Você está na página 1de 43

As Transformações das Regras Internacionais

sobre Violência na Ordem Mundial


Contemporânea

1
Monica Herz
1
Roberto Vilchez Yamato
1
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail: m.herz.rio@gmail.com

INTRODUÇÃO

questão da violência é central para entender a subjetividade hu-


A mana e a interação social. As sociedades modernas, em parti-
cular, têm produzido mecanismos organizacionais altamente desen-
volvidos e doutrinas ideológicas que autorizam, regulam e legitimam
a violência, razão pela qual a subjetividade moderna não pode ser en-
tendida sem referência à violência organizada (Malesevic, 2010). O de-
bate filosófico e político dos últimos 300 anos tem enfatizado a relação
entre o mundo social e a violência, concentrando-se muitas vezes nas
formas de limitar o seu uso. No entanto, os mesmos mecanismos ou
instituições que podem regular e limitar o uso da violência também po-
dem normalizar e naturalizar a sua presença na sociedade. Assim, as
regras internacionais que têm sido concebidas e propostas para a regu-
lação, restrição ou eliminação do uso da violência são muitas vezes as
mesmas que constituem as condições de possibilidade para a autoriza-
ção e legitimação de seu uso (Kennedy, 2006; Walker, 2010). De um
lado, a relação entre o Estado moderno e a violência organizada tem
sido largamente estudada, comumente tomando-se como ponto de re-
ferência a clássica definição weberiana que ressalta a capacidade do
Estado soberano de monopolizar o uso legítimo da violência dentro de
determinadas fronteiras territoriais (Weber, 1994 [1919] e 2004;
Giddens, 1985). De outro lado, o estudo das relações internacionais1
tem sido marcado pela ideia de que a violência organizada é uma

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018, pp. 3 a 45.

http://dx.doi.org/10.1590/001152582018145 3
Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

característica do moderno sistema de Estados soberanos, sendo destes


também o monopólio do uso legítimo da violência fora de seus respec-
tivos limites territoriais (Thomson, 1994; Morgenthau, 2006; Wight,
1966; Bull, 2002; Waltz, 1979 e 2001).

Concebida a partir da imaginação político-jurídica moderna assentada


em pressupostos que reinscrevem a dicotomia dentro/fora e diferen-
ciam o espaço nacional do espaço internacional, a questão da violência
tem sido a priori organizada e significada de forma dualista: se imagi-
nada dentro das fronteiras do Estado soberano, ela é comumente apro-
ximada do significante “crime”; se imaginada fora delas, do signifi-
cante “guerra” (Wight, 1966; Walker, 1993; Galli, 2010 e 2015). A
territorialização que permitiu a secularização da forma estatal caracte-
rística da modernidade, subordinando a religião à forma política
Westphaliana (cujus regio ejus religio)2, permitiu também a “domestica-
ção da guerra” (Balibar, 2004:138). Nestes termos, a guerra seria conce-
bida como “um instrumento militar público usado pelo Estado no es-
paço externo contra outros Estados soberanos”, enquanto a polícia
seria concebida como “um instrumento administrativo interno ao espa-
ço do Estado” cujo objetivo seria assegurar “ordem e paz”. Assim, a
distinção entre dentro e fora associada ao Estado territorial soberano e
à sua geometria política moderna articulou “uma distância lógica e po-
lítica entre inimigo e criminoso, paz e guerra”, distância esta que per-
mitiu racionalizar, organizar e regular a violência na modernidade
(Galli, 2010:161). Contudo, a territorialização do Estado soberano e a
afirmação de sua geometria política moderna teriam sido possíveis
apenas dentro da “estrutura de uma ordem global” que fora imposta so-
bre todo o planeta e toda a humanidade, como um “equilíbrio” cujo
conteúdo pode mudar, mas “cuja forma é permanente” (Balibar,
2004:138). De acordo com essa concepção da organização e regulação –
inter/nacional – da violência, as regras internacionais não apenas deli-
mitariam os espaços de crime e de guerra, mas também possibilitariam
a racionalização, formalização e consequente humanização da guerra,
por meio da afirmação do conceito de inimigo justo no direito interna-
cional público e do reconhecimento da igualdade soberana dos Esta-
dos nas relações internacionais. Nesses termos, as regras internacio-
nais sobre violência expressariam a ordem e orientação
político-normativa global, o nomos da Terra (Schmitt, 2003).

Neste artigo, estudamos alguns conjuntos de regras internacionais a


respeito da violência, analisando, mais especificamente, algumas

4 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

transformações que têm ocorrido desde o final do último século. Con-


cebendo ontologicamente tais regras como regras sociais, ao mesmo
tempo constitutivas e reguladoras do contínuo processo de mútua
co-constituição entre agentes e estruturas na ordem mundial, processo
este no qual elas próprias são reconstruídas, partimos do pressuposto
de que, por meio da análise das transformações de tais conjuntos de re-
gras internacionais sobre violência, é possível identificar mudanças
significativas na arquitetura constitucional da sociedade internacional
(Onuf, 1998, 2008, 2013a e 2013b; Reus-Smit, 1997, 1999, 2001, 2004 e
2013). Mais especificamente, argumentamos que tais conjuntos de re-
gras internacionais têm passado por um contínuo e complexo processo
de transformação, sobretudo desde a década de 1990, o qual expressa o
deslocamento daquele tradicional dualismo doméstico/internacio-
nal, bem como reconhece o novo lugar do indivíduo nas relações inter-
nacionais. Esse processo é o objeto do estudo apresentado neste artigo.
Sugerimos também que tal processo deve ser contextualizado e repen-
sado à luz de outras mudanças e reconstruções na ordem mundial mais
recente, pós-11 de setembro de 2001. Neste artigo, nos limitaremos a fa-
zer uma breve análise da redefinição do conceito de segurança e da res-
significação do conceito de soberania, no intuito de melhor contextua-
lizarmos aquelas transformações.

No contexto contemporâneo, após o otimismo liberal do imediato


pós-Guerra Fria, o retorno da geopolítica, a nova centralidade da segu-
rança nacional e o recrudescimento de políticas de identidade e de
fronteira no discurso político internacional contemporâneo são ex-
pressões sintomáticas de uma contínua tensão entre a plasticidade in-
condicional que a soberania confere aos Estados no que tange ao uso
da violência e os movimentos que visam limitar, condicionar e regular
o uso da violência estatal. Assim, tomando como ponto de partida a
impressão de que a conversa sobre violência tem se tornado mais in-
tensa, mais generalizada e mais presente em nossas vidas, notamos,
contudo, que, na medida em que nossas expectativas modernas de or-
dem, estabilidade e previsibilidade aumentaram, aumentou também
nossa tendência a tratar a violência como um problema solucionável, o
que, paradoxalmente, tem suscitado a construção de mais regras inter-
nacionais que autorizam e legitimam o seu uso. A assim chamada paz
liberal, por exemplo, tem sido considerada por muitos como uma pla-
taforma poderosa para inúmeras políticas desenvolvidas pela ONU e
por diversos Estados que adotam a democracia liberal, a liberação co-
mercial, o acesso a investimento externo e a estabilidade como funda-

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 5


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

ção, meio ou telos da ordem internacional. Num contexto em que o


nexo entre a segurança e o desenvolvimento ganha novos contornos e
significados, e o subdesenvolvimento passa a ser concebido como uma
das causas das “novas guerras” num mundo neoliberal, capitalista e
pós-fordista, novas práticas e políticas de resolução de conflitos são ar-
ticuladas e uma nova agenda de transformação social é concebida
(Duffield, 2014). Visando a paz liberal e a prevenção de conflitos, polí-
ticas e práticas de reconstrução de Estado têm promovido a democrati-
zação por meio de um processo de subjetivação e assujeitamento idea-
lizado a partir de termos e moldes liberais. Neste mesmo contexto, no
entanto, operações de paz e de reconstrução de Estados, autorizadas e
legitimadas por tais nortes político-normativos, têm sido criticamente
relidas e denunciadas pela violência intrínseca à sua natureza civiliza-
tória e imperial (Paris, 1997, 2002; Richmond, 2004; Duffield, 2010,
2014; Douzinas, 2007). A análise que oferecemos aqui é complementar
a esta bibliografia, embora mais especificamente preocupada com cer-
tas reconstruções político-normativas que expressam transformações
fundamentais no âmbito da estrutura constitucional da sociedade
internacional (Reus-Smit, 1999).

A fim de analisar certas transformações das regras internacionais so-


bre violência, tomamos como ponto de partida teórico a definição de
Christian Reus-Smit de estrutura constitucional, entendida como uma
assemblagem coerente de crenças, princípios e normas intersubjetivas
que realiza duas funções principais na constituição e ordenamento da
sociedade internacional: a de definir o que constitui um ator legítimo e
a de definir os parâmetros básicos de ação legítima do Estado. Segun-
do Reus-Smit, a estrutura é constitucional porque incorpora e expressa
os princípios básicos que definem e enformam as comunidades políti-
cas internacionais; e é uma estrutura porque limita e enforma agentes e
agências, direcionando-os a práticas normativas e resultados mínima
e qualitativamente comuns (Reus-Smit, 1999:30-31). Composta por
três elementos normativos primários, quais sejam, uma crença hege-
mônica sobre o propósito moral do Estado, um princípio organizacio-
nal de soberania e uma norma de justiça procedimental, a estrutura
constitucional da sociedade internacional “determina a natureza de
suas práticas institucionais básicas” (Reus-Smit, 1999:33). No esque-
ma conceitual-teórico proposto por Reus-Smit, a estrutura constitucio-
nal é o nível normativo-institucional mais fundacional de um arranjo
tripartite de instituições internacionais correlacionadas e ordenadas
hierarquicamente. Num nível intermediário, as instituições funda-

6 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

mentais, como, por exemplo, o direito internacional, expressam as re-


gras práticas mais básicas que estruturam e condicionam como os
Estados devem coexistir e cooperar entre si. Num nível mais superfi-
cial, os regimes internacionais específicos, como, por exemplo, o do
humanitarismo, o dos direitos humanos ou o da segurança coletiva, es-
tabelecem as regras e práticas institucionais básicas em áreas temáticas
particulares das relações internacionais. Assim, enquanto a estrutura
constitucional condiciona a formação das instituições fundamentais,
estas condicionam a formação dos regimes internacionais tematica-
mente específicos (ibidem:14-15). Trata-se, portanto, de uma estrutura
generativa em que as estruturas institucionais mais profundas têm
precedência e prioridade causais. Dito de outro modo, as instituições
ou regimes internacionais mais específicos têm efeito apenas dentro de
“um contexto que já é “pré-estruturado” pelos níveis mais profundos”
de regras e instituições internacionais (Ruggie apud Reus-Smit,
1999:15).

Ao privilegiarmos o estudo de regras internacionais sobre violência,


damos particular atenção a um elemento constitutivo comum às defi-
nições de regimes internacionais3 e instituições fundamentais4, o qual,
ademais, é fundacionalmente relacionado à norma de justiça procedi-
mental intrínseca à estrutura constitucional da sociedade internacio-
nal5. Para os fins deste artigo, adotamos a definição construtivista de
regra de Nicholas G. Onuf6, de acordo com a qual a regra é um termo in-
termediário entre as pessoas e as sociedades, uma “declaração que diz
às pessoas o que [elas devem] fazer”, inter-mediando e co-constituindo
o “processo pelo qual pessoas e sociedade[s] constituem-se uns aos ou-
tros” contínua e reciprocamente (Onuf, 1998:59). As regras aqui são
concebidas como regras sociais que não apenas regulam aspectos do
mundo, mas constituem a realidade social: a “textura do mundo social
é, portanto, composta de regras” (Zehfuss, 2001:60). No entanto, se, de
um lado, pessoas, como agentes, atuam sempre dentro de um contexto
institucional, ou seja, sempre dentro de um contexto de padrões está-
veis de regras e práticas relacionadas7, de outro lado, elas “atuam sobre
este contexto” (Zehfuss, 2002:20). Noutras palavras, regras constituem
e regulam agentes e agentes constroem regras, as quais formam insti-
tuições e contextos ou arranjos sociais dentro dos quais agentes e re-
gras são elas próprias reguladas e constituídas (Onuf, 2013a). Nesses
termos, portanto, as regras internacionais analisadas neste artigo são
tanto politicamente constituídas no processo de interação social quanto
socialmente constituintes da ordem política mundial8.

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 7


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

Contudo, se as regras são padrões estáveis de relações, deve-se apon-


tar também que tais padrões não são simétricos. Este ponto é importan-
te porque ele nos ajuda a compreender a relação co-constitutiva entre
as regras e a sociedade política (Onuf, 2013a). De acordo com Onuf, tal
como Maja Zehfuss explica, a sociedade política tem duas proprieda-
des. De um lado, há sempre regras que dão significado às atividades
humanas, tornando-as socialmente inteligíveis e significativas. De ou-
tro lado, dadas as assimetrias sociais e materiais, “as regras resultam
numa distribuição desigual de benefícios”, o que significa dizer que
elas levam a certas condições de domínio ou governo (Zehfuss,
2002:152; 2001:61). Assim, Onuf correlaciona sociedade e política por
meio do “nexo regras-governo”: enquanto a sociedade é baseada em
regras, a “política sempre lida com relações sociais assimétricas gera-
das por regras, ou seja, [certas condições assimétricas de] governo”
(Zehfuss, 2002:152). Nas palavras de Onuf, “onde há regras (e, portan-
to, instituições) há governo – uma condição onde agentes usam regras
para exercer controle e obter vantagens sobre outros agentes”
(1998:63). Retornando ao pensamento social alemão, mais especifica-
mente ao paradigma do Herrschaft, traduzido por ele como o “paradig-
ma da sociedade política”, Onuf entende tal sociedade política como a
expressão de “relações de superordenação e subordinação – relações
mantidas por meio de regras e resultando em governo” (Onuf,
2013a:196). Relendo os três tipos de governo weberianos, Onuf sugere
três condições de governo: a hegemonia9, a hierarquia10 e a heterono-
mia11 (Onuf, 2013a:196-219). Para ele, as regras sociais e práticas rela-
cionadas produzem tais condições de governo como uma condição so-
ciopolítica da qual os agentes, como instituições, “jamais podem
escapar” (Onuf, 1998:63)12. O mundo político-social em que vivemos,
portanto, é um mundo de hegemonia, hierarquia e heteronomia. E as
regras são tanto constitutivas quanto constituídas por este mundo de
relações assimétricas.

