duques,
e fao immediatos ás Peffoas Reaes, os quaes
levavao na mao Eftendartes com o final da
Santa Cruz. Depois vinha a Rainha com as
Princezas , filhas do Monarca defunto , e de
Jezabel fua primeira mulher , todas veftidas
de luto com roupas de grandes caudas , que
lhes levavao as Damas. Fechava o acompa
nhamento a Guarda Real , que era feguida
de huma multidão de povo quafi infinito ,
que fe desfazia em lagrimas pela morte de
hum Rey, que juntamente era Pay, pelo que
Os amava.

Quando o corpo entrou na Igreja ,


fe poz em hum throno elevado , cercado de
muitas luzes : os Sacerdotes fizérao o Oficio,

e hum Padre da Companhia Japonez recitou


a Ora-
do Japao. Liv. VIII. 315
a Oraçao funebre com univerfal applauto, e
aceitação. Parece , que a paz da Igreja fe
fepultou com efte Piincipe ; porque depois
da fua morte quarenta dias mudou Camba-
cundono a inclinaçao , que tinha aos Chri-
ftaos , e de Protéctor feu , le tornou inimi-
go , e perfeguidor , como veremos no fe-
guinte livro.

FIM

DO LIVRO OITAVO.

HISTO .
317

HISTORIA

DA

IGREJA

DO JAPA Ŏ.

LIVRO IX.

ARGUMENTO .

Stado da Religiao no anno de 1587.


Origem daperfeguiçao contra os Chri-
E
ftaos : mudança repentina de Camba-
cundono , e qualfoy a caufa. D. Jufto Ucon-
dono be defterrado pela Fé. Conftancia deJeu
pay, de fua mulher, e de toda fua familia.
D. Agostinho o recebe nas fuas terras . Edi-
Eto do Imperador contra os Chriftaos, e con
tra os Padres. O P. Provincial ajunta os
feus Religiofos em Firando , e o que alli fe
refolveo : diftribuiçaõ dos Padres pelo Japaō.
D. Agostinho fez grandes ferviços á Igreja.
Conftancia de algumas Senboras Chriftas.
Converfao maravilhosa da Rainha de Tan-
go , a qual faye disfarçada do Seu palacio
para
318 Hiftoria da Igreja
1
para fer inftruida pelos Padres. Dezefete
Damas daJua Corte Je reduzem a Fe. Sen-
do defterrados os Padres , foy a Rainha ba-
ptizada por huma das fuas Damas . O Rey
feu marido a trata muito mal ; mas perfevé-
ra conftante até a morte. O Rey de Bungo
perfegue os Chriftaös : conftancia de D. Pau-
lo , bum dos principaes Senhores do Reyno ,
e Capitao General : confpiraçao contra elle.
Chega a mais reputação. O Imperador o ad-
mitte á fua mefa , e defterra da fua Corte
o Rey de Bungo , que o procurava defacre-
ditar. Nova confpiração contra elle , que
nao teve effeito. Martyrio de hum velho Chri-
ftao. Cambacundono manda demolir as Igre-
jas. Zelo admiravel de D. Protafio. Os Pa
dres refolvem efconder fe por algum tempo.
Fervor dos Christaos no tempo da perfegui-
ção. Estado do Reyno de Gotto. Martyrio de
buma Chriftă devota da Santa Cruz. Deſgof-
to , que fuccedeo a D. Protafio. D. Fufto
Ucondono torna á Corte. Cambacundono obri

ga todos os Reys a virem render-lhe omena-


gem. Forma o defenho de bir conquistar a
China. Sua politica para confervar em paz
• feu Imperio Cruz maravilhofa , que fe
achou em Arima. Morte do P. Coelho . Chega.
• P. Valignano ao Japão com os quatro Em
báxadores : avifa ao Imperador . Sao chama-
dos á Corte. Cambacundono toma Nangaza.

qui. A lha de Amacufa fe rebella . A Cida-


de de Tondo be fitiada , e trezentas mulhe
res pelejao Sobre a brecha com o inimigo ,
que
do Japao. Liv. IX. 319
que finalmente entra a Cidade depois de mor
2
tas as valerofas Senhoras. D. Conftantino
Rey de Bungo fe converte , e renuncia a ido-
latria. " Eftado da Chrfiandade de Meaco, e
dos lugares circumvifinhos . Difputa de hum
mancebo Chriftao com hum Bonzo . Eftado da
Companhia de JESUS no Japaō. Razões ,
porque fe podia esperar, que o Imperador
revogaffe o Decreto.

EPOIS de trinta e oito annos ,

que S. Francifco Xavier diffundio ,


e efpalhou no Japao os primeiros
rayos da Fé , e lançou naquella ter-
ra inculta as fementes do Evange
lho , le augmentou a Religiao , e floreceo
tanto , que podia ter parallélo com hum ame-
niffimo jardim cheyo de flores , e frutos . Era
hum campo cultivado pelos Operarios do
Evangelho , regado com o orvalho Celeſtial ,
que promettia huma ampla , e rica colheita
aos que o cultivavao : era huma náo , que na-
vegava com vélas cheyas , levada pelo im-
pulfo do Espirito Santo, que de dia em dia
defcobria novas terras , e novos paîzes.
No anno de 1587 fe contavao mais Eftade daRe-
de duzentos mil Chriftaos em todo Japao , ligiaõ.
entre os quaes havia peffoas de muy diftinto
caracter, como Reys, Principes, Generaes de
Exercitos , Senhores principaes da Corte , e
para dizer tudo em huma palavra , a flor da
Nobreza do Japaó. Efte numero fe augmen-
tava cada dia á medida da eftimaçao , que
Camba-
320 Hiftoria da Igreja
Cambacundono fazia da Religiao Chriftá ;
do affecto , que moftrava aos que a préga-
vao, e defendiao , e do defprezo , com que
tratava os Bonzos, lançando- os fóra dos feus
mofteiros , queimando-lhes os templos , e
defpedaçando-lhes os idolos : pelos empregos
mais honrozos do Imperio , que dava aos Se-
nhores Chriſtaos ; pela permiffao , que con-
cedia a todos os da fua Corte para recebe-

rem o Baptifmo ; e geralmente pelas Igrejas,


que mandava erigir ao verdadeiro Deos , e
pelos favores , e mercês , que fazia aos Pa-
dres da Companhia ; porqne nao fe fatisfazia
de os chamar fó ao leu palacio , mas quan
do fabia , que o P. Provincial eftava defoc-
cupado , hia buſcálo , e fallava familiarmen-
te muitas horas com elle ; nao porque tivéſſe
intento de mudar de religiao , mas por fin
gular providencia de Deos , que queria pro-
teger os Padres naquella terra infiel ; fazen-
do-fe admirar mais o feu poder neſte caſo ,
pois tomava por inftrumento o génio , e na-
tural do Imperador , que fendo fummamen-
te ambicioso, deſejaya divinizar - fe , e que a
fua reputaçao voaffe por todos os Reynos da
Europa.
Com tudo efte , exterior do Princi-

pe empenhava os Senhores de mayor refpei-


to a procurar ferem inftruîdos , fendo tao
grande o numero dos Cathecûmenos , que os
Padres nao tinhao repouzo nem de dia , nem
de noite , eſtando continuamente occupados
em prégar , confeffar , e inftruir aos que pe.
diao
do Japao. Liv. IX. 321
diao o Baptifmo , entre os quaes entrava o
fobrinho de Cambacundono, Principe de dez-
enove annos , herdeiro prefumptivo do Im-
perio, por nao ter filhos o Imperador feu tio.
Eftando a Religiao nefte eftado , go- Origem da
zando em todos os lugares a Igreja de hu- perſeguiçao

ma paz tranquilla , o demonio inimigo da contra algre-


gloria de JESU Chrifto , prevendo a conver- ja.
lao inteira daquelle vafto Imperio , excitou
huma furiofa tempeftade , que deo a través •

com a náo da Igreja do Japaō, fazendo- a nau-


fragar , quando parecia eltava já no porto ;
permittindo-o affim Deos , ou para provar
a Fé dos novos Chriftaos , ou para caftigo
da eftragada vida de alguns mercadores da
Europa, que con tra tavao no Ja pao, os quaes
entregando-fe a todo genero de vicios , cau-
favao efcandalos funéftos áquelles Chriſtaos ,
chegando a tanto exceflo à fua diffoluçao ,

que alguns paffavaõ dias , e noites nos lu-


gares da abominaçao , e conduziaó por for-
ça as mulheres para os feus navios. Vendo
os Japões ifto , coftumavao dizer , que os Sa-
cerdotes da Europa prégavao huma Ley , e
os mercadores feguiao outra. Os Padres os
reprehendiao , mas fem fruto ; porque fó da-
vao ouvidos aos feus appetites , e nao aos
faudáveis avifos para o bem das fuas almas ;
e para viverem mais á fua vontade , bufcavao
pórtos , em que os Padres nao tivéffem habi-
taçao.
Chegou o efcandalo a tal exceffo , Prefagio de
devia
que informado Cambacu ndono , fez muito di- fucceder.
Tom . II. X verfo
322 Hiftoria da Igreja
verfo conceito do que até allî tinha conce-
bido da Religiao Chriſta ; perfuadindo-fe ,
que a devoçao , e zelo dos Padres era huma
maſcara artificiofa, com a qual cobriao o fe-
créto defignio de fugeitar o Imperio do Ja-
pao a algum Rey da Chriftandade. D. Jufto
Ucondono foy o primeiro , que prefagiou a
nova perſeguiçao , que ameaçava a Igreja.
Hum dia, que o P. Provincial difcorria com
elle fobre o bom estado da Religiao em to-
dos os Reynos de Ximo , lhe diffe com fem-
blante trifte , que temîa huma horrivel tem-
peftade , que fe levantava contra os Chri-
ftaos , e lhe parecia ver com os feus pro-
prios ólhos as Igrejas arruinadas , os Padres
defterrados, e os Servos de Deos mortos pe-
los infieis que tinha muitos fundamentos
para confiar do Imperador ; mas nao podia
focegar o temor , de que toda aquella appa-
rencia , ou theatro eftava para mudar fe , e
que entao fe veria correr pelas terras do Ja-
pao o fangue dos Chriftaos. Efte prefagio
fe verificou ao pé da letra ; porque o animo
de Cambacundono fe mudou , e de Protéctor
dos Chriftaos fe fez o feu Nero , e mayor

perfeguidor. Apontaremos as caufas defta


tao improvifa , e infperada mudança .
Mudança re-
A primeira foy o feu natural orgu-
pentina de
Pambacudu lho , que o fazia fer nimiamente fenfivel a
no, e qual foy tudo , o que fe oppunha á fua vontade. Suc-
a cauia.
cedeo pois , que dando fundo no porto de
Firando huma náo Portugueza de extraor-
dinaria grandeza , defejou Cambacundono
muito
do Japão. Liv. IX. 323
muito de a ver , e pedio ao P. Provincial
mandaffe vir o Capitao ao porto de Facata
onde elle entao refidia. OP . Provincial ef-
creveo logo com grande empenho ao Capi
tao , o qual recebendo a carta , veyo fallar
com o Imperador , moftrando- lhe o grande
defejo ,
que tinha de fatisfazer a S. Magel
tade , mas que corria rifco o feu navio com
toda a importante carga , que trazia ; por-
que neceffitava de grande altura de agoa , e
nao havia naquelle pequeno braço de mar , a
que lhe era neceffaria para chegar a Facata.
Cambacundono fingio ficar fatisfeito das fuas
razões , fazendo ao Capitao muitas caricias,
e aos Padres ,que o conduzirao á Corte ;
mas na melma noite expedio huma ordem ,
em que mandava fahiffem do Japaó no ter
mo de vinte dias , e lhes prohibia com pe-
na de morte prégar a Ley de Deos . Hu-
ma mudança tao inopinada admirou igual-
mente os Chriftaós , e Gentios . Para juftifi-
car aquelle procedimento tao caprichozo ,
fez faber aos da fua Corte , que fe delibe-
rára prohibir a Ley Chrifta , por fer total-
mente contraria á que até allî fe praticára
no Japao : que havia muito tempo , que ti
nha efta tençao , mas que a havia deferi-
do até fer Senhor de Ximo ; e porque erao
Chriftaos o mayor numero , de que fe com-

punhao aquelles Reynos , receava formaflem


partido contra elle. Porêm a verdade he ,
que a ira , que concebeo de lhe nao condu-

zirem o navio a Facata , quando elle tinha


X 2 pedi-
324 Hiftoria da Igreja
pedido dous para fazer a guerra da China ;
era a verdadeira caufa : porque fe a Ley
Chriſta The houvéffe defagradado , e defcon-
fiafle della , nao a teria louvado tanto , e
menos entregaria a conducta das fuas armas
aos que fizéffem profiffao della . A'lem defta
negativa, fe fabem duas caufas principaes , que
o obrigáraó a fazer aquelle exceffo : a pri-
meira o defejo , que teve de fe fazer Deos,
e querer fer adorado dos feus póvos , como
hum dos grandes Conquistadores do Japao ;
e porque fabia, que os Chriftaōs fe opporiao
á fua facrilega ambiçao , e recufariao dar-lhe
o culto, que fó fe deve ao verdadeiro Deos ,
refolveo exterminálos com toda a preffa ,
para lhes nao dar tempo a reflectirem , e
formarem partido nos mefmos Eftados.
Infame com.
hú A fegunda caufa da averfao do Impe-
merciode
Bonzo hu rador á Religiao Chriſta foy a foltura dos feus
deFre-
noxama.
vicios, porque era lafcivo por extremo , tendo
em Ozaca trezentas mulheres para o feu de-
pravado trato ; e porque nao podiaó feguilo
nas fuas jornadas, tinha dado cómiffao a hum
infame Bonzo , para que lhe tivéffe hum fer-
ralho prompto em toda a parte, para onde
hia. Efte Bonzo , que fe chamava Jacuino ,
vendo que aquelle exercicio nao dizia bem
com a fua religiao , e que por ifto o def.
prezavao na Corte , renunciou eſte ſeu eſta-
do , e de Bonzo paffou a Medico. Com a
profiffao defta fciencia fe adiantou tanto na
graça de Cambacundono , que fe fez minif-
tro de todas as fuas paixões : e para fatis-
fazer
do Japao. Liv. IX. 325
fazer á do feu brutal appetite , andava por
todas as Cidades , e Reynos defcobrindo da-
mas de rara belleza , que foffem Rainhas
"
ou Princezas , e as levava fem contradiçao ;
porque ninguem fe animava a impedilo : tan-
to era o medo , que tinhao daquelle tyranno.
Depois que correo todas as terras
vifinhas a Facata , en que refidia Camba-
cundono , entrou no Reyno de Arima ; e
tendo viſto Damas , e Senhoras nobres Chri-
ftás , que entendeo naõ defagradariao ao ſeu
Principe, procurou levar- lhas : mas eftas vir-
tuofas , e caftas Heroinas o recebêrao com
fummo defprezo , reprehendendo- o , porque
tendo fido Bonzo , andava naquella infame
vida ; e depois de o tratarem mal de pala-
vras fe occultáraó por algum tempo para
evitarem a violencia daquelle vil miniftro.
Sentido Jacuino da repulfa , e reprehenfao ,
refolveo vingar fe de todos os Chriftaos ;
principalmente de D. Jufto Ucondono , por-
que tinha mandado arruinar os templos , e
mofteiros de Tacacuqui , fazendo o mesmo
no feu novo governo.
Eftudando bem o ponto , entrou em Ira notavel
palacio na hora , em que achou a Camba- do Impera-
cundono em hum banquete muito tomado do dor contra os
Chriſtaōs.
vinho , que os Portuguezes trouxérao de Eu-
ropa ; e perguntando logo ao Bonzo , fe ti-
nha feito alguma bella conquiſta : efte lhe
refpondeo muito trifte , que tinha ido ao
Reyno de Arima para executar as ordens de
S. Mageftade ; mas que fora tao mal recebido
Tom. II. X 3 dos
326 Hiftoria da Igreja.
dos Chriſtaos , que tivéra por fortuna poder
escapar das fuas maos com vida. Ouvindo
o tyranno eftas palavras , e levantou da me-
fa ,e gritando com furia grande , agitado
do calor do vinho , jurou , que havia de ma-
tar todos os Chriftaos de Arima. O Bonzo
vendo o animo do Imperador determinado
ao feu danado projecto , depois de foprar
quanto pode o fogo , lhe reprefentou , que
nao era acçao digna de hum tão grande Prin-
cipe vingar fe no feminil fangue de humas
mulheres , mas que devia caftigar os Padres ,
que fe oppunhao aos prazeres de S. Magef
tade ; que elles erao fenhores de todo Ximo,
e que os Chriftaós lhes obedeciaó exactamen-
te : que todas as forças do Imperio eſtavao
nas maos de Jufto Ucondono , o mais apai-
xonado daquella crença, e devia temer-fe, que
aproveitando-fe da fua authoridade debaixo
do pretexto de Religiao formaffe algum par-
tido naquelle Eftado : que S. Mageftade tinha
diante dos ólhos o exemplo do Bonzo de
Ozaca , que levantára hum poderofo exerci-
to para le fenhorear do Japao : e que os
Chriſtaos tinhaó eftreita uniao com os Por-
tuguezes , e intelligencias fecrétas com os
Principes eftrangeiros .
Ordena a U- Menos era neceffario para excitar o
condono , que natural violento , e defconfiado de Camba-
ou renúciaf.
Le a Fé , ou cundono defpachou logo hum Enviado a
foffe deiter D. Jufto Ucondono com ordens, para que lhe
rado . diffèffe da fua parte , que hum homem tao

zelozo , e apaixonado pela Fé dos Chriſtaos ,


que
do Japaō. Liv. IX. 327

que por abraçála tinha renunciado a religiao


dos feus antepaffados ; hum homem , que
queimava os templos do Cami , e Fotoqui ,
e obrigava os feus vaflallos , ou por refpei-.
to, ou por violencia a ferem Chriſtaōs , nao
podia fervir fielmente ao Senhor da Tenfa
que era de religiao contraria : pelo que ef-
colheffe ; ou renunciar a Fé Catholica , ou
fer defterrado, e defpojado de todos os bens,
empregos , e dignidades, que tinha.
Ordenou mais ao feu Enviado , que
Repoſta de
arrombafle as portas, quando elle nao quizéf D. Jufto U-
condono.
fe abrilas : e na imprudente acceleração , em
"
que eftava , expedio apoz hum outro Cor-
reyo , para faber a ſua refoluçao . O primei
ro , que levou a ordem , aconselhou a D.
Jufto a diffimulaffe por algum tempo, e fem
renunciar a fua Religiao , difféffe ao Impera-
dor, que obedeceria ás fuas ordens . Muitos
dos feus amigos , que o acompanhavao ,
exhortavao ao mefmo ; mas elle , que tinha
huma grande alma , e huma virtude conftan-
te , tendo recebido efta ordem , refpondeo
com hum femblante grave , e fério : Dizey
a meu Senhor, e Amo Cambacundono , que
eftou prompto a derramar o meu fangue , e
perder a vida no feu ferviço ; mas que nao
Seria digno da fua graça , se foffe tão infiel,
que deixafle a Ley do verdadeiro Deos , que
abracey. He verdade , que eu procurey, que
os meus vafallos tivéllem parte na felicida-
de , que gozo , fazendo - os a todos Chriftaōs ,
como eu fou; porque tenho por fem duvida ,
X 4 que
328 Hiftoria da Igreja
T
que fó nefta Religiao fe podem falvar : po-
rém que S. Mageftade bem fabe , que a Ley
Christa obriga , os que a profeſſao , adarem
inteira obediencia ao feu Soberano em tudo
o que nao encontrar os preceitos Divinos : e
affim direis ao Imperador , que Jufto Ucondo-
no está prompto a largar os feus Estados , e
bens , todos os feus cargos , e empregos ; mas
que nao pode , nem deve de alguma maneira
renunciar a obediencia , de que he devedor ao
.
verdadeiro Deos , por quem dará mil vezes
a vida , antes que faltar á Fe.
O Impéiader Na meſma noite ao impulfo, e ardor
manda fazer do vinho mandou dous dos feus Officiaes ,

algumas
gunta per-
s ao P. fem mediar tempo de hum a outro, ao P. Pro-
Provincial. vincial , que repouzava em huma pequena
barca ; e o primeiro , depois de difpertar o
Padre , lhe diffe: Que vinha da parte de Cam-
bacundono faber delle , porque razao os Pa-
dres da Companhia perfuadiao , e obrigavao
os Japões a fer Chriftaos? Porque arruînavao
os templos do Cami, e Fotoqui ? Porque per-
feguiao os Bonzos , e nao fe uniao com elles?
Porque comiao vaca , e outros animaes , que
erað tað neceffarios ao bem publico ? Por-
que davao licença aos Portuguezes para com-
prarem os Japões , e leválos para a India a
ferem efcravos ?
Exceffivamente admirado ficou o Pa-
dre de huma mudança tao inopinada , fem

poder descobrir a caula della ; porque no dia


antecedente lhe tinha Cambacundono feito a
honra de o vifitar áquella mefma barca , e
efteve
do Japao. Liv. IX. 329
efteve converfando com elle mais de huma
hora , promettendo- lhe favorecer em tudo os
Chriftaos , e os Padres da Companhia. Ef-
tando pois o Padre admirado de tao eftra-
nha refoluçao , os Officiaes lhe requerêrao
défle logo a repofta ás perguntas , que lhes,
tinhao feito .
Entao o P. Provincial lhes diffe : Repofta do

Que o Imperador lhe tinha dado permiffao P. Provin


de poder prégar a Ley de Deos por todo cial ao Im-
Japão com as Patentes , que lhe fez expe- perador.
dir: que efta Ley , nao reconhecendo mais
que hum Deos , Senhor do Ceo , e da terra,
depois que S. Mageftade deo licença aos feus
vallallos para a abraçarem , confeguintemen-
te lhes permittia deixar os idolos, e deftruir
os feus templos , como injuriofos ao verda
deiro Deos : que S. Mageftade a entendia ,
e louvava os que tivéraō tao fanta , e louva-
vel refoluçao ; e que Nobunanga ſeu Antecef-
for fora perſeguidor dos Bonzos , por ter o
conhecimento da falfidade da fua doutrina ,

fendo em tudo oppófta á verdadeira Fé , co-


mo he a luz ás trévas , e a verdade aos er-
ros ; caufa , porque era impoflivel a conviven-
cia com elles : que a mefma Ley prohibia
ufar de violencia , e que nao fe podia obri-
gar a ninguem a fer Chriftao por força : que
era verdade , que os Padres comiao vaça no
japao , como ufao na Europa ; porêm que fe
a S. Mageftade defagradava efte coftume , nao
comeriao mais aquella carne. Quanto aos
Portuguezes , que elle nao podiaŏ dar con-
ta ,
336 Hiftoria da Igreja
ta , de quem nao eftava fugeito á fua juril-
diçao , que fe lhes pudéffe impedir qualquer
peccado , elle , e os mais Padres o fariao á "
cufta da propria vida ; porque eſta era huma
das fuas mayores obrigações , impedir a to-
do rilco as offenfas de Deos ; que muitas ve
zes os tinhao reprehendido de comprar Ja-
pões ; mas que S. Mageftade bem fabia, quaố
difficil era a gente de contrato deixar qual-
quer emprego , em que pódem ter intereffe;
e que S. Mageftade podia mais facilmente
evitar efte diſturbio , prohibindo a todos os
Governadores das Cidades , e pórtos, em que
defembarcavao Portuguezes , vender , e dei-
xar paffar nenhum Nacional para fóra.
Dada esta repofta , fe recolheo´´o
Padre outra vez na barca, de que fahira pa-
ra fallar aos Officiaes do Imperador , e refe-
rio aos Religiofos , que tinha comfigo , as
perguntas, que lhe fizérao , e fe puzérao to-
dos em oraçao a elperar a morte , de que ef-
tavao ameaçados . Em quanto fe difpunhao
para ella, chegou outro Official da parte do
mefmo Cambacundono a dizer-lhe a fenten-
ça pronunciada contra D. Jufto Ucondono
e lhes moftrou a cópia : bem conhecêrao os
Padres , que o animo, do Imperador eftava
mudado , e que era para temer alguma fan-
guinolenta perfeguiçao.
Virtude ad- Os defterros no Japao fao muy dif
miravel de ferentes dos que ufao os outros Reynos ; por-
D.Justo Ucó-
dor,o. que nao confifte fó em mudança de terras
mas em confifcação de todos os bens ; e efta
pena
do Japao. Liv. IX . 334
pena nao he fó para o réo , mas inclue mu
iher , filhos , e parentes , amigos , e geral.
mente todos aquelles , que tem alguma ali-
ança com elle , ou feja por affecto , ou por
fangue e o que accrefcenta a fua defgraça
he , que no mesmo tempo , que he defterra-
do , o condenao á morte , ficando fufpenfa
a execuçao até o tempo, que o Principe lhe
parece ; de modo , que o defterrado eftá to-
dos os dias em perigo de perder a vida.
Efta circumftancia faz fer mais rele
vante a virtude de D.Jufto Ucondono; porque
tendo os mais altos empregos do Imperio , e
fetenta mil contos de leis governos , que ti-
nha , fe vio em hum dia defpojado de tudo ,
e reduzido ao extremo de lhe fer preciſo pe
dir huma efmóla. Confiderava álem difto o
eftado deploravel de feus vaffallos , que erao
todos Chriſtaos , e ficavao fugeitos ao domi-
nio de hum Senhor idólatra ; porêm o que
mais fenfivelmente o affligia , era o incomo-
do , que havia ter feu pay Dario , fua mu-
lher , e filhos , hum irmao unico, que tinha ,
e os feus parentes , que erao muitos , fican-
do todos comprehendidos na mefma pena de
ferem defpojados dos feus bens , defterrados
das fuas terras 9 e metidos em hum abyfmo

de miferias por fua caufa. Efte laſtimofo ef-


péctaculo , que fe offerecia aos feus olhos ,
nao entibiou a fua Fé , e a compaixao da
fua familia nao pode contraftar o feu valor ;
antes nefte penetrante golpe fe moftrou mais
intrépido, firme, e conflante , moftrando na
alegria
332 Hiftoria da Igreja
alegria do femblante , quanto eftimava ter
occafiao de fofrer afrontas , e trabalhos por
amor de JESU Chrifto .
Depois que partio o Correyo , que
trouxe o aviso a D. Jufto , efteve algum tem-
po duvidozo , fe iria elle mefmo bufcar Cam-
bacundono , e exhortálo a fazer-fe Chriſtao :
Porque ( dizia ) fuccederá huma de duas cou-
zas ; buma venturoza para elle, e outra mais
feliz para mim : e he, que ou convencido das
minhas razões abraçará a Fé, ou offendido
da minha liberdade me mandará cortar a ca-

beça , Sendo tudo a mayor dita para mim.


Eite pentamento fez tal impreffaō no ſeu fer-
vorolo animo , que fe poz logo a caminho ;
mas os feus amigos o eftorváraó quafi com
violencia , porque nao pudéraó convencêla
com razões .
Na manhã feguinte chamou os prin-
Confegue li
ceça dos feus cipaes Officiaes do feu exercito , que erao
ainigos. Chriſtaos , muitos dos quaes nao fabiao o
que paffara na noite antecedente ; e vendo
a Ucondono mais alegre do que coftumava,
cuidáraó, que lhe fuccedera alguma das que o
Mundo chama grandes venturas; mas deprel-
fa mudáraó de parecer , ouvindo que lhes di-
zia a fentença , que contra elle fe pronun-
ciára. No into ( diffe ) a perda dos meus
bens , nem o defterro a que fou condenado
antes me anima tal alegria , que naõ a poſ·
fo explicar, por ter occafiao de mostrar a
firmeza da minha Fé. Huma só couze me
afflige , e be , ver-me em eftado , que nao
pollo
do Japao.. Liv. IX. 333
poffo remunerar os ferviços , que me tendes
feito , e ver- vos tambem expostos por meu
refpeito a padecer grandes tribulações ; po-
rem podeis eftar certos, que o Senhor, a quem
Servis , vos recompenfará melhor, do que eu
o podia fazer, fe lhes foreis fieis , porque to-
do bem, que vos podem fazer os Senhores do
Fapao , nao tem comparação com o prémio
da felicidade eterna . Emme perderes a mim
( dizia ) nada perdeis , mas je largares a Fé,
que ferá de vos depois da morte? Quemfal
vará as volas almas, fe as perderes ? Čer.
tamente , que por nenhum preço as podereis
refgatar.
Continuou por algum tempo a ex-
hortálos na Fé com fórtes , e poderofas ra-
zões , que eraõ interrompidas com lagrimas,
e foluços dos circumftantes : proteſtárao- lhe
todos , que nao o largariao nunca ; e cortá-
rao logo a trunfa de cabellos , que tinhao
no alto da cabeça , que he o final , como te-
nho dito , de extremofa dor , e de renun-
ciar o Mundo , e darem-fe por defterrados.
D. Jufto os confolou , e abraçou a todos com
grande ternura , agradecendo o affecto, que
The moftravao : exhortou os a perfeverar nos
feus empregos , em quanto o Imperador o
confentifle ; pois affim faziaŏ muito mayor

ferviço á Religiao : e por mais razões , que


accumulou a eftas para os perfuadir , nao foy
poffivel reduzilos a que deixaffem os mais
delles de o acompanhar no feu defterro.
Tanto que fe divulgou na Corte a
(noticia
334 Hiftoria da Igreja
noticia do deiterro de D: Jufto , em Facata ,
e no feu exercito nao houve peffoa alguma ,
que fe nao moveffe a compaixao. Os Reys ,
e principaes Senhores , ainda que infieis , fo-
rao a ſua cafa offerecer -lhe grandes quantias

de ouro , e prata : D. Jufto porêm lhes agra-


deceo as offertas, como devia , mas nao acei-
1
tou dando a conhecer pela grandeza do feu
animo , que qualquer terra he pátria de hum
Chriftao , e que tendo a Deos da fua parte,
nao lhe podia faltar couza alguma . Sobre a
tarde fahio de cafa , e entrando em huma
embarcaçao , paffou a huma Ilha vifinha, da
qual fahio pela manhã para Acacio , onde
estava a fua familia.

Conftácia de Tao diligente foy na jornada , que


Dario pay de elle meſmo levou a nova á fua gente do def
D. Jufto,
toda de terro a que eftava condenado ; porque logo
fua efa-
milia. que o virao mal veftido , e com o cabello cor-
tado , fem final algum de grandeza , e ma-
geftade , que lhe era devida , confórme o lu-
gar , que occupava , ficárao tao preoccupa
dos da admiraçao , que por grande espaço
nao pudérao pronunciar palavra : quando deo
"
tréguas a dor , lhe perguntáraó o motivo
daquella novidade , parecendo-lhes impoffi-
vel fer por caufa da Religiaó , que profeffa-
va , eftando Cambacundono tao inclinado a

favorecêla. D. Jufto lhes refpondeo com rof-


to fereno , que o Imperador fe mudára de
improvifo , e o defterrára , por fer Catholi-
co. Dario feu pay ao principio eftava fo-
brefaltado pela confideraçao , de que feu fi-
lho
do Japao. Liv. IX.
335
tho tivéffe incorrido em algum crime ; mas
tanto que foube, que padecia pela Fé de Chri-
fto , foy tal a fua alegria , que nao a podia
diffimular ; ainda que fe lhe reprefentou logo
na memoria a miferia grande a que eſtavao
reduzidos, e as calamidades innumeráveis , que
The fobrevinhao na ſua velhice , e á fua fa-
milia , levantou as maos ao Ceo , dando gra-
ças a Deos pelos favores , que lhe fazia , ten-
do-os eleitos para dar aos Chriſtaos do Ja-
pao o primeiro exemplo da fidelidade , e
perfeverança na Fé . Acabado efte fervorofo,
e terno acto , abraçou a feu filho com mui-
tas lagrimas , dando- lhe os parabens da fua
feliz forte. Nao refta mais (continuou) filho
mey chariffimo , que desejar, Senaỡ que de-
pois de termos perdido todos os nosos bens
pela Fé , darmos tambem por ella a vida ,
facrificando-a a hum Deos , que derramou o
Jeu preciofo fangue para nos falvar.
A virtude heróica do fanto velho
confolou fummamente a Ucondono ; porêm

a de fua mulher , filhos , e irmao , que fe


achárao de improvifo precipitados de huma
alta fortuna em hum abyfmo de miferias, o
admirou muito mais ; porque em lugar de
romperem em foluços , e gemidos , ficárao to-
dos tao exceffivamente alegres , como le ſe
viffem de poffe de hum grande Imperio .
Abraçáraó a D. Jufto, procurando confolálo ;
e depois de derramarem muitas lagrimas de
alegria , forao á Igreja dar muitas graças a
Deos, de lhes conceder mercê tao finalada .
Acaba-
336 Hiftoria da Igreja
Acabada a oraçao , voltárao para cafa , e fe
puzéraó logo a caminho homens , mulhe
res , velhos, e meninos , Senhores , e fervos,
cada hum carregado com a fua pequena ba-

gajem hiao cantando louvores a Deos pe-


los montes , e valles , atraveffando bofques
paflando rios , e campinas defertas , expóf-
tos de dia , e de noite ao rigor do tempo ;
movendo entre todos a laftima o pobre ve-
lho com os feus filhos , os quaes de Princi-
pes , que eraó no dia precedente , fe acha-
vao reduzidos a pedir elmóla , e andar de
terras em terras , fem faber , onde haviaō
refugiar-fe ; mais contentes porêm , do que
quando eſtavao na Corte com abundancia
de tudo. Tanto he verdade , que nao faz
ao homem feliz o que está fóra do homem,
fenao o que
5 o dentro no feu coraçao poffue.
D.Agostinho
recebe U con- Agostinho Almirante da Armada
dono nas fuas de Cambacundono, e Chriftao tao manifeſto,
terras.
como Ucondono , tendo noticia da fua def
graça , o mandou convidar, para que quizél-
fe paffar a vida nas terras do feu dominio.
E confiderando D. Jufto , que havia neſte paîz
Igrejas , e que podia cumprir com os exerci-
cios da Religiao Chrifta , aceitou a offerta ,
e eſtabeleceo allf a fua morada com toda
fua familia em huma pobre cafa de campo ,
apartado de todo o comercio humano . Mui-
tas peffoas o viérao vifitar , lifonjeando-o
com a esperança de fer reftituîdo á antiga
grandeza : mas o bom velho refpondia , que
deviaó alegrar-fe da fua felicidade , e naố
chorar
do Japao. Liv. IX. 337
chorar a fua miferia ; porque elle le reputa-
va venturozo , fofrendo o defterro, e pobre-
za por amor de hum Deos , que tinha dei-
xado o Ceo fua pátria , fazendo-le pobre por
nós : que o caminho da terra para o Ceo era
em toda a parte igual , e que fe achava a
Deos em todo o lugar , cuja preſença , em
que andava fempre , mudava o defterro em
huma efpecie de Paraîfo . Cambacundono
mais furiozo que nunca , pelo defprezo , que
as Damas Chriftás fizérao da fua amifade , e
pela conftancia de D. Jufto Ucondono , de-
pois de ter proferido mil blasfemias , e re-
putar os Padres como traidores , que vinhao
:
fó a ufurpar- lhe a Coroa , confirmado nefte
diabólico penfamento pelos de fua Corte ,
que a mayor parte erao idólatras , expedio
na manhã feguinte hum Edicto , que man-
dou intimar ao P. Provincial nos termos fe-
guintes.
Conhecendo os nosos fieis vaffallos, Edico dolm.

e pelloas do nolfo Confelho , que alguns Re- perador con-


tra os Padres
ligiofos eftrangeiros viérao aos noffos Efta-
dos prégar huma Ley contraria á do Japao, e
que tivérao o atrevimento , e oufadia de arrui-
nar os templos dos nofos Cami , e Fotoqui ;
culpa, porque mereciao grandes caftigos : que-
rendo porém Nós fazer-lhes merce , manda-
mos com pena de morte , fayao em termo de
vinte dias do Japaỡ , no qual tempo fe lhes
nao fará mal , nem dano algum ; mas finali-
zado o dito termo , fe fe achar algum nos
noffos Estados , mandamos , que fejao pre-
Tom. II . Y SOS,
338 Hiftoria da Igreja.
zos, e caftigados , como réos merecedores de
todo o caftigo. Quanto aos mercadores Por-
tuguezes , permittimos aportar nos noffos pór-
tos , manter o comercio , e dilatarem-Je o tem-
po , que lhes for preciso para o bem do feu
negocio ; prohibindo -lhes porém de conduzir
algum Religiofo eftrangeiro , fobpena de con-
fifcaçao de feus navios , e fazendas .
Efte Edicto foy intimado ao P. Pro-
vincial ,o qual. refpondeo logo , que nao
eſtava no ſeu poder o cumprimento delle ;
porque nao havia nenhum navio para a In-
dia no termo prefixo do Edicto , fenao fó
depois de feis mezes. Sabendo o Imperador
era verdade o que o Padre dizia , lhe orde-
nou ajuntaffe todos os feus Religiofos em
Firando , para allî efperar a primeira occa-
fiao de fe embarcarem. Ordenou tambem ,
que todos os naturaes do paîz , que préga-
vao a Ley de Deos , fahiffem do Japao , e
foffem para a India com os Padres , conde-
nando á morte todo o que fe achaffe fóra
do termo finalado . Prohibio a todos feus

vaffallostrazerem Cruzes , Rofarios , e to-


dos os finaes de Chriſtaos : poz logo folda-
dos em todas as cafas , e jurou , que ou os
Chriſtaos haviao de mudar de Religiao , ou
perder a vida .O Edicto fe publicou , e fi-
xou em Facata , e nas principaes Cidades do
Japaó.
OP. Provin O P. Provincial nao fabendo em con-

emFios. junctura tao funefta , que refolução tomaffe ,


cial ajunta
Padres
rando. pedio confelho aos Senhores Chriſtaos ; e to-
dos
do Japao. Liv . IX. 339
dos forao de parecer cedeffe ao tempo em
tudo , o que permittiffe a conciencia , nao
fazendo algum exercicio publico de Religiao,
e ajuntaffe todos os Padres em Firando para
moftrar ao Imperador , que obedecia ao feu
Edicto ; porque temiaó , que refiftindo á ſua
vontade , foffe occafiaó de mayor violencia.
O P. Provincial logo efcreveo a todos os
feus Religiofos difperfos pelo Japao , para
que viéflem a Firando , exceptos aquelles ,
que fe julgaffe com os olhos em Deos ferem
neceffarios para o bem da Igreja ; porque
effes poderia ficar efcondidos nos lugares
da fua reſidencià , principalmente em Bungo,
e Meaco. Ordenou mais , que entregaffem
aos Officiaes do Imperador as Igrejas , e Ca-
fas de Meaco , de Ozaca , e de Sacay , depois
de tirarem todos os ornamentos, que dariao
em cuftodia a algum Chriſtao , até que paf-
fafle a tempeftade.
Havia naquelle tempo em todo Japao
cento e vinte Religiofos da Companhia de
JESUS, que todos foraó a Firando em obfer-
vancia da ordem , que recebêraó , excepto o
P. Organtino com hum Irmao , e outro Pa-
dre, que nao deixáraó a Bungo disfarçados ,
mudando de traje para nao ferem conheci-
dos. Os que eftavaó em Meaco , antes de
partirem , quizérao mandar todos os Semi-
nariftas para cafa dos feus parentes ; mas
por mais diligencias , que fizérao , nao foy
poffivel fepararem fe dos Padres : fó tres
muito pequenos forao para os feus parentes,
Y 2 e os
340 Hiftoria da Igreja
e os outros firmárao por escrito a refolução ,
que tinhao tomado de renunciar os feus pa-
rentes , as fuas pátrias , bens , esperanças ,
e geralmente quanto poffuîao fobre a terra
pelo amor de JESU Chrifto , e pela defenfa
da Fé.
O que fe re-
Juntos os Padres em Firando no mez
folve naCon de Agosto do anno de 1587, foy confultado :
ferencia.
Se fe devia obedecer a Cambacundono , que
mandava fahiffem do Japao ? Todos de có-
mum confentimento foraó de parecer , que
os Sacerdotes , os Prégadores, e os Catequif-
tas , e todos aquelles , que podiao encami-
nhar as almas , deviao ficar. Quanto aos No-
viços da Companhia , julgáraō alguns , que
era neceffario fe puzéllem em parte fegura
daquella tempeftade em alguma Cidade do
Japao , para poderem fubftituir o lugar da-
quelles , que a miferia , ou a perfeguiçao ti-
rafle defte Mundo : os outros porêm , que

erao em muito mayor numero , foraó de pa-


recer contrario ; e affim fe refolveo, que os
Noviços entrariao tambem no campo da ba-
talha , e fe difporiaó todos juntos a ganhar
a Palma do martyrio.
Refolvêrao-fe mais quatro artigos
naquella Congregaçao . O primeiro foy, que
nao fe achando alguma peffoa , que oufaffe
fallar a feu favor a Cambacundono , cada
hum offereceria a Deos as fuas Miffas , ora-
ções , devoções , e penitencias , para que fof-
fe fervido tocar o coraçao do Imperador a
mudar de refolução , e continualle em prote-
ger
do Japao. Liv. IX. 341
Iger a Chriftandade, para que cada dia tivél-
fe mayores augmentos. O fegundo , que fe
perfiftiffe elle na fua má vontade, cada hum
offereceria a Deos Senhor Noffo a fua vida ,
querendo antes morrer , que deixar o Japao ;
porque fendo Paftores daquella nova Igreja,
compófta de tantos milhares de Chriftaos ,
era preciſo amparar o feu rebanho com pe-
rigo das proprias vidas ; pois fe deixaffem
no Japao os novos Chriftaos privados de to-
do o foccorro efpiritual , ficariaō em perigo
de renunciar a Fé. O terceiro , que ficando
no Japao , procurariao nao: irritar o Impera-
dor , mas ajudariaó os Chriſtaos com a pru-
dencia , e fegredo , que lhes foffe poffivel ,
até que a neceffidade os obrigaffe a manifef
tar-fe , e porifſo ſe contentaria de os inf-
truir nas fuas cafas particulares adminif
trando -lhes allî os Sacramentos ; como le pra-
ticava na primitiva Igreja no tempo das per-
feguições , e nas terras , em que domîna a
herefia no prefente feculo . O quarto , que
havendo ainda quatro , ou cinco mezes até
a partida dos navios , fe difporiao com ora-
ções, e mortificações a fazer fe dignos de fo-
frer todo genero de tormentos , e a mefma
morte pela defenfa da Fé ; porque era cer-
to, que partindo os navios , e fabendo Cam-
bacundono , que fe nao tinhao embarcado , Movimento ,
condenaria todos á morte.
que cauſou o
Tomada efta refoluçao , cada hum Edicto no re-
dos Padres fe poz no eftado de feguila nef- ligiofo ani-
mo dosChri-
ta tao critica conjunctura. Nao fe póde ex- taos.
Tom . II. Y 3 primir
342 Hiftoria da Igreja ·
primir a moçao , que caufou , principalmen-
te nos animos dos Chriftaos , o Edicto do
Imperador , julgando- te defamparados fem
Sacerdotes , fem Confeffores , fem Prégado-
res , fem Miffas , fem Igrejas , e fem Sacra-
mentos ; metidos entre idólatras , que nao
attendiao mais , que ao inftante de os colher
ás maos para os devorarem , como lobos fa-
mintos fobre hum rebanho fem Paftor. E
como as novas triftes por inftantes fe au-
gmentao , cada dia ouviao vozes , que lhes
imprimia mais viva a dor ; porque huns di-
ziao , que o Imperador tinha mandado , que
os Padres foffem crucificados , e as Igrejas
queimadas : outros , que ordenava, que a to-
dos , os que trouxéffèm Cruzes , e Rofarios,
lhes tiraffem logo a vida ; e outras couzas
femelhantes .
Ainda que todas eftas vozes nao erao
verdadeiras , como o mal , que fe téme, fa-
eilmente fe crê , nao duvidavao , de que al-
guma daquellas penas fe executaffe ; e vendo ,
que os Padres fe retiráraó para Firando , fe
confirmárao no feu pensamento . Houve hum
concurfo geral de todas as partes , dos que
vinhao para receber os ultimos Sacramentos,
e difpôr-fe para a morte no lugar , em que
eftavao os Padres ; e depois de executar efte
piedofo acto ,fe proftráraó aquelles bons Chri-
ftaos aos pés dos Padres derramando infinitas
lagrimas , offerecendo - fe para os acompanhar
a todo rifco das proprias vidas . Os Padres
os confoláraó o melhor , que pudérao , e
lhes
do Japao. Liv. IX. 343
lhes feguráraó a fua protecçao , proteftando
nao os deixariaō nunca.
Naó fó os Chriſtaos ſe turbáraó com
o Edicto , mas os mesmos Gentios eftranhá-
rao a tyrannia de Cambacundono , chaman-
do-lhe injufto , cruel , e tyranno , porque
tratava tao mal huns eftrangeiros fabios ,
doutos , modéftos , e virtuofos ; porque he
coſtume authorizado no Japaó deixar a ca-
da hum viver na Religiao , que mais lhe
agradar. O Imperador porêm , fazendo pon-
to de honra nao retroceder , e fabendo , que
nos Reynos de Arima, e de Omura erao qua-
fi todos Chriſtaos , mandou demolir as prin-
cipáes fortalezas , tanto para impedir , que
fe rebellaflem contra elle , como para fe
· "
vingar da afronta , que lhe tinhao feito as
Damas Chriftas daquelles Reynos , quando
recufáraó obedecer- lhe.
Finalizado o termo dos feis mezes , Partida dos

que fe tinhao affinado aos Padres , éftando Religiofos da


o navio propinquo a partir , fallou o P.Pro- Companhia,
vincial ao Capitao , e lhe pedio reprefentaf-
fe a Cambacundono , que elle nao podia le-
var todos os que eftavao juntos para a In-
dia ; por quanto o numero era muito gran-
de , e o navio com mayor carga , e marinha-
gem , corria rifco de fe perder ; e que para
evitar efté perigo , levaria huma parte delles
aquelle anno , e outra no feguinte . Os que
haviao de partir , erao tres Religiofos , que
hiao para Macáo ordenar-fe de Sacerdotes
para voltar ao Japao . O Capitao efcreveo
Y 4 logo
344 Hiſtoria da Igreja
logo ao Imperador , mandando a Carta por
hum Portuguez chamado Manoel Lopes : e
porque a negoceaçao durou alguns mezes pe-
la diftancia das terras , diremos entretanto
o que fuccedeo em Ximo.
Os Padres avifáraó fecretamente os
Reys , e Senhores Chriftaos da refolução, que
tomáraó de ficar no Japao. Eftes Principes
á competencia os convidárao para fe retíra-
rem aos feus Eftados , fem temer o perigo; a
que fe expunhao de perder a amifade de Cam-
bacundono, juntamente a Coroa com a vida.
O Rey de Omura levou dôze , o de Bungo
cinco , o Governador de Firando quatro , a
Princeza D. Maxencia, que tinha a fua Corte
no Reyno de Chicungo , dous ; D. Joao , Se-
nhor de Amacufa , nove ; o Rey de Arima
todos os mais , que erao fetenta Religiofos,
e outros tantos Seminariftas , que tinhao vin-
do de Meaco. Déraōfe- lhes logo cafas mui-
to capazes para exercitarem as fuas funções,
e tudo o neceffario para o fen fuftento ; fen-
do o feu zelo tao grande , que nao obftan-
te o Edicto do Imperador , mandou a todos
feus vaffallos , que viviao em Ximabara, Co-
giro , e Mino , terras que tinha conquistado
no anno precedente ao Rey de Saxuma , que
fe fizéffem Chriftaos. Mais de dous mil re-
cebêrao o Baptifmo no principio deſte anno
de 1588. #

Já temos dito , que Cambacundono


na divifao , que fez dos Reynos de Ximo ,
tirou huma terra a Izafay ) parente do Rey
de
do Japao. Liv. IX. 345
de Arima , para a dar a hum filho de Rio-
zogi. Depois da fua partida , pedio Izafay
foccorro a feu Primo Rey de Arima para ref-
taurar a fua terra , com condiçaõ de fazer
todos os feus vaffallos Chriftaos. Efta terra
eftava fituada entre os Reynos de Omura , e
de Arima ; e attendendo D. Protafio aos ró-
gos de Izafay , lhe deo auxilio para recupe-
rála , " e elle cumprio o que promettera "
abraçando a Fé com todos feus vaflallos . Sa-
bendo Cambacundono efte fucceflo , fallou a
D. Agostinho feu Almirante , o qual mane-
jou os negocios com tal deftreza, que o Im-
perador excluĵo de todo o filho de Riozo-
gi, e Izafay foy confervado na fua poffe.
Com tudo era impoffivel occultar o D. Agostinho
fentimento , que tinha de ver na fua Corte faz grandes
ferviços áRe-
dous Chriftaos declarados , que erao o mef- ligiao.
mo D. Agostinho , e D. Simão Condera, Te-
nente General da fua cavallaria : mas re-
ceando perder Capitães tao valerofos , como
-já perdêra em Ucondono , diffimulou o feu
pezar , e nao lhes fallou palavra em mate-
ria de Religiao. Nao fe póde exprimir os
relevantes beneficios, que eftes dous Capitães
fizérao aos Chriftaos ; porque davao avifo
aos Padres , do que fuccedia , e impediao a
Cambacundono executar nelles as violencias ,
que lhe fuggeria a fua paixao.
D. Agostinho , como temos dito , ti-
nha recebido a D. Jufto Ucondono nas fuas
terras em huma Ilha chamada Junogima, que
The pertencia , e lhe affiftia com todo o ne-
ceffario.
346 Hiftoria da Igreja
cellario . O P. Organtino o acompanhava , co-
mo em lugar muito occulto , do qual podia
cómodamente vifitar a fua Igreja de Meaco ;

porque nao era preciſo paflar , fenao hum


pequeno braço de mar , eftando diftante do
porto huma legoa em huma pequena caſa
de campo , cercada de bofques , e montes.
D. Jufto morava dalli huma legua , e Darfo
com toda fua familia em diſtancia de dez le-
guas. Aqui viviaõ contentes , e fatisfeitos ,
pois podia fervir a Deos em huma Ilha de
ferta , apartados da perturbaçao da Corte , e
do comercio do Mundo .

