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Marcelo Pereira Coelho

As Concepções Harmônicas do Bebop

Trabalho de Iniciação Científica do


Departamento de Música,
Instituto de Artes da Unicamp.
Professor Orientador: Helena Jank
CNPq

Campinas
Instituto de Artes da UNICAMP
1996
Sumário

Introdução 03
1 - Síntese do Jazz
1.1- Mãe África 04
1.2 - A escravidão na América 04
1.3 - A formação do Jazz 05
1.4- Os estilos 06
1.4.1 - Ragtime 07
1.4.2 - New Orleans 08
1.4.3 - Chicago 10
1.4.4 - Swing 12
2 - O que é Bebop 14
3 - As concepções harmônicas 20
3.1 - A evolução da harmonia no jazz 20
3.1.1 - O estilo New Orleans 21
3.1.2 - O estilo Chicago 23
3.1.3 - Transição New Orleans-Chicago 24
3.1.4 - O estilo Swing 25
3.1.5 - Transição Chicago-Swing 27
3.1.6 - O estilo Bebop 27
3.1.7 - Transição Swing-Bebop 32
3.2 - A improvisação no Bebop 33
4 - Conclusão 35
Anexos 37
Bibliografia 53

2
Introdução

O jazz constitui um fenômeno cultural altamente estimulante como


objeto de estudo, pois o seu aparecimento contribuiu para desencadear
diversos fatores sociais e musicais, que se enredam num só grupo, num só
aspecto, numa só polêmica. Foi uma variante expressiva na música ocidental,
que se desenvolveu de uma maneira extraordinariamente rápida, em sintonia
com a evolução e o progresso da sociedade americana e do capitalismo.
O jazz tem representado uma história de vida e de luta dos negros,
desde que estes chegaram aos EUA. O processo da segregação cultural e
social ao qual os negros foram submetidos, fez com os eles desenvolvessem
uma forma própria de viver, de pensar e de se expressar. Isto se refletiu no
jazz, principalmente durante o período do bebop. O jazz evoluiu à medida
que os negros iam conquistando espaços numa sociedade conservadora ao
mesmo tempo em que tomavam consciência da sua importância no processo
de construção e consolidação cultural do país. Este ponto culminou no estilo
bebop que representou, do ponto de vista social, uma recusa aos valores
estabelecidos. Tinham a necessidade de serem ouvidos à sua maneira.
No aspecto musical, o bebop também refletiu a resistência do músico
à ação manipuladora da máquina do Entertainment. Essa postura está
associada à intensa insatisfação de alguns jazzmen no final dos anos 30 com
o enorme sucesso do jazz junto ao público, algo incompatível com o
verdadeiro espírito da música negra e os seus significados culturais. A partir
desta vontade de mudança e de encontros privilegiados nas jam-sessions no
cabaré Minton’s, que se tornou o berço do bebop, o jazzmen conseguiu se
desatar das amarras das orquestras e experimentar novas fórmulas. E assim
o jazz evoluiu.
O bebop foi o precursor do jazz moderno, rompendo também com
tudo que vinha sendo feito até então em termos musicais. O bebop refletiu
uma tomada de consciência do músico de jazz com relação à força e a
importância da sua música como meio de afirmação cultural e de renovação
estética. A consciência de se estar produzindo algo novo, uma nova
linguagem, se refletiu em todos os aspectos musicais do bebop. Essa
pesquisa lúcida dos conceitos e formas do jazz, alterou o modo de se tocar.
Houve uma mudança na função dos instrumentos e consequentemente no
som produzido.
A harmonia, objeto de estudo deste trabalho, também sofreu
alterações. Foi uma das características que os boppers mais se
preocuparam, principalmente os solistas que passaram a usar uma maior
quantidade de material harmônico nos solos. A forma de se pensar na
harmonia no bebop, influenciou todo jazz a partir dessa época, bem como
outros estilos de música como a bossa nova no Brasil. Daí a preocupação
deste trabalho de concentrar a análise na harmonia do bebop para que se
entenda de que forma essa música influenciou outros tipos de música, não só
americana como de outros países.