O nexo regras-governo sugere a relação contínua e co-constitutiva en-


tre as regras sociais e as relações assimétricas de superordenação e su-
bordinação, o que, noutras palavras, poderia sugerir a contínua e
co-constitutiva relação entre regras e poder. No entanto, preferindo
termos como “governo”, “recursos” e relações “assimétricas” de “su-
perordenação” e “subordinação”, Onuf evita “usar o termo “poder””
(Onuf, 2013a:237). Não por acaso, portanto, ele pode ser criticado,
como o faz Adriana Sinclair, por privilegiar um dos lados do nexo re-
gras-governo, o das regras, deixando as discussões de governo, e con-

8 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

sequentemente de política e de poder, num segundo plano (Sinclair,


2010:15-16). Onuf, porém, parece preparado para responder a tal tipo
de crítica, na medida em que resolve, pragmaticamente, adentrar o de-
bate agente-estrutura pela via intermediária das regras, analisando, de
um lado, “como as regras fazem de agentes e instituições o que eles são
em relação uns aos outros” e, de outro lado, “como regras fazem de go-
verno, e de ser governado, uma experiência social universal” (Onuf,
1998:63). Inspirado em Kant, Onuf sugeriria manter os dois modelos
de prática – o “modelo de prática de regras” e o “modelo de prática de
poderes” – analiticamente separados, para mostrar como cada um deles
“especificam os termos da relação agente-estrutura” (Onuf,
2013b:135)13. Neste artigo, optamos, metodologicamente, por seguir
esta sugestão de Onuf, optando, ademais, por dar particular atenção
ao primeiro modelo de prática, uma vez que concebemos este como um
estudo sobre as transformações das regras internacionais sobre a
violência.

No entanto, ao fazê-lo, entendemos que o poder reside tanto na intera-


ção relacional dos agentes como no “governo sistemático que resulta
das consequências de suas ações” (Guzzini, 2013:41-42). Concebendo
o poder como uma produção de efeitos que se dá nas e por meio das rela-
ções sociais, moldando “as capacidades dos atores para determinar
suas próprias circunstâncias e destino” (Barnett e Duvall, 2005b:3), e
tomando como ponto de partida aquela concepção de relações políti-
co-sociais assimétricas, reconhecemos, com Andrew Hurrell, que as
dimensões políticas da desigualdade são constitutivas da ordem polí-
tica global (Hurrell, 2007). As estruturas normativas e institucionais de
governança da sociedade internacional, incluindo-se aí as regras inter-
nacionais sobre violência, “refletem e reforçam os padrões mais am-
plos de desigualdade que marcam o sistema global”, o que significa di-
zer que, ao contrário do que quer fazer crer a teoria liberal, as regras e
instituições internacionais são expressões e “locais de poder e domí-
nio” (Hurrell, 2007:11). Assumimos, portanto, que as transformações
das regras internacionais estudadas aqui são possíveis dadas as mais
diversas – e ubíquas – relações de poder na ordem mundial, incluin-
do-se aí aquelas que abrem espaço inclusive para discursos e práticas
de resistência. Inspirados por trabalhos construtivistas de RI (Onuf,
1998, 2013a; Reus-Smit, 1999; Guzzini, 2013), reconhecemos que as re-
gras internacionais e suas transformações são tanto produzidas e per-
meadas como possibilitam e reforçam relações de poder, porém, ao
fazê-lo, distanciamo-nos de concepções positivistas destas relações

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 9


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

que assumem ou pressupõem uma concepção metafísico-causal de po-


der. Dito isto, na próxima seção, brevemente apresentamos os cinco re-
gimes ou conjuntos de regras internacionais sobre violência estudados
aqui. Na seção subsequente, analisamos as transformações de tais con-
juntos de regras internacionais nos contextos do pós-Guerra Fria e do
pós-11 de setembro de 2001. Daí, então, partimos para a conclusão
deste trabalho.

AS REGRAS INTERNACIONAIS SOBRE VIOLÊNCIA

Direito Internacional Humanitário

O direito internacional humanitário tem sua origem associada às dis-


tinções afirmadas desde o século XIX entre a paz e a guerra, a guerra e o
crime, as esferas públicas e privadas, os atores civis e combatentes, e as
ações militares e policiais. Essas distinções têm o objetivo de limitar o
uso da violência pelo Estado soberano em tempos de guerra, ao mesmo
tempo racionalizando o conflito armado internacional e minimizando
o desnecessário sofrimento humano (Sassòli e Bouvier, 1999). Histori-
camente, a criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV)
e a confecção da Convenção de Genebra de 1864 sobre o tratamento de
doentes e feridos são marcos fundacionais da construção moderna
deste regime. Normativamente, ele é identificado como um conjunto
de regras internacionais composto tanto pelo chamado Direito de
Haia, cujo foco é a condução da guerra, como pelo Direito de Genebra,
cujo foco é lançado sobre as condições das vítimas de guerra nas mãos
inimigas (Kalshoven e Zegveld, 2001). Inicialmente, tal regime concen-
trava-se exclusivamente nas guerras entre os Estados soberanos, mas,
a partir de 1949, conflitos armados de caráter “não internacional” tam-
bém passaram a ser reconhecidos e regulados no âmbito deste regime,
tal como estabelecido no artigo 3o comum das Convenções de Genebra
de 1949. Nesse contexto, a ONU tem sido um importante fórum para o
desenvolvimento deste conjunto de regras, particularmente desde a
aprovação da resolução 2444 que convidou o Secretário-Geral, em con-
sulta ao CICV, a realizar estudos sobre o respeito aos direitos humanos
em conflitos armados.

Os princípios humanitários, de necessidade militar, de distinção e de


proporcionalidade seriam afirmados como os pilares normativos des-
te regime, fundamentando a criação de regras internacionais de inter-
venção militar e de ação humanitária. À luz de tais princípios, o enfra-

10 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

quecimento das forças militares inimigas, o único objetivo legítimo


durante a guerra, e a necessidade militar devem ser equilibrados em
relação aos custos humanos e aos princípios humanitários (Sassòli e
Bouvier, 1999). Assim, se, de um lado, os ataques devem ser direciona-
dos a alvos militares identificados e os combatentes podem ser ataca-
dos diretamente, de outro lado, civis podem ser mortos apenas como
um efeito “colateral” do uso da violência (Rogers, 2004). Evitar danos
acidentais e a morte de civis são considerados propósitos fundamen-
tais deste regime, razão pela qual, preferencialmente, avisos devem ser
dados quando um ataque pode gerar danos e perdas civis (Blix, 1978).
De modo geral, o regime prescreve certa imunidade à violência nos
conflitos armados domésticos e internacionais, privilegiando a prote-
ção de alguns grupos, como, por exemplo, a população civil inimiga,
os combatentes feridos e os prisioneiros de guerra. Não por acaso, o de-
bate sobre quais são os alvos i/legítimos em situação de guerra ser
uma das consequências jurídicas mais relevantes desse conjunto de
regras internacionais.

Humanitarismo

O humanitarismo tem como base o princípio ético de cuidado com pes-


soas desconhecidas que vivem em lugares distantes, sendo a criação
do CICV tradicionalmente reconhecida como o seu momento de fun-
dação institucional (Douzinas, 2007). De acordo com Michael Barnett,
três marcas distintivas poderiam ser destacadas quando do surgimen-
to do humanitarismo como uma cultura no início do século XIX: “a as-
sistência para além das fronteiras, a crença de que a ação transnacional
estava relacionada de alguma forma ao transcendente e a crescente or-
ganização e governança das atividades criadas para proteger e melho-
rar a humanidade” (Barnett, 2011:10). De modo geral, as regras do hu-
manitarismo estabelecem acesso a espaços de violência e sofrimento
em massa, prescrevendo uma abordagem universalista pautada no seu
caráter, supostamente, não político e na sua “neutralidade diante dos
protagonistas de guerras e desastres naturais” (Douzinas, 2007:58). O
humanitarismo tem como fundação normativa os princípios de impar-
cialidade14, neutralidade15 e independência16.

As práticas humanitárias estão profundamente enraizadas nos concei-


tos iluministas de progresso e humanidade e nos movimentos sociais
de reforma que marcaram o século XIX e buscaram a abolição da escra-
vidão e a melhoria de condições para a classe trabalhadora e as mulhe-

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 11


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

res. Barnett identifica três eras de humanitarismo. A primeira, impe-


rial, que teria tomado lugar entre o início do século XIX e a Segunda
Guerra Mundial, teria sido marcada pelas ideias religiosas e liberais,
assim como teria representado parte da perspectiva civilizatória da eli-
te europeia. A segunda, a do neo-humanitarismo, que teria tomado lu-
gar no pós-Segunda Guerra até o final da Guerra Fria, teria sido marca-
da pelo aumento do número de Estados e pelo humanitarismo
intergovernamental. A terceira, a atual era “liberal”, poderia ser carac-
terizada pelo envolvimento humanitário na reconstrução pós-conflito
e na construção da paz, bem como por sua preocupação com as causas
do sofrimento humano (Barnett, 2011:29). O humanitarismo tornou-se
um importante regime internacional; alguns diriam, ideologia
(Walzer, 2011). Suas regras são o resultado da transformação dos con-
ceitos de humano e humanidade (Douzinas, 2007), entendidos aqui em
termos universais, não relativistas. Assim, este conjunto de regras co-
loca em questão o tradicional dualismo doméstico/internacional, par-
ticularmente quando repensado em relação ao lugar próprio do indiví-
duo na ordem mundial.

Direito Internacional dos Direitos Humanos

Famosamente, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão re-


conheceu que “a preservação dos direitos naturais do homem era o ob-
jetivo de toda associação política” (Freeman, 2002:24), conjugando-se
“os Direitos do Homem com a soberania nacional” (Arendt, 2011:305).
Mas, se, com esta nova concepção de Estado-Nação, a afirmação dos
direitos humanos, de um lado, ganhou concretude nacionalmente, de
outro lado, ela perdeu em universalidade, uma vez que tais direitos te-
riam valor “somente no âmbito do Estado” que os reconhecesse
(Bobbio, 1992:30). Ademais, tal como Hannah Arendt sugeriu num in-
fluente capítulo de seu Origens do Totalitarismo, haveria uma relação
fundamental entre o declínio do Estado-Nação e o fim dos direitos do
homem, na medida em que ter “um direito de ter direitos” implicaria
um direito de pertencer a algum tipo de comunidade organizada: “[s]ó
com uma humanidade completamente organizada [por meio de Esta-
dos-Nações], a perda do lar e da condição política de um homem pode
equivaler à sua expulsão da humanidade” (Arendt, 1989:330). À som-
bra da arquitetura da sociedade internacional interestatal, os Esta-
dos-Nação pactuam uma espécie de “conspiração de silêncio” sobre os
“direitos e deveres de seus respectivos cidadãos” (Bull, 2002:79-80).

12 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

O massacre de seus próprios cidadãos pelo Estado não era tipificado


como um crime internacional: se, de um lado, o governo nazista ale-
mão poderia ser internacionalmente responsabilizado pelo tratamen-
to desumano de cidadãos de outras nacionalidades nos territórios por
ele ocupados, de outro lado, o assassinato por ele de seus próprios na-
cionais poderia significar o mero exercício de “seus direitos sobera-
nos” (Donnelly, 2007:4). Não por acaso, portanto, o Holocausto ter sido
considerado o evento catalisador que fez com que os direitos humanos
fossem reconhecidos como uma questão própria da política mundial,
tendo os horrores do nazismo suscitado a reconstrução internacional
dos “direitos do homem” como “direitos humanos” (Freeman,
2002:31). Os direitos humanos só passaram a ser reconhecidos, interna-
cionalmente, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, com o esta-
belecimento do Tribunal de Nuremberg e a constituição da ONU
(Alston e Goodman, 2013). De um lado, o Tribunal de Nuremberg foi
paradigmático porque tipificou “crimes contra humanidade” e res-
ponsabilizou criminal e internacionalmente representantes do gover-
no nazista alemão por “ofensas cometidas contra indivíduos cidadãos,
não estados, e indivíduos que, em muitos dos casos, eram nacionais, e,
não, estrangeiros” (Donnelly, 2007:5). De outro lado, a criação da ONU
foi fundamental, na medida em que sua Carta constitutiva estabeleceu
as bases normativas e institucionais deste novo regime, cujo marco
normativo paradigmático é a Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos de 1948 (Alston e Goodman, 2013).