A mayor confolaçao , que eftes def-


terrados tinhao , era terem allí o P. Organ-
tino , que lhes adminiftrava os Sacramentos :
e D. Agoftinho , e D. Simao Condera vindo
vifitar a feu amigo Ucondono , ſe dilataraó
alguns dias , para fe eftabelecerem na firme-
za de perder todos antes as vidas , que re-
nunciar a Fé. D. Agostinho , que bem co-
nhecia nao haver fegurança para os Chri-
ſtaos na Corte , fe preparou para a morte
por meyo de huma confiffaó , que fez com
o P. Organtino com demonftrações de mui-
ra piedade , e religiao. Deo o Governo da
Ilha a hum Cavalheiro Chriftao , · ordenan-
do- lhe nao deixaffe entrar nella , # mais que
Chriſtaos , e affinando renda fufficiente pa-
ra fua fubfiftencia.
Conftancia
Quando fe publicou o Edicto do Im-
de
DamasC hri- perador por todo Japao , podendo intimi
algumas
nās. dar os Servos de Deos , lhes comunicou tal

alegria,
do Japao. Liv. IX. 347
alegria, e os animou tanto , que nao deſejavao
outra couza mais , que chegar á hora de dar
a vida por JESU Chrifto. Muitos Cavalhei
ros deixárao os feus empregos e as rique-
zas , que poffuîao , para ſe retirar á Ilha de
Jonogima , em que vivia D. Jufto ; devendo
ter lugar entre eftas acções heróicas as de
algumas Damas , e Senhoras Chriftas , dig-
nas verdadeiramente de eterna memoria. En-

tre outras a merecem duas , que eftavao no


Paço fervindo a Rainha , mulher de Camba-
eundono : huma chamada D. Magdalena, que
era Secretaria das ordens da Rainha , may de
D. Agostinho ; e outra D. Joanna. Logo que
fe publicou o Edicto , pedirao ambas licen-
ça para fe retirar ; porque queriaõ viver , e
morrer Chriflás. A Raînha , que ternamente
as amava pelas fuas raras virtudes , fez todo
poffivel para conferválas ; pedindo-lhes diffi-
mulaffem a fua Religiao , e fe contentaffem
de fer Chriftas no coraçao , fegurando- lhes
nao as obrigaria a fazer couza alguma contra
a fua conciencia. D. Magdalena lhe refpon-
deo, dizendo : Senhora, os Chriſtaōs naõ tem
duas caras , buma de mentira , e outra de
verdade : nao fabem , que couza be diffimu-
lar em materia de Religiaō ; quem ve o seu
rofto , vé o feu coraçao. Se não se tratafle
do intereffe de Deos, nao haveria couza , que
deixallemos de fazer para obedecer a V. Ma-
geftade ; mas as ficções naõ faō permittidas
na Religiao Chriftă , e nao confellar a fua
Fé , he renunciála. Poderemos nos defobede-
cer
348 Hiftoria da Igreja
cer do Rey do Ceo para obedecer aos Reys da
terra. A Rainha vendo , que erao inuteis
todas as fuas diligencias para confervar ef-
tas virtuofas Matronas , lhes deo licença pa-
ra ſe retirarem com pezar , e grande fenti-
mento feu fahindo porêm ellas de palacio ,
ficárao em Ozaca elperando , que voltaffe
Cambacundono , lifongeando-se com a efpe-
rança, de que elle havia mandar martyrizálas.
Converfao A converfao da Raînha de Tango he
maravilhosa Outra acçao memoravel , que na nolla Hiſto-
da Rainha ria merece grande lugar. Era filha de Aque-
de Tango. xi , aquelle traidor , que matou a Nobunan-
ga , e estava cafada com Jacundono Rey de
Tango , fendo Princeza de rara belleza , de
efpirito vivo , juizo fólido , coraçao nobre ,
e animo fuperior ao féxo. Seu marido pelo
contrario era homem dado aos exceffos de

Baccho , e em pouco tratavel : D. Jufto , a


quem elle eftimava muito, lhe fallava muitas
vezes de Deos : mas delle nao colhia frúto
porque aquelle animo foberbo, e voluntario
nao ſe reduzia á feguir á verdade. Referia
porêm á Rainha fua mulher , a quem terna-
mente amava , tudo quanto lhe dizia Ucon-
dono , mais por modo de conto , do que
por final , de que eftimava , e approvava al
Religiao Catholica . A Princeza , que , como
diffémos , era fabia , e muito entendida , fa-
zia grande gofto de o ouvir , e desejava ar-
dentemente fer inftruida · naquella doutrina ;
mas não oufava pedir licença a feu marido
para hir ouvir os Sermões dos Padres , ef-
tando
do Japao. Liv. IX. 349
tando certa , que a havia de negar. Nefte
tempo foy preciſo ao Rey hir fallar a Cam-
bacundono ; e antes de partir , mandou ex-
preffamente aos que o acompanhavao,nao lou-
vaffem fua mulher na prefença do Imperador ,
receando lha tiraffe por força ; e aos que fica-

vað, q naõ deixaffem fahir de palacio a Raî-


nha debaixo de qualquer pretexto: augmentou
porêm o numero das Damas para lhe fazerem
companhia, e deixou guardas em roda de pala-
cio, para que nao deixaffem entrar nelle pef-
foa alguma, de qualquer qualidade que fofle.
A Rainha pela grande vontade, que Saye vefti da
tinha de ouvir os Padres , refolveo declarar
para ouvir os
Padres.
ſe a fete, ou oito das fuas Damas , para que
ajudada dellas , pudéffe fahir occultamente
a fatisfazer o feu deſejo. Eftas lhe reprefen-
táraó era impoffivel a fahida pela porta prin-
cipal , porque de dia, e de noite havia guar-
das , que cercavao o palacio ; porêm que
podiao fahir por huma porta falfa , de que
as mefmas Damas tinhaổ a chave. Tomada

efta refoluçao , no dia, em que toda a Cida-


de hia ao pagóde ouvir o Sermao dos Bon-
ZOS , fahio a Rainha com poucas Damas dis-
farçada , e foy á Igreja dos Padres : tanto
que, entrou nella , ficou admirada de ver a
perfeição, e afleyo, com que eftava ornada ,
a belleza dos ornamentos, devoçao das ima-
gens , principalmente a do Salvador, que ef-
tava collocada fobre o altar. OP. Cefpedes,
Superior daquella Refidencia , conhecendo
pela comitiva , que efta Senhora era de fu-
perior
350 Hiftoria da Igreja
perior esféra , foy cumprimentála , e lhe per-
guntou , fe queria alguma couza , em que a
pudéffe fervir ? A Rainha lhe refpondeo ,
que defejava ouvir as inftrucções , que fe
faziaó aos Chriftaos : e porque o Irmao Vi-
cente Japonez nao eftava entao em casa , e
era o que devîa inftruîla , por fer mais perî-
to na lingua , como natural , em quanto eſpe
ravao fe recolheffe, lhe mostrou o Padre tudo
o bom, que havia na Igreja , e conheceo nos
difcurfos , e trato da Rainha fer verdade, o
que antes tinha fufpeitado. Chegando o Ir-
mao Vicente , lhe advertio o Padre , que
com especial attençao fatisfizéffe a curiofi-
dade daquella Senhora ; e depois de humra
larga prática , propoz ella algumas difficul-
dades , que moftravao bem a fubtileza do

feu engenho , e defenganada da illufaó, que


lhas reprefentava, pedio com muita inftancia
o Baptilmo ; accrefcentando , que era preci-
fo aproveitar da occafiao , porque nao teria
facilmente outra para vir áquelle lugar.
O P. Supe O P. Superior lhe perguntou , quem
rior duvida era , para obrar com todo acerto em mate-
baptizala.
ria de tanta importancia : porêm a Raînha
The refpondeo , que era huma Serva de Deos ,
e Chriſta do coraçao , e que havia razões
efpeciaes para nao fe manifeftar , o que fa-
ria a feu tempo . OP. Superior temendo fof-
fe alguma dis trezentas concubinas de Cam-
bacundono , fe efcufou com o pretexto da
hora , que era muito tarde , e estar ainda
pouco inftruîda , fendo precifos mais alguns
prepa-
do Japaō. Liv. IX. 351

preparos para receber o Baptifmo, os quaes


deviao fazer fe com tempo , e madureza :
exhortou-a , que puzéffe a fua confiança em
Deos , e que fe perfeveraffe em tao fanta
refoluçao , a Bondade Divina lhe fubminif-
traria meyos para alcançar a graça, que per-
tendia.
As guardas advertindo no defcuido, Achado -a as
que haviao tido , quando acháraó a Rainha guardas me
nus, a buica.
menos , temerozos do caftigo , forao procu- na Igreja
rála pelos pagódes levando palanquins para a
conduzir ; e vendo , que nelles nao eſtava "
entrárao na Igreja dos Chriftaos , ficando
muito admirados de a ver alli e porque

era já tarde , lhe pedirao entraffe no palan-


quim , no qual foy conduzida para palacio.
No dia feguinte logo pela manhã
mandou a Rainha a fua Dama de honor ,

que era dotada de grande entendimento , e


de quem juftamente fe confiava , com hum
recado ao P. Cefpedes , em que lhe agrade-
cia as inftrucções , que lhe tinha dado no
dia antecedente , e pedindo por efcrito a de-
cifao de algumas duvidas, que a tinhao ator-
mentado. O Padre lhe refpondeo logo , e
levando a Dama a repoſta á Raînha , lhe
agradou tanto , que fe lhe augmentava ca-
da vez mais o defejo de fer Chriſta ; e affim
defde aquelle dia nao paffava nenhum , que
deixaffe de mandar alguma das fuas Damas
com pretexto de outro qualquer negocio á
Igreja aprender a doutrina para virem enfinar-
lha , de que refultou com brevidade rece-
berem
352 Hiftoria da Igrèja
berem o Sagrado Baptifmo dezefete Damas.
Quando voltáraó de receber efte Sa-
Dezelete das
fuas Damas cramento , a Rainha as abraçou com gran-
Le baptizaraó de ternura ; e vendo-as cheyas de huma ale-
gria Celefte , que o Efpirito Santo derrama-
va nas fuas almas , abrazava-se no defejo de
participar a mefma felicicidade. Com viva
fé pois, de que Deos lhe adminiftraria os me-
yos conducentes para confeguir aquella graça ,
fazia da fua parte, quanto era poffivel para a
merecer, porque jejuava nos dias de preceito,
tinha muitas horas de oraçao , obſervava as
feftas , e Domingos, e rezava com as Damas
todos os dias o Rofario. Mandava fempre
da fua parte alguma dellas vifitar os Padres;
e porque a vigilancia das guardas lhe fazia
difficil efte cumprimento , ganhou hum Gen-
tilhomem da fua Corte para o mesmo em-
prego. Sendo avifado fecrétamente o Irmao
Vicente da fua chegada , o foy buscar , e
encontrando-o na Igreja , lhe fez hum dif-
curfo tao fórte fobre os Myfterios da Reli-
giao Chriſta , que convencido da fua efficá-
cia , logo renunciou os idolos, e fe fez Chri-
ſtao. Teve a Rainha fumma conſolaçao deſta
mudança tao inopinada , e o defejo , que ti-
nha de receber o Baptifmo, foy tao grande ,
que tomou a refoluçao de fe fechar em hu-

ma cafa , e de noite lançar- fe da janéla abai-


xo por cordas para hir receber o Baptifmo ,
por que tanto fufpirava . Sabendo os Padres
efta determinaçao , the mandárao dizer , que
fe abftivéffe daquelle exceffo , promettendo
fatisfa-
do Japao. Liv. IX. 353
fatifazer ao feu desejo o mais depreffa, que

pudéffem .
Nefte chegáraó a Ozaca as He baptiza-
tempo
novas de eftar declarada a perſeguiçao con- da por huma
tra os Chriſtaos , e do Edicto para expulfar de luas Da-
mas.
os Padres do Japao. Efte terrivel golpe po-
dendo intimidar as Damas Chriſtás , as ani-
mou tanto , que com hum milagre da Divi-
na graça ficárao mais firmes , e conftantes
na Fé : de modo , que fe preparárao todas
para morrer antes que renunciála . Afflicta
a Rainha com eſta infaufta noticia, temendo
que os Padres fe foffem fem lhe conferir o
Baptifmo , mandou huma das fuas Damas
chamada D. Maria pedir com fupplicas mais
fórtes The miniftraffem aquelle Sacramento,
antes de partirem , para falvaçao da fua al-
ma. Os Padres attendendo ao fervor deſta
Princeza , e nao podendo de modo algum
hir a palacio , nem ella vir á Igreja , enfi-
náraó a D. Maria a fórma do Baptifmo , e
The ordenárað o adminiftrafle á Rainha : com

muita alegria o celebrou ella , e a Raînha


fe achou com huma tao notavel mudança
no interior , e exterior , que naõ duvidou ,
que o Rey , vendo o effeito tao maravilho-
fo da graça , pediffe logo o Baptifmo . To-
mou o nome de Gracia , e a Dama foy lo-
go ao P. Superior dar conta , de que modo
tinha exercitado aquelle alto , e Divino mi-
nifterio. Fulgo- me ( difle ella ) por tað au-
thorizada , que me confidero como peloa de-
dicada a Deos, e que nao deve fervir a ufos
Tom. II. Ꮓ
profa-
354 Hiftoria da Igreja
profanos : por ifto faço voto a Deos de obfer-
var perpetua caftidade , e para testemunho
defta minha refolução corto o cabello. Quan-
do as mulheres do Japao , e tambem os ho-
mens córtao o cabello , moftraō , que renun-
ciao o Mundo e porque D. Maria era huma
Princeza muito moça na flor da idade, igual,
mente fermofa , e rica , deftinada para elpo-
fa de hum dos mais poderofos Principes do
Japao , todos em Ozaca ficáraó admirados
da fua mudança , quando lá fe divulgou ef-
ta noticia , nao fe fallando em outra couza ,
mais que nesta heróica acçao.
Volta Rey
Pouco depois voltou Jacundono pa-
a Tango.
ra Ozaca com Cambacundono , e tendo noti-
cia , que fua mulher era Chriílá , como idó-
latra cégo fe enfureceo , e irou tanto , que
entrou a fulminar terriveis caftigos contra
ella , fe nao tornaffe a feguir os feus erros.
A Raînha refpondeo , que lhe obedeceria
em tudo , o que nao foffe contrario á Ley
do verdadeiro Deos ; mas que nao podia fer
infiel á fua conciencia , dando ao demonio a
honra, que fó a Deos era devida , como So-
berano Creador , e Unico Deos verdadeiro ,
e que bem podia tirar lhe a vida , mas nun-
ca a Fé. O barbaro , que a amava pela fua
belleza, ainda que a aborrecia pela Religiao ,
vio-fe combatido de duas paixões contrarias :
o amor , que lhe tinha , o impedia repudiá-
la ; e o affecto ás fuas fallas crenças , que

o cegava , difficultava perdoar lhe : nefta


perplexidade pois elegeo o caminho de a
tratar
do Japao. Liv. IX. 355
tratar mal, efperando , que o tempo a obriga-
ria a feguir o culto dos Deoles , de que fe
tinha apartado.
Com effeito começou a tyrannizar Trata mala
a innocente Senhora com inexplicavel rigor, Rainha.
nao havendo injuria , que lhe nao fizelle ,
nem afronta , a quenao a condenaffe por
efpaço de treze annos , que lhe durou a vi-
da : muitas vezes cheyo de ira lhe poz hum
punhal na garganta , ameaçando-a de morte,
fe nao largava a Religiaō ; mas ella fem te
mor lhe refpondia contente , que lhe pode
ria tirar a vida , mas nao a obrigaria a re-
nunciar a Fé. O tyranno cada vez mais en-
furecido voltava a ira contra as Damas Chri-

ftás , as quaes martyrizava na prefença da


Rainha , excepto a Dama de honor D. Ma-

ria, que refpeitava pela fua qualidade, e me-


recimento. Efta foy a unica confolaçao da
Rainha nos feus trabalhos . Hum dia , que
irado o Rey fahio totalmente de fi , julgan-
do a Rainha , que era o ultimo da fua vida ,
confeffou os feus peccados a D. Maria fua
confidente , cuidando com finceridade gran-
de , que pois tivéra poder para a baptizar ,
a poderia tambem abfolver ; e fabendo os
Padres efte fucceffo , a advertirao do erro ,
em que cahira. {
Eftando os Padres em Firando , con- Efcreve aus
fórme a infinuação do cruel Cambacundono, Padres da
Companhia,
frequentemente efcrevia a elles a Rainha , que estavaó
para que dalli a inftruiffem , como lhe era em Firande.
neceffario. Nas Hiftorias Portuguezas , e Cal-
i.. Z 2 telhanas
356 Hiftoria da Igreja
telhanas fe lêm muitas deftas Cartas, das quaes
referiremos fó huma , que moftra bem o feu
elpirito.

MEU AMADO PADRE.

Ntre todas as noticias , que Taco Da-


E
çancio me trouxe , nenhuma me fatisfez
tanto , como a certeza de que tomaftes a
refoluçao de ficar no Fapat ; e o voljo va-
loranimou a minha esperança , que Jempre
confervo de vos ver brevemente reftituido a
Ozaca. Sabey, meu Padre, que nenhuma con-
fideraçao do Mundo , nem razões humanas me
fizérao renunciar a idolatria , Senaõ a graça
de Deos, meu Creador, a quem havia muito
tempo pedia me déffe o conhecimento da ver-
dade. Depois que pela fua mifericordia me ti-
rou das trevas da infidelidade, conheço cla
ramente , naỡ haver outro caminho de falva-
çao, fenao o da Ley de Chrifto ; e mais fa-
cilmente creria o impofivel de fe mudarem
os mares , terra , e elementos , que perder
a Fé , que me habilita para estar na graça
de meu Deos , que tanto defejo.
A perfeguiçao , que fe excitou con-
tra os voos Padres, muito me afflige ; mas
a fua Fé , valor, e refoluçao me alegra infi-
nito. Depois da vola partida nao tenho ti-
do repouzo ; porque continuamente fou perfe-
guida , atormentada , e ameaçada de morte
para largar a minha Religiaõ : mas Deos me

do Japao. Liv. IX. 357
dá a graça de nao a temer, e desprezar
qualquer caftigo. O meu filho Segundo , que
tem fó tres annos de idade , efteve perigofa-
mente enfermo , e defconfiado dos Medicos :
e como eu fentia mais a perda da fua alma,
que a da jua vida , pedi a D. Maria , que
be minha mãy espiritual , o baptizaffe , e no
mesmo inftante, em que ella o fez, ficou fao:
chama-Je Joao. O Rey meu esposo tem hum
ádio implacavel aos Chriftaōs , e a mim me
trata muito mal : quando veyo de Ximo fuc-
cedeo a buma ama de meu filho , que be Chri
Stă, fazer huma couza muy leve, de que elle
Je defagradou com tal exceffo , que mandou
cortar-lhe o nariz, e as orelhas, e a lançou

fora de cafa com algumas Damas, ás quaes


fez cortar o cabello: tenho cuidado de lhes
affiftir, e prover de tudo o necesario. Elle
partio para o Reyno de Tango , e me diffe ,
que quando vielle, havia fazer bum rigorofe
exame em toda a familia. Fallava das Da-
mas Chriftas , que eftaō comigo ; mas entre
ellas nao fe acha buma , que nao esteja dif
pófta , como eu , a facrificar a vida pela Fé
de JESU Chrifto Noflo Senhor, feja elle , ou
Cambacundono , quem nos queira obrigar a
renunciála.

Recebo grandegosto pela noticia, que


me déraỡ dos voffos Padres , e peço a Deos -
todos os dias voltem a efa terrà para o bem
da minha alma , e falvaçao de meus filhos.
Recomendo-me , e a toda minha familia nas

vofas fantas orações , e vos peço naõ vos


Tom . II. Z 3
efque-
358 ia
Hiftor da Igrej
a

efqueçais defta voffa affeiçoadiſſima , e af-


fligidiffima filha.

D. Gracia Rainha de Tango.


}

De Ozaca no dia Setimo da undecima Lua.

Morte da Ra- Viveo efta fabia Rainha até o anno


inha de Tan- de 1600 : morreo no mez de Agofto confu-.
go.
mida de trabalhos, perfeguições, e miferias.
He proprio das couzas eftimáveis , e gran-
des , que fó fe conheça cabalmente o feu va-
lor, depois que fe perdem. O barbaro mari- .
do , que tratou tao mal fua mulher em vida ,
martyrizando a em tudo , que lhe era poffi-
vel , fentio com pezar extraordinario à fua
morte , e conheceo com incrivel dor o que
perdêra pedio aos Padres lhe fizéſſem o fu-
neral com a poffivel pompa , e pagou toda
a defpeza , affiftindo ás ceremonias com mui-
tas lagrimas , e accufando- fe de fer caufa da
fua morte .
O que fe fe. Para tomarmos o fio da noſſa Hiſto-
guio no Rey- ria , he preciſo dizer , que publicado o Edi-
rador em todos os Reynos , foy
no ois
dep da pu- to do Impe
de Bungo
blicação do o de Bungo o primeiro , em que fe fentio
Edicto.
a mais horrenda perfeguiçao . O que admi-
rou fobre tudo foy, que nao era Cambacun-
dono , o que a excitava , mas hum Princi-
pe Chriſtao baptizado , que tinha comfigo
cinco Religiofos . Efte era D. Conftantino
Rey de Bungo , filho do Rey D. Francifco ;
e como tinha na fua Corte a feu tio Chica-

cata ,
do Japao. Liv. IX. 359
cata , inimigo declarado dos Chriſtaos , nao
obrava couza alguma fem o feu confelho.
Depois da publicação do Edicto repreſentou
efte infeliz Politico a feu fobrinho , que ten-
do Chriftao , como era , e tendo comfigo
cinco Religiofos da Companhia , Cambacun-
dono, que os tinha defterrado , e queria ex-
terminar os Chriftaos , o privaria a elle do
Reyno , e o daria a outro Principe, que fe.
guille a religiao do paíz : que era precifo
prevenir efte golpe , mandando fahir os Pa-
dres das fuas terras , e obrigando os seus
vaſſallos a adorarem o Cami , e o Fotoqui.
O Rey , que naturalmente era volu- o Rey perfe-
vel, e inconftante, ouvindo o difcurfo de feu gue os Chri
ftaōs.
tio , temendo perder a Coroa , defpedio os
Padres , que tinha comfigo, dous dos quaes
fe retirárão a Sucumi bufcando o amparo
da Rainha D. Julia , viuva do Rey D. Fran-
cifco , e os outros forao valer-fe de D. Pau-
lo de Bungo, e do Principe D.Pantaleaó, que
eftava retirado da Corte , vendo que o Rey

feu irmao le governava pelos dictames de


feu tio contrarios á Religiao.
Naó contente Chicacata de ter def
terrado os Padres , pertendeo tambem refta-
belecer o culto dos Deofes no Reyno de
Bungo , obrigando todos os Chriſtaos a fa-
zer-fe idólatras . Para confeguir o feu inten-
to asfaltou o fobrinho pela parte , que nelle
conheceo mais fraca , que era o temor de
perder o Reyno. Reprefentou -lhe , que nao
baftava expulfar os Padres , mas que era
Z4
precifo
360 Hiftoria da Igreja.
precife reduzir todos os feus vaffallos á rẻ-
ligiao do paíz : que Cambacundono naõ po- ;
dia deixar de eftar informado , de que o
Reyno estava cheyo de Chriſtaos , e que fe
elle os confentiffe , julgaria que era rebelde
ao feu Edicto , e fomentava huma Religiao
profcrita do feu Imperio ; que nao devîa pôr-
Te em difcordia com hum Principe tao po-
derofo ; e que nao lhe podia fazer couza
mais grata , que obrigar os feus vaffallos a
renunciar huma Religiao , a que o Impera-
dor tinha averfao extrema.
O Rey intimidado com eftes difcur-
fos , perguntou a feu tio , como poderia el-
le chegar ao fim de huma empreza tao dif-
ficil , e delicada ; pois os Principaes do Rey-
no erao Chriſtaos , e corria rifco de fe le-
vantar alguma confpiração contra elle? Chi-
cacata lhe fuggerio hum meyo , que ao feu
parecer entendeo fer mais feguro, o qual foy,
que publicaffe pelos feus Eftados, que Cam-
bacundono defejava , que todos os Grandes ,
e Chriftaðs do feu Reyno lhe juraffem fideli-
dade , e omenagem em nome do Cami , e
Fotoqui , conforme o coftume do Japao. Dif-
correndo por efte modo o infame Politico :
Ou os Chriftaos jurao fobre o Cami, ou nao
jurao fe jurao , renunciaó a fua Fé ; e fe
nao jurao , tendes caufa para os defterrar ,
e tirar-lhe as vidas , como rebeldes.
Conftar.cia Parecendo bem ao Rey efte confé-
D. Paulo. Iho , mandou publicar hum Edicto no anno
de 1588 , no qual ordenava a todos os Chri-
ftaos
do Japao. Liv. IX. 361
ftaos viéffem dar juramiento de fidelidade a
Cambacundono nas fuas maos . D. Paulo , que

era o Senhor de mayor refpeito daquelle Rey-


no ,
bem conheceo , quanto aquella traça fe-
ria para fua ruîna ; porque Chicacata zelofo
da gloria , que o Rey havia adquirido na ul-
tima guerra , tinha invéja á fua fortuna , e
armava laços á fua vida : mas como fabio ,
e difcréto diffimulou por algum tempo , pa-
ra ver o effeito , que caufava nos animos o
rigor do Edicto ; refoluto porêm de morrer
primeiro , que largar a Fé. E fua mulher,
que era Prima do Rey D. Franciſco , a ifto
meſmo muito o perfuadia , reprefentando-
lhe , que os feus inimigos procuravao a fua
morte , e que ou juraffe , ou nao , buſcariaō
outro meyo para o deftruir : que fendo a
morte inevitavel, era melhor eleger aquella,
que lhe fegurava o Reyno do Čeo , e nao
a outra, que o precipitaria no Inferno. Mui-
tos dos feus amigos aconfelhavao a D. Paulo
o contrario, que era ceder por entao á vio-
lencia , e jurar com a boca , confervando a
Fé no coraçao : mas elle refpondeo, que nun-
ca diria com a lingua o que prejudicafle á
fua conciencia : que as ficções vis , e tîmi-
das erao indignas de hum homem bem naf-
cido , e que ninguem lhe lançaria em roſto
abſter-fe de hum facto , que encontrava a
fua honra, e obrigaçao ; que fe o Rey queria
juraffe como Chriſtao , nao repugnava , e fe-
nao , morreria como homem fiel á fua Re-
ligiao.
A Prin
362 Hiftoria da Igreja
Carta da A Princeza D. Maxencia , filha do
Princeza D. Rey D. Francifco , e herdeira da fua virtu-
Maxencia ao de , fez todo o poffivel com o Rey de Bun-
Rey de Bugs
feu irmao. go feu irmao, para que aceitaffe o juramen-
to de D. Paulo na fórma referida ; mas elle
ſe irou tanto contra ella , que a ameaçou co-
lérico com defterro, e perda das fuas terras,
fe lhe fallaffe mais à feu favor. Jurará (dif-
fe) pelos Deofes , ou morrerá. Nao temen-
do a Princeza eftes ameaços , lhe escreveo
huma Carta , na qual lhe repreſentou viva-
mente o perigo, a que expunha a fua peffoa,
e Reyno , pois fendo Chriftao , nao lhe era
decorozo perfeguir os Chriftaos ; porque ef-
ta acçao moftrava temor , e inconftancia.
Que D. Paulo era muito estimado de Cam-
bacundono pelo feu valor, e que fe lhe tirava
a vida fem urgente caufa , e fem dar primeiro
parte ao Imperador, cahiria na fua indigna-
çao : que elle eſtimava os Chriſtaos , por mais
1:0
que fe moftrava agora feu contrario ; que
paffada aquella tempeftade , fe offenderia do
que elle obraffe : que eftando os Chriſtaos
promptos para jurarem pelo Deos , que con-
feffavao , e adoravao , nao quereria o Impe-
rador mais fegurança ; e muito menos con-
fentiria , que fe fizéffe violencia a huns Se-
nhores , que fe fabia erao feus favorecidos .

Que devia efperar, que elle lhe difféffe , que-


ria o juramento em outra fórma , ou ao me-
nos , que fe agradava da fua determinaçao.
Que nao obraffe tao precipitadamente em
materia de tanta confequencia , principal-
mente
do Japao. Liv.IX. 363

mente contra hum vaffallo tao diftinto ,


tao grande Capitao , como D. Paulo , e ou
tros Senhores de qualidade quafi igual.
Efta Carta rebateo o animo do Prin- Forma do ju-

cipe , que fe voltava a qualquer vento : fó- ramiento.


mente huma circumftancia julgou diffonante
o feu temor, . què era a confideraçao , de que
vendo Cambacundono dous generos de jura-
mentos , hum dos Gentios , outro dos Chri-
ftaos, lhe pareceria mal, que elle os recebeffe
daquella maneira . Para lupprimir pois efte te-
mor the mandáraó os Padres, que eſtavao em
Sucumi, huma fórma de juramento, que fe po-
dia fazer pelos Chriſtaos , e Gentios , e era :
Que juravao, e promettiao fidelidade a Cam-
bacundono , como a feu Soberano , e Impe-
rador do Japao , fem exprimir por quem ju-
ravao ;
mas que os Chriftaos , antes de fir-
marem o juramento , proteftariaõ diante do
Rey , do feu Confelho , e de todo o povo ,
que nao pertendiao jurar , fenao pelo ver-
dadeiro Deos Creador do Ceo , e da ter-
ra. O Rey ſe fatisfez com efte juramento ,
e defte modo fe ferenou tao grande tempef-
tade.
Os inimigos de D. Paulo vendo o Conjuraçao
feu defignio fem effeito , refolverao tirar- contra Dom
Paulo.
lhe a vida , quando viéffe a Funay dar o jú-
ramento. Sabendo D. Paulo efta traiçao ,
por nao faltar no dia , que lhe tinhao def-
tinado , veyo acompanhado de tres mil ca
vallos. Efta efcolta junta com o feu grande
valor temêrao de forte os traidores , que lhes
fez
364 Hiftoria da Igreja
fez multiplicar os objectos , publicando pe
la Cidade vozes , que D. Paulo trazia com-
figo oito mil cavallos ; motivo , porque Chi.
cacata temerozo lhe eferereo da parte do
Rey , que nao viéfle a Funay , mas que fa-
zendo alto , onde recebeffe efte avifo , lhe
mandariaó a declaração do Principe para a
fobfcrever ; o que affim fe executou , triun-
fando o valerofo Capitao dos contrarios com
a fua fidelidade , e conftancia.
Fica có ma- Deos Senhor Noffo , que he Jufto , e
yor credito Fiel Remunerador do que fe faz em feu oble-
D.Paulo de-
pois defte fuc quio , permittio , que crefceffe a ſua boa re-
cello.
putaçao depois defte fucceffo por meyo de
huma noticia , que chegou a Ozaca. O Rey
de Bungo mandou hum feu Gentilhomem
dar ao Imperador obediencia : quando efte
veyo, lhe referio, que D. Paulo era muito ef-
timado na Corte ; porque o Imperador era o
mayor pregoeiro das fuas prendas , e virtu-
des : que ouvira dizer a Cambacundono, que
o Rey de Bungo moftrava evidentemente fer
inepto para o governo ; pois que nem eile,
nem o leu Confelho conheciao as raras qua-
lidades de D. Paulo para fe aproveitarem.
deltas.

Efta relação foy como hum rayo, que


alfombrou de temor , e inquietou tanto ao
infeliz Principe , que nao fabia , que refolu-
çao tomaffe para faniar a fua opiniao. Nao
oufava hir a Ozaca , receando que allî o de- :
tivéffem , como prizioneiro , nem ficar nos
feus Eftados , fabendo que nao era bem visto
do
do Japaō. Liv. IX. 365
do Imperador. Em quanto combatia com
pénfamentos tao encontrados , recebeo hu-
ma Carta do irmao de Cambacundono , que
era feu amigo , e Protector , na qual o avi-
fava foffe á Corte com a brevidade poffivel .
Poz-le elle logo a caminho , e de- Viagem do
pois de algumas jornadas encontrou hum Cor. Rey de Bun-
go á Corte do
reyo, que lhe trazia ordem expreffa de Cam- Imperador.
1 bacundono para mandar matar hum Senhor
Gentio , que fe refugiára nas fuas terras , e
defterrar todos os Chriftáos , que repugnaf-

fem adorar os Deofes do paíz. A le m defte


decreto do Imperador, recebeo Cartas de ſeu
irmao , em que o avifava executaffe as or-
dens de Cambacundono, obrigando a D. Pau-
lo a deixar a Fé Catholica , fobpena de per-
der elle mefmo a vida.

A Corte he huma efpecie de thea-


tro , que muda a fcena cada inftante : tudo
anda mafcarado com disfarce , fendo poucos
os Cortezaós , que nao fejao enganadores ,
ou enganados. Deos Senhor Noffo, que nao
quer, que achemos prazer feguro nefte Mun-
do , permitte , que os feus fervos fieis paf-
fem a vida em huma continua mudança de
bens , e males , e nao achem mais , que in-
fidelidade nas creaturas , para que não em-

preguem nellas todo o affecto. Apenas D.


Paulo começava a gozar o fruto das fuas fa-
digas com a diftinçao , que o Imperador fa-
zia do feu merecimento , quando fe vio no
extremo de fer infiel , ou de perder a vida
ás maos da tyrannia.
O Rey
366 Hiftoria da Igreja
Refolução O Rey de Bungo recebendo efta or.
dos Christaōs dém , expedio logo pelloas de fua comitiva ,
de Bungo.
de que confiava a poriao em execuçao : man-
dou , que todos os Chriſtaos trouxéffem ao
pescoço hum idolo pequeno para final , de
que renunciavao a Religiao Chriftă . A pri-
meira peffoa , a quem 7fe intimou esta or-
dem , foy á Raînha D. Julia , viuva do Rey
D. Francifco , Princeza nao menos zelofa da
Ley do verdadeiro Deos , do que tinha fido
feu elpofo. A virtuofa Rainha declarou lo-
go em altas vozes , que nunca obedeceria a
tao impio Decreto. Logo á irma do Rey de
Bungo a Princeza D. Joanna , que estava pa-
ra fe receber, e teve o fobrenome no feu Ba-
ptifmo de Regina , ameaçáraó com defterro
perpétuo , fe nao obedecia , antes que feu
irmao viéffe. 4 Ella fem temor algum diffe ,

que fe foffe defterrada pela Fé, hiria de boa


vontade pedir elmóla aos feus mefmos vaf-
fallos , não havendo miferia nenhuma , que a
niudaffe do feu fanto propofito . Foy a mef-
ma ordem a D. Paulo , a feu tio , mulher , fi-
lhos, e a hum grande numero de Cavalheiros
Chriftaos , os quaes todos lhe refpondêrao,
que nao erao tao vis , que follem traidores
á Fé, que tinhao jurado ao verdadeiro Deos .
Os Comillarios vendo efta firme refolução ,
nao paffáraó ávante , e logo aviláraó ao Rey ,
que estava em Ozaca , muito fatisfeito de fi ,
pelo que tinha ordenado em obfequio do Im-
perador .
Chegou D. Conftantino á Corte , e

foy
do Japão. Liv. IX. 367
foy logo beijar a mao ao Imperador , levan- O o Rey he a
do o idolo ao pescoço , final demonftrativo da frontado pe-
fua deteftavel apoftafia ; mas achou tao pouca lo Imperador
a
aceitação no Soberano, que o recebeo muy pe- I
zadamente , reprehendendo-o por confentir
nos feus Eftados o Senhor Gentio , de que
temos fallado. O defgraçado Rey lhe fegu-
rou déra ordem para o matarem em obfer-
vancia da que delle reçebêra ; e com efta
noticia ficou o Imperador mais fatisfeito.
Aceitou o feu cumprimento , que foy cheyo
de refpeito , fubmifloes, e protéftos de gran-
de fidelidade ; mas quando para realçar eſta
chegou a dizer mal de D. Paulo , condenan-
do as fuas acções , Cambacundono fe enfu-
receo tanto , que o tratou de louco e ho-

mem fem difcriçao , pois nao conhecia as


pelloas de prendas relevantes ; e ultimamen-
te lhe virou as coftas. O Rey , que efpera-
va melhor acolhimento , por ter perfegui
do a D. Paulo com aquelle rigorofo Edicto,-
e lhe terem affegurado , que o Imperador
affim o ordenava , ficou confuſo , e indeter-
minado no que devîa obrar ; e muito mais ,
quando foube , que o Secretario do Impera-
dor , como grande inimigo dos Chriftaos ,
accrefcentára na Carta o nome de D. Paulo ,
fem lho mandarem , para vingar tambem nel-
le a fua diabólica paixao. Retirado de pa
lacio, mandou logo chamar a D. Paulo, a ſeu
tio Chicacata, ao Principe feu filho , e a mui-
tos Senhores principaes , e os mandou á pre-
fença do Imperador , procurando affin apla-.
car-lhe
368 Hiftoria da Igreja
car- lhe a ira , e adquirir outra vez a fua be
nigna attençao .
D. Paulo co Tanto que chegáraó , déraō avifo
me á melado ao Imperador , que eftava alli o Principe de
Imperador. Bungo com a comitiva mencionada. Man-
dou Cambacundono , que lhe nomeaffem to-
dos pelos feus nomes ; e chegando a D. Pau-
lo, diffe em voz alta : Entre D.Paulo , gran-
de Capitao de Bungo. Fez lhe grandes mer-
cês , referindo aos affiftentes as fuas raras
emprezas na guerra , e o favoreceo com to-
das as demonftrações de affecto , e eftima-
çao. Tres dias depois convidou o Principe
de Bungo a jantar com elle , e ao mefmo
D. Paulo , querendo que comeffe á fua me
fa ; e a Chicacata , e aos outros Senhores
lhes mandou pôr mefa á parte .
Nova conf- Efta diftinção deixou igualmente in-
piraçaocon
tra elle. vejofo , e enfurecidò a Chicacata , e ao Rey
de Bungo , que tinha fido ignominiofamen-
te defpedido da Corte. Refolvêrao ambos
matar a D. Paulo , ainda que foffe com rif-
co de perder a Coroa , e a vida . Voltando.
pouco depois defte fucceffo para Funay , o
Rev The mandou logo expreffamente , renun-
ciaffe a Religiaó , dizendo , que nao queria
fofrer mais Chriftaos nos feus Eftados , ven
do que o Imperador nao os tolerava no Ja-
pao. D. Paulo lhe refpondeo , que nao con-
fentia nas fuas terras couza contraria ao fer-

viço de S. Mageftade : que no Japão costuma-


va feguir cadi hum a Ley , que queria ; e
quando fe prohibiffe , eftava refoluto a per-
der
do Japao. Liv. IX. 369

der antes a vida , que mudar de Religiao :


affim que pedia a S. Mageftade nao lhe man-
daffe couza, a que elle nao podia obedecer ,
fem offender a lua honra, e a ſua conciencia .
Efta repofta digna de hum Heroe
Chriſtao exafperou de maneira o Rey apóf-
tata , que refolveo mandar matálo , e aos
Padres da Companhia , que elle fuppunha
authores daquelle confelho . Antes de fazer
acçao tao eftrondoza , comunicou a fua de-
terminação com hum Senhor Gentio , de
quem confiava os feus fegredos , e feguia
igualmente os dictames , que lhe dava. Efte
Senhor The reprefentou , que Cambacundo.
no caftigaria rigorofamente aquelle , que ma-
taffe a D. Paulo , e fem duvida lhe tiraria
o Reyno , e a vida , julgando foffe ordem
fua : que álem deſta razao nao era conve-
niente , que hum Principe Chriftao , e filho
de hum Pay , que protegêra , e amára os
Christaos por todo o tempo da fua vida ,
os perfeguiffe , primeiro que algum Rey do
Japaó , fem haver caufa alguma da parte
delles. Que D. Paulo era hum grande Capi-
tao , e tinha muita gente da fua parte , e ao
mais leve final feu poderia levantar hum ex-
ercito poderofo , e dar- lhe muito que fazer
para fe livrar delle : que o mais feguro era
diffimular ; porque o tempo lhe daria occa-
fiao mais favoravel da fua vingança , ſe Cam- ·
bacundono perfiftiffe na refolução , que ti-
nha tomado de prohibir o exercicio daquel-
la Religiao estrangeira.
Tom . II . Aa Eftas
370 Hiftoria da Igreja
Martyrio de Eftas razões fufpendêraó a furia da
hum velho quelle Principe tao fugeito ás fuas paixões ;
Chriſtaō.
mas nao pode deixar de fatisfazer á de feu
tio Chicacata , dando- lhe permiffao para man-
dar matar alguns Chriftaos , fem a qual nao
focegava a implacavel ira , que tinha conce-
bido de fe nao feguir o feu confelho. Ha-
via em Funay hum labio velho de fetenta
annos , chamado Jeronymo Macama , natural
de Facata , que fendo valerofo foldado , fe
fez Chriſtao pela efficácia do zelo, e exhor-
tações do Rey D. Francifco , e do mefmo
modo recebêrao o Baptifmo todas as peffoas
de fua familia. Efte bom velho na aufencia
dos Padres baptizava os meninos , viſitava os
enfermos , fepultava os mórtos , e paffava
huma grande parte da noite em catequizar
os Gentios , e confolar os. Fieis de Chrifto ..

Rey de Bungo , que depois da fua apofta-


fia mais merecia o nome de Juliano apófta-
ta , que o de Conftantino , fabendo que def-
de a partida dos Padres exercitava Jeronymo
aquelle emprego, devendo fer Protéctor dos
Chriſtaos , le declarou feu inimigo , dando
ordem a tres dos feus criados para o ma-
tarem .

Puzérao-le logo eftes a caminho ; e


como Jeronymo era finalado nas batalhas ,
temendo o feu valor , levárao huma Com-
panhia de cem homens para lhe impedir.
a refiftencia. Foy o nobre foldado logo ad-
vertido pelos feus amigos com noticia cer-
ta do dia , em que haviao de chegar ; e fa-
zendo.
do Japao. Liv. IX. 371
zendo retirar tua mulher , e filhos para ou-

tra parte da Cidade, 1em lhes dizer a caufa,


ficou fó dilpondo ie para a morte : tirou
tambem de cala a efpada , com que tinha
feito tao valerofas acções , para que nao fe
entendefle a confervava para fe defender
;
e na noite , em que entendeo o matariaō
efteve em oraçaõ diante de hum Crucifixo.
Sobre a meya noite chegárao os cruéis exe-
cutores fua cala fem terem fentidos , para
yer , fe elle estava armado com os feus ami-

gos , como fazem os valeroios no Japaō ;


mas vendo tudo em profundo filencio, rom-
pêrao a porta gritando, que Jeronymo tinha
fugido. O virtuofo velho ao eftrondo deftas
vozes lhes fahio ao encontro com muita bran-

dura dizendo , que nað fó naõ ſe tinha au-


fentado , como eſtavao vendo , mas os efpe-
rava com grande alvoroço . Eftava vestido
com roquete , de que ufava, quando fepulta-
va os mortos , huma Cruz na mao , e hum
Rofario ao pescoço . Quando os algozes o
virao naquelle eftado , ficárao admirados ; e
muito mais , vendo que fe punha de joelhos
para gratificar a Deos a mercê de lhe fatisfa-
zer o defejo , que fempre tivéra de derramar
o fangue pela honra, e glória do feu Santo
Nome : agradeceo logo aos mefmos matado-
res a felicidade, que lhe grangeavao , tiran-
do- lhe a vida , e depois diffe a Confiffao, ba-
tendo no peito tres vezes com grande fervor,
e offereceo a cabeça aos algozes , pronuncian-
do os Santiffimos Nomes de JESUS , e MARIA .
Aa 2 Déraó-
372 Hiftoria da Igreja
Dérao-the tres golpes com a femitarra , è
morreo no dia 26 de Julho do anno de 1589.
Outros Mar- O Rey de Bungo para manifeftar o
tyres. feu zelo , e contentar os Bonzos , mandou
pôr em huma Cruz o corpo de Jeronyno pu-
blicamente junto com o Crucifixo , que tra-
zia , mas fem cabeça, porque a tinha levado
occultamente hum Chriftao para nao pade,
cer mayor afronta. Outro Chriſtao chamado
Andre Ongazavara , nao podendo fofrer, que
a Cruz do Senhor foffe expófta ás defatten-
ções dos infieis , tirou de noite o corpo do
Martyr , e o efcondeo de forte , que ainda
que fizérao grandes diligencias , nunca o pu-
dérao defcobrir . E depois de quatro annos
dérao o mefmo bemaventurado cadáver ao
P. Valignano , que o fez trasladar com mui-
ta pompa ao Seminario de Arima , onde foy
venerado de todos os Chriftaos do Reyno.
Exafperado o Rey de Bungo de tirarem o
corpo de Jeronymo , mandou matar fua mu-
lher, filhos, e outros muitos Chriftaбs. Ha-
via em Nocem outro Chriſtao chamado Joa-
quim , que tinha em cafa huma Capella, em
que fe juntavao os Chriſtaos para fazer os
feus exercicios de devoçao ; e porque na au-
fencia dos Padres tinha baptizado mais de
trinta peffoas, foy logo delatado ao Rey , o
qual o mandou matar ; fendo levado fóra da
Cidade com diverfo pretexto , e guiado pa-
ra hum bofque , allî lhe cortáraó a cabeça .
Valor dos Com o rigor deftas execuções pare-
ceo ao Rey teria tîmido o animo de todos
OS
do Japao. Liv. IX. 373
os Chriftaos ficou porêm enganado na fua
efperança ; porque apenas fouberaō a morte
de Jeronymo, e Joaquim, puzérao todos hum
Rolario ao pescoço, e com efta divifa andavað
pelas ruas , e lugares publicos , moftrando
que tanto nao temiao a morte , que antes a
deſejavao, e defafiavao. Huma Dama chama-
da D. Maria , a quem o Rey déra hum Rofa-
rio antes da fua mudança , teve refoluçao
de entrar em palacio com elle ao pescoço ;
e encontrando- a o Rey , lhe perguntou , co-
mo tivéra o atrevimento de trazer aquelle
final de Religiao, que elle prohibia ? D. Ma-
ria lhe refpondeo, condenando tacitamente a
fua infidelidade : Senhor, defejo mostrar, que
faço cafo dos donativos Reaes. V. Magefta-
de me deo efte Rofario , e porio o trago dian-
te de todos, para que vejao a honra, que re-
cebi da Valla grandeza. O infeliz Principe
ficou fufpenfo ; e vendo por todos eftes fuc-
ceffos , que os Chriſtaos eſtavao refolutos a
morrer, antes que largar a Fé , temendo ex-
citar algum tumulto nos feus Eftados , nao
oufou paffar ávante , e fe contentou de ter
moftrado o ódio , que tinha aos Chriſtaos ,
efperando affim entrar na graça de Camba-
cundono , emendando o erro, que elle dizia
comettêra ,
em abraçar a Religiao Chriflá.
Tanto como ifto céga a cobiça de Reynar,
e o defejo de dar gofto ao Mundo , perden-
1 Cambacun
do a alma por toda a eternidade. dono manda
Em quanto em Bungo erao perfe- demolir as I.
guidos os Chriftaos tao cruelmente , Ma- grejas.
Tom . II . Aa 3 noel
374 Hiftoria da Igreja .
noel Lopes , Portuguez , a quem o Capitao
Domingos Monteiro mandou levar a Camba-
cundono as Cartas , de que temos fallado
nao o achando & em Facata , lhas entregou
depois de alguns mezes em Ozaca . O tyran-
no lendo a Carta , e vendo , que o Capi-
tað ſe eſcuſava de levar aquelle anno os Pa-
dres á India , pela grande carga , que tinha
o feu navio, entrou em furia tal , que amea-
çou de morte aos que fe achaffem nos feus
Eftados: e para defafogar em parte a fua cóle-
ra mandou logo demolir as Igrejas de Oza-
ca , Meaco , e Sacay , que erao as mais bel-
las , e melhores do Japão , com vinte e duas
Capellas , t erectas entre Sacay , e Meaco no
elpaço de dezoito leguas , povoadas de trin-
ta e cinco mil Chriftaos , que nao tinhao
Paftor , e viviao tem inftrucçao , excepto as
que de tempo em tempo lhes fazia o P. Or-
gantino , e feu companheiro , que vifitavao
aquellas Villas , e Cidades difarçados no tra-
je de mercadores, e outras vezes no de cam-
ponezes, Tirou tambem a D. Agostinho a
Ilha de Janodogima , para a qual fe retirá-
ra com D. Jufto Ucondono , e lhe deo em
lugar della algumas terras no Reyno de Fin-
go , onde obrigou a ambos eſtabelecerem a
fua afliftencia.
Zelo admi. Os Padres da Companhia , que efta-
ravel de D. vao no Reyno de Arima, efperavao com im-
Protafio.
paciencia a repofta da Carta , que mandára
o Cipitao Monteiro , defejofos de faber ,
de que modo a recebeo o Imperador ; mas
chegan-
do Japao. Liv. IX. 375
chegando a noticia de estarem demolidas a
Igrejas , ciêrao , que a perſeguiçaõ era ge
ral , e convinha ajustar o modo , por que le
havia de dirigir efte negocio tao importante.
Para efte fim convocou o Rey D. Protafio
todos os Padres, que refidiao nos lugares vi-
Ginhos a Arima , é muitos Senhores Chriſtaos,
para conferir efta Junta o meyo , com que
le pudéfle confervar, a Religiao Chriflá no
Japao.
O Rey fallou primeiro com afpécto,
e palavras verdadeiramente Catholicas , di
zendo , que elle fe reconhecia venturozo de
ter os Padres nas fuas terras , e que a todo
rifco feria Protéctor dos Servos de Deos
accrefcentando : Se o Imperador criminar ef-
tas acções, procurarey focegálo com razões;
e fe as defattender, e me declarar guerra ,

defenderme bey com vigor, muito certo , que


o Omnipotente Deos me ajudará , como até
agora fez ; e lefor fervido , que me vençao,
Perderey de boa vontade a vida ·, e a Coroa
pelo feu amor. Neftes termos estou prompto
para declarar a guerra , Je vós a julgais
neceffaria ; porque he inevitavel efte rompi
mento ; quando elle ha de faber tarde , ou
cedo , que eu protejo os Padres , e os dete-
nho nas minhas terras contra as fuas ordens.
O P. Provincial louvou muito o ze- Refolvem os

lo do Rey , e lhe agradeceo o affecto , que Padres efco-


der-le por al-
moftrava á Companhia ; foy porêm de pare- gum tempo .
cer , que nao fe puzéfle abertamente em dif-
cordia com Cambacundono , moftrando -fe
Aa 4 rebel-
376 Hiftoria da Igreja
rebelde aos feus preceitos , para naổ excì-
tar a furia nao fó contra elle , mas contra
todos os Senhores Chriftaos , que davao en-
trada , e auxilio a alguns Padres nos feus Ef-
tados. Julgou tambem, que fendo aquelle ani-
-mo altivo , e foberbo , fe efcondeffem os Pa-
dres por algum tempo , fechando as Igrejas, e
exercitando occultamente as fuas funções em
cafas particulares ; porque defta forte pode-
riao os Senhores Chriftaos fegurar ao Impe-
4
rador , que os Religiofos tinhao deixado as
fuas cafas , e Igrejas em obſervancia das
fuas ordens .
Efte parecer foy approvado de to-
dos ; e affim o P. Melchior de Moura com
alguns Padres ficáraó no Reyno de Arima ;
o P. Provincial com dous dos feus compa-
nheiros fe retirárao em diftancia de huma
legua ; os Collegiaes forao mudados para a
fortaleza de Quinquina ; outros tres Padres
com dez Noviços forao mandados para a
fortaleza de Aria : os Seminariftas , que eraõ
fetenta e tres , com quatro Religiofos , que
os enfinavao , forao para Faquirao , e os ou-
tros Padres ficáraó em Conga , Cogiro , Xi-
mabara , e Amacufa no anno de 1589 .
Fervor dos
Christaos no feis PadreD. Joao, Senhor de Amacufa , pedio.
s para efta Ilha , e no mesmo an-
tempo da per.
Leguição. m no fe mudou para ellà
o Noviciado ; de mo-
do , que tinha nas fuas terras vinte e cinco
Religiofos da Companhia de JESUS , que ex-
ercitavao as fuas funções , como em tempo

de paz ; porque nao quiz confentir fe fe-


chaffem .
do Japao. Liv. IX. 377
chaffem as Igrejas, nem ceffaffe o toque dos
finos depois da publicação do Edicto : e co-
mo lhe reprefentaffem o perigo , a que fe ex-
punha, de excitar contra fi a vingança do Im-
perador; refpondeo , que fó o que temîa ,
era o Soberano Rey do Ceo : que todo
feu delejo era morrer pela Fé; e que le Cam-
bacundono mandaffe demolir a fua Igreja
julgaria por felicidade ficar fepultado debar
xo das fuas ruînas.
44
Nao he crivel , quanto efta perfe
guiçao augmentou o fervor dos Chriſtaðs !
Corriao em chufmas para os lugares , em
que eftavao os Padres , a preparar - se para a
morte : todos fe confeffavao, e comungavao ,
como fe aquelle meimo dia foffe o decreta-
do para padecer martyrio. D. Sancho Rey
de Omura , herdeiro da Fé , e conftancia do
:
Rey D. Bartholomeu feu pay, continuamen-
te exhortava os feus vaffallos á conftancia

na Religiao Chrifta . Defpozou-fe no meſmo


anno de 1589 com huma irma de D. Prota-
fio Rey de Arima , Princeza de iguaes vir-
tudes , e merecimentos , para mais le unirem
entre fi na boa , e fiel aliança com tao ef-
treito vinculo. Tambem a Princeza D. Ma-
xencia , filha do Rey D. Francifco de Bun-
go , eftava cafada com D. Simao Foxirondo-
no , Governador de huma parte do Reyno
de Chicungo ; e dando nefte anno á luz hum
filho , o fez baptizar pelo P. Luiz Fróes com
o nome de Francifco , por fer o de feu Avô
de feliz memoria.

ia
378 Hiftor da Igreja
Eftado do Já temos referido, que no tempo.do
Reyne de P. Cofme de Torres mais de duas mil peſ.
Gotto
foas receberaō a Fé no Reyno de Gotto ,
e o feu mefmo Rey , tomando , o nome de
Luiz , o mesmo pužéra ao feu primogenito,
que com elle fe baptizou. Ficou efte de me-
nor idade depois da morte de feu pay entre
gue á tutela de hum tio , que declarando- fe
Governador de toda a Ilha , como idolatra
que era , defterrou logo os Padres daquelle
Eftado, lançou por terra as Cruzes , e demo
lio as Igrejas. O Principe menino crefcen-
do na idade , e muito mais nas prendas , e
virtudes , dava efperanças de reftabelecer a
Fé , em que fe tinha criado , fem o acobar-
dar nenhum temor , porque era animado de
grande efpirito , e conftancia. O tio infiel
reprefentou aos Senhores principaes, que de-
pois do Edicto de Cambacundono nao era
Teguro reconhecer Rey a hum Principe , que
fazia profiffao da Religiao Chrift , porque
feria caufa de grandes turbações no Reyno :
e foube tao bem ganhar- lhes os animos , que
o declaráraó Rey , privando ao Principe do
todo o manejo dos negocios , e confinando-
The rendas para feu fuftento .
D. Luiz , que era fabio, e prudente,
fez da neceffidade virtude , diffimulando por
algum tempo o fentimento, até ter occafiao
de recuperar o Reyno ; o que executou , paf-
fado algum tempo , como em feu lugar dire-
mos. Os Chriftaós defta Ilha fendo mal tra-
tados daquelle tyranno , e dos Bonzos , que

cuida-
do Japao. Liv. IX. 379
cuidavao muito de os perverter , forao obrî-
gados a abandonar o paîz , e retirarem-se a
outro lugar , no qual nao eftivérað muito
tempo aufentes, que o tyranno nao cahifle no
feu erro ; porque as terras ficáraó defertas ,
fem haver peffoas, que a cultivaffem , de mo-
do , que fe determinou chamálos , e diffimu-
lar com elles , ainda que fempre lhes prohi
bia o exercicio publico da Religiao . Pafla-
dos dezefeis annos , voltando áquelle Reyno
os Padres com permiffao do Governador pa-
ra affiftir a alguns Portuguezes , que tinhao
dado fundo naquella Ilha , acháraó os Chri-
ftaos muito augmentados , ainda que por to-
do aquelle tempo eftivérao fem Paftor , e fem
os foccorros ordinarios da Igreja.
Havia huma devota mulher chama- Martyrio de
da Martha , que nao obftante a perfeguiçao, huna devota
Christa.
hia todos os dias fazer oraçao no lugar, em
que efteve a Cruz , que lançáraó em terra ;
e fendo allí encontrada de alguns idólatras ,
a ameaçáraó com a morte , le a viffem mais
naquelle lugar. Ella tao Chriftá , como ani-
moza , refpondeo : Matarme-beis em boa bo-
ra , com tanto , que feja pelo amor de Deos;
e como ella eftava no mefmo lugar de joe-
lhos com as maos levantadas ao Ceo , a
atraveffáraó com huma efpada , comprando
com hum momento de martyrio huma eter-
nidade de gloria. Já que fallamos de Cruzes ,
nao quero omittir hum cafo affás memo-
ravel , que fuccedeo a hum Chriſtað China ,
morador nefta Ilha. Depois que o tyranno
mandou
380 Hiftoria da Igreja
mandou abater as Cruzes, fez o mesmo Chri-
ftao huma , e quiz collocála no lugar , em
que tinha estado a outra e porque os Gen
tios fe oppunhao ao feu intento , dizendo
que o Tono prohibira as Cruzes ; reſpon
deo-lhes Luiz ( que efte era o feu nome ) que
elle por forasteiro nao eſtava obrigado á Ley,
do paîz ; mas que para evitar contendas re-
folvia erigila em hum monte vifinho á cafa,
em que vivia. Eftando já para levantála, fe
lembrou, que coftumavao ter as Cruzes hum
remate com caractéres Latinos , os quaes ter-

mos elle ignorava , e nao fábia quaes foffem.