3
1.0 Síntese do jazz

Este capítulo é de grande importância pois situa o bebop dentro de um


contexto geral do jazz. Será comentado de uma forma bastante simples e
direta a evolução desta música, tendo o seu apogeu no bebop. É evidente
que a evolução do jazz não para por aí mas podemos dizer que se encerra
uma primeira fase. Isto será explicado no transcorrer do assunto.

1.1 Mãe África

No século XVI, os negros da África Ocidental viviam numa


organização tribal onde não havia o conceito de individualidade mas sim de
comunidade e coletividade. Todos os costumes e hábitos eram voltados, de
alguma forma, para o bem comum. Assim também se procedia com as artes.
Elas representavam um povo, uma aldeia, uma comunidade e estavam
intimamente ligadas aos costumes sociais dos negros africanos.
A música, no caso as canções, e a dança tinham funções bastantes
específicas dentro das tribos. Embora cada tribo produzisse uma música
característica do seu povo, elas não tinham a função de entretenimento
apenas. Haviam canções específicas para cada hábito como por exemplo o
nascimento, o casamento, as guerras, o trabalho, canções de ninar , de
curandeiros, religiosas e uma série de outras canções que serviam para
designar os mais variados costumes. Porém, nada se pode afirmar sobre os
aspectos técnicos da música produzida na época. Há uma grande vertente de
pesquisadores e estudiosos que acreditam que a música dos negros
africanos fosse desenvolvida pelos sentidos naturais mais aguçados do ser
humano: o tato e o ouvido, tendo como maior influente a própria natureza.
Corpo, música e linguagem estavam intimamente relacionados. A
música nascia do corpo em movimento e era expressada através da dança. A
dança por sua vez, regia os tambores que era tocado de acordo com as
sensações e inspirações de cada executante. Assim, produzia-se uma
música polirrítmica e improvisada, num ciclo contínuo.
O outro aspecto muito importante e que estava intimamente ligado à
música africana era a linguagem oral. A batida dos tambores era também
uma reprodução mecânica da linguagem oral e não uma espécie de código-
morse primitivo, como se acreditava. Cada palavra possuía um significado de
acordo com a sua entonação. Esta característica vocal da música africana foi
de vital importância para o resultado da pronúncia jazzística, como veremos
mais tarde.

1.2 A escravidão na América

Os holandeses foram os responsáveis pela entrada dos negros na


América do Norte. O primeiro navio negreiro chegou aos EUA em 1618 na
cidade de Jamestown, Virgínia com um total de 20 negros africanos que
foram trazidos para trabalhar como escravos. Provavelmente o navio
holandês não partiu da África com este pequeno número de negros, muitos
deles não suportaram a viagem de meses em condições subumanas onde

4
cada negro não possuía mais do que um metro de comprimento e de largura
por um de altura, de modo que não permitia ao negro se deitar por inteiro e
nem se levantar totalmente. As doenças, a desnutrição, a falta de higiene e
até mesmo as tempestades, onde vários deles eram jogados ao mar para
aliviar o peso, fizeram com que uma grande parte não conseguisse chegar
até a América.
Chegaram na América acorrentados como selvagens e carregando
apenas a roupa do corpo, de forma que toda a herança cultural desta raça
ficou guardada na memória. Ainda durante o tráfico, se observou a facilidade
dos negros para ritmo e pequenas melodias embora fossem - lhes negado
todo e qualquer tipo de instrumento musical, seja ele percussivo ou melódico.
Havia o receio de que pudesse haver algum tipo de comunicação entre eles
através dos instrumentos, principalmente os de percussão, por uma espécie
de código - morse. Esta castração em relação aos instrumentos musicais foi
um fator importante para a formação de um ambiente propício ao jazz, como
veremos mais adiante.
Durante todo o período da escravidão, foram - lhes negado todos os
aspectos vitais para a formação do ser humano, seja ele cultural , social e ou
mental. Não havia o menor interesse no desenvolvimento dos negros, mesmo
porque não se acreditava que pudessem ter capacidade para tal. Eram
tratados realmente como animais selvagens e bens de consumo. Esta
situação permaneceu até a abolição.