Direito Internacional Penal

O direito internacional penal “é um conjunto de regras internacionais


concebidas tanto para proscrever crimes internacionais como para im-
por aos Estados a obrigação de processar e punir pelo menos alguns
daqueles crimes” (Cassese, 2003b:721). Tais regras internacionais en-
sejam a responsabilização penal dos indivíduos perpetradores dos
mais sérios crimes internacionais: “genocídio, crimes contra a humani-
dade e crimes de guerra” (Schabas e Bernaz, 2013:1). De acordo com
Antonio Cassese, a definição de crime internacional envolve, cumula-
tivamente, quatro elementos principais: (i) violações a regras interna-
cionais gerais; (ii) regras que buscam proteger valores comunitários in-
ternacionais fundamentais; (iii) interesse universal de reprimir tais
crimes, expresso e operacionalizado pelo princípio de jurisdição uni-
versal; e (iv) impossibilidade do suposto criminoso, mesmo sendo este
um representante oficial de Estado, reivindicar imunidade à jurisdição

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 13


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

internacional ou estrangeira (Cassese, 2003a:23-24). De modo geral,


trata-se de um regime internacional que busca responder às “sérias
violações dos padrões internacionais de direitos humanos e de direito
humanitário” (Cassese, 2003a:3). Não por acaso, este regime envolve a
relação fundamental entre o direito internacional penal, o regime de
direitos humanos e o regime de direito humanitário (Ratner e Abrams,
2001; Simpson, 2007).

Nesse sentido, Sir Hersh Lauterpacht destacou que a tipificação de cri-


mes contra a humanidade em Nuremberg também havia significado a
afirmação internacional dos direitos humanos, na medida em que se
reconhecia a existência de direitos fundamentais baseados numa or-
dem normativa superior à do Estado soberano (Lauterpacht, 1968);
noutros termos, “metanacional” (Cassese 2003a:70). Historicamente, o
direito internacional penal tem sua origem associada à tipificação do
crime internacional de pirataria, sendo o pirata comumente identifica-
do como “inimigo da humanidade” (Simpson, 2007; Heller-Roazen,
2009; Policante, 2015). Posteriormente, tipificaram-se os crimes de es-
cravidão e os crimes de guerra. Contudo, apesar de tais construções
normativas, o primeiro grande esforço de construção do direito inter-
nacional penal deu-se apenas no final da Segunda Guerra Mundial,
com o estabelecimento dos Tribunais Militares Internacionais de Nu-
remberg e Tóquio (Schabas e Bernaz, 2013). Mas, com o início da Guer-
ra Fria, o direito internacional penal viu seu primeiro grande esforço
de construção normativa e institucional perder fôlego e força rapida-
mente. Como Schabas e Bernaz destacam, o direito internacional penal
passaria por seu grande renascimento apenas na década de 1990
(Schabas e Bernaz, 2013).

Segurança Coletiva

O conceito de segurança internacional17 envolveu, durante a maior


parte do século XX, diferentes debates, negociações e construções de
instituições voltadas para a manutenção da ordem internacional, en-
tendida em termos da administração dos conflitos entre Estados e da
regulação do uso internacional da violência. Após o final da Primeira
Guerra Mundial, o Pacto da Liga das Nações havia estabelecido um
sistema de segurança coletiva que convocava os Estados-membros a
reagir coletivamente a qualquer forma de agressão. Um “ato de guer-
ra” contra um membro da organização seria considerado um ato de
guerra contra todos (Liga das Nações, 1924). Acreditava-se que uma

14 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

poderosa forma de dissuasão tinha sido criada como uma reação auto-
mática, a ser institucionalizada, reunindo o poder de todos os Estados
contra agressores hipotéticos (Claude, 1984). Diante do fracasso deste
sistema na década de 1930, e dos horrores da Segunda Guerra Mun-
dial, a nova organização internacional concebida para manter a ordem
e a estabilidade mundiais geraria, então, um novo sistema de seguran-
ça coletiva. Mais universal, e mais adequado às relações de poder entre
os Estados, este novo sistema efetivamente trataria a soberania e o po-
der das grandes potências em termos distintos dos demais membros
da ONU, tal como expresso no poder de veto dos cinco membros per-
manentes de seu Conselho de Segurança.

Em contraste àqueles termos da Liga das Nações, a ONU seria consti-


tuída em 1945 com o propósito de “manter ou restabelecer a paz e a se-
gurança internacionais” (ONU, 1945). Neste novo regime de seguran-
ça coletiva, claras limitações foram impostas ao uso da violência pelos
Estados. Enquanto a autodefesa continuou sendo considerada legal no
âmbito da nova ordem normativa, outras formas do uso da violência
passaram a ser consideradas legais apenas quando autorizadas pelo
Conselho de Segurança, de acordo com o estabelecido no Capítulo VII
da Carta da ONU. No entanto, mesmo nos casos de autodefesa, deter-
minou-se que o Conselho de Segurança deve ser informado, podendo
ele tomar qualquer ação que considere necessária (Gray, 2008:87). De
modo geral, os proponentes do sistema de segurança coletiva frisavam
que este poderia gerar mais cooperação, menos violência, bem como
mitigar o dilema da segurança (Claude, 1962). Contudo, o sistema de
segurança coletiva não funcionou como o esperado durante a Guerra
Fria. Em parte, devido ao uso do veto pelos cinco membros permanen-
tes; em parte, pela diferente natureza das guerras que ocorreram du-
rante o período. Nessas circunstâncias, a geração dos mandatos para
as operações de paz tornou-se uma grande contribuição do Conselho
de Segurança para a paz e a segurança internacionais, ainda que, du-
rante a maior parte da Guerra Fria, tais operações tenham sido apenas
levemente armadas e funcionado como forças de proteção e de monito-
ramento.

AS TRANSFORMAÇÕES DAS REGRAS INTERNACIONAIS SOBRE


VIOLÊNCIA NA ORDEM MUNDIAL CONTEMPORÂNEA

A partir da década de 1990, foi possível observar uma crescente expan-


são desses diferentes conjuntos de regras internacionais. Deslocando

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 15


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

ainda mais o tradicional dualismo entre o doméstico e o internacional,


esses regimes internacionais individualmente passaram a abarcar um
domínio da vida política ainda mais vasto. Ao mesmo tempo, foi possí-
vel verificar a maior confluência entre estes diferentes arranjos norma-
tivos. Contudo, como já se poderia esperar, as interpretações de tais fe-
nômenos e transformações não foram nem uníssonas, nem
homogêneas, ou pacíficas. Alguns estudos apontaram para a constitu-
cionalização do direito e das relações internacionais, destacando a
emergência de uma ordem cosmopolita pós-Westphaliana, enquanto
outros, adotando uma postura que Jean L. Cohen identificou como
“hermenêutica da suspeita” (Cohen, 2012:5), denunciaram as novas
tecnologias de poder e formas de excepcionalismo e império, sobretu-
do no contexto do pós-11 de setembro de 2001 (Cohen, 2012; ver tam-
bém Brown, 2002; Douzinas, 2007; Duffield, 2007, 2010, 2014; Walker,
2010). Diante da “guerra contra o terror”, de Guantánamo Bay e do uso
da violência pelas forças lideradas pelos Estados Unidos no Afeganis-
tão e no Iraque, a despeito das decisões do Conselho de Segurança da
ONU, a até então hegemônica narrativa liberal de globalização, socie-
dade civil global e “fim da história” passou a ser crescentemente con-
testada (Fukuyama, 1992; ver Derrida, 1994, para uma crítica). De acor-
do com narrativas assentadas numa hermenêutica da suspeita, a era de
“intervencionismo liberal” teria chegado ao fim com a declaração uni-
lateral norte-americana de guerra ao terror e as subsequentes invasões
do Afeganistão e Iraque (Duffield, 2010:28; Douzinas, 2007).

No entanto, o contexto contemporâneo pós-Guerra Fria é complexo e


ambíguo. Ao mesmo tempo em que o humanitarismo liberal interven-
cionista dos anos 1990 parece ter sido duramente golpeado ou, pelo
menos, ressignificado após as reações norte-americanas no pós-11 de
setembro de 2001, a emergência de um planeta eletronicamente conec-
tado e sem fronteiras é indissociável da transição de um mundo fordis-
ta para um mundo pós-fordista e da nova economia em redes do capi-
talismo que se consolida na década de 1990. A emergência das assim
chamadas “novas guerras”, as profundas transformações do nexo en-
tre desenvolvimento e segurança e as novas redes de governança libe-
ral global (Duffield, 2007, 2010 2014), ou mesmo o retorno à tradição da
guerra justa a partir de um discurso pós-moderno de “império global”
(Bartelson, 2010:82), não significaram o abandono por completo de ele-
mentos característicos daquelas narrativas e preocupações liberais so-
lidaristas então hegemônicas na década de 1990; pelo menos, não, no
mundo ocidental industrializado do norte (Wheeler, 2000; Brown,

16 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

2002). Adotando uma postura intermediária em relação aos discursos


de um “império” global ou de uma “comunidade” global (Bartelson,
2010:81-88), outras leituras da ordem mundial contemporânea
pós-Guerra Fria identificam nas transformações daqueles conjuntos
de regras internacionais sobre violência a emergência de um “direito
da humanidade” fundado na expansão e confluência do direito inter-
nacional humanitário, do direito internacional dos direitos humanos e
do direito internacional penal (Teitel, 2011). Outras, ainda, tal como a
leitura “pluralista constitucional” de Cohen, sugerem a emergência de
uma “ordem mundial dualista” constituída por um “novo regime
de soberania”, compatível com uma forma de “constitucionalização de
baixa intensidade” (Cohen, 2010 e 2012).

Nosso estudo se aproxima dessas posturas intermediárias, mas parte


de um referencial teórico distinto, qual seja, o de certo construtivismo
de RI. Tal como comentamos na introdução deste trabalho, entende-
mos que as regras internacionais constituem e expressam o que Reus-
Smit identificou como a estrutura constitucional da sociedade interna-
cional. Assim, as regras internacionais podem ser interpretadas como
expressões mais específicas de tal estrutura constitucional e de seus
elementos normativos primários. Aqui, concebemos “segurança” e
“soberania” como elementos normativos primários, razão pela qual
iremos comentar, a seguir, a redefinição do conceito de segurança e a
ressignificação do conceito de soberania, para em seguida passarmos
ao comentário de algumas transformações mais específicas dos con-
juntos de regras internacionais relativos à violência. Ao fazê-lo, não
nos esquecemos do “nexo regras-governo” sugerido por Onuf, assu-
mindo, com este, que o processo de transformação de tais regras é in-
dissociável das relações assimétricas de poder na ordem mundial.

A Redefinição do Conceito de Segurança

A crescente interdependência entre as sociedades tem alcançado tam-


bém a dimensão da segurança. Isso é evidente nas discussões sobre a
ameaça representada pelos armamentos nucleares, químicos e biológi-
cos, sobre a fuga de refugiados de conflitos domésticos, sobre o crime
transnacional, o terrorismo, as crises ambientais e os abusos humanitá-
rios. Adicione-se a isso o fato de que o fluxo de mercadorias e informa-
ções obteve velocidade e alcance inimagináveis há algumas décadas.
Ao mesmo tempo, a crescente rede de regras internacionais que consti-
tuem a sociedade internacional passou a limitar significativamente a

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 17


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

autonomia dos Estados na esfera da segurança, da mesma forma que


em outras áreas da vida internacional. Por sua vez, as chamadas “no-
vas guerras” vêm impondo desafios significativos às tradicionais or-
ganizações internacionais, uma vez que estas, em grande medida dese-
nhadas a partir de modelos interestatais, têm que lidar com tais
fenômenos caracterizados por uma complexidade política tamanha
que escapa à capacidade das gramáticas institucionais estadocêntricas
de contenção e regulação dos conflitos e da violência (Duffield, 2014).
Além disso, há uma incorporação de questões econômicas, sociais e
ambientais na agenda de segurança, em razão, por um lado, de confli-
tos violentos e situações excepcionais e, por outro lado, da redefinição
conceitual de ameaças à vida e do consequente reconhecimento de que
ameaças e respostas não mais estão atreladas, exclusiva ou mesmo pri-
mariamente, à competência dos militares (Dewitt, 1993). Questões de
saúde global, aquecimento global, poluição ambiental, fornecimento
de energia e crescimento demográfico são apenas algumas das ques-
tões que passaram a ser próprias também da área de segurança, seja em
níveis nacional, internacional ou global.

Nesse quadro, o conceito de segurança humana, concebido no Relató-


rio de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD) de 1994, afirmou-se como um marco
do processo de ampliação ou extensão do conceito da segurança
(PNUD, 1994). E neste processo multidimensional, a segurança vem se
estendendo de diferentes formas. Numa delas, o conceito de segurança
é estendido de nações a indivíduos. Noutra, a segurança se estende das
nações para o sistema internacional e para a biosfera. Há também uma
forma em que o conceito incorpora outros tipos de segurança, esten-
dendo-se horizontalmente “do militar para o político, econômico, so-
cial, ambiental ou humano” (Rothschild, 1995:57). E, por fim, o concei-
to é ampliado em termos da “responsabilidade política de garantir a
segurança”, estendendo-se de Estados soberanos para instituições in-
ternacionais, governos regionais ou locais, organizações não governa-
mentais, opinião pública, imprensa, assim como às “forças abstratas
da natureza ou do mercado” (idem). De modo geral, a extensão do con-
ceito de segurança envolve as redefinições das fontes de ameaça e dos
objetos de referência. Os processos econômicos, ecológicos, sociais e
culturais passam a ser vistos como produtores de ameaças. Em con-
traste com o foco anterior, lançado unicamente sobre as ameaças ao
Estado, as ameaças enfrentadas pelos indivíduos, grupos de identida-

18 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

de, regiões, civilizações ou meio ambiente são, agora, levadas em


consideração.

O significado de segurança não é mais restrito à sobrevivência física.