Eftando pois com efta pena , " chegou hum
homem vestido á Portugueza , e depois de
The louvar a empreza , lhe entregou huma
tarja com as letras Latinas , exhortando o a
perfeverar na Fé , e devoçaõ á Santa Cruz ;
e dito ifto, defappareceo. Attonito Luiz def
te fucceffo, nao podia entender , como pudél-
ſe eſtar hum Portuguez naquelle monte ; e dif-
correndo cuidadozo por huma , e outra par-
te, perguntava a todos , fe tinhao vifto hum
homem vestido á Portugueza com eftes , e
aquelles finaes ; mas nao achando noticia al-
guma , crêo firmemente feria algum Anjo
mandado por Deos a fatisfazer o feu defejo ,

pois nao havia Portuguez algú em toda a Ilha.


Defgoto,que Nefte anno de 1589 fuccedeo hum
fuccedeo aD. defgofto a D. Protafio Rey de Arima , que o
Protafio.
poz em grande affliçao . Já diffémos , que
elle ajudára a Izafay feu parente na reftau-
çaó das terras , que Riozogi lhe tinha tira-
do.
do Japao. Liv. IX. 381
do. Os filhos defte tyranno fe queixáraó dif-
to a Cambacundono, e pudérao tanto as fuas
queixa's apadrin hadas dos feus amigos , e pa-
rentes , que condenáraó a reftituir todas as
terras , de que eftava de poffe , e a D. Prota-
fio, que entregafle a fortaleza de Cogiro, que
era huma das melhores praças do fen Rey
no. Efte decreto mortificou muito o Prin

cipe , e deferio por algum tempo obedecer :


até que Cambacundono mandou hum dos feus
Capitães chamado Affonadario com algumas
tropas para o abbreviar á entrega da praça ,
e juntamente aquietar alguns tumultos , que
havia no Reyno de Fingo pelo máo gover-
no de hum Senhor Gentio , a quem tinha
dado eſte Reyno. Affonadario focegou logo
tudo , mandando áquelle Rey fe abriffe a fi
meſmo o ventre , o que executou pontual-
mente; e aos Tonos , que tomárao as armas
para fe defender, fingio Cambacundono fatis-
fazer- fe das fuas defculpas , e lhes mandou
dizer foffem á fua prefença. Partindo elles
para a Corte , cahirao em huma emboſcada ,
que eftava prevenida no caminho , na qual
forao mórtos, e defpedaçados. Efta he a fór-
ma , com que caftigao os culpados , como
tenho dito, ou mandando-lhes, que a fi mef-
mos abrao o ventre , ou aflaltando- os nas
fuas calas por força , e traiçao . As terras
defte Rey forao dadas a D. Agostinho pela
Ilha de Jonodogima , que lhe tinha tirado o
Imperador e affim fe lhe augmentou tan-
to a fua renda , que teve , com que foccor-
rer
382 Hiftoria da Igreja

rer aos Chriitaōs de Meaco , que fe tinhaỡ


retirado daquella Cidade ; e confinou dous
mil facos de arroz cada hum anno para
fubfiftencia dos Operarios da Companhia ,
que eftavao em neceffidade extrema. O P.
Provincial the gratificou efta charidade tao
confideravel , e pela fua confervaçao man-
dou le fizéffe oraçao em toda a parte.
Affonadario depois de aquietar as
difcordias de Fingo , veyo a Arima , e inti-
mou ao Rey D. Protafio , a ordem , para que
reftituiffe a fortaleza de Cogiro ao filho de
Riozogi. Indeciſo efteve o Principe no que
havia de obrar ; porque a praça era a chave
do Reyno , e abria a porta a todos os feus
inimigos pelo que efteve em termos de to-
mar as armas contra o Imperador ; mas D.
Agostinho , e D. Simao Condera lhe repre-
fentáraó , que este rompimento feria occa-
fao de ruina univerfal de todos os Chri-
ftaos de Ximo ; a que attendendo o virtuo-
fo Rev, facrificou logo os feus intereffes ao
bem da paz , e Religiað .
D. Justo U-
Em quanto eftes dous Senhores efta-
condono vifi vao em Arima , veyo vifitálos D. Jufto Ucon-
ta os Padres,
e torna para dono , disfarçado no traje de forafteiro pa-
a Corte.
ra nao fer conhecido . Nao fe póde explicar
a alegria , que reverberava no feu rosto pe-
lo gozo da fua alma de fe ver defpojado
dos feus bens , e pobre por amor de JESU
Chrifto e depois de conferir alguns dias
com os Padres materias de fua conciencia
fe retirou ao Noviciado , que eftava entao
na
do Japaō. Liv. IX.
383
na Cidade de Aria , para fazer huma Confiffao
geral , e difpôr- fe com os exercicios efpiri-
tuaes a qualquer incidente , que the • fobre-
viéffe : fazendo tudo o que delejava com hu
ma devoçað taō fervorola , que edificou os
Padres , e a todos os Chriftaōs .
Nefte tempo recebeo Cartas dos feus
amigos , que eftavao fervindo a Cambacun-
dono , os quaes lhe diziaó , que fe avifinhaf-
fe á Corte ; porque o Imperador parècia ef-
tar mudado a feu favor , pois perguntando
por Jufto Ucondono , lhe refpondêraó , que
depois do feu defterro , nao tinhao ouvido
fallar mais nelle ; antes fe entendia ter paſ-
fado . a algum Reyno eftrangeiro : e que o
Imperador différa : Podia , ainda que eu o
tivera defterrado , ficar no Fapaō . Que ef-
tas palavras davao a entender , que elle nao
queria privar· fe de hum tao grande Capitao ,
e que feria admittido na ſua graça , e affim
fe chegaffe á Corte a efperar a fua refolução ..
Comunicou D. Jufto efta noticia aos amigos ,

com quem eſtava , e D. Agostinho foy de pa-


recer ,que nao devîa retirar fe do lugar ,
em que affiftia , fem ter avifos mais feguros
da Corte ; e para o defviar de hir a ella ,
temendo o feu perigo , lhe offereceo vinte
mil medidas de arroz fe elle quizéffe hir
viver ao feu Reyno de Fingo. Outro grande
numero de Senhores the fizérao a melma of-
ferta; mas elle que nao buscava mais , que oc-
cafiao de affinalar a fua Fé com alguma acçao
eſtrondoza , crêo , que efte meyo feria effi-

cáz.
384 Hiftoria da Igreja
cáz para conseguir o feu defejo , pois nao
fe fatisfazendo o feu fervor de perder a fa-
zenda , queria tambem perder a vida . Pedio
licença aos feus amigos , e bemfeitores , e
partio para Meaco, que nao he muito diftan-
te de Ozaca , onde eſtava a Corte.
Tanto que chegou Ucondono , cor-
reo a voz , que o Imperador o chamára para
lhe dar hum emprego confideravel no Rey-
no de Canga , com permiffao de poder tra-
zer para allí a fua familia. Algum funda-
mento houve para efte difcurfo ; porque fa-
bendo Cambacundono , que D. Jufto eſtava
tao perto , lhe ordenou foffe para o Reyno
de Canga com esperança de muita fortuna ;
pois ſempre temeo , que os defcontentes do
feu governo , que erao em grande numero
unidos aos Chriftaós , elegeffem a D. Jufto
por fua Cabeça , e lhe moveffem guerra. A
fua rebelliao contra Nobunanga The podia
fervir de exemplo , apoyado com os interef-
fes da Religiao , para elegerem hum Capitao
guerreiro o mais amante della , tao valero-
fo , e experimentado , como Ucondono : e
por esta razao o mandou para Canga enga-
nado das fuas promeffas ; porque fecrétamen-
te paflou ordem ao Governador , que tanto
que elle chegaffe , o tivéffe como em prizao
com guardas á vifta. Todos os feus amigos
tivérao por certa a fua morte ; mas Deos ,
que he Senhor da vontade dos homens , e
levanta os pobres , quando he fervido , a
honras , e abundancias , depois de ter pro-
vado
do Japao. Liv. IX. 385
vado a virtude defte Senhor Chriſtað , o ref-
tabeleceo nos feus relevantes empregos , e

cargos , fazendo que fofle mais attendido ,


e eftimado , do que era antes , como em feu
lugar veremos.
Neſte mefmo tempo os Chriftaós ef-
Chegada de
tavao em grande confternaçao , pois fe viao muitos Mif-
privados dos feus Paftores , e temiao , que bonarios ao

a perſeguiçao os obrigaffe a deixar o Japaō Japaō.


para hir para a India. As lagrimas, que lhes
cuftava efta feparaçao, melhor fe confidérao,
do que fe explicao ; mas quando eftas faō juf-

tas , chegao depreffa ao tribunal Divino pa-


ra merecer remedio . Efte pois chegou no
tempo mais opportuno , vendo que aporta-
va áquellas Ilhas hum navio da Xixa , que
trazia dous Padres da Companhia , o P.Fran-
cilco Ruiz , e o P. Theodoro Manteles , os
quaes trouxérao a alegre noticia , de que no
fim de anno antecedente de 1588 chegárað
a Macáo Cidade da China feis Religiofos da
mefma Companhia; e que o P. Alexandre Va-
lignano chegaria dentro em tres dias com os
Embáxadores , que vinhao de Roma , trazen-
do comfigo onze Religiofos para accrefcen-
tar o numero dos Defenfores da Fé naquel-
las terras tao remotas. Qual foffe o gofto ,
que recebêrao os Chriftaōs com eftas noti-
cias , fe póde regular pelo que tinhao pade-
cido ; porêm como as caufas tinhao mudado
de femblante , avifáraó pelo P. Moura ao P.
Valignano do estado , em que eſtavao os ne-
gocios , depois que elle partira , para fe re-
Tom. II . Bb folver
386 Hiftoria da Igreja.
folver a fórma do feu defembarque.

O P. Valig . Os Embáxadores, que o Rey de Bun-


nano vay por go , de Arima , e Omura enviáraó a Roma
Embáxador no anno de 1582 para dar obediencia. ao
aoJapaó.
Papa , chegando a Goa , como temos dito,
" fe refolveo o P. Valignano conduzilos ao Ja-

pao , e entregálos aos feus parentes , que


delle os tinhao confiado ; mas fabendo, que
Cambacundono perfeguia os Chriftaos , poz
em confulta o modo , que buscaria para fe
introduzir na fua prefença. Todos foraó de
parecer , que elle foffe como Embáxador do

Vice- Rey da India com cartas , e prefentes


da fua parte para obter a reftabelecimento
da Religiao . O Vice- Rey , que era hum be-
nigno Fidalgo , fe conformou com efte pa-
recer , e mandou , que fe déffe ao Padre tu-
do , o que lhe pareceo neceffario , para fa-
tisfazer com honra , e bom fucceffo a Em-
báxada, que emprendia pela gloria de Deos;
e embarcando logo , chegou com feliz via-
gem a Macáo , onde o P. Monteiro , que o
fora bufcar , como já diffémos , o efperava
no mez de Agoſto do anno de 1588. Elle
the deo noticia do estado da Chriftandade

do Japao , e ſe reſolveo nao entrar naquelle


Imperio , fem primeiro efcrever ao Impera-
dor , para nao irritálo , fe contra o feu de-

creto defembarcaffe. Hum Capitao Portu-


guez , chamado Jeronymo Pereira , que par-
tia brevemente para o Japao, tomou por fua

conta levar a carta , e trazer a repofta. Che-


gando ao porto de Nangazaqui , fe encami-
nhou
do Japaỡ. Liv. IX. 387
nhou para Arima , para aconselhar- se com o
P. Provincial no expediente , que tomaria
em negocio de tanta importancia . O Padre
fallou a D. Protafio , que refolveo fallaffe
com o Capitao Affonadario , e lhe pediffe ,
obfervaffe a vontade do Imperador apreſen-
tando- lhe as Cartas do P. Valignano : porque

efte Capitao , ainda que idólatra , era muito


affeiçoado aos Chriftaós, depois que D. Pro...
tafio perfuadido delle largou generofamen-
te a fortaleza de Cogiro aos filhos de Rio-
zogi. Prometteo logo favorecer o negocio,
quando vifle occafiao ; e como tinha grande
crédito com Cambacundono , mandou hum
poftilhao para fe lhe entregar em mao pro-
pria as referidas cartas. Foy tao bem fucce-
dida efta empreza , que o Imperador lendo
as Cartas do Vice - Rey , refpondeo , que o
Embáxador feria bem recebido na fua Cor-

te , e podia partir , quando quizéſſe de Ma-


cáo : e mandando logo expedir o Paffaporte,
o Capitao Affonadario o enviou ao P. Pro-
vincial , fegurando - lhe , que podia o P. Va-
lignano apparecer fem receyo algum , e fa-
zer a fua entrada, e defembarque, quando pu-
déffe. O Padre recebeo efte avifo nefte an-

no de 1588 , e logo fe fez á véla com os


Embáxadores de Roma para o Japaó , chegan-
do no anno ſeguinte , como logo diremos.
He coftume no Japao , como outras Cambacun.
vezes tenho dito , que no principio de ca- no obriga a
vir dar.
da anno todos os vaflallos vao dar omena lhe omena-

gem aos feus Soberanos : aquelle tempo fe gem.


Bb 2 chama
388 Hiftoria da Igreja
chama Sognanei , que quer dizer Anno no-
vo. Chegando pois o de 1589 , avifou Cam-
bacundono a todos os Reys , e Principes
do Japao fignificando-lhes , que era do feu
agrado viéflem render-lhe valfallagem ; mas
o fim principal defte aftuto Politico era fe-
gurar a fidelidade dos feus amigos , defco-
brir os que nao o erao , e esgotar a todos
os feus thefouros pelas defpezas da jornada ,
e dos prefentes ricos , que erao obrigados
offerecer-lhe , para com efta invéctiva lhes
tirar as forças , e a vontade de fazer- lhe
guerra.
Recebendo efta ordem os Reys de

Omura , e Arima , ambos Chriftaos , fe af-


fligirao muito , nao fabendo que partido de-
viaó feguir ; porque fe nao hiao á Corte
render a fua omenagem , declaravao fe re-
beldes , e inimigos : le hiao, expunhaō ſe ao
perigo de perder a vida, e os Reynos , por
terem recolhido nelles os Padres , violando
affim o decreto do Imperador. Confultárao
a D. Agostinho , que estava no feu Reyno de
Fingo , o qual foy de parecer , fizéſſem jor-
nada em fua companhia , fegurando - lhes a
fua protecção diante do Imperador e refo-
lutos a obedecer- lhe , fe preparáraó para a
jornada , como fe foffem para o martyrio ,
porque fe confeffárao , e comungárao com
exceffivas demonftrações de devoção . Depois
de fortalecidos com efte Divino Viático , pu-
zérao em boa fórma de regimen os feus ne-
gocios particulares , e publicos , fuppondo,
que
do Japao. Liv. IX. 389
que nao tornariaō mais a ver os feus ami-

gos , nem viver nos feus Eftados .


Antes que partiffem , perguntou ao Os Reys de
Rey de Arima o P. Provincial , fe era fer- Omura ,e de
vido , que todos os feus Religiofos fe reti- Arima vaō á
raffem a outra parte , em quanto S. Magef- be Corte, e fao
m recebi-
tade ef tivéffe em Oz aca ; po rque te mîa , que dos.
os mal intencionados , que o perfeguiao , fi-
zéffem mais grave o feu delicto com eſta
circumftanci ? Confiderando o Rey o pon-
a
to , refpondeo , que nao lhe parecia neceffa-
rio ; porque le Cambacundono quizéffe def-
pojálo dos feus Eftados , feria mais par oc-
cafiao do paffado, do que do prefente : que
nao queria apartar de fi os feus amados Pa-
dres ; porque tinha fé , que pelas fuas ora-
ções alcançaria de Deos Noflo Senhor voltar
livre ao feu Reyno , fem receber defgofto ,
nem dano algum.
Difpófta affim a jornada , partirao
eftes Reys para Ozaca , ficando todos os Ca-
tholicos em oraçao pela felicidade della ; e
chegando á Corte , le aprefentárao ao Im-
perador com hum magnifico trem , offere-
cendo os feus donativos , e a fua obediencia.
Deos Senhor Noffo fempre mifericordioso
ouvio os votos dos feus fervos ; porque Cam-
bacundono contra toda a eſperança os rece-
beo com notavel agrado , e os convidou pa-
ra a ſua meſa : depois deo a cada hum hu-
ma efpada ricamente guarnecida, e huma ca-
dêa de ouro , e creou a D. Protafio Cunio ,
que he Titulo muito confideravel , como te-
Tom . II. Bb 3 mos
390 Hiftoria da Igreja
mos dito , voltando finalmente ambos os
Reys para as fuas terras cheyos de honras ,
e mercês.
Cambacun-
dono fenho- O Imperador nefte tempo estava qua-
rèa todo Ja- fi Senhor de todos os Reynos do Japao , que
раб . faō feffenta e feis ; porque nao havia mais que
fete chamados Bandû , que pertenciao a hum
Senhor por nome Foyendono. Querendo pois
aquelle Principe ambiciolo dominar inteira-
mente todo Japao , levantou hum exercito
de duzentos mil homens , e na frente delles
marchou contra Bandû : evendo Foyendono ,
que nao tinha forças baftantes para fe pôr em
campanha contra hum inimigo tao poderoso ,
ſe fez fórte em huma das fuas praças, que jul-
gou por inexpugnavel , entendendo faria fuf-
pender por ifto a marcha do exercito , e tam
bem pelo Inverno , que estava entrado , que
naquellas partes he rigorofiffimo. Porêm Cam-
bacundono , que era valerofo, e aftuto , to-
mou tao bem as medidas , que expugnou em
pouco tempo todas aquellas fortalezas ; hu-
mas com o terror do feu nome , outras com
o dinheiro , e as mais com a força das fuas
armas.
Forma o def- … ! Vendo-fe emfim Senhor de todo Ja-
enho de fub .
jugar a Chi. pao , quando devia render humildes graças ,
na. a quem the tinha dado tao dilatado domi-
nio , abraçando a Ley de Chrifto , fe affaf-
tou totalmente dos meyos , que o podiao
chegar a efta unica , e especial felicidade ,
cahindo na mais horrenda idolatria , que fe
podia imaginar. Como afpirava a conquiſtar
o gran-
do Japao. Liv. IX. 391
o grande Imperio da China para fazer im-
mortal o ieu nome , e merecer hum lugar
entre os Deofes do paîz , que tinhao do
homens illuftres , ou pela ( ciencia , ou pelas
fuas nobres acções , bufcou o mais facil ca-
minho de o confeguir perfeguindo os Chri-
ftaos ; porque bem fabia nao erao capazes de
confentir em tao abominavel adoração , ten-

do já para effe fim deflerrado os Padres, de


quem entendia firmemente aceitariao antes
morrer mil vezes , do que convir em feme-
lhante impiedade. Aqui fe vê quanto arraſta
huma paixao demafiadamente céga ; porque
hum Principe , que até allî ( ainda que fem
fe baptizar ) tinha favorecido tanto a Chri-
ftandade , tapou os ólhos , com que via as
fuas verdades , e fe reveftio de tal ceguei-
ra , como moftra nas palavras, que diffe en-
tre outras , quando recebeo a Carta do P. Va-
lignano , que lhe efcreveo de Macáo : Sem-
pre fiz grande estimaçaõ deftes Religiofos da
Europa pela fua virtude , e fabedoria ; po-
rém defterrey-os dos meus Eftados , porque
prégao buma Ley , que he contraria á bon-
ra , e adoraçaõ do Cami , que foy Rey do
Fapao : em outra qualquer parte be boa ,
mas nao no meu Imperio. Como fe différa :
Efta Ley nao he de meu gofto , porque fe

oppoem á minha exceffiva ambição , e pai-


xões brutaes ; fendo efta a caufa , que o obri-
gou a fer inimigo dos Chriſtaos . É como ti-
nha formado o projecto de dominar a Chi-
na , preparou huma poderofa Armada para
Bb 4 entrar
392 Hiftoria da Igreja
entrar na Coréa , que he hum Reyno cerca-
do por todas as partes do Oceano mayor ,
e vifinho por meyo de huma pequena Ilha
a huma Provincia da China : eſtá diſtante do
Japao vinte e cinco leguas , de forte , que
fugeitando a Cambacundono , fe lhe abria
caminho para fubmetter toda a China ao feu
dominio. Veremos o exito deſta grande em-
preza.
Politica do
Entretanto imperava efte Principe
Imperador com mayor paz , que nenhum outro no Mun-
para manter
a paz. do ; e para mantêla , eſta era a ordem, com
que manejava os feus negocios, e as maximas
politicas, que praticava no feu governo. Em
primeiro lugar , quando vencia os feus con-
trarios , lhes perdoava a vida , tratava bem
os rendidos contra o ordinario coftume de

feu Predeceffor Nobunanga , o qual , tanto


que conquiſtava hum Reyno , tirava a vida
a todos os Grandes , fazendo com efte rigor
o feu dominio cruel , e odiozo : nao fó lhes
concedia a vida Cambacundono, como tenho
dito , mas lhes deftinava renda fufficiente pa-
ra fua fubfiftencia com cómodo , e honra , e
affim os deixava fatisfeitos. Em fegundo lu-
gar prohibia com graves penas os duéllos ,
e pendencias , de modo , que fe algum era
comprehendido neftes crimes , o fentencea-
va á morte fem remiffao ; e fuccedendo fu-
gir o delinquente , erao caftigados os pa-
rentes delle em feu lugar ; faltando eftes
erao punidos os familiares , e até os feus vift-
nhos com pena de morte , por nao ter im-
pedido
do Japaō. Liv. IX. 393
pedido aquella defordem. He verdade , que
ás vezes padeciao os innocentes pelos culpa-
dos ; mas o temor da morte obrigava a todos
a ter cuidado de atalhar as contendas , e
confervar entre fi a paz. Em terceiro lugar ,
ainda que era tyranno , queria que fe fizélle
a juftiça fem attençao á qualidade das pef-
foas ; porque apenas le achavao ter delin-
quido , fe caftigavao , ainda que foffem
Reys , ou Soberanos os complices : e affim
que era informado do delicto , mandava ma-
tálos , ainda que foffe hum dos feus prin-
cipaes parentes , ou dos mais antigos Offi-
ciaes de guerra , peffoa Real , ou a mais il-
luftre de todos os Bonzos . Era, como temos
dito inclinado vivamente ao peccado da

lafcivia , e como fe elle fó tivéffe direito de


a exercitar , prohibia aos feus vaffallos ter
concubinas defterrou por ifto hum Bonzo
riquiffimo , fendo feu parente muy chega-
do. Como foube , que todos os Bonzos de
Meaco tinhao meritrices nos feus mofteiros ,
intentou cortar-lhes as cabeças , e tivéra ex-
ecutado nelles efte caftigo , fe lho nao im-
pedira o Governador com a promeffa de ex-
tinguir de todo aquellas mulheres diffolutas.
Depois difto ordenou a todos os Bonzos
fobpena de morte viéffem perante elle to-
dos os mezes dar juramento , de que viviaő
com honeſtidade , e continencia competente
ao feu estado ; e aos Superiores a accufar ,
e delatar debaixo da mefma pena os Reli-
giofos , que cahiffem em vicio femelhante :
confe.
394 Hiftoria da Igreja
confeguindo com efte aperto , que aquelles
fallos Sacerdotes affectalfem no exterior hu-
ma vida muito regular , e bufcaffem todo
o caminho de o litonjear com a obfervan-

cia dos feus preceitos.


O outro meyo , que elegeo para evi-
tar as difcordias , e os motins , foy occupar
em diverfos empregos tanto os Grandes ,
como os foldados : a eftes em trabalhar nas

fortalezas , erigindo - as de novo , ou repa-


rando as antigas ; áquelles em edificar pala-
cios , fabendo que o animo delles he natu-
ralmente inquieto , e inclinado a fubleva-
ções , le nao ha alguma occupaçao , que os
divirta , e entretenha . Se faltavao óbras pa-
ra os foldados , fazia occupálos em lavores
de vários generos , porque o ócio nao lhe
adormeceffe o valor , e diminuiffe as forças ;
tendo naquelle tempo mais de cento e cin-
coenta mil homens , que trabalhavao em Mea-
co, e na Cidade de Ozaza , e ifto mesmo fup-
primia totalmente as rebelliões , e levanta-
mentos contra o Eftado , achando os folda-
dos promptos para as fadigas da guerra.
Affim efte grande Principe , e fabio Politi-
co tinha os feus vaffallos mais trabalhados

na paz , que na guerra ; porque os manti-


nha em huma vida dura , e laboriofa , tan-
to no que tenho dito , como nos acampa-
mentos e exercicios da guerra , e outras
pezadas occupações , impedindo nefta fór-
ma todo o vicio , que lhes podia occafionar
o deſcanſo .
He
do Japaō. Liv. IX.
395
He necellario ajuntar ás maximas do
feu governo , que álem do eftipendio , que
lhes affinava para toda a vida , os alimenta-
va em quanto eſtavao na guerra , ufando ef-
ta politica , para que fempre estivéflem fu-
geitos , e dependentes. Quanto aos Reys ,
Grandes , e - Governadores , os mudava fre-
quentemente , dando-lhes outros Reynos , e
outros Governos , para lhes embaraçar os
defignios , que podiao ter formado para al-
gum levantamento : eftudava os génios de
cada hum com particular cuidado , e achan-
do erao inquietos , os fegurava , tirando lhe
todos os meyos de femear difcordias na fua
aufencia.
Conduzia tambem muito para a ſua
felicidade ter o Imperio immenfas rendas ;
porque com o feu erario tinha todos os
feus vaffallos dependentes, e obrigados , pro-
mettendo a huns , dando a outros , e fa-
zendo fempre efperar a todos , o que nao
tinha tençao de dar a nenhum : com to-
das eftas máquinas trazia tao bem regido o
feu governo, que nelle nao havia genero al-
gum de defgofto , ou turbaçao.
No fim do anno de 1589 moftrou Cruz mara-
Deos Senhor Noffo por diverfos , e repeti- fe
vilhosa que-
achou, per
dos finaes , que a Igreja do Japao eftava to de Arima .
ameaçada de huma larga , e fanguinolenta
perfeguiçao , fendo hum delles o feguinte .
Chegado o mez de Junho do referido anno ,
teve hum fonho o Rey de Arima D. Protafio ,
que nao parecia natural. Vio duas Peffoas de
Celef-
396 Hiftoria da Igreja
Celeſtial belleza , e afpécto mageftozo , que
chegando a elle, o reprehendiao fevéramen,
te de faltar fem caufa urgente á affiftencia da
Miffa , e nao fe preparar com perfeição pa-
ra o Sacrameuto da Penitencia , e que para
refarcir eftes danos , devîa voltar ao fervor
paffado , e feguir exactamente as direcções
dos Padres em tudo , que pertenceſſe á fua
conciencia ; accrefcentando a eſta reprehen-
Lao a noticia: Que nas fuas terras fe acha-
ria o final de FESUS ; que o honrale , e ef-
timaffe muito, porque não era obra humana.
Acordando o Rey a eftas palavras , bem co-
nheceo pela impreffaó, que lhe fizéraō no ani-
mo , que nao era imaginaçao , mas hum avi-
fo vindo do Ceo , que lhe prefagiava algum
fucceffo extraordinario ; e mandando logo
chamar o P. Gomes , que foy depois Provin-
cial do Japao , lhe comunicou o cafo. Ao
principio duvidou o Padre dar- lhe crédi-
to ; porêm o Rey tinha tao viva apprehen⚫
fao do fucceffo , que derramando copiofas
lagrimas , fez grandes penitencias para ex-
purgar o feu peccado ; mas nem elle , nem
os Padres pudéraó por entao refolver , qual
foffe o final de JESUS , que eſtava occulto
nas fuas terras.
Paflados leis mezes , proximo á feſ-
ta do Natal , hum fervorofo Chriſtao chama-
do Leaó , que morava em hum arrabalde por
nome Obama , que diftava tres leguas de Ari
ma , mandou hum dos feus filhos chamado
Miguel cortar lenha para a fogueira da-
quella
do Japao. Liv. IX. 397
quella noite ; e tendo o moço cortado alguns
ramos de arvores , vio já fobre a tarde hu-
ma muito velha , e quafi fecca , que nao fi-
cava longe da cafa de feu pay. Efta arvore
era da efpecie daquellas , que no Japao cha-
mao tara , de que fazem grande eftimaçao ,
julgando , que tem virtude para lançar os
demonios fóra dos córpos , e das cafas , e

para efte fim trazem no principio do anno


alguns ramos para cafa : a caſca he toda co-
berta de espinhos ; porêm o âmago he cla-
ro como jaſpe..
Efta arvore tinha doze pés de alto-
tura , e fete palmos de groflo : cortou a fem
muito trabalho o mancebo , e no dia ſeguin-

te , que era a Vigilia do Natal , foy ao met-


mo lugar para a rachar. Com dous golpes a
partio de cima até baixo em duas partes iguaes ,
e em cada huma fe via huma Cruz bem forma-

da , como fe fora entalhada naquelle lenho:


tinha de altura nove palmos , e de largura

palmo e meyo. O pe, de que eftava forma-


da , e a fua côr , era em tudo diverfa do
páo de fóra ; porque tirava a negro , feme-
1
lhante ao da véra Cruz , que fe venera em
muitas partes da Chriſtandade. Era tao po-

lida , e juftamente talhada , que não haveria
artifice no Mundo , que a pudéffe imitar. So-
bre huma das duas partes fe levantava hum
tanto fobre o lenho , e da outra eftava mais
unida a elle ; moftrando com evidencia , que
a mefma Cruz fe tinha dividido em duas ,

quando a arvore foy partida. A' viſta defte


prodi .
398 Hiftoria da Igreja
prodigio ficou admirado Miguel ; e queren-
do para fi taó preciofa joya , unio como po-
de as duas metades , e as trouxe para cafa
de feu pay . Antes de chegar a ella, fe poz
a gritar, que viéffem ver o milagre, que tra-
zia. Leaó estava com duas pefloas , que vié-
raó vifitálo , e correndo todos á porta , fi-
cáraó fóra de fi , vendo huma Cruz tao bel-
la , polîda , e entalhada no corpo daquella
arvore , e ſe puzéraó de joelhos para ado-
rála. No dia feguinte hum Padre da Com-
panhia foy dizer Miffa ao mesmo arrabalde
de Obama , e tendo visto , e admirado a Cruz,
a poz com muita reverencia fobre o altar
e avifou logo ao P. Gafpar Coelho , que era
Provincial do Japaó , homem de grande fa-
bedoria, Tomando efte todas as informações
neceffarias , declarou , que aquella Cruz nao
era óbra da natureza , nem feita pela mao
dos homens , mas fó por Deos , Author de
tudo o creado , manifeftada para confolaçao
dos Chriſtaos naquelle tempo da tribulaçao .
A fama defte milagre voou logo por
todo Reyno , e concorreo innumeravel gen-
te de Meaco, Bungo, Amanguche , e de ou-
tros Reynos a ver efte prodigio ; fendo o
primeiro devoto o Rey de Arima , acompa-
nhado de muitos Padres da Companhia. Lo-
go que a vio , exclamou : Efte he o cumpri-
mento do meu fonho ; efte o Sinal de JESUS,
que fe me diffe eftava escondido nas minhas
terras lavrado por maos Celeftes , que deve
fer de todo Mundo honrado ; e proftrado de

joelhos,
do Japão. Liv. IX. 199
joelhos , derramando muitas lagrimas , o ado-
rou com grande devoçao , e depois mandou
fazer huma caixa de prata para a mesma Sa
grada Cruz com huma abertura, e nefta hum
criftal para te poder ver , e a collocou com
toda a decencia em Arima. Efte milagrofo
fucceffo fez tao grande impreffad nos animos
dos idólatras, que forao teftemunhas daquel-
la maravilha , que mais de onze mil fe ba
ptizáraó no meimo anno em Arima , e nove
mil em outras terras de Ximo.

Nefte melmo anno de 1589 0 Col


Miffao feliz,
legio dos Padres da Companhia de JESUS e venture za .
que eſtava na Cidade de Aria , foy transferi
do para Cancuza , onde eftava o Seminario
da Nobreza do Japao ; e fazendo das duas
Cafas huma , fe achavao em Cancuza vinte
e cinco , que andavao por todo Reyno inf
truindo o Gentilifmo , e vifitando os Chri-
ſtaos , para ganhar a huns, e confolar a ou-
tros. Nefta viagem de charidade obſerváraó
effeitos eftupendos da providencia de Deos ;
porque achárao grande numero de peffoas
em idade de fetenta , e oitenta annos , os

quaes efperavao a vinda deftes homens de


Deos para receber o Baptifmo , e dar a al

ma ao Creador. Outros eftavao actualmente


enfermos , e em grande perigo ; mas viven-
do , até que por meyo das Sagradas agoas
do Baptifmo confeguiffem a eterna felicidade.
Hum deftes Miffionarios paffando pela terra
,
em que eftava Izafay , fobrinho de D. Pro-
tafio , que Cambacundono defpojára dos feus
51 bens,
400- Hiftoria da Igreja
bens, fez- lhe tal impreffao no animo o difcur
fo, que ouvio ao Miffionario , que refolven-
do fer Chriftao , foy baptizado juntamente
com fua máy, e filhos ; acreditando efta con-
veríao , que o tempo proprio de aproveitar
a palavra de Deos he aquelle, em que fe acha
o coraçao afflicto , e cheyo de miferias.
Morte do P. Nefte mefmo tempo o Noviciado da
Gafpar Coe Companhia , que eſtava na Ilha de Amacu-
ho.
fa , foy mudado para a Cidade de Omura á
inftancia do Rey D. Sancho , que queria em´
tempo de tao grande tribulaçaó confervar
aquellas tenras plantas , que no tempo vin-
douro haviao de produzir tao copiofos fru-
tos nas terras do Japao. Teve porém a mef-
ma Companhia huma grande perda na peſſoa
do P. Galpar Coelho. Havia fido nove annos
Provincial , e mais de dezenove tinha traba-
lhado com grande zelo na converſaõ dos in-
fieis . Concebeo huma dor tao penoza pela
perfeguiçao , que fe excitou contra os Chri-
ſtaos, e poz tal cuidado em acodir com excef-
fiva , e ardente charidade ás neceffidades da
Religiao, e da Companhia , que cahio enfer-
mo de huma fébre lenta , que o confumio ,
e tirou brevemente deſta vida no mez de

Mayo de 1589. Fizérao-lhe o funeral com


muita pompa ; porque álem dos Padres , que
fe juntárao no lugar , em que fe fazia , vié
rao affiftir os Irmaos da Mifericordia de Nan-
gazaqui , e muitos Senhores grandes , fendo
fepultado na Igreja de Arima com geral fen-
timento de todos.
Hum
do Japaō. Liv. IX. 401

Hum mez depois da morte do P Chegao os


Coelho, eftando os Chriftaos muito afflictos, Embaxadores
fe confoláraó com a chegada do P. Alexan ao Japaō.
dre Valignano , e dos Embáxadores , que vi
nhao da Europa aportárao em Nangazaqui
aosd 20 de Julho de 1590. D. Leao , irmao
de D. Protafio Rey de Arima , os efperava
acompanhado de innumeravel Nobreza. Sa-
& 1
bendo o Rey , que erao chegados , veyo
tambem efperálós com D. Sancho Rey de
Omura , e com toda fua familia . A may de
D. Miguel , primeiro Embaxador , e a de '
D!
Martinho , viérao com golto tao exceffivo ,
que fe póde mais facilmente confiderar, do
que dizer : mas ficárao muito fufpenfas, quan-
0
do foy precifo faudarem-fe ; porque fendo
elles de poucos annos , quando partirao do
Japao , e na viagem gaftáraó oito , vinhað
com tao differente parecer , que nao fe po-
diao perfuadir foffem feus filhos . O meſmo (.)
fuccedeo ao Rey de Arima para com feu
Primo D. Miguel, eftando grande efpaço de
tempo duvidozo , primeiro que o abraçaffe :
até que finalmente depois de fe darem a co-
nhecer os Embáxadores por alguns finaes, que
nao podiao ter 瀑 duvida , todos tivérao tao
compléta alegria , que excede o mayor en-
carecimento. Preparou- fe logo hum grande
banquete , em que cada hum deo parte dos
feus fucceflos. Depois de jantar contáraó as
maravilhas , que tinhao vifto em Europa ; a
grandeza , o poder , a piedade , e a libera-
lidade dos Principes Chriftaos ; a extenfao
Tom . II. Cc das
402 Hiftoria da Igreja
das terras , que poffuîao ; a belleza das Ci-
dades , e palacios , em que moravao ; as hon
ras , que tinhao recebido por todas as par
tes, por onde paffavao ; e fobre tudo a ma-
gnificencia , e mageftade do Summo Pontifi
ce; a paternal ternura, com que os recebeo ,
e os da fua Corte : de que, ficárao tao ad.
mirados , e enternecidos os circumftantes
que nao houve nenhum , que deixaffe de lhe
cuftar muitas lagrimas ver le diftante de tao
Grande , e Unico Principe da Igreja ; pois a
huns filhos de tao remotas terras recebeo

com taes demonftrações de agrado , e bene.


volencia , que attrahia a todos os mais pa
ra 12 defejarem fugeitar fe ao feu dominio.
Eftavao tao fufpenfos , e goltozos ouvindo
efta narração , que nao fe lembravaõ de res
pouzar.
O P. Valig- No dia feguinte o P. Valignano ex-
nano avifa da pedio hum Correyo a Ozaca , para dar no-
chegada ao Imperador : as Car-
ao chegada ticia da fua
fua
tas foraō remettidas ao Coronel Affonadario,
e a D. Simão Condera ; hum , e outro gran-
des Protéctores dos Chriftaos . Fallárao ao

Imperador , o qual ordenou fe lhe refpon-


deffe , que fe alegrava muito de fer chega-
do o Embáxador do Vice- Rey da India , e
deſejava tambem de o ver brevemente . Efta
repoſta alegrou tanto aos Chriſtaos , que in-
terpretando-a conforme o feu defejo , come-
çáraó a abrir as Igrejas , que até entao ti-
nhao estado fechadas ; mas o P. Valignano ,
por eftar o Edicto em feu vigor , impedio
fe
do Japaō. Liv. IX. 493
fe celebraffem as feftas com a folemnidade
coftumada , até fallar ao Imperadore the
obfervar o animo : porêm nao pode confe-
guilo tao depreffa , porque eftava em campa-
nha contra Bandû. D. Agoftinho , D: Simao
Condera , e o Coronel Aflonadario avifáraó
o Padre , que fizéfles jornada com vagar ,
até que elles o avifaffem do tempo proprio

de chegar á Corte. ovat o


Emfim já o Padre fe difpunha a par- viagem dos
tir , quando D. Miguel cahio enfermo de Embaxadores
huma febre terça , que o moleftou muito , è para Axima.
ifto obrigou o Padre a efperar em Nanga-
zaqui , até que elle convaleceffe . Depois de
eftar perfeitamente fao , foy com os outros
Embáxadores , e com o Padre para Arima ,
onde os esperava o Rey para receber o pre-
fente de S. Santidade com a poffivel magni-
ficencia ; mas o Padre foy de parecer , que
fe fufpendeffe a ceremonia para evitar a ira
do Imperador. Sugeitando fe o Rey a effe di-
Etame , fe contentou lendo as Cartas do Pa-
pa com todas as demonftrações de refpeito ,
ſubmiſſaō , e obediencia , que hum verdadei
ro Chriſtao deve render a Suprema Cabeça
da Igreja , é com todos os finaes de grati-
dao , que pediaó as graças , e fingulares fa-
vores , que lhe tinha feito pelo feu Embá-
xador.

Em quanto o P. Valignano efperava Sao chama-


as ordens da Corte , convocou huma Con- dos á Corte.
gregação com os Provinciaes do Japao , e
India , ordenando a todos os Superiores fe
I.
Cc 2 juntaf-
404 Hiftoria da Igreja
juntaffemona Refidencia i de Cancuza , para
prover as neceffidades da Igreja , eda Com
panhia. Apenas neftivérao juntos , quando re-
cebeo Cartas de D. Agostinho, e de Di Simao
Condera , nas quaes. The avifávaŎeftivéffe
prompto porque hia. hum navio mandado
pelo Imperador para o conduzir a Meaco
com os quatro Senhores . Embáxadores . Efte
avilo obrigou o Padre a deixar tudo para
voltar a Arima , e dalla conduzio os Embá-
Code xadores por Omura para laprefentar ao Rey
D. , Sancho , filho do valerofo Do Bartholo
meu , as Cartas do Summo Paſtor da Igreja
com os prefentes , que lhe enviavane, le ree
colheo logo ao porto de Nangazaqui a ef
perar o navio, do Imperador.volum.ded
OP. Valig -9119 11Os Reys de Omura , e Arima refol
nanocayeen
fermo. verao acompanhar os Embáxadores , tanto
para fatisfazer a fua obrigaçao , como para
cumprimentar o Imperador pela nova con-
quista, de Bandûe eftando para partir ,
enfermou o P. Valignano de huma perigofa
doença, que poz em grande affliçao os Chri-
ftaos ; porque depois de Deos elperavao to-
do teu remedio defta Embáxada. Foy o Se-
nhor } fervido dar-lhe faûde ; mas ficou mui-
to debilitado de forças na fua convalecen-
ça. Os Padres , que o acompanhavao , e os
do Noviciado de Omura fizérao Miffoes em

Nangazaqui com tanta felicidade, que bapti-


zárao mais de duas mil e quinhentas peffoas,
nao obftante o Edicto do Imperador.
Não havia naquelle porto mais que
quinhen-
do Japao. Liv. IX. 405
quinhentos fógos , quando os Padres fe efta-
belecêraō allí para beneficio dos moradores
do lugar , e dos Portuguezes , que nelle ha-
bitavaō ; porêm com a continuada efcala dos
navios da Europa , que allî aportavao com as
fuas mercancías , por fer o mais comodo, fe
fez tao populofo , que no anno de 1590 fe
contavao já cinco mil familias , fem com-
prehender mercadores , e officiaes , que con-
corriao de todas as partes , em quanto os
navios nelle fe demoravao , que ordinaria-
mente era de Março até Junho .
Cambacundono , que tinha os olhos Cambacudo
abertos para tudo , o que fuccedia no feu no ufurpa
Imperio , tendo entendido , que aquelle por- Nangazaqui.

to fe augmentava cada dia mais , e que os


habitantes erao muito ricos , fem outro pre-

texto de juftiça privou ao Rey de Omura D.


Sancho defte dominio , e o unio a algumas
terras vifinhas ao feu Imperio , pondo- lhe
dous Governadores ; hum chamado Cango-
nocami, e outro Iquinocami . Vivamente fen-
tio D. Sancho a injufta ufurpaçao , tanto pe-
diminuîa
lo que dimin uîa a fua renda , como porque
os feus vaflallos cahiao no dominio de dous
Senhores idólatras , e efte cuidado era o que
mais o penalizava. Com tudo como eraõ in-
timos amigos de D. Agostinho , nao fizérað
dano algum aos Chriftaós , permittindo aos
Padres continuar a prégaçao , e o catequif-
mo nos lugares circumvifinhos a Nangaza-
qui, nos quaes baptizárao aquelle anno mais
de oito centas peffoas .
Tom . II . Cc 3 Havia
406 Hiftoria da Igreja
Havia no mesmo porto huma Irman-
Irmandade
da Mileri dade da Mifericordia , que edificava nao fó
cordia. os Chriſtaōs , mas até os Gentios . Conſtava
de cento e vinte pefloas , que por feus tér-
nos pediaó efmóla duas vezes na femana , e
com o que tiravao , fuftentavao tres hofpitaes .
O primeiro era para recolher homens de-
crépitos , que nao podiaó ganhar o ſuſten-
to : o fegundo para mulheres avançadas em
idade , e opprimidas de achaques : o tercei
ro para os que de todo erao incuráveis . Man-

tinhao outro para aquelles pobres , que nao


pediaó por vergonha : O fundador defta Ir .
mandade foy hum Chriſtao chamado Juftino,
o qual deo toda a fua riqueza para fuftento
dos pobres , e fe dedicou a fervir nos mef-
mos hofpitaes ; elle no dos homens , e fua
mulher no das mulheres : ambos de dous cor-
tárao o cabello em final , de que renuncia-

vao o Mundo , como fe coftuma no Japao.


