Você está na página 1de 5

GRUPO I

Leia o texto. Em caso de necessidade, consulte as notas.

Maria - Quereis vós saber, mãe, uma tristeza muito grande que eu tenho? A mãe já não chora, não? Já
não se enfada comigo?
Madalena - Não me enfado contigo nunca, filha; e nunca me afliges, querida. O que tenho é o cuidado
que me dás, é o receio de que..
5 Maria - Pois aí está a minha tristeza; é esse cuidado em que vos vejo andar sempre por minha causa.
Eu não tenho nada, e tenho saúde, olhai que tenho muita saúde.
Madalena - Tens, filha... se Deus quiser, hás de ter; e hás de viver muitos anos para consolação e
amparo de teus pais que tanto te querem.
Maria - Pois olhai passo noites inteiras em claro a lidar1 nisto, e a lembrar-me de quantas palavras vos
10 tenho ouvido, e a meu pai... e a recordar-me da mais pequena ação e gesto - e a pensar em tudo, a ver
se descubro o que isto é - o porque, tendo-me tanto amor... que, oh! isso nunca houve decerto filha
querida como eu!..
Madalena - Não, Maria.
Maria - Pois sim; tendo-me tanto amor, que nunca houve outro igual, estais sempre num sobressalto
15 comigo?
Madalena - Pois se te estremecemos?
Maria - Não é isso, não é isso: é que vos tenho lido nos olhos... Oh! que eu leio nos olhos, leio!... e nas
estrelas do céu também, e sei cousas...
Madalena - Que estás a dizer, filha, que estás a dizer? Que desvarios 2! Uma menina do teu juízo,
20 temente a Deus... não te quero ouvir falar assim. Ora vamos: anda cá, Maria; conta-me do teu jardim,
das tuas flores. Que flores tens tu agora? O que são estas? (Pegando nas que ela traz na mão).
Maria - (abrindo a mão e deixando-as cair no regaço da mãe) - Murchou tudo... tudo estragado da
calma"3. Estas são papoulas que fazem dormir; colhi-as para as meter debaixo do meu cabeçal 4 esta
noite; quero-a dormir de um sono, não quero sonhar, que me faz ver coisas... lindas às vezes, mas tão
25 extraordinárias e confusas...
Madalena - Sonhar, sonhas tu acordada, filha! Que, olha, Maria, imaginar é sonhar: e Deus pôs-nos
neste mundo para velar e trabalhar, com o pensamento sempre n'Ele sim, mas sem nos estranharmos 5
a estas coisas da vida que nos cercam, a estas necessidades que nos impõe o estado, a condição em
que nascemos. Vês tu, Maria: tu és a nossa única filha, todas as esperanças de teu pai são em ti.
30 Maria - E não lhas posso realizar, bem sei. - Mas que hei de eu fazer? Eu estudo, leio....
Madalena - Lês de mais, cansas-te, não te distrais como as outras donzelas da tua idade, não és....
Maria - O que eu sou... só eu o sei, minha mãe... E não sei, não: não sei nada, senão que o que devia
ser não sou...

Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, Porto: Porto Editora, 2014

Notas
1
a refletir, pensar frequentemente.
2
delírios, exaltações, devaneios.
3
calor.
4
travesseiro.
5
sem nos estranharmos a, sem nos admirarmos com.
1. Caraterize Maria, ilustrando a resposta com elementos textuais pertinentes.

2. Interprete, nas linhas 22 a 25, dois indícios que contribuem para o desenvolvimento da
ação trágica.

3. Explique o sentido contraditório das palavras finais de Maria «O que eu sou... só eu o sei,
minha mãe... E não sei, não: não sei nada, senão que o que devia ser não sou...» (linhas
32 a 33).

4. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada


espaço. Na folha de respostas, registe apenas as letras – a) e b) – e, para cada uma delas,
o número que à corresponde a opção selecionada em cada um dos casos.

No excerto apresentado de Frei Luís de Sousa, as frases interrompidas de Maria e


Madalena, e que são assinaladas por reticências, salientam _____a)_____ das
personagens. Na terceira fala de Maria (linhas 9 a 12), o estado de espírito desta
personagem é ainda reforçado pelo uso de _____b)_____ .

a) b)
1. a inquietação 1. enumerações
2. o patriotismo 2. interjeições
3. a irritação 3. hipérboles

GRUPO II

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.


Escreva, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.
Leia o texto. Se necessário, consulte as notas.

Admirador confesso da obra de Almeida Garrett, tanto da literatura de viagens, como da dramaturgia e
da lírica mais «lamechas». Miguel Loureiro encena a peça que subiu pela primeira vez ao palco em 1843, e que é
baseada na vida de Frei Luís de Sousa (1555-1632), o nome adotado pelo frade Manuel de Sousa Coutinho, pelo
«cânone»1.
5 Miguel Loureiro assegura que pegou neste drama em três atos, «acreditando [na lenda] que está por
trás dele, acreditando nas linhas de pensamento que o texto tem sobre a questão do sebastianismo, a questão da
saudade, a questão de uma projeção de Portugal que se cumpre ou não sobre um projeto político diferente para
o país».
Uma versão que, segundo o encenador, não contém todo o original do autor romântico, o qual
10 «suavizou» um bocado, tentando «secar as ideias de excessos emotivos», tanto «Os choros», como a «constante
lamúria de algumas personagens», observou. Excetuando «duas ou três frases mais pietistas 2» e «um ou outro
gesto mais expressivo», a encenação de Miguel Loureiro de Frei Luís de Sousa não se excede em lamúrias, choros
ou gritos, pautando-se antes pelo comedimento e contenção. Evitando «cair no grotesco, por um lado, e, por
outro lado, não ficando aquém do que o texto pede», assentou.
15 «O texto não é sofisticado. É sobre exatamente não fazer dietas nos sentimentos, ir até ao fim; [é sobre]
questões de martírios, questões de vida ou de morte, de desistir do mundo secular e passar para o mundo
temporal, passar para uma outra dimensão», referiu.
«Sem trair o espírito ao texto original, das fábulas e das fantasmagorias que contém» Miguel Loureiro
disse ter tentado «tocar nas teclas todas» do drama garrettiano, «sem carregar muito na tecla político-
20 nacionalista que a peça tem».
Esta peça surge de um desafio que José Luís Ferreira, antigo diretor do S. Luiz, lançou a Miguel Loureiro,
disse o encenador. O projeto era, porém, uma versão «reduzida», para ser incluída no Plano Nacional de Leitura.
O diretor do D. Maria II achou, contudo, que seria bom fazê-lo na sala Garrett, já que foi o autor romântico que
propôs a construção daquele teatro ao Rossio.
25 «Eu gosto imenso da escrita do Garrett. Acho que é uma escrita maravilhosa, mesmo a parte lírica, mais
lamechas. Eu gosto daquilo tudo. Não tenho nenhum preconceito em relação a isso», disse. Além disso, para
Miguel Loureiro, Almeida Garrett é «um dos nomes maiores» do teatro português.
«Há o Gil Vicente, há Bernardo Santareno... Há assim uns marcos da chamada escrita para teatro em
português, mas não podemos pôr de fora Almeida Garrett», referiu. «É como não podermos fazer terra plana ali
30 em Belém sobre a Torre de Belém. Ela está lá sempre. Quem quiser aproxima-se para a ver», assentou.
Até a linguagem usada na peça privilegia os termos coevos 3 da obra de Almeida Garrett, porque, para si,
o que nos dias de hoje é «pulsante» na obra do autor do Romantismo é «precisamente o foco da linguagem»,
justificou.
https://expresso.pt/cultura/2019-02-27-Frei-Luis-de-Sousa-regressa-ao-Teatro-D.-Maria-ao-fim-de-20-anos (texto com
supressões)

Notas1 cânone – padrão, regra, norma.


2
pietistas – aqueles que vivem de forma pessoal e mística a religião.
3
coevas – contemporâneos.

1. No segundo parágrafo do texto, a repetição da forma verbal «acreditando» permite


(A) revelar que as crenças de Miguel Loureiro são determinantes para a dramatização.
(B) destacar a centralidade dos dados históricos presentes na obra de Garrett.
(C) evidenciar a importância que a linguagem de Garrett assume para a encenação.
(D) realçar a necessidade de encenador esclarecer as crenças envolvidas na obra.

2. Quando refere que «temos que tocar nas teclas todas» do drama garrettiano» (linha 19),
o encenador
(A) centra a sua ação na linha temática do nacionalismo patriótico.
(B) revela o que considerou fundamental da obra de Almeida Garrett.
(C) valorizou todos os temas da obra de forma semelhante e justa.
(D) realçou o facto de se ter desviado da essência do texto original.

3. Ao recorrer à expressão «não fazer dietas nos sentimentos» (linha 15), o autor utiliza
(A) a hipérbole para enfatizar a força dos sentimentos em Frei Luís de Sousa.
(B) a personificação para mostrar a importância das ideias centrais da obra.
(C) a metáfora para evidenciar a força dos sentimentos em Frei Luís de Sousa.
(D) a antítese para reforçar a oposição entre sentimentos e razão, a vida e a morte.

4. No texto, as palavras «lamechas» (linha 2) e «reduzida» (linha 22) encontram-se entre


aspas, porque se pretende destacar
(A) transcrições.
(B) sentidos figurados.
(C) títulos.
(D) ironias.

5. Para Miguel Loureiro, o texto de Frei Luís de Sousa é «pulsante» (linha 32),
(A) apesar de não permitir uma atualização para os nossos dias.
(B) uma vez que não perde as caraterísticas do Romantismo original.
(C) dado que se centra numa linguagem romântica e conservadora.
(D) já que se centra, de forma intensa, no domínio linguístico.
6. Classifique a oração «que pegou neste drama em três atos» (linhas 5).
7. Indique o tipo de coesão assegurada pela ocorrência dos vocábulos sublinhados em
«questão do sebastianismo, a questão da saudade, a questão de uma projeção de
Portugal (linhas 6 e 7).

8. Identifique a função sintática desempenhada pelo segmento «pelo comedimento e


contenção» (linha 13).

GRUPO III

Na obra Frei Luís de Sousa, Madalena rege-se por fortes emoções e por
uma inquietude constante.

Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de


trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a centralidade das
emoções na vida humana.

No seu texto:
 explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois
argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
 utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).

Você também pode gostar