Daí, portanto, o surgimento de novos termos neste contexto, como, por
exemplo, “segurança alimentar”, “segurança ambiental”, “segurança
da saúde” e “segurança humana”. Além disso, na medida em que a
Agenda para a Paz de 1995 claramente afirmou que a ONU deveria es-
tar envolvida na prevenção de conflitos e da violência dentro dos Esta-
dos, a expansão do conceito de segurança implicou revisões do próprio
conceito de tempo. Apesar de a abordagem preventiva das ameaças
não ser uma novidade do período pós-Guerra Fria, ela assumiu um lu-
gar central após 1995 e tem sido institucionalizada em níveis governa-
mentais e intergovernamentais. Nesse contexto, novos temas foram
tratados no Conselho de Segurança como ameaças à paz e à segurança
internacionais, tais como a fome, o desrespeito aos direitos humanos e
ao direito humanitário, as crises humanitárias e a falência de Estados.
O sistema de segurança coletiva da ONU não apenas foi libertado da
paralisia da Guerra Fria, mas encontrou novas formas de atuação, o
que consequentemente fez aumentar, num ritmo inimaginável até en-
tão, o número de resoluções do Conselho de Segurança baseadas no
Capítulo VII. Não por acaso a redefinição do conceito de segurança
suscitou também a ressignificação de outro elemento normativo pri-
mário da ordem mundial, qual seja, a soberania.

A Ressignificação do Conceito de Soberania

A expansão do conceito de segurança e a maior amplitude de atuação


do Conselho de Segurança da ONU já seriam suficientes para suscitar
uma ressignificação do conceito de soberania na ordem mundial con-
temporânea. Ademais, se pensarmos o significado de cada um daque-
les conjuntos de regras internacionais sobre violência para o desloca-
mento da tradicional geometria política baseada no dualismo
inter/nacional, bem como para o reconhecimento do indivíduo como
uma questão própria da ordem internacional, é difícil imaginar ou
pensar soberania no contexto contemporâneo à luz de sua “concepção
absolutista” (Cohen, 2010:263). Por exemplo, o regime internacional
dos direitos humanos implica, por definição, uma lógica intervencio-
nista que requer afastamento desta concepção absolutista de sobera-
nia. Caso contrário, o holocausto poderia ser resumido a uma questão
“estritamente” nacional, enquanto o apartheid poderia ser uma questão

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 19


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

“exclusivamente” doméstica (Reus-Smit, 2001). Da mesma forma, o di-


reito internacional penal pressupõe uma revisão da questão da autori-
dade, e, logo, da soberania, na medida em que reconhece, por exemplo,
a jurisdição universal em alguns casos de crimes internacionais
(Macedo, 2006; Orford, 2011).

No entanto, nem os direitos humanos internacionais, nem o direito in-


ternacional penal são imunes à política e às relações assimétricas de
poder, as quais, para além de constrangê-los, são constitutivas de tais
regimes internacionais (Evans, 2001; Douzinas, 2007; Zolo, 2009). Tal
como Onuf nos lembraria, as regras internacionais são indissociáveis
das relações assimétricas de superordenação e subordinação, e, com
elas, das condições de governo hegemônico, hierárquico e heteronômi-
co que possibilitam e permeiam a própria concepção daquelas regras
(Onuf, 1998, 2013a). De fato, e em grande medida, o Tribunal de Nu-
remberg pode ser visto como uma expressão da justiça dos vencedores
(Zolo, 2009), o Conselho de Segurança da ONU pode ser identificado
como um exemplo de desigualdade soberana e de hegemonia legaliza-
da (Simpson, 2004), assim como várias outras organizações internacio-
nais do contexto pós-1945 podem ser tidas como expressões institu-
cionais de uma ordem liberal hegemônica no mundo ocidental (Cox,
1983). Afinal, há governo nas e por meio das regras internacionais
(Onuf, 1998, 2013a).

Em termos neorrealistas de RI, há quem conceba soberania como um


jogo de hipocrisia organizada (Krasner, 1999), caracterizado pela “dis-
junção entre lógicas de apropriação e lógicas de consequência”
(Krasner, 2010:98), em que as regras do jogo perduram porque conse-
guem plasticamente acomodar os interesses e as lógicas de consequên-
cia dos principais atores no contexto mais amplo constituído pelas re-
gras internacionais e suas correlatas lógicas de apropriação. Assim,
transformações fundamentais da estrutura de regras vigentes na or-
dem mundial contemporânea seriam possíveis apenas se e quando
houvesse ameaças existenciais aos interesses de segurança dos Esta-
dos soberanos mais poderosos, responsáveis últimos pela manutenção
ou transformação das regras mais básicas do jogo internacional
(Krasner, 2010). Nesse sentido, pressupõe-se a antecedência ontológi-
ca, e, com ela, o privilégio causal, destes Estados soberanos mais pode-
rosos em relação tanto aos contextos sociais dos quais fazem parte,
como às regras internacionais que intermedeiam as relações entre es-
ses agentes e estruturas. Com Onuf, tal como apontamos na introdu-

20 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

ção, diferimos deste tipo de análise, mas sem desconsiderar questões


assimétricas de poder.

Ademais, o que este tipo de leitura neorrealista não considera, por


exemplo, é a geopolítica internacional, colonial, constitutiva do próprio
jogo de soberanos (Grovogui, 2002; Keene, 2002; Anghie, 2004;
Inayatullah e Blaney, 2004). Historicamente, esta é uma geopolítica
que remonta ao problema da diferença colocado quando o mundo eu-
ropeu de Estados soberanos se encontra com o mundo Ameríndio
(Inayatullah e Blaney, 2004), e que, portanto, está tanto associada à
constituição colonial do direito internacional nos séculos XV e XVI
(Anghie, 2004) e ao chamado standard de “civilização” do século XIX
(Gong, 1984), como reverbera até os dias de hoje por meio do racismo
cultural reproduzido na lógica de desenvolvimento liberal (Duffield,
2010). Formalmente expressa no artigo 22 do Pacto da Liga das Nações,
que estabeleceu o sistema de mandatos e tutela como uma responsabi-
lidade ou “obrigação sagrada da civilização” (Liga das Nações, 1924),
a geopolítica internacional colonial parece se expressar contempora-
neamente nos traços inscritos no mapeamento feito pelo Tribunal Pe-
nal Internacional (TPI) das situações mais graves de violações de direi-
tos humanos no mundo contemporâneo: das dez situações sob
investigação no TPI, com exceção daquela da Geórgia, todas as demais
envolvem países africanos, a saber, a República Democrática do Con-
go, Uganda, a República Central Africana, a região de Darfur, no Su-
dão, o Quênia, a Líbia, a Costa do Marfim, o Mali e, novamente, a Re-
pública Central Africana18.

Numa chave política e conceitual distinta da neorrealista, mas igual-


mente silentes quanto à origem colonial do jogo de soberanos, outras
leituras revisitaram o conceito de soberania no contexto pós-Guerra
Fria, repensando o princípio Hobbesiano de proteção e obediência
(Schmitt, 2008), agora, em termos de responsabilidade (Deng et al.,
1996). Tal como comumente aceita nas relações internacionais, a sobe-
rania do Estado é considerada nessas leituras como um princípio fun-
damental que serve de pilar à ONU e ao direito internacional (Welsh,
2004). No entanto, na esteira da onda liberal solidarista da década de
1990, bem como da ascendência dos direitos humanos e das questões
humanitárias ao centro normativo e político da ordem mundial
pós-Guerra Fria, a soberania não mais poderia significar ou ser tomada
como sinônimo de impunidade ou injustiça, tampouco de indiferença,
haja vista o novo lugar do indivíduo nas relações internacionais. Desse

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 21


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

modo, no contexto das narrativas liberais, o genocídio de Ruanda, a


limpeza étnica nos Bálcãs e as torturas cometidas, décadas antes, du-
rante a ditadura no Chile, não apenas suscitaram, respectivamente, o
Tribunal Penal Internacional ad hoc para Ruanda, o Tribunal Penal
Internacional ad hoc para ex-Iugoslávia e o caso Pinochet, como, entre
outros exemplos que também poderiam ser incluídos aqui, contribuí-
ram para um movimento mais amplo de ressignificação do conceito de
soberania à luz dos direitos humanos. A soberania, tradicionalmente
concebida como autoridade, passava a ser ressignificada como responsa-
bilidade. Nos termos já citados de Reus-Smit, articulava-se um novo
princípio organizacional de soberania, que apontava para o reconheci-
mento internacional de um novo propósito moral do Estado.

Nesse contexto, em 1999, o então Secretário-Geral da ONU, Kofi


Annan, publicou um artigo na revista The Economist intitulado “Two
concepts of Sovereignty”. Ali, Annan apontou para o processo de res-
significação da soberania do Estado. De um lado, reconheceu o fortale-
cimento da soberania individual fundada nos direitos humanos e na in-
divisibilidade da humanidade. De outro lado, afirmou que o Estado
deveria ser entendido como um instrumento a serviço de seu povo; e
não o contrário (Annan, 1999). O artigo de Annan é sintomático da
transformação daqueles conjuntos de regras internacionais sobre vio-
lência, sugerindo suas expansões e confluências, mas não sem dificul-
dades, problemas ou desafios. Ali, o então Secretário-Geral da ONU
convocava a comunidade internacional a repensar os termos das cha-
madas “intervenções humanitárias” à luz da responsabilidade de pro-
teger os direitos humanos mais fundamentais dos indivíduos (Annan,
1999). Dois anos depois, em 2001, a Comissão Internacional sobre
Intervenção e Soberania Estatal apresentou seu relatório intitulado
“Responsability to Protect”19, propondo, entre outras medidas, a trans-
ferência à comunidade internacional em caráter complementar da res-
ponsabilidade, originariamente do Estado, de proteger sua população
contra o genocídio, os crimes de guerra, os crimes contra humanidade
e a limpeza étnica. A responsabilidade internacional de proteger seria,
portanto, complementar à responsabilidade do Estado, exigível ape-
nas no caso deste não estar em condições de empenhar-se de modo su-
ficiente para proteger sua população de graves violações de direitos
humanos que mencionamos anteriormente. As questões de “preven-
ção”, “alívio” e “reconstrução” também faziam parte desse novo con-
ceito, mas o que mais nos interessa aqui é a questão conceitual central
da responsabilidade internacional (Thakur, 2017)20.

22 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

De modo geral, a afirmação internacional deste novo conceito pode ser


interpretada, pelo menos formalmente, como a expressão de uma du-
pla ressignificação do conceito de soberania: de um lado, a soberania
deixa de significar exclusivamente autoridade, passando a significar
também responsabilidade; e, de outro lado, a soberania deixa de ter
seu significado exclusivamente atrelado ao Estado, passando a ter um
sentido ligado à comunidade internacional. Assim, o conceito de res-
ponsabilidade de proteger nos leva de novo à questão da autoridade
internacional (Orford, 2011). O problema da soberania na ordem mun-
dial contemporânea impõe reconhecer a tensão entre, de um lado, a au-
toridade-responsabilidade do Estado e, de outro lado, a autorida-
de-responsabilidade do sistema internacional (Walker, 2010). Nos
termos de Cohen, tais transformações seriam indícios da emergência
de uma ordem mundial dualista, cujo novo regime de soberania redefi-
niria “as prerrogativas legais dos Estados soberanos” (Cohen, 2012:5).
Aqui, lembraríamos, com Reus-Smit, que a soberania do Estado é um
elemento normativo primário da estrutura constitucional da sociedade
internacional (Reus-Smit, 1997, 1999 e 2001). O que significa dizer que
tanto a transformação desta estrutura implica a redefinição daquele
elemento, quanto a ressignificação deste implica a reconstrução da-
quela. Soberania é uma “instituição” internacional (Onuf, 1998:62).
Dessa forma, tal como nos sugere Onuf, sua reconstrução tanto impli-
caria a transformação das regras internacionais que possibilitam o con-
texto social dentro do qual ela, soberania, ganha todo e qualquer signi-
ficado político, quanto seria indissociável das relações assimétricas de
superordenação e subordinação que constituem as condições de go-
verno hierárquico, hegemônico e heteronômico por meio de tais regras
(Onuf, 1998, 2013a).

A Expansão e Confluência das Regras Internacionais sobre


Violência

Desde a década de 1990, as práticas humanitárias têm se expandido


significativamente. Elas passaram a se preocupar com as origens e cau-
sas da violência, incluindo-se aí “a cultura da violência, a falta de res-
peito aos direitos humanos e a ausência de instituições democráticas”
(Barnett, 2011:3). As práticas humanitárias não seriam mais apenas di-
recionadas a situações de emergência, estendendo-se também à estru-
tura política e social da sociedade. As formas e políticas do Estado pas-
sariam a ser parte da agenda. Nesse sentido, a governança democrática
seria cada vez mais naturalizada como condição de possibilidade dos

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 23


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

direitos humanos, enquanto a democracia, caracterizada em termos li-


berais, seria transformada em uma regra supostamente universal so-
bre a forma de organização política (Zanotti, 2005). A associação entre
democracia e paz iria se tornar uma parte crucial do discurso de líderes
políticos e acadêmicos no mundo pós-Guerra Fria (Doyle, 1996). Num
contexto em que o sistema capitalista tornou-se ainda mais excludente,
em que a desregulamentação do mercado afirmou-se como um fenô-
meno global e a competência dos Estados nacionais foi atenuada, a li-
beralização econômica passou a ser considerada insuficiente e o de-
senvolvimento, cada vez mais próximo ou mesmo indissociável das
questões de segurança (Duffield, 2007, 2010, 2014). Mais especifica-
mente, o subdesenvolvimento passou a ser associado às causas das as-
sim chamadas “novas guerras”, e, consequentemente, aos problemas
de paz e segurança internacionais, o que justificou novas políticas e
práticas internacionais de resolução de conflitos e reconstrução de
Estados e sociedades. Visando a prevenção de conflitos e a paz liberal,
tais práticas e políticas internacionais passaram a implementar uma
nova agenda de transformação social mediante o incentivo à democra-
tização, às instituições pluralistas e à reconstrução das sociedades e
valores locais à imagem liberal das novas redes de governança global
(Duffield, 2014).