A Ilha de A- Já temos dito , que a Ilha de Ama-
macufa fe
cula eftava dividida em cinco Senhores. O
rebella con-
tra Impe- primeiro era muito amado dos naturaes da
rador. mefma Ilha , chamado Amacundono , e por

outro nome D. Joao de Amacufa o fegundo


fe chamou Brandono : o terceiro Sumotodo-
no. Eftes tres erao Chriftaos , outros dous

Gentios ; hum chamava fe Cojurandono , e


outro Gicondono . Amacundono, que era ani-
mozo , nao podendo fofrer o tyrannico do-
minio de Cambacundonono , fe colligou com
Gicondono , ainda que Gentio , e fe refol-
vêrao nao querer reconhecer por feu Sobe-
rano
do Japaō. Liv. IX. 407
rano o Imperador ; o qual tendo noticia del-
te levantamento , mandou o Coronel Allo-
nadario com muita preffa a examinar efte
tumulto. Querendo elle fallar aos dous le-
vantados da parte do Imperador , naõ o qui-
zéraó ouvir ; e irritado Cambacundono defte
defprezo , mandou a D. Agoſtinho com hum
Senhor Gentio chamado Toronofuco , que
com elle pofluîa o Reyno de Fingo , para
que reduzilfem ao feu dominio os dous rebel-
beldes. D. Agoſtinho, que tinha muita ami-
fade com D. Joao de Amacufa , Chriftao co-
mo elle, voltou logo toda a fua força contra
Gicondono, que era tio de D. Protafio , mas
obftinadamente entregue ás fuperftições Gen-
tilicas ; e nao tendo este Principe forças pa
ra fe pôr em campanha , fe retirou para hu-
ma das fuas praças , na qual logo foy fitia-
do. D. Agoftinho, que nao queria perdêlo,
petmittio a D. Protafio feu fobrinho lhe fal
laffe para o fazer mudar do intento ; porêm
nao foy poffivel reduzilo a compofiçaó al-

guma , e com efte defengano D. "Agostinho


bateo a praça até a ultima ruîna : depois de
alguma refiftencia a tomou por asfalto, man-
dando , que ao fio da efpada morreffem , os
que le puzéffem em defenfa , e fe falvaffe ,
aos que le entregaffem , a vida. Gicondono
achando occafiao de fugir , fe retirou para

as terras de feu fobrinho , e fe póde dizer ,


que efcapou daquelle perigo para alcançar a
mavor felicidade ; porque depois ouvindo as
prégações dos Padres , que eftavao em Ari-
Cc 4 ma,
408 Hiftoria da Igreja
ma , abrio os olhos á verdade , pedindo o
Baptifmo elle , fua mulher , e muitos dos
'feus criados.
A Cidade de
Fondo he fi- D. Agostinho perfuadido , que D.
tiada . Joao de Amacufa depois de ver o feu Alia-
do desbaratado fe fugeitaria a Cambacundo-
no , achou tudo pelo contrario ; porque o
reconheceo com animo refoluto de fe de
fender até morrer com as armas na mao ,
perfuadindo fe, que o Imperador de nenhum
modo lhe perdoaria aquelle erro ; e achando-
fe perdido , queria vender caro a fua vida.
Vendo a fua obftinaçao os dous Generaes ,
entrárao nas fuas terras , tomáraó algumas
praças , e puzérao fitio á Cidade de Fondo,
a qual governava hum tio de D. Joao de Ama-
cufa ; e querendo D.Agostinho falvar os Chri-
ftaos , lhes advertio fecrétamente, que entre-
gaffem a praça ; porque elle nao fe podia
difpenfar de a atacar. Ouvio porêm a re-
pofta valerofa : Que tambem elles igualmen-
te nao fe podiaõ difpenfar de defender-fe ,
para obedecerem ao feu legitimo Soberano.
Trezentas Depois deſta repofta fez D.Agostinho
mulheres pe marchar as fuas tropas vagarozamente , para
lejao Cobre a dar lugar aos fitiados a fugir : mas Torono-
brecha.
fuco com a fua gente , havendo entendido,
que elle perdoava aos Chriftaós , o obrigou
a atacar a praça , a qual bateo com tanta for-
·
ça , que abrindo huma grande brecha , quiz
tomála por aftalto . O eftrago de huma , e
outra parte fov grande ; mas os fitiados
que nao erao muitos , fendo mórtos , e feri-
dos ,
do Japao. Liv. IX. 499
dos , trezentas mulheres , que nao queriao
fobreviver a feus maridos , tomárao- lhes as

armas , e correndo á brecha com a efpada.
na mao , brigáraó com os inimigos com tan-
to valor , que enchêrao o follo de córpos

mórtos , e obrigáraó os fitiadores a voltar
coftas. A vitoria efteve por algum tempo
indecifa : até que attendendo a gente de D.
}
Agostinho , que erao mulheres as que lhe
faziaó frente , eftimulados da honra , repre-
hendendo a vileza da fua cobardia, tornáraó
ao affalto , fubindo pela brecha contra toda
a reſiſtencia ; e chegando ás maós com aquel-
las Heroinas , as matáraó logo , efcapando
de trezentas fó duas , que ficárao feridas
mortalmente.
Primeiro , que a Cidade foffe entra-
da , tinha ordenado D. Agostinho a dous dos
1eus Officiaes , que erao Chriſtaos , que pro-
curaffem com toda a diligencia os Padres
da Companhia, e os conduziffem ao feu quar-
tel , juntamente todos os foldados Chriſtaos,
que estivéffem prizioneiros pela gente de To-
ronofuco ; e affim fe obfervou exactamente ",
livrando defta maneira mais de mil pefloas
de perder a vida. D. André , tio de D. Joao
de Amacuta , que comandava a praça , mor-
reo na peleja , e mais de mil e trezentos
Chriſtaos : foy porêm mayor a perda da gen-
te de Toronofuco ; porque fazendo refenka
achou lhe faltavao dous mil homens , que
forað mórtos, álem dos feridos , que erao em
tao grande numero , que lhe foy preciſo re-
tirar-fe
410 Hiftoria da Igreja.
tirar-se ao feu Reyno de Fingo para fazer le-
va de novas tropas , e aflim ficou D. Agof-
tinho General em chéfe de todo o exercito ,

Vendo-fe D. Joao perdido fem remedio , con-


fiado na amilade de D. Agoltinho , veyo vi-
fitálo para The entregar a lua vida , e a fua

fortuna ; e fendo recebido do General com


muita honra , lhe prometteo fer feu media-
neiro com o Imperador , para lhe perdoar
o crime , e o confervar nos feus Eftados.
Bens , que Efta guerra , que foy de huma par-
trouxe eſta
te fanguinolenta aos Chriftaos , pela outra
guerra.
foy ventajofa á Igreja ; porque nao queren-
do D. Agostinho demolir a Cidade de Fon-
do , den o governo a hum Gentilhomem
Chriſtao , o qual nao admittio para a fua
guarniçao nenhum foldado , que foffe Gen-
tio ; e affim te movêra todos os morado-
dores , que eftavao fugitivos , a recolher-fe
ás fuas cafas. Poz por Governador na Ilha
de Xequi , que pertencia a Gicondono , hum
valerofo foldado chamado Vicente , que ti
nha grande zelo de propagar a Fé ; e por
que todo o diftricto do feu governo era che-
yo de idolatras , mandou logo ao Reyno de
Arima buscar Padres da Companhia , que
viéffem trabalhar na vinha do Senhor , e con-
verter com a fua pregaçao, e exemplo aquel-
la gente barbara . Hum dos que viéraó , foy
o Padre Organtino , que baptizou trezentas
peffuas : outro Padre , que lhe fuccedeo, ba-
ptizou fetecentas ; e o que fe feguio , por-
que fez mayor demóra naquella terra , ba-
ptizou
do Japad. Liv. IX. 411

ptizou duzentas em dous mezes : de modo ,


que de cinco Senhores da Ilha de Amacufa ,
quatro erao Chriftaos com a mayor parte
dos feus vaffallos no anno de 1590.
·
Em quanto ao quinto chamado Co- Converfoo
jurandono , que era hum Principe de idade do quinto Se
de nove para dez annos , e dominava metade nhor deama-
cuia.
da Ilha de Cojura , recomendou muito D.
Agostinho ao feu Governador, que era Chri-
ſtao , o reduziffe á Fé : chamou elle alguns
Padres , que prégarao com tanta efficácia na
prefença do Principe idolatra contra as fu-
perftições do Paganifmo , estabelecendo com
verdadeiros fundamentos as verdades da Re-

ligiao Chriftá , que o Principe com alguns


Bonzos , e a mayor parte do auditorio pe-
dirao o Baptifmo. Foy efcolhida a Domin-
ga da Septuagefima para conferilo aos Ca-
tecûmenos. A folenidade durou defde pela
manhã até a tarde, porque fe baptizárao na-
quelle dia mais de tres mil e quinhentas pef-
foas , muitas das quaes foraó livres por me-
yo das agoas faûdaveis do Baptifmo das vé-
xações dos demonios , que ordinariamente
as atormentavao. Outros recebêraó a faûde
do corpo com a da alma . Affim a Fé fazia

progreflos confideráveis, naõ obſtante a pro-


hibição do Imperador , o qual fruto confo-
lava muito os affligidos Religiofos , que nao
oufavao exercitar os feus minifterios com a
liberdade , que antes .

Mas o que fatisfez plenamente a ale-


gria dos Chriftaos , foy a converfao do Rey
de
412 Hiftoria da Igreja
Deixa D. de Bungo chamado Conftantino . Já vimos ,
Conftantino que tinha renunciado a Fé , e perfeguido
Rey de Bugo os Chriftaós para adquirir a graça de Cam-
a idolatria.
bacundono , e como contra o que elle efpe.
rava foy despedido ignominiofamente da Cor-
te; fendo que pelo contrario os Reys de Omu-
ra, e Arima , que eraõ conftantes na Fé , ti-
nhao fido recebidos com fumma honra pelo
Imperador , e cheyos de prefentes , vol-
táraó para os feus Reynos. D. Conftantino
pois , fazendo reflexao fobre eftes diverfos ac-
cidentes , conheceo, que Deos o caftigára pe-
la fua infidelidade , e apoftafia , e fe refol
veo a reconciliar-fe com a Igreja , que vil-
mente deixára : cómunicou a fua determina-
çaó com alguns Gentishomens Chriſtaōs da
fua Corte , os quaes lhe aconselhárao cha-
maffe logo os Padres , que havia deſterrado
do feu Reyno. Mandou hum Gentilhomem
ao P. Pedro Gomes , Superior do Collegio
de Arima , para lhe pedir perdao do proce-
dimento paffado , proteftando , que fempre
confervára a Fé no feu coraçao ; porêm que
as contradições , e defgraças do tempo o ti-
nhao constrangido a declarar- fe inimigo da-
quelles , a quem eftimava com affect par-
ticular ; mas agora , que conhecia o feu er-
ro, lhe fupplicava intercedeffe com o P.Va-
lignano , para que lhe perdoaffe , promet-
tendo fatisfazer com alguma acção publica
o eſcandalo , que tinha dado .
O P. Gomes recebeo o Gentilhomem
com aquella alegria , que huma nova tao boa
devîa
do Japaỡ. Liv. IX. 413

devia produzir no feu coração , e avifou lo-


go ao P. Valignano : e como o Rey D.Conf-
tantino eitava obrigado a hir á Corte para
felicitar ao Imperador pela conquista de Ban-
dû expedío o meimo Gentilhomemaó P.
Valignano , que fe achava em Nangazaqui ,
para que em feu nome The pediffe perdão dos
erros paffados , promettendo repararo ef

candalo, que tinha occafionado , fendo dalli
em dianté fiel a Deos , ainda que lhe cuftaf-
fe a vida , e pedindo tambem alguns Reli-
giofos , que follem reftabelecer a Religiaō
nos feus Estados . O Padre refpondeo ao Rey,
que fendo to feu arrependimento verdadeiro,
podia fatisfazer as fuas culpas com afpera ,
e fincéra penitencia : que elle , e # os feus Re-
፣ •
ligiofos eftavao promptos para fervir a S.
"
Mageftade , lembrados da fingular mercê ,
que antigamente tinhao recebido da fua bon-
dade , e pela obrigação, que deviao ao Rey
D. Francifco feu pay de feliz memoria ; mas
que eftando de partida para Meaco , para
onde elle hia juntar - fe com os Embáxadores ,
tratariaõ daquelle negocio, quando voltaflem ,
e fe faria todo o poffivel de fatisfazer- lhe
o feu desejo. '
Já que fallamos em Meaco, onde os Eftado da
Christandade
Embáxadores forao chamados , daremos ago de Maco , c
ra noticia do effeito , que produzio a per dos lugares
feguiçao naquella terra. Temos dito , que circuviinhos
Cambacundono mandára demolir muitas Ča-
fas dos Padres, e Igrejas ; confifcára os bens
dos principaes habitantes , que fe declarárað
Chri-
414 Hiftoria da Igreja
Chriftaos , e os defterrára ignominiofamen-
te daquelle diitrito : porêm efte meyo , que
elegeo o tyranno para exterminar a Religiao,
foy o que a dilatou , e estabeleceo.com gran-
de ventagem ; porque aflim como a primei-
ra perfeguiçao da Igreja , depois da morte
de Santo Estevao , obrigou os Chriſtaōs a fa-
hirem de Jerufalem , e retirarem- le a Samaria,
onde publicáraó a Fé de JESU Chrifto ; affim
os Chriſtaos de Meaco , fendo defterrados
dos lugares , em que moravao , reduzidos a
huma extrema neceflidade , fe virao obriga-
dos a espalhar fe pelo Japão fervindo a Še-
nhores Gentios , os quaes movidos da vir-
tude , e bom exemplo , muitos quizéraố
inftruir-se , e receberão a Fé. O valerofo D.
Justo Ucondono diftinguia entre todos a fua
Fé , e o feu zelo. Foy defterrado para o
Reyno de Canga , cujo Rey ao principio o
tratava com muito defprezo , conforme as
ordens particulares, que recebia do Impera-
dor ; mas depois que o tratou , convencido
da fua virtude , o amava como a proprio
pay , e lhe confinou trinta e dous mil facos
de arroz para feu fuftento. O primogenito
do mefmo Rey travou com elle tao fincéra

amifade , que lhe pedio chamafle os Reli-


giofos da Europa para o inftruir ; promet-
tendo hofpedálos em lugar tao occulto , que
ninguem o foubeffe , porque desejava ancio-
famente receber o Baptifmo. Tambem Darfo ,
pay de D. Jufto , · fe applicava a exaltar a
gloria de Deos na falvaçao das almas no
Reyno
do Japao. Liv. IX. 415
Reyno de Jecti , e o Rey lhe deo feis mil
facos de arroz todos os annos .
Ainda que os Chriftaos de Meaco , Difputa de
de Sacay , e de Ozaca 1 nao tinhao Igrejas , hum moço
juntavaō- le fecrétamente em algumas cafas Chriftao có
ham Bonzo.
nas quaes os Padres várias vezes os viſitavao.
Como o vento acende o fogo , affim efta fu-
riola tempeftade firmou a tua Fé , e os fez
mais fervorofos , do que antes erao. Hum
moço Chriftao da Cidade de Ozaca , affiftin-
1
do bum dia á prégaçaõ de hum famoto Bon-
zo , e ouvindo que elle dizia entre outras
impertinencias , que o Deos Amida tinha
feito quarenta votos pela falvaçao do po-
vo , toy bufcálo depois do fermaó a lua ca-
fa , onde o achou com muitas Damas da Cor-
te , e ſem ſe manifeftar Chriſtao , lhe pedio
foffe fervido de lhe decidir , e explicar al-

gumas difficuldades , que ácerca da materia


do feu fermao fe lhe offereciao . O Bonzo
nao oufando negar- ſe a efta fupplica , temen-
do foffe julgado ignorante , refpondeo ao
mancebo , que com muita vontade lhe ouvi-
ria a propófta para fatisfazer a ſua duvida .
Senhor, (diffe o Chriftao) vos diffeftes , que
Amida fez quarenta votos ? He verdade :
( refpondeo o Bonzo ) mas eu aprendi na
voffa Academia ( continuou o moço ) que o
voto be bum acto de Religiao , que fe faz a
buma peffoa , que fe reconhece por Soberana ,
e fuperior a todas : logo fe Amida fez votos,
reconhece bum Ser, que o domina , e lhe le-

va ventagem , e por confequencia não be Deos.


Defeja
416 Hiftoria da Igreja
Defejo pois Juber, qual he o Ser Superior, a
quem o volo. Amida fez votos ? Ŏ Bonzo ſe

achou embaraçado , e refpondeo depois de


o confiderar baltante tempo : Que o fuperior
era Fotoqui , e nao era precilo conhecêlo ,
porque baftava te adoraffe a Amida, que ha
via recebido delle o poder de falvar as al-
mas por meyo dos feus votos . Mas como ?
( replicou o moço ) Naỡ he mais raciona-

vel honrar ao Senhor, que ao fervo ? Já qué


confeflais , que o volo Amida tem fuperior;
be elle dependente , e fubdito , e por confe-
quencia be mais jufto adorar aquelle , que
deo a Amida o poder de falvar almas , que
a elle , que nao o tem de fi proprio. O po-
bre Bonzo apertado defte difcurfo ficou fó-
ra de fi , fem poder dizer huma fó palavra ; e
vendo, que as Damas com o feu rifo o arguiao
de ignorante , fe retirou confuſo.
Eltadoda Nefte tempo morreo o zelofo: cégo
Compan
deJES US no Tobias , que depois de receber as luzes da
hia
1
Japaō. Fé , fez ferviços confideráveis á Religiao ,
convertendo fó nefte anno cem peffoas , en-
tre as quaes foy hum Bonzo , e hum Senhor

grande do Reyno de Mino. Foy geralmente


fentida de todos os. Chriftaós a fua morte ;
mas recuperou fe efta perda com o foccorro
de valerofos Operarios , que conduzio o P.
Valignano . Havia nefta occafiao no Japao
cento e quarenta Religiofos , computado o
novo fubfidio ; e ainda que as Igrejas eftavao
fechadas , e andavao disfarçados no traje
para nao ferem conhecidos depois da publi-
caçao
do Japao. Liv. IX. 417
caçao do Edicto , ſe baptizárao mais de trin-
ta mil peffoas , contando le fó no mesmo
anno vinte mil ; moftrando efte progreffo o
poder immenfo de JESU Chrifto Noffo Se-
nhor , que faz triunfar a fua Igreja de to-
dos feus inimigos , fervindo a perfeguiçao
para lhe accrefcentar a gloria , e dilatar o
império.
Nao havia porêm poucas efperan- Razões, por
ças do remedio univerfal , revogando- fe o que le elpe•
Edicto de Cambacundono com muito fun- feo ravarevoga
Edito f

damento ; porque ainda que o feu animo em


pontos de honra foffe inflexivel , como viao,
que elle eſtimava os Chriſtaos , e que nao
éra fufficiente o motivo , com que os def-
terrou , entendiao , que pouco a pouco os
reftituîria ás fuas terras com exercicio dos

empregos, que antes tinkao. Os mais intel-


ligentes fundavao a fua opiniao fobre o mo-
do extraordinario , com que fe tinha havi-
do com os Padres ; porque defterrando qual-
quer peffoa , coftumava mandar arruînar as
fuas cafas, ou as dava a hum dos feus favo-
recidos , para tirar toda a efperança ao ex-
terminado de voltar áquella terra ; mas com
as Cafas dos Padres , ainda que arruînou al-
gumas , deixou as de Sacay , e Ozaca nem
as deo a outra pefloa ; inferindo fe defta ac-
çao, que tinha intento de os reftabelecer no
feu Reyno .
A'lem defta circumftancia , a diftin-
çao , com que refpeitava huma Dama nobre
Chrifa , que affiftia á Rainha fua efpofa
Tom. II. Dd certifi-
418 Hiftoria da Igreja
certificou a conjectura , que fe havia for-
mado ; porque encontrando- a em palacio hum
dia , no qual os Gentios celebravao huma
grande festa na Cidade de Ozaca , lhe diffe :
Sey, que as nosas folenidades naõ vos agra-
dao : porque os voffos Doutores , que defter
rey do fapaō , as defapprovao ; nao quero
conftrangervos ; e depois de alguns difcurfos
fobre a materia , accrefcentou : He verdade,
que obrey acceleradamente, e a minha fenten-
ça foyprecipitada ; mas já está feito . A Raf-
nha, que estava prefente , e favorecia os Chri-
ftaos quanto podia, lhe diffe : He fem duvida,
Senhor, foy defacerto, que tratáſſeis taō mal
aquelles Doutores de Europa , fendo peloas
doutas , charitativas , e difcretas , à quem
V. Mageftade tinha honrado com a sua pro-
tecção. O Imperador , que era homem mui-
to altivo, nao pode fofrer eſta reprehenfao ,
e affim confufamente lhe refpondeo : Fiz
quanto devia , porque condenavao o noso Fo-
toqui , e Cami : nao fe falle mais nifto.
Ainda fe concebeo mayor eſperan-

ça do difcurfo , que teve com D. Luiz, pay


de D. Agoſtinho ; porque voltando de Firan-
do , lhe perguntou , fe os Padres Europêos
tinhao partido do Japao , e fe Lourenço fo-
ra com elles ? ( Lourenço era hum Japaõ
muito conhecido na Corte , e hum dos mayo-
res Prégadores do paîz. ) D. Luiz lhe refpon-
deo , que o navio eftava ainda no porto , e
nao fe perfuadia , que Lourenço fendo en-
fermo , e muito avançado em idade , dei-
xaffe
do Japão. Liv. IX. 419
xaffe o ár pátrio para hir a paîz eftrangei
ro. Ifto diffe para fondar o animo do Im-
perador , o qual refpondeo : Tambem eu nao
creyo; dando a entender neſta palavra ,
que nao lhe defagradava , de que Lourenço ,
e os outros defterrados ficaflem no Japao.
Paffados alguns dias, morreo D.Ruiz,
e o feu primogenito , que tambem era Chri-
ftao , levou a Cambacundono a noticia da
morte de feu pay , que elle fentio por ex-
tremo ; e dando logo a D. Bento o governo
de Sacay , que
feu pay tinha , lhe diffe : Lem-
bray vos do que a vofla Ley enfina, que pro-
cedais juftamente neste cargo , Sem dar occa-
fiao a que cenfurem , ou criminem alguma
das vojas acções.

Já vimos , que no primeiro impeto


das fuas paixões defterrou da Corte a D.
Agostinho , e a D. Simao Condera ; mas fem
embargo defte rigor , a D. Agostinho am-
pliou o dominio tres vezes em dobro , do

que tinha antes ; porque lhe deo o Senhorio


de nove Reynos de Ximo , e a Condera o
Reyno de Buygem. Eftas novas mercês jun-
tas com as que fez aos Reys de Arima , e
Omura , e a D. Paulo de Bungo , que fabia
erao todos Chriſtaos , e tinhao recolhido nas
fuas terras os Padres contra o Edicto , que
os defterrava , davao eſperanças , como tenho
dito , bem fundadas , de que gozaria a Reli-
giao Chriftá a liberdade paffada.
Ultimamente obfervavao mais duas
razões os Politicos , que parecia muito
Dd 2 bem
420 Hiftoria da Igreja .
bem fundadas : a primeira era , que conhe-
cendo o Imperador , que havia muitos def
contentes nos Reynos pelas mudanças , que
elle tinha feito dos feus Eftados , que nao
efperavao mais que ter alguma occafiao , em
que pudéffem vingar-fe , fe ferviriaõ defta
para fe unir contra elle ; pois o davao a en-
tender em dilatarem por muito tempo a ex-
ecução do decreto , pondo- lhe muitas diffi-
culdades , quando elle cuidava lhe obedece-
riao fem réplica ; e como os Generaes dos
feus exercitos , e os mais Capitães erao Chri-
ftaos , receava com mayor fundamento ſe re-
bellaffem ; obftando efta confideraçao , para
mandar fe cumpriffe o feu Edicto .
A fegunda razao era , que os Padres,
que havia no Japao , como le portavao def-
terrados, mudando de habito , tendo as Igre-
jas fechadas , e nao exercitando em publico
os feus minifterios, fe moftrou o Imperador
fatisfeito ; porque he antigo coftume no Ja-
pao , que aquelle , que foy defterrado , nao

apparece diante do que o condena , manda


cortar as barbas , e o cabello como ſe ti-
véffe renunciado o Mundo , nao fe contando
no numero dos vivos ; e effe abatimento baf-
ta , para que fe diffimule o feu caftigo . Ef-
ta foy a principal razaó , que obrigou os Pa-
dres a mudar de habito , e vifitar os Chri-
ftaos em fegredo , como faziaó os Prelados
da primitiva Igreja em tempo de perfegui-
çao. Oxalá fe obfervára fempre efte cof-
tume em cafo femelhante , talvez nao fe ex-
citaria
do Japao. Liv. IX. 421
citaria hum incendio no Japaó , que arde até
agora , e fe nao pode extinguir com o fan-
gue de tantos Martyres ! Veremos no livro
feguinte o fucceffo, que teve a Embáxada do
P. Valignano , e depois o terrivel catástro-
fe , que fe feguio nefte Imperio em materias
de Religiao.

FIM

DO LIVRO NONO.

Tom . II. Dd 3 HIS-


› IZOMO'
r
423

HISTORIA
03

DA

IGREJ
A

DO JAPA Ŏ.

LIVRO X.

ARGUMENTO.

Iagem do P. Valignano para a Corte


V com os quatro Embáxadores . D. Conf
tantino Rey de Bungo fe reconcilia com
a Igreja. O Imperador fazpouco cafo da Em-
baxada do Padre : agradece com tudo , que
venha com o caracter de Embáxador . Ó Pa-
dre faz a fua entrada em Meaco com gran-
"
de magnificencia , e be recebido com muita
honra do Imperador. Pertende efte , que D.
Manfio fique no feu ferviço ; mas elle fe ef
cufa. O Padre foy vifitado dos Grandes do
Imperio parte de Meaco , e chega a Firan-
do onde vifita a Princeza , filha do Rey D.
Bartholomeu. D. Protafio Rey de Arima re-
cebe com profundo respeito os prefentes do
Dd 4
Papa.
424 Hiftoria da Igreja
Papa. Nova perfeguiçao excitada contra os
Cbriftaos: Os quatro Embáxadores entraõ na
Companhia de JESUS. Repofta do Imperador
ao Vice- Rey da India. A Embaxada lhe be
ao principio fufpeitofa , mas depois a reco-
nhece verdadeira. Ŏ Governador de Meaco
favorece os Padres , e manda mudar as Car-
tas , porque naõ eraõ honrozas ao Vice- Rey.
Cambacundono forma o defignio de conquif
tar a China. Deixa a feu fobrinho o Gover-
no do Japao. Declara guerra ao Rey de Co-
rea. Nomea a D. Agostinho feu Lugar-Tenen-
te General , o qual entra na Corea , e alcan-
ça finaladas vitorias. D. Jufto Ucondono be
admittido á graça do Imperador. D. Agofti-
nho fenboréa a capital de Corea : perfidia do
Imperador contra elle. Perfeguiçao excitada
contra os Chriftaos por hum Hespanhol. O
P. Valignano volta para a India , e baptiza
antes de partir ao Rey de Junga. Continúa
a guerra de Corea funefta aos Japões : faz
apaz com os Coreanos : restabelece a Igreja
de Nangazaqui. Nova Embáxada do Gover
nador das Filipinas com quatro Religiofos de
S. Francifco. O Imperador prohibe , que pré-
guem no Japao , e permitte ao P. Organtino
ficar em Meaco. Começa a defconfiar de feu
Jobrinho. Os Padres de S. Francifco edificaõ
bum Convento , e huma Igreja em Meaco , e
em Ozaca. Querem fazer outro em Nanga-
rqui , mas nao o confeguem. As boas, e más
qualidades de Taycofama , fobrinho do Impe-
dor Cambacundono . A caufa, de que fe ori-
ginou
do Japao. Liv. X. 425

ginou a difcordia entre ambos. O Imperador


o vifita, e a Imperatriz. Defcripçao da pom-
pa , com que fe fez a jornada. O quefe paf-
fou em Meaco , em quanto eftiverao nefta Ci-
dade. O Imperador volta para Fuximi, e con-
vida a feu fobrinho para bum baile: Man-
da- lhe, que o vifite, e o prende em hum mof-
teiro de Bonzos morte tragica delle Cruel-
dade barbara do Imperador. Eftade da Reli-
giao em Omura , e Corea. Fervor dos Chri-
ftaos em Arima. Confpiraçao contra D.Agof-
tinho , mas fem effeito.

AMOS principio a efte livro pela Viagem do


viagem do P. Valignano para a P.Valignano
Corte com P os quatro Embáxado para a Corte
com os qua.
D res, que viérao de Europa , a cum- tro Embaxa-
primentar o Imperador da parte deres.

do Vice- Rey da India, e offerecer- lhe os pre-


fentes , que lhe mandava. Efta viagem efte-
ve retardada , como diffémos no livro pre-
cedente , pela ausencia do Imperador , que
eftava na guerra de Bandû, e pela doença do
mefmo P. Valignano . Nefte tempo os inimi-
gos da Religiao Chriftá , aproveitando-fe da
conjuntura prefente , reprefentárao ao Impe-
rador o que lhes dictou o ódio , para que
defconfiaffe daquella Embáxada , dizendo
era huma quiméra fabricada pelos Religio
fos da Europa para entrarem no Japao, e fir-
mar nelle a 4 fua demóra. Que o P. Valigna-
no fe attribuîa a qualidade de Embáxador
da India para fer admittido á prefença de
S. Ma-
426 Hiftoria da Igreja

S. Migeftade , e procurar ainigos na Corte ;


e que , ainda que folle enviado do Vice - Rey,
o fim de hum , e outro era fem duvida al-
cançar o eltabelecimento da Religiao Chri-
fta , porque o Governa da n m
dor India ao an-
tinha os Ch riſtaos , fenao para ter gente de-
dicada ao feu ferviço , fe quizélle (enhorear-
fe do Japan...

Cambacundono , que era hum aftuto


Politico , e com animo defconfiado , como
tem todos os tyrannos ufurpadores de hum
dominio eftrangeiro , crêo facilmente o dif-

curfo, e fallou com defprezo defta Embáxada,


como fe folle huma mentira artificiofamente
compófta. D.Agostinho, e D.Simao Condera ,

1 tanto que o foubéraŏ , avifáraó fecretamente


o P. Valignano , que foffe para Meaco o mais
depreffa , que pudéffe , mas com poucos Re-
ligiofos , e grande acompanhamento de fe-
culares com a mayor pompa , que lhe foffe
poffivel , para acreditar a dignidade do Rey
de Portugal , e defvanecer a fufpeita , que
contra elle fe tinha levantado. Que haven-

do poucos dias , que tinha entrado o Em


báxador do Rey de Corea, acompanhado de
trezentos cavallos com huma equipagem luf
trofa , a fua feria defprezada , fenaó déffe
nos olhos do Principe com alguma demonf
traçao mais ventajola.
Os Portuguezes , que eſtavao em Nan
gazaqui , tendo esta noticia, fe offerecerao vo-
luntariamente ao Padre para o acompanhar,
e poder fazer mageſtofa a Embáxada com a
comiti.
do Japao. Liv. X. 427
comitiva ricamente veftida. Erao todos vinte

e feis peffoas, comprehendendo os quatro Em-


báxadores de Roma , e com efta equipagem

ſe puzerao a caminho ; huns por mar , ou-


tros por terra. OP.Valignano , acompanha
do do P. Organtino , do P. Méfquita , e de
alguns Portuguezes , fizérão a viagem por
terra , para poder vifitar os Chriftaos pelos
lugares , por onde pallavao , e administrar
Thes.os Sacramentos.do do 29200ɔqui 201

Não ſe póde exprimir o concurfo ,


que por toda a parte havia para os cortejar,
e as honras, que recebiao dos Governadores
das praças , das Provincias , não fó dos
Chriftaos , 4 mas dos idolatras. Em Ximonogo-
quinacháraonos Religiofos , que tinhao hi-
do por mar 3 elencorporando -fe todos , fo-
rao pelo rio até Muro, que diſta quarenta le-
guas de Meaco , onde o Governador os re-
cebeo com muita cortezania ; e em fatisfa-
çaõ da fua charidade Deos Noffo Senhor The
"
deo luz para pedir , e receber a graça do
Baptifmo.
Eltando pois nefte porto o P. Vali-
gnano com a fua comitiva , the chegou a no-
ticia , que D. Agoftinho , e D. Simao Conde-
ra nao eftavao na Corte : efte avifo lhe cau-

fou grande embaraço , porque achando fe tao


perto de Meaco, não podia voltar atrás , nem
deferir a jornada , fabendo que o Imperador
os efperava por inftantes , e ignorava a for-
ma , por onde teria introduzido . em palacio,
faltando eftes dous amigos , de quem eſpe-
rava
428 Hiftoria da Igreja
rava lhe facilitafle a audiencia, e follem em
tudo feus Protectores. Ponderadas bem eftas
difficuldades, julgáraó todos nao paffar dalli
fem novo avifo : e defta demóra nafcêraó

grandes bens porque como era no fim de


Janeiro do anno de 1591 , todos os Gran-
des do Japão conforme o feu coſtume hiao
vifitar o Imperador , e offertar- lhe os feus
tributos ; e fabendo , que os quatro Senho
res Japonezes tinhao chegado de Roma , vi-
nhao muitos a Muro para os ver , e ouvir
noticias de terras tao remotas , e para elles
defconhecidas. Os Principes para os conten-
tar lhes moftráraó em hum Mappa os cami-
nhos , que tinhao andado , e toda a exten-
faó das terras , que tinhao corrido , dando
ao mesmo tempo noticia da grandeza , po-
der , mageftade , e magnificencia dos Reys:
da Europa, e principalmente ,do Summo Pon-
tifice da Igreja Catholica, Moftrarao -lhes em
huma eftampa a Cidade de Roma, e tambem
lhes deixárao ver os prefentes , que levavaó
ao Imperador o que mais admiráraó foy hu-
ma esféra , hum relogio de repetiça os inf-
trumentos Mathematicos , os livros bem en-
cadernados , e ornados com bellas eftampas ,
e debuxos , e outras peças femelhantes , to-
das fingulares em valor , e preciofidade .
A curiofidade , com que attendiao a
eftas raridades da arte , deo occafiao aos Pa- ›
dres , e Embáxadores para introduzirem a
prática em materia de Religiaó , fazendo-

lhes conhecer pelas creaturas a immenfa fer-


mofura,
do Japao. Liv. X. 429

mofura , e poder do Creador ; e fez tal mo-


çao naquelles animos , que moftrárað gran-
de estimaçao de todos , os que abraçavaóa
Ley Catholica. O que mais fe finalou entre
elles , foy Morindono Rey de Amanguche ,
e Soberano de nove Reynos mais, que o conf
tituîao fegundo Monarca do Japao , fazendo
muitos favores , e mercês aos Principes Em-
báxadores, tanto em Meaco, como em Muro.
A efta confolaçao, que os Padres ti- D. Conftan-
vérao , lhe accrefceo outra muito mayor com tino Rey de
a vinda de D. Conftantino Rey de Bungo, Bungo
cócilioulecom
re-
Eftava naquella occafiao em Meaco ; e faben a Igreja
do, que D.Manfio feu Primo com irmao , que
tinha hido a Roma por Embáxador de feu pay
o Rey D. Francifco , chegára áquelle porto',
veyo vifitálo com muita diligencia , e o abra-
çou com todas as demonftrações do mais in-
timo affecto. Mas D. Manfio , que eftava in-
formado da fua apoftafia , e da iniquidade ,
que praticava com os Chriftaos, nao lhe cor-
refpondeo ás fuas finezas , e fó as agradeceo
politicamente ; e com alguns finaes de ag-
gravado nao the deo conta da Embáxada , e
menos do prefente , que trazia do Papa pa-
ra o Rey feu pay , que era , como temos
dito , fallecido e finalmente the diffe, feria
a ultima vez , que com elle fallaffe ; porque
"
nao podia ter cómunicaçao com hum homem
tao infiel , que le tinha rebellado , e feito
inimigo cruel dos Chriftaos . Com fofrimen-
to ouvio D. Conftantino a reprehenfao de
1
Leu Primo , e como estava refoluto a voltar
devéras
ia da Igreja
430 Hiftor
devéras a fer Catholico , pedio a D. Manfio
The alcançaffe efta graça do P. Valignano ,
proteftando dar toda a fatisfaçaó , que fe

the ordenaffe , pedindo publicamente perdao


na Igreja aos Chriftaos feus vallallos do ef
candalo , que lhes tinha dado , e dos erros
enormes , que havia comettido , pérfeguin-
do os Servos de Deos com tanta tyrannia.
Que fe confeflava culpado , e indigno de
mifericordia ; mas que efperava do Padre pe-
la interceffao delle feu Primo tivéſſe pieda
de da fua miferia , que elle faberia merecer
dalli ávante efta charidade , ainda que foffe
com perigo da propria vida.
D.Manfio , que era hum Principe mui-
to fabio, e conhecia a inconftancia de feu Pri-
mo , para fe fegurar na fua vocaçao , The moſ
trou tinha muita difficuldade para confeguir
o que lhe pedia ; dizendo , que queria pri-
meiro fallar_com o P. Paes , companheiro da
fua viagem , para que o apadrinhafle com
o P. Valignano , do qual duvidava déffe af
fenfo ás fuas proteftações , vendo que tantas
vezes the tinha faltado á palavra. O Rey
The refpondeo , que tinha fundamento para
julgar , que as fuas fupplicas nao follem ve-
ridicas pelo máo procedimento , que até allî
havia tido ; porêm que eftivéffe certo , que
ainda que no exterior pareceffe apóſtata , no
coração confervára fempre a Fé : que as at-
tenções politicas , e conveniencias do Rey-
no o obrigáraó a diffimular a Religiao , ſe-
guindo a vontade, e o animo de Cambicun-
dogo :
do Japao. Liv. X. 431
dono que até o prefente conhecia tinha f
+
do indigno de fe reputar homem de honra,
Chriſtao , Rey , e filho do Rey D.Francifco
feu eftimadiffimo Pay : que le envergonha-
va da fua vileza , e perfidia , e pedia contri-
to perdao a Deos . Que fe o P. Valignano fe
houvéfle com elle piedofamente , fe declara-
ria Chriſtao em prefença de toda fua Corte,
e moſtraria nao ceder ao zelo , e fidelidade
do Rey feu pay . Accrefcentou mais , que fe
Cambacundono continuaffe a perſeguir os
Chriſtaos , elle recolheria no feu Reyno qua-
tro Padres da Companhia , e que permittiria
aos feus, vaffallos cumprirem occultamente as
fuas obrigações , e depois da morte do Im-
perador reftabeleceria as Igrejas , e poria tu-
do em melhor eftado , que antes havia tido ;
e na certeza infallivel , de que feria conftan-
te neftas promeflas , efperava tivéffe o Pa-
dre mifericordia com elle , para gloria de
Deos , falvaçao da fua alma , e confolaçao
dos Chriſtaos , a quem feria utiliffima , e gra-
tiffima a fua converfao.

Todas eftas confifloes repetio D.Man-


fio ao P. Valignano , e as promeffas ventajo-
fas , que feu Primo fazia , as quaes fendo
aceitas delle , permittio , que D. Conftanti
no foffe vifitálo , e pedir-lhe perdao dos er-
ros paffados. O Padre o recebéo com muita
honra , e reverencia , ainda mais por filho
do Rey D. Francifco , que pela fua peffoa ,
e fem que emittiffe dar- lhe a conhecer a
enormidade dos feus delictos, com huma fua-
ve ,
432 Hiftoria da Igreja
ve , e difcreta reprehenfao lhe prometteo
efquecer-fe de todo o paffado , fendo elle
conftante na fua palavra ; e o Principe a re-
validou com tantas demonftrações de verda-
deira penitencia , que os circumſtantes ficá-
raó tao fatisfeitos , como edificados.
Entretanto o P.Organtino tinha man-
OImperador
faz poucoca dado a Meaco hum dos feus companheiros ,

fo da emba chamado Vicencio , para faber dos Senhores


zada.
Chriſtaos , quando lhes parecia, que o P.Vali-
gnano foffe á Corte : e efte lhe escreveo, que
ainda não era conveniente ; porque o Impe
rador eſtava tao duvidozo daquella Embáxa-
da , que ninguem fe animava fallar- lhe nel
la. Paffados alguns dias , querendo D. Simao
Condera fondálo com certas palavras nefta
materia , o Imperador lhe refpondeo : Co-
mo tinha atrevimento de lhe fallar nos Eu-
ropeos , fabendo que, por fer elle da meſma
Religiao , o privára da grande parte das hon-
ras , e mercês , que determinava fazer lhe ?
Eera affim ; porque quando D. Simao eſtava
por feu Lugar- Tenente na guerra de Ximo ,
The prometteo dous Reynos ; mas tendo ac-
cufados alguns Chriftaos falfamente , entran-
do tambem Condera na melma accuſaçao
nao lhe deo mais que huma parte do Rey-
no de Buygem. O nobre Senhor , vendo que
era em vao o golpe , nao perdeo poriffo o
animo ; mas empenhando o crédito dos feus
mayores amigos , e entre elles hum Senhor
Gentio fivorecida do Imperador , alcançou
emfim que o P. Valignano foffe recebido na
Corte
do Japao. Liv. X. 433
Corte como Embáxador do Vice-Rey da In-
dia , e nao para tratar de reftabelecer os da
fua Companhia ; porque fendo certificado do
contrario , nao o admittiria mais na fua pre-
fença. Os Senhores Chriſtaos déraō eſta no-
ticia ao Padre , e lhe aconfelhárao nao ex-
-cedeffe naquella occafiao efta ordem.
Tanto que o Padre recebeo efte avi- Agradece co
fo, poz-fe a caminho para Ozaca , cujo Go- tudo, que o
P.Valignano
vernador tinha ordem para o receber como venha como
Embaxador
Embáxador do Vice-Rey da India , e de o
do Vice-Rey
-prover de tudo o que neceffitaffe para a via-
gem. Todos os Chriftaos , que tivérao eſta
noticia , forao cumprimentar o Padre, fendo
hum delles D. Jufto Ucondono , que veyo do
Reyno de Canga diftante cincoenta leguas
fó por ter a confolação de lhe comunicar a
fua conciencia . O Padre ficou igualmente fa-
tisfeito de o ver tao confórme , como fe eſti-
véffe Senhor de todo Japaō ; pois contava en-
tre as muitas graças , de que era devedor á
Divina mifericordia , eftar aufente da Corte;
porque ainda que procurava obrar de modo ,
que o feu procedimento foffe exemplar a to-
dos , como lhe era preciſo fer muy circunf-
pécto em ordem a ter certa a graça do Prin-
cide para fervir aos amigos , e guardar fe
dos inimigos , nao gozava liberdade perfei-
ta , nem a doçura, que tinha na folidao. Ef-
tava emfim tao defenganado do Mundo , que
refolvia largálo de todo , deixando o pou-
co, que confervava , ao feu primogenito, que
eftava na flor da idade. Mas o P. Organtino ,
1
Tom. II. Ee que
434 Hiftoria da Igreja
que muito tempo foy feu Director , lho nao
confentio , reprefentando- lhe , que tinha mu-
lher , e filhos muito pequenos , e devîa at-
tender ao feu eftabelecimento , e criaçao , e
tambem ao augmento dos feus amigos, e of-
ficiaes , pois todos dependiao delle , fican-
do complice na fua defgraça que o Impe-
rador não havia viver fempre , e poderia
bem fer, que o feu fucceffor o admittiffe em
empregos dignos dos feus méritos , e nelles

faria muito mayores ferviços a Deos , e á


Religiao Chriftá . Eftas , e outras razões ef-
ficaciffimas o obrigáraó a facrificar-fe ao
bem publico , privando-fe do que fe lhe re-
prefentava podia alcançar na folidao .
O P. Valig-
Paffados alguns dias depois deſta con-
nano faz a
fua entrada ferencia , chegárao os navios do Imperador ,
em Meaco. em que fe embarcou o P. Valignano , e em
poucos dias chegou a Toba , que he hum
porto diftante huma legua de Meaco. Allf
o efperavao liteiras , cavallos , e carros pa-
ra a bagagem. No dia feguinte partio para
Meaco , e fez a fua entrada naquella Cida-
de Real com tanta pompa , e grandeza , que
efcureceo a que tinha feito antes o Embá-
xador de Corea : todas as ruas de Meaco
eſtavao cheyas de gente, e os moradores ad-
mirados daquella entrada confeffavað em al-
tas vozes não ter vifto faufto femelhante. O

Imperador entendendo pela magnificencia da


Embáxada a Soberanîa , de quem o manda-
va , ficou muito fatisfeito , e ordenou , que
o Padre Valignano com os feus Religiofos
fe
do Japão. Liv. X. 435

fe hofpedaffem no mefmo palacio , em que


elle vivia antes de lubir ao throno. O'P.

Mefquita com os quatro Senhores Japonezes ,


que tinhao vindo a Europa , fe acómodáraō
em outro , e todos os Portuguezes da fua co-
mitiva fe alojáraó na mefma rua , onde o
Governador mandou logo meter hum corpo
de guarda , para impedir o povo , que vi-
nha em grande multidao para os ver , ſe nao
chegaffem ao feu palacio. Ordenou mais o
-Imperador , fe alimpaffem , e defembaraçaf-
1 fem as ruas , por onde deviao paffar , e af
finou o dia da entrada.
Na Dominga primeira da Quarefma Ordem da
do anno de 1591 Maxitayemondono, favore- Embaxada .
cido do Imperador, teve ordem para condu-
zir os Embáxadores á fua primeira audiencia.
Logo pela manhã mandou feis fermofos ca-
vallos foberbamente ajaezados ao ufo do Ja-
pao , e tres riquiffimas cadeiras cobertas , as
quaes erao para o Embáxador , e feus com-
panheiros , e os cavallos para os que os fe-
guiao fahirao pois do palacio na fórma fe-
guinte. Via - fe em primeiro lugar hum fo-
berbo cavallo Arabio , coberto de veludo en-
carnado com arreyos guarnecidos de prata
fobredourada ; e de dous , que o Vice- Rey
tinha mandado , hum morreo no caminho :
dous palafreneiros veftidos de feda com tur-
bantes á mourifca conduziao pela rédea o ſo-
berbo bruto cada hum de fua parte , e no
meyo dous Portuguezes a cavallo. Depois
deftes fe feguiao fete Págens tao ricamente
Ee 2 vestidos ,
4
442 Hiftoria da Igreja
nando , que o P. Rodrigues ficafle em Mea-
co , para o informar de tudo , o que fobre-
viéffe. Ifto era o melmo , que defejava o P.
Valignano , mas nao fe atrevia a pedilo ; e
ficando com hum Religiofo da Companhia ,
Japonez de Naçao , o Padre fe retirou para
Ozaca , onde efteve oito dias efperando oc-
cafiao para embarcar . Nao fe póde exprimir
a defconfolação , que opprimio os Chri-
ftaos , quando virao , que o P. Valignano ſe
retirava, fem ter alcançado o que defejavao,
que era o exercicio livre da Religiaō ; mas
para lhes fuavizar a pena deixou o P. Or-
gantino com outro Religiofo , que lhes di- 1
zia Miffa , e adminiftrava os Sacramentos .
Chega a Fi- Embarcou finalmente em Ozaca , e
rando, e vifi- chegou a Firando , onde vifitou a Princeza
za ,a filh
ta a do Mexia , filha do Rey D. Bartholomeu , que
Prince
Rey D Bar- eftava calada com o filho do Rey de Firan-
holomey.
do , para terminar as difcordias , que ha-
via entre elles ; com a condiçao porêm de a
deixar viver na Religiao Chriſta : tinha fó
dezenove annos de idade ; e nao obftante as
promellas , que lhe haviao feito , o Rey feu
fogro , que em todo o tempo era inimigo
dos Chrittaós , fez toda a 冤 diligencia para a
fazer idólatra ; mas nao pode confeguir a
vitoria daquelle animo firme , que eftava vi-
gilante fempre a reparar os infernies golpes
no efcudo da fua conftancia . Vivia porê n def-
confoladiffima , porque havia quatro annos
que não ouvia Miffa , nem tinha vito Reli-
giofo algum , e fó fe alentava comunicando
por
do Japao. Liv. IX. 445
por carta com os Padres , que affiftiao em
Omura: com tudo era tao fabia , fervorofa,
e intelligente, que ganhou a vontade do Prin-
cipe feu efpofo , o qual fó efperava a mor-
te de feu pay para fe fazer Chriſtao ; mas
nao pudérao fer eftas negociações tao fecré-
tas, que nao chegaffem aos ouvidos do Rey,
que fe enfureceo notavelmente , vendo que
huma Senhora de dezenove annos eftava com
o projecto de fazer todo feu Reyno Chri-
-
ftao , quando elle de fetenta annos nao ti-
nha conseguido com todo o esforço defter-
rar aquella Religiaõ das fuas terras .
Quando ella foube , que o P. Vali-
gnano eftava em Firando , pedio ao Principe
feu efpofo licença para o ver , e tratar com
elle os negocios de fua conciencia. O Prin-
cipe lha concedeo , fe feu pay nao o impu-
gnaffe ; e era incrivel, que elle o confentif-
fe , fuppofto o ódio , que tinha aos Chri-
ftaos mas ella foube diſpor tao bem o ne-
gocio , que obteve a licença , ainda que com
.
condiçao , que o Padre a vifitaffe em palacio,
onde foy recebido á primeira porta da fala
11 grande do Rey, e do Principe , e conduzido
1 a hum Oratorio , em que a Princeza o eſpe-
rava. Logo que o vio, fe proftrou aos feus
pés , rendendo a Deos Noffo Senhor as gra-
ças com o rofte banhado em lagrimas pelo
favor , que lhe tinha feito de lhe mandar

hum Sacerdote , que a inftruîffe , e confolaf-


fe : confeflou- fe geralmente , e fez huma fo-
lene proteftaçao, que fofreria antes mil mor-
1 tes,
446 Hiftoria da Igreja .
tes , que largar a Fé. Sou ( diffe ) obrigada
a viver, e morrer Chriftă , e nao me eſque-
ce o que meu pay me recomendou pouco an-
tes de morrer, que antes perdele a vida, que
deixaffe a Fé, pois elle conftrangido da violen-
cia , com que o apertavao varias dependen-
cias , fe refolveo defpozar- me com hum Prin-
cipe idolatra na certeza , de que Deos me
ajudaria a facrificar a Coroa para fuften-
tar a Fé. Pronunciando eftas palavras , le des-
fazia em lagrimas ; e o Padre a animou mui-
to a confervar com toda a attençao eſta he-
rança preciofa de feu pay : até que acabada
a vifita , pedindo-lhe licença para ſe retirar,
toy para Nangazaqui .
D. Protafio Quando chegou a efta terra , foube,
Rey de Ari- que tinha vindo de Meaco muito enfermo
ma recebe os o Rey de Arima ; e hindo logo vifitálo , lhe
prefentes do
S. Padre. deo parte dos prefentes , que lhe enviava
S.
Santidade , os quaes haviao trazido de Ro-
ma os Embáxadores. Tanto que convaleceo ,
quiz recebêlos com toda a folenidade , con-
vidando a todos feus vaffallos para efta ce-
remonia ; mas o Padre Valignano foy de pa-
recer, que fe fizéffe efta acção com modera-
da pompa , por evitar a fereza de Caniba-
cundono , e fó affitiffem os Grandes da Cor-
te na Igreja. O Rey fe acomodou com efte ar-
bitrio , e logo na manhã feguinte , acompa-
nhado de feus dous irmaos , dos quatro Se-
n'hores Japonezes, e de alguns parentes, foy
pari a Igreji , na qual o P. Valignano diffe
a Milla , affitidɔ de Diácono , e Subdiácono ;
fendo
do Japao. Liv. X. 447
fendo cantada a dous córos com toda a fo-
lenidade pela nobreza , que affiftia no Semi-
nario . Prégou hum Padre fobre o motivo da
Embáxada , referindo com individuação as
honras , que recebêrao dos Principes da Eu-
ropa os quatro Embáxadores , e em Roma
do Summo Pontifice ; os prefentes , que elle
mandava aos Reys do Japao ; exaltando ef-
pecialmente o apreço , que fe devia fazer do
Lenho da véra Cruz ; declarando era huma
joya de tao ineftimavel valor , que o Santif-
fimo Padre nao a dava , fenaó a Principes
grandes , que determinavao fuftentar , e de-
fender a Ley do verdadeiro Deos até perder
a vida . Acabada a Miffa , o P. Valignano def-
pio a Cafúla , e tomou huma rica capa de
afperges, das que o Padre Santo mandou ao
Japao , e le fentou diante do altar mór : lo-
go D. Miguel, acompanhado dos outros tres
Senhores, tirou hum Breve de S. Santidade ,
fechado em huma bolla ricamente lavrada ,
e coberta de hum véo de grande valor , e
o apresentou a D. Protafio , que o recebeo
de joelhos , e depois o poz fobre a fua ca-
beça em final de reverencia ao uso do Japao .
Pedio a hum Padre , que allî eftava , o lefle
em voz alta nos dous idiomas Latino , e Ja-
ponez , para que pudéffe fer ouvido , e en-
tendido de todos os affiftentes .

Ifto feito , chegárao os quatro Em-


báxadores ao P. Valignano : D. Manfio tinha
na mao o chapéo , D. Miguel a espada , D.
Martinho a baînha , e D. Julio o Breve do
Papa ;
448 Hiftoria da Igreja
Papa ; porque o Santo Lenho le poz no al
tar antes de começar a Miffa . Eftando affim
a função difpofta , D.Protafio , que havia el-
tado todo efte tempo em huma Capella , che-
gou ao altar mór , e ajoelhou diante do P.
Valignano , o qual eftando em pé diffe as
orações prefcritas no Ritual Romano para
femelhantes ceremonias .
E tomando o Santo Lenho , que ef-
tava em hum preciofo relicário de ouro , o
qual tinha por remate hum Crucifixo bel-
lamente lavrado com huma cadeira grande
de ouro , e bem feita , moftrou a Santa Re-
liquia , levantando-a em proporçaó , què pu-
défle fer vifta de todos ; e proftrado por ter-
ra D. Protafio , lha poz o Padre fobre a ca-
beça , e depois lha lançou ao pescoço , di-
zendo : Accipe Lignum Sancte Crucis , &c.
Tomou a efpada da mao a D. Miguel , e a
deo ao Rey, dizendo : Accipe gladium, &c.
poz-lhe o chapéo na cabeça com eftas pala-
vras : Accipe pileum, & c. e recebendo depois
D.Protafio a benção do Padre, fez huma pro-
funda reverencia ao ufo do Japao , e le re-
tirou ao feu lugar.
. Efta ceremonia fez tanta impreffao
nos animos dos affiflentes , que todos a ex-
plicárao pelos ólhos com muitas lagrimas.
O Padre le recolheo á Sacriftîa , e os quatro

Senhores Japonezes forao beijar a mão ao


Rey , dando- lhe os parabens de ter alcança-
do aquella felicidade : a qual elle agradeceo
de lha adquirirem pelos trabalhos , e perigos,
a que
do Japaỡ. Liv. X. 449
a que fe tinhao expofto , tratando -os com
Regia magnificencia. Paffado efte dia , foy
o Padre vifitar a D. Sancho Rey de Omura
e a D. Conſtantino Rey de Bungo , dando-
lhes os prefentes do Papa com a mesma fo-
lenidade , e dallî foy vifitar o Collegio de
Cancuza , onde eftavao quarenta Religiofos
da Companhia promptos a facrificar a vida
pela Fé. Teve grande contentamento de fe
ver entre tao grande numero de Irmaos feus
na extremidade do Mundo , e a todos exhor-
tou á conftancia , e valor para defprezar os
goſtos momentaneos , e terrenos , trocando os
pelos Celeſtiaes , e eternos.
Eftando pois os Chriſtaos na efperan- Nova perfe-
ça de fe poder reftabelecer a Igreja , fobre- guiçao exci-
tada cont ra
veyo huma nova tempeftade , que os apar- os Chriſtaōs.
tou muito do porto , a que lhes parecia ti-
nhao chegado. Já diffémos , que o Impera-
dor tirára a Cidade de Nangazaqui a D. Pro-
tafio Rey de Arima , e lhe puzéra dous Go-
vernadores idólatras ; huin chamado Ivonoca-
mi , e outro Ganconocami : porêm erao de
tao raras condições , que nao faziaŎ infulto
algum aos Chriftaos ; antes ordenáraó a to-
dos os officiaes do feu governo obedeceſſem
ao P. Valignano, e lhe fizeffem todas as hon-
ras poffiveis, fervindo-o na fua viagem para
a Corte. Vendo porêm que fe nao tinha valido
delles para a Embáxada , conceberao tal ira,
que determináraō deftruilo, e a todos os Chri-
ftaos ; nas fabendo efta refolução o P. Or-
gantino , lhes reprefentou por alguns Senho
Tom . II . Ff res .
450 Hiſtoria da Igreja
res de refpeito , que o P. Valignano como
nao os achára em Meaco , fe vira preciſado
valer fe de outro Senhor da Corte ; porque
a brevidade do tempo lhe naõ déra lugar
para os avifar. Nao baſtou porêm efta fatisfa-
çao para lhes aplacar a irà , e voltados para
Jacuino, de quem temos dito era o mayor ini-
migo , que tinhao os Chriſtaōs , lhe pedirao
fizélle faber ao Imperador, que os Padres fe
demoravao no Japao contra as fuas ordens ;
faziaó profiffao publica da fua Religiao, e ba-
ptizavao muita gente, nao obftante a fua pro-
hibição : Que a Embáxada fora deftreza para
ficarem noJapao , e que determinavao efta-
belecer-fe a todo rifco. O Imperador , que

fe guiava pelo impulfo das fuas paixões ,


tendo efta noticia , entrou em tal cólera
que ameaçou de morte os Padres , e todos
os Chriſtaos de Ximo . Mandou logo Cómif-
farios a todos os lugares para le informar
da verdade ; e achando , que os Padres ti-
nhao mudado de habito , vivendo como ba-
nidos , e que as Igrejas eftavao fechadas , e
nao fe fazia exercicio algum publico , mo-
derou o fentimento , e por confeguinte fup-
primio a crueldade , que tinha determinado
executar.

