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A INTERPRETAÇÃO EM PSICANÁLISE

D. W. Winnicott, M.D.

É importante que periodicamente se revejam os princípios básicos da técnica


psicanalítica e que se reavalie a importância dos vários elementos que fazem parte da
técnica clássica. Seria geralmente admitido que uma importante parte da técnica
psicanalítica é a interpretação e é o meu objetivo aqui estudar mais uma vez esta
parte particularmente importante do que fazemos.
A palavra “interpretação” implica que estamos usando palavras e há uma
implicação maior que é que o material trazido pelo paciente é verbalizado. Na sua
forma mais simples há uma regra básica, que ainda tem força, apesar de muitos
analistas jamais instituírem seus pacientes nem mesmo em relação a este detalhe.
Após mais de meio século da psicanálise os pacientes sabem que se espera deles
que falem o que vem a cabeça sem reprimir nada. Também é reconhecido hoje que
grande parte da comunicação do paciente para o analista não é verbalizada.
Isto pode ter sido percebido por primeira vez em termos dos matizes do discurso e
as várias maneiras nas quais o discurso se envolve, muito mais do que em termos do
significado das palavras usadas. Gradualmente, os analistas se encontraram
interpretando os silêncios e os movimentos e uma variedade de detalhes
comportamentais que estavam fora do domínio da verbalização. No entanto, também
haviam analistas que preferiam muito mais apegar-se ao material verbalizado
oferecido pelo paciente. Quando isto funciona, tem vantagens óbvias, pois o paciente
não se sente perseguido pelo olhar do observador.
Com um paciente silencioso, um homem de 25 anos, certa vez eu interpretei o
movimento de seus dedos quando suas mãos juntas à altura do seu colo. Ele me
disse: “Se o senhor começar a interpretar este tipo de coisa, então eu terei que
transferir este tipo de atividade para alguma outra coisa que não apareça”. Em outras
palavras, ele estava me mostrando que se ele não verbaliza a sua comunicação, eu
não devia fazer comentários.
Existe também o vasto assunto que pode ser explorado das comunicações do
analista que não são transmitidas em verbalizações diretas ou até em erros de
verbalização. Não há necessidade de desenvolver este tema porque ele é óbvio, mas
começa com o tom de voz do analista e a maneira pela qual, por exemplo, a atitude
moralista pode ou não mostrar em uma afirmação que, em sua essência não é nada
mais do que uma interpretação. Comentários interpretativos têm sido explorados e
certamente discutidos amplamente em inumeráveis horas de supervisão. Talvez não
há a necessidade de fazer um estudo mais detalhado deste assunto neste momento.
O propósito da interpretação deve incluir um sentimento que o analista tem de que
a comunicação foi feita, o que requer confirmação. Esta é talvez a parte mais
importante de uma interpretação, mas este simples propósito freqüentemente está
escondido entre muitas outras questões, como por exemplo, instruções a respeito do
uso de símbolos. Como exemplo disto, podemos pegar uma interpretação como “os
dois objetos brancos no sonho são seios”, e assim por diante. No momento em que o
analista embarca neste tipo de interpretação, ele perde chão sólido e fica numa área
perigosa, onde ele usa suas próprias idéias, e isto pode estar errado do ponto de vista
do paciente nesse momento.
Numa forma mais simples o analista devolve ao paciente o que este lhe
comunicara. Pode acontecer com facilidade que o analista sinta que esta é uma tarefa
fútil porque se o paciente lhe comunicou algo, qual é a razão pela qual deveria
devolver-lhe, exceto, é claro, com o propósito de permitir ao paciente saber que o que
foi dito foi ouvido, e que o analista está tentando compreender corretamente.
Devolver uma interpretação fornece ao paciente oportunidade de corrigir os mal
entendidos. Existem analistas que aceitam essas correções, mas também existem
analistas que no seu papel interpretativo assumem uma posição que é quase
invencível, então, se o paciente tenta fazer uma correção o analista tende a pensar em
termos da resistência do paciente, mais do que em termos da possibilidade de que a
comunicação fosse inadequadamente recebida.
Aqui já estamos discutindo variedades psicanalistas as quais são muitas, e, sem
dúvida, uma das tarefas de ser um analisando é conseguir saber como é o analista e o
que ele espera, qual é sua linguagem. Que tipo de sonhos o analista pode usar, etc.
Isto não é completamente desnaturado, porque é como o que acontece com uma
criança que deve conhecer que tipos de pais podem ser usados como pais. No
entanto, numa discussão entre analistas que requerem do paciente que façam mais do
que certa quantidade de adaptação, ou faze uso de analistas que não são capazes de
fazer mais do que se adaptarem às necessidades do paciente.
O princípio que eu estou enunciando neste momento é que o analista reflete o que
o paciente lhe comunicou. Esta colocação muito simples acerca da interpretação pode
ser importante pelo fato de ser simples e evitar imensas complicações que surgem
quando pensamos em todas as possibilidades que podem ser classificadas sob o
impulso interpretativo. Se este princípio muito simples é enunciado, ele imediatamente
necessita de elaboração. Sugiro que ele necessita elaboração da seguinte maneira.
Na área limitada da transferência atual o paciente tem um conhecimento exato de um
detalhe ou de um conjunto de detalhes. É como se houvesse uma dissociação
correspondente ao lugar que a análise alcançou atualmente. É útil lembrar que neste
limitado caminho ou nesta limitada posição o paciente pode estar dando ao analista
uma amostra da verdade; isto é dizer que é absolutamente verdadeiro para o paciente
e que quando o analista devolve isto a interpretação é recebida pelo paciente, quem já
imergira de certa forma desta área limitada ou condição dissociada. Em outras
palavras, a interpretação pode até ser feita para a pessoa como um todo, já que o
material para interpretação é derivado somente de uma parte da pessoa completa.
Como uma pessoa completa, o paciente não seria capaz de fornecer material para
interpretação.
Desta maneira as interpretações são parte da construção do insight. Um detalhe
importante é que a interpretação foi dada em certo número de minutos e até de
segundos após a apresentação do material insightizado. Certamente esta é dada na
mesma sessão analítica. Uma correta interpretação dada outro dia após a supervisão
não tem valor por causa da operação muito poderosa do fator tempo. Em outras
palavras, numa área limitada o paciente tem o insight e fornece o material para a
interpretação. O analista pega esta informação e devolve-a para o paciente e o
paciente para o qual se devolve já não está na área do insight com relação a este
elemento psicanalítico especial ou constelação.
Com este princípio em mente é possível sentir que devolver para o paciente do que
este já disse ou transmitiu não é perda de tempo, mas sem dúvida pode ser a melhor
coisa que o analista pode fazer na análise deste paciente neste determinado dia.
Existe certa oposição em relação a esta forma de ver as coisas porque analistas
gostam de exercitar as habilidades que eles têm adquirido e eles têm convicção de
que podem falar de tudo que acontecer. Por exemplo, um paciente silencioso contou
para o analista, após questionado, muitas coisas sobre um dos seus interesses
principais que tinha a ver com matar pombas e a organização deste tipo de esporte. É
extremamente tentador para o analista neste momento usar este material, que é mais
do que ele geralmente obtém em duas ou três semanas e, sem dúvida, ele poderia
falar sobre a matança de todos os bebês ainda não nascidos, sendo o paciente filho
único, e ele poderia falar sobre as fantasias inconscientes da mãe, sendo a mãe
paciente uma pessoa depressiva que cometera suicídio. O que o analista ficara
sabendo, no entanto, foi que o material veio de uma questão e que ele não teria
aparecido se o analista não tivesse proposto o seu aparecimento, talvez simplesmente
não percebendo que ele não estava em contato com o paciente. O material, então,
não era material para interpretação e o analista teve que reter tudo que pudesse
imaginar relacionado com o significado simbólico da atividade que o paciente estava
descrevendo. Após um tempo a análise estabeleceu-se como uma análise silenciosa e
é o silêncio do paciente o que contém a comunicação essencial. Os indícios deste
silêncio emergem aos poucos e não há nada diretamente que o analista possa fazer
para fazer que o paciente fale.
Devemos mencionar que freqüentemente o paciente produz material que o analista
pode interpretar de forma válida em um outro sentido. É como se o analista pudesse
usar os processos intelectuais do paciente e os seus para ir um pouco além. O mais
importante é a devolução para o paciente do material apresentado, talvez um sonho.
No entanto, os dois juntos podem brincar com o uso do sonho para obter um insight
mais profundo. Aqui há um grande perigo porque o interjogo pode ser prazeroso e até
excitante e pode fazer com que ambos, analista e paciente sintam-se muito
gratificados. No entanto, há somente uma certa distância que o analista pode manter
do paciente para ficar em segurança além do lugar onde o paciente já se encontra.
Um exemplo poderia ser seguinte: uma paciente fala de um sonho repetitivo que
domina a sua vida. Ela está morrendo de fome e tem somente uma laranja, mas vê
que a laranja está mordida por um rato. Ela tem fobia a ratos e o fato do rato ter
tocado na laranja faz com que ela seja incapaz de comê-la. A angústia é imensa. Este
é o sonho ao qual ela esteve exposta durante toda a sua vida. Diagnosticamente ela
pertence à categoria das crianças privadas. O analista não precisa fazer nada em
relação a este sonho porque o trabalho já fora feito no sonho e depois na lembrança e
no relato. A lembrança e o relato são resultados do trabalho já feito no tratamento e
tem a natureza de um bônus resultante de uma confiança gradativamente alcançada.
O assunto pode ser deixado a um lado e o analista pode esperar que apareça mais
material. Neste caso em particular há uma razão extrema do porquê o analista não
poderá esperar: porque não haveria uma oportunidade para outras sessões. Então ele
dez a interpretação, ocorrendo assim o risco de estragar o trabalho que já tinha sido
feito, mas também descobrindo a possibilidade de que o paciente pudesse ir além
imediatamente. Esta é uma questão de juízo e o analista aqui sentiu que o grau de
confiança era tal que ele pode prosseguir e até errar. Ele disse: A laranja é o seio da
mãe que fora uma boa mãe do seu ponto de vista, mas a mãe que você perdeu. Os
ratos representam o seu ataque ao seio e o ataque do seio a você. O sonho tem
relação com o fato de que sem ajuda você está paralisada porque, apesar de estar
ainda em contato com o seio original que parecia bom, você não pode usá-lo, a menos
que você possa ser ajudada durante o estágio seguinte no qual você ataca
excitadamente o seio para comê-lo como comeria uma laranja.
Acontece que neste caso a paciente era capaz de usar essa interpretação
imediatamente e ela produziu dois exemplos: um deles ilustrou o seu relacionamento
com sua mãe antes de perdê-la e o outro foi uma memória do tempo da perda real da
mãe. Desta maneira a paciente obteve alívio emocional e houve uma mudança clínica
marcada pela sua melhora.
Qualquer analista pode dar inumeráveis exemplos de interpretações que os
pacientes podem ser capazes de usar e que levam o paciente a avançar além do que
eles alcançaram quando estavam apresentando material específico da sessão. No
entanto, este exemplo especial enfatiza de uma forma simples as dinâmicas
essenciais da interpretação que vai além da devolução apresentado.
Não pode ser enfatizado demais, no entanto, no ensino a estudantes, que é melhor
persistir no princípio da devolução para o paciente do material apresentado, mais do
que ir para outro extremo das interpretações inteligentes que, apesar de aprimoradas,
podem levar o paciente além do que a confiança transferencial permite, e então
quando o paciente deixa o analista a revelação quase milagrosa que a interpretação
representa repentinamente torna-se uma ameaça porque está em contato com um
estágio de desenvolvimento emocional que o paciente ainda não atingiu, pelo menos
como uma personalidade total.

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