1.3 A formação do jazz

Não seria uma coincidência que o jazz atingisse o estado embrionário


após a abolição em 1865. Todos os fatos atestam que o jazz só se tornou
possível devido à proibição total ao acesso de instrumentos musicais,
fazendo com que os negros produzissem durante a escravidão, uma música
estritamente vocal e improvisada. As worksongs1 foram a única manifestação
musical possível realizado pelos escravos e também a primeira fonte
precursora para a formação do jazz, denominado de pré - jazz.
A política dos proprietários de escravos era de destruir qualquer tipo
de manifestação cultural, para evitar uma possível organização dos negros e
toda as conseqüências que este movimento poderiam lhes trazer. Mas,
paradoxalmente, as worksongs foram o único tipo de manifestação
incentivado pelos proprietários. Era uma garantia de que os escravos
estavam trabalhando e para os escravos era uma forma de catarse.
Presume - se que as formas originais das worksongs declinaram muito
rápido, e também não se pode ter uma precisão da influência dos elementos
básicos da música européia. Acredita - se numa lenta assimilação pelos
escravos da música dos seus senhores, como mostra a gravação feita por um
holler2 campestre da música “Trouble so Hard” (L. of. C. AATSL3, 1937), de

1
As Worksongs eram canções de trabalho cantadas pelos escravos nas plantações. Havia um refrão que
era cantado em coro e entre cada coro era improvisado uma melodia em forma de canção, onde o negro
cantava o seu sofrimento, evocava a terra de origem e sonhava com dias mais felizes.
2
Holler é uma denominação dada aos trabalhadores rurais, geralmente de origem negra.

5
Vera Hall, a mais antiga manifestação de ex - escravos. Observa - se que a
gravação feita sem acompanhamento não nos leva à África, como também
não identificamos influência maciça da música européia. Seria um erro
presumir que jazz tenha se desenvolvido de um encontro equilibrado das
características africanas e européias.
A sincopação que aparece primeiro no Ragtime (estilo que será
comentado mais adiante), teria sido uma simplificação monolinear das
polirritmias africanas , ainda que a idéia real de síncope não se diferencia da
européia e que com a evolução do jazz, tornou - se uma importante
característica para a definição desta música. A síncope jazzística é escrita
num compasso de quatro por quatro, lê - se duas colcheias por unidade de
tempo como uma colcheia pontuada no tempo forte e uma semicolcheia no
fraco e soa como uma tercina sendo enfatizada o último terço de tempo.
No que diz respeito a influência estrangeira na música pós - africana, a
harmonia foi sem dúvida o aspecto de maior abrangência pois os negros não
tinham noção de harmonia, embora empregassem intervalos regulares
(quartas, quintas e oitavas) nas worksongs.
Os hinos padrões e o folk sacro estavam muito difundidos entre a
população branca pobre do meio rural, e o primeiro contato decisivo do negro
com a harmonia européia provavelmente aconteceu nos encontros campais
revivalistas brancos a partir de 1800 no sul e no oeste onde estas músicas
eram cantadas nos encontros, e por incrível que pareça, os negros podiam
participar.
Pesquisadores garantem que o banjo e a guitarra se originaram,
posteriormente, de instrumentos africanos e que teriam contribuído também
para o desenvolvimento da consciência harmônica. Provavelmente, esta
pequena noção de harmonia que possuíam, ainda era de forma empírica e
intuitiva, pois os negros não sabiam música a ponto de desenvolve - la
conscientemente.
Embora seja uma música de forte caráter étnico, o jazz é uma
confluência de características africanas e européias, numa fusão que se torna
quase impossível de identificar os limites de cada um. Alguns elementos
europeus foram sistematizados e simplificados como a noção de melodia,
harmonia e ritmo. Mas de qualquer forma, o jazz embrionário, já com ampla
gama de material pré - jazz, tornou - se bastante permeável às influências
posteriores que resultariam em vários estilos do jazz, não depreciando os já
existentes, pelo contrário, valorizando alguns aspectos no qual faziam surgir
efetivamente um outro estilo.