No principio do anno de 1592 fo-


rao os Reys de Arima , e de Omura corte-
jar o Imperador , e offerecer os feus prefen-
tes : quando voltárao para os feus Reynos ,
foy o P. Valignano vifitálos ; e como defe-
java , que os emulos da Religiaõ naõ tivéf-
fem
do Japao. Liv. X. 451
fem fundamento nas accufações , que delles
podiao fazer a Cambacundono , lhes difle ,
que vendo os imminentes perigos , a que
expunhao as fuas Reaes peffoas , e Eſtados ,
recolhendo nelles os Padres , eſtava na re-
folução de os conduzir a huma Ilha deferta,
na qual efperaffem antes a morte , do que
Occafionar a Suas Mageftades , e aos feus vaf-
falos algum infaufto fucceffo. Os dous Reys
The refpondêrao , que nao haviaó de confen-
tir naquella refoluçao ; e mais fuave lhes fe-
ria perder as Coroas, que privar- ſe da confo-
laçao, que tinhan de comunicar com aquelles,
que depois de Deos forao os Authores da
fua fal vaçao. Vendo o Padre eſta conſtancia,
difpoz de tal maneira as couzas , que o Im-
perador ſe nao offendeffe do feu procedi-
mento ; e affim transferio o Collegio, o No-
viciado , e o Seminario para alguns lugares
mais diftantes do comercio humano , orde-
nando aos Padres fe houvéffem naquelle tem-
po adverfo com muita prudencia , eftando
fempre preparados para o martyrio , que era
o fim mais gloriofo , a que podiao aſpirar.
O primeiro , que Deos levou para fi
Morte do Ir.
no principio defte anno , foy o Irmao Lou- mao Louren
renço Japonez , a quem baptizou S. Francif- ço Japonez.
co Xavier na Cidade de Amanguche , e tam-
bem o primeiro da Naçao Japoneza , que en-
trou na Companhia de JESUS . Viveo mais
de trinta annos nella , e morreo de feffenta
e cinco de idade. Deos Senhor Noffo , que
elége , os que no Mundo fao mais abatidos
Ff 2 para
442 Hiftoria da Igreja
nando , que o P. Rodrigues ficafle em Mea-
co , para o informar de tudo , o que fobre-
viéffe. Ifto era o melmo , que desejava o P.
Valignano , mas nao fe atrevia a pedilo ; e
ficando com hum Religiofo da Companhia ,
Japonez de Naçao , o Padre fe retirou para
Ozaca , onde efteve oito dias efperando oc-
cafiao para embarcar. Nao fe póde exprimir
a defconfolaçao , que opprimio os Chri-
ftaos , quando virao , que o P. Valignano fe
retirava, fem ter alcançado o que deſejavao,
que era o exercicio livre da Religiaō ; mas
para lhes fuavizar a pena deixou o P. Or-
gantino com outro Religiofo , que lhes di-
zia Milla , e adminiftrava os Sacramentos .
Chega a Fi- Embarcou finalmente em Ozaca , e
zando, e vifi- chegou a Firando , onde vifitou a Princeza
za , filha do Mexia , filha do Rey D. Bartholomeu , que
Rey D Bar- eftava calada com o filho do Rey de Firan-
holomey.
do , para terminar as difcordias , que ha-
via entre elles ; com a condiçao porêm de a
deixar viver na Religiao Chriſta : tinha fó
dezenove annos de idade ; e nao obftante as
promellas , que lhe haviao feito , o Rey feu
fogro , que em todo o tempo era inimigo
dos Chritaós , fez toda a diligencia para a
fazer idólatra ; mas nao pode confegnir a
vitoria daquelle animo firme , que eftava vi-
gilante fempre a reparar os infernaes golpes
no efcudo da fua conftancia. Vivia porê n def-
confoladiffima , porque havia quatro annos ,
que nao ouvia Miffa , nem tinha vito Reli-
giofo algum , e fó fe alentava comunicando
por
do Japao. Liv. IX. 445

por carta com os Padres , que affiftiao em


Omura : com tudo era tao fabia , fervorofa,
e intelligente, que ganhou a vontade do Prin-
cipe feu efpofo , o qual fó efperava a mor-
te de feu pay para fe fazer Chriſtaō ; mas
nao pudérao fer eftas negociações tao fecré-
tas, que nao chegaffem aos ouvidos do Rey,
que fe enfureceo notavelmente , vendo que
huma Senhora de dezenove annos estava com

o projecto de fazer todo feu Reyno Chri-


ftao , quando elle de fetenta annos nao ti-
nha confeguido com todo o esforço defter-
rar aquella Religiaõ das fuas terras.
Quando ella foube , que o P. Vali-
gnano eftava em Firando , pedio ao Principe
feu efpofo licença para o ver , e tratar com
elle os negocios de fua conciencia. O Prin-
cipe_lha concedeo , fe feu pay nao o impu-
gnaffe ; e era incrivel, que elle o confentif
fe , fuppofto o ódio , que tinha aos Chri-
ftaos mas ella foube difpor tao bem o ne-
gocio , que obteve a licença , ainda que com
.
condiçao, que o Padre a vifitaffe em palacio,
onde foy recebido á primeira porta da fala
grande do Rey, e do Principe , e conduzido
a hum Oratorio , em que a Princeza o eſpe-
rava. Logo que o vio, fe proftrou aos feus
pés , rendendo a Deos Noffo Senhor as gra-
ças com o rofto banhado em lagrimas pelo
1 favor , que lhe tinha feito de lhe mandar
hum Sacerdote , que a inftruiffe , e confolat-
fe : confeflou- fe geralmente , e fez huma fo-
lene proteftaçao, que fofreria antes mil mor-
1
tes,
446 Hiftoria da Igreja .
tes , que largar a Fé. Sou ( diffe ) obrigada
a viver, e morrer Chriftă , e nao me eſque-
ce o que meu pay me recomendou pouco an-
tes de morrer, que antes perdele a vida, que
deixaffe a Fé, pois elle conftrangido da violen-
cia , com que o apertavao varias dependen-
cias , fe refolveo defpozar- me com hum Prin-
cipe idolatra na certeza , de que Deos me
ajudaria a facrificar a Coroa para fuften-
tar a Fé. Pronunciando eftas palavras , le des-
fazia em lagrimas ; e o Padre a animou mui-
to a confervar com toda a attençao eſta he-
rança preciofa de feu pay : até que acabada
a vifita , pedindo -lhe licença para fe retirar ,
toy para Nangazaqui .
D. Protafio Quando chegou a efta terra , foube,
Rey de Ari que tinha vindo de Meaco muito enfermo
ma recebe os o Rey de Arima ; e hindo logo vifitálo , lhe
prefentes do
S. Padre. deo parte dos prefentes , que lhe enviava S.
Santidade , os quaes haviao trazido de Ro-
ma os Embáxadores . Tanto que convaleceo ,
quiz recebêlos com toda a folenidade , con-
vidando a todos feus vaffallos para efta ce-
remonia ; mas o Padre Valignano foy de pa-
recer, que fe fizélle eſta acção com modera-
da pompa , por evitar a fereza de Caniba-
cundono , e fó affitiffem os Grandes da Cor-
te na Igreja. O Rey fe acomodou com efte ar-
bitrio , e logo na minha feguinte , acompa-
nhado de feus dous irmaos , dos quatro Se-
nhores Japonezes , e de alguns parentes , foy
pari a Igreji , na qual o P. Valignano diffe
a Mila , affitido de Diácono , e Subdiácono ;
fendo
do Japao. Liv. X, 447
fendo cantada a dous córos com toda a fo-

lenidade pela nobreza , que affiftia no Semi-


nario . Prégou hum Padre fobre o motivo da
Embáxada , referindo com individuaçao as
honras , que recebêraõ dos Principes da Eu-
ropa os quatro Embáxadores , e em Roma
do Summo Pontifice ; os prefentes , que elle
mandava aos Reys do Japao ; exaltando ef-
pecialmente o apreço , que fe devia fazer do
Lenho da véra Cruz ; declarando era huma
joya de tao ineftimavel valor , que o Santif-
fimo Padre nao a dava , fenao a Principes
grandes , que determinavao fuftentar , e de-
fender a Ley do verdadeiro Deos até perder
a vida. Acabada a Miffa, o P. Valignano def-
pio a Cafúla , e tomou huma rica capa de
afperges, das que o Padre Santo mandou ao
Japao , e le fentou diante do altar mór lo-
go D. Miguel, acompanhado dos outros tres
Senhores, tirou hum Breve de S. Santidade ,
fechado em huma bolía ricamente lavrada ,
e coberta de hum véo de grande valor , e
o apresentou a D. Protafio , que o recebeo
de joelhos , e depois o poz fobre a fua ca-
beça em final de reverencia ao uso do Japao.
Pedio a hum Padre , que allî eftava , o lefle
em voz alta nos dous idiomas Latino , e Ja-
ponez , para que pudéffe fer ouvido , e en-
tendido de todos os affiftentes.
Ifto feito , chegáraó os quatro Em-
báxadores ao P. Valignano : D. Manfio tinha
na mao o chapéo , D. Miguel a eſpada , D.
Martinho a baînha , e D.Julio o Breve do
Papa ;
a
448 Hiftori da Igreja
Papa ; porque o Santo Lenho le poz no al-
tar antes de começar a Mifla. Eftando aflim
a função difpofta , D.Protafio , que havia el-
tado todo elte tempo em huma Capella, che-
gou ao altar mór , e ajoelhou diante do P.
Valignano , o qual eftando em pé diffe as
orações prefcritas no Ritual Romano para
femelhantes ceremonias .
E tomando o Santo Lenho , que ef-
tava em hum preciofo relicário de ouro , o
qual tinha por remate hum Crucifixo bel-
lamente lavrado com huma cadeira grande
de ouro , e bem feita , moftrou a Santa Re-

liquia , levantando-a em proporçao , què pu-


délle fer vifta de todos ; e proftrado por ter-
ra D. Protafio , lha poz o Padre fobre a ca-
beça , e depois lha lançou ao pescoço , di-
zendo : Accipe Lignum Sancte Crucis , &c.
Tomou a efpada da mao a D. Miguel , e a
deo ao Rey, dizendo : Accipe gladium, &c.
poz-lhe o chapéo na cabeça com eftas pala-
vras: Accipe pileum, & c. e recebendo depois
D.Protafio a benção do Padre , fez huma pro-
funda reverencia ao ufo do Japao , e le re-
tirou ao feu lugar . .. :)
Efta ceremonia fez tanta impreffao

nos animos dos affiffentes , que todos a ex-


plicárao pelos ólhos com muitas lagrimas.
O Padre le recolheo á Sacriftîa , e os quatro

Senhores Japonezes forao beijar a mao ao


Rey , dando- lhe os parabens de ter alcança-
do aquella felicidade : a qual elle agradeceo
de lha adquirirem pelos trabalhos , e perigos ,
a que

I
do Japao. Liv. X. 449-
a que fe tinhao expofto , tratando-os com
Regia magnificencia. Paffado efte dia , foy
o Padre vifitar a D. Sancho Rey de Omura ,
e a D. Conſtantino Rey de Bungo , dando-
lhes os prefentes do Papa com a mesma fo-
lenidade , e dallî foy vifitar o Collegio de
Cancuza , onde eftavao quarenta Religiofos
da Companhia promptos a facrificar a vida
pela Fé. Teve grande contentamento de fe
ver entre tao grande numero de Irmaos feus
na extremidade do Mundo , e a todos exhor-
tou á conſtancia , e valor para defprezar os
goſtos momentaneos , e terrenos , trocando os
pelos Celeſtiaes , e eternos .
Eftando pois os Chriftaós na efperan- Nova perfe
ça de fe poder reftabelecer a Igreja , fobre- guiçao
tada con
exci-
tra
veyo huma nova tempeftade , que os apar- os Chriftaós.
tou muito do porto , a que lhes parecia ti-
nhao chegado . Já diffémos , que o Impera-
dor tirára a Cidade de Nangazaqui a D. Pro-
tafio Rey de Arima , e lhe puzéra dous Go-
vernadores idólatras ; huin chamado Ivonoca-
mi , e outro Ganconocami : porêm erao de
tao raras condições , que nao faziaó infulto
algum aos Chriftaos ; antes ordenáraó a to-
dos os officiaes do feu governo obedeceſſem
ao P. Valignano , e lhe fizeffem todas as hon-
ras poffiveis, fervindo-o na fua viagem para
a Corte. Vendo porêm que ſe nao tinha valido
delles para a Embáxada , conceberaō tal ira ,
que determináraõ deftruîlo , e a todos os Chri-
ftaos ; nas fabendo efta refoluçao o P. Or-
gantino , lhes reprefentou por alguns Senho
Tom. II. Ff res
450 Hiftoria da Igreja 1

res de refpeito , que o P. Valignano como


nao os achára em Meaco , fe vira precifado
valer fe de outro Senhor da Corte ; porque
a brevidade do tempo lhe nao déra lugar
para os avifar. Nao baſtou porêm efta fatisfa-
çao para lhes aplacar a ira , e voltados para
Jacuino, de quem temos dito era o mayor ini-
migo , que tinhao os Chriftaos , lhe pedirao
fizelle faber ao Imperador, que os Padres fe
demoravao no Japão contra as fuas ordens ;
faziao profiffao publica da fua Religiao, e ba-
ptizavao muita gente, nao obftante a fua pro-
hibição : Que a Embáxada fora deftreza para
ficarem no Japao , e que determinavao efta-
belecer-fe a todo rifco. O Imperador , que
fe guiava pelo impulfo das fuas paixões ,
tendo efta noticia , entrou em tal cólera
que ameaçou de morte os Padres , e todos
os Chriſtaos de Ximo . Mandou logo Cómif-
farios a todos os lugares para te informar
da verdade ; e achando , que os Padres ti-
nhao mudado de habito , vivendo como ba-
nidos , e que as Igrejas eftavao fechadas , e
nao fe fazia exercicio algum publico , mo-
derou o fentimento , e por confeguinte fup-
primio a crueldade , que tinha determinado
executar.

No principio do anno de 1592 fo-


rao os Reys de Arima , e de Omura corte-
jar o Imperador , e offerecer os feus preſen-
tes : quando voltárao para os feus Reynos,
foy o P. Valignano vifitálos ; e como defe-
java , que os emulos da Religiaõ nao tivéf-
fem
do Japao. Liv. X. 451
fem fundamento nas accufações , que delles
podiao fazer a Cambacundono , lhes difle ,
que vendo os imminentes perigos , a que
expunhao as fuas Reaes peffoas , e Estados ,
recolhendo nelles os Padres , eſtava na re-
foluçao de os conduzir a huma Ilha deferta,
na qual efperaffem antes a morte , do que
Occafionar a Suas Mageftades , e aos feus vaf-
falos algum infaufto fucceffo. Os dous Reys
The refpondêrao , que nao haviaó de confen-
tir naquella refoluçao ; e mais fuave lhes fe-
ria perder as Coroas, que privar- ſe da confo-
laçao, que tinhao de comunicar com aquelles,
que depois de Deos forao os Authores da
fua falvaçao. Vendo o Padre eſta conftancia ,
difpoz de tal maneira as couzas , que o Im-
perador ſe nao offendeffe do feu procedi-
mento; e affim transferio o Collegio , o No-
viciado , e o Seminario para alguns lugares
mais diftantes do comercio humano , orde-
nando aos Padres fe houvéffem naquelle tem-
po adverfo com muita prudencia , eftando
fempre preparados para o martyrio, que era
o fim mais gloriofo , a que podiao aſpirar.
O primeiro , que Deos levou para fi Morte do Ir.
no principio defte anno , foy o Irmao Lou- mao Louren-
renço Japonez , a quem baptizou S. Francif. ço Japoncz,
co Xavier na Cidade de Amanguche , e tam-
bem o primeiro da Naçao Japoneza , que en-
trou na Companhia de JESUS. Viveo mais
de trinta annos nella , e morreo de feffenta
e cinco de idade. Deos Senhor Noffo , que
elége , os que no Mundo fao mais abatidos
Ff 2 para
452 Hiſtoria da Igreja
para confundir os poderofos, e foberbos , fe
fervio defte pobre Religiofo para converter
os Senhores da mais qualificada grandeza da-
quelle paîz ; porque á fua diligencia fe de-
via a redução de D. Agostinho , e de feu pay
D. Rodrigo , a de D. Jufto Ucondono , e de
Dario feu pay ) , álem de outros muitos Se-
nhores, e Capitães, que forao depois as co-
lúnas da Fé naquelle vafto Imperio , fem con-
tribuir para efta óbra mais letras , e estudos,
que a fanta oraçao , e penitencias . O P.Va-
lignano achando em Meaco efte Religiofo
confumido de forças em idade tao avançada,
quiz conduzilo ao Ximo para o reſtabelecer
com melhores alimentos , ajudando para if-
fo o ár, que he mais falutifero ; porêm Deos
que queria premiar as virtudes do feu Servo,
permittio , que morreffe na viagem com per-
feita refignaçao na Divina vontade , fortale-
cido com todos os Sacramentos da Igreja.
Os quatro Efta perda foy logo fuperabundan-
Embaxadores temente recompenfada com a entrada de qua-
entrao na Re-
ligiao daCo. tro peffoas de caracter , e merecimento ex-
panhia. traordinario na Companhia de JESUS . EL
tes forao os quatro Senhores Japonezes , que
viéraó de Roma. Tinhao tomado efta refo-

luçao antes de voltar ao Japao ; mas nao qui-


zéraó comunicar efte feu projecto a ninguem
fem terminarem a Embáxada , e haver exe-
cutado as ordens de S. Santidade na entrega
dos prefentes , que elle mandava aos Reys
de Arima , Bungo , e Omura. Agora, acaba-
da já a fua cómiffao , forao vifitar o P. Va-
lignano
do Japão. Liv. X. 453
lignano , e lhe pedirao com muita instancia
quizélle recebêlos na Companhia de JESUS.
O Padre ficou taō ſurprendido da admiraçao ,
que uao podia articular palavra , nao faben-
do determinar fe , qual era o mayor prodi-
gio , fe a providencia de Deos , que em tem-
po tao calamitofo fubminiftrava (aquelle gof-
to á fua Igreja ; fe a força dos feus auxilios ,
que davao valor áquelles Principes para abra-
çarem huma Fé , e Religiao , que viaō tao
perfeguida : emfim depois de dar largo tem-
po a defafogar em lagrimas o alvoroço da-
quella ventura, abraçou os pertendentes, lou-
vando a fua refolução ; e pedindo- lhes algu-
ma demóra para encomendar a Deos tao im-
portante negocio , accrefcentou , que fe per-
fiftiflem na fua refoluçao , a comunícaffem aos
feus parentes , e amigos , para que com ap-
provaçao fua foffe mais compléto o goſto.
Obedecêraō elles pontualmente , como quem
já estava na firme refoluçao de fe nao apar-
tar daquelles preceitos ; porêm D. Manfio
teve muito , que vencer na contradiçao de
fua máy , que tinha vindo do Reyno de Fin-
go , que he fituado na Ilha de Amacufa , fó
para o ver ; mas quando foube a fua inten-
çao , teve tal paixão, que fe poz em perigo
de perder a vida ; fendo tao copiofas as la-
grimas , fufpiros , e foluços , que le lhe nao
percebia palavra. Nao foy porêm bastante
efte exceffo para eftorvar a refoluçao do fi-
lho ; porque a graça venceo a natureza. D.
Manfio accrefcentou tao fórtes , e efficazes
Tom. II. Ff 3 razões,
454 Hiftoria da Igreja
razões , que ella fe determinou a dar- lhe gra-
ta licença ; e o que he mais para admirar ,
foy , que attrahio com efte exemplo a feu
irmao mais moço chamado Jufto , o qual na
idade de dezoito annos renunciou o Mundo,
e entrou na meſma Companhia depois de oi-
to mezes da entrada do irmao. O P. Valigna-
no havendo bem examinado a vocaçao dos qua-
tro Senhores , julgando eftavao determinados
a deixar o Mundo, os recebeo no Noviciado
de Amacufa dia de Santiago Apoftolo no an-
no de 1592.
Repofta de Nefte meſmo anno o navio Portuguez ,
Cambacun
dono ao Vi- que havia conduzir o P. Valignano á India ,
ce Rcy.
chegou da China ao porto de Nangazaqui . O
Imperador querendo refponder ao Vice- Rey
fobre o motivo da fua Embáxada , que alguns
efpiritos malévolos procuravao fazer fufpei-
tofa , mandou efcrever huma Carta foberba
e arrogante , accufando nella os Padres de
perturbadores do Imperio , porque faziaō
guerra aos Deofes do Japao , e deftruiao os
templos de Cami , e de Fotoqui : mas o P.
Organtino , que andava frequentemente de
Sacay para Meaco , entendendo o que conti-
nha a Carta , alcançou huma cópia , e a re-
metteo ao P. Valignano . Efte Padre lhe ref-
pondeo logo , que procuraffe pelos meyos ,
que foffem poffiveis, fe mudaffe o feu contex-
to ; e quando nao tivéffe effeito a fua dili-
gencia , mandaffe dizer ao Imperador pelo P.
Rodrigues feu Interprete , que aquella Car-
ta , fendo injuriofa ao Vice-Rey , e ao feu
Embáxa-
do Japao. Liv. X. 455
Embáxador, eftava refoluto em nao a aceitar
aflim. Efta declaração feita a hum Imperador
tao altivo, e foberbo , como Cambacundono ,
podia produzir peffimos effeitos : mas Deos
Noflo Senhor permittio , que foffe pelo con-
trario , mudando totalmente o negocio de
femblante, como fe nao havia cuidado ; por-
que o P. Organtino comunicando a fua af-
fliçao a Guenifoino Governador de Meaco ,
efte Senhor , ainda que Gentio , lhe promet-
teo fazer expedir Cartas mais favoráveis ,
e affim o confeguio da maneira feguinte.
O Imperador perguntou ao dito Gue- A Embaxada
the he fufpei-
nifoino na prefença de D. Simao Condera , e tola.
de outros Senhores mais feus familiares , le
as óbras , que havia ordenado le fizéffem
para o Vice- Rey da India , eſtavao acabadas ?
O Governador lhe refpondeo , que tudo ef
tava prompto , e nao faltava mais , que en-
tregálás ao Embáxador . Receyo ( diffe Cam-
bacundono ) que efta Embaxada fejafingida ,
e que eftes Europeos zombem de mim , para
Se aproveitarem dos prefentes, que eu mando
ao Vice Rey. A eftas palavras lhe refpondeo
D. Simao Senhor , ainda que affim fole , o
que eu nao Supponho , V. Mageftade nao
perdia nada ; porque o que recebeo do Vi
ce- Rey, val pouco menos , do que lhe manda.

He verdade. ( refpondeo o Imperador ) E


Guenifoino tomando a palavra , diffe : V.Ma-
geftade pode certificar-fe ; porque aqui está o
Interprete do Embaxador , e alguns mercado
res Japonezes , que vierao com elle , e com
1 Ff 4 muita
F
456 Hiftoria da Igreja
muita facilidade defcobrirao toda a verdade
defte cafo. E parecendo bem ao Imperador
ette arbitrio , diffe : Pois venhaỡ à minha

prefença. Em quanto fe hiao bufcar , julgou


era melhor fe examinaffem por peffoas ar-
dilofas , antes que viéffem . Deo efta cómif-
fao ao meſmo Governador, e a outro Senhor
Gentio , os quaes a fatisfizéraó com toda a
diligencia ; e o P. Rodrigues lhes moftrou
com provas tao evidentes nao era aquella
Embáxada fingida , que ficáraó fatisfeitos.
Porque lhes reprefentou , que o Embáxador
tinba vindo acompanhado de grande nume-
ro de Japões , e muitos nobres , os quaes po-
diao teftificar a verdade do facto : que paf-
fára por vários Reynos , e fe demorára tan-
to tempo na China efperando as ordens do
Imperador ; que fe não podia duvidar do
que fegurava , fendo tao facil obfervar , que
Os cavallos , que trouxéra , e os mais prefen-
tes , nao podiaõ vir fenao da India : e ifto
mefmo podiao verificar os quatro Senhores
Japonezes vindos da Europa , que fe embar-
cáraó com elle em Goa ; porque fendo pef-
foas tao qualificadas, nao erao capazes de en-
gano , principalmente em materia , que per-
tencia ao feu Principe . Que podia fer tam-
bem perguntados os Portuguezes , que o ha-
viao acompanhado , e os de hum navio ,
que proximamente chegára ao Japao , os
quaes affirmariao, que a peffoa do Vice-Rey
era tao refpeitada na India , que fe alguem
foffe tao temerario , que oufaffe valer - ie do
feu
do Japao. Liv. X. 457

feu nome para algum fingimento , feria con-


denado a tao rigorofo caftigo , que pudéffe
fer exemplo , para que ninguem intentaffe
outra vez femelhante atrevimento.
Voltou o Governador com esta re-

pofta ao Imperador , o qual nao fatisfeito


fem ouvir elle mefmo ao P. Rodrigues , man-
dou que viéffe perante fi ; e hindo logo o
Padre , acompanhado de dous Portuguezes ,
fem perturbaçao alguma repetio tudo, o que
havia dito ao Governador ; accrefcentando :
Que nao era verofimel , que o Embáxador
feu Amo , fendo hum Religiofo, que profef-
lava Pobreza , pudéffe trazer prefentes de
tao grande valor que elle nao era homem
capaz de enganar a ninguem ; principalmen-
te aos Reys do Oriente , e muito menos ao
Imperador do Japao , cujo poder , e Sobera-
nîa le fazia refpeitar , ainda nas partes
mais remotas mas fe todas eftas juftificadas
provas nao fatisfaziaó á fua duvida , podia
deixar dez , ou doze peffoas da comitiva do
meſmo Embáxador em refens , até que o Vi-
ce- Rey certificaffe a S. Mageftade , de que
eftava entregue da Carta , e dos prefentes ,
que the enviava.
O Imperador moftrou eftar fatisfeito Segura- fe o
com eftas razões ; confeffando , que tanta ha- Imperador
com esta juf-
via fido a fua defconfiança , quanto era ago tificação.
ra o conhecimento, de que tambem os Padres
nao tinhaō comettido crime algum , e a cau-
fa do feu defterro havia fido o zelo indifcré-

to de alguns Senhores Japonezes, que queriaó


obrigar
a
458 Hiftori da Igreja .
obrigar a todos feus vaffallos a abraçar a ſua
Religiao. ( Tacitamente queria dizer D. Juf
to Ucondono. ) Perguntou depois ao P. Ro-
drigues , fe todos os póvos da India eraõ
Chriftaos? O Padre lhe refpondeo , que a In-
dia era muy vafta , dividida em muitos Rey-
nos , e por confeguinte habitada de Nações
com coftumes , e religiões diverfas ; porque
era livre a cada hum fer Chriſtao , ou ſeguir
as fuas feitas porêm os Padres tinhao liber-
dade de prégar a Ley do verdadeiro Deos .
O mesmo ( diffe o Imperador ) fe ufa noJa-
pao ; porque be livre a cada bum feguir a
Ley, que lhe agrada : mas como be dedica-
do o Reyno a Cami , e Fotoqui , naõ fe póde
Sofrer a Ley Chrifta , que nao he boa para
nos , como he para os da India. Mas para
que o Vice- Rey ( accrefcentou ) elegéo para
Embaxador bum Religiofo daquelles , que
eu exterminey das minhas terras ? O P.Ro-
drigues_refpondeo : Porque havendo affifti-
do no Japão em tempo de Nobunanga feu
Predeceffor , e no mesmo voltára á India ,
fuppunha achar a meſma aceitação , que an-
tes lograva ; e pariffo o Vice- Rey o elegê-
ra para aquella Embáxada , preferindo -o a
outra qualquer peffoa , que não tivéffe noti-
cia do paîz ; porque na India fe ignorava ,
que os Padres eſtavao cahidos da fua graça .
Cambacundono muito fatisfeito def-

ta declaração , mandou , que lhe trouxéffem


os prefentes , que mandára fabricar para of-
ferecer ao Vice- Rey. Confiftiao eftes em va-
riedade
do Japão. Liv. X. 459
riedade de armas da mais fina têmpera do
Japao ; e ficando admirado o P. Rodrigues
da perfeição , com que eftavao feitas , as ga-
bou com exceffo , fabendo nao podia fazer
couza mais grata ao Imperador , que moftrar-
The tao fuperior eſtimaçao .
Efta prática deo efperanças , de que o Governa-
fe mudaffe a ſcena a favor dos Chriſtaos ; e dor de Meaco
favorece os
muito mais , quando ſoubérao , que o Impe-
Padres.
rador fe agradava por extremo do P. Rodri-
5. gues, como lhe diffe o Governador . Efte Pa-
dre lhe reprefentou tambem o grande deſgof-
to , que tinha o P. Valignano , e lhe pedio ,
alcançaffe de Cambacundono outros defpa-
e chos differentes , dos que eftavao dados por
diligencia dos Bonzos . O Governador , ain-
a da que lhe ponderou as muitas difficuldades ,
4 que tinha o negocio, fempre lhe fegurou fa-
Le ria todo o poffivel para as vencer ; porque
o feu animo era inclinado a fazer bem a to-

dos , especialmente áquelles , de que fe mof-


trava amigo : mas que era preciſo fe abfti-
véffem por algum tempo de prégar em pu-
1. blico , e deixaffem refens em Nangazaqui ;
que fe affim o fizéffem, teriaó a elle por feu
a Patrono e pelo contrario, fe o puzéffem em
algum perigo de perder a fua fortuna com
o Imperador , feria o mayor inimigo dos Pa-
dres ,
os quaes tivéffem paciencia ; porque
pela morte de Cambacundono , que natural-
mente nao podia fer muito longe , as couzas
fe reduziriao a melhor eftado , como ſe ef-
perava.
e Depois
460 Hiftoria da Igreja
Jacuino The Depois defta conferencia , foy o P.
mostrou mui. Rodrigues vifitar Jacuino , moftrando nao
to affecto.
ter noticia do ódio , que elle tinha aos Pa-
dres : efte lhe confeflou , que o Imperador
eſtava muito mudado depois da conferencia
paſſada ; e que nao podiaó eftranhar nelle
de duvidar tanto da Embáxada , quando ef-
tava fempre rodeado de gente, que lha pro-

curavao fazer fufpeitofa , imprimindo no feu


animo idéas contra os Padres. Avifou - o , que
escrevelle ao P. Valignano , para que mode-
raffe o zelo dos Chriftaos de Ximo , e tivéf
fe por algum tempo os Padres occultos fem
prégarem em publico ; porque fe affim o fi-
zéllém , efperava por efte modo , que muito
brevemente as fuas dependencias tomariao
melhor femblante : que Cambacundono que-
ria fer obedecido , e vendo , que fe tinhaō
fugeitado á fua ordem , feria facil entrarem
na fua graça. Deo-lhe outros muitos confe-
lhos com tanta finceridade , que nao deo lu-
gar de fe ter alguma defconfiança de ferem
dirigidos a diverfo fim ; antes fim muita
certeza , que eftava totalmente mudado , do
que tinha fido. Os effeitos moftráraó com evi-
dencia , que nao fe enganáraō nefta conje-
Etura. A caufa defta mudança foy hum dos
feus Officiaes , que ainda que Gentio , tinha
excellente natural , e grande affecto aos Pa-
dres , que eftavao em Nangazaqui , onde el-
le vivia , e lhes havia promettido fazer tal
esforço com Jacuino , que alcançafle delle o
que defejavao. E com effeito o executou
como
do Japao. Liv. IX. 461
como homem de honra , e de verdade ; pois
The efcreveo , que fe os Padres nao affiftif-
fem naquelle porto , fe arruinaria o comer-
cio , e os Portuguézes nao viriao à elle :
obrigando este intereffe ao grande inimigo
dos Chriftaos a fer- lhes depois mais pro-
picio.
Nefte anno de 1592 morreo hum fi- O Governa-
dor alcança
lho ao Imperador de idade de dous annos , fe muden; as
fem poder livrálo da doença com a invoca- Cartas.
çao do feu Cami , e das ceremonias fuperfti-
ciolas dos Bonzos , fendo efte fucceflo occa-
fiao de grande defprezo para elles , e para
a fua religiaō. Depois de feito o funeral ,
que foy fumptuofiffimo , o Governador de
Meaco tomou tempo de fallar fobre a Em-
báxada da India. Reprefentou a Cambacun-
dono , que o Embáxador lhe havia escrito
I que aquella Carta naõ agradaria ao Vice-Rey,
e que fe queria continuar o comercio com
os Portuguezes , era preciſo mandar - lhe ou-
tra. Nao le offendeo defte avilo o Impera-
dor , antes confentio fe mudaffe a Carta >
0 permittindo tambem , que os dez Padres fi-
caffem em refens na Cidade de Nangazaqui ;
e mandando chamar o P. Rodrigues, lhe en-
tregou as Cartas , e prefentes , que mandava
ao Vice-Rey, dizendo : Queria contrahir com
elle eftreita aliança , e que foffe huma ſó Na-
çao entre Japonezes , e Portuguezes : que nao

tinha motivo algum para fe queixar dos Pa-


dres ; porque até allî fe tinhao havido como
homens de bem , e de honra : más que a fua
Ley
462. Hiftoria da Igreja
Ley nao fe acomodava com a do Japao , por-
que prégavao contra o culto do Cumi , o
qual era feguido de huma grande parte da
policia , e governo dos feus Eltados . Que
defejava houvéffe huma boa fociedade entre
os feus vaffallos, e os Portuguezes , e que el-
tes podiao estabelecer- te em qualquer parte
do Japao , que mais lhes agradalle.
Depois de ter por dilatado tempo
difcorrido com o Padre fobre eſta materia
The deo licença para fe retirar , e o Gover
nador escreveo ao P.Valignano dando- lhe ef-
ta noticia ; e pois que o Imperador tinha
permittido a dez Padres a affiftencia em Nan-
gazaqui , podia ter efperanças , que breve-
mente fe reſtabeleceriao em todos os Rey-
nos ; mas que era neceffario , que os Padres
fizéltem as fuas funções fem rumor , para que
nao o efcandalizaffem. Parece huma efpecie
de milagre, que o Imperador revogaffe a fua
primeira determinaçao , fazendo expedir no-
vas Cartas. Foraó efcritas em huma folha de
papel tao grande , que tinha dous pés de
comprido , e hum de largo : as margens ef-
tavao guarnecidas de muitas flores de ouro
lavradas muito curiofamente , e póftas as le-
tras em tudo ao uso do Japao , fechadas em
huma preciofiffima caixa , e efta metîda em
huma bolía de veludo encarnado , bordada
de ouro , e prata .
Cambacudo. Eftando neſte eftado os intereffes da

relolve- fe Religiao , tomou a refolução Cambacundo-


no conquistar
a
a China. no de conquistar a China. O fim defta em-
preza
do Japao. Liv. X. 463
preza era , como tenho dito , merecer hum
Jugar entre o Cami , e Fotoqui , e fazer- le
adorar depois da tua morte , como os gran-
des Conquistadores do Japao póftos no nu-
mero dos Deofes ; e para ter effeito efte de-
fignio , fe deliberou a huma tao relevante
acçao , que o eftrépito della fizeffe refpeitar
no Mundo a fua memoria .

A primeira empreza , que intentou ,


foy obrigar os Caftelhanos , que poffuiao as
Filipinas para o reconhecerem por Soberano ,
pagando-lhe tributo. Até aqui vimos a gran-

de vontade , que efte Principe tinha de manter


o comercio com elles para augmentar as fuas
rendas ; mas a ambiçao lhe fez preferir a
gloria ao intereffe , querendo , que o adoraf-
fem por Deos em prémio das fuas finaladas
conquistas , defejando meter o Mundo todo
debaixo dos pés para fe levantar áquella im-
pia grandeza. Efcreveo pois ao Governador
das Filipinas huma Carta altiva , e arrogan-
te , na qual o chamava para lhe dar obedi-
encia , como a feu Soberano ; prohibia pu-
défle trazer armas proprias nas fuas bandei-
ras
e o obrigava a hir proftrar-fe aos feus
pés como vafallo , e a pagar tributo , fob-
pena de lhe deftruir as Ilhas. Efta Carta foy
expedida no anno de 1591 : veremos logo
a repofta do Governador.
A outra máquina , que inventou pa-
ra fazer o feu nome immortal , foy querer
conquistar o Imperio da China , e fugeitálo
ao feu dominio : empreza vá , e temeraria ;

pois
464 Hiftoria da Igreja
pois todo o Japao a refpeito daquelle vaftif-
fimo Imperio he como hum pequeno braço
de terra. Antes que declaraffe efta guerra ,
escreveo ao Imperador huma Carta femelhan-
te á do Governador das Filipinas , na qual
tambem ordenava fe fizéffe feu tributario. O
China , que estava defapercebido , e pouco
capaz para fe defender , lhe mandou huma
Embáxada para ganhar tempo , e chegou
efte a Meaco antes do P. Valignano : mas
Cambacundono nao ficou fatisfeito della , e
tomou logo a refoluçao de lhe fazer cruel
guerra. Manifeftou este projecto a todos os
Principes , e Grandes do feu Imperio , quan-
do forao render-lhe vaffallagem no princi-
pio do anno de 1592 , e jurou , que incor-
reria em pena de morte todo o que contra-
difféfle a fua vontade, fem excepção de pef-
foa , ainda que foffe feu proprio filho , fe
vivêra entao.

Suppofto , que a empreza parecia


mal ideada , o foberbo Politico rebuçado
com esta capa occultava diverfos fins , todos
para a fua fegurança muy convenientes ; hum
delles , e o mais principal , era ampliar o
feu dominio muito álem do Japaó , para ex.
ceder aos Reys feus Anteceffores , e ficar
fuperior a todos os Camis , e Fotoquis : 0
outro fim era livrar- fe dos Chriftaos , dos
quaes
e temîa o valor ; porque como haviaō
qua
de hir á guerra , nao duvidava , que ou fi-
cando mortos na batalha , ou vencedores
de qualquer forte podia eftar fem receyo de
lhe
i
do Japao. Liv. X. 465
The fazerem oppofiçao aos feus defignios , e
nefte fentido já tinha dito a D. Protafio Rey
de Arima , que o havia fazer grande Senhor
na China.

Para fahir com efta empreza fez hum


Catálago de todos os Grandes , que nomea-
va para tao grande expediçao , e o numero
dos foldados , que cada hum delles devia
dar para efta guerra. Nomeou quatro Cabos
S para as tropas de Ximo ; dous Chriſtaos , e
e dous idólatras : os Chriftaōs eraõ D. Agofti-
el nho feu Almirante , e Caynocume mancebo
OS de vinte e tres annos, filho de D. Simao Con-
0 dera Rey de Buygem ; os Gentios forao To-
ronofuco , e Iconocami. Debaixo da condu-
ta de D. Agoftinho militavao os Reys de
Ta Arima , de Omura , de Ceuxima , e de Ama-
Def cufa com muitos outros quafi todos Chri-
ftaos : o corpo da Armada paffava de vinte
mil homens , álem dos marinheiros, e gente
do feu féquito , cujo numero excedia ao dos
ada foldados. Caynocume levava comfigo os Reys
das de Bungo , e de Canga , D. Paulo , e outros
u Senhores , que com os foldados das tropas
faziao tambem vinte mil homens de armas.

e Eftes dous Cabos Chriftaós erao inferiores

em qualidade aos Reys , e Senhores , que


marchavao debaixo da fua conducta ; mas
como o Imperador o determinára affim , foy
preciſo obedecer-lhe . Todos os outros Se-
nhores do Japao recebêrao ordem de fe acha-
rem nos lugares , que lhe foffem affinados
de em certo dia , fem que faltaffe algum. Fa-
Tom. II. zia-fe
Gg
466 Hiftoria da Igreja.
zia-fe a conta , que a Armada conftaffe de
trezentos mil homens , numerando marinhei
ros , e officiaes ; mas a difficuldade fó con
fiftia em deliberar a parte , por onde fofle
mais facil entrar na China : até que depois
de muitos confelhos de guerra , determina
rao foffe o primeiro combate pela parte de
Corea.

O lugar affinado para fe juntar a


Armada foy em Nangoya, que he hum forte
do Reyno de Figem , onde mandou edificar
hum foberbo palacio , cercado de hum bom
muro, e de dous fóffos profundiffimos : aqui
eſtabeleceo a fua affiftencia para eſperar o
fucceflo da guerra e eftar mais prompto

para lhe fazer expedir o foccorro , quando


foffe neceffario , e dar as ordens , que lhe
pareceffem convenientes .
Fica feu fo- Porêm como pertendia fe entendef-
brinho com o fe , que elle paffava o mar , e havia de mar-
governo do char na tefta do exercito , refolveo deixar
Japaō.
o Governo do Japaó a feu fobrinho por to-
do o tempo , que eftivéffe na conquiſta da
China ; e porque o Dayre he, que diftribúe
os titulos , e dignidades , the mandou dizer
houvéffe por bem , que feu fobrinho exer-
citaffe efte emprego , no que elle confentio
fem repugnancia . Depois defta declaração
mudou o nome , tomando para fi o de Tay-
cofama , que fignifica Altiffimo , e Soberano
Senhor, e deixou a feu fobrinho o de Cam-
bacundono. ( Affim_daqui ávante chamare-
mos ao Imperador Taycofama , e a feu fo-
brinho
do Japao. Liv. X. 467
brinho Camb acundono. ) Ainda que lhe deo
o nome " e dignidade , foy na apparencia ;

porque refervou para fi o poder abfoluto ,


como antes tinha. Affinou algumas rendas
a feu fobrinho para fuftentar a dignidade
Real , de que o tinha revestido e lhe lar-
gou para fua habitaçao o palacio , e cida-
déla , que havia mandado fazer em Meacó.
Para fi refolveo erigir outra nova Cidade
t com hum palacio muito mais fumptuofo ,
2
.

que nenhum outro dos que até alli le ti-


nhao viſto no Japao. Efcolheo para efte ef-
feito hum lugar chamado Fuximi , diftante
0 legua e meya de Meaco ; e antes de partir
0
para Nangoya delineou a obra , e deitou a
0
primeira pedra ; moftrando nefta acçað, que
nao tinha tenção de paflar a Corea.
Dizia porêm publicamente, que com D.Agostinho
brevidade fe embarcava para apreffar a Ar- he nomeado
mada , e alentar os Reys , e Senhores , que para fer o
T primeiro,que
o leguiao , todos com grande defgofto, por entre naquel-
fe verem conftrangidos a deixar as fuas ter- le paiz.
ras , mulheres , e filhos , para paffar os ma
res , de que até allî naó havia exemplo , pa-
ra huma empreza temeraria , cujo fucceffo
f
era fummamente duvidozo , e nao fe pode-
ria confeguir fem vencer obftaculos infini-
tos ;mas o temor de incorrer na defgraça
do novo Taycofama lhes fazia vencer todas
as difficuldades . Emfim chegou a Armada a
Nangoya , e tambem o Imperador , que deo
ordem a D. Agoſtinho , para que primeiro
que tudo fizéffe hum defembarque naquella
Gg 2 terra :
468 Hiftoria da Igreja
tèrra cómiffao verdadeiramente de muita
honra ; porque era regalia , que fó perten-
cia ao Lugar-Tenente General , e elle o
exercitava, ainda que fem Patente ; mas pe-
rigofa , e funéfta aos Chriſtaos , que elle có-
mandava ; porque era moralmente impoffi-
vel, que nao pereceffe a mayor parte delles
nefta expediçao.

Defcripção A Corea he huma Peninfula , que


do Reyno de fica vifinha á China de huma parte , e fo a
Corea.
divide hum rio de tres leguas de largura :
pela outra parte a cérca o mar do Japao :
a fua extenfao de Setentriao ao Meyo dia he
de quinze leguas , e de Oriente a Occidente
he de feflenta ; nao difta do Japao mais que
vinte e cinco leguas. Os moradores tem lin-
gua particular , e como confinaó com a Chi-
na, lhe pagao tributo ; obfervao as fuas Leys ,
e feguem os feus coftumes. Tem huma Ilha
chamada Cerayzam , difficil de conquiſtar ;
porque he rodeada de altiffimos montes : o
refto do paîz he plaino , e fértil de arroz ,
trigo, e outros alimentos neceffarios para a
vida o feu mayor contrato he feda , linho ,
e algodao : tem minas de ouro, e prata em
algumas das fuas Provincias : os nacionaes
fao muito alvos , de engenho agudo , e dó-
cil natural : os feus navios fao mayores , e

mais fortes, que os do Japao ; mas nao tem


outras armas mais , que arcos , e flechas ,
o que os faz menos guerreiros , que os Ja-
pões , os quaes ufao de lanças , alabardas
e todo genero de armas de fogo . Tem Rey,
a que
do Japao. Liv. X. 469
à que dao huma veneraçao mais que huma-
na , e ordinariamente refide na Cidade capi-
tal do feu Reyno chamada Sior : o paîz nao
tem fortalezas , fenao nas fronteiras , que
confinao com o Japaó : nao tem comercio
com os estrangeiros , excepto com os mora-
dores de Ceuxima, que he huma Ilha trinta
leguas diftante daquella Cidade.
Taycofama antes de emprender ac- Taycofama
çao alguma , mandou pedir ao Rey de Corea declara guer
ra ao Rey de
The concedeffe paffagem pelo feu Reyno para Corea .
conquistar a China ; e fendo- lhe negada, lhe
declarou a guerra , mandando a D. Agoſti-
nho embarcaile com as fuas tropas , ficando
o resto do exercito em Ceuxima efperando
o fucceffo daquelle primeiro ataque. Obede-
ceo D. Agoftinho , embarcando em huma fro-
ta de duzentas vélas , e fpy dar fundo ao
fórte de Fufancay, que he hum dos melhores
de todo o Reyno de Corea. Havia dentro
mais de feis mil homens , álem dos que en-
tráraó , quando tivérao a noticia da chegada
do inimigo , e femeáraõ defde o lugar do def-
embarque até o fórte certas pontas de ferro ar-
tificiofamente difpoftas para fazer inutil a ca-
vallaria. Os muros erao cercados de fóffos al-
tiffimos cheyos de agoa , e fobre elles duas
mil peças de artilheria em fórma de canhões,
que lançavao quantidade de flechas de pon-
tas dobradas , e outros cartuxos grandes.
Todo efte artificio para a defenfa D.Agostinho
nao impedio a D. Agostinho acampar a tiro entra naCo-
de canhao. rea,e alcança
Mandou intimar ao Governa- grade vitoria
Tom. II. Gg 3 dor,
470 Hiſtoria da Igrejā
dor , que fe rendeffe : porêm elle lhe ref-
pondeo , que nao teria duvida , fe o Rey feu
Amo o mandaffe , e que procuraria faber a
fua vontade. Deo a entender D. Agostinho
que le fatisfazia da fua repofta , e chegada
a noite , poz o feu exercito em fórma de
batalha para dar o affalto ao rompar do dia.
Principiou o combate pela manhã , e durou
quatro horas. Os Japonezes havendo lançado
grande quantidade de faxina no foffo , puzé
rao efcadas ao muro para dar o affalto ; mas
forao rechaçados pelos fitiados, que difpara
vao contra elles infinitas féttas . Repetirao
a diligencia com melhor fortuna ; porque fa
vorecidos da inceffante defcarga de mofque-
teria , de que os Coreanos nao tinhao ulo ,
montáraó os muros , arvoráraó os eftandar-
tes fobre as torres , matárao o Governador ›
e a mayor parte da guarniçao , fenhoreando
le a praça .
Sendo tao bem fuccedida efta primei-
ra empreza , com razao fe podia prometter
nas outras igual felicidade ; porque ordina-
riamente o disfavor do primeiro golpe da
fortuna faz defmayar, os que tem pofto nel-
la todo o feu intereffe. D. Agostinho , que
conhecia era o feu em fe aproveitar do ca-
lor da vitoria , fez marchar o feu exercito
contra outra fortaleza , que era diftante def-
ta tres leguas , chamada Fochinangi , na qual
eftavao de guarniçao vinte mil combatentes :
moftráraó eftes querer defender- fe ; mas os
Japonezes animados com a vitoria paffada ,
conhe-
do Japão. Liv. X. 471
conhecendo nos inimigos fraqueza , aſſaltá-

raó a praça , defprezando toda a refiftencia.


D. Agoftinho foy o primeiro , que le vio fo-
bre os muros com as armas na mao ; e fen-
do feguido da fua gente , entráráð na pra-
ça , e matáraó mais de cinco mil homens.
A fama deftas duas vitorias intimidou
tanto os Coreanos , que abandonáraõ outras
cinco fortalezas , que eftavao no caminho ,
por onde os inimigos haviaō de paffar : e D.
Agostinho tirando proveito da tua defor
dem , mandou marchar as tropas para Sior ,
capital do Reyno , onde eſtava o Rey. En-
controu na diftancia de tres jornadas hum
exercito de vinte mil homens, que intenta-
va impedir lhe o paffo : mas para o valor
do noflo vencedor nao havia refiftencia ; e
inveftindo os inimigos com notavel esfor-
ço , fem lhe valer a multidao , ſe puzérað
em vergonhofa retirada , depois de deixa-
rem tres mil mórtos no campo.
Eftes fucceffos felices lhe infundirao
tal coragem, que crêo firmemente , que elle
fó baftava para fubjugar o Reyno inteiro..
Já diffémos, que Taycofama nomeára quatro
Cabos principaes para comandarem as tro-
pas de Ximo ; dous Chriftaos , e dous idóla-
tras , ordenando aos Chriftaos , de que era
o primeiro D. Agostinho , entrarem no Rey-
no de Corea ; e aos idólatras esperarem na
Ilha de Ceuxima as novas do fucceffo , antes

de fe encorporarem todos . Toronofuco, que


era hum dos idólatras , vendo que lhe tar-
Gg 4 dava
1
472 Hiftoria da Igreja
dava o avifo , fufpeitou que D. Agostinho
queria para fi toda a gloria daquella empre
-za , e ambiciofo de ter parte nella, fe quei-
-xou ao Imperador , que eftava em Nangoya
junto a Meaco ; e porque efte Principe era
de animó defconfiado , fem mais infórme or-
denou logo a dous Lugar- Tenentes paffaffem
a Corea.

