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As Concepcoes Harmonicas Do Bebop
As Concepcoes Harmonicas Do Bebop
Campinas
Instituto de Artes da UNICAMP
1996
Sumário
Introdução 03
1 - Síntese do Jazz
1.1- Mãe África 04
1.2 - A escravidão na América 04
1.3 - A formação do Jazz 05
1.4- Os estilos 06
1.4.1 - Ragtime 07
1.4.2 - New Orleans 08
1.4.3 - Chicago 10
1.4.4 - Swing 12
2 - O que é Bebop 14
3 - As concepções harmônicas 20
3.1 - A evolução da harmonia no jazz 20
3.1.1 - O estilo New Orleans 21
3.1.2 - O estilo Chicago 23
3.1.3 - Transição New Orleans-Chicago 24
3.1.4 - O estilo Swing 25
3.1.5 - Transição Chicago-Swing 27
3.1.6 - O estilo Bebop 27
3.1.7 - Transição Swing-Bebop 32
3.2 - A improvisação no Bebop 33
4 - Conclusão 35
Anexos 37
Bibliografia 53
2
Introdução
3
1.0 Síntese do jazz
4
cada negro não possuía mais do que um metro de comprimento e de largura
por um de altura, de modo que não permitia ao negro se deitar por inteiro e
nem se levantar totalmente. As doenças, a desnutrição, a falta de higiene e
até mesmo as tempestades, onde vários deles eram jogados ao mar para
aliviar o peso, fizeram com que uma grande parte não conseguisse chegar
até a América.
Chegaram na América acorrentados como selvagens e carregando
apenas a roupa do corpo, de forma que toda a herança cultural desta raça
ficou guardada na memória. Ainda durante o tráfico, se observou a facilidade
dos negros para ritmo e pequenas melodias embora fossem - lhes negado
todo e qualquer tipo de instrumento musical, seja ele percussivo ou melódico.
Havia o receio de que pudesse haver algum tipo de comunicação entre eles
através dos instrumentos, principalmente os de percussão, por uma espécie
de código - morse. Esta castração em relação aos instrumentos musicais foi
um fator importante para a formação de um ambiente propício ao jazz, como
veremos mais adiante.
Durante todo o período da escravidão, foram - lhes negado todos os
aspectos vitais para a formação do ser humano, seja ele cultural , social e ou
mental. Não havia o menor interesse no desenvolvimento dos negros, mesmo
porque não se acreditava que pudessem ter capacidade para tal. Eram
tratados realmente como animais selvagens e bens de consumo. Esta
situação permaneceu até a abolição.
1
As Worksongs eram canções de trabalho cantadas pelos escravos nas plantações. Havia um refrão que
era cantado em coro e entre cada coro era improvisado uma melodia em forma de canção, onde o negro
cantava o seu sofrimento, evocava a terra de origem e sonhava com dias mais felizes.
2
Holler é uma denominação dada aos trabalhadores rurais, geralmente de origem negra.
5
Vera Hall, a mais antiga manifestação de ex - escravos. Observa - se que a
gravação feita sem acompanhamento não nos leva à África, como também
não identificamos influência maciça da música européia. Seria um erro
presumir que jazz tenha se desenvolvido de um encontro equilibrado das
características africanas e européias.
A sincopação que aparece primeiro no Ragtime (estilo que será
comentado mais adiante), teria sido uma simplificação monolinear das
polirritmias africanas , ainda que a idéia real de síncope não se diferencia da
européia e que com a evolução do jazz, tornou - se uma importante
característica para a definição desta música. A síncope jazzística é escrita
num compasso de quatro por quatro, lê - se duas colcheias por unidade de
tempo como uma colcheia pontuada no tempo forte e uma semicolcheia no
fraco e soa como uma tercina sendo enfatizada o último terço de tempo.
No que diz respeito a influência estrangeira na música pós - africana, a
harmonia foi sem dúvida o aspecto de maior abrangência pois os negros não
tinham noção de harmonia, embora empregassem intervalos regulares
(quartas, quintas e oitavas) nas worksongs.