1.4 Os estilos

Existem algumas divergências quanto aos estilos que precederam ao


bebop. Não há um consenso comum em relação à ordem dos estilos,
havendo um agrupamento de estilos jazzísticos e bluesísticos todos num só
contexto.
Desta forma, foi adotado o esquema usado por Joachim Berendt no
seu livro “O jazz do Rag ao Rock”, pág. 19, onde demonstra de forma mais
clara e abrangente toda a evolução do jazz até a década de 70. (Ver anexo 1)

6
1.4.1 Ragtime

De origem negra, o termo Ragtime é uma abreviação de “ragged time”


que significa “tempo destruído”. Era um tipo de “toque negro” dado às
técnicas pianísticas das polcas e marchas. Este “toque negro” era uma
tentativa de incorporar o toque do banjo aliado às técnicas pianísticas, e que
resultou numa música bastante sincopada e swingada.
Embora fosse uma música estritamente negra, ela não era tocada por
qualquer negro. Nesta época, que compreende a década de 90 do século
passado, já existiam negros com conhecimentos musicais bastantes
razoáveis. Eram chamados de Creole. Os creole eram negros que , de
alguma forma, conseguiram comprar a liberdade e construir um patrimônio
podendo dar educação musical aos filhos. Existiram importantes
compositores de Ragtime como James Scott, Joseph Lamb, Tom Turpin mas
foi Scott Joplin o seu maior feitor. Joplin estudou piano com um professor
germânico ( provavelmente enviado ao sul dos EUA pela política de
reconstrução) e se destacou dos outros devido a sua música possuir uma
ortografia mais correta, o uso de dinâmica e fraseado e uma maior
preocupação quanto ao conteúdo musical.
Esta música se espalhou por todo o sul dos EUA e teve como o seu
principal centro as cidades de Sedália e Saint. Louis. Tornou - se a música do
povo, em especial a dos operários que trabalhavam na construção das
grandes vias férreas do território americano e que freqüentavam os botecos
onde se tocava Rag. Um dos fatores que contribuiu para a divulgação desta
música foi a publicação de “Mississipi Rag” do maestro branco William H.
Krell, impressa para piano. É considerada como o primeiro Rag publicado
para piano, em 18973. Em 1899, a impressão de “Maple Leaf Rag”, de Scott
Joplin vendeu 01 milhão de cópias e a partir daí o Rag se dissemina
rapidamente pelo mundo, consagrando Joplin como o melhor compositor de
Ragtime.
Apesar de existir no Rag as sincopações, o swing, os breaks que são
constantes no jazz, o Rag não deve ser considerado como um precursor do
jazz e nem mesmo como um jazz primitivo. O jazz possui além das
sincopações rítmicas, a improvisação. Esta característica essencial não
existia no Ragtime, os músicos de Rag não improvisavam pois estavam muito
presos à forma da música que geralmente se constituía em uma sucessão de
16 compassos ( como em várias marchas) com a forma ABACD ( Maple Leaf
Rag, Scott Joplin ), inexistindo o chorus4 de improvisação. A maioria dos
temas de Rag baseiam - se na clássica tônica - dominante com modulação
para os tons vizinhos, e o jazz, apesar de ter se servido destes
encadeamentos no início, não ficou estático quanto ao seu desenvolvimento
harmônico, como se observa no Ragtime.
Com o advento das gravações, que substituiu o piano como
entretenimento doméstico, e a disseminação do jazz por volta de 1915 como
uma música obviamente negra, o Ragtime cai de moda e isto contribuiu
fortemente para o seu fim. Alguns jazzmen como Fats Waller, James P.
Johnson, Willie The Lion Smith fizeram releituras do Rag mas sem intenção
3
Outros autores citam como sendo “Harlem Rag” de Tom Turpin, o primeiro rag publicado, em 1897.
4
Chorus é um trecho harmônico com dimensão igual ao do tema, aberto à improvisação.
7
de resgatá - lo totalmente, mesmo porque o toque jazzístico já os diferenciava
dos verdadeiros pianistas de Rag.
Contudo, o Ragtime demonstrou ser o primeiro resultado claro e talvez
o mais bem sucedido da fusão do contributo africano com o contributo euro -
americano.