Taycofama Expedida efta ordem , chega hum


muda de pa Correyo com a noticia da tomada das duas
primeiras ventagens , que
D. fortalezas , e das
recer, alou-
vando
Agostinho. tinha confeguido D. Agoſtinho do feu inimi-
go. Taycofama , que pela informação de To-
ronofuco tinha formado diverfo conceito del-

le , conhecendo a injuftiça do feu defagra-


do, tornando em fi , admirado da felicidade
daquella vitoria , fe empenhou nos louvores
de D. Agostinho com tanta alegria , que nao
cabia em fi mefmo : diffe publicamente , que
em todo Japao nao tinha havido homem
que pudéffe com elle comparar- fe ; pois ex-
cedia em valor a todos , e que Nobunanga
já fazia delle o mefmo juizo. Eu ( dizia )
Jugeitey o Fapao pouco a pouco , e palmo a
palmo com bum poderofiffimo exercito , porém
o meu Lugar-Tenente General com bum pu-
nhado de gente teve valor para entrar em
bum Reyno estrangeiro , e em pouco tempo
reduzilo quafi á minha obediencia. Hey de
dar- lhe muitos Reynos , e depois de mim fe-
rá o primeiro Senhor do Japao . Pronunciou
eftas palavras com tao extraordinario con-
tentamento , que parecia ter-lhe refufcitado
feu I
do Japao. Liv. X. 473
feu filho ; e affim o repetia accrefcentando,
que fe alguem foffe tao temerario , que ou-
faffe fallar mal de D. Agostinho , logo feria
expulfado da Corte , e caftigado rigorofa--
mente " para exemplo dos outros .
Eftes ameaços fecháráo a boca aos D. Justo U-
invejofos da gloria do noffo General , e ca condono en-
da hum , para agradar ao Imperador , o le tra na
do Im pegraça
ra-,
vantava até as eftrellas , exaggerando com dor.
os mayores hyperboles as fuas virtudes . En-
tre eftes difcurfos de guerra hum dos ami-
gos de D. Jufto Ucondono deixou cahir co-
îno
mo por defcuido huma palavra , louvando o
feu valor. Tendes razao : (diffe Taycofama)
eu o conheço pelo melhor homem do Mundo;
quero vélo , manday-o vir á minha prefença.
Logo fe expedirao Correyos , que paffados
poucos dias o conduzirao a palacio , e tán-

to que nelle o vio o Imperador , lhe diffe:
Fufto , ba muito tempo , que nao vos vejo :
tenbo neceffidade ao prefente da voffa pelloa
para certo emprego. D. Jufto depois de the
fazer huma profunda reverencia refpondeo
que S. Mageftade o acharia fempre prompto
no feu ferviço .Paffados dous dias o convi-
dou Taycofama com dous grandes Senhores
ao feu canzaxi , que he hum convite , a que
affiftem fó os mais intimos do Imperador ,
e no fim delle o reftabeleceo nos feus póftos,
e empregos . Todo o homem , que nao fof-
fe D. Jufto , gostaria da doçura de huma mu-
dança tao eftimavel , como infperada ; mas
porque no feu defterro eſtava muito favoreci-
do
474 Hiftoria da Igreja
do das confolações , com que Deos lhe pre-
miava a fua refignaçao , todas as grandezas
do Mundo lhe nao faziaó impreffao no ani-
mo ; e como conhecia o génio de Taycofa-
ma , determinou ufar do feu favor , como
do fogo , nem de todo retirado , nem dema-
fiadamente perto , para viver por este modo
mais feguro.

D.Agostinho Em quanto D. Jufto gozava deftes


toma a capi- novos favores no Japaõ , fazia D. Agostinho
tal do Reyno grandes progreffos em Corea ; porque depois
de ter vencido todos aquelles , que fe oppu
nhao aos feus defignios , fe avifinhou á Cidade
Real refoluto a fitiála. Chegou nefta occa-
fiao Toronofuco , hum dos Cabos do exerci
to , que teve ordem para paſſar o mar , e
defembarcando com a fua gente , foy unir fe
ao exercito de D. Agoftinho , querendo pôr-
fe na frente ; mas o Official, que comandava
a vanguarda , fe lhe oppoz dizendo , que o
feu General The havia mandado conduzila ,
e que nao havia de ceder a ninguem ; fendo
·
por efte modo obrigado a pôr fe na retaguar-
da com grande affliçao , e defgosto.
Em quanto o exercito fe hia che
gando á Cidade , as efpias defcobrirao hum
corpo de exercito , compofto de mais de fe-
tenta mil cavallos , que vinhao buscando os
Japonezes ; e ficando D. Agostinho fufpenfo
por hum pouco , advertindo, que a fua gen-
te eftava tîmida, * a alentou o melhor que po-
de , dizendo , que era precifo ou vencer, ou
morrer. A eftas vozes difpertando os folda-
dos,
do Japao. Liv. X. 475
dos , fe revestirao de tao marcial valor , que
no meſmo inftante fe offerecêraó a apreſen-
tar batalha ; e pondo em ordem as fuas tro
pas, prohibio defpregar as fuas infignias até
lhe dar final. Os Coreanos da fua parte dif-
puzérao os efquadrões em fórma de meya
Lua , para com efta manobra intimidar os
Japonezes . Eftando a batalha para le princi
piar , devendo o traydor Toronofuco unir-
fe ao exercito , fe retirou á parte , refoluto
a deixar perecer a D. Agoſtinho , ou foccor-
rêlo , quando viffe o rifco de ſe perder a
batalha , para ter toda a honra da vitoria
2 mas foy debalde a fua maliciofa prevençao;
porque o valerofo Almirante fazendo final
de acometter , e defpregando- fe as bandeiras,
a vanguarda apreffou o paffo , e atacou com
tanta força o inimigo , que lhe rompeo por
tres vezes os efquadrões , os quaes le torná-
raó a formar depois de rotos .
A peleja foy dilatada , e fanguino-
lenta : até que os Coreanos nao podendo go-
vernar os cavallos , que dos tiros da mof-
quetaria eftavao ou feridos , ou espantados ,
ſe puzérao em total defordem , e fugida
oito mil ficáraó mórtos nabatalha , outros fe
afogáraó na paffagem do rio. O Rey de Co-
rea vendo o feu exercito derrotado , abando-
nou a Cidade , tendo primeiro mandado pôr
fogo ao Arfenal , e armazens , em que efta-
vao as munições de guerra , e mantimentos,
e fugio para a China. D. Agostinho depois
defta vitoria mandou marchar para a praça,

que
476 Hiftoria da Igreja
que fem refi tencia fe lhe rendeo : entrou den.
tro, arvorou os feus eftandartes fobre os mu-
ros , e deixou defcaníar a fua gente fatigada
da peleja , e muito mais atormentada da fome .
Despachou logo hum Correyo com o avifo
para Taycofama , o qual exceffivamente ale-
gre de ver conquistar hum Reyno em vinte e
cinco dias fó com as tropas de D.Agostinho ,
The fez muitos elogios , e ordenou a tres Se
nhores dos de mayor refpeito da Corte follem
dar- lhe em feu nome os parabens da vitoria ,
e lhe escreveo huma Carta cheya de louvores
por tao grandes acções , promettendo remu-
nerar os feus ferviços com mercês relevan-
tes : e por final da eftimaçao , que fazia del-
le , lhe mandou hum cavallo , e huma efpa-
da de grande preço ; prefente o mais hon-
rozo , que póde , e coftuma fazer o Impera-
dor aos feus vaffallos. Depois que chegou á
Corte a noticia defta grande vitoria , nao
ſe fallava em outra couza em todo o Japaó ,
mais que no valor de D. Agoſtinho , andan-
do á porfia huns com outros nos feus louvo-
res. Os Cortezaós , que nem fempre fazem
justiça á virtude , e ordinariamente bufcao
motivos para deftruirem aquelles, a quem o
proprio merecimento tem levantado ao au-
ge fuperior , querendo condefcer com o ge-
nio do Soberano , mudáraó de fyftema , en-
grandecendo na prefença de Taycofama as
acções de. D. Agostinho , e buscando todos
os motivos , que podiaó conduzir para lhe
dar gloria , competindo á porfia em elogiar
huns
do Japao. Liv. X. 477

huns a fua deftreza militar , outros o feu va-


lor , e todos a fua grande ventura , que fem-
pre o favorecia..

O Imperador fingia goftar deftes dif Perfidia de


curfos ; porêm como : os tyrannos , que tem Taycolama.
ufurpado hum dominio , defconfiao fempre
das peffoas de. diftinto valor , MO confideran-
do- as como vingadoras do feu delicto , ou
como pertendentes da Coroa , temeo , que
efte Conquistador , que era Chriftao , tendo.
adquirido tanta gloria naquella guerra, vol-
S taffe as armas contra elle , e viéffe. na fren-
tě dos Chriſtaos fenhorear ſe do Imperio. Pa
1 ra embaraçar efte defignio, tomou a refolu-
,
çaõ de o fazer perder , e livrar-fe defte res
ceyo ; e confiderando varios meyos para o
confeguir , fallava comfigo nefta fórma : Ef-
te: grande homem ou fe faz Senhor da Chi-
na , e de Corea , ou fica desbaratado pelos
inimigos : fe vencido , o deixarey perecer ;
fe vencedor , chamará todos os Reys Chri
0 ftaos do Japao para aquellas terras , e lhe
0'
darao o governo , e nao defejará outra cou-
za depois de tao boa fortuna. Efta era a in-
tençao do Imperador , e a tinha declarado
aos feus favorecidos ; o que atemorizou to-
dos os Reynos de Ximo.
Porêm perfiftia fempre em dizer, que
queria paffar o mar para hira Corea ; e pa
ra effe fim efcreveo a D. Agoftinho lhe man-
$ daffe edificar hum palacio na Cidade Real ,
e dividiffe entre os feus Capitães o Reyno,
que havia conquistado . Em exeorgó , defa
S dem
478 Hiftoria da Igreja
ordem fez D. Agoſtinho a repartiçao : eleged
para fi a terra mais vifinha á China > e fe
eftabeleceo em huma grande Cidade chama-
da Pean , que nao diſtava mais que duas pe-
quenas jornadas ; e Toronofuco voltou para
a parte dos Tartaros : ambos levantáraó mui-
tas fortalezas para a fua fegurança ; mas co-
mo nao tinhao gente bastante para as de-
fender , e le por em campanha , mandáraő
pedir ao Imperador , lhe enviaffe logo foc-
corro.
Taycofania , que queria tirar a todos
os defcendentes do Japao modo, e meyos de
fe rebellarem contra elle , mandou paffar cen-
to e cincoenta mil homens a Corea , orde-
nando a D. Agostinho , que mandaffe os na-
vios para tranfpoutar os outros cincoenta
mil , que refervava para fua guarda , na fren
te dos quaes queria elle paffar peffoalmente
áquelle Reyno . Nao era efta a lua intenção ,
como manifeftamente fe vio ; mas quiz impe-
dir a D. Agostinho voltar ao Japão com o
feu exercito , e deixálo perecer de fome , e
miferia. O prudente , e valerofo General obe-
deceo cégamente ás fuas ordens , e mandou
mais de mil embarcações , as quaes chegan-
do ao porto de Nangoya , o Imperador lhe
efcreveo , que eftando prompto para embar-
cár , todos os Grandes da fua Corte lhe pe-
dirao deferiffe a viagem até a Primavera ,
por nao expôr a fua peffoa , e a fua gloria
aos perigos do mar , taó inconftante , e fu-
riofo naquella Eftaçao ; mas que eftivéffe cer-
to,
do Japao. Liv. IX. 479
to , que paffado o Inverno hiria com huma
poderofiffima Armada para Corea.
Eftando affim defembaraçado daquel Outra perfe
la viagem , começou a preparar- fe para fé guiçao con-
recolher a Meaco , quando hum Embáxador tra os Chri-
ftaós!
das Filipinas chegou a Nangoya. Já temos di
to , que no principio defta campanha Tayco-
fama escrevera ao Governador , e o chama-

va , para que o reconhecefle por feu Sobe-


rano. O P. Valignano tendo este avifo , ef-
creveo logo ao Superior do Collegio da Cida-
de de Manilla , que he a capital das Filipi-
nas , para que lhe déffe parte do que fuc-
cedia ; e hindo logo o Padre vifitar o Go-
vernador , lhe pedio com a mayor inftancia
falvaffe de tal maneira a honra do feu Prin-

cipe , que nao caufafle alguma ruîna á Reli-


giao tao combatida no Japao. O Governa
dor fem attender a efte avifo , expedio hum
dos feus a Taycofama , com ordem de lhe
dizer , que havendo recebido certa Carta
que vinha como da fua parte , nao pudéra
J
perfuadir-fe foffe fua ; e affim lhe mandava
o feu Agente para faber a verdade, E en-
tre os fundamentos da duvida , que lhe pro-
punha, fem fazer reflexao nas confequencias ,
que trazia comfigo , era hum , que os Padres
da Companhia , que refidiao em Nangaza-
qui , nao lhe tinhao eſcrito couza alguma.
O Agente era hum Heſpanhol cha-
mado Lopo de Leao , o qual levava comfigo
o P. Fr. Joao Cóbo da Ordem dos Prégadores .
Tendo dado fundo na Ilha de Saxuma, achou

hum

;
480 Hiftoria da Igreja
hum Hefpanhol , que era muy contrario aos
Portuguezes , porque lhe tinhao embargado
as fuas mercadorias por certa quantia , de que
lhes era devedor. Já fe tinha queixado a Tay-
cofama , que mandou logo Cómiffarios para
tomar noticia , e informaçao do negocio , os
quaes , tendo ouvido as partes , julgáraó, que
os Portuguezes tinhao jufta caufa em reter
os effeitos , até que os Juizes feus naturaes
ordenaffem o contrario ; pois fe lhe tinhao
voluntariamente fugeitado .
Exafperado o Caftelhano com eſta

refoluçao , foy valer- fe do P. Valignano , e
dos feus companheiros , pedindo - lhes , qui-
zélfem obrigar os Portuguezes , a que lhe
reftituiffem os feus effeitos. Os Padres vendo
a injuftiça da fua dependencia , nao fe em-
penhárao nella com o ardor , que elle defe-
java ; ou porque eftava condenado pelo Co-
miffario , ou porque nao achavao fundamen-
to algum para o favorecer ; de que . reful-
tou o Caſtelhano determinar vingar- fe delles,
e de todos os Portuguezes. Embarcou logo
para fe queixar outra vez ao Imperador ; e
encontrando na Ilha de Saxuma o Agente do
Governador das Filipinas com o Religiofo ,
de que temos fallado , le defafogou contra
os Portuguezes , e Jefuitas , dizendo , que hia
informar o Imperador de quanto le fazia em
Nangazaqui em materia de contratos.
Chegando juntos em conferva do por +
to de Nangoya , tivérao audiencia de Tayco-
fama , e o Embáxador aprefentando a Car-
ta
do Japão. Liv. X. 481
ta de feu Amo , lhe offereceo os feus prefen-

tes. O Imperador , que nao eſtava em eſta-


do de lhe fazer guerra , por terem paſſado a
Corea todas as fuas tropas , recebeo os pre-
fentes , e mandou ler a Carta : e o Caſtelha-
no logo lhe diffe , que os Portuguezes eraó
que fenhores de Nangazaqui , e que fó elles fe
ter aproveitavao do comercio , impedindo a to-
dos os outros mercadores aportar naquelle
porto ; exercitando ao mesmo tempo gran
des violencias , e atormentando por todos os
modos , ainda que foffe por meyos extraor-
dinarios os vaflallos de S. Mageftade : que

álem diffo , protegiao os Padres Europeos ,


e os detinhao no paîz contra as ordens, que
do fobre elles le tinhao expedido . O Impera-
m dor , quando ouvio efte difcurfo , fe enfure-
ceo com tal exceffo , que efteve quafi refo-
luto para mandar prender os Portuguezes , e
2 os Padres , e condenálos á morte.1
Elegeo
" novo Governador para Nan-
gazaqui , e o expedio logo com ordem , pa-
ra que tanto que chegafle , fe demoliffe a
Igreja, e Cafa dos Padres , e remetteſſe a
madeira para Nangoya. Mandou , que fe in-
formaffe da queixa , que lhe faziaó dos Por-
tuguezes os Hefpanhões , e defpedio o Em-
báxador das Filipinas com Cartas para feu
Amo mais foberbas , e arrogantes , que as
primeiras. Chegando o Governador a Nan-
gazaqui , executou tudo , o que lhe ordená-.
rao , arruînando a Igreja , e Cafa dos Pa-
dres , e mandando carregar a madeira em al-
.Tom 11. Hh guns
482 Hiftoria da Igreja
guns navios para Nangoya. Nao fe póde fa-
cilmente exprimir a dor, que tivérao os Chri-
ftaos , que exercitavao naquella Cidade os
exercicios da Religiao , fem poderem reco-
lher os Padres , que forao conftrangidos a
retirar- te ao hofpital da Mifericordia , pois
nao havia outra cafa , em que fe recolheffem .
Depois defte funéfto accidente, o Go-
vernador formou o proceffo contra os Por
tuguezes fobre a injuftiça , que dizia o Hef-
panhol the haviao feito , e conforme tinha
delatado mas examinando a caufa com in-
dividuaçao , achou , que era mal fundada a
queixa do Caftelhano , e que enganára feu
Amo ; dizendo em publico , que elle infor-
maria o Imperador , que nao deixaria fem
caftigo aquella calumnia . Naó foy porêm pre-
cifo, que elle lho déffe ; porque Deos Senhor
Noffo o anticipou ; pois embarcando o infe-
liz calumniante em hum pequeno báxel para
hir a Saxuma , onde eftava o feu navio , pe-
receo fumergido nas ondas pela força de
hum tufao , que naquellas partes he muy pe-
rigofo , e bem perto da praya foy o naufra-
gio, para que todos teftemunhaffem o caftigo.
Lopo de Leao, e o P. Cóbo, que tinhao dado
affenfo ao impio , e o levárao a Taycofama ,
nað tivérað melhor forte ; porque na volta
do Japao para Manilla forao affaltados de
huma rigorola tempeftade , que os fepultou
naquelles mares ; fendo todo o fruto da Em-
báxada a deftruîçao da Igreja, e Cafa dos Pa-
dres , e a defolação daquella Christandade .
Nefte
do Japao. Liv. X. 483
Neſte anno de 1592 le embarcou no OP.Valig
navio do Capitao Roque de Mello o P. Ale- nano volta

antaes
xandre Valignano para voltar para a India , epara India,
de
e apresentar ao Vice- Rey os prefentes , que partir bapti
Taycofama lhe mandava. Tendo os Chri za o Rey de
ſtaos eſta noticia , foraŏ a Nangazaqui vifi. Junga.
tálo, e rogar a Deos lhe felicitaffe a viagem,
entre os quaes foy Caminondono genro de
Nobunanga , que havia recebido o Baptifmo
pouco antes da perſeguiçao ; e vendo elle
deftruîda a Igreja , teve grande defprazer :
e diffe ao Padre, que eftivéra prefente, quan-
do o Embáxador das Filipinas teve audien-
cia de Taycofama , e ficára admirado ouvin-
do, que os Chriſtaos accufavao feus Irmaōs
a hum Principe Gentio. He certo , que efte
efcandalo , que excitou a perfidia daquelle
máo homem, faria vacillar a Fé daquelle Se-
nhor , fe nao eftivéffe radicada com a graça
de Deos.
Veyo tambem cumprimentar ao Pa-
dre o Rey de Junga , trazendo em fua com-
panhia D. Manfio : a converfaçao deste Prin-
cipe o tinha demaneira alentado , que tomou
a refolução de fe baptizar ; mas quiz primei-
ro, que lhe explicaffem algumas duvidas , que
fe lhe reprefentavao ; e inftruîdo em tudo
perfeitamente pelo P. Valigno , o baptizou
antes de partir . Converfao maravilhofa na-
quelle tempo infeliz , em que o fogo da per-
feguiçaó começava a acender-fe ; o que mol-
tra bem a força da graça , e poder de JESU
Chrifto !
Hh 2 Depois
484 Hiftoria da Igreja
Depois de huma tao bella conquif-
ta , fe defpedio o Padre de todos os Reli-
giofos, que tinha achado em Nangazaqui , e
embarcou para a India , deixando em feu lu-
gar para Provincial do Japao o P. Pedro Go-
mes , e cento e trinta Religiofos da Compa-
nhia , que tinhao cuidado de cento e cinco-
enta Igrejas , nas quaes haviao baptizado vin-
te mil peffoas neftes dous ultimos annos.
Deixou tambem no Seminario cento e feten-

ta meninos nobres , levando comfigo fómen-


te o P. Luiz Fróes, que voltou pouco depois
para o Japao ; e affim os deixaremos para
continuar a noticia de Corea , que nos cha-
mao vários fucceffos daquella guerra .
Tudo tinha acontecido até allî , co-

mo fe podia efperar , pois eftava o Reyno


de Corea rendido ao poder de Taycofama ;
de forte , que fe cuidava fó na conquiſta da
China mas como nao ha couza conſtante
nefte Mundo , querendo Deos abater a fo-
berba do Imperador , permittio , que todos
eftes progreffos defappareceffem como fumo ,
e Corea foffe fepulcro dos Japões. Veremos,
por que maneira a fortuna le trocou em def
graça.
Continuação Deixámos a D. Agostinho na Cida-
da guerra de de de Pean , eftabelecendo alli o feu quar-
Corea, funef- tel de Inverno . Efta Cidade , que he a ca-
fa aosJapões. pital da Provincia , he cingida de bons mu-

ros , mas tao baixos , que tem fó dez pés de


altura. Apenas os Japões fe tinhao eſtabele-
cido , quando forao fitiados de hum exer-
cito
do Japao. Liv. X. 485
cito de Coreanos , e de Chinas , que vinhao
em feu foccorro refolutos de affaltar a pra-
ça. Dérao a primeira inveftida ; mas forao
rebatidos com muito eftrago , e D. Agofti-
nho prendeo o General do feu exercito , e
o mandou a Taycofama. Sabendo esta nova
os Chinas, fe intimidárao tanto , que hum dos
Cabos chamado Xuxexi , homem de grande
respeito , e talento , mandou propor algu-
mas propofições de paz a D.Agostinho, pro-
mettendo-lhe , que o Imperador feu Senhor
expediria huma Embáxada a Taycofama , e
1 entretanto houvélfe dous mezes de fufpenfaō
de armas para fe tratar , e concluir a paz.
Pofto que D. Agostinho viffe , que
os ajuftes erao ordenados a ganhar tempo
0 para fe defenderem , moftrou , que nao efta-
va longe de os aceitar , com tanto , que fof-
fem racionáveis as condições ; e fem alguma
duvida as aceitou pela neceffidade, a que ef-
tava reduzido , nao havendo munições , nem
mantimentos ; porque os Coreanos tinhao ta-
lado todo o paîz , para tirar aos Japões os
meyos de fubfiftir , e fe haviao retirado aos
bofques , e montes , levando comfigo todo
o mais preciofo , que tinhao . Os foldados
Japonezes, a quem faltavao as vitualhas pre-
cifas , morriao de fome pela mayor parte :
e ainda que D. Agoſtinho mandava avifar o
Imperador do estado , a que eftava reduzido
o exercito , nao colhia o remedio da fua mi-
feria ; porque o fatisfazia fó com palavras
fem algum outro effeito ; e fe lhe remettia
Tom . II. Hh 3 á for-
486. Hiftoria da Igreja
á força de inftancias algum refresco, os Co-
reanos , que erao práticos nos caminhos , e
eftavao embofcados , nao faltavao em o rou-
bar. Nao fó he embaraçavao os vîveres pe-
la terra , mas tambem pelo mar ; porque co-
mo os feus navios fao mayores , e mais fór-
tes , que os dos Japões , e elles muito intel-
ligentes nefta marinha , fó em hum dia to-
máraó aos Japōões trezentas embarcações pe-
quenas. Efte fucceffo poz em tal careftîa o
exercito , que defertavao pela mayor parte
os foldados para voltar ao Japao ; mas co-
mo os Coreanos batiao inceffantemente as ef-

tradas , nenhum efcapava das fuas maos ; e


o que podia chegar á praya , nao achando
embarcação para fe retirar , erao defpeda-
çados dos Paizanos ; de forte , que fe fez a
conta a cincoenta mil Japonezes , que mor-
rêrao na Corea defde o principio da guerra
até o tratado das pazes.
Todos os Officiaes do exercito la-
mentavao a fua miferia , especialmente o
General , que prevîa o trifte fim daquella
guerra , e este peníamento o moveo a efcu-
tar as propofições das pazes , que lhe fizé-
rao ; mas comtudo eftava fempre vigilante ,
fabendo que os inimigos nao efperavao mais
que achálo defcuidado . Com effeito os Chi-
nas, e Coreanos eftando bem informados da
confternaçao , a que estava reduzido , viéraó
com forças muito fuperiores a pôr fitio á
Cidade de Pean . D. Agostinho , que estava
dentro , vendo que a praça nao estava capaz
de
do Japao. Liv. X. 487
de defenfa , the fahio ao encontro , e trava
da a batalha, fez notavel eftrago nos inimi-
gos ; mas como lhe vinhao novos reforços ,
foy obrigado a retirar-fe á Cidade , que lo-
go foy atacada dos Coreanos ; e ainda que
os fitiados fizérao valerola refiftencia, forao
emfim obrigados a largar a praça .
Vendo D. Agostinho quafi tudo per-
dido , não perdeo poriflo o animo ; e reti-
rando- fe a hum trincheiramento , que para to-
da a adverfidade havia mandado fazer na Ci-

dade , os inimigos o feguirao , intentando


atacálo , e deftruilo : mas os Japonezes , ain-
da que em pequeno numero , e quafi todos
feridos , animados com a prefença do feu
General , e da neceffidade de vencer , ou
morrer . réſiſtirao tao valerofanente , que

nao pudérao vencer o feu esforço. Chegada


a noite , tocárao os inimigos a retirar. Tan-
to que D. Agostinho o entendeo , como fu-
riofo leaó fahio da fua trincheira , e dando
fobre os inimigos , forao lançados fóra da
Cidade , e obrigados a abandonála .
Depois de hum tao grande comba-
te , os feus Officiaes lhe reprefentárað : Que
eftando os foldados pela mayor parte feri
dos , e os outros canfados de hum conflito,
que durou tres dias , nao eftavao em estado
de fuftentar hum novo aflalto : que lhe fal-
tavao munições , e nao tinhao , com que fe
fuftentar ; e que era precifo retirar- fe ao fór-
te , que tinhao feito , no qual deixárao as
melhores tropas. Muito duvidou D. Agofti-
Hh 4 nho
488
Hiftoria da Igreja
nho aceitar efte partido ; mas vendo-fe obri-
gado da neceffidade , poz fogo á roda das
muralhas para esconder a retirada ao inimi-
go ; e depois de ter marchado toda a noi-
te , chegou ao rayar da Auróra ao primeiro
fórte , que havia feito : tinha deixado nelle
ao Rey de Bungo por Governador ; mas ef-
te , a quem a fua propria defaventura nao
tinha feito mais fabio, e acautelado , faben-
do , que o feu General eftava fitiado em
Pean , fuppondo- o perdido , abandonou a
primeira , e fegunda fortaleza , e fe retirou
á terceira , onde foy parar o exercito de D.
Agostinho , que fe vio em huma horrivel
confternaçao , porque nao levava viveres
mais que para huma jornada , fendo necef-
fario marchar tres dias , e noites no rigor
do Inverno , eftando o paîz todo coberto de
neve ; e he certo, que fe os inimigos feguiffem
os Japonezes , nao elcaparia hum fó vivo.
Chegando pois o General á tercei-
ra fortaleza , achou ao Rey de Bungo com
boas tropas o grande Capitao , e perfeito
Servo de Deos nao quiz arguir- lhe a fua vi-
leza , e imprudencia ; mas diffimulando o feu
refentimento , fe applicou fó a fazer curar os
feridos , e enfermos , e refazer a fua gente
opprimida das fadigas , e trabalhos , que ti-
nhao fofrido . Tanto que recobrou as forças
perdidas , voltou com as fuas tropas para a
Paz , que fe Cidade de Pean com intento de invernar alli .
concluio en .
treCoreanos, Sabendo Taycofama os aflaltos , que
eJaponezes, o feu exercito havia fuftentado em Pean, e
a reti-
do Japao. Liv. IX. 489
1 a retirada , que fez ao fórte , louvou muito
a prudencia , e valor do General ; mas del-
pojou a D. Conftantino Rey de Bungo do
feu Reyno , julgando era indignos , e inca-
paz de o governar ; e tambem lhe mandaria
tirar a vida , fe os feus amigos nao interce-
deffem por elle ; concedeo lha porêm com
condiçao , de que fe retiraffe ao Reyno de
Amanguche fó com cinco criados , que o
acompanhaffem. Efcreveo a todos os Cabos
do exercito , exhortando-os a ter paciencia
até a Primavera , que elle meſmo lhes leva-
ria o foccorro ; que lhe parecia agora , que
o exercito deixaffe a Cidade de Pean , e ſe
retiraffe ás fortalezas , que eftavao perto do
mar , prevendo , como grande Capitao , que
os Chinas , e Coreanos infiftiriaó a atacálos ,
como com effeito fuccedeo ; porque fabendo ,
que os Japões haviao entrado na Cidade , ani-
mados pela vitoria , que tinhao alcançado ,
viérao com hum exercito, muito mais pode-
rofo que o primeiro, a fitiálos : mas D.Agof-
tinho, defprezador dos mayores perigos , lhes
fahio ao encontro refoluto a aprefentar - lhes
batalha , ainda que reconhecia as fuas forças
muito inferiores. Os inimigos logo que def-
cobrirao os contrarios , fe lançárao fobre el-
les com grande impeto, e furor , como gen-
te, que combatia pela fua pátria , mulheres ,
e filhos os Japões da outra parte animados
do feu proprio valor , e da neceffidade de
vencer , vendo- fe em huma terra eftranha ,
cercados de mar por toda a parte , pelejá-
rao
490 Hiftoria da Igreja.
Tao como defefperados . Os dous exercitos
eftivéraó todo o dia combatendo com tanto
ardor , e desejo de vencer , que fó o escuro
da noite os feparou . A perda fóy grande em
ambas as partes , fem fe poder fazer juizo
certo de qual feria mayor. Com tudo os Chi
nas , e Coreanos , vendo que tinhao defron-
te gente de boa cabeça , e iguaes maos , e
que le perdiao a batalha , nunca mais ref-
taurariao a China , e Corea , fallárao em
ajufte a D. Agostinho ; e ainda que lhe fo
brava o valor, nao tendo forças, fe refolved
aceitar as propofições ; e depois de muitas
conferencias fe ajuftou , que os Coreanos
mandariaõ dous Embáxadores a Taycofama
e os Japões largariao Pean , retirando-fe ás
doze fortalezas , que tinhao vifinhas ao mar .
Xuxexi. Senhor China fe unio aos
Artigos da
paz. dous Embáxadores de Corea , e pedio a D.
Agostinho foffe ao Japao com elles para in-
formar o Imperador do eftado , em que ef-
tavao as fuas tropas. Taycofama gostou mui
to deſta Embáxada ; porque bem via intentá
ra huma empreza temeraria , e que nao po-
dendo fahir daquella guerra com honra, efte
cuidado o teria notavelmente mortificado.

Confiderava , que lhe era preciſo tirar do


interior do Imperio as fuas melhores tropás,

que le fuccedeffe no Japaó alguma fubleva-


çaó , de que com fundamento fe podia te-
mer pelo muito, que era odiado , ficaria fem
forças , e fem refiftencia para a defenſa : por
eftas razões fez mil caricias a D. Agostinho ,
e lhe
do Japão. Liv. X. 491

e lhe deo huma grande quantia de dinhei


ro , augmentando confideravelmente as fuas
rendas , e o feu foldo. Os Embáxadores fo-
rao recebidos com toda a poffivel magnifi-
cencia , e tratados com muita grandeza : deo-
lhes os divertimentoa de jogos, torneos , ef
péctaculos , e Comedias , até que fe conclufo
a paz com as condições feguintes . Primei-
ra que de oito Provincias, que compunhao
o Reyno de Corea , cinco ficariao em poder
do Imperador do Japao. Segunda : que o Im-
perador da China lhe mandaria huma de fuas
filhas por elpofa , para mais fe eſtabelecer a
paz , e uniao entre os dous Imperios. Ter-
ceira que fe reftabeleceria o comercio en-
S tre os japões , e Chinas . Quarta : que os
T. Chinas , e Coreanos pagariao todos os an-
15 nos certo tributo ao Soberano do Japao pa-
ra final da ſua ſugeiçao, e dependencia. Quin-
1. ta , e ultima que em quanto fe efperaffe a
repoſta , haveria fufpenfaõ de armas de hu-
ཡ་
་ -

ma , e outra parte.
-

Os Embáxadores contentes da hof-

pedagem , tendo finalizada a fua dependen-


e cia , pedirao licença para fe retirar ; e Tay-
cofama mandou com elles por Embáxador
0 ao Imperador da China hum dos Capitães
de D. Agostinho chamado Naytandono , ve-
lho , e fiel Chriftao. Para obrigar os inimi-
gos a firmar os artigos da paz , ordencu ao
mesmo tempo fe levantaffem outras doze for-
talezas ao pé do mar, mandando guarnecêlas
por cincoenta mil homens , e que as tropas
velhas
:
492 Hiftoria da Igreja
velhas voltaffem para o Japao para feguran-
ça do feu Eftado , e pefloa , e a D. Agoſti-
nho folle outra vez para Corea a comandar
o exercito .
Em quanto hum General Chriſtað fa-
A Igreja de
Nangazaqui zia guerra aos Gentios , hcm infiel Japaó ex-
he restabele citou outra contra os Chriſ taos . Já dillémos ,
cida. que no Japao todos depois da idade de do-

ze annos poem efpada , e punhal , excepto


os agricultores , e artifices , confiftindo o feu.
mayor cuidado na belleza das armas. Hum

idólatra , de quem fe ignora o nome , e fó


conhecido por grande inimigo dos Padres ,
eftando na Corte , teve traça para fe intro-
duzir na prefença do Imperador , ao qual
accufou falfamente os Chriftaós , dizendo
que nao fizéffe confiança delles , principal-
mente dos que habitavao em Ximo ; porque
tinhao muitas armas , e era perigofo , que
em quanto as forças do Imperio le achavao
divididas , formaffem qualquer partido no
Eftado ; porque eftavao muy irritados de fe
lhes demolirem as fuas Igrejas , e nao efpe-
ravao mais que occafiao opportuna para fu-
blevar-fe. Taycofama , que fó temîa tumul-
tos , e fedições naquella conjuntura pouco
favoravel , fem mais fórma de proceflo orde-
nou , que todos os Chriftaos nao fó de Nan-
gazaqui , mas de todos os Reynos de Ximo
follem defarmados ; e aos que recufaffem en-
tregar as armas , fe lhes tiraffe a vida . A or-
dem foy executadı , como elle determinou ,
tendo os Chriſtaos o defgofto de fever def-
pojados
do Japao. Liv. X. 493
pojados do que mais eftimavao , fem oufar
nem ainda queixar - fe , por nao dar occaſiaó
a mayores defaventuras.
Porêm Deos , que havia permittido ,
que hum infiel affligiffe os Chriſtaōs , quiz ,
que outro infiel os confolaffe , repondo as
couzas no eftado, em que eſtavao antes. Foy
o cafo. Já vimos , que Taycolama mandára
hum novo Governador para Nangazaqui com
ordem de fe informar das véxações , e vio
lencias de que hum Hefpanhol tinha accu-
fado os Portuguezes . O Governador chama-
0
va-fe Terazaba era fincéro, recto, e de bom
S
coraçao. Tanto que fe informou do negocio,
TO
e ouvio as partes , declarou aos Portuguezes
innocentes , do que lhes imputava o Cafte-
Ihano , e o Embáxador das Filipinas, e def-
al
aggravou os Padres da Companhia de todas
que
as calumnias, com que tinhao procurado man-
chálos ; fazendo de toda a verdade relaçao
20
á Corte no mesmo tempo , que hum grande
па
navio da India chegou a Nangazaqui. Co-
mo os Grandes difcorriao na prefença de
De
Taycofama da utilidade , que tinha o Efta-
fu
do com aquelle comercio, diffe Terazaba em
ul.
voz alta , que nao podiaó efperar mais , que
CO
os Portuguezes viéffem ao Japao, fe lhes nao
de
confentião os Padres Europeos , que erao os
an
feus Sacerdotes , os feus Doutores , e os que
lhes dirigiao as fuas conciencias ; pois os
1.
reconciliavao, quando eftavao difcordes , im-
Of
pedindo , que fizéffem alguma injuftiça aos
mercadores, e obrigando a reftituir o alheyo,
quando
OS
494 Hiftoria da Igreja
quando algum o retîa contra vontade de feu
dono .
Efte difcurfo , que fe divulgou pela
terra , ainda que a todos parecia bem , ne-
nhum ouſava approválo , vendo que o Impe-
rador fe calava ; mas depois de alguns dias,
tendo-lhe Terazaba pedido audiencia, lhe ex-
póz tudo o que paffára na cómiffao , que
The déra de proceffar os Portuguezes , exa-
minar o procedimento dos Padres de Euro-
ropa , e regular tudo , o que refpeitava ao
comercio. Declarou pois com toda a verda-
de : Que os Portuguezes eſtavao innocentes
de quanto foraó accufados ; que os Padres
fe havia com muita fabedoria , modéftia ,
e obediencia , nao fazendo couza alguma
contra as ordens de S. Mageftade : mas que
era cafo muy estranho , que peffoas de tan-
ta confideraçao , como erao os dez Religio-
fos , que eftavao em refens em Nangazaqui
por ordem de S. Mageftade , em quanto che-
gava a repofta do Vice- Rev da India , naố
tivéffem cafa , em que recolher -fe , obrigan-
do-os a alojar -ſe em hum hofpital ; e fem em-
bargo defte máo trato , nao fe lhes ouvia
queixa alguma , e fofriao o trabalho com in-
vencivel paciencia; porêm que os Portuguezes
ſe eſcandalizavao muito , e proteſtavao , que
naó tornariaó ao Japaó , fe lhes nao reftituîf-
fem a Igreja para fazerem as fuas devoções ,
e a Cala aos Padres para viverem com a pre-
cila comodidade.

Com muita attençao ouvio Tayco-


fama
do Japaō. Liv. X. 495
fama o Governador , e refpondeo , que lhe
parecia racionavel a fua propófta , conceden-
do- lhe logo licença , para que os Padres re-
edificaffem Cafa , e Igreja , com tanto , que

foffe á fua cufta. Chegando efta noticia a


Nangazaqui, nao fe póde explicar a alegria
de todos os Chriftaos : fabricou - fe logo Igre-
ja , e Cafa , concorrendo todos de boa von-
歡 tade para a defpeza ; e julgando Terazaba ,
que para estabelecer o comercio feria acer-
tado, que o Capitao Portuguez beijaſſe a mao
2. ao Imperador , lhe perguntou : Se S. Magef
tade fe agradaria , que o Patrao do navio

Portuguez viéffe agradecer-lhe a mercê, que
29.2
227

12 fazia aos Padres , e aos da fua Naçao de lhes


&&
22

m reftituir a Igreja , e Cafa , que fe lhes havia


2
§
É
2
0

‫יט‬ tirado ; e que juntamente hum dos Padres o


acompanhaffe para lhe mostrar igualmente a
fua gratidao ? Refpondeo o Imperador, que
fim. Viéraó logo á Corte ; e fendo recebidos
de Taycofama com agrado , lhes mandou dar
do feu chá , que he huma das mayores de-
an monftrações de affecto , que póde moftrar o
Imperador do Japao , a quem favorece.
ri Em quanto os Chriftaos de Nangaza- Defordens ,
in qui eftavao com fumma alegria pela reftitui- que fuccede-
ção da fua Igreja , fe viao os de Bungo no- raóBun
re de no go.
Reyno
tavelmente afflictos , fabendo que o feu Rey
D.Conftantino eftava defpojado do Reyno, e
que Governadores Gentios vinhao tomar pof-
S₁
fe delle em nome de Taycofama : porque he
coftume no Japaó , que quando hum Rey he

0' defpojado dos feus Eftados , os feus paren-


tes,
n
496 Hiftoria da Igreja
tes , officiaes domefticos , foldados , e geral-
mente todos os feus vaffallos , que tinhao al-
gum pofto , penfao , ou eftipendio , corrao
a mefma fortuna , fendo tambem despojados
dos feus empregos com perda dos direitos
de que antes gozavao ; e por efta caufa todo
o Reyno eſtava em defordem , e confufao
temendo os trabalhos , que fe lhes feguiriao
daquella defgraça. A Nobreza , e principaes
Senhores de Bungo eftavao em Corea ; fuas
mulheres , e filhos choravao inconfolavel-
mente , e refolvêrao retirar fe para outro
Reyno com tudo quanto tinhao mais precio-
fo. Defta forte aquelle Principe defgraçado ,
que perdêra a Fé , e perfeguira os Chriſtaos
por confervar a Coroa , a perdeo , e foy
reduzido á condiçao de fimples foldado , que
nao tem mais , como fe coftuma dizer, que
elpada, e capa : e porque nao quiz fugeitar- ་
le ao verdadeiro Deos , fe vio obrigado de 1
Taycofama a viver debaixo do dominio do
Rey de Amanguche , que era o mayor ini-
migo , que havia tido o Rey feu pay. Efte

bom velho , que lhe tinha predicto efta def-


graça, quando diffe , que fe preferifle a ami-
fade dos homens á de Deos , perderia a Deos,
e nao ganharia a dos homens , fentiria , fe
vivefle , a fua infelicidade , mas muito mais
a fua idolatria. Obfervou-fe , que perdeo o
Reyno no mesmo dia , em que alguns an-
nos antes tinha mandado matar o bom ve-
lho Jeronymo , de que temos feito mençaó ;
o que moftra evidentemente , quanto fe per-
de
do Japao. Liv. X. 497
de em defagradar a Deos ; e que ainda que
as cruzes fejaō a porçao dos bons , deixa
'ས'ྶ

tambem cahir tarde , ou cedo os impios na


S
miferia, e confufao ; afim, de que conheçao ,
como diz a Efcritura , a differença , que vay
de fervir a Deos , ou aos homens , que or-
dinariamente pagao do modo , que temos
referido.

Nefte anno de 1593 morreo D. Ro- Morte de D,


Rodrigo.
drigo pay de D. Agostinho , que fendo ef-
timado do Imperador pela fua prudencia , e
TO valor , o tinha feito ( fem embargo de fer
Chriſtao ) Governador de Porto de Muro ,
0
e da Ilha de Injumoxima , depois Governa-
dor de Sacay , e ultimamente Superintenden-
te das Fianças , e da Tenencia de Sacay a
by
D. Bento feu filho. O bom velho vendo - fe
com hum emprego tao confideravel , quiz
applicar-fe a elle ; mas as fuas forças nao
de correfpondendo aos feus defejos , cahio en-
fermo em Nangoya , onde fe confeflou ge-
ralmente de toda fua vida ao P. Organtino ,
e recebeo os ultimos Sacramentos . Crefcen-
પીટ
do cada vez mais o mal , pedio o levaffem
ao feu governo de Sacay; mas temendo fer
fepultado com as honras , e ceremonias , que
fe ufaó com os Governadores idólatras , quiz
"
fer conduzido para Meaco , onde mandou

0 erigir hum Oratorio na fua camara ; e fen-


tindo avifinhar - fe a ultima hora, pedio hum
1
Crucifixo , e beijando -o com muita ternura ,
entregouo feu efpirito a Deos , pronunci-
ando com grande affecto os Santiffimos No-
Tom . II. ᏞᎥ mes
498 Hiftoria da Igreja.
mes de JESUS , e MARIA. A vida , e morte
defte fabio Cortezao , tao oppoſta á do Rey
de Bungo , juftifica agora a providencia de
Deos ; porque o Imperador degradou ao que
renegou da Fé por lhe dar gofto , e fublimou
a D. Rodrigo , que antes quiz privar- fe de
todas as honras , que faltar á Fé. Sem du-
vida , que Taycofama efteve do meſmo pa-
recer de Theodorico Rey dos Godos , que
mandou cortar a cabeça a hum dos feus
vaffallos , que por lhe agradar , ſe fizéra Ar-
riano , dizendo , que aquelle , que 2 nao era
fiel ao feu Deos , menos o feria ao feu Prin
cipe. D. Rodrigo foy fepultado de noite ,
e fem faufto , como elle havia determinado .
Deixou no feu teftamento dous mil ducados
para fe fabricar a Igreja de Meaco , e fun-
dou hum hofpital na Cidade de Sacay para
cincoenta enfermos , que foflem Chriftas ,
ou eftivéſſem refolutos de o fer.
Nova Emba-
xada do Go- Nefte anno de 1593 , nao receben-
vernador das do o Governador das Filipinas a repoſta de
Filipinas co Taycofama ; porque os Embáxadores naufra-
Reli-
giofos daOr . gáraó , como diffémos ; ainda que por outro
den de Sao caminho foube quanto ella continha , diffi-
Franciſco. mulando prudentemente efta noticia, enviou
outro Embáxador para faber, o que o Impe-
rador reſpondêra ao primeiro. Para efte ef-
feito nomeou a Pedro Gonçalves com qua-
tro Religiofos da Obfervancia Regular de S.
Francifco : o primeiro chamava-fe Fr. Pedro
Baptifta , que era fugeito muito authoriza
do na fua Ordem pelas virtudes , e pren-
das ,
do Japao. Liv. X. 499
das , que o adornavao ; o fegundo Fr. Bar-
4-4

tholomeu Rodrigues ; o terceiro Fr. Francif-


co de S. Miguel ; o quarto , que nao era Sa-
e cerdote, chamava -fe Fr. Gonçalo Garira, que
labia a lingua Japoneza , e fervia de Inter-
de prete aos outros.

Tanto que o P. Gomes , Provincial
da Companhia de JESUS , que refidia em
De Nangazaqui , teve noticia da chegada da-
quelles bons Padres a Firando , mandou cum-
primentálos por hum dos feus Religiofos,
levando - lhes vários refrescos offerecendo-
3
lhes a fua Cafa de Nangazaqui , e geralmen-
e te tudo , quanto poffuta a fua Provincia na-
0. quellas terras : fomente lhes pedia por fa-
S vor especial , viveffem unidos tao perfeita-
1 mente , como na conjuntura prefente era
preciſo para gloria de Deos, e ferviço da ſua
S Igreja. Avifou ao mesmo tempo a todos os
Padres , que eftavao difperfos por aquellas
1 partes , recebeffem , e alojaffem os novos hof-
de pedes com o tratamento , e charidade , que
foffe poffivel , para que em tudo reconhecef-
-0 fem o feu affecto.
Nao fe detivérao os Embáxadores em

D Firando, mas logo forao para Nangoya , on-


de eftava o Imperador offerecer ao os feus
prefentes , que confiftiao em hum cavallo da
nova Hefpanha foberbamente ajaezado , hum
vestido rico ao ufo de Caftella , hum grande
espelho , huma efcrivaninha bem dourada ,
e cincoenta marcos de prata em reaes de
Hefpanha , as quaes offertas recebeo goftozo
Ii 2 Tayco-
500 Hiftoria da Igreja
Taycofama ; porque lhe defagradava recufar
couza alguma. O P. Fr. Pedro Baptifta lhe
fez dizerpelo feu Interprete , que vinhao
mandados do Governador das Filipinas a fa-
ber , fe humas Cartas , que forao dirigidas
a elle em nome de S. Mageftade , erao ver-
dadeiramente fuas ; por quanto o Embáxador ,
que havia dar efta noticia , le perdêra no
mar? Refpondeo Taycolama com a fua cof-
tumada arrogancia : Sim , eu dictey effes def-
pachos , e entendo, que o Governador das Fi-
lipinas virá logo peſfoalmente reconhecer-me
por Seu Soberano , e agradecer-me nao vol-
tar fobre elle todas as forças , que mandey
a Corea; e nao podendo vir , mandaráfeufi
lho , do que me darey por fatisfeito. O Pa-
dre lhe refpondeo com muita brandura , e
nodeftia , que fendo o Governador das Fili-
pinas vaffallo do Rey de Hefpanha , naõ po-
dia reconhecer outro Soberano fem ordem
expreffa fua ; e que elle nao tinha mais cố-
miffao , que dizer a S. Mageftade , que os
Europeos eftavao costumados a contratar
com os Japões , como filhos com pay; ( he
efta huma expreffao do paîz ) que fe affim
o permittiffe , ficaria elle com feus compa-
nheiros em refens , até que o Governador ,
que os enviára, lhe déffe mais ampla jurifdi-
çao. Nao quero , que vos demoreis no Japaõ
(replicou Taycofama ) fe nao jurares , que
os Européos me ferao fieis . O Padre lhe ref-
pondeo : Nos o juramos a V. Mageftade , e
obfervaremos inviolavelmente a nosa promesa.
Palla-
do Japao. Liv. X. 501
Paffados alguns dias, foy o Padre com Taycofama
os feus Religiofos pedir licença a Taycofama embaraça os
para ver os feus fumptuofos palacios de Padres pré-
garnoJapaó,
Meaco , e Ozaca ; porque queria levar noti
cia daquella maravilha da arte aos feus Na-
cionaes. O Imperador , que era exceffiva-
er
mente vangloriofo , lhe diffe logo : Permit-
to efla licença com a condiçao , que naõ ba-
no
veis prégar a Fé Catholica nos meus Eftados;

porêm os Religiofos , que eſtavao refolutos


em faltar a efta condiçao , nao promette
rao obfervála ,
e fó fe contentárão fazen-
ne
do huma profunda reverencia ao Imperador ,
o qual ordenou a hum Senhor de grande
ey
refpeito chamado Faxogana para os condu-
zir a Meace , e prover antes da partida de
tudo , o que lhes foffe neceffario ; e retira
dos de palacio os bons Padres , foraó pedir
li
ao Padre Gomes , Provincial, como temos di-
to , da Companhia , que estava em Nangaza-
qui , algum livro para aprender a lingua do
ງ.
Japao ; do qual zelo elle muito agradado ,
s
Thes mandou logo huma Grammatica , hum
af Diccionario , alguns Diálogos da manei-
e
ra mais facil, e util de confeffar , e outros
n
livros Portuguezes , e Japonezes , compóftos
pelos Padres da Companhia , e impreffos no
Japaó.
Começa
Em quanto fe efperava a repofta da defconfi a
ar de
China ſobre o tratado da paz, recebeo Tay- feu fobrinho.
cofama avifo da morte de fua máy , e efta
noticia o obrigou a voltar para Meaco para
ordenar o feu funeral. Embarcou , por ab-
Tom. II. Ii 3 breviar
502 Hiftoria da Igreja
breviar a jornada , pela Primavera do anno
de 1594 ; mas fobrevindo huma tempeftade ,
correo grande perigo a fua vida ; porque a
náo Capitânia , em que elle hia , impellida
dos ventos , e mares , foy dar em hum pe-
nedo , onde fe defpedaçou de modo , que
perecêrao no mar todos os que hiao nella
fe bem que o Imperador teve a ventura de
fahir a terra defpido , e cheyo de temor.
Chegando a Sacay , e nao achando
alli a feu fobrinho Cambacundono , ficou
admirado, e penfativo ; porêm efte Principe ,
que tinha gostado da doçura de huma vida
independente , receando que feu tio tomaf-
fe outra vez o governo , de que lhe déra
poffe , quando devia hir cumprimentálo a
Sacay , fingio, que eftava indifpofto em Mea-
co , e fe contentou de o mandar cortejar
por alguns dos feus Gentîs homens . Muito
fe defagradou Taycofama daquelle procedi-
mento ; e porque o mais que temia era al-
guma rebelliao , affentou quafi por infallivel ,
que algum projecto fe tinha formado contra
elle ; mas diffimulando o fentimento , foy pa-
ra Ozaca, e tomou o governo , difpondo to-
dos os negocios confórme o coftume ordi-
nario , que antes tinha. Bem prevîo Camba-
cundono o que fe lhe podia feguir , e affim
logo le conheceo a defconfiança de huma ,
e outra parte ; porque tanto que Taycofama
partio para Meaco a affiftir ao funeral de fua
may , paffou Cambacundono a Ozaca parà o
vifitar , ambos com muitas fufpeitas ; mas o
Impe-
do Japao. Liv. IX. 503
00 Imperador continuava em edificar a fua Ci-
dade de Fuximi , fem dar demonftraçao algu-
ma do que tinha acontecido , e Cambacun-
donó fe divertia na caça para diffimular o
feu temor.
De Neſte mesmo tempo chegou D. Si- Taycolama
mao Condera a Meaco a negocio particular ; permite 20
e o P. Organtino , que affiftia naquella Cida- P. Organtino
cftar am Mca-
de , lhe offereceo alguns vafos de conferva , co ,
to que lhe haviao trazido os mercadores Portu
guezes a Nangazaqui ; e fendo recebidos de
D. Simao com muitas demonftrações de agra-
decido , no mefmo dia os offertou a Camba-
af cundono, que eftava em Meaco , como temos
ra
dito , em quanto feu tio foy a Ozaca , dizen-
a
do, que o P.Organtino lhos trouxéra de Nan-
a gazaqui , fabendo que era couza no Japao mui-
af to eftimada. Ha muito tempo ( diffe o Prin-
to cipe ) que conheço effe bom Padre , e gosto ,
Hi. que esteja nos nofos dominios , porque lhe
al. affiftirey com tudo o que me for poivel ; e
el, com effeito dous dias depois lhe mandou du-
ra zentos faccos de arroz de efmóla ; e difcor-
2. rendo com alguns Cavalheiros familiarmen-
1
D- te , lhes diffe : Sinto muito , que o Impera
dor meu tio tenha tratado mal eftes Religio-
J1- fos da Europa ; porque a fua Ley me parece
boa , e util ao Estado , porque obriga a fe-
3, rem os vaffallos fieis à feu Senhor fallo
pela minha propria experiencia . Efte favor
113 do Principe animou aos Padres para fazerem,
ainda que em fegredo , os feus minifterios
0 em Meaco.
Ii 4 Tam-
504 Hiftoria da Igreja
Tambem o Governador da melma Ci-
dade chamado Xenifonio, ainda que idolatra ,
em tudo o que podia , patrocinava os Padres.
Em hum dia vendo a Taycofama com ani-
mo favoravelmente difpofto , lhe diffe , que
hum dos Padres Europêos muito velho , e
doente, eftava nos arrabaldes de Meaco, por-
que havendo mais de trinta annos , que vi-
via no Japaó , nao podia mudar de ár fem
perigo evidente de vida. Caufou me compai-
xao (continuou) e nao pude negar- lhe a mer-
cê, que me pedia de acabar a resto da fua
vida entre nós. Fizéftes bem ; ( refpondeo

Taycofama ) porque fendo muito avançado


em idade , e nao havendo Igreja em Meaco
para fer frequentada dos Chriftaōs, nao po-
de fazer dano algum. O Governador nao
adiantou o difcurfo ; porêm avifou logo ao
P. Organtino do que paffara , dizendo ?
, po-
dia continuar os exercicios de piedade , e
Religiao , mas em fegredo , e fem publici-
dade. Logo o Padre alugou huma cafa , e
mandou erigir com muita cautéla hum Ora-
torio , e a certa hora do dia entravaó nelle
os Chriſtaos para affiftir aos Divinos Officios,
e receber os Sacramentos : havia na cafa

quatro Religiofos ; mas fó o P. Organtino ,


eo P. Joao Rodrigues andavao defcobertos ,
porque fe lhes havia dado effa permiffao.
Porêm os Padres de S.Francifco julgá-
rao nao fer neceffarias tao refpeito zas medi-
das ; por quanto o grande zelo , que os ani-
mava, lhes fez crer, que aquellas circuntpéc
ções .
do Japao. Liv. X. 505

ções ás ordens do Soberano era contrarias Os PP. de S.