Os hinos padrões e o folk sacro estavam muito difundidos entre a
população branca pobre do meio rural, e o primeiro contato decisivo do negro
com a harmonia européia provavelmente aconteceu nos encontros campais
revivalistas brancos a partir de 1800 no sul e no oeste onde estas músicas
eram cantadas nos encontros, e por incrível que pareça, os negros podiam
participar.
Pesquisadores garantem que o banjo e a guitarra se originaram,
posteriormente, de instrumentos africanos e que teriam contribuído também
para o desenvolvimento da consciência harmônica. Provavelmente, esta
pequena noção de harmonia que possuíam, ainda era de forma empírica e
intuitiva, pois os negros não sabiam música a ponto de desenvolve - la
conscientemente.
Embora seja uma música de forte caráter étnico, o jazz é uma
confluência de características africanas e européias, numa fusão que se torna
quase impossível de identificar os limites de cada um. Alguns elementos
europeus foram sistematizados e simplificados como a noção de melodia,
harmonia e ritmo. Mas de qualquer forma, o jazz embrionário, já com ampla
gama de material pré - jazz, tornou - se bastante permeável às influências
posteriores que resultariam em vários estilos do jazz, não depreciando os já
existentes, pelo contrário, valorizando alguns aspectos no qual faziam surgir
efetivamente um outro estilo.
1.4 Os estilos
6
1.4.1 Ragtime
8
e a bateria (caixa, bumbo e tambores), estes últimos eram responsáveis pelo
aspecto rítmico - harmônico, denominado de cozinha.
É fácil perceber que estas denominadas “Orquestras de dança”
tocavam uma música muito simples: uma frase melódica curta, cantável e de
fácil memorização, haja visto que estes músicos não possuíam conhecimento
musical, de forma que não havia partitura. Este fato torna o improviso
relevante, pois no início, foi uma forma de aumentar a duração de cada
música e posteriormente se torna a principal característica no discurso
jazzístico. Sobre acordes de três sons e usando apenas acordes de base:
dominante, subdominante e tônica, a improvisação corre solta, intuitivamente
e coletivamente, apesar da técnica rudimentar dos instrumentistas - o que
necessariamente não representa muita coisa pois já é o suficiente para o
discurso musical de cada músico.
Em cima destas irregularidades é que aparecem alguns temas que se
tornam conhecidos dos músicos e do público, são os chamados standards5 .
Como não havia partitura, os músicos eram obrigados a decorar os principais
temas (standards) de forma que, se algum músico faltasse, o que era muito
comum na época, poderia ser substituído por outro sem maiores problemas.
A música que estava sendo produzida em Storyville ganhou a cidade e
logo já era possível ver estas orquestras tocando em enterros, campanhas
eleitorais, piqueniques, as festas da terça - feira gorda e em qualquer outro
evento que houvesse música . Não faltou os intermináveis duelos de
orquestras que poderiam acontecer em qualquer lugar, tanto dentro de um
bar como no meio da rua durante um cortejo. Nestes duelos foram revelados
os primeiros nomes do jazz como o cornetista Buddy Bolden (que morreu
num sanatório), o seu substituto Freddy Keppard, Bunk Johnson, os
clarinetistas Alphonse Picou, “Big Eye”, Louis Nelson, Lorenzo Tio e muitos
outros. Entre os pianistas que se destacaram, podemos citar Tony Jackson,
Jean Le Baptiste, Clarence Willians e Ferdinand Joseph La Menthe, mais
conhecido como Jelly Roll Morton e que se declarava como o “criador do
jazz”. Apesar de ser um exagero esta afirmação, uma coisa não se pode
negar; Jelly Roll Morton foi um dos primeiros jazzmen a influenciar novas
gerações. O seu toque claro ao piano, suas composições belíssimas e sua
personalidade forte e cativante fizeram com que Morton se tornasse um
célebre no jazz, mas não o seu criador.
Uma segunda geração de New Orleans revelam dois nomes muito
importantes: Joe “King” Oliver e Sidney Brechet. “King” Oliver foi muito
influenciado por Keppard e em 1910, Oliver vai até Storyville e desafia o
mestre. Com o seu som forte e cheio de brilho, impressiona a todos tocando
um blues com bastante expressividade e imediatamente o consagram como
“King” Oliver. A sua contribuição para o jazz é fundamental e deixa para a
posteridade dois feitos muito importantes: adota uma bóia de sanitário no seu
trompete e consegue obter uma sonoridade quase humana, articulando as
frases de forma quase falada. Foi então o inventor da surdina tendo mais
tarde em Miles Davis, o seu maior adepto. Oliver foi também a maior
influência na carreira musical da primeira celebridade do jazz: Louis
Armstrong.
Sidney Brechet teve uma participação constante no cenário jazzístico
nas décadas do século, mas o seu maior feito mesmo foi ter adotado o sax
5
Standard é uma canção popular, preferencialmente usado como tema de jazz.
9
soprano no lugar da clarineta. Todos os saxofonistas devem muito a Brechet
por ter colocado o sax numa posição de destaque, uma vez que ele não era
muito aceito por ter uma sonoridade anasalada, assim, a clarineta reinava
em absoluto.
O primeiro registro da música de New Orleans foi gravado em 1917
pela ODJB (Original Dixieland Jazz Band), orquestra formada por brancos e
que tocavam música negra. Pesquisadores consideram que a música que era
produzida realmente pelos negros tinha várias diferenças. Em 1940, houve a
moda do New Orleans Revival e alguns veteranos puderam gravar, mas o
resultado não condizia com o que se passou na época, no auge da agitação
do movimento onde o ambiente propício e o vigor físico devido a idade davam
outro desempenho aos executantes.
Também em 1917, Storyville foi fechada por várias razões políticas e
os músicos tiveram que buscar novas perspectivas de trabalho. O caminho
mais óbvio para todos eles era Chicago e foi lá que o “New Orleans Jazz”
obteve respaldo e viveu os seus dias de glória.
1.4.3 Chicago
10
A medida em que o negro torna - se um profissional, ele sente também
a necessidade de se auto - afirmar perante a sociedade. Num momento em
que começa a desenhar - se a estrutura organizada de uma orquestra, é
através dela que o negro se impõe e percebe a sua importância dentro do
sistema, sendo através dos solos que ele expressa a sua individualidade. O
maior responsável por esta conscientização foi sem dúvida Louis Armstrong,
no qual falaremos mais adiante.
Uma outra preocupação constante é em relação ao aspecto técnico -
musical. Com o maior número de instrumentos nas orquestras, há um
interesse dos arranjadores em buscar novas harmonias; passa a ser quase
que um requisito básico ao músico saber ler partitura; as orquestras adotam o
saxofone que rapidamente toma uma posição de destaque; e em grande
parte isto se deve aos músicos brancos que tinham conhecimentos básicos
de música e leitura musical.
Entre os músicos brancos do estilo Chicago como o clarinetista e sax -
alto Frank Teschmaker, os sax - tenores Frankie Trumbauer e Bud Freeman,
os trompetistas Jimmy MacPartland, Muggsy Spanier, os bateristas Dave
Tough e Gene krupa, os clarinetistas Mezzrow e Benny Goodman, ninguém
representou melhor o estilo do que o trompetista Bix Beiderbecke. Bix foi o
primeiro músico maldito do jazz. Apesar de ser um jazzísta branco, Bix não
desfrutou do mesmo sucesso e reconhecimento que o trompetista Louis
Armstrong, embora tenha influenciado músicos modernos como Miles Davis e
Chet Baker.
Bix era descendente de imigrantes alemães e teve uma infância
normal. Estudou os princípios básicos da música, cantava no coro da igreja
luterana da cidade e o seu pai dirigia uma formação coral masculina. Bix tinha
muito interesse por música e se destacava perante as outras crianças, mas o
que realmente o fascinava era a música que ele ouvia dos “Riverboats” que
passavam no Mississípi. Quando ganhou o seu primeiro cornetim, Bix decide
ser músico e passa a andar com o seu instrumento debaixo do braço por
todos os lados.
Apesar de ter tido uma infância normal, Bix teve uma vida musical
trágica, nunca estava satisfeito com o que produzia, procurava a todo custo a
perfeição e isto o levou à morte aos 30 anos, alcoolizado. Com o seu sopro
lírico, Bix prenunciou um estilo do jazz que irá se concretizar na década de
50: o Cool Jazz. O seu interesse pelas concepções harmônicas de Debussy,
fizeram com que ele experimentasse muito ao piano chegando a escrever
algumas peças com títulos bastante contrastantes na época: Na névoa, Na
escuridão, entre outras.
Ele foi um músico branco de jazz que esteve muito próximo da música
de concerto, com alguns pesquisadores citando que Bix trouxe acordes
Debussyanos para o jazz. Este fato ainda será pesquisado, de forma que
segue apenas o comentário neste relatório.
Outro músico que apareceu nesta época foi Louis Armstrong,
considerado o primeiro embaixador do jazz no mundo. Vale a pena citar uma
frase de Dizzy Gillespie no festival de Newport em 1970, citado por Joachim
E. Berendt no seu livro “O jazz do Rag ao rock”, pag. 61:
11
Eu quero agradecer aqui em público a Louis Armstrong, a razão da
minha vida”.
1.4.4 Swing
13
Em cima desta busca , o jazz conhece uma nova sonoridade, novas
harmonias e encadeamentos harmônicos, sendo Duke Ellington a principal
fonte. Paralelo a estes que realmente merecem considerações pelas
colaborações dadas ao jazz, existiram também os que souberam usufruir do
grande sucesso desta época e fizeram sucesso com uma música nem
sempre condizente, sendo criticada e até mesmo rejeitada por alguns
músicos. O critico alemão Adorno foi quem mais combateu essa música, não
só essa mas qualquer outra que se entenda como música popular, alegando
que num país que se dizia altamente democrático, a ditadura existia em
forma de cultura de massa, indústria cultural.6a No final dos anos 30, alguns
jazzmen inquietos dão sinais de um novo processo, de uma reviravolta no
jazz que irá abalar esta música para sempre, irreversivelmente, definindo
uma primeira etapa do jazz denominado de middle - jazz.
De todo os períodos do jazz neste primeiro momento, o swing foi sem
dúvida o de maior relevância, devido ao grande número, e ao mesmo tempo,
pela diversidade de talentos que surgiram para sempre no cenário do jazz.
8
Canja é uma expressão bastante usada pelos músicos para designar uma pequena participação de
algum músico com o grupo principal. Isto é muito comum com músicos de jazz..
9
Entrevista realizada por François Postif, jazz hot,, número 193, dezembro de 1963, citado em
BILLARD, François - No mundo do jazz, pag. 45 - São Paulo - Companhia das Letras - 1990.
10
Entrevista realizada por François Postif, jazz hot, número 186, abril de 1963, citado em BILLARD,
François - No mundo do jazz, pag. 45-46 - São Paulo - Companhia das Letras - 1990.
15
Este foi o ambiente propício para músicos que buscavam algo novo,
que queriam se aventurar com os seus instrumentos, experimentar novas
fórmulas, se arriscar, e logo alguns músicos começaram a se tornar
conhecidos como o guitarrista Charlie Christian, que morreu aos 21 anos, o
sax-alto Charlie Parker, o trompetista Dizzy Gillespie, o pianista da casa
Thelonious Monk, o baterista da casa Kenny Clarke, sem contar com a
presença de alguns músicos consagrados como Roy Eldridge e Coleman
Hawkins.
Algumas das principais modificações do bebop foi em relação à seção
rítmica. Em primeiro lugar, este termo “seção rítmica” perdeu o sentido no
jazz moderno, os instrumentos que formavam a “seção rítmica” adquirem
uma outra função e passam a ter uma participação mais coesa e mais
integrada dentro do grupo. Dizzy Gillespie atribui a paternidade dessa
dissociação ao baterista Kenny Clarke.
12
Jamear vem dotermo jam, usado na expressão Jam-session que significa uma sessão de improvisação
onde participa voluntariamente qualquer músico.
13
Roberto Muggiati, Bebop - A evolução do jazz moderno em O que é jazz, pág. 72.
14
Naipe é um termo usado pelos músicos para desiginar um grupo de instrumentos específicos. Ex:
naipe de saxofones, naipe de metais, etc.
17
Todas estas mudanças, acabaram desvinculando os boppers dos padrões
dos standards (no que diz respeito à harmonia, não à forma), e passaram
então a buscar novas variações harmônicas, novos encadeamentos, um
novo colorido afim de poder aumentar a quantidade de idéias musicais na
improvisação, descobrir um outro tipo de fraseado, ou seja, buscar uma outra
alternativa de aventura musical. A princípio, os standards foram sendo
rearmonizados, foram - se colocando acordes até então estranhos para a
época (acordes de passagens, dominantes substitutos) e como lembrou
Dizzy Gillespie na passagem anterior, os “caras” que não perceberam as
mudanças que estavam ocorrendo, perdiam um longo tempo em
improvisações sobre um tema, standard conhecido mas já rearmonizado, e
que soava bastante estranho para quem não estivesse preparado, causando
muitas vezes, bastante constrangimento para os solistas mais desavisados.
Vários temas foram criados a partir das rearmonizações, assim como,
a partir de uma harmonia conhecida, harmonia de algum standard, foram
criados outros temas como: Hot house (What is this thing called love), Salt
peanuts (I got rhythm), Groovin’ high (Whispering), Ko-Ko e Warming up a riff
(Cherokee), Ornithology (How high the moon), Donna Lee (Indiana), Scrapple
from apple (Honeysuckle rose), entre outros. Não só os standards foram
rearmonizados mas o blues também, e de uma forma bastante significante
ao bop, sendo Charlie Parker o principal músico desta mudança.15 Entre as
suas composições, algumas como: Cool Blues, Relaxin’ at Camarillo, Bongo
bop, Buzzy, Cheryl, Bird feathers, Perhaps, Barbados, Parker’s mood; nota -
se claramente a sua formação bluesística aliada a um grande senso de
mudança, de inquietação, que se verifica no seu fraseado.
O bebop levou bastante tempo para ser assimilado, vários músicos
consagrados não entenderam à “primeira-audição” o que estava por surgir,
como foi o caso do trompetista Louis Armstrong:
“Isso não tem nada a ver com jazz. Isso é música de chinês”.16
15
Devo esclarecer que apesar do universo harmônico no middle-jazz contar com uma relativa
estabilidade, existiram alguns artistas de espírito inquieto que tinham habilmente explorado várias
possibilidades de encadeamentos e acordes, prenunciando a harmonia moderna, mas foi no bebop que
essas incursões dos jazzistas se reuniram em um sistema.
16
Citação feita pelo jornalista Rogério Coimbra numa crítica ao III Festival de Jazz de Vitória/ES, à
revista Você, no.6, dezembro de 1992.
18
no fim das improvisações ao tema. Ainda não existia nesta época a prática
da improvisação da bateria e do baixo.
O grupo se apresentou no Onyx Club e teve uma vida breve, pois
não era uma tarefa fácil fazer com que esta música se tornasse atraente aos
ouvidos dos leigos que já estavam acostumados ao balanço regular do
swing. Uma música com características camerísticas, sendo tocada num club
da 52’ street, point noturno em NY na época, onde não se permitia um
crooner cantar e nem mesmo as pessoas dançarem, haja visto que os
boppers tocavam numa velocidade absurda nas fast bop (o andamento podia
chegar a 360 com oito colcheias por compasso), e sendo bem mais lento
que os tradicionais nas baladas, o bop não tinha os pré-requisitos
necessários para o sucesso popular. Credita - se muito às gravações feitas
nos primeiros long-plays de 33 1/3 polegadas (que começavam a substituir
os discos de 78 rotações) pela difusão do bop, e principalmente a uma
roupagem bopper dada aos standards conhecidos do grande público.
Apesar de Dizzy Gillespie e Charlie Parker ( mais conhecido como
Bird ) terem sido os dois grandes do movimento, sendo este último o mais
talentoso de todos, eles só foram se encontrar frente a frente em 1945
perante um contrato. Eram pessoas totalmente diferentes: Jonh Birks
Gillespie nasceu na Carolina do Sul em 1917. Fez estudos musicais sérios
começando pelo trombone e depois optando pelo trompete. Em 1935, já na
Filadélfia, estréia profissionalmente na orquestra de Frankie Fairfax e
depressa nota - se o seu virtuosismo e talento. Gillespie se diferencia dos
outros trompetistas da época por estar mais próximo do estilo de Roy
Eldridge, e não ao de Louis Armstrong. Roy foi sem dúvida a maior influência
para Dizzy e isto é relativamente fácil de ser percebido, até mesmo no
momento auge do bebop, com o timbre parecido mas se diferenciando no
fraseado. Gillespie sempre foi um cara muito organizado e preocupado com
o trabalho musical, tinha um interesse enorme pela harmonia e praticava
piano assiduamente. Apesar de ter uma postura bastante lúcida e
equilibrada, era ao mesmo tempo um brincalhão, com um incrível senso de
humor, totalmente extrovertido, ditando uma moda que se tornou a moda
bopper 16a e que passou a identificar todos que seguiam o movimento ou
que queriam estar por dentro. Foi uma figura fantástica com uma incrível
personalidade que influenciou várias gerações de músicos.
O inverso de Dizzy Gillespie foi Charlie “Bird” Parker. Foi marcado
pelo gênio e pela maldição. Nasceu em Kansas City, em agosto de 1920,
cidade onde se forjou a mais equilibrada música do middle - jazz, a de Count
Basie. Bird foi criado pela mãe, aprende música muito novo e já começa
nesta época a vaguear pelos locais onde se toca jazz; tem o seu primeiro
contato com o blues e com as drogas (causa da sua morte). Lester Young,
músico da orquestra de Basie vai ser a sua principal influência durante o
tempo em que está desenvolvendo o seu próprio estilo. A sua genialidade
permitiu que ele desenvolvesse técnicas de uma tal complexidade que ouve
16a
Bopper significava algum tipo de inconformismo social atribuível ao cenário americano geral, mas
aos inconformados brancos e não aos negros (O mesmo dos recentes beatnicks que surgiram nos
EUA). A moda bopper foi então uma adaptação da roupa que Dizzy Gillespie usava, que nada mais era
do que uma versão pessoal de um tipo elegante de roupa urbana dos negros (óculos com armação de
tartaruga, uma boina, um cavanhaque e às vezes ternos ridiculamente cheios de dobras e pregas). Este
era o padrão de um jovem bopper.
19
uma época que se dizia que depois de ouvir Parker, já não era mais possível
tocar saxofone da mesma maneira. Parker mantém - se ansioso em poder
tocar com músicos de jazz e aos quatorze anos lança - se numa aventura
que iria mudar a sua vida profundamente:
Parker se isola de tudo e de todos, não se sabe direito onde foi o seu
esconderijo (existe na verdade muitas lendas a este respeito) e permanece
três anos neste seu retiro. Aos 19 anos, Parker já possuía um estilo
altamente pessoal que já prenunciava o novo jazz. Ele voltou a aparecer no
cenário musical primeiramente em Kansas City e no início dos anos 40 já
estava instalado em NY. Com uma técnica impressionante, onde aliava
agilidade, velocidade e um fluxo constante de idéias, Parker praticamente
desmonta os standards com os seus solos, deixando todos atônitos. A
reação de Dizzy quando ouviu Bird pela primeira vez se resume em quatro
palavras: “Este é o cara!”18
O seu envolvimento com o álcool, as drogas, o relacionamento
complicado com as mulheres, empresários e músicos fizeram com que Bird
morresse antes dos 35 anos, aparentando mais de 60 anos.19
Apesar dos dois músicos não se relacionarem bem fora do palco,
mantendo distância um do outro, evitando até de se falarem, a contribuição
deixada por eles é simplesmente espetacular. Em apenas cinco anos, de 44
a 49, o bebop desencadeou enormes transformações no cenário musical e
mais tarde, os sociólogos o relacionaram também com as mudanças no
aspecto cultural da sociedade americana. Foi portanto um período de muita
importância para a música popular americana e para a música de outros
países também, principalmente os europeus que adotaram o jazz como a
segunda música.
17
Jazz Magazine, número 285, julho-agosto de 1972, citado em BILLARD, François - No mundo do
jazz, pag. 182-183 - São Paulo - Companhia das Letras - 1990.
18
Entrevista realizada durante o Free jazz in Concert, realizado no Brasil em 1992, exibido num
programa de televisão chamado Free jazz in Concert, Rede Manchete de televisão.
19
Existem vários documentários sobre a vida de Parker, inclusive um filme realizado em Hollywood,
denominado Bird, direção de Clint Eastewood, que mostra de maneira clara o seu drama pessoal, a sua
luta contra a morte, marcado pela maldição.
20
3.1 A evolução da harmonia no jazz
O estilo New Orleans foi bastante caracterizado pelo uso das tríades
(maiores, menores e diminutas) e dos acordes de sétima da dominante.
Ex. 1
“Blues”
20
Real Book e Fake Book são publicações,que podem ser editadas ou piratas, que contém quase toda a
obra da música popular americana.
21
I7 / IV7 / I7 / I7 / IV7 / IV7 / I7 / I7 / V7 / IV7 /
I7 / I7//
Ex. 3
“Milenburg Joys” by Walter Melrose, Leon Roppolo, Paul Mares, “Jelly Roll”
Morton
I / I / I / I / I / I / V7 / V7 / V7 / V7 / V7 / V7 / V7 /
V7 / I / I / I / I / I / I / I7 / I7 / IV / IV / IV / #IV° /
VIm / VI7 / II7 / V7 / I / I //
As cadências conhecidas na harmonia funcional como II V I (251), que
preparam para a resolução no grau I21, ainda não estava sendo usada. As
formas de resolução para um acorde ocorriam apenas com os acordes
dominantes, estes poderiam vir precedidos por um outro acorde dominante,
como ocorre no exemplo acima (VI7 II7 V7 I) .
Uma outra questão é em relação ao grau #IV°. Não há uma explicação
plausível para o uso deste acorde dentro do contexto em que está inserido. A
interpretação que poderia ser feita ao acorde, talvez fosse como um diminuto
de passagem, mas não é o caso.
O exemplo 4 trata-se de uma música que se tornou um standard de
jazz, e a sua progressão harmônica também é característica da época:
Ex. 4
21
A cadência II V I não necessariamente resolve no primeiro grau da tonalidade. A referência dos
graus II e V é sobre o acorde de resolução, que pode ser um outro grau dentro da tonalidade.
22
“High Society” autor não identificado
I / I / I / I / I / I / I / I VIm bIII° / V7 / V7 / I / I /
IIIm / II7 / V7 / V7 / I / I / I / I / I / I / I / I / IV / IV7 /
I / VI7 / II7 / V7 / I / I / I / I //
Observa-se ainda neste exemplo que o tipo de progressão usada para
resolver a tônica, é semelhante ao exemplo anterior. Usa-se o ciclo de
quartas com acordes dominantes.
A influência do blues nas progressões são claras, o número de
compassos repetitivos sobre o grau I e o grau V7 evidenciam o fato.
Ex. 5
23
O ritmo harmônico também foi alterado, o número de acordes em
relação ao número de compassos aumenta consideravelmente.
Sabemos que as mudanças ocorridas na harmonia não aconteceram
rapidamente, o exemplo acima demonstra uma progressão bastante
avançada para o estilo, apesar de ainda pertencer a esta época. No exemplo
abaixo, teremos uma progressão que começou a ser usada no início do estilo
Chicago, e que foi como uma espécie de ponte entre o New Orleans jazz e o
Chicago jazz, além de servir de base para o desenvolvimento da harmonia
desta época.
Ex. 6
24
3 - As tonalidades de Dó, Sol, Fá, Si bemol e Mi bemol, que eram comumente
usadas no New Orleans jazz, foram ampliadas durante o período do Chicago
jazz, com a inclusão das tonalidades de Lá bemol, Ré bemol e Ré.
Ex. 7
22
Citação feita pelo jornalista Rogério Coimbra numa crítica ao III Festival de Jazz de Vitória/ES, à
revista Você, no.6, dezembro de 1992.
25
tônica, acordes de empréstimo modal23 são inseridos à progressão, acordes
de 5 sons passam a ser usados com as alterações ocorrendo sobre os
acordes dominantes.
Ex. 8
Ex. 9
23
Acordes de Empréstimo Modal são acordes que provém do tom homônimo da tonalidade a que
pertence a música. (Ex: Dó Maior - tom homônimo → Dó menor).
24
Tons distantes são as tonalidades que não pertencem aos chamados tons vizinhos da tonalidade. Tons
vizinhos são os tons que caracterizam as principais funções da tonalidade (Tônica, Subdominante e
Dominante), e os seus respectivos relativos.
26
Será exposto agora, algumas das principais mudanças ocorridas na
harmonia durante a transição Chicago-Swing:
27
cantar e até mesmo, muitas vezes impossível de ser copiada ou tocada por
outros músicos.
Levou-se muito tempo para que o bebop fosse entendido e
compreendido. Hoje está muito claro que ele foi um divisor de águas entre o
middle-jazz e o modern-jazz.
As progressões escolhidas como exemplo, fornecem as informações
básicas sobre a concepção harmônica do bebop, as suas principais
alterações e descobertas.
Ex. 10
28
Ex. 11
Ex. 12
Ex. 13
25
Citação feita por Jean Wagner, no seu livro “O guia do jazz - Iniciação á história e estética do jazz”,
pag.122.
30
bIIIm7 bVI7(#11) / IIIm7 / VI7 / VIm7 /
VIm7 II7 / IIm7 / V7 bIIm7 bV7 / Im7M /
bV7 VII7 / IIIm7 VI7 / bVI7M V7 / Im7M /
bIII7(#11) / V7 Im7M //
A progressão acima está no modo menor, mas observa-se a presença
de acordes do campo harmônico do modo maior: IIIm7, IIm7 V7. O título é
bastante ambíguo e nos leva a refletir sobre a intenção de Monk nesta
progressão, mas percebe-se `a primeira vista de que ele tinha plena
consciência do que estava fazendo.
Apesar de ter sido uma forma bastante sofisticada de construir uma
harmonia, esta não foi uma característica principal do bebop, era na verdade
uma linha de pensamento muito particular de Monk, e que apesar de ter sido
um dos pilares do movimento, seguiu o seu próprio caminho musical. No final
dos anos quarenta, quando o bebop já era irreversível e todos os jovens que
aderem ao jazz tem no ouvido a sonoridade de Charlie Parker, Monk sai de
cena numa busca do desconhecido, e que o deixou fragilizado e prostrado,
distanciando-se de tudo e de todos.
Ex. 14
“Monk”s Mood”
Ex. 15
27
Definição adotada pelo músico e educador de jazz David Baker, no seu livro “HOW TO PLAY
BEBOP. Ver bibliografia.
28
Citado no livro O que é Jazz, de Roberto Muggiati. ver Bibliografia.
34
não se aprende a tocar jazz sem nunca ter estudado os seus solos, além de
ser um desafio a ser vencido.
4.0 - Conclusão
30
Citação de Stravinski em Conversas com Igor Stravinski, pag. 95. Ver bibliografia.
36
Anexos
3 - “Parker’s Mood”..................................................................................41
4 - “Cheryl”................................................................................................43
5 - “Buzzy”.................................................................................................45
6 - “Perhaps”.............................................................................................46
7 - “Barbados”..........................................................................................47
8 - “Warming Up a Riff”...........................................................................48
37
Bibliografia
BAKER, David N. How to play Bebop, vol. 1 Van Nuys, California: Alfred’s
Music, 1985.
COKER, Jerry Elements of the Jazz Language for the Developing Improvisor
Miami, Flórida: CPP Belmin, 1991.
HOLDEIR, Andre Jazz its evolution and essence New York: Da Capo Press,
1956.
MEHEGAN, Jonh Jazz Rhythm and the Improvised Line New York:
Watson-Guptill Publications, 1962 (Jazz Improvisation, 2).
MEHEGAN, Jonh Swing and Early Progressive Piano Styles New York:
Watson-Guptill Publications, 1964 (Jazz Improvisation, 3).
38
PHILLIPS, Alan Jazz Improvisation and Harmony New York: Robbins Music
Corporation, 1973.
Discografia
39
Campinas, 16 de Agosto de 1996.
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MARCELO PEREIRA COELHO JOSÉ ROBERTO ZAN
Aluno Prof. Co-orientador
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HELENA JANK
Prof. Orientador
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