1.4.2 New Orleans

New Orleans foi a cidade onde se concretizou o jazz. Os conflitos


sociais foi o principal fator para a existência de um ambiente propício para
efetuação desta síntese.
O termo jas, jass, jaz e finalmente jazz surgiu por volta de 1900 para
designar um tipo de música que estava surgindo na época. Literalmente, jazz
significava algo sujo, pornográfico e existem várias explicações sobre o uso
deste termo como identificação de uma música, mas todas muito duvidosas.
A mais convincente mas que também não é digna de crédito, se refere ao
fato de que os músicos sindicalizados de Chicago, tentavam impedir a
entrada de músicos de outras localidades, principalmente oriundos de New
Orleans, acompanhando as primeiras orquestras que se apresentaram por
lá. Vários termos pejorativos foram usados para taxar a música dos visitantes
mas a que mais intrigou o público foi o termo jazz. O termo tornou - se
popular a tal ponto que um branco chamado Tom Brown serviu - se dela para
uma campanha publicitária, atraindo a atenção de multidões. A partir daí, o
termo tornou - se constante.
No início do século, New Orleans era um centro comercial muito
importante, possuía um porto à beira do rio Mississipi que interligava New
Orleans a várias outras cidades como Saint Louis ( a capital do Ragtime ) e
Chicago. A população se constituía de várias etnias e nacionalidades:
espanhóis, franceses, ingleses, italianos, alemães, eslavos e negros. Todos
viviam em contato direto e evidentemente as desavenças raciais e culturais
existiam, não apenas do branco para o negro mas também do branco para o
branco e do negro para o negro. Cada emigrante mantinha as suas próprias
culturas e manifestações musicais e isto fazia de New Orleans uma cidade
exótica, discutida, cidade - notícia e que atraia muitos turistas.
O ponto de encontro de todas as culturas e manifestações acontecia
no bairro de Storyville, um local de diversos établissements de todas as
categorias e classes sociais, sem distinções ou preconceitos. Foi neste bairro
que a música negra americana encontrou o húmus para a sua fertilização. Ela
tinha a função estritamente de entretenimento, música para dançar e este foi
o principal motivo para a inclusão de instrumentos com maior massa sonora.
Os bluesmen já não eram mais capazes de fazer uma multidão dentro de um
bar dançar a noite inteira, e a partir daí começa a surgir uma nova categoria
de músicos: os jazzmen; claro que ainda sem esta definição. Adota - se o
piano; a corneta (posteriormente foi substituído pelo trompete), que exprime a
parte essencialmente melódica; a clarineta que desempenha um papel
melódico - harmônico, evoluindo numa tessitura mais aguda; o trombone que
tem uma característica mais rítmica, fazendo uma espécie de contracanto
com a melodia; a guitarra ou banjo; o contrabaixo ou tuba (preferencialmente)