á liberdade do Evangelho , e que era necef Franciſco fa-
fario annunciar a Fé aos infieis , nao obftan- ven háeCom
zemto, hu
te toda a prohibiçao. Forao pois vifitar a malgreja em
Taycoláma á nova Cidade de Fuximi , e lhe Mcaco.
reprefentáraó , que por fer Religiofos , ti-
nhao grande difficuldade de habitar em ca-
fas de feculares : pelo que pediaó a S. Ma-
geftade hum lugar vifinho a Meaco , retira-
do do comercio do Mundo , para fazerem
huma pequena cafa para feu ufo ; e mandan-
4 do o Imperador foffem fallar ao Governa
20 dor de Meaco , efte lhes affinou hum bello
fitio fóra dos muros da mefma Cidade , de-
CO pois de lhes haver intimado outra vez o de-
creto de Taycofama , que lhes prohibia pré
gar , e ter concurfo de Chriſtaos em fua cafa.
10 Mas os Padres , fem lhes obſtar os avifos do
-
Governador, mandáraó fabricar huma Igreja,
e hum clauftro , e hum Convento , cercado
todo de muros, pondo- lhe o Titulo de Nof-

e Sa Senhora da Porciuncula , e differaó a pri-


meira Miffa a 4. de Outubro de 1594 , con-
2.
tinuando os mefmos exercicios todos os Do-
le
mingos , e feftas.
Ainda que os Chriſtaos eftavað mui-
to contentes , vendo celebrar os Divinos Of-
"
ficios , e ouvindo prégar a palavra de Deos
JS,
tao perto de Meaco , os mais fabios, e pru-
dentes lhes pedirao confideraffem , que nao
eftando Taycofama longe, era impoffivel dei-
xar de faber , o que elles obravao em con-
trario do feu decreto , fendo muy perigofo
C em
506 Hiftoria da Igreja
. em tempo de perfeguiçao pôrem fe em ter
mos , de que revogatle a graça , que com as
condições referidas lhes tinha permittido ;
e que offendido daquelle procedimento ex-
terminaria de todo a Religiaó Catholica.
Muitos Senhores Gentios differao tambem o
mefmo , e avifáraó ao Governador de Mea-
co , o qual vendo , que daqui fe lhe podia
occafionar a fua defgraça com o Imperador,
ordenou aos Religiofos tivéffem fechada a
porta da Igreja , e nao confentiſlem , nem
admittiffem publicamente nella os Chriſtaos .
Hindo depois á Corté , e achando-ſe fó com
o Imperador , lhe difle : Temo muito dos Re-
ligiofos , que fe chamao Embáxadores do Go-
vernador das Filipinas , fe appliquem a pré-
gar, e baptizar, como os outros. Se o fizé-
rem ( refpondeo o Imperador ) pódem guar-
dar fe bem do caftigo , que lhes mandarey
dar ; pois ferá tao rigoroso, que aprendaỡ o
caro, que lhes cufta nao obfervar as minhas
ordens.
Tendo pois o Governador avifado os
Padres, e dado conta ao Imperador , enten-
deo tinha fatisfeito á fua obrigação ; e ven
do , que continuavao os exercicios da Reli -
giao com a mesma publicidade , fingio , que
nao era fciente daquella refoluçao. Perfua-
didos os bons Padres , que Taycofama appro-
vava tacitamente a fua conducta , e que nao
fe lhes embaraçando por parte alguma , fica-
vao com liberdade de fe exercitarem na fua

Miffao publicamente , nefta fuppofiçao eſcre-


vêrao
do Japao. Liv. X. 507
vêrao logo ao Governador de Manilla , dan-
do- lhe conta de tudo , quanto tinha fuccedi-
do , e convidando os ieus Religiofos para
virem ter parte na gloria defta conquiſta
Tres Padres chegárao no mefmo anno de

1594: o primeiro chamava-fe Fr. Agostinho.


Rodrigues ; o fegundo Fr. Ribadaneira , e o
terceiro Fr. Jeronymo de Jefus .
Havendo alcançado audiencia do Im- Querem fun-
perador , lhe apreſentárao as Cartas do Go- dar outro no-
vo Convento
vernador das Filipinas com riquiffimos pre- em Nangaza-
fentes , os quaes recebeo Taycofama , mas qui , mas fao
S. nao ficou fatisfeito das Cartas . O P. Fr. Pe defterrados.

dro Baptifta vendo eſte novo foccorro , co-


meçou outro Convento em Ozaca , que fe
chamou de Belém ; e entendendo , que de-
pois defte poderia edificar outro em Nanga
zaqui , para o pôr em execuçao deo a en-
tender ao Governador de Meaco , que elle ti-
nha dous Religiofos , que neceffitavao mu-
0
dar de ár ,e affim the pedia alcançaſſe. de
Taycofama a permiffao de hirem para Nan-
gazaqui . O Governador lhe refpondeo , que
OS
fe era precilo para a fua faúde , nao neceffi-
tavao de licença ; porque todos os que efta-
I'
vao no Japao , tinhao liberdade para viver
em qualquer terra do feu dominio , que fol-
e
fe de feu mayor gofto , e utilidade. Com o
feguro defta palavra os Padres Fr. Pedro , e
Fr. Jeronymo , foraó para Nangazaqui , fen-
ó
do hofpedados alli pelos Religiofos da Com-
panhia , que os tratáraó com a poffivel cha-
ridade por espaço de quafi hum mez ; e paf-
fado
508 a
Hiftori da Igreja
fado efte , forao eſtabelecer ſe vifinhos a hu
ma Capella de S. Lazaro , fituada fóra da Ci-
dade entre dous hofpitaes, que erao da Irman-
dade da Mifericordia , e alif começáraó a di-
zer Miſla , e a prégar em publico , nao ob-
ftante a prohibição do Imperador.
Ös Administradores dos dous hofpi-
taes fe admiráraó, de que os bons Padres fe
eftabeleceffem naquelle lagar , que lhes per-
tencia , fem lhes ter primeiro fallado ; mas
o Lugar-Tenente de Terazaba , que tinha o
governo da Cidade na ausencia delle, ficou vi-

vamente queixofo , e com tanto mayor funda-


mento, quanto o Governador havia prohibido
exercitar os Divinos Officios , erigir altares,
e expor as Imagens ; porêm como nao podia
perfuadir-fe , que aquelles Religiofos tivéf
lem determinação de defobedecer abertamen-
te ás ordens do Imperador , avisou a Tera-
zaba, que eftava em Nangoya , para que lhe
difféffe , fe confentia , que os Religiofos das
Filipinas prégaffem em publico , e exercitaf-
fem a fua Religiao . Recebendo Terazaba ef-
ta noticia , temendo o defgofto do Impera-
dor , refpondeo, que notaffe todos aquelles ,
que diziao Miffa naquella Capella ; porque
lhes havia procurar a morte, e que elle hia a
Meaco informar- fe da vontade de Taycofama.
OLugar-Tenente em obfervancia def.
ta ordem mandou publicar pela Cidade ao
fom de trombetas , que prohibia a todos os
moradores de Nangazaqui ouvir Miffa , e
Sermões naquella Capella , e fazer oraçao .
diante
do Japao. Liv. X. 509
diante das Cruzes com cominaçao de graves

penas , de que refultou aos Chriftaos grande


mágoa , por fe lhes privar a confolação de
hir todos os dias vifitar com muita devoçao
aquelle Sagrado Sinal da Redempçao . O'ca-
fo porêm nao ficou neftes termos , ainda paß
fou ávante ; porque encontrando Terazaba a
Xenifonio Governador de Meaco , efte the

diffe , que aquelles Religiofos lhe haviaó pe


dido licença para buscar
nos árés de Nan-

gazaqui remedio para a fua faúde. Sabendo
Terazaba o pretexto , com que fe tinhao
introduzido naquelle fitio , efcreveo logo ao
feu Lugar- Tenente , que exterminaffe de to-
dos os lugares da fua jurifdiçaõ aquelles Pa-
dres ; e fendo avifado defta ordem o P.Gomes,
Provincial dos Jefuitas , lhes mandou offere-
20 cer a lua Caſa , em quanto fe moderava a
12 ra do Governador ; mas os Religiofos agra-
decendo -lhe a charidade , refolvêraó, que era
Jas mais conveniente retirar-fe ao feu Convento
af de Meaco.

el· Nefte mesmo tempo Taycofama def- Boas , é más


confiou mais que nunca defeu ſobrinho Cam- qualidades
de Cambacu
S bacundono , de modo , que fe refolveo ar- dono.
JU ruînálo a todo rifco. Era elle hum moço de
11 trinta e tres annos , dotado das mais bellas
partes , que em hum Principe ſe pódem de-
Lejar. Tinha o efpirito vivo , e penetrante ,
Os coftumes honeftos , o génio affavel , e
0 benigno , fabio , e prudente. Tinha hor-
ror aos vicios abomináveis ,
02
1

de que fe nao
envergonhaō no Japao ; couza bem rara em
huns
te
$ 10 Hiftoria da Igreja
hum Principe moço : amava as boas letras ,
e em tratar as pelloas , que as profeffavao ,
era o feu mayor gofto : ettimava muito con-
verfar com os homens doutos ; e porque a
noffa Religiao enfina as virtudes , e bons
coftumes , fazia della hum grande apreço.
Mas todas eftas boas qualidades eſcu-
recia com o vicio mais extravagante , e ex-
traordinario , que póde entrar no coraçao
humano. Era efte huma barbara inclinaçao
de matar homens , fazendo o mayor diver-
timento deſta crueldade : de forte , que len-

do alguma pessoa condenada á morte , que.


ria elle mefmo fer o executor da fentença.
Mandou levantar vifinho ao feu palacio hum
lugar algum tanto eminente cercado de muros ,
no meyo do qual eſtava huma táboa, em que
eſtendia os réos, e os talhava em pedaços : ou-
tras vezes quèria eftivéffem em pé para os a-
brir pelo meyo com tyrannia fumma. O- feu
mayor goſto era cortar- lhe os membros hum
depois do outro. A's vezes os mandava pôr a
tiro de piftola , e fazia delles alvo para acer-
tar o golpe ; humas vezes com flechas, e ou-
tras com mofquetes : mas o que excede a cru-
eldade dos mais barbaros tyrannos era man-

dar abrir o ventre ás mulheres pejadas , fa-


zendo perder com inaudita impiedade a vi-
da á may , e ao filho. Efta paixao de bruto
feróz , e cruel deftruîa as boas qualidades ,
que temos referido pela noticia do P. Luiz
Fróes , que o conheceo, e tratou muito tem-
po .
Hum
do Japão. Liv. X. 511
Hum monf tro tao horr oroz o nao po Caufa , por
dia viver muito tempo fobre a terra. Tay que le poz
cofama , como diflémos concebeo contra em difcordia
com feu tio.
elle grande defconfiança , entendendo The
queria ufurpar o Imperio : e Cambacundono
tambem fe moftrava offendido do procedi-
mento de feu tio ; ou porque havia tomado
o governo da Tença , que lhe tinha dado ,
nao lhe deixando mais que o nome , e titu
lo de Governador ; ou porque ouvio , que
elle différa , que quando tomaffe a Corea , e

1. a China , havia mandálo para a governar.

De Mas efta difpofição lhe defagradava ; porque


entendia os perigos , a que le expunha em
hum grande Imperio conquistado de novo ,
julgando , que fe huma vez puzéffe os pés

fóra do Japao , nunca mais entraria nelle ;


རྗཎྜཱ

ue
e que o obrigavao com efte favor a deixar
o certo pelo duvidozo ; huma fortuna , de
que já tinha a poffe , por hum governo ,
ed
que nao era feguro : e ainda que a guerra de
Corea nao tivéffe o fucceflo , que o Impera-
dor havia propofto , Cambacundono conhe-
er
ብ cia muito bem, que o intento de feu tio era
D defterrálo do Japaó.
Porêm o que finalmente rompeo os
10
vinculos da uniaổ , que havia entre eftes

dous Principes , foy , que tendo Taycofama


hum filho de huma das fuas mulheres ( fe
acafo era feu , porque muitos o julgáraó fup-
poſto ) mandou fazer por todo Japao feftas
extraordinarias ; e tomando outras medidas'
differentes , das que tinha ufado , quiz que
feu
512 Hiftoria da Igreja
feu fobrinho o adoptaffe por filho , para de
pois o obrigar a defpojar-fe do Imperio pa-
ra lhe dar a inveftidura delle , como fe ufa
no Japao. Mas Cambacundono , que tinha
hum difcurfo vivo , e penetrante , conheceo

a intençao de feu tio , de que fe affligio ex-


ceffivamente , porque tinha tres filhos , que
efperava fazer herdeiros da Coroa ; e exaf-
perados os animos de huma , e outra parte ,
era comum parecer de todos , que a difcordia
nao finalizava , fenaó com a morte ou do
tio , ou do fobrinho.

Taycofama Taycofama mais prudente, como bem


vifita feu fo- experimentado , diffimulou a fua paixaó , e
brinho,
para impedir a feu fobrinho formar partido
no Estado , teceo huma rede, em que o infe-
liz Principe ficou prezo. He coftume anti-
quiffimo no Japaó , que quando o Senhor da
Tença, que he o que tem o dominio do Im-
perio , renuncia o governo dos feus Eftados
em algum dos feus filhos , nao fó todos os
Grandes o vao vifitar , e reconhecer por feu
Soberano , mas o mesmo pay lhe dá a in-
veftidura , e poder com toda a poffivel pom-
pa, e magnificencia. Tendo pois Taycofama
renunciado o governo do Japao a favor de
feu fobrinho , lhe mandou dizer , que hiria
vifitáloem hum certo dia , que lhe affina
va, para lhe dar a investidura : foy eſta no-
va como a luz, que diffipou as trévas da def-
confiança a Cambacundono ; pois crêo indu-
bitavelmente , que huma publica, e foleniffi-
ma renuncia era para eftabelecer tao firme
o feu
do Japaỡ. Liv. IX. 513

feu dominio , que nada o pudéfle mais al-


terar. Preparou para efta acção hum dos me-
lhores , e mais efplendidos banquetes. Já

diffémos , que no Japao fe dá a todos os


convidados o comer fobre melas pequenas

ricamente ornadas , que a cada coberta fe


mudao para fe por outras : affim Cambacun-
dono mandou preparar treze mil mefas ; hu-
ma parte para os homens , outra para as
mulheres.
Chegado o dia da ceremonia, fe dif-
poz Taycofama para hir a Meaco ; mas hum
dos feus favorecidos lhe diffe , que corria
perigo a fua vida ; porque tinha noticia de
huma traiçaó , que lhe eftava armada : e te-
e mendo expôr-fe a efte rifco, mandou defcul-
t par-fe com Cambacundono , que nao podia
da ainda cumprir a fua palavra , fenao para ou-
tro qualquer dia. Efta mudança inopinada

OS deo muito , que difcorrer aos entendidos , e


OS que temer a todos ; pois Cambacundono´fe
eftimulou nao fó pelas grandes defpezas, que
eu
tinha feito , e ficavao inuteis , mas porque
10
te fuppunha defprezado, e entendia por eſta
dilação, que o Imperador eftava de differen-
te parecer : tratou logo com toda a cautéla
de fe informar da verdade ; e fabendo , que

fora defconfiança , que tivéra delle , fe juftifi-


cou de forte, que Taycofama fe refolveo cum-
223

prir a fua palavra : porque fendo exceffiva-


25

mente zelofo da fua honra , julgou era me-


S

nos decorozo faltar ao ajuſtado , e que pare-


ceria temor , ou fraqueza , o que elle julga-
Tom. II. Kk ya
514 Hiftoria da Igreja
va prudencia, e acerto : occorrendo-lhe tam-
bem , que eftando juntos todos os Grandes,
poderia feu fobrinho aproveitar- fe da occa
fiao para os attrahir ao feu partido , e vin-
gar fe da injuria , que lhe fazia , enganan-
do o . Eftas , e outras muitas razões o obrigá
rao a offerecer o fucceffo á ventura , prepa-
rando-se com todas as cautélas poffiveis para
qualquer trance , que lhe pudéffe acontecer.
Para fazer a jornada mais pompola,
Pompa da
jornada. quiz que a Imperatriz fua mulher, que fe cha-
mava Mandocorozama , entraffe em Meaco
primeiro que elle hum dia , na fórma feguin-
te. Marchavao primeiramente as guardas do
Imperador muito bem armadas , e em gran-
de numero : feguiao- fe os palafreneiros, que
levavao os veftidos da Imperatriz , cobertas
as cargas com repofteiros preciofos de bro-

cado de ouro , e prata com as fuas armas.
Junto a eftes feguiao- fe cincoenta , que leva-
vao os vestidos das Damas da Corte, e das
de honor da Imperatriz. Logo fe viaõ dez-
efeis cavallos pela rédea primorofamente
ajaezados , que levavao apoz fi os ólhos de
todos : eftes hiao carregados de preciofiffi-
mas peças de ouro , e prata , e pedras fin-
gulares , de que Taycofama , e fua mulher
queriao fazer prefente a Cambacundono , e
aos Principaes da Corte. Depois defte trêm,
vinha hum grande numero de Senhores mon-
tados nos mais briozos cavallos do Japao com
gualdrapas bordadas todas de ouro , e pe-
draria fina , acompanhados de quantidade de
palafre-
do Japao. Liv. X. 515

palafreneiros , cada hum com a libré do Se-


nhor, de quem era fervo , tambem bordadas
a. de ouro , e prata. Seguiao-fe oito viftofas ,
e ricas liteiras , em que hiao as principaes
Damas da Corte ; e paflado hum grande ef-
paço, ſe via a que levava a Imperatriz, toda
coberta de ouro, e fechada com gelozias fei-
ra tas com tal arte , que podia ella ver fem fer
er. viſta : hia acompanhada de mais de cem def-
3, tas liteiras , ou palanquins , que occupavao
3 as fuas Damas bellamente veftidas , e orna-
0 das. Logo fe feguiao cincoenta Damoizelas
a cavallo ricamente veftidas , e com o rofto
10 coberto de véos finiffimos de feda , que lhes
1- nao impediao ver a gente , e na cabeça hu-
e ma efpecie de tiára rica , e preciofamente
S lavrada : cada huma tinha feu acompanha-
0. mento diftinto , feguido de muitos palafre-
neiros , e cada hum deftes levava pelas rédeas
dous cavallos de eftado ; fechando toda eſta
grande comitiva hum groffo de cavallaria em
bella ordem. Cambacundono recebeo a Im-
peratriz no palacio de Jerazû , e depois das
ceremonias coftumadas , lhe deo Mandocoro-
zama os feus riquiffimos prefentes de ouro ,
prata , pedras preciofas , e brocados de fin-
gular gofto , nao omittindo couza alguma .
e que por exquifita , e rara tivélle estimaçao
naquelle paîz : porêm Cambacundono no dia
feguinte lhe retribufo todas eftas grandezas
com outras tantas, ou mayores preciofidades ,
que alguns julgáraó ainda de mayor valor.
Nefte mefmo dia tinha Taycofama chegado
Kk 2 a Mea-
516 Hiftoria da Igreja

a Meaco , e fahio do feu palacio, que era dif-


tante do de feu fobrinho hum largo efpaço ,
com a Nobreza da Corte na ordem feguinte.
Primeiramente mandou pôr fetecen-
tos foldados em duas álas defde o feu pala-
lacio até o de feu fobrinho , e começou a

fua marcha por trezentos Senhores dos de


mayor refpeito com as infignias das fuas di-
gnidades , e empregos , acompanhados de
hum grande féquito de págens , e lacayos
com foberbas librés. Seguia-le hum grande
numero de Officiaes com as armas de Tay-
cofama : hum levava o arco , outro as fle-

chas , outro a efpada , outro a lança , e os


mais piftolas excellentemente lavradas : e lo-
go o Imperador em hum carro triunfante
que era coberto de laminas de ouro tao bem
guarnecidas , e ricas , que igualmente delei
tavao a viſta, e attrahiao a admiraçao . Tira-
vao por elle dous grandes boys , todos ne-
gros , com as pontas douradas e com

gualdrapas de veludo carmezim , que os co-


briaō até os pés : nao fe fervia de boys por
falta de cavallos ; mas porque he coſtume
inviolavel dos Senhores da Tença ularem de
boys em. femelhantes ceremonias. Ao carro
cercavao muitos págens , e palafreneiros fo-
berbamente veftidos , e fechavaó a comitiva
todos os Officiaes da Cala Real , e da pri-
meira Nobreza do Japao.
Em quanto Taycofama caminhava
com efta pompa pelas ruas de Meaco, e hia
entrando em huma grande praça, muitos dos
mais
do Japao. Liv. X. 517
mais illuftres Senhores por ordem de Cam-
bacundono lhe fahirao pela outra parte ao

encontro apenas aviſtárao o Imperador, fe


puzérao a pé ; os da fua comitiva fizérao o
meimo. Logo montáraó a cavallo , e fe pu-
zéraó todos em huma linha, fazendo guarda
शु

ás ruas, por onde o Imperador hia paffando.


No mesmo tempo chegou Cambacundono
em outro carro triunfal , nao menos magni-
гов fico ao em que vinha feu tio , acompanha-
de do de todos os Grandes da fua Corte , e Of-
ficiaes do Dayre , que formárao hum trêm
illuftre , e igualmente nobre.
OS Entrando os dous Principes na gran-
0 de
praça de Meaco , antes de fe avifinharem ,
parárao hum pouco : entao Cambacundono
m mandou hum Principe da familia do Dayre ,
e ao Governador de Meaco cumprimentar o

a Imperador feu tio ; cuja ceremonia elles fi-


zéraó , pondo os joelhos , e maós em terra,
como he coſtume no Japao. Taycofama man-
dou outros da fua parte a felicitar o fobri,
nho , e hum deftes era Firando genro de No-

e bunanga , e Chriftao de profiffao ; o outro


o Rey de Tangi , marido da Raînha D. Gra-
cia, de que já démos noticia. Feitos os cum-
primentos de ambas as partes , mandou di-
zer Taycofama a feu fobrinho marchaffe adi-
ante , que elle o feguiria com toda fua co-
mitiva ; e fendo logo obedecido , fe conti-
nuou a marcha , que durou fem interrupçao
defde pela manha até depois do meyo dia.
Chegando ao palacio de Cambacun-
Tom. II. Kk 3 dono ,
518 Hiftoria da Igreja
dono , foy recebido defte Principe , e de to-
dos os Grandes da fua Corte com notavel
reverencia , e com a mesma o conduzirao
para o quarto , que lhe eftava preparado.
Expoz Taycofama os feus prefentes , que erao
muito mais ricos , que os da Imperatriz ; e
Cambacundono moftrou a estimaçao , que fa-
zia delles , nao fó pelo feu valor , e rarida-
de , mas por ferem demonftrativos do evi-
dente affecto de feu tio ; e para lhe fignificar
o feu agradecimiento, os retribuîo com outros
ainda de mayor preço , fem recéar , que elle
fe offendeffe , vendo- fe vencido da fua genero-
fidade ; porque fabia , que antes o eftimaria
mais , procurando faciar-lhe a fua extrema
cobiça.
O que fe fe- Acabadas eftas ceremonias , forao pa-
guio em Me- ra a mefa. O P. Luiz Fróes , que eſtáva na-
aco a esta fe-
fta. quella occafiao em Meaco , efcreveo eſta fun-
çao aos feus companheiros , fegurando - lhes ,
que fe intentaffe referir a magnificencia def
te convite , os jógos , efpéctaculos , e diver-
timentos , que houve tres dias , nao haveria
quem lhe déffe crédito : porêm o aftuto Tay-
cofama entre todos eftes festejos nao perdia
occafiao de augmentar as fuas conveniencias ,
e fegurar a fua peffoa . Sabia , que Camba-
cundono tinha razao de eſtar offendido , tan-
to pela dilaçao da viagem , quanto por ter
tomado outra vez o governo ; e como co-
nhecia o génio inquiéto , e barbaro do Prin-
cipe , temia com jufta caufa lhe quizéffe fa-
zer alguma violencia.
Chega-
do Japao. Liv. X. 519
Chegada a noite, mandou pôr fecre-
e tamente guardas em todas as entradas do feu
0 quarto , e perfuadio a feu fobrinho fe apar-
talle para outro palacio , que era pouco dif-
0.
tante daquelle , com o pretexto , de que nao
ficaria bem acomodada em hum fó tanta mul-

tidao de gente . Efta prevenção pareceo mui-

Ja to mal dirigida ás peffoas de juizo ; porque


álem de indicar temor , e defconfiança , dava
occafiao a Cambacundono para executar o que
cat
intentava , ordenando ás fuas tropas fieis, que

Te de noite o mataffem . Para lhe aplacar o ani-


-0 mo, difcorria Taycofama todo dia com elle,
fazendo -lhe muitos favores com as expreffoes
ri
na de mayor affecto : reprefentava- lhe por moti
vo da mayor obrigaçao haver feito escolha
Da delle entre tantos fobrinhos para fucceffor do
feu Imperio: que o amava como feu proprio
12
filho , e o confiderava como báculo da fua
10
velhice , e gloria da fua familia : que álem
es
deftas razões , fe podia conhecer o feu amor
el
melhor pelos effeitos, do que pelas palavras ;
er
é affim eftava refoluto a viver com elle em
huma perfeita uniao ; porque fe havia toma-
do outra vez o governo , era para o eſtabe-
lecer nelle com mayor authoridade , e de-
pois de lhe dar a investidura , queria reti-
rar-se todo refto da fua vida , gozando do
prazer , que fempre tinha defejado de o ver
reynar pacificamente em hum Imperio , que
elle conquiſtára com a ſua efpada.
Quanto mayor era a affeveraçao do
aftuto Politico , menos fé fe dava á ſua pa-
Kk 4 lavra ,
520 Hiftoria da Igreja .
lavra , e fe perfuadiao todos , a que Camba-
cundono nao deixaria perder huma tao boa
occafiao de le fatisfazer das injurias , que lhe
tinha feito , de modo, que cada hum perten-
dia fegurar- fe, para nao fer envolto na def-
aventura de hum dos dous partidos. Efte dif-
curfo fe tinha por tao certo , que ao menor
tumulto , que fuccedia na Cidade , fe julga-
va motivado pelo Imperador. Todos eſtavao
promptos para lhe tirar a vida. Em huma
das tres noites fe teve por indubitavel, que
o tinhao morto , dando. occafiaó a eftas vo-
zes tranſportarem os bastidores de hum thea-
tro magnifico para hum lugar muito mais
efpaçofo , em que fe havia de reprefentar
huma Comedia ; e porque muitos artifices
trabalháraó de dia , e de noite com tochas
á roda da máquina , e ifto nao fe podia fa-
zer fem rumor , os que ignoravao a cauſa ,
ouvindo o eftrondo , e vendo as luzes , crê-
rao , que fora affaltado Taycofama no feu
palacio; e nao fe defenganáraó, fenaố quan-
do virao pela manhã , que as alegrias, e fef-
tas ainda continuavao .
1
Hum Senhor Paflados os tres dias do convite , e
grande con- divertimento , hum dos Senhores de mayor
vida Tayco-
Lania. eftimação no Japao por nascimento , riqueza ,
e empregos, chamado Fidandono , convidou
Taycofama para hum banquete , que foy tao
efplendido , e mageftofo , que fez de defpe-
za hum conto e quatrocentos mil reis fó em
dourar ( fegundo o ufo do paîz ) os pés , e
bicos dos pálfaros , que fe puzéraō na mela.
He
1
do Japaỡ. Liv. X. 521
He coftume no Japaó , que aquelle, que ban-
quetêa o Senhor da Tença , como era Tay-
cofama , deve offerecer nove vezes as bebi-
das , e quantas vezes pegar na taça , he ne-
ceffario acompanhálas com hum prefente. Fi-
dandono para nao faltar a ceremonia algu-
ma , nem grandeza , apresentou a primeira
vez quatro contos e quinhentos mil reis
20 em barras de ouro . O Imperador bebeo com
na muito gofto , vendo o preciofo metal , que
ue The brilhava fobre a mefa ; porque nao havia
0- couza , que pudéffe faciar a fua cobiça . A
fegunda vez fez- lhe o donativo de quantida-
15 de de feda já preparada para ſe obrar : a
terceira vez muitas óbras de damaſco : os
ar
23 outros prefentes foraó de igual valor ; de
as forte , que todos elles excediao a quantia
de vinte e cinco mil cruzados . O Impera-
dor efteve hum dia em cafa daquelle Senhor ,
e depois da fua partida , toda a Corte foy
banqueteada por elpaço de tres dias.
Acabadas as feftas , voltou Taycofa- o Imperador
11-
ma para a fua nova Cidade de Fuximi , con- volta para
f. Fuximi, e có.
tente de fe ver livre do perigo , a que fe vida a feu fo-
tinha expofto , e convalecido dos feus temo- brinho para
e
res, convidou a feu fobrinho para hum gran- hum baile,
of
de baile, que preparava para o divertir. Cam-
bacundono aceitou o convite , e dançou com
OU
huma tal galhardia , e deftreza , que toda a
Corte ficou admirada , de que o velho fe
comia de invéja , e de ódio , ouvindo louvar
o fobrinho , parecendo-lhe injuria , que fe
gabaffe outrem na fua prefença . Quiz tam-
bem
522 Hiftoria da Igreja
bem dançar ; mas como a idade era muita ,
refultou do feu baile fazer fe mayor apre-

ço do fobrinho , vendo todos , quanto efte


The excedia naquella prenda : e nao poden-
do tolerar , que Cambacundono tivéffe toda
a gloria desta acçao, defejando muito efcu-
recêla , mandou a Gofonio , filho de Nobu-
nanga , que entraffe no baile. Era efte Se-

nhor muito moço , e dançava melhor , que


quantos eſtavao na Corte ; mas o ódio , que
tinha a Taycofama , que pofluîa hum Impe-
rio , que lhe pertencia , o obrigou a pôr
todo o estudo em dançar mal , nao queren-
do tirar o epiteto de fingular a Cambacun-
dono , a quem elle muito amava.
Cambacudo- Depois deftes divertimentos fez.
no defconfia Taycofama huma viagem a Ozaca , e Cam-
de todo com bacundono ficou em Fuximi. Como eftava
o Imperador.
muito fatisfeito do bom agazalho , que The

tinha feito feu tio , tirou por confequencia,
que podia confiar- fe do feu affecto ; e para
The moftrar igual correfpondencia , o convi-
dou para vir ver hum feu bello palacio, que
tinha mandado edificar na Cidade de Fuximi.

Para fazer eſta mais célebre , e illuftre , pre-


parou hum banquete tao fumptuofo , e ma-
gnifico , como o de Meaco , para o regalar.
Nao fe deliberou Taycofama totalmente ne-
gar- fe a esta funçao ; mas dilatava a jorna-
da de dia em dia , faltando fempre á pro-
meffa ; e affim fe multiplicavao os gastos ,
porque fe perdia tudo , o que estava feito ,
fazendo o Principe extraordinarias defpezas ,
que
do Japao. Liv. X. 523

que o affligiao de forte , que chegou a en-


fermar, concebendo defta occafiao hum ódio
mortal contra feu tio , pois via , que zom-
bava delle.
Voltando para a fua fortaleza de Ju-
razû , em contrario dos divertimentos inhu-
manos , e barbaros , que coftumava ter , le
applicou a mandar fabricar armas , tirar ao
alvo , e coftumar a fua gente a todos os ex-
ercicios da guerra ; ou foffe para divertir a
fua affliçao , ou para fe adéftrar para o gol-
t pe , que premeditava. Como fabia , que feu
tio era odiado dos Principa es da Corte pelas
grandes defpezas , que lhes tinha occafiona-
do , perfuadio-fe , que mais depreffa fe offe-
2 receriao para obfequiar hum Principe moço,
‫ו‬ que hum Imperador , que eftava perto da
V morte : mandou hum dos feus confidentes
he chamado Xirabingo tentar em fegredo al-
guns Senhores , que haviaõ fido mal trata-

an dos de feu tio , para fe empenharem a ju-


vi rar pelo feu Cami , que ao primeiro final ,
que fe lhes déffe , eftariao promptos para
executar as fuas ordens. O primeiro, a que
re fallárað , foy a hum Senhor chamado Afciro-
mare, que poffuîa nove Reynos , e fe entende,
que era efte o Rey de Amanguche. Tanto
que lhe différao , que havia affinar hum tra-

1 tado fecréto , jurando fobre o Cami , que


feria fiel a Cambacundono , bem conheceo
70
o fim , a que fe dirigia aquella diligencia
e fe refolveo avifar a Taycolama ; mas co-
mo lhe inſtavao, que fe declaraffe, difle , que
nao
524 Hiftoria da Igreja
nao tendo elle nunca faltado á fidelidade ,
que devia ao Principe , era eſcuſado fazer
hum novo juramento ; porque fempre o acha-

ria prompto para executar os feus precei-


tos, até facrificar a propria vida no feu fer-
viço . Eftando por efte modo livre de Xira-
bingo , foy vifitar ao Imperador , e lhe ex-
poz tudo , quanto tinha fuccedido ; e intei-
rado defte cafo o aftuto velho , lhe aconfe-
lhou foffe buscar o Agente de Cambacundo-
no , e affinaffe o tratado , para com efte ar-
dîl fe fenhorear de todos os que entravaổ
na conjuraçao .
Taycofama Sabendo tudo, quanto defejava, man-
ordena a feu dou dizer a feu fobrinho , que The fallaffe ;
fobrinho o vá
vifitar. porque tinha hum negocio de muira impor-
tancia para comunicar com elle. Conhecen
do Cambacundono logo , que eſtava delco-
berta a fua máquina , e que algum dos con-
jurados lhe tinha fido infiel , refpondeo ao
Imperador, lhe fizéfle a mercé de o efcufar ;
porque estava atormentado de hum humor
malencólico, que lhe nao permittia ver pef-
foa alguma . Taycofama avaliou eſta eſcuſa
por muito pueril ; e depois de fe ponderar
no feu Confelho efta materia , refolveo man-
dar a feu fobrinho cinco Senhores dos feus
mais confidentes , pedindo - lhe a declaração
de cinco Capitulos , que levavao ordem de
The propôr. Primeiro : Como era poffivel ,
que elle estivéffe opprimido de malencolîa ,
fe todos os dias fe achiva em jógos , com-
bates , e todo genero de exercicios milita-
res?
do Japao. Liv. X. 525
res ? Segundo : Se era decente a hum Prin-
cipe da fua qualidade matar pelas fuas maos
aos réos , e banhar fe no fangue dos feus
proprios vaflallos , parecendo efte goſto mais
de féras , que de creaturas racionaes ? Ter-
ceiro : Porque fahindo em publico, marcha-
va acompanhado de tropas , como ſe folle
pelejar com os inimigos , introduzindo nos
feus vaffallos a defconfiança , de que fe re-
ceava de algum tumulto ? Quarto : Porque
motivo reforçára as fuas guardas , eftando
em paz com todos feus vifinhos ? O ultimo,
e mais confideravel era : Para que eftimulá
1. ra alguns Senhores a dar- lhe juramento de
fidelidade , e firmar hum tratado de confe-
deraçao com elle. Encomendou muito aos
feus Enviados o obrigaſſem a refponder fem
1.
0. dilaçao claramente a eftes cinco Capitulos.
Não acho nas memorias do Japao Repofta de
Cambacüdo
a repofta mais que dos dous ultimos , que
10
erao os de mayor confequencia. Quanto a
eftes refpondeo , que fe fazia leva de tropas,
e empenhava aos principaes Senhores a fer-
:f
The fieis , era para o feu ferviço ; porque
podia acontecer, que fendo elle de tao avan
çada idade , the fuccedeffe o perigo de al-
1
gum tumulto na Tença ; pois a mocidade fe
efquéce do refpeito , que deve ter aos ve-
lhos, a quem confiderao como Senhores, de
quem já nao tem que efperar , nem que te-
mer. Que nao havia no Mundo quem foffe
mais intereffado na fua confervação , e que-
zia eftar prompto para o defender em qual
ques
526 Hiftoria da Igreja
quer facceffo , que lhe pudeffe fobrevir.
Taycofama , que naquella occafiao
nao estava com tropas fufficientes para fuf-
tentar guerra em quanto chegavaō as que
tinha mandado vir de todo o Japaó , fingio
eftar fatisfeito da repofta de feu fobrinho, e
fó lhe pedio, que lhe mandaffe o juramento
firmado do feu proprio punho . Obedeceo o
Principe logo ; e o Imperador diffe em voz
alta aos feus Cortezaós , moftrando -lhes o pa-
pel : Eifaqui a declaração , que meu ſobri.
nho me envia , com a qual fatisfaz fuper-
abundantemente a todas as fufpeitas , que
tinha contra elle : verdadeiramente , que fem-
pre no Mundo ba gente malévola , e os Prin
cipes fao infelices , por eftarem expostos a
eftas , e femelhantes calumnias ; e entrando
1
na fua camara , como homem opprimido de
delgofto , paffeava fufpirando de huma para
outra parte, e interpoladamente rompia nef-
tas palavras : Qualquer pessoa , que me fal-
lar mal de meu fobrinho , fentirá quanto pé-
za a mao de Taycofama . Em quanto repre-
fentava efta ficçao , fazia vir , como tenho
dito , as tropas de todo o Imperio , enco-
brindo a fua intençao com tal artificio, que
todos julgáraó , que elle eftáva verdadeira-
mente reconciliado com Cambacundono , e
fe alegravao de fe haver delvanecido aquel-
la defconfiança com tanta felicidade .

Taycofama Porêm depreffa fe mudou a fcena
chana a feu contra o Principe ; porque chegando as tro-
fobrinho. pas , tirou a máscara , e efcreveo ao fobri-

nho
do Japaō. Liv. X. 527
nho nefta fórma : Eftou inteirado do voljo pro
cedimento , e dos defignios , que tendes for.
mado contra mim : ordeno vos , que logo ve-
nhais a Fuximi acompanhado Jó de quatro

págens , para me dares conta das volfas ac


ções ; e quando nao queirais efle partido, fe-

0 rá precijo , que vos retireis á fortaleza de


volo pay em Quiojozú ; porque faltando a
alguma deftas refoluções , o fatisfará a vola
cabeça , e reduzirey a pó tudo , o que vos
pertence. Recebendo o Principe efte avifo ,
bem vio , que eftava perdido , naoc eftando
capaz de defender-fe ; e affim elegeo por me
lhor partido hir aprefentar fe a feu tio, ef
perando , que o affecto do parentefco lhe
infpiraffe algum genero de compaixao . Dif-
poz logo, o animo para a jornada ; e Tay-
cofama tinha mandado por gente pelas ef-
dr
tradas , e por outras partes defufadas para
art
o prender , fe elle quizéffe fugir. Sahindo
‫פר‬
pois de Meaco com poucos criados , fe vio
cercado de foldados , que o acompanhárao

até Fuximi , onde affim chegou ao meyo dia:
nao entrou em palacio , mas foy alojar fe a
cafa de hum valido , e allî efteve até o fim
da tarde. Chegada a noite, the ordenou Tay-
cofama fahiffe da Cidade , e foffe fó com dez.
criados para o mosteiro de Coya ; o qual he
fituado no cume de hum monte muito alto ,
ordinario affento de defterrados . Recebendo
Cambacundono efte avifo , obedeceo pontu-
almente caminhou toda a noite , e feu tio
mandou gente para o feguir com ordem de
obfer-
$ 28 Hiftoria da Igreja
obfervar , fe elle fallava com alguem pelo
caminho.
Muitos Senhores fe disfarçáraó em
diverfos tragens mecanicos para poder fegui-
lo , e desfazendo-fe em lagrimas pelo eftado
deploravel , a que o viao reduzido , defeja-
vao muito confolálo : mas nao oufando ef-

tes fallar-lhe , hum moço muito nobre teve a


refoluçaõ de o vifitar na mefma occafiao, fem
temer cahir na defgraça do Imperador. Era
"
filho do Governador de Meaco , chamado
Sacandono , que foy baptizado neſte anno de
1594 : nao tinha mais que dezoito annos ,
e era efpecialmente favorecido de Taycofa-
ma, tanto pelas fuas raras qualidades , co-
mo por attenção a feu pay , que era a me-
lhor cabeça , que tinha o feu Confelho . Sa-
bendo pois efte , que Cambacundono, a quem
amava com toda a alma , eftava prezo em
Coya , montou a cavallo , e levando comfi-
go hum Primo feu chamado Leao , que ti-
nha dezefeis annos, e foy baptizado no meſ-
mo tempo , correo á rédea folta para fallar
ao Principe : as efpias 1 depois de o conhece-
rem , o aviláraó do perigo , a que fe expu-
nha , manifeftando- lhe , que tinhaō ordem
do Imperador para obfervar todos aquelles,
que foffem fallar a feu fobrinho ; mas Sa-
candono lhes refpondeo , que feu pay tinha

huma cafa em huma terra , por onde havia


"
de paflar Cambacundono , e que era juſto ,
que lhe offereceffe nella algum regálo ; pois
dos
vendo ao Senhor da Tença , e ao mayor
feus
do Japaō. Liv. X. 529

feus amigos defamparado de todos , devîa


como feu vaffallo affiftir- lhe , ainda que fe
puzeffe no perigo de perder a vida. Dizen.
do eftas palavras , meteo elpóras ao cavallo ,
e chegando ao infeliz defterrado , lhe mof
trou a firmeza do feu affecto com expref-
foes tao ternas , que feguravao bem a aſſe
el
veração , que lhe fazia , de que nao o dei-
xaria já mais. Cambacundono fe penalizou
muito , vendo eftes dous Cavalheiros quere
rem perder-fe por feu refpeito ; e affim lhes
de diffe , que nao havia de confentir paffaffem
S ávante , expondo a Sacandono a caufa com
eftas palavras Se me amais , voltay para
0
volla cafa ; porque tendes hum pay, de quem
e depende todo o Conselho de meu tio , e me
S podeis melhor fervir junto a elle , que dif
en tante , incorrendo na fua desgraça . Estas ra-
zões forao taō forçofas , que nao pudéraó
contradizêlas , e defpedindo-fe com terniffi-
th mos affectos , voltárao para Meaco . As guar-
das informáraó logo de tudo ao Imperador ;
mas como amava muito a Sacandono , e nao
queria affligir feu pay , que eftava enfermo ,
fingio , que o ignorava.
Depois de tres dias chegou Camba- Cambacudo
cundono ao mofteiro de Coya , onde foy logo emno hum
he prezo
mol-
prezo pelas guardas ; fendo tao mal tratado , teiro de Bon-
que apenas lhe permittiao hum mediano fuf. zos.
tento para fe alimentar : foy encerrado em
huma cella muito eftreita , e bem differente
dos fumptuofos palacios , em que coftumava
affiftir ; e confiderando o pobre Principe a
Tom . II. LI mudan-
530 Hiftoria da Igreja
mudança da fua fortuna , dizia com muitas
lagrimas aos criados , que o acompanhavao :
Poucos dias ha difpendia Governos , e agora
apenas tenho bum leito para deitarme , e bu-
ma casa para affiftir ! Ha refoluçaõ mais ef-
tranha que efta ? Porêm toda efta infelicida-
de lhe nao motivou a total deſeſperaçao , que
teve ; mas fim de lhe impedirem as guardas
fallar , e escrever a peffoa alguma fóra do
mosteiro. Ifto o affligio de modo , que re-
folveo matar- fe a fi mefmo : e os feus cria-

dos , que lhe conhecêrao a impaciencia pelo


verem pallido , inquiéto , e com os olhos tur-
bades pafleando por aquelle pequeno diſtri-
Eto , já com paffos apreffados , já lentos , e
vagarozos , fizérao todo poffivel para o con-
folar , reprefentando lhe : Que facilmente fe
podia mudar a fcena a feu favor ; porque as
peffoas do feu caracter nao podia fer fem-
pre infelices : que era muy provavel haver
alguma revoluçao no Estado a feu refpeito ;
porque feu tio era tao aborrecido , como el-
le amado que nao faltaria quem tivéffe gol-
to de encontrar huma tao bella occafiao de
facodir o jugo do feu tyrannico dominio ;
pois ainda que ifto nao fuccedeffe , era ve-
lho , e nao podia naturalmente viver mais
que hum anno , e a fua morte faria bem
depreffa mudar o femblante aos feus nego-
cios que álem difto podia , ainda que fober-
bo , deixar- fe vencer da fua fubmiflao , e mof-
trar- le fenfivel á miferia , a que o via redu-
zido : que tivéffe paciencia , até que o tem-
ро
do Japao. Liv. X. 331
ta po lhe fizéffe juftiça ; pois fendo tab vale-
ó. rofo , era preciſo moftrar- fe fuperior a to-
dos os accidentes da fortuna , e nao fazer
acçao indigna da fua Soberania ; pois vendo-
fe a fi eleito Governador do Japão , moftra-
va fer digno do Imperio , para que a fortu-
na o deftinava : que era muito moço , e pay
e
de tres filhos , e devia confervar a vida a

do feu refpeito. Eftas efficazes razões lhe im-


re pedirao feguir o feu defignio , e fe fugeitou
humilde ao confelho dos feus vaffallos , e
12
amigos .
lo
ur Entre os Págens , que Taycofama lhe deFidelidade

permittio , hum fe chamava D. Miguel , que nobre Chri
S

to
era Chriſtao , e fobrinho do Governador de tao.
Meaco. Preparando- fe outros para morrer
On
juntos com leu Senhor fegundo o coſtume
do Japao , elle fe achou muito embaraçado
21
no que devîa tazer ; pois via , que naõ imi-
tando os outros , feria avaliado por vil , e
ve
to fugeito a eterna infamia. Se eu à mim mes-
mo tiro a vida , ( dizia ) offendo a Deos , e
Serey condenado : Se nao me mato , tambem
perco o credito. Ainda que foffe muito pode-
rofa a razao humana , refolveo- fe atropellá-
0:
la pelo refpeito Divino , e para fe livrar de
alguma tentaçao , que o fizélle mudar de pro-
.pofito , le privou das fuas armas , e as deo
a guardar a hum dos feus criados , enco-
mendando muito o negocio a Deos.
A fua oraçao foy ouvida ; porque
depois de tres dias chegou huma ordem da
parte de Taycofama , mandando hir cinco
LI 2 Págens
532 Hiftoria da Igreja
Págens dos que eftavao com Cambacundono
para os feus parentes . D. Miguel foy o pri-
meiro nomeado . Os valerofos Gentis homens

recebendo eſte avifo , refpondêrao ao Impe-


rador , que ficavao muito obrigados a S. Ma-
geftade pela mercê , que lhes fazia ; mas que
fendo dedicados ao ferviço de Cambacundo-
no , nao podiaó deixálo fem infamia . O Prin-
cipe estava prefente , quando dérao eſta re
poſta ; e movido da fidelidade daquelles mo.
ços , levantou as maos ao Ceo , e com os
ólhos banhados em agoa lhes pedio obede-
ceffem ao Imperador , já que não havia ou-
tro meyo de falvar as vidas ; e eftas palavras
fizérao , que fe refolveffem a voltar para
Fuximi.
Efta ordem lifongebu à Cambacun-
Morte tragi-
ca de Cam- dono com a esperança , de que tendo feu tio
bacundono. dado liberdade a alguns dos feus Gentisho-
mens , a daria aos outros , e fe incluiria elle
na mefma graça mas ficou enganado na fua
expectação ; porque no principio do mez de
Agoſto do anno de 1595 hum Official The
veyo intimar a ordem de Taycofama , que
mandava devîa abrir-te no ventre junto com
todos , que o acompanhavao . Efta fentença
foy hum rayo , que cahio fobre aquelle infe-
liz , tirando lhe toda a efperança de reme-
dio. Dizpoz-fe logo para a morte. O pri-
meiro , que deo principio á trifte fcena, foy
hum Págem de dezenove annos , que valero-
fo , e intrépido meteo o cutélo nas entra-
nhas em prefença de feu Senhor : hum rio
de
do Japão. Liv. X. 533
de fangue fahio da terida , e como fe lhe
dilatava a morte , movido Cambacundono a
compaixao , tomou a fua efpada , e lhe cor-
tou a cabeça , depois de fazer- lhe as hon-
ras , que fe praticao com aquelles, que mor
rem defta maneira. Seguirao- fe logo outros
dous Págens , hum dos quaes tinha dezefeis
annos , outro dezoito : a ambos , abrindo o
ventre , e fahindo rios de fangue , acabou
de tirar a vida Cambacundonó , como fez
0.
ao primeiro. Ao quarto chamado Biufcurto
quiz falvar o Bonzo Superior do mosteiro ;
n porque era filho de huma Dama , a quem
Taycolama refpeitava muito , pelos avifos
particulares , que lhe dava : abrio - lhe a por-
ta do mosteiro , e o perfuadio a que fugiffe ,
fegurando- lhe , que o Imperador eftimava a
fua vida : porêm offendido o mancebo defta
tio
offerta , como da mayor injuria , que lhe ti-
70
véffe feito , refpondeo com fereza , que nao
conhecia outro Senhor , mais que Cambacun-
dono , a quem havia de moftrar a fua fide-
lidade , tendo delle recebido a honra de o
fentar á fua mela ; pois elle nao reputava
10 por graça alguma fobreviver ao feu Principe;
om
porque a vida lhe feria penoza , fe a de-
veffè a hum tyranno. Dito ifto , defembai-
Te
nhou o punhal , e o meteo nas entranhas
quanto pode , repetindo o golpe até lhe fa-
hir com o fangue a vida ; mas Cambacun-
dono vendo a crueldade , com que fe feria a
fi melmo , pegando na eſpada , lhe cortou
a cabeça.
10
Tom . II. Li 3
Depois
534 Hiftoria da Igreja
Depois defte horrivel eftrago , ani
mado o infeliz Principe com o exemplo dos
feus fieis vallallos , não podendo viver com
honra depois da morte daquelles , que fa-
crificáraó a vida por feu refpeito , tomou o
punhal , defcobrio o ventre , e tendo feito
muitas imprecações contra feu tio tao tyran-
no , deo em fi melmo quantidade de golpes
com hum furor defefperado ; e para lhe ab-
breviar o tormento da morte , hum dos feus
Elcudeiros the cortou a cabeça com aquella
mefma efpada , com que a fua barbara mao
tinha morto , e defpedaçado tantas peffoas
innocentes . Logo o mesmo Efcudeiro le fe-
rio de forte , que cahio morto fobre feu Se-
nhor ; e affim terminada a tragédia, os Bon-
zos do convento queimárao os córpos no
mefmo lugar , em que fe tinhao morto . Tal
foy o fim de Cambacundono , a quem as fuas
boas acções faziaõ digno de huma vida muy
larga , e as más de morte violenta. O P.
Luiz Fróes refere efte cafo , porque eſtava
no mesmo lugar. Morreo efte Principe no
anno trinta e dous de fua idade ; verifican-
do-se com o feu exemplo o que diffe o Fi-
lho de Deos , que quem com ferro mata ,
com ferro morre.
Crueldade Ouvindo Taycofama , que eftava ex-
barbara de ecutada a fentença , fequiozo de derramar
Taycolama.
fangue humano , como féra , que nao refpi-
ra mais que eftragos , mandou matar todos ,
os que follem unidos a feu fobrinho por fan-

gue , ou por affecto : principiou por tres


Senho-
do Japão. Liv. X. 535
Senhores dos mais refpeitados da Corte do
Principe. O primeiro foy aquelle, que affif-
"
tia a todas as funções cruéis , que elle fa-
zia , e o louvava da fua deftreza ; e affim
mereceo fer companheiro nas fuas penas ,
já que tinha fido complice nos feus delictos:
o fegundo Xirabingo , que andára perfuadin-
do a Nobreza para affinar o tratado da con-
federaçao contra o Imperador : o terceiro
hum dos mayores , e mais poderofos Senho
res da Tença , e infigne Capitao do Japaó ,
chamado Ximura , que tinha hum filho de
S idade de dezeteis annos de grandes efperan-

ças , e hum vivo retrato de feu pay. Efte


e. moço fabendo , que Taycofama tinha con-
denado á morte feu pay , lhe elcreveo ao
0 lugar , em que eftava prezo , que nao tivéf
al le cuidado algum delle ; porque já que nao
ES · podiao pela fua infelicidade viver juntos ,
ao menos nao fe feparariao na morte ; e fir-
me nefta refoluçao , mandou bulcar as fuas
armas , efcolheo a mais rica , e preciofa ef
30 pada , e a mandou afiar para a ter prompta,
quando chegaffe a noticia da morte de feu
pay. Eftava naquella occafiao em Fuximi , e
Taycofama , que o amava muito , lhe man-
dou dizer, que eftando innocente no delicto
de feu pay , lhe fazia mercê da vida : mas
o valerofo mancebo agradecendo- lha com to-
da a humildade , accrefcentou , que lhe acei-
taffe a efcufa daquella graça ; porque eftava
refoluto vingar em fi mefmo a morte injuf
ta de feu pay , e nao perder golpe , que The
LI 4 gran .
536 Hiftoria da Igreja
grangeaffe efle facrificio , quando foffe tem-
po. Logo voltou para Meaco , e entrando
em hum pagóde , abrio o ventre diante dos
idolos fem moftrar temor , nem affliçaó ; e

fabendo Taycofama a fua morte , mandou


prender fua máy , e degollála no meſmo
templo de Amida ; crueldade , que ſe execu-
tou pontualmente. I
Parecia fer razao natural, que fe fa-
ciaria a fede defle tyranno com tanto fan-
gue : mas nao fe contentou fem exceder a fi
meſmo na barbaridade ; pois para extinguir
de todo a memoria de feu fobrinho , fez hu-
ma acçaó , que caufaria horror ao mais bar -
baro de todos os homens : porque fendo im-
praticavel no Japaó, que as mulheres incor-
reffem na pena do delicto de feus Senhores ,
ou maridos , Taycofama fem refpeito a ef
ta ley , coftume , razao , e fentimento da na-
tureza , mandou prender trinta e quatro Da-
mas , algumas das quaes erao mulheres de
Cambacundono , e as outras da fua familia,
e ordenou , foffem conduzidas ignominiofa-
mente por todas as ruas de Meaco ao lugar
publico, em que fe juftiçavao os réos , para
alli as matarem. Entre ellas havia tres Chri-
ftás , que fe difpunhao para a morte com as
outras mas por especial providencia de
Deos , movido Xenifonio Governador de Me-
aco a compaixao , e informando o Impera-
dor da innocencia deftas Damas , lhes fal-
you as vidas.
Chegado o dia da execuçao , foraó
póftas
ES

do Japao. Liv. X. 537


póftas fobre huns carros as trinta e huma Da-
8
.

do mas , que erao da mais illuftre , e qualifica-


da Nobreza do Japaó , em que entravao, co-
mo tenho dito , as mulheres de Cambacun-
dono ; tres filhos , dous varões , e huma me-
nina de idades tao tenras , que o mayor nao
pallava de cinco annos. Quando efta deplo-
ravel tropa paffava pelas ruas , todos fe des-
faziao em prantos , nao fe ouvindo mais que
foluços , e gemidos , fazendo interiormente
muitas imprecações contra os tyranno. As
Damas pela mayor parte hiao meyas mórtas
10 na viva apprehenfao do fupplicio , a que ef
tavao condenadas ; mas o que movia fobre tu-

11. do a compaixao era a vifta dos tres meninos


nos braços das fuas amas , que os conduziao
ao patibulo , como tres victimas innocentes .
3།
el Tanto que efte infeliz esquadraõ che-
gou ao lugar deftinado , appareceo o algoz
com femblante horrivel , o qual tinha nas
maos a cabeça de Cambacundono , que fe
de
mandára trazer para Meaco , e levantando- a
em alto , a moftrou áquella companhia , para
que The foffe menos fenfivel o horror da mor-
te. Nao fe póde explicar a dor , que fentirao
á vifta defte eſpéctaculo : os meninos queriao
fugir , gritando de forte , que feriao os co-
Fações ; porêm o algoz , pegando nelles com
crueldade barbara , os matou á viſta de fuas
mays : depois tiráraó dos carros as Damas
huma a huma , e lhe forao cortando as ca-
beças , fem perdoar a nenhuma ; e os córpos
por ordem de Taycolama fe lançáraó em hum

foffo,
538 Hiftoria da Igreja
toffo , mandando por fobre elle huma pe-
dra com efta infcripçao : Tumba dos trai
dores.
Quem nao diria , que a crueldade
deſte tyranno ficaria fatisfeita ? Mas nab foy
aflim ; porque a dureza do feu coração era
mais que barbara. Hum dos Senhores , que
mandou matar , tinha deixado fua mulher
com tres filhos , huma femea, e dous varões,
aos quaes mandou , que logo fe lhes tiraffe
a vida : a menina , que era a mais velha ,
tinha doze annos ; porêm fua máy nao po
dendo tolerar o ignominiofo objecto de le-
varem feus filhos ao fupplicio publico , ex-
citada deſta afronta , e efquecida da natural
ternura , fem compaixao matou os filhos pe-
las fuas maõs ; e depois de executar efte hor-
rorozo caftigo , meteo o punhal no peito , e
cahio morta fobre elles. Quando Taycofa-
ma ſe havia de mover a laftima , vendo que
era caufa de tantos máles , 16 moftrou, que
fentia teren - lhe escapado eftas victimas ao feu
furor , ordenando, que fe lhes cortaffem as ca-
beças , e fe puzéffem em hum lugar publico ,
para que todos as injuriaffem .
( Nao havendo já peffoa , em quem
executaffe a fua raiva , fe vingou até nos
edificios , mandando arruinar o Caftello , e a
Cidade até os fundamentos , que Cambacun-
dono mandára edificar : era compofta de pa-
lacios de grandes Senhores em numero de
trezentos , os mais fumptuofos , e perfeitos,
que fe tinhao vifto , e fe desfizérao de mo-
do ,
do Japao. Liv. X. 539
do, que nao ficou delles veftigio algum. Os
thefouros , e móveis de Cambacundono fo
rao transferidos para a Cidade de Fuximi com
os materiaes dos palacios arruinados : tal foy
o fim defta tragédia , a mais fanguinolenta ,
que fe tem vifto nas Hiftorias. Taycofama
contente de ter derramado o fangue dos feus
parentes , e vaffallos idólatras , voltou a ira
contra os Chriſtaos , como veremos no Tom.
IH. Liv. XI .
Porêm agora devemos hir vifitar as Eftado daRe-
Igrejas de Ximo para ver o eftado , em que ligiao em O-
D
eltava a Religiao no anno deftas turbulen- outras
mura ,terras.
e em

cia , que foy o de 1595. Os Chriftaos do
Reyno de Omura pela mayor parte fe reti-
ráraó a Nangazaqui ; porque os Padres , que
ficáraó em refens pelo Embáxador da India ,
Dr
alli faziaó a ſua refidencia , e exercitavao os
feus minifterios, ainda que em ſegredo , pré-
gando, confeffando, e dizendo todos os dias
Miffa em lugares diverfos da Cidade : porque
ainda que era grande o horror , que tinha in-
troduzido nos animos a crueldade de Tayco-
fama , nao embaraçou , que neſtes dous annos
mais de mil e fetecentas peffoas recebeflem o
Baptifmo , entre as quaes a de mayor diftin-
çao foy Terazaba Governador de Nangaza-
qui , e favorecido do Imperador. Era efte
Senhor de idade de vinte e oito annos , de
grande juizo , e prudencia confummada : ef-
tando na Corte , ouvia , que fe empenhavao
todos a dizer mal dos Chriftaos , e eftimula-
do de hum nobre impulfo , quiz informar- fe
da
540 Hiftoria da Igreja .
da fua doutrina , e coftumes ; e porque no
feu Governo le achava hum grande numero ,

pode com facilidade empregar-se em exami


nar as fuas acções : obfervou nelles tanta hu-
mildade , modeftia , finceridade , fimplicida
de , alienaçao de intereffes , e defprezo do
Mundo , que conheceo com evidencia lhes
fazia injuftiça, quem os calumniava . Em quan
to as fuas occupações o deixavao livre, cha-
mava ſempre algum Chriſtaó á parte , com
o qual difcorria fobre materias de Religiao
fentindo attrahir- ſe ſuavemente do dulciffi
mo iman das fuas verdades. Chegada a noi .
te do Natal , e dias feguintes , quiz ver as
ceremonias, com que fe feftejavao por aquel-
les Servos de Deos , e ficou tao fatisfeito da
mageftade da nofla Religiao , e ternura def
te Divino Myfterio , que fe refolveo a rece
ber o Baptifmo , chamando a fua cala o P.
Provincial da Companhia de JESUS , que o
inftruîo , e baptizou fecrétamente , por nao
irritar Taycofama. Dizia com grande juizo ,
nao era indecente , que Deos , por falvar as
creaturas , le fizélle homem ; mas que era
grande impiedade , que os homens mortaes
e peccadores fe quizéffem levantar , e quali
ficar-fe Deofes , como uſavaó no Japaổ.
Nao fizérao menor fruto os Padres
nas outras Refidencias no Reynó de Omura.
Erao cinco , que trabalhavao continuamente:
na Cidade , e Villas a efta pertencentes : ba-
ptizavao tambem os que o Rey de Omura
Ihes mandava de Corea, onde affiftia; diziaō
L..... a Miſla
do Japao. Liv . X. 541
a Miffa em cafas particulares , e cumpriao
ro exactamente as obrigações do feu minifterio.
Confefláraó no anno de 1594 doze mil cen-
to e cincoenta peffoas , e no anno feguinte
mais de dezefeis mil ; de modo , que nao fe
póde exprimir a devoçao , que aquelles pó-
15 vos tinhao ao Sacramento da Penitencia , em
que fe reconciliavao com Deos , } e alcança-
ha
vao o perdaб dos feus peccados.
CO Nefte anno fuccedeo bum cafo nota. A innocencia
de hum
vel no Reyno de Omura , que merece fer re- tao Chri-
le decla-
ferido. Hum Chriftao fendo falfa mente ac ra milagro fa-

cufado de latrocinio , efteve em perigo de mente .


25
perder a vida ; porque efte delicto he tao
el odiozo no Japão , que ainda tendo ligeiro
da he executada a pena de morte naquelle, que
ef of cometteo : o mesmo Chriftao proteftava
ce eftar innocente ; e nao podendo fer conven-
P. cido , os Gentios fe remettêrao ao feu jura-
mento , para que o fizélle ao ufo do paîz ,
120 que he defta maneira. O accufado efcreve
0, em huma folha de papel o facto com a fua
25 mao , e o ſubſcreve para o confirmar depois
com juramento : eftendendo a mao fobre ef-
ta elcritura , fe lhe poem em cima hum fer-
ro em braza , e elle ha de proferir eftas pa-
lavras : A ira do Cami caya fobre mim , fe
es cometti o delicto , de que fou accufado. Se o
papel fe queima, he culpado ; ſe ſe nao quei-
ma , declara- fe innocente. Eftando o pobre
Chriſtao em grande anguftia de fe ver enrre
a vida , e a morte , conftrangido a jurar pelos
falfos Deoles , o temor que teve de offender
a fua
542 Hifioria da Igreja
a tua Religiao , o obrigou a dizer , que fen
do Chriftao , nao podia jurar pelo Cami,
mas fe quizéllem .juraria pelo verdadeiro Deos ,
que adorava. Os Gentios aceitáraó a offerta;
e elle cheyo de fé , e confiança na miferi-
cordia Divina , fez o final da Čruz fobre o
papel , e pegando no ferro em braza , o em-
punhou , e apertou na mao , e ultimamente
o poz em cima do papel , fem que efte ,
nem aquella ficaffe com a mais leve offenfa :
fendo tao grande a admiraçao dos idólatras,
como foy a alegria nos Chriftaos ; e entre
acclamações deftes , e confufaó daquelles fa-
hio abfolto , e livre.
Em quanto os Officiaes de Taycofa-
Fervor dos
Chriftaós de ma difcorriao pelo Reyno de Omura para dei-
Arima . armar os Chriſtaos , como diffémos , hum ho-
mem nobre , eftimulado por iſto a renunciar

a Fé , deixou cahir alguma palavra , que da


va indicio defte defatino ; mas conhecendo
logo o feu erro , reve hum tao grande arre-
pendimento , que fem comunicar o feu in-
tento ao Padre , que tinha cuidado da Igre-
ja daquelle diftricto , pedio a certo Irmao
da Congregaçao de Nofla Senhora o acompa-
nhaffe por todas as ruas da Cidade , dizen-
do em voz alta eftas palavras Senhores ,
efte bomem , " que vedes , vacillou na Fé ; mas
faz penitencia do feu peccado . Correo defte
modo a mayor parte das ruas principaes der-
ramando muitas lagrimas ; e quando fe pro-
nunciavao aquellas palavras , feria as coftas
com cruéis golpes de difciplinas , tao contri-
to,
do Japao. Liv. X. 543
to , e arrependido , que nao fó edificou a to-
dos os Fies , mas muitos , que haviao cahi .
do na mesma miferia , o acompanhárao na
confiffao da fua culpa , e encorporando-fe
todos , forao com cruéis açoutes á Igreja de-
teftar o feu erro , e laváraó com muito fan-
gue das difciplinas as terriveis manchas , que
tinhao pofto na fua alma. Os Padres , que
eftavao em Arima , baptizáraó no anno de
1594 mil e quatrocentas peffoas , e ouviraõ
as de confilfao mais de dezefeis mil Chriſtaos :

re no anno feguinte baptizárao novecentas e


Sa cincoenta , e ouvirao vinte e duas mil con-
fiffoens.

De Arima paffáraó ao Reyno de Bun-


el go , muito defolado pelo degredo do feu
10 Rey D. Conftantino ; e ainda que o acháraō
governado por Gentios , tivérao todavia per-
da miffao de entrar , prégar , e fazer as fuas
ordinarias funções , mas fem publicidade :
vifitárao tambem os Chriftaos de Amangu-
ཝཱཟུ

0
che , os quaes eftavao tao fequiozos da pa-

re lavra de Deos , que os Padres fe viao obri-



འ།

gados a prégar - lhes até depois da meya noite.

O P. Organtino em Meaco , onde te- Occupação


ve licença para eftar , trabalhava de dia , e dos Padres
1 em Meaco.
de noite na converfao dos infieis : tinha com

figo tres Padres , e tres Religiofos , que nao


erao Sacerdotes , os quaes veftidos de fecu-
lares , hiao a todos os Reynos vifinhos vifi-
tar , e confolar os Fieis. Baptizárað neftes
dous annos em Meaco mais de feiscentas pef-
foas , que pela mayor parte erao Nobres , e
i
Senho-
0
544 Hiftoria da Igreja
Senhores de qualidade , fendo o de mais
refpeito Samburandono , que era neto de No
bunanga , e feu legitimo herdeiro : tinha de
idade dous annos , quando feu Avô , e o Prin-
cipe feu pay forao no mesmo dia cruelmen-
te mortos Taycofama lhe falvou a vida ,
como herdeiro dos Reynos , que pofluîa No-
bunanga ; mas quando teve quinze annos, fe
contentou de lhe dar fó o Reyno de Mino
injustiça que nelle era ordinaria ; porque jul-
gava , que hum Soberano tinha legitimo do-
minio em tudo , o que era de feus vaffallos .
O Principe , que tinha rara indole , e todos
1
as boas qualidades , que podiao ornar hum
Neto de tao grande Heróe , fe affeiçoou no-
tavelmente a dous dos feus Gentîshomens ,
que erao Chriftaōs : as virtudes , que nelles
via , o deleitavao muito ,e todo feu gofto
era converfar com elles , de modo que co-
meçou a querer o inftruiffem na doutrina

Chriſta ; e tanto que foube os principaes ar-


tigos da Fé , fallou ao P. Organtino , com o
qual tendo algumas conferencias , lhe pedio
o Baptifmo , que recebeo com tres dos feus
vaflallos .
Foy o feu exemplo feguido de dous
filhos de Xenifonio Governador de Meaco , e
de dous Primos delles com irmaos : o primo-
genito de Xenifonio chamava -fe D. Paulo Sa-
candono ; aquelle , que quiz acompanhar a
Cambacundono , quando hia para Coya , re-
foluto a morrer com elle : fez tambem luzir

a fua Fé em huma perigofiffima occafiao ;


pois
do Japao. Liv. X. 545

pois Taycofama tendo hum fobrinho , que


amava muito , morrendo nefte tempo em
Vo
Meaco, ordenou , que fe lhe fizéffem as meſ-
mas honras , que fe coftumao praticar com
os mayores Monarcas do Japao . He coftu-
en
me do paîz , que quando fe fazem os fune-
raes de peffoas grandes do Reyno , todos os
Principes , e Senhores vao huns depois de
outros incenfar a eftátua do morto confór-
me a ordem , por que fao chamados do Mef-
tre das ceremonias ; e fendo D. Paulo conf-
༡:
trangido a affiftir , porque era primogenito
fem
do Governador , eftava muito affligido ,
06
faber, de que modo falvaffe a fua honra com
a fua conciencia , e difcorrendo comfigo , di-
10
zia : Se eu nao incenso a eftátua , offendo a
Taycofama , e be a minha morte inevitavel;
Se ofaço , offendo a Deos , offerecendo incen
fo a buma creatura : pois antes bey de mor-
rer, que perder a graça. Eftando já refolu-
to a declarar-fe , The veyo ao pensamento
efconder-fe com o pretexto de certa enfer-
midade : fingio pois que eftava doente , e fa-
hio do ajuntamento com tanta felicidade ,
que o Mestre das ceremonias fuppondo fer
verdade a cauſa , naõ o chamou ; e affim o
venturozo Chriftao fe livrou de tao traba-
lhofa difficuldade .
Já temos dito , que a intençao de Eftado daRe-
Taycofama era fazer paffar todos os Chri- ligiao naCo.
ftaos do Japao para Corea , e para efte effei- rea.
to de doze fortalezas , que mandára levantar,
em quanto efperava a repofta do Imperador
Tom. II. Mm da
546
Hiftoria da Igreja
da China , havia dado o governo das tres
principaes a Senhores Chriftaōs. D. Agoſti-
nho tinha a primeira fortaleza , em que af-
fiftia com os Reys de Arima, Omura, Firan-
do , Gotto , e Amacufa , porque erao quafi
todos Chriſtaos , os quaes eftando privados
de foccorro espiritual , o P. Cefpedes paffou
áquelle Reyno com outro Religiofo da Com-
panhia para lhes adminiftrar os Sacramentos ;
pois dizia Mila todos os dias , prégava, con-
feffava os Chriſtaos , e inftruîa os idólatras
com grande confolaçao daquelles Fieis . A
fegundafortaleza governava Darîo Ceuxi-
mandono Rey de Čeuxima , que era genro
de D. Agoſtinho : o feu zelo foy tao fervo-
rofo , que com o foccorro do P. Cefpedes
confeguio dos feus vaffallos abraçarem a Re-
ligiao Chrifta no anno de 1595 ; contribuin-
do muito para esta converfao os livros efpi-
rituaes, que lhes dava a ler , principalmente
os da doutrina Chrifta , que havia compofto
na lingua do Japaó . D. Šimao Condera Rey
de Buygem comandava a terceira com feu fi-
lho Caynocamedono : e havendo tréguas com
os Coreanos, todo feu divertimento confiftia

em ler livros efpirituaes, ouvir a palavra de


Deos , e em outros exercicios Catholicos ;
pois fe retirava a certas horas do dia a me-
ditar as verdades Chriftas , e prohibia á fua
gente de lhe fallar naquella occafiao, por qual-
quer que foffe o motivo : efte era o empre-
go daquelles famofos Guerreiros em tempo
fufpenfao de armas .
Goz
do Japao. Liv. X. 547
Gozando elles por efte modo da do- Confpiração
çura da paz , o demonio zelofo da gloria contra D. A-

effeito . ſem
do Salvador , e raivozo das almas , que lhe gotinho
1. haviao tirado , intentou arruinar a D.Agoſti-
nho , que era a gloria , e apoyo da Religiao
08 Chriſta , ſervindo- fe para efte fim de Toro-
nofuco , o mayor inimigo , que elle tinha.
A paixao, que fempre teve de ver a D. Agol-
tinho comandar o exercito , e a invéja do ap-
Si
plaufo , que havia adquirido naquellas felices
expedições , o obrigáraó a escrever a Tayco-
fama , dizendolhe , que contra o Edicto de S.
Mageftade mantinha elle os Padres Europêos,
0 e permittia , que prégaffem , e baptizaffem
os feus vaffallos. D. Agoftinho tendo esta
S noticia , mandou logo o P. Cefpedes , e feu
companheiro para Nangazaqui , porque fe o
Imperador mandaffe devaçar por alguns Co-
millarios , nao os achaffem exercitando as
funções da fua Religiao ; mas a caufa era
tao notoria , que nao era poffivel efconder-
fe , e o Almirante tinha toda a razao de te-
mer , vendo -fe perfeguido de hum inimigo
tao poderoso , e em negocio tao delicado :
porêm Deos Senhor Noffo , que fempre mife-
ricordiofo acode , a quem devéras o ama ,
difpoz , que em quanto os feus inimigos ef
peravao tempo opportuno para accuíálo
Taycofama o`chamou ao Japao para concluir
a paz com os Coreanos. Porque o Impera-
dor o amava muito , e ſe ſervia delle para
os mais importantes negocios , ninguem fe
atreveo a formar contra elle queixa alguma,
Mm 2 e mui-
548 Hiftoria da Igreja
e muito menos Toronofuco , que fe fabia era
feu mortal inimigo , cuja invéja bem noto-
ria o haveria julgado fufpeito de calumnia , e
falfidade. Aflim livrou Deos o feu Servo

que tinha posto nelle toda a fua confiança ;


e o P. Celpedes foy para o Reyno de Ceu-
xima , onde confeffou a D. Maria , filha de
D. Agostinho , com toda fua familia , e ba-
ptizou cincoenta idólatras.

FIM

DO TOMO SEGUNDO.

INDEX
549
er

INDEX
‫ا‬
0.
DAS COUZAS MAIS NOTAVEIS , QUE

Se contém nefte fegundo Tomo.

Om Agostinho. Recebe a D. Jufto


Ucondono nas fuas terras. p.336.

Faz grandes ferviços á Religiaó.


D
P. 345. He nomeado para fer o
primeiro que entre na Coréa. p.
467. Entra na Coréa , e alcança grande vi-
toria. p. 469. Toma a capital do Reyno . p.
474. Confpiração contra elle , mas tem ef-
feito. p. 547.
Alexandre. Vide Valignano.
Almeida. Irmao Luiz de Almeida da
Companhia de JESUS : fua morte , e fuas
acções. p. 271 .
Amacufa. Ilha : toda abraçou a Fé.
p. 98. Rebella-fe contra o Imperador. p.406.
Antonio. Morte de D. Antonio ,
protecção de Deos fobre D. Bartholomeu.

p. 138.
Aquexi. Governador , que fe rebel-
la contra Nobunanga . p . 245. Mata- o. 247.
Saquêa a Cidade de Anzuquiama . 248. Liga
formada contra Aquexi. 250. Morre Aque-
xi. 251 .
Tom. II. Mm 3 Ari-
550 Index

Arima. O Rey de Arima fe baptiza ,


e he chamado Andre. p. 91. Sua morte . 92 .

Om Bartholomeu Rey de Omura , he fi-


tiado . p. 22. Rechaça os inimigos. 23.
Extermina do feu Reyno a idolatria , e ga-
nha os Grandes da fua Corte . 26. Ganha pa-
ra Deos at muitos Bonzos. 27. Seu zelo , e
feu valor 96. Deos o livrande hum grande
perigo. 138. Fidelidade , e conftancia de feus
tres filhos. 266. Sua morte. 304. Seus lou-
vores , e feu funeral. 307.
Baptifmo. Recebe o o fegundo filho
do Rey de Bungo. p. 29/01 en onde
Bungo. O Rey de Bungo entrega a
feu filho o governo dos feus Eftados . p. 72 .
Repudia a fua mulher. 74. Faz baptizar fua
nova efpofa , e recebe elle o Baptifmo com
o nome de Francifco. 5. Grande defenga
no do Rey. 8o. O Principe herdeiro favore-
ce os Padres. 81. Declara quer fer Chriftao.
83. O exercito de Bungo he vencido , e des
baratado. 85. Rebelliao do Reyno de Bun-
go. 125. O Principe falta na Fé. 127. Conf
tancia admiravel de D. Francifco feu pay.
Ibid. O Principe he caftigado pela fua infi-
delidade . 129. O Rey feu pay toma o go-
verno do Reyno . 134. Eftado do Reyno de
Bungo. 257. O Rey D. Francifco renuncia
o governo. 288. Deftruiçao do Rerno, as
das couzas mais notaveis 551
D. Simao Condera foccorre o Principe de
Bungo. 298. Morte do Rey D. Francifco ,
2
e fuas virtudes. 308. até 315. O que fucce-
deo em Bungo depois do Edicto contra a
Religiao. 358. O Rey perfegue os Chriſtaos .
359. Refoluçao dos Chriftaos . 366. O Rey
he afrontado do Imperador. 367. Defordens
fuccedidas em Bungo. 495. O Rey deixa a
idolatria . 412.

C
e

Aça: a de peixes. 176.


e ambiça de
Faxiba , que tomou o nome de Cambacun-
dono. 277. Senhorea-fe dos Reynos de Xi-
mo. 301. Concede huma fingular mercê ao
P. Provincial da Companhia. 301. Os Reys
de Ximo fe lhe fugeitao , e elle difpoem dos
feus Reynos. 302. Reedifica a Cidade de Fa-
cata. 304. Sua mudança repentina , e qual
foffe a caufa. 322. Sua ira contra os Chri-
taós. 325. Ordena a D. Jufto Ucondono , que
ou renuncie a Fé , ou vá defterrado . 326.
Faz algumas perguntas ao P. Provincial da
Companhia. 328. Expede Edicto contra os
Padres . 337. Manda demolir as Igrejas . 373 .
Obriga a todos os Reys a hir dar- lhe vaflal-
lagem. 387. Senhorea-fe de todo o Japaó .
390. Fórma o defenho de conquistar a Chi-
na. 390. Sua politica para conſervar a paz .
392. Ufurpa a Nangazaqui . 405. Razões ,
por que le efperava , revogaffe o Edicto con-
Mm 4 tra
352 Index

tra a Religiao. 417. Sua repofta foberba ao


Vice Rey da India . 414. A Embáxada lhe he
fulpeitofa. 455. Refolve- fe a conquistar a
China. 462. Deixa a feu fobrinho com o
.
governo do Japaõ . 466. Dá o nome de Cam-
bacundono a feu fobrinho , e toma para fi o
de Taycofama. Ibid. Perfidia de Taycofama.
477. Move outra perfeguiçao contra os Chri-
itaós. 479. Começa a defconfiar de feu fo-
brinho. 501. Sua crueldade barbara. 534.
Cambacundono , fobrinho de Tayco-
fama : fuas boas , e más qualidades. 509. Cau-
fa , porque fe poz em difcordia com feu tio.
511. He vifitado de feu tio. 512. Pompa da
jornada. 514. Defconfia de todo com feu tio .
522. O Imperador manda a feu fobrinho o
vá vifitar. 524. Repofta do fobrinho. 525:
He defterrado , e reclufo em hum mofteiro
de Bonzos . 529. Sua morte tragica, e dos feus
filhos . 532. e feg.
Cartas. As dos tres Reys do Japao
para o Papa. 195. e leg. Carta da Princeza
D. Maxencia para feu irmao Rey de Bungo.
362.
Caftidade. He difficultofa aos Gen
tios . 151 .

Catastrofe. Quao tragica. 254.


Chicatora. Refolve fe a abraçar a Fé
de Chrifto. 36. Oppoem-fe a Rainha.37. Re-
foluçao , que toma. Ibid. Maltrata- o feu pay,
e defterra- o para o Reyno de Buygem. 39.
He chamado á Corte. 41. Bufca ao P. Cabral
42. Recebe o Baptifmo , e fe chama Simaó.
45-
das couzas mais notaveis . 553
10 45. He prezo terceira vez. 46. He tentado
he por todos os modos. 47. Nova inftancia ao
P. Cabral , para que o faça diffimular a Fé.
0 48. Repofta do P. Cabral. 49. Ameaçao ao
11. meímo Padre com varios caftigos. 51. Pro-
0 curao enganar a D. Simao . 53. Defcobre-fe
o engano. 55. Refolve- fe Chicacata a matar
os Padres. 56. Defejao os Chriftaós padecer
martyrio, 58. Vifita D. Sebaſtiao occultamen-
te a D. Simao. 62. Furia grande da Rainha
contra feu filho D. Sebaftiao . 64. Céffao as
inquietações , e D. Simao fica livre. 70. He
de novo perfeguido , e defterrade . 73. Mor-
a re em huma batalha. 87.
Comercio. He infame o de hum Bon

zo. 324.
Congregaçao. Huma de mancebos
Chriſtaos . 33.

D. Conftantino Rey de Bungo perfe


gue os Chriftaos. 359. He mal tratado do
Imperador. 367. Deixa a idolatria , 412 : e
fe reconcilia com a Igreja . 429.
Conftancia. A de Darío , pay de D.
Jufto , e de toda fua familia. 334. A de al-
gumas Senhoras Chriftas . 346. Conftancia de
D. Paulo. 360.
Converfao admiravel. 105 , e 106.
Coréa Reyno, e tua defcripçao.468.
Guerra de Coréa , funefta aos Japões. 484.
Conclue-fe a paz, e feus artigos . 488, e 490 .
Cruz, Huma miraculofa , q fe achou
perto de Arima. 395. Effeitos maravilhofos
da Cruz, e do Baptifmo. 137. Sao caftiga
des
Index
554
dos os profanadores da Cruz. 93 .

Ꭰ 1

Ifputa. A de hum moço Chriſtao com


D hum Bonzo . 415.

Dicto. O do Imperador contra os Padres


EM
Miffionarios. 337. Seu effeito. 341 .
Embáxada: ao Papa de tres Reys
do Japao. 160. Os Embáxadores fe embar
cao em Nangazaqui. 163. Viagem de Ma-
cáo para Malaca , e perigo , que tiverao.
165. Chegao a Goa. 168. Šua viagem de Goa
para Portugal. 172. Vêm hum genero de pei-
xes exquifitos. 176. Chegao a Lisboa , e co-
mo forao recebidos . 178. Partem para Evo-
ra , e lao recebidos pelo Arcebispo. 180. O
Duque de Bragança os recebe em Villa Vi
çofa. 181. Chegao á Corte de Madrid, e tem
audiencia do Rey. 182 , e183 . Paffao .a Ita
lia , e chegao aos Estados do Papa. 186.
Chegao a Roma , e faz o Papa Confiftorio.
189. Dao entrada em Roma , e fao conduzi-
dos á audiencia do Papa . 191. As Cartas dos
tres Reys do Japao fao lidas em Confiftorio
195. Difcurfo do P. Gafpar Gonçalves em
Confiftorio. 202. Repofta do Senhor Boca-
paduli em nome do Papa. 216. Honras , que
fe fizeraó aos Embáxadores. 218. Morre o

Papa
das couzas mais notävers. 255
Papa Gregorio XIII , e Xifto V. The moftra
o mefmo afecto, 220 , 21 , e 22. Pedem li-
cença para partirem para os feus Reynos . 223.
Paffao por Mantua. 229. Chegao a Genova ,
e partem para Barcelona. 232. Pedem licença
om ao Rey de Helpanha , e partem de Lisboa
para Goa. 233. Frutos , que tirárao os. Em-
báxadores da fua viagem. 234. e leg. Che-
gao ao Japao , e fão chamados à Corte . 401
D. Manfio fe efcula de entrar no ferviço do
ES
Imperador. 438. Entrao na Companhia. 452 .
S. Elena. Ilha, é fua defcripçao . 173.
Embaxada. A do Vice Rey da Indra
D. Duarte de Menezes. Vide Valignano . Em-
1 báxada do Governador das Filippinas com
quatro Religiofos de S.Francifco . 498:
2 Eftado : da Religiao no Japao. 154,
416 , e 539.

Axiba. Declara- fe Governador do Im→


perio . 253 . Moftra muito affecto aos Pa-
dres. 256. Sitia o terceiro filho de Nobunan-
ga, e feu tio Micabadono. 275. Poder, e ame
biçao de Faxiba . 277. Toma o nome de Cam-
bacundono. 277. Recebe com benevolencia
os Padres da Companhia , e lhe defcobre os
feus intentos. 279 , e 280. Concedelhe pa-
tentes ampliffimas para a Religiao . 283. No-
vos favores do Rey, e Rainha. 284. Apode-
ra fe dos Reynos de Ximo. 301 .
Fervor. O dos Chriftaos no tempo
da
"
556 Index

da perfeguiçao. 376. O de D. Pantaleao , fi-


lho do Rey de Bungo. 269. Ę o dos Chri-
ftaos de Arima . 542 .
Fidelidade. A de huma Chriſtá 2
quem baptizou S. Francifco Xavier. 268. Fi

delidade , e conftancia dos tres filhos do Rey


D.Bartholomeu. 226. De hum mancebo Chri-
ftao. 531 .
Fondo , Cidade : he fitiada , e trezen-
tas mulheres pelejao na brecha. 408.
D. Francifco Rey de Bungo. Vide
Bungo. Quatro Religiofos de S. Francifco
chegao ao Japao. 498. Taycofama lhes em-
baraça o prégar no Japao. 501. Fazem hum
Convento, e Igreja em Meaco. 505. Querem
fundar outro Convento em Nangazaqui , e
fao defterrados . 507.
Froes. OP. Luiz Fróes : perigos, em
que fe vio. 13. Torna a Meaco. 15.

Iftoria memoravel do fobrinho da Rai-


nha de Bungo . 35 .

em e o que
fe refolve na Conferencia. 338 , e 340.
Partem alguns para Macáo. 343. Efcondem-
fe por algum tempo. 375.
Irman-
das couzas mais notaveis 557
Irmandade. A da Mifericordia. 406 .
D. Jufto Ucondono. Suas anguftias ,
fua refoluçao , e fidelidade. 120 , e 122. Seu
zelo.274. Perfegue aos Bonzos . 276. He man-
dado renunciar a Fé , e fua repoſta. 326. Sua
virtude. 330. D. Agoftinho o recebe nas fuas
Rej
terras. 336. Volta á Corte. 382. Entra na
graça do Imperador . 473-

L
ide
CO
Rmaỡ Luiz de Almeida da Companhia de
e
m
EU

Lourenço , Irmao da Companhia, Ja

e ponez : fua morte. 451 .

Artyrio : de hum velho Chriſtað . 370.


M De huma mulher devota da Cruz.379-
De outros muitos Chriftabs. 372. De hum
moço Chriſtao. 152 .
Meaco. Corte, e capital do Japao : he
fitiada, e faqueada por Nobunanga . 10 , e 11 .
D. Miguel, Senhor de Amacufa : fua
morte. 267.
Miffae feliz , e venturoza. 399. Ef
tado da Miñao no Japao. 416.
Miffionarios. Ajuntao fe os da Com
0
panhia em Firando , e o que fe refolve na
Conferencia. 338, e 340. Partem alguns para
Macáo ,
558 Index

Macáo , e para que . 343. Elcondem le por


algum tempo. 375 .

Angazaqui . Suas defordens . 140. He


N reftabelecida a ſua Igreja . 492 .
Nobunanga Imperador : protege os
Miffionarios. 110. Difcurfo da Religiao na

fua presença. 112. Seus filhos favorecem os


Padres. 117. Sua vaidade. 118. Liga contra
elle. 119. Pertende fer adorado por Deos .
241. Conſpiração contra elle. 244. Sua mor-
te. 247.

Mara. Vide D. Bartholomeu Rey de


Omura .

Organtino. O P. Organtino falla da


Religiao Chriſtá na prefença de Nobunanga.
112. Faz grande fruto em Anzuquiama. 150 .
Origem da perfeguiçao contra a
Igreja , e feus prefagios . 321 .

Om Pantaleao , filho terceiro do Rey


Ꭰ de Bungo : feu fervor. 269 .

Papa. O Papa Gregorio XIII . rece-


be os Embáxadores de tres Revs do Japao .
191. Morte do Papa Gregorio XIII , e elei-
çao
das couzas mais notäveis . 549

ção de Xifto V. 220 , e 221 .


D. Paulo. Sua conftancia admiravel .

306. Conjuraçao contra elle . 360. Come á


mela com o Imperador. 368. Nova conf-
piração contra elle. 374.
le D. Protafio Rey de Arima : he ba-
ptizado . 99. Seu zelo. 374. Defgofto , que
teve. 380. Recebe os prefentes do Papa . 446.
1 Funda hum Collegio , e Seminario . 102. Sua
piedade . 264.

lozogi. Faz guerra aos Reys de Arima,


R e de Omura. 259. He morto na bata-
lha. 262.
D. Rodrigo. Sua morte. 497.

Om Sebaftiao , filho fegundo do Rey de


Ꭰ Bungo : recebe o Baptifmo. 31. Vifita
a D. Simao , e pratica, que com elle teve. 62.
Seminario : fundado em Anzuquia-
ma . 149.
D. Simao. Vide Chicatora.
Sumitanda. Vide D. Bartholomeu
Rey de Omnra.

Tango
Index
560

Aicofama. Prohibe aos Padres de S.Fran-

T cifco prégar. 501. Sua crueldade bar-


bara. 534. Vide Cambacundono .
Tango. Converſaó maravilhoſa da

Rai nha de Tango . 348. até 358.

Alignano. OP .Alexandre Valignano vi


fita o Rey, e 103 .
Vay a Meaco , e he bem recebido de No-
bunanga. 143. Vay por Embáxador ao Ja-
pao. 386. Avifa da fua chegada ao Impera-
dor. 402. Sua viagem para a Corte com os
Embáxadores . 425. O Imperador faz pouco
cafo da Embáxada. 432. Mas agradece ao
Padre venha por Embá xado r . 433. Faz a fua
entrada em Meaco . 434. Carta do Vice- Rey
da India para o Imperador . 435. Effeito da
Embáxada. 439. He vifitado dos Grandes.
440. Parte para Firando , e vifita a Princeza,
filha de D. Bartholomeu. 442. Parte para a
India , e antes de partir , baptiza o Rey de
Junga. 483 .

LAUS DEO ,

Virginique Matri , & omnibus Sanctis .


20
352 Index 1

tra a Religiao. 417. Sua repoſta ſoberba ao


Vice -Rey da India. 414. A Embáxada lhe he
fulpeitofa. 455. Refolve- fe a conquistar a
China. 462. Deixa a feu fobrinho com o
governo do Japaõ . 466. Dá o nome de Cam-
bacundono a feu fobrinho , e toma para fi o

de Taycofama . Ibid. Perfidia de Taycofama.


477. Move outra perfeguiçao contra os Chri-
Começa a defconfiar de feu fo-
itaos. 479.
brinho. 501. Sua crueldade barbara. 534.
Cambacundono , fobrinho de Tayco-
fama : fuas boas, e más qualidades. 509. Cau-
fa , porque le poz em difcordia com teu tio.
511. He vifitado de feu tio. 512. Pompa da
jornada. 514. Delconfia de todo com feu tio.
522. O Imperador manda a feu ſobrinho o
"
vá vifitar. 524. Repoſta do ſobrinho. 525.
He defterrado , e reclufo em hum mofteiro
de Bonzos . 529. Sua morte tragica, e dos feus
filhos. 532. e feg.
Cartas. As dos tres Reys do Japao
para o Papa. 195. e leg. Carta da Princeza
D. Maxencia para feu irmao Rey de Bungo.
362.
Caftidade. He difficultofa aos Gen
tios . 151.

Catastrofe. Quao tragica. 254.


Chicatora. Refolve fe a abraçar a Fé
de Chrifto. 36. Oppoem-fe a Rainha.37 . Re-
folução , que toma . Ibid. Maltrata-o feu pay,
e defterra- o para o Reyno de Buygem . 39.
He chamado á Corte. 41. Bufca ao P. Cabral .
42. Recebe o Baptifmo , e fe chama Simao
45-
das couzas mais notaveis. 553
45. He prezo terceira vez. 46. He tentado
por todos os modos. 47. Nova inftancia ao
1 P. Cabral , para que o faça diffimular a Fé.
48. Repofta do P. Cabral . 49. Ameáçaõ ao
meimo Padre com varios caftigos . 51. Pro-
curao enganar a D. Simao. 53. Descobre-fe
o engano. 55. Refolve-fe Chicacata a matar
os Padres. 56. Defejao os Chriftaós padecer
martyrio, 58. Vifita D. Sebaſtiao occultamen-
te a D. Simao. 62. Furia grande da Rainha
contra feu filho D. Sebaſtiao. 64. Céffao as
inquietações , e D. Simao fica livre. 70. He
de novo perfeguido , e defterrado. 73. Mor-

re em huma batalha . 87.
Comercio. • He infame o de hum Bon
zo. 324.
Congregaçao . Huma " de mancebos
Chriftaos . 33.
D. Conftantino Rey de Bungo perfe
15
gue os Chriftaos . 359. He mal tratado do
Imperador. 367. Deixa a idolatría , 412 : e
fe reconcilia com a Igreja. 429.
Conftancia. A de Darío , pay de D.
Jufto , e de toda fua familia. 334. A de al-
gumas Senhoras Chriftas . 346. Conftancia de
D. Paulo. 360.
Converfao admiravel. 105 , e 106.
Coréa Reyno, e tua defcripçao.468.
Guerra de Coréa , funefta aos Japões. 484-
Conclue-fe a paz, e feus artigos . 488, e 490.
Cruz, Huma miraculofa , q fe achou
perto de Arima. 395. Effeitos maravilhofos
da Cruz, e do Baptifmo. 137. Saó caftiga
dos
Index
554
dos os profanadores da Cruz. 93 .

Ifputa. A de hum moço Chriſtao com


D hum Bonzo. 415.

Padres
Miffionarios. 337. Seu effeito. 341 .
Embáxada: ao Papa de tres Reys
do Japao. 160. Os Embáxadores fe embar
cao em Nangazaqui. 163. Viagem de Ma-
cáo para Malaca , e perigo , que tiverao.
165. Chegao a Goa. 168. Sua viagem de Goa
para Portugal. 172. Vêm hum genero de pei-
xes exquifitos. 176. Chegao a Lisboa , e co-
mo forao recebidos . 178. Partem para Evo-
ra , e lao recebidos pelo Arcebispo. 180. O
Duque de Bragança os recebe em Villa - Vi
çofa. 181. Chegao á Corte de Madrid , e tem
audiencia do Rey . 182 , e183 . Paffao a Ita
lia , e chegao aos Eftados do Papa. 186.
Chegao a Roma , e faz o Papa Confiftorio .
189. Dao entrada em Roma , e fao conduzi-
dos á audiencia do Papa. 191. As Cartas dos
tres Reys do Japao fao lidas em Confiftorio
195. Difcurfo do P. Gafpar Gonçalves em
Confiftorio. 202. Repofta do Senhor Boca-
paduli em nome do Papa. 216. Honras, que
fe fizeraá aos Embáxadores. 218. Morre o
Papa
das couzas mais notavers. 255

Papa Gregorio XIII , è Xiſto V. The moftra


o mefmo aftecto, 220 , 21 , e 22. Pedem li-
cença para partirem para os feus Reynos . 223.
Paffao por Mantua. 229. Chegao a Genova,
e partem para Barcelona. 232. Pedem licença
ao Rey de Helpanha , e partem de Lisboa
para Goa. 233. Frutos , que tiráraó os Em-
báxadores da fua viagem . 234. e leg. Che-
gao ao Japao , e fão chamados cá Corte . 401
D. Manfio fe efcula de entrar no ferviço do
B

Imperador. 438. Entrao na Companhia. 452.


S. Elena. Ilha, e fua defcripgao . 173.
Embaxada. A do Vice Rey da India
D. Duarte de Menezes. Vide Valignano. Em-
báxada do Governador das Filippinas com
quatro Religiofos de S.Francifco. 498.
02 Eftado : da Religiao no Japaõ. 154,
ei 416 , e 539.

F
0
Axiba. Declara -fe Governador do Im-
F perio. 253. Moftra muito affecto aos Pa-
dres. 256. Siti o terceiro filho de Nobunan-
ga, e feu tio Micabadono. 275. Poder , e ame
biçao de Faxiba . 277. Toma o nome de Cam-
bacundono. 277. Recebe com benevolencia
os Padres da Companhia , e lhe def cobre os
feus intentos . 279 , e 280. Concedelhe pa-
1 tentes ampliffimas para a Religiao . 283. No-
vos favores do Rey, e Rainha . 284. Apode-
e ra fe dos Reynos de Ximo . 301 .
Fervor. O dos Chriſtaos no tempo
da
Index
556
da perſeguiçao . 376. O de D. Pantaleaó , fi-
lho do Rey de Bungo. 269. Ę o dos Chri-
ftaos de Arima . 542 .
Fidelidade. A de huma Chriſtá , a
quem baptizou S. Francifco Xavier. 268. Fi-

delidade , e conftancia dos tres filhos do Rey


D.Bartholomeu. 226. De hum mancebo Chri-
ftao . 531 .
Fondo , Cidade : he fitiada , e trezen-
tas mulheres pelejaõ na brecha. 408.
D. Francifco Rey de Bungo. Vide
Bungo. Quatro Religiofos de S. Francifco
chegao ao Japao. 498. Taycofama lhes em-
baraça o prégar no Japao. 501. Fazem hum
Convento, e Igreja em Meaco. 505. Querem
fundar outro Convento em Nangazaqui , e
fao defterrados . 507.
Froes. OP. Luiz Fróes : perigos, em
que fe vio. 13. Torna a Meaco . 15.

Iftoria memoravel do fobrinho da Rai-

H nha de Bungo . 35 .

e o que
fe refolve na Conferencia. 338 , e 340.
Partem alguns para Macáo. 343. Efcondem-
fe por algum tempo . 375 .
Irman-
das couzas mais notaveis 557
Irmandade. A da Mifericordia. 406 .
D. Jufto Ucondono. Suas anguftias
fua refoluçao , e fidelidade. 120, e 122. Seu
1 zelo.274 . Perfegue aos Bonzos.276 . He man-
dado renunciar a Fé , e fua repoſta. 326. Sua
virtude. 330. D. Agoftinho o recebe nas fuas
terras. 336. Volta á Corte. 382. Entra na
graça do Imperador . 473 .
SEE
EU

CO
Rmao Luiz de Almeida da Companhia de
IJESUS : fuas acções , e fua morte. 271 .
Lourenço , Irmao da Companhia, Ja

e ponez : fua morte. 451 .

em
M

Artyrio : de hum velho Chriftað . 370.


M De huma mulher devota da Cruz.379 .
De outros muitos Chriftabs. 372. De hum
moço Chriſtao. 152 .
Meaco. Corte, e capital do Japao: he
fitiada, e faqueada por Nobunanga . 10 , e 11.
D. Miguel, Senhor de Amacufa : ſua
morte. 267.
Miffae feliz , e venturoza. 399. Ef
tado da Millaō no JapaŎ . 416.
Miffionarios. Ajuntao fe os da Com-
0
panhia em Firando , e o que fe reſolve na
Conferencia . 338, e 340. Partem alguns para
Macác
558 Index

Macáo , e para que. 343. Elcondem le por


algum tempo. 375 .

reftabelecida Suas 140.


a fua Igreja. 492 . He

Nobunanga Imperador : protege os


Miffionarios. 110. Difcurfo da Religiao na
fua presença. 112. Seus filhos favorecem os
Padres. 117. Sua vaidade. 118. Liga contra
elle. 119. Pertende fer adorado por Deos.
241. Confpiração contra elle. 244. Sua mor-
te. 247 .

Mura. Vide D. Bartholomeu Rey de


Omura .
Organtino. O P. Organtino falla da
Religiao Chriſtá na prefença de Nobunanga.
112. Faz grande fruto em Anzuquiama. 150 .
Origem da perfeguiçao contra a
Igreja , e feus prefagios. 321 .

Om
Dom Pantaleao , filho terceiro do Rey
de Bungo : fervor. 269.
Papa. O Papa Gregorio XIII . rece-
be os Embáxadores de tres Revs do Japao .
191. Morte do Papa Gregorio XIII , e elei-
çaố
das couzas mais notáveis. 549

ção de Xifto V. 220 , e 221 .


D. Paulo. Sua conftancia admiravel .

306. Conjuração contra elle. 360. Come á


mela com o Imperador. 368. Nova conf-
piração contra elle. 374.
D. Protafio Rey de Arima : he ba-
ptizado . 99. Seu zelo. 374. Defgofto , que
teve. 380. Recebe os prefentes do Papa . 446 .
Funda hum Collegio , e Seminario . 102. Sua
piedade. 264.

R Zozogi
e de .Faz guerra He
aos Reys
mortodena
Arima,
lha. 262 .
D. Rodrigo. Sua morte. 497.

Om Sebaftiao , filho fegundo do Rey de


Bungo : recebe o Baptifmo . 31. Vifita
a D. Simao , e pratica, que com elle teve. 62.
Seminario : fundado em Anzuquia-
ma. 149.
D. Simao. Vide Chicatora.
Sumitanda. Vide D. Bartholomeu
Rey de Omnra.

Tango
560 Index

Aicofama. Prohibe aos Padres de S.Fran-


T cifco prégar. 501. Sua crueldade bar-
bara. 534. Vide Cambacundono.
Tango. Converfao maravilhofa da
Rai nha de Tango. 348. até 358.

Alignano. OP.Alexandre Valignano vi-


fita o Rey, e Principe de Bungo. 103 .
Vay a Meaco , e he bem recebido de No-
bunanga. 143. Vay por Embáxador ao Ja-
pao. 386. Avifa da fua chegada ao Impera-
dor. 402. Sua viagem para a Corte com os
Embáxadores . 425. O Imperador faz pouco
cafo da Embáxada. 432. Mas agradece ao
Padre venha por Embáxador. 433. Faz a fua
entrada em Meaco. 434. Carta do Vice - Rey
da India para o Imperador. 435. Effeito da
Embáxada. 439. He vifitado dos Grandes.
440. Parte para Firando , e vifita a Princeza,
filha de D. Bartholomeu . 442. Parte para a

India , e antes de partir , baptiza o Rey de


Junga. 483 .

LAUS DEO ,

Virginique Matri , & omnibus Sanctis.


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