Nessas condições, as práticas humanitárias seriam institucionalizadas


e suas organizações e operações, racionalizadas. Ao mesmo tempo, a
participação das agências humanitárias no debate político e nas opera-
ções militares seria muitas vezes identificada como uma fonte de risco
para suas operações, na medida em que poderia causar a perda do
manto da neutralidade e da virtude universal. Barnett chama a atenção
para a crescente governança do humanitarismo, a qual se realiza de
maneiras institucionalizadas, públicas e hierarquizadas (Barnett,
2011). Torna-se por isso mais difícil afirmar a autonomia da lógica hu-
manitária (Barnett, 2011; Kennedy, 2006). Ao longo das últimas déca-
das, diferentes atores, como militares, agências de desenvolvimento e
o próprio aparato do Estado, incorporaram o discurso e as práticas hu-
manitárias. O humanitarismo tornou-se parte da governança global,
desenvolvendo-se uma íntima relação entre humanitarismo, poder e
diferentes formas de influência sobre as sociedades nacionais e as esfe-
ras internacionais. Consequentemente, tornou-se cada vez mais difícil
sustentar a separação entre aqueles que governam e aqueles que man-
têm a responsabilidade de governar (Kennedy, 2006). O aumento da
capacidade de contribuir e ajudar a aliviar crises humanitárias, dadas

24 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

as melhorias logísticas e as novas tecnologias de transporte e de comu-


nicação, também permitiu que as diferentes agências e organizações se
tornassem multidimensionais, participassem de operações complexas
e não mais pudessem manter suas distinções funcionais (Kalshoven e
Zegveld, 2001).

É possível observar um contínuo processo de expansão e confluência


das regras internacionais sobre violência no pós-Guerra Fria. Em que
pesem as ambiguidades, tensões e limites inerentes a tal processo, a
transformação dos regimes internacionais no mundo depois de 1989
possibilitou a emergência pelo menos até o final da década de 1990 de
novas regras e práticas internacionais, como as chamadas “interven-
ções humanitárias” (Dunne e Wheeler, 1999; Wheeler, 2000; Brown,
2002).21 Tendo tido início com a ação internacional para proteger a po-
pulação curda no norte do Iraque em 1991, as intervenções humanitá-
rias tinham como cerne, pelo menos para alguns, a preocupação de
“salvar estranhos” (Wheeler, 2000); isto é, proteger internacionalmen-
te indivíduos em situações de graves crises humanitárias e violações
de direitos humanos, independentemente de quais fossem suas nacio-
nalidades. Como o próprio nome já sugeriria, estas regras e práticas
humanitárias visavam proteger internacionalmente os indivíduos
mesmo que a expensas da tradicional regra internacional de não inter-
venção fundamentalmente atrelada à soberania. Contudo, casos como
os de Ruanda em 1994, de Srebrenica em 1995 e os de Kosovo e Timor
Leste no final da década de 1990 já colocavam em questão a seletivida-
de, a celeridade, o militarismo, as políticas e outras condições de possi-
bilidade de tais intervenções (Annan, 1999; Brown, 2002). Leituras crí-
ticas dos direitos humanos, do humanitarismo e das intervenções
humanitárias chamaram a atenção para suas fundações e heranças co-
loniais, assinalando as continuidades de um padrão de civilização
constitutivo do mundo moderno e das subjetividades individuais e co-
letivas moldadas à sua imagem (Mutua, 2001; Keene, 2002; Inayatullah
e Blaney, 2004; Anghie, 2004; Douzinas, 2007; Walker, 2010).

Não mais à sombra do equilíbrio do terror, a ordem pós-Guerra Fria


viu eclodir inúmeros conflitos não internacionais e novas relações de
violência. Somados à economia mundial pós-fordista, às mais distintas
tensões e questões de identidade, aos avanços tecnológicos, sobretudo
no que se refere aos meios de transporte e de comunicação, e às profun-
das transformações da governança global num mundo de relações
agora cada vez mais não territoriais e poliárquicas (Duffield, 2014), os

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 25


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

novos fenômenos de conflito e violência colocaram em xeque muitas


das premissas e fundações sobre as quais se sustentavam o humanita-
rismo e o direito internacional humanitário. A natureza das guerras ci-
vis na década de 1990 e o fluxo das informações sobre os conflitos do-
mésticos, por exemplo, provocaram o questionamento das distinções
entre guerra e paz, e entre combatentes e não combatentes. Contudo,
em que pesem os problemas e limites de suas fundações e premissas,
tal como expostos pelas “novas guerras” (Kaldor, 2007; Duffield,
2014), o direito internacional humanitário, suas distinções fundamen-
tais e as correlatas proteções humanitárias ainda se fariam presentes e
relevantes nos debates sobre violência e legalidade no mundo contem-
porâneo. Os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono e a reação
norte-americana a tais fatos recolocaram em evidência a relevância de
proteções humanitárias, assim como alguns dos desafios contemporâ-
neos a tais regras internacionais.

A definição da “guerra contra o terror” como um conflito ao mesmo


tempo “não internacional” e “transnacional” e a construção do inimi-
go como um “combatente ilegal”, por exemplo, apontaram tanto para
os limites do direito internacional humanitário como para sua relevân-
cia no que tange à proteção de prisioneiros de guerra. No contexto ime-
diatamente posterior a 11 de setembro de 2001, o Departamento de De-
fesa dos EUA havia solicitado ao Departamento de Justiça suas
opiniões jurídicas sobre a aplicação das Convenções de Genebra de
1949 aos procedimentos de detenção e julgamento de membros da Al
Qaeda e da milícia Talibã. Em 9 e 22 de janeiro de 2002, o Departamento
de Justiça norte-americano apresentou versões do memorando que
serviria para justificar a não aplicação das Convenções de Genebra aos
“combatentes ilegais” (Yoo e Delabunty, 2005; Bybee, 2005). Assim de-
finidos, esses indivíduos não teriam direito às proteções garantidas a
prisioneiros de guerra e seriam detidos em Guantánamo Bay por tem-
po indeterminado (Butler, 2004). Nas construções de suas respectivas
argumentações jurídicas, ambos os memorandos concluíram que as
Convenções de Genebra não se aplicavam a “um conflito armado entre
um Estado-nação e uma organização terrorista transnacional” (Bybee,
2005:84-88; Yoo e Delabunty, 2005:42-47).

Dessa maneira, a “guerra contra o terror” introduziu um sério desafio


ao direito internacional humanitário (ICRC, 2003, 2007, 2011, 2015),
qual seja, o de reconciliar suas premissas racionalistas (Sassòli e
Bouvier, 1999:68) com a natureza de um conflito cuja estrutura moral

26 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

é análoga à de guerra justa (Schmitt, 2003; Ulmen, 2007). Além disso, a


“guerra contra o terror” tornou ainda mais evidente o excepcionalismo
unilateral norte-americano, e, assim, pôde ser relida também como ex-
pressão de um “império global” (Hardt e Negri, 2000; Jabri, 2007;
Bartelson, 2010). De outro modo, ela também pôde ser relida como a
expressão de uma profunda ressignificação da guerra no âmbito das
transformações da política global no contexto da modernidade tardia
(Jabri, 2007). Com a emergência de uma “matriz global de guerra” os
conflitos passam a ser incontidos e sem limites, provocando, conse-
quentemente, o desmantelamento das concepções tradicionais das
fronteiras do Estado e das regras internacionais a elas associadas
(Jabri, 2007:8). Uma característica central desta nova matriz global de
guerra é sua natureza transnacional, implicando, para além dos Esta-
dos, outros diversos atores não estatais e uma complexa assemblagem
de relações que possuem a capacidade de transcender e desarticular o
dualismo inter/nacional que tradicionalmente enforma e sustenta a
arquitetura daquelas regras internacionais sobre violência (Jabri,
2007). Ademais, a natureza global desta nova matriz implica o redese-
nho de um teatro de guerra, agora, planetário e “concebido em termos
da humanidade em geral” (Jabri, 2007:31). No contexto contemporâ-
neo da modernidade tardia, tal como nos sugere Vivienne Jabri, há “o
surgimento de uma subjetividade soberana global que considera o glo-
bal dentro de sua esfera de operações” (Jabri, 2007:8).

Nesse sentido, o regime do direito internacional penal também aponta


para a emergência de uma autoridade global cujo poder de ditar o di-
reito se fundamenta na humanidade (Teitel, 2011; Orford, 2011;
Douzinas, 2007) e na existência de direitos humanos fundamentais ba-
seados numa ordem normativa “metanacional” (Cassese 2003a:70). O
renascimento deste regime internacional no contexto do final da Guer-
ra Fria foi intimamente associado à transformação do regime de segu-
rança coletiva e ao seu maior entrelaçamento com os regimes de direi-
tos humanos e de direito internacional humanitário, assim como à
ampliação do conceito de segurança e à ressignificação da soberania.
Ele expressou, ademais, a revisão do tradicional dualismo inter/nacio-
nal e o novo lugar do indivíduo nas relações internacionais (Brown e
Ainley, 2005). Por exemplo, reconhecendo as implicações de graves
violações de direitos humanos para a paz e a segurança internacionais,
o Conselho de Segurança constituiu os TPIs ad hoc para ex-Iugoslávia,
em 1993, e para Ruanda, em 1994, recolocando em marcha o projeto de
um TPI permanente que, vislumbrado desde o final da Primeira Guer-

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 27


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

ra Mundial, seria normativamente concebido em 1998, em Roma, e ins-


titucionalmente concretizado em 2002, em Haia (Sands, 2003).

Neste processo específico, a atuação da única superpotência do mundo


pós-Guerra Fria, os EUA, foi determinante para a constituição de um
TPI que não fosse completamente autônomo e que não tivesse jurisdi-
ção universal e compulsória, o que ameaçaria o lugar privilegiado, não
apenas em termos geopolíticos, mas também jurídicos, daquele mem-
bro permanente do Conselho de Segurança (Wippman, 2004). Um ras-
tro político e jurídico de tais interesses e atuação dos EUA durante o
processo de negociação do tratado de Roma foi a formalização da pos-
sibilidade de o Conselho de Segurança submeter um caso ao TPI com
base na sua autoridade fundamentada no Capítulo VII da Carta da
ONU (Simpson, 2004, 2007; Sands, 2003; Wippman, 2004). Noutros ter-
mos, a hegemonia norte-americana legalizou-se por meio da constitui-
ção de uma forma jurídica de “poder institucional” (Barnett e Duvall,
2005a:51)22. Constituiu-se assim uma instituição global que formaliza
“uma distribuição assimétrica de benefícios” (Barnett e Duvall,
2005a:64), não apenas beneficiando os EUA, como também os demais
membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

O atual caso perante o TPI do Chefe de Estado do Sudão é um bom


exemplo não apenas do processo de expansão e confluência das regras
internacionais de violência, como, também, das relações de poder e
de governo que permeiam tais regras internacionais. Em setembro de
2004, por meio da Resolução 1564, e a pedidos do Conselho de Direitos
Humanos e do Secretário-Geral da ONU, o Conselho de Segurança so-
licitou que o Secretário Geral estabelecesse uma comissão internacio-
nal com a finalidade de investigar as denúncias de violações do direito
internacional humanitário e dos direitos humanos em Darfur, no Su-
dão. Assim, Kofi Annan, o então Secretário Geral, estabeleceu a Comis-
são Internacional de Inquérito sobre Darfur, cujo relatório apontou ca-
sos de crimes contra a humanidade e crimes de guerra, bem como
recomendou que o Conselho de Segurança encaminhasse o caso para o
TPI (Oette, 2010). Em março de 2005, por meio de sua Resolução 1593,
o Conselho de Segurança acatou a recomendação da Comissão e indi-
cou o caso de Darfur ao TPI, de acordo com sua prerrogativa estabeleci-
da pelo artigo 13 do Estatuto de Roma (TPI, 2005). Foi a primeira vez
que a jurisdição do TPI foi acionada por meio de uma solicitação do
Conselho de Segurança da ONU (Böckenförd, 2010).

28 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

Em junho de 2005, iniciaram-se as investigações da situação de Darfur


no TPI, que resultaram na instauração de cinco processos contra ofi-
ciais do governo sudanês, incluindo-se aí o caso do Chefe de Estado,
em exercício, do Sudão, Omar Al Bashir. Neste caso específico, mesmo
contra a vontade soberana do Sudão, que, diga-se de passagem, não ra-
tificou o tratado de Roma, busca-se a responsabilização penal interna-
cional do representante do Estado soberano do Sudão, pela comissão
de crimes contra humanidade, crimes de guerra e genocídio (TPI,
2005). Apesar de não ter ratificado ou aderido ao Estatuto de Roma, o
Sudão estaria obrigado a cooperar e a submeter-se à jurisdição do TPI
em razão da determinação da Resolução 1593 do Conselho de Seguran-
ça da ONU, dado o significado jurídico que tal resolução tem, seja em
termos do direito internacional consuetudinário, seja em termos das
obrigações internacionais advindas do tratado de São Francisco de
1945 ao qual o Sudão aderiu em 1956, seja em razão de continuidades
daquela geopolítica internacional colonial. Note-se, porém, que o mes-
mo não aconteceria com um membro permanente do Conselho de Se-
gurança da ONU que, dotado de poder de veto permanente, não tives-
se ratificado ou aderido por vontade própria ao Estatuto de Roma, tal
como os EUA, por exemplo.

CONCLUSÃO

O caso Al Bashir exemplifica bem o “nexo regras-governo” sugerido


por Onuf, na medida em que o regime internacional do TPI, uma vez
legitimado pelos regimes de direitos humanos e direito internacional
humanitário, e acionado pelo Conselho de Segurança da ONU, im-
pôs-se ao Estado soberano do Sudão heteronômica, hegemônica e hie-
rarquicamente. Ele é sintomático das relações político-sociais assimé-
tricas de super e subordinação que permeiam as regras internacionais
em geral, e, logo, aquelas cujas transformações estudamos aqui. Onto-
logicamente, seguindo o construtivismo de Onuf, concebemos as re-
gras internacionais estudadas aqui como regras sociais indissociáveis
tanto do processo de co-constituição entre agentes, instituições e estru-
turas sociais como das condições de governo hierárquico, hegemônico
e heteronômico que condicionam e são condicionadas por este proces-
so e por aquelas regras. Nestes termos, assumimos que há governo nas
e por meio das regras sociais; e vice-versa.

No entanto, seguindo Onuf novamente, optamos por manter analitica-


mente separados o modelo de prática de regras e o modelo de prática

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 29


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

de poderes, privilegiando o primeiro, mesmo que insistindo ontologi-


camente na indissociabilidade de ambos. Dessa forma, sugerimos que,
seja no caso Al Bashir, seja a relação entre o TPI e o Conselho de Segu-
rança legalizada em Roma, seja a hegemonia legalizada do Conselho
de Segurança, seja a justiça dos vencedores de Nuremberg, ou o padrão
de civilização constitutivo tanto do artigo 22 da Liga das Nações como
das políticas liberais de desenvolvimento e das políticas e práticas de
reconstrução de Estados em prol da paz liberal, todos esses exemplos
pressupõem regras, relações e (trans)formações sociais condicionadas
e condicionantes de diferentes relações de poder.

As transformações políticas e sociais analisadas neste artigo suscitam


novos debates sobre violência. Após os acontecimentos de 11 de setem-
bro de 2001, não só a “guerra contra o terror”, o retorno à tradição da
guerra justa, o excepcionalismo unilateral dos EUA e a nova centrali-
dade da segurança nacional, mas também o recrudescimento das polí-
ticas de identidade e de fronteiras e o retorno da geopolítica são alguns
elementos constitutivos do bastante complexo e ambíguo contexto da
ordem mundial contemporânea. Entre outros fenômenos, eles atestam
a plasticidade da soberania, cujo significado vem sendo transformado
nas últimas décadas, bem como impõem diferentes desafios aos regi-
mes internacionais estudados neste trabalho. Mais recentemente, al-
gumas políticas e práticas associadas ao liberal solidarismo e interven-
cionismo do período imediatamente posterior ao final da Guerra Fria
vêm sendo reexaminadas criticamente não somente como expressões
de relações de poder hegemônicas e hierárquicas, mas como heranças,
rastros ou continuidades de padrões de civilização e geopolíticas inter-
nacionais coloniais constitutivas do mundo moderno e das subjetivi-
dades coletivas e individuais modeladas à sua imagem e semelhança.

Num contexto em que o subdesenvolvimento passou a ser concebido


como causa de conflito e guerra, em que o sistema capitalista pós-for-
dista tornou-se mais e mais excludente e necropolítico, em que a desre-
gulamentação do mercado afirmou-se como um fenômeno global, e a
competência dos Estados nacionais foi atenuada num mundo de rela-
ções cada vez mais não territoriais e poliárquicas, o dualismo inter/na-
cional que tradicionalmente sustentava a arquitetura das regras estu-
dadas neste trabalho foi seriamente desafiado. Em nome da prevenção
de conflitos e da paz liberal, práticas e políticas internacionais passa-
ram a pôr em execução uma nova agenda de reconstrução de Estados e
sociedades, buscando transformar comunidades e valores locais a par-

30 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

tir de ideias e ideais liberais provenientes do mundo pós-fordista oci-


dental do Norte. As transformações das regras internacionais estu-
dadas neste artigo tornaram possíveis uma prática política
internacional de subjetivação e assujeitamento coletivo e individual,
que, incongruente com a regra de não intervenção, provocou a ressig-
nificação do conceito de soberania.

Parece-nos fundamental compreender como chegamos até aqui, e,


consequentemente, como as regras internacionais sobre violência têm
sido transformadas e reconstruídas. Este artigo buscou fazer esse ma-
peamento e contextualização, chamando a atenção para as transforma-
ções dos conjuntos de regras internacionais e algumas de suas premis-
sas que vêm tomando lugar nos contextos pós-Guerra Fria e pós-11 de
setembro de 2001. Essas transformações são sintomáticas de reconstru-
ções fundamentais da ordem política mundial e de sua estrutura cons-
titucional. Ademais, elas são constitutivas da contextura político-
social dentro da qual qualquer pensamento, ou posicionamento, acer-
ca da violência no mundo deve e pode se dar.

(Recebido para publicação em 5 de Fevereiro de 2016)


(Reapresentado em 31 de Maio de 2017)
(Aprovado em 22 de Agosto de 2017)

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 31


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

NOTAS

1. Doravante, usaremos “RI” quando nos referirmos à disciplina de Relações Interna-


cionais; continuaremos utilizando “relações internacionais”, por extenso e em letras
minúsculas, quando estivermos nos referindo aos fenômenos que são objeto de estu-
do de RI.
2. Para uma releitura crítica, neorrealista (de RI), desta forma política Westphaliana,
ver Krasner (1999 e 2010).
3. “Regimes internacionais são definidos como princípios, normas, regras e procedi-
mentos decisórios em torno dos quais as expectativas do ator convergem numa dada
área temática” (Krasner, 1983a:1, ênfase nossa). Para outras definições de regime in-
ternacional, ver, por exemplo, Krasner (1983b), Rittberger (1993) e Hasenclever,
Mayer e Rittberger (1997).
4. “Instituições fundamentais são conjuntos de normas, regras e princípios prescritivos
que especificam como os Estados legítimos “devem” resolver seus conflitos, coorde-
nar suas relações, e facilitar a coexistência” (Reus-Smit, 1999:34, ênfase acrescida).
5. ‘Normas de justiça procedimental pura especificam os procedimentos corretos que
Estados “legítimos” ou “bons” empregam, interna e externamente, para formular re-
gras básicas de conduta interna e externa” (Reus-Smit, 1999:32, ênfase acrescida). A
diferenciação entre regimes internacionais, instituições fundamentais e estrutura
constitucional alude ou pode ser repensada em relação à literatura de RI que diferen-
cia instituições primárias e secundárias, específicas e fundamentais ou fundacionais.
Não iremos discutir esta literatura aqui, dado o espaço limitado que temos. No en-
tanto, sugerimos que leitores interessados vejam, por exemplo, Buzan (2004, particu-
larmente Cap. 6:161-204); Linklater e Suganami (2006, particularmente Cap. 2:43-80);
Holsti (2004, particularmente Cap.1:1-27).
6. Nesse sentido, cumpre destacar que Onuf não diferencia regras de normas (Onuf,
2013b:135), considerando princípios, normas, regras e procedimentos decisórios
como diferentes “categorias de regras” (Onuf, 1998:70). Dado o espaço limitado que
temos, não iremos discutir tais diferenciações, tampouco questionar este aspecto da
definição de regras de Onuf.
7. “Como reconhecíveis padrões de regras e práticas relacionadas, instituições fazem
das pessoas agentes e constituem um ambiente dentro do qual os agentes se condu-
zem racionalmente” (Onuf, 1998:61).
8. A concepção de regra de Onuf é bastante rica e complexa. De um lado, ela é influen-
ciada pela concepção anglo-saxã da filosofia da linguagem ordinária, mais especifi-
camente pelas teorias de ato de fala de Austin e Searle. De outro lado, ela é influencia-
da pela concepção positivista do direito, baseada em regras, e pela concepção mais
processual do direito internacional, tal como na chamada Escola de Yale e no traba-
lho de Richard Falk. Não podemos aprofundar tais comentários aqui, mas sugerimos
aos leitores interessados verem, por exemplo, Onuf (2013a:66-95; 2008), Wind (2001)
e Sinclair (2010).
9. “Hegemonia refere-se à promulgação e manipulação de princípios e instruções por
meio dos quais atores superordenados monopolizam o significado que os atores su-
bordinados passam a absorver passivamente ” (Onuf, 2013a:209).

32 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

10. ‘Hierarquia é o paradigma de governo mais intimamente associado a Weber porque,


como um arranjo de regras diretivas, é imediatamente reconhecível como burocra-
cia. As relações de bureaux, ou funções [offices], formam o padrão típico de superor-
denação e subordinação, mas sempre em posições sociais, de modo que cada função
[office] é tanto subordinado àquelas acima dela como superordenada em relação
àquelas abaixo dela” (Onuf, 2013a:211).
11. Aqui, Onuf se distancia de Weber, aproximando-se de Kant e sua releitura da relação
(aporética) entre autonomia e heteronomia. (Onuf, 2013a:212-219). Ele explica: ‘Se
anarquia é uma condição de governo não relacionada a quaisquer intenções do agen-
te, então as relações internacionais não são anarquia. Nós precisamos de outro termo
para indicar a forma de governo em que agentes pretendem que sejam governados
por aquilo que parecem ser consequências não intencionais do exercício de seus di-
reitos. Heteronomia é um melhor termo. Agentes autônomos agem livremente, en-
quanto agentes heterônomos não podem agir livremente. Ambos os termos se refe-
rem a agentes, e não à sociedade. A partir de uma perspectiva construtivista, no
entanto, agentes são sempre autônomos, mas a autonomia deles é sempre limitada
pela autonomia (limitada) de outros agentes. O exercício da autonomia faz da hetero-
nomia uma condição social que, os agentes aceitam como uma consequência aparen-
temente não intencional de suas escolhas autônomas, individuais” (Onuf, 1998:77).
12. O ponto aqui poderia ser resumido com as seguintes palavras de Eduardo Viveiros
de Castro, acrescidas de um enxerto: “Em sentido geral, a sociedade [política] é uma
condição universal da vida humana” (Viveiros de Castro, 2011:297); a “política” en-
xertada aqui sendo o rastro do paradigma do Herrschaft relido por Onuf.
13. Nesse sentido, ele enumera alguns pontos desta relação: “1. Agentes têm poderes,
poderes produzem regras e regras aumentam poderes; 2. Agentes usam poderes, re-
gras e habilidades para produzir bens; 3. Regras, habilidades e bens relacionados
constituem um campo de objetos que um agente observador poderia descrever como
uma prática; 4. Padrões de prática constituem a estrutura social; 5. Observar tais pa-
drões (a atividade de teorizar) transforma estruturas em instituições ao lhes dar con-
teúdo normativo (conforme 1); 6. Instituições são assemblagens de regras que im-
põem limites práticos aos agentes e ao exercício de seus poderes” (Onuf,
2013b:135-136).
14. O qual prescreve que a ajuda deve ser prestada aos que necessitam.
15. O qual prescreve que a ajuda deve ser prestada de forma neutra, ou seja, sem privile-
giar nenhum dos lados de um conflito.
16. O qual prescreve que as organizações que prestam ajuda humanitária não devem de-
pender ou estar vinculadas a qualquer parte de um conflito.
17. Nós não enfocamos ou analisamos o conceito de segurança nacional neste trabalho.
18. Nesse sentido, ver: https://www.icc-cpi.int/, último acesso em 27.05.2017.
19. Em 2000, foi criado, sob os auspícios do governo canadense, o International Commis-
sion on Intervention and State-Sovereignty (ICISS), presidido por Gareth Evans e por
Mohamed Sahnou. O relatório “Responsability to Protect” foi lançado em seguida e
tornou-se uma referência no debate sobre o assunto. O princípio foi aplicado, pela
primeira vez, pelo Conselho de Segurança da ONU na sua resolução sobre Darfur.
20. Em 2004, o High-level Panel on Threats, Challenges and Change da ONU publicou um re-
latório, intitulado “A More Secure World: Our Shared Responsibility”, endossando tal

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 33


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

responsabilidade coletiva internacional. Finalmente, em 2005, o relatório “In Larger


Freedom”, produzido pelo então Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, endossou o
conceito de responsabilidade de proteger e recebeu suporte unânime da Cúpula
Mundial das Nações Unidas realizada naquele mesmo ano.
21. No que se refere à confluência entre o regime de segurança coletiva e o regime de di-
reitos humanos, cumpre recordar que as resoluções do Conselho de Segurança da
ONU com relação ao regime do apartheid sul-africano foram um divisor de águas na
história de tal associação, uma vez que reconheceram, pela primeira vez, o desres-
peito aos direitos humanos como uma ameaça à paz e segurança internacionais.
22. De acordo com estes autores, o poder institucional se dá por meio de regras e institui-
ções e implica o controle indireto de uns atores sobre outros (Barnett e Duvall,
2005:51).

34 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALSTON, Philip; GOODMAN, Ryan. (2013), International Human Rights: Text and Mate-
rials. Oxford, Oxford University Press.

ANGHIE, Antony. (2004), Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law.
Cambridge, Cambridge University Press.

ANNAN, Kofi. (1999), “Two Concepts of Sovereignty”. The Economist. Disponível em


http://www.economist.com/node/324795#print.

ARENDT, Hannah. (1999), Eichmann em Jerusalém: Um Relato sobre a Banalidade do Mal. São
Paulo, Companhia das Letras.

. (2011), Origens do Totalitarismo. São Paulo, Companhia das Letras.


BALIBAR, Étienne. (2004), We, the People of Europe? Reflections on Transnational Citizen-
ship. Princeton/Oxford, Princeton University Press.

BARNETT, Michael. (2011), Empire of Humanity. Ithaca, Cornell University Press.

BARNETT, Michael; DUVALL, Raymond. (2005a), “Power in International Politics”.


International Organization, vol. 59, no 1, pp. 39-75.

. (2005b), “Power in Global Governance”, in M. Barnett; R. Duvall (eds.), Power in


Global Governance. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 1-32.
BARTELSON, Jens. (1998), “Second Natures: Is the State Identical with Itself?”. European
Journal of International Relations, vol. 4, no 3, pp. 295-326.

. (2010), “Double Binds: Sovereignty and the Just War Tradition”, in H. Kalmo; Q.
Skinner (eds.), Sovereignty in Fragments: The Past, Present and Future of a Contested Con-
cept. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 81-95.
BERMAN, Nathaniel. (2004), “Privileging Combat? Contemporary Conflict and the Le-
gal Construction of War”. Columbia Journal of Transnational Law, vol. 43, no 1, pp. 1-72.

BLIX, Hans. (1978), “Area Bombardment: Rules and Reasons”. British Yearbook of Interna-
tional Law, vol. 49, no 1, pp. 31-69.

BOBBIO, Norberto. (1992), A Era dos Direitos. Rio de Janeiro, Editora Campus.

BÖCKENFÖRD, Markus. (2010), “Sudan”. Max Planck Encyclopedia of Public International


L a w. D i s p o n í v e l e m h t t p : / / o p i l . o u p l a w. c o m / v i e w / 1 0 . 1 0 9 3 / l a w : e p i l /
9780199231690/law-9780199231690-e1360?rskey=yOA45W&result=1&prd=EPIL.
Acesso em 28/5/2017.

BRODY, Reed; RATNER, Michael (eds.). (2000), The Pinochet Papers: The Case of Augusto
Pinochet in Spain and Britain. London, Kluwer Law International.

BROWN, Chris. (2002), Sovereignty, Rights and Justice: International Political Theory Today.
Cambridge, Polity.

BROWN, Chris; AINLEY, Kirsten. (2005), Understanding International Relations. London,


Palgrave.

BULL, Hedley. (2002), The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. New York,
Palgrave.

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 35


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

BUTLER, Judith. (2004), Precarious Life: The Powers of Mourning and Violence. Lon-
don/New York, Verso.
BUZAN, Barry. (2004), From International to World Society? English School Theory and the
Social Structure of Globalisation. Cambridge, Cambridge University Press.
. (2014), An Introduction to the English School of International Relations. Cambridge,
Polity.
BYBEE, Jay S. (2005), “Memorandum to Alberto R. Gonzales”, in K. J. Greenberg; J. L.
Dratel (eds.), The Torture Papers: The Road to Abu Ghraib. Cambridge, Cambridge Uni-
versity Press, pp. 81-117.
BYERS, Michael. (2007), A Lei da Guerra: Direito Internacional e Conflito Armado. Rio de Ja-
neiro, Record.
CASSESE, Antonio. (2001), International Law. Oxford, Oxford University Press.
. (2003a), International Criminal Law. Cambridge, Cambridge University Press.
CASSESE, Antonio. (2003b), “International Criminal Law”, in M. Evans (ed.) Internatio-
nal Law. Oxford, Oxford University Press, pp.721-756.
CLAUDE, Inis L. (1962), Power and International Relations. New York, Random House.
. (1984), Swords into Plowshares: The Problems and Process of International Organiza-
tion. New York, Random House.
COHEN, Jean L. (2010), “Sovereignty in the Context of Globalization: A Constitutional
Pluralist Perspective”, in S. Besson; J. Tasioulas (eds.), The Philosophy of International
Law. Oxford, Oxford University Press, pp. 261-280.
. (2012), Globalization and Sovereignty: Rethinking Legality, Legitimacy, and Constitu-
tionalism. Cambridge, Cambridge University Press.
COX, Robert W. (1983), “Gramsci, Hegemony and International Relations: An Essay in
Method”. Millennium: Journal of International Studies, vol. 12, no 2, pp. 162-175.
CRAWFORD, James; OLLESON, Simon. (2003), “The Nature and Forms of International
Responsibility”, in M. D. Evans (ed.), International Law. Oxford, Oxford University
Press, pp. 445-472.
DENG, Francis M. et al. (1996), Sovereignty as Responsibility: Conflict Management in Africa.
Washington, DC, The Brookings Institution.
DERRIDA, Jacques. (1994), Specters of Marx: The State of the Debt, the Work of Mourning and
the New International. New York/London, Routledge.
DEWITT, David. (1994), “Introduction: The New Global Order and the Challenges of
International Security”, in D. Dewitt; D. Haglund; J. Kirton (eds.), Building a New Glo-
bal Order: Emerging Trends in International Security. Oxford, Oxford University Press,
pp. 1-10.
DONNELLY, Jack. (2003), Universal Human Rights in Theory & Practice. Ithaca/London,
Cornell University Press.
. (2007), International Human Rights. Boulder, Westview Press.
DOUZINAS, Costas. (2007), Human Rights and Empire: The Political Philosophy of Cosmopo-
litanism. New York/London, Routledge.

36 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

DOYLE, Michael W. (1996), “Kant, Liberal Legacies and Foreign Affairs”, in M. Brown, S.
Lynn-Jones and S. Miller (eds.), Debating the Democratic Peace. Cambridge, Mass.,
MIT Press, pp. 3-57.
DUFFIELD, Mark. (2007), Development, Security and Unending War: Governing the World of
Peoples. Cambridge, Polity.
. (2010), “The Development-Security Nexus in Historical Perspective: Governing
the World of Peoples”, in J. S. Sörensen (ed.), Challenging the Aid Paradigm: Western
Currents and Asian Alternatives. New York, Palgrave Macmillan, pp. 25-46.
. (2014), Global Governance and the New Wars: The Merging of Development and Secu-
rity. London/New York, Zed Books.
DUNNE, Tim; WHEELER, Nicholas J. (eds.). (1999), Human Rights in Global Politics. Cam-
bridge, Cambridge University Press.
EVANS, Tony. (2001), The Politics of Human Rights: A Global Perspective. London/Sterling,
Pluto Press.
FORSYTHE, David P. (2006), Human Rights in International Relations. Cambridge, Cam-
bridge University Press.
FUKUYAMA, Francis. (1992), The End of History and the Last Man. New York, The Free
Press.
GALLI, Carlo. (2010) Political Spaces and Global War. Minneapolis, University of Minneso-
ta Press.
. (2015), Janus’s Gaze: Essays on Carl Schmitt. Durham/London, Duke University
Press.
GIDDENS, Anthony. (1985), The Nation-State and Violence: Volume Two of A Contemporary
Critique of Historical Materialism. Berkeley/Los Angeles, University of California
Press.
GONG, Gerrit W. (1984), The Standard of “Civilization” in International Society. Oxford,
Clarendon Press.
GRAY, Christine. (2008), “The Charter Limitations on the Use of Force: Theory and Prac-
tice”, in V. Lowe; A. Roberts; J. Welsh; D. Zaum (eds.), The United Nations Security
Council and War: The Evolution of Thought and Practice since 1945. Oxford, Oxford Uni-
versity Press, pp. 86-98.
GROVOGUI, Siba N. (2002), “Regimes of Sovereignty: International Morality and the
African Condition”. European Journal of International Relations, vol. 8, no 3, pp.
315-338.
GUZZINI, Stefano. (2013), Power, Realism and Constructivism. London/New York, Rou-
tledge.
HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. (2000), Empire. Cambridge/London, Harvard Uni-
versity Press.
HASENCLEVER, Andreas; MAYER, Peter; RITTBERGER, Volker. (1997), Theories of
International Regimes. Cambridge, Cambridge University Press.
HELLER-ROAZEN, Daniel. (2009), The Enemy of All: Piracy and the Law of Nations. New
York, Zone Books.

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 37


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

HOLSTI, Kalevi J. (2004), Taming the Sovereigns: Institutional Change in International Poli-
tics. Cambridge, Cambridge University Press.

HURRELL, Andrew. (2005), “Power, Institutions, and the Production of Inequality”, in


M. Barnett; R. Duvall (eds.), Power in Global Governance. Cambridge, Cambridge Uni-
versity Press, pp. 33-58.

. (2007), On Global Order: Power, Values, and the Constitution of International Society.
Oxford, Oxford University Press.

INAYATULLAH, Naeem; BLANEY, David L. (2004), International Relations and the Pro-
blem of Difference. New York/London, Routledge.

ICRC (International Committee of the Red Cross). (2003), International Humanitarian Law
and the Challenges of Contemporary Armed Conflicts. Disponível em:
https://www.icrc.org/eng/assets/files/other/ihlcontemp_armedconflicts_final_
ang.pdf. Acesso em 28/5/2017.

. (2007), International Humanitarian Law and the Challenges of Contemporary Armed


Conflicts. Disponível em https://www.icrc.org/eng/assets/files/other/ihl-chal-
lenges-30th-international-conference-eng.pdf. Acesso em 28/5/2017.

. (2011), International Humanitarian Law and the Challenges of Contemporary Armed


Conflicts. Disponível em https://www.icrc.org/eng/assets/files/red-cross-cres-
cent-movement/31st-international-conference/31-int-conference-ihl-challen-
ges-report-11-5-1-2-en.pdf. Acesso em 28/5/2017.

. (2015), International Humanitarian Law and the Challenges of Contemporary Armed


Conflicts. Disponível em https://www.icrc.org/en/document/international-hu-
manitarian-law-and-challenges-contemporary-armed-conflicts. Acesso em
28/5/2017.

JABRI, Vivienne. (2007), War and the Transformation of Global Politics. New York, Palgrave
Macmillan.

KALDOR, Mary. (2007), New and Old Wars: Organized Violence in a Global Era. Cambridge,
Polity.

KALSHOVEN, Frits; ZEGVELD, Liesbeth. (2001), Constraints on the Waging of War: An


Introduction to International Humanitarian Law. Geneva, International Committee of
the Red Cross.

KEENE, Edward. (2002), Beyond the Anarchical Society: Grotius, Colonialism and Order in
World Politics. Cambridge, Cambridge University Press.

KENNEDY, David. (2006), Of War and Law. Princeton, Princeton University Press.

KEOHANE, Robert O. (1988), “International Institutions: Two Approaches”. Internatio-


nal Studies Quarterly, vol. 32, no 4, pp. 379-396.

KRASNER, Stephen D. (1983a), “Structural Causes and Regime Consequences: Regimes


as Intervening Variables”, in S. D. Krasner (ed.), International Regimes. Ithaca, Cornell
University Press, pp. 1-21.

KRASNER, Stephen D. (ed.). (1983b), International Regimes. Ithaca, Cornell University


Press.

38 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

KRASNER, Stephen D. (1999), Sovereignty: Organized Hypocrisy. Princeton, Princeton


University Press.

. (2010), “The Durability of Organized Hypocrisy”, in H. Kalmo; Q. Skinner (eds.),


Sovereignty in Fragments: The Past, Present and Future of a Contested Concept. Cambrid-
ge, Cambridge University Press, pp. 96-113.

LAUTERPACHT, Sir Hersch. (1968), International Law and Human Rights. USA, Archon
Books.

LIGA DAS NAÇÕES. (1924), Convenção da Liga das Nações. Disponível em http://ava-
lon.law.yale.edu/20th_century/leagcov.asp. Acesso em 24/12/2015.

LINKLATER, Andrew; SUGANAMI, Hidemi. (2006), The English School of International


Relations: A Contemporary Reassessment. Cambridge, Cambridge University Press.

MACEDO, Stephen (ed.). (2006), Universal Jurisdiction. Philadelphia, University of


Pennsylvania Press.

MALESEVIC, Sinisa. (2010), The Sociology of War and Violence. Cambridge, Cambridge
University Press.

MORGENTHAU, Hans J. (2006), Politics among Nations: The Struggle for Power and Peace.
New York, McGraw-Hill.

MUTUA, Makau. (2001), “Savages, Victims, and Saviors: The Metaphor of Human
Rights”. Harvard International Law Journal, vol. 42, no 1, pp. 201-245.

OETTE, Lutz. (2010), “Peace and Justice, or Neither? The Repercussion of the al-Bashir
Case for International Criminal Justice in Africa and Beyond”. Journal of International
Criminal Justice, vol. 8, no 2, pp. 345-364.

ONU (Organização das Nações Unidas). (1945), Carta das Nações Unidas. Disponível
e m ht t p : / / av al o n.l aw.y al e . e d u / 20th_c e ntu r y / u nc har t . asp . Ace sso e m
24/12/2015.

ONUF, Nicholas G. (1998), “Constructivism: A User ’s Manual”, in V. Kubálková; N.


Onuf ; P. Kowert (eds.), International Relations in a Constructed World. New York, M.E.
Sharpe, pp. 58-78.

. (2008), International Legal Theory: Essays and Engagements, 1966-2006. Lon-


don/New York, Routledge.

. (2013a), World of Our Making. London/New York, Routledge.

. (2013b), Making Sense, Making Worlds: Constructivism in Social Theory and Interna-
tional Relations. London/New York, Routledge.

ORFORD, Anne. (2011), International Authority and the Responsibility to Protect. Cambrid-
ge, Cambridge University Press.

ÖSTERDAHL, Inger. (2010), “Dangerous Liaison? The Disappearing Dichotomy


between Jus ad Bellum and in Bello”. Nordic Journal of International Law, vol. 78, no 4, pp.
553-566.

PARIS, Roland. (1997), “Peacebuilding and the Limits of Liberal Internationalism”. Inter-
national Security, vol. 22, no 2, pp. 54-89.

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 39


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

. (2001), “Echoes of the Mission Civilisatrice: Peacekeeping in the Post-cold War


Era”, in E. Newman; O. Richmond (ed.), The United Nations and Human Security. Gor-
donsville, Palgrave, pp. 100-118.

. (2002), “International Peacebuilding and the ‘Mission Civilisatrice’”. Review of


International Studies, vol. 28, pp. 637-656.

. (2007), “Post-conflict Peacebuilding”, in T. Weiss; S. Daws (eds.), The Oxford Hand-


book on the United Nations. New York, Oxford University Press, pp. 404-426.

PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). (1994), Human Develop-
ment Report. New York, Oxford University Press.

POLICANTE, Amedeo. (2015), The Pirate Myth: Genealogies of an Imperial Concept. New
York, Routledge.

RATNER, Steven R.; ABRAMS, Jason S. (2001), Accountability for Human Rights Atrocities
in International Law: Beyond the Nuremberg Legacy. Oxford, Oxford University Press.

REUS-SMIT, Christian. (1997), “The Constitutional Structure of International Society


and the Nature of Fundamental Institutions”. International Organization, vol. 51, no 4,
pp. 555-589.

. (1999), The Moral Purpose of the State: Culture, Social Identity, and Institutional Ratio-
nality in International Relations. Princeton, Princeton University Press.

. (2001), “Human Rights and the Social Construction of Sovereignty”. Review of


International Studies, vol. 27, pp. 519-538.

. (2004a), “The Politics of International Law”, in C. Reus-Smit (ed.), The Politics of


International Law. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 14-44.

. (2004b) “Society, Power, and Ethics”, in C. Reus-Smit (ed.), The Politics of Interna-
tional Law. Cambridge, Cambridge University Press, pp. 272-290.

. (2013), “Constructivism”, in S. Burchill et al. (eds.), Theories of International Rela-


tions. Hampshire/New York, Palgrave Macmillan, pp. 217-240.

RICHMOND, Oliver. (2004), “The Globalization of Responses to Conflict and the Peace
Building Consensus”. Cooperation and Conflict, vol. 39, no 2, pp. 129-150.

. (2005), The Transformation of Peace, Rethinking Peace and Conflict Studies. Basingsto-
ke/New York, Palgrave Macmillan.

RITTBERGER, Volker (ed.). (1993), Regime Theory and International Relations. Oxford, Cla-
rendon Press.

ROGERS, A. P. V. (2004), Law on the Battlefield. Manchester, Manchester University Press.

ROTHSCHILD, Emma. (1995), “What is Security?”. Daedalus, vol. 124, no 3, pp. 53- 82.

SANDS, Philippe (ed.). (2003), From Nuremberg to The Hague. Cambridge, Cambridge
University Press.

SASSÒLI, Marco; BOUVIER, Antoine A. (1999), How Does Law Protect in War? Cases, Do-
cuments and Teaching Materials on Contemporary Practice in International Humanitarian
Law. Geneva, International Committee of the Red Cross.

40 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

SCHABAS, William A.; BERNAZ, Nadia. (2013), “Introduction”, in W. A. Schabas; N.


Bernaz (eds.), Routledge Handbook of International Criminal Law. London/New York,
Routledge, pp. 1-2.

SCHMITT, Carl. (2003), The Nomos of The Earth: in the International Law of the Jus Publicum
Europaeum. New York, Telos Press, Ltd.

SCHMITT, Carl. (2008), The Leviathan in the State Theory of Thomas Hobbes: Meaning and
Failure of a Political Symbol. Chicago/London, The University of Chicago Press.

SCHWARZENBERGER, Georg. (1950), “The Problem of an International Criminal Law”.


Current Legal Problems, vol. 3, no 1, pp. 263-296.

SIMPSON, Gerry. (2004), Great Powers and Outlaw States: Unequal Sovereigns in the Interna-
tional Legal Order. Cambridge, Cambridge University Press.

. (2007), Law, War and Crime. Cambridge, Polity.

SINCLAIR, Adriana. (2010), International Relations Theory and International Law: A Critical
Approach. Cambridge, Cambridge University Press.

TEITEL, Ruti G. (2011), Humanity’s Law. Oxford, Oxford University Press.

THAKUR, Ramesh. (2017), The United Nations, Peace and Security: From Collective Security
to the Responsibility to Protect. Cambridge, Cambridge University Press.

TPI (Tribunal Penal Internacional). (2005), “Darfur, Sudan”. Disponível em


https://www.icc-cpi.int/darfur. Acesso em 28/5/2017.

ULMEN, Gary L. (2007), “Partisan Warfare, Terrorism and the Problem of a New Nomos
of the Earth”, in L. Odysseos; F. Petito (eds.), The International Political Thought of Carl
Schmitt: Terror, Liberal War and the Crisis of Global Order. London/New York, Routled-
ge, pp. 97-106.

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. (2011), A Inconstância da Alma Selvagem: E Outros En-


saios de Antropologia. São Paulo, Cosac Naify.

WALKER, Rob B. J. (1993), Inside/outside: International Relations as Political Theory. Cam-


bridge, Cambridge University Press.

. (2010), After the Globe, Before the World. London/New York, Routledge.

WALTZ, Kenneth N. (1979), Theory of International Politics. New York, McGraw-Hill.

. (2001), Man, the State and War: A Theoretical Analysis. New York, Columbia Univer-
sity Press.

WALZER, Michael. (2011), “On Humanitarianism. Is Helping Others Charity, Duty or


Both?”. Foreign Affairs, vol. 90, no 4, pp. 69-80.

WEBER, Max. (1994) [1919], “The Profession and Vocation of Politics”, in P. Lassman; R.
Speirs (eds.), Weber: Political Writings. Cambridge, Cambridge University Press, pp.
309-369.

. (2004), The Vocation Lectures. Indianapolis, Hacket Publishings.

WELSH, Jennifer M. (2004), “Introduction”, in J. M. Welsh (ed.), Humanitarian Interven-


tion and International Relations. Oxford, Oxford University Press, pp. 1-7.

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 41


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

WENDT, Alexander. (1992), “Anarchy is What States Make of It: The Social Construction
of Power Politics”. International Organization, vol. 46, no 2, pp. 391-425.
. (1999), Social Theory of International Politics. Cambridge, Cambridge University
Press.
WHEELER, Nicholas J. (2000), Saving Strangers: Humanitarian Intervention in Interna-
tional Society. Oxford, Oxford University Press.
WIGHT, Martin. (1966), “Why is there no International Theory?”, in H. Butterfield; M.
Wight (ed.), Diplomatic Investigations. London, George Allen & Unwin Ltd., pp. 17-34.
WIND, Marlene. (2001), “Nicholas G. Onuf: The Rules of Anarchy”, in I. B. Neumann; O.
Waever (ed.), The Future of International Relations: Masters in the Making? London
and New York, Routledge, pp. 236-268.
WIPPMAN, David. (2004), “The International Criminal Court”, in C. Reus-Smit (ed.),
The Politics of International Law. Cambridge, Cambridge University Press, pp.
151-188.
YOO, John; DELABUNTY, Robert J. (2005), “Memorandum for William J. Haynes II”, in
K. J. Greenberg; J. L. Dratel (eds.), The Torture Papers: The Road to Abu Ghraib. Cam-
bridge, Cambridge University Press, pp. 38-79.
ZANOTTI, Laura. (2005), “Governmentalizing the Post-Cold War International Regime:
The UN Debate on Democratization and Good Governance”. Alternatives: Global, Lo-
cal, Political, vol. 30, no 4, pp. 461-487.
ZEHFUSS, Maja. (2001), “Constructivisms in International Relations: Wendt, Onuf, and
Kratochwil”, in K. M. Fierke; K. E. Jorgensen (ed.), Constructing International Rela-
tions: The Next Generation. New York/London, M. E. Sharpe, pp. 54-75.
ZEHFUSS, Maja. (2002), Constructivism in International Relations. Cambridge, Cambridge
University Press.
ZOLO, Danilo. (2009), Victors’ Justice: From Nuremberg to Baghdad. London/New York,
Verso.

42 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

RESUMO
As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem
Mundial Contemporânea

Este artigo examina as transformações das regras internacionais sobre violên-


cia a partir de uma perspectiva construtivista de Relações Internacionais. Em
particular, analisam-se as mudanças nas práticas sociais internacionais que
têm ocorrido desde o fim do último século, discutindo-as em termos de regras
internacionais que concomitantemente limitam e constituem as condições de
possibilidade para o uso da violência. Na primeira parte, são mapeados e bre-
vemente examinados cinco conjuntos de regras internacionais sobre violência:
o direito internacional humanitário, o humanitarismo, o direito internacional
dos direitos humanos, o direito internacional criminal e o regime de segurança
coletiva. Na segunda parte, analisam-se as transformações político-normati-
va-sociais e conceituais que vêm ocorrendo na ordem mundial desde a década
de 1990, dando particular ênfase à redefinição do conceito de segurança, à res-
significação do conceito de soberania e ao processo de expansão e confluência
daqueles cinco conjuntos de regras internacionais. Argumenta-se que tais
transformações das regras internacionais sobre violência, de um lado, expres-
sam o deslocamento do dualismo doméstico/internacional e, de outro lado,
ratificam o novo lugar do indivíduo nas relações internacionais. Com isso, su-
gere-se que é possível identificar mudanças significativas na arquitetura cons-
titucional da ordem mundial contemporânea.

Palavras-chave: regras internacionais; violência; segurança internacional;


soberania; ordem mundial

ABSTRACT
Transformations to International Regulations on Violence in the
Contemporary World Order

The following article examines transformations to international regulations


on violence based on a constructivist perspective of International Relations. A
particular focus is awarded to shifts in international social practices to have
occurred since the end of the last century, as discussing the terms of
international regulations that both restrict and reinforce conditions in which
violence may be used. The first section briefly maps and examines five sets of
international regulations on violence: international humanitarian law,
humanitarianism, international human rights law, international criminal law,
and the collective security regime. In the second section, we analyze

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 43


Monica Herz e Roberto Vilchez Yamato

political-normative-social and conceptual transformations to have occurred to


the world order since the 1990s, with a particular emphasis placed on the
redefining of the concept of security, the new meaning given to the concept of
sovereignty, and the process of expansion and convergence of these five sets of
international regulations. We argue that such transformations to international
l a w s o n v i o l e n c e a re b o t h re p re s e n t a t i v e o f t h e d i s l o c a t i o n o f
domestic/international dualism and the new place of the individual in
international relations. We therefore suggest that significant shifts may be
identified in the constitutional architecture of the contemporary world order.

Key words: international regulations; violence; international security;


sovereignty; world order

RÉSUMÉ
Les Transformations des Règles Internationales sur la Violence dans
l’Ordre Mondial Contemporain

Cet article examine les transformations des règles internationales relatives à la


v i o l e n c e à par t i r d ’ un e p e r s p e c t i v e c o n s truc t i v i s t e d e s re l a t i o n s
internationales. Nous analyserons en particulier les changements dans les
pratiques sociales internationales survenus depuis la fin du siècle dernier et en
débattrons en termes de règles internationales limitant et constituant
concomitamment les conditions de possibilité de l’usage de la violence. Dans
la première partie, on cartographiera et examinera brièvement cinq ensembles
de règles internationales sur la violence: le droit international humanitaire,
l’humanitarisme, le droit international basé sur les Droits de l’homme, le droit
pénal international et le régime de sécurité collective. Dans la seconde partie,
on analysera les transformations politiques, normatives, sociales et
conceptuelles en cours au sein de l’ordre mondial depuis les années 1990 et
l’accent sera mis sur la redéfinition des concepts de sécurité et de souveraineté,
ainsi que sur le processus d’expansion et de confluence de ces cinq ensembles
de règles internationales. D’un côté, ces modifications des règles
internationales sur la violence expriment une transformation du dualisme
domestique/international, et de l’autre, ratifient la nouvelle place de
l’individu ans les relations internationales. On suggère ainsi qu’il est possible
d’identifier des changements significatifs dans l’architecture
constitutionnelle de l’ordre mondial contemporain.

Mots-clés: règles internationales; violence; sécurité internationale;


souveraineté; ordre mondial

44 DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018


As Transformações das Regras Internacionais sobre Violência na Ordem Mundial...

RESUMEN
Las Transformaciones de las Normas Internacionales sobre Violencia en el
Orden Mundial Contemporáneo

Este artículo examina las transformaciones de las normas internacionales so-


bre violencia a partir de una perspectiva constructivista de las relaciones inter-
nacionales. En particular, se analizan los cambios en las prácticas sociales in-
ternacionales que se han producido desde finales del siglo XX, y se discuten en
el marco de las normas internacionales que limitan y constituyen concomitan-
temente las condiciones para que prolifere el uso de la violencia. En la primera
parte, se seleccionan y examinan brevemente cinco conjuntos de normas inter-
nacionales sobre violencia: el derecho humanitario internacional, el humanita-
rismo, el derecho internacional de los derechos humanos, el derecho penal in-
ternacional y el régimen de seguridad colectiva. En la segunda parte, se anali-
zan las transformaciones sociales y conceptuales político-normativas que se
vienen produciendo en el orden mundial desde la década de 1990, dando parti-
cular énfasis a la redefinición del concepto de seguridad, a la redefinición de
concepto de soberanía y al proceso de expansión y confluencia de esos cinco
conjuntos de normas internacionales. Se argumenta que tales transformacio-
nes de las normas internacionales sobre violencia, por una parte, expresan el
desplazamiento del dualismo doméstico/internacional y, por otra, ratifican
el nuevo lugar que ocupa el individuo en las relaciones internacionales. Con
ello, se sugiere que es posible identificar cambios significativos en la arquitec-
tura constitucional del orden mundial contemporáneo.

Palabras clave: normas internacionales; violência; seguridad internacional;


soberania; orden mundial

DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 61, no 1, 2018 45

Você também pode gostar