8
e a bateria (caixa, bumbo e tambores), estes últimos eram responsáveis pelo
aspecto rítmico - harmônico, denominado de cozinha.
É fácil perceber que estas denominadas “Orquestras de dança”
tocavam uma música muito simples: uma frase melódica curta, cantável e de
fácil memorização, haja visto que estes músicos não possuíam conhecimento
musical, de forma que não havia partitura. Este fato torna o improviso
relevante, pois no início, foi uma forma de aumentar a duração de cada
música e posteriormente se torna a principal característica no discurso
jazzístico. Sobre acordes de três sons e usando apenas acordes de base:
dominante, subdominante e tônica, a improvisação corre solta, intuitivamente
e coletivamente, apesar da técnica rudimentar dos instrumentistas - o que
necessariamente não representa muita coisa pois já é o suficiente para o
discurso musical de cada músico.
Em cima destas irregularidades é que aparecem alguns temas que se
tornam conhecidos dos músicos e do público, são os chamados standards5 .
Como não havia partitura, os músicos eram obrigados a decorar os principais
temas (standards) de forma que, se algum músico faltasse, o que era muito
comum na época, poderia ser substituído por outro sem maiores problemas.
A música que estava sendo produzida em Storyville ganhou a cidade e
logo já era possível ver estas orquestras tocando em enterros, campanhas
eleitorais, piqueniques, as festas da terça - feira gorda e em qualquer outro
evento que houvesse música . Não faltou os intermináveis duelos de
orquestras que poderiam acontecer em qualquer lugar, tanto dentro de um
bar como no meio da rua durante um cortejo. Nestes duelos foram revelados
os primeiros nomes do jazz como o cornetista Buddy Bolden (que morreu
num sanatório), o seu substituto Freddy Keppard, Bunk Johnson, os
clarinetistas Alphonse Picou, “Big Eye”, Louis Nelson, Lorenzo Tio e muitos
outros. Entre os pianistas que se destacaram, podemos citar Tony Jackson,
Jean Le Baptiste, Clarence Willians e Ferdinand Joseph La Menthe, mais
conhecido como Jelly Roll Morton e que se declarava como o “criador do
jazz”. Apesar de ser um exagero esta afirmação, uma coisa não se pode
negar; Jelly Roll Morton foi um dos primeiros jazzmen a influenciar novas
gerações. O seu toque claro ao piano, suas composições belíssimas e sua
personalidade forte e cativante fizeram com que Morton se tornasse um
célebre no jazz, mas não o seu criador.
Uma segunda geração de New Orleans revelam dois nomes muito
importantes: Joe “King” Oliver e Sidney Brechet. “King” Oliver foi muito
influenciado por Keppard e em 1910, Oliver vai até Storyville e desafia o
mestre. Com o seu som forte e cheio de brilho, impressiona a todos tocando
um blues com bastante expressividade e imediatamente o consagram como
“King” Oliver. A sua contribuição para o jazz é fundamental e deixa para a
posteridade dois feitos muito importantes: adota uma bóia de sanitário no seu
trompete e consegue obter uma sonoridade quase humana, articulando as
frases de forma quase falada. Foi então o inventor da surdina tendo mais
tarde em Miles Davis, o seu maior adepto. Oliver foi também a maior
influência na carreira musical da primeira celebridade do jazz: Louis
Armstrong.
Sidney Brechet teve uma participação constante no cenário jazzístico
nas décadas do século, mas o seu maior feito mesmo foi ter adotado o sax
5
Standard é uma canção popular, preferencialmente usado como tema de jazz.
9
soprano no lugar da clarineta. Todos os saxofonistas devem muito a Brechet
por ter colocado o sax numa posição de destaque, uma vez que ele não era
muito aceito por ter uma sonoridade anasalada, assim, a clarineta reinava
em absoluto.
O primeiro registro da música de New Orleans foi gravado em 1917
pela ODJB (Original Dixieland Jazz Band), orquestra formada por brancos e
que tocavam música negra. Pesquisadores consideram que a música que era
produzida realmente pelos negros tinha várias diferenças. Em 1940, houve a
moda do New Orleans Revival e alguns veteranos puderam gravar, mas o
resultado não condizia com o que se passou na época, no auge da agitação
do movimento onde o ambiente propício e o vigor físico devido a idade davam
outro desempenho aos executantes.
Também em 1917, Storyville foi fechada por várias razões políticas e
os músicos tiveram que buscar novas perspectivas de trabalho. O caminho
mais óbvio para todos eles era Chicago e foi lá que o “New Orleans Jazz”
obteve respaldo e viveu os seus dias de glória.

1.4.3 Chicago

Já houve o questionamento sobre a autenticidade do estilo Chicago,


se realmente poderia ser considerado como tal haja visto que a música
produzida nesta cidade era muito próxima ao estilo New Orleans e ao
Dixieland. Veremos no transcorrer deste bloco a sua importância e inovações.
Chicago também era conhecida como “Windy City”, