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A Cidade no Fim do Mundo – Episódio 2 de Clássicos Sci-fi.


Título no original inglês: The City at World's End
Autor: Edmond Hamilton
Publicado pela 1ª vez em setembro de 1957
Editora: Crest Books/Fawcett Publications (Crest Giant)
Publicado em português pela 1ª vez em 1967 sob o título: Ameaça do Infinito na
Galeria Panorama (Série Antecipação) por Fredric Brown.
Segunda tradução em português em 2023.
Tiragem: 50 exemplares
Tradução: Paulo Lucas
Capa e layout: (I.A Bing) - Paulo Lucas
Revisão: Alessandro Louredo.

Este livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresas, organizações,


lugares, acontecimentos e incidentes são produtos da imaginação do autor ou
usados de forma ficcional. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou
mortas, acontecimentos ou lugares é mera coincidência.

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Índice

Apresentação..................................................................................................................................................................5
1. Cataclismo.....................................................................................................................................................................7
2. O Inacreditável.....................................................................................................................................................17
3. Planeta Moribundo.........................................................................................................................................26
4. Cidade Morta..........................................................................................................................................................32
5. No Alvorecer Vermelho.............................................................................................................................41
6. Caravana para Amanhã.............................................................................................................................48
7. Sob a Redoma.........................................................................................................................................................55
8. Middletown Chamando!...........................................................................................................................65
9. Fora do Silêncio...................................................................................................................................................74
10. Das Estrelas...........................................................................................................................................................83
11. Revelação.................................................................................................................................................................94
12. Crise.............................................................................................................................................................................106
13. Cidade em Apuros.....................................................................................................................................119
14. último Recurso.............................................................................................................................................128
15. Missão para a Terra...............................................................................................................................137
16. Em Vega..................................................................................................................................................................147
17. Julgamento das Estrelas...................................................................................................................159
18. Retorno Fatídico.........................................................................................................................................170
19. Middletown Decide.................................................................................................................................180
20. Encontro com o Destino................................................................................................................... 189
21. Mundo Despertado.................................................................................................................................196
Autor.....................................................................................................................................................................................203

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Apresentação

Estamos em meados do século 20, no meio oeste americano,


onde, em Middletown, onde vivem 50.000 habitantes, Kenniston, um
cientista, está caminhando para seu trabalho em um laboratório
industrial. Quase ninguém que mora em Middletown sabe que o
laboratório é um componente importante do sistema de defesa da
América! Mas alguém sabe, e esse alguém (a identidade de quem
Hamilton deixa misterioso, mas acho que esse alguém tem um nome
como “Josef” ou “Zedong”) detona um desses novos mísseis
superatômicos de que todos falam, bem em cima de Middletown!
Mas em vez de vaporizar a cidade, a explosão estilhaça o próprio
tecido do espaço e do tempo e transporta Middletown e todos os
seus habitantes milhões de anos no futuro, para quando o sol está
fraco e vermelho e a terra seca, desolada e fria!
A Cidade no Fim do Mundo é um daqueles livros em que uma
crise deixa as pessoas comuns, na melhor das hipóteses, perdidas e,
mais frequentemente, prontas para entrar em pânico ou revolta e,
uma vez que a liderança de que precisam não vem da classe política
(a o prefeito de Middletown é baixo e “rechonchudo” e em um ponto
descrito como “um homenzinho arrasado e assustado”), homens de
verdade precisam assumir o comando. Kenniston e seu chefe Hubble
são exatamente esses homens, assim como um empresário local que
possui uma grande empresa de transporte rodoviário e foi algum
tipo de cara de logística durante a “última guerra” que presumo que
tenha sido a Segunda Guerra Mundial.
Os cabeças de ovo exploram a paisagem assustadora além da
cidade recém-transportada e descobrem uma cidade deserta sob
uma cúpula. Sem fonte de carvão, todos morrerão congelados se
ficarem em suas casas, então os cientistas e o magnata dos
caminhões organizam e lideram um êxodo de Middletown para a
cidade com o domo — a cúpula ajudará (eles dizem) a reter o calor .
Esta cidade abobadada também tem tanques hidropônicos que os
cientistas poderão colocar em funcionamento novamente para que

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ninguém morra de fome, e um poço que leva ao núcleo da Terra,
presumivelmente construído pelos habitantes originais centenas de
milhares de anos atrás para extrair seu calor; infelizmente hoje o
núcleo é bem frio.

