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Querida Kitty,

Não sabemos bem como reagir. Até agora tinham-nos chegado muito poucas
notícias sobre os judeus, e achávamos melhor mantermo-nos tão animados quanto
possível. De vez em quando Miep mencionava o que acontecera a um amigo, e a
Mamã ou Mrs. van Daan começavam a chorar, por isso ela decidiu que era melhor não
contar mais nada. Mas bombardeámos Mr. Dussel com perguntas, e as histórias que
ele tinha para contar são tão macabras e terríveis que não conseguimos tirá-las da
cabeça. Quando tivermos tempo de digerir as notícias, provavelmente voltaremos às
nossas piadas e brincadeiras habituais. Não nos servirá de nada, nem ajudará os que
estão lá fora, se continuarmos tão melancólicos como estamos. E qual seria a
vantagem de transformar o Anexo Secreto num Anexo da Melancolia?

Mrs. Van Daan - disse a Mamã -, há uma grande diferença entre Margot e Peter. Para
começar, Margot era rapariga, e as raparigas são sempre mais maduras que os
rapazes. Segundo, ela já leu muitos livros sérios e não vai à procura daqueles que já
não lhe são proibidos. Terceiro, Margot é muito mais sensata e intelectualmente
avançada, em resultado dos quatro anos que passou numa escola excelente.”

O Papá é sempre tão amável. Compreende-me perfeitamente, e como eu gostava que


pudéssemos ter uma conversa franca de vez em quando sem eu desatar
instantaneamente a chorar. Mas pelos vistos isso tem a ver com a minha idade.
Gostava de poder passar o tempo todo a escrever, mas provavelmente acabaria por se
tornar aborrecido.
Até agora apenas confiei os meus pensamentos ao meu diário. Ainda não consegui
escrever passagens divertidas que pudesse ler em voz alta mais tarde. No futuro vou
dedicar menos tempo a sentimentalismos e mais à realidade.

O Diário de Anne Frank, versão definitiva, tradução de Elsa T. S. Vieira, Dois Mundos, Livros do Brasil, Porto editora,
2015

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