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Cataclismo

Kenniston percebeu depois que era como se fosse a morte. Sabia-


se que morreria uma dia, mas não se acreditava. Ele sabia que havia
o perigo da tão temida guerra atômica começar com um soco furtivo,
mas realmente não acreditava nisso.
Não até aquela manhã de junho, quando o míssil caiu em
Middletown. E então não houve tempo para a percepção. Não se
houve uma coisa que vem mais rápido que o som. Em um momento,
ele estava descendo a rua Mill em direção à fábrica, preparando-se
para falar com o policial que vinha em sua direção. No momento
seguinte, o céu se abriu.
Se abriu, e acima de toda a cidade houve um flamejar e clarão de
luz tão rápido, tão violento, que parecia que o próprio ar havia
explodido em chamas instantâneas. Naquela fração de segundo,
enquanto o céu brilhava e o chão tremia descontroladamente sob
seus pés, Kenniston sabia que o ataque surpresa havia chegado e que
a primeira das há muito temidas bombas superatômicas havia
explodido sobre suas cabeças…
Choque, pensou Kenniston, enquanto sua boca se esmagava
contra a calçada suja. O choque que impede um moribundo de sentir
dor. Ele ficou lá, esperando pela destruição final, e o primeiro brilho
ofuscante nos céus desapareceu e o mundo trêmulo ficou quieto.
Acabou, tão rápido quanto isso.
Ele deveria estar morto. Achava que fosse muito provável que
estivesse morrendo agora, o que explicaria a luz fraca e o silêncio
agourento. Mas, apesar disso, ergueu a cabeça e então se levantou
trêmulo, ofegando com as próprias batidas descontroladas do
coração, lutando contra um impulso animal de correr pelo simples
fato de correr. Ele olhou para a rua Mill. Esperava ver prédios
pulverizados, crateras fumegantes, fogo, vapor e devastação. Mas o
que viu foi mais impressionante do que isso e, de uma forma
estranha, mais terrível.

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Ele viu Middletown jazendo inalterada e pacífica à luz do sol.
O policial com quem ia falar ainda estava à sua frente. Estava se
levantando lentamente de suas mãos e joelhos, onde o terremoto o
havia jogado. Sua boca estava aberta e o quepe havia caído. Seus
olhos estavam muito arregalados, atordoados e assustados. Atrás
dele estava uma velha com um xale na cabeça. Ela também já tinha
estado lá antes. Agora estava agarrada a uma parede, com o saco de
mantimentos que carregava aberto em torno de seus pés,
derramando cebolas e latas de sopa pela calçada. Carros e bondes
ainda se moviam ao longo da rua à distância, começando a parar
erraticamente. Além dessas pequenas coisas, nada era diferente,
nada mesmo.
O policial aproximou-se de Kenniston. Ele parecia um policial
jovem e eficiente. Ou teria sido, se seu rosto não tivesse ficado tão
frouxo e seus olhos tão atordoados. Perguntou com voz rouca:
— O que aconteceu?
Kenniston respondeu, e as palavras soaram estranhas e
improváveis quando as disse. — Fomos atingidos por uma bomba –
uma superatômica.
O policial o encarou. — Você está louco?
— Sim — disse Kenniston —, acho que talvez seja. Acho que essa
é a única explicação.
Seu cérebro começou a martelar. O ar pareceu subitamente frio e
estranho. O sol estava mais escuro e vermelho e não o aquecia agora.
A mulher do xale estava chorando. Em seguida, ainda chorando, se
ajoelhou dolorosamente sobre seus joelhos velhos e grossos e
Kenniston pensou que ela fosse rezar, mas em vez disso começou a
juntar suas cebolas, atrapalhando-se com elas como uma criança faz,
tentando encaixá-las no saco de papel rasgado.
— Veja — disse o policial —, eu li coisas sobre essas bombas
superatômicas nos jornais. Diziam que eram milhares de vezes mais
poderosas do que as bombas atômicas que costumavam ter. Se uma
delas atingisse qualquer lugar não sobraria nada dele. — Sua voz
estava ficando mais forte. Ele estava se convencendo. — Portanto,
nenhuma bomba superatômica poderia ter nos atingido. Não
poderia ter sido isso.

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— Você viu aquele clarão incrível no céu, não viu? — indagou
Kenniston.
— Claro que sim, mas... — E então o rosto do policial iluminou-
se. — Diga, foi um fracasso. Isso é o que foi. Essa bomba
superatômica com a qual estão assustando o mundo... acabou
sendo apenas um fracasso — Ele riu ruidosamente em grande
alívio. — Isso não é incrível? Eles contam por anos que coisas
terríveis ela vai causar, e então simplesmente faz um grande
lampejo flamejante como um foguete ruim de 4 de julho!
Pode ser verdade, pensou Kenniston com uma onda selvagem de
esperança. Pode ser verdade.
E então ele olhou para cima e viu o Sol.
— Talvez tenha sido um blefe o tempo todo — continuou a voz
do policial. — Eles talvez não tivessem nenhuma bomba
superatômica.
Kenniston, sem baixar o olhar, falou em um sussurro seco. — Eles
as tinham, tudo bem. E eles usaram uma em nós. E acho que estamos
mortos e não sabemos disso, mas ainda não sabemos que somos
apenas fantasmas e não vivemos mais na Terra.
— Não está na Terra? — disse o policial com raiva. — Agora
escute.
E então sua voz foi sumindo até o silêncio enquanto seguia o
olhar fixo de Kenniston e olhava para o Sol.
Não era o Sol. Não o Sol ao qual todas as gerações de homens
conheceram como uma orbe dourada e ofuscante. Eles podiam olhar
diretamente para este Sol, sem piscar. Podiam olhar fixamente para
ele, pois não era mais do que uma bola vermelha muito grande e
brilhante com pequenas chamas contorcendo-se nas bordas. Estava
mais alto no céu agora do que antes. E o ar estava frio.
— Está no lugar errado — disse o policial. — E parece diferente.
— Ele tateou na ciência meio esquecida do ensino médio em busca
de uma explicação. — Refração. Poeira que aquela bomba
efervescente levantou.
Kenniston não contou a ele. Para que serviria? De que adiantava
dizer a ele o que ele, como cientista, sabia — que nenhuma refração
concebível poderia fazer o Sol parecer assim. Mas ele disse:

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— Talvez você esteja certo.
— Claro, estou certo — disse o policial em voz alta. Ele não olhou
mais para o céu e o Sol. Parecia evitar olhar para eles.
Kenniston começou a descer a rua Mill. Estava a caminho do
laboratório, quando isso aconteceu. Ele continuou indo agora.
Queria ouvir o que Hubble e os outros diriam sobre isso.
Ele riu um pouco. — Eu sou um fantasma, vou falar com outros
fantasmas sobre nossas mortes repentinas. — Então ele disse a si
mesmo ferozmente: — Pare com isso!
Isso, certamente, era um eufemismo. Uma bomba superatômica
explodiu sobre uma pacata cidadezinha do meio Oeste de cinquenta
mil habitantes, e não mudou nada, exceto colocar um novo Sol no céu.
E você chamou isso de fenômeno inexplicável.
Kenniston continuou andando pela rua. Andava rápido, pois o ar
estava excepcionalmente frio. Ele não parou para conversar com as
pessoas de aparência confusa com as quais se deparou. Eram
principalmente homens que estavam a caminho do trabalho nas
fábricas de Middletown quando havia acontecido. Eles se
levantavam agora, discutindo sobre o súbito clarão e o choque. A
palavra que Kenniston ouvia com mais frequência era “terremoto”.
Eles não pareciam chateados, esses homens. Pareciam
entusiasmados e um pouco contentes por algo ter acontecido para
interromper sua monótona rotina diária. Alguns deles estavam
olhando para aquele estranho Sol vermelho opaco, mas pareciam
mais perplexos do que perturbados.
O ar estava frio e mofado. E a luz do sol vermelha e crepuscular
era estranha. Mas isso não havia perturbado muito esses homens.
Afinal, não era muito mais estranho do que o frio e a luz lúgubre que
muitas vezes prenunciam uma tempestade no meio oeste.
Kenniston dobrou no portão da estrutura de tijolos fumê que
exibia a placa: Laboratórios de Pesquisa Industrial. O vigia do portão
acenou para ele imperturbavelmente enquanto o deixava passar.
Nem o vigia nem qualquer um dos cinquenta mil habitantes de
Middletown, exceto alguns funcionários da cidade, sabiam que esse
suposto laboratório industrial na verdade abrigava um dos

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principais centros nervosos da configuração de defesa atômica dos
Estados Unidos.
Inteligente, pensou Kenniston. Foi inteligente da parte dos
encarregados da dispersão colocar esse laboratório atômico chave em
uma prosaica pequena cidade industrial do meio oeste.
— Mas não inteligente o suficiente — Ele ponderou.
Não, não foi inteligente o suficiente. O inimigo desconhecido
havia descoberto o segredo e desferiu o primeiro golpe
impressionante de seu ataque surpresa no centro nervoso oculto de
Middletown.
Um superatômico, para esmagar aquele centro nervoso antes
mesmo de a guerra começar. Só que o superatômico havia
fracassado. Ou não? O Sol era um Sol diferente. E o ar estava estranho
e frio.
Crisci encontrou Kenniston na entrada do grande prédio de
tijolos. Crisci era o mais novo da equipe, um jovem alto e de cabelos
pretos — e por ser o mais novo, se esforçava para não demonstrar
emoção agora.
— Parece que está começando — disse Crisci, tentando sorrir. —
Armagedom Atômico – os fogos de artifício finais. — Então ele parou
de tentar sorrir. — Por que não acabou com a gente, Kenniston? Por
que não acabou?
Kenniston perguntou-lhe: — Os geigers não mostram nada?
— Nada. Nada.
Isso, Kenniston pensou entorpecido, combinava com a louca
improbabilidade de tudo. Ele perguntou:
— Onde está Hubble?
Crisci fez um gesto vago. — Ali. Ele nos fez tentar ligar para
Washington, mas os fios estão todos mortos e nem o rádio conseguiu
passar ainda.
Kenniston atravessou o pátio desordenado da fábrica. Hubble,
seu chefe, ficou olhando para o céu escuro e para o sol vermelho
opaco que se podia ver sem piscar. Ele tinha apenas cinquenta anos,
mas parecia mais velho no momento, com seu cabelo grisalho
desgrenhado e seu rosto magro contraído.

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— Ainda não há como descobrir de onde veio esse míssil — disse
Kenniston.
Então, ele percebeu que os pensamentos de Hubble não estavam
nisso, pois o outro apenas assentiu distraidamente.
— Olhe para aquelas estrelas, Kenniston.
— Estrelas? Estrelas durante o dia?
E então, olhando para cima, Kenniston percebeu que agora se
podia ver as estrelas. Podia vê-las como pontos fracos e brilhantes
em todo o céu estranhamente escuro, mesmo perto do sol opaco.
— Elas estão erradas — disse Hubble. — Elas estão muito
erradas.
Kenniston perguntou: — O que aconteceu? O superatômico deles
realmente fracassou?
Hubble baixou o olhar e piscou para ele. — Não — ele disse
suavemente. — Não fracassou. Ele explodiu.
— Mas Hubble, se aquele superatômico explodiu, por quê?
Hubble ignorou a pergunta. Foi para seu próprio escritório no
laboratório e começou a baixar os volumes de referência. Para
surpresa de Kenniston, ele os abriu em páginas de diagramas
astronômicos. Então, Hubble pegou um lápis e começou a rabiscar
cálculos rápidos em um bloco.
Kenniston agarrou-o pelo ombro. — Pelo amor de Deus, Hubble,
não é hora para teorias científicas! A cidade não foi atingida, mas
algo grande aconteceu, e...
— Afaste-se de mim — disse Hubble, sem se virar.
O choque de ouvir Hubble vociferar silenciou Kenniston. Hubble
continuou com seus números, referindo-se frequentemente aos
livros. O escritório estava tão silencioso como se nada tivesse
acontecido. Finalmente, Hubble se virou. Sua mão tremia um pouco
enquanto ele apontava para os números no bloco.
— Está vendo, Ken? São a prova... a prova de algo que não pode
ser. O que um cientista faz quando enfrenta esse tipo de situação?
Ele podia ver o choque doentio e o medo no rosto cinza de
Hubble, e isso alimentou seu próprio medo. Mas antes que pudesse
falar, Crisci entrou.

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Ele disse: — Ainda não conseguimos entrar em contato com
Washington. E não conseguimos entender – nossas ligações ficam
completamente sem resposta e nenhuma estação fora de
Middletown parece estar transmitindo.
Hubble olhou para seu bloco. — Tudo se encaixa. Sim, tudo se
encaixa.
— O que você acha disso, doutor? — perguntou Crisci
ansiosamente. — Aquela bomba explodiu sobre Middletown,
embora não tenha nos ferido. No entanto, é como se todo o mundo
fora de Middletown tivesse sido silenciado!
Kenniston, gelado com o que vira no rosto de Hubble, esperou
que o cientista sênior contasse o que sabia ou pensava. Mas o
telefone tocou de repente com um volume estridente.
Era o interfone do vigia do portão. Hubble o pegou. Depois de um
minuto, ele disse: — Sim, deixe-o entrar — Ele desligou. — É
Johnson. Você sabe, o eletricista que fez algumas instalações para
nós. Ele mora na periferia da cidade. Ele disse ao vigia que era por
isso que ele tinha que me ver – porque ele mora na periferia da
cidade.
Johnson, quando chegou, era um homem dominado por um medo
maior do que Kenniston sequer começara a imaginar, e estava quase
sem palavras.
— Achei que você poderia saber — disse ele a Hubble. — Parece
que alguém tem que me contar o que aconteceu, ou eu vou perder a
cabeça.
Ele começou a tremer e Hubble disse: — E o seu milharal?
— Parte dele se foi — disse Johnson —, e a cerca e o celeiro...
senhor Hubble, todos se foram, tudo...
— Efeito da explosão — disse Hubble gentilmente. — Uma
bomba caiu aqui há pouco, sabe.
— Não — disse Johnson. — Eu estive em Londres na última
guerra; eu sei o que uma explosão pode fazer. Isso não é destruição.
É... — Ele procurou por uma palavra e não conseguiu encontrar. —
Eu pensei que você poderia saber o que é.
A fria premonição de Kenniston, o terror disforme crescendo
dentro dele, tornou-se mau demais para ser suportado. Ele disse:

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— Vou sair e dar uma olhada.
Hubble olhou para ele e então acenou com a cabeça, e levantou-
se lentamente, como se não quisesse ir, mas estivesse se forçando.
Ele disse: — Podemos ver tudo da caixa d'água, acho – é o ponto mais
alto da cidade. Continue tentando passar, Crisci.
Kenniston caminhou com ele para fora do terreno do laboratório
e atravessou a rua Mill e os trilhos de trem desordenados até a
enorme caixa d'água com pernas de pau de Middletown. O ar estava
mais frio. O sol vermelho não tinha calor, e quando Kenniston
segurou os degraus de ferro da escada para começar a subir,
pareciam barras de gelo. Ele seguiu Hubble para cima, mantendo os
olhos fixos nas solas dos sapatos de Hubble que se afastavam. Foi
uma longa subida. Tiveram que parar para descansar uma vez. O
vento soprava mais forte quanto mais alto subiam, e tinha uma
mancha de mofo seco que fez Kenniston pensar no ar que sopra de
túmulos profundos na rocha com poeira das eras neles.
Eles finalmente alcançaram a plataforma gradeada ao redor do
tanque grande e alto. Kenniston olhou para a cidade. Viu grupos de
pessoas reunidas nas esquinas e capotas de carros, algumas delas se
movendo lentamente, mas a maioria delas parada e congestionando
as ruas. Havia uma curiosa espécie de silêncio.
Hubble não se preocupou em olhar para a cidade, exceto por um
primeiro e breve olhar que abrangeu tudo, a circunferência de
Middletown com todos os seus prédios exatamente como sempre
estiveram, com o soldado de ferro da Guerra Civil ainda montando
rigidamente guarda na Praça, e a fumaça ainda subindo
constantemente das chaminés dos moinhos. Então, olhou para fora.
Não falou, e logo os olhos de Kenniston também foram atraídos para
olhar além da cidade.
Ele olhou por um longo tempo antes de começar a distinguir.
Suas retinas retransmitiam a imagem repetidas vezes, mas o cérebro
recuava de sua tarefa de dar sentido àquela imagem, inacreditável,
impossível... Não. Devia ser poeira, ou refração, ou uma ilusão criada
pela luz do sol vermelho-escuro, qualquer coisa não a verdade. Não
poderia, por nenhuma lei conhecida pela Criação, haver uma
verdade como aquela!

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Todo a zona rural ao redor de Middletown havia desaparecido.
Os campos, a vegetação e as planícies do Meio Oeste, o rio, os riachos
e as velhas fazendas espalhadas — tudo se foi, e era uma paisagem
completamente diferente e totalmente estranha que agora se
estendia para fora da cidade.
Planícies ondulantes amarelo-ocre, tristes e vazias, erguidas em
direção a uma cordilheira de colinas quebradas que nunca estiveram
lá antes. O vento soprava sobre aquele mundo estéril e sem vida,
agitando as ervas daninhas ocre, levantando pequenas nuvens
pesadas de poeira e deixando-as cair de volta na terra. O Sol olhava
para baixo como um grande olho opaco com cílios de fogo
contorcido, e as estrelas cintilantes balançavam solenes no céu, e
todas elas, a Terra, as estrelas, o Sol, tinham uma aparência de morte
si mesmos, uma quietude e uma espera, um afastamento que nada
tinha a ver com os homens ou com qualquer coisa que vivesse.
Kenniston agarrou o corrimão com força, sentindo toda a
realidade desmoronar sob si, procurando freneticamente por uma
explicação, por qualquer explicação racional, para aquela cena
impossível.
— A bomba – de alguma forma explodiu o campo lá fora, em vez
de Middletown?
— Ela tiraria um rio e traria em seu lugar aquelas colinas e aquele
matagal amarelo? — disse Hubble. — Qualquer explosão de bomba
faria isso?
— Mas, pelo amor de Deus, e daí?
— Acertou a gente, Kenniston. Disparou bem sobre Middletown
e fez alguma coisa... — Ele vacilou e então disse: — Ninguém
realmente sabia o que uma bomba superatômica faria. Havia teorias
lógicas e suposições sobre isso, mas ninguém realmente sabia de
nada, exceto que a força concentrada mais violenta da história seria
repentinamente liberada. Bem, foi lançada sobre Middletown. E foi
violenta. Tão violenta que...
Ele parou, novamente, como se não conseguisse reunir coragem
para expressar a certeza que havia nele. Apontou para o céu escuro.
— Esse é o nosso Sol, nosso próprio Sol –, mas está velho agora,
muito velho. E aquela Terra que vemos lá fora também é velha,

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estéril, erodida e moribunda. E as estrelas... Você olhou para as
estrelas, Ken, mas você não entendeu. Elas estão diferentes, as
constelações distorcidas pelos movimentos das estrelas, como
apenas milhões de anos poderiam distorcê-las.
Kenniston sussurrou: — Milhões de anos? Então você acha que a
bomba... — Ele parou e agora sabia como Hubble havia se sentido.
Como você disse uma coisa que nunca havia sido dita antes?
— Sim, a bomba — disse Hubble. — Uma força, uma violência,
maior do que qualquer outra já conhecida, grande demais para ser
confinada pelos limites comuns da matéria, grande demais para
desperdiçar sua força na destruição física mesquinha. Em vez de
destruir edifícios, ela destruiu o espaço e o tempo.
A negação de Kenniston foi um grito rouco. — Hubble, não! Isso
é loucura! O tempo é absoluto.
Hubble disse: — Você sabe que não é. Você sabe pelo trabalho de
Einstein que não existe o tempo por si só, que em vez disso existe um
continuum de espaço-tempo. E esse continuum é curvo, e uma força
grande o suficiente poderia lançar matéria de uma parte da curva
para outra.
Ele ergueu a mão trêmula em direção à paisagem alienígena e
mortal fora da cidade.
— E a força liberada da primeira bomba superatômica fez isso.
Ela explodiu esta cidade em outra parte da curva do espaço-tempo,
em outra era, milhões de anos no futuro, nesta futura Terra
moribunda!

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O Inacreditável

O resto da equipe estava esperando por eles quando voltaram ao


laboratório. Uma dúzia de homens, com idades variando de Crisci ao
velho Beitz, parados tremendo sob a fria luz vermelha do sol em
frente ao prédio. Johnson estava com eles, esperando por sua
resposta. Hubble olhou para ele e para os outros. Ele disse:
— Acho melhor entrarmos.
Eles não fizeram as perguntas que clamavam dentro de si.
Silenciosamente, com movimentos espasmódicos desajeitados de
homens tão tensos que seus centros reflexos não funcionam mais
suavemente, seguiram Hubble pela porta. Kenniston foi com eles,
mas não até o fim. Virou de lado, em direção ao seu próprio
escritório, e disse:
— Tenho que descobrir se Carol está bem.
Hubble disse bruscamente. — Não diga a ela, Ken. Ainda não.
— Não — disse Kenniston. — Não, não direi.
Entrou no pequeno aposento e fechou a porta. O telefone estava
sobre a escrivaninha, ele estendeu a mão para pegá-lo e então a
afastou. O medo havia se transformado em uma espécie de
entorpecimento, como se fosse grande demais para caber em um
corpo humano e tivesse diminuído, carregando consigo todas as
substâncias de força e vontade, como a água carrega a areia. Ele
olhou para o instrumento preto e familiar e pensou como era
improvável que ainda houvesse telefones e grossos livros ao lado
deles com uma quantidade de nomes e números pertencentes a
pessoas que viveram em vilas e cidades próximas, mas que não
estavam lá mais, não desde — quanto tempo? Uma hora ou mais, se
você imaginasse de uma maneira. Se você imaginasse de outra…
Ele se sentou na cadeira atrás da mesa. Havia trabalhado muito
duro sentado naquela cadeira, e agora todo aquele trabalho deixou
de importar. Muitas coisas deixaram de importar. Planos, ideias,
para onde iria na lua de mel, exatamente onde queria morar e em

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Compre o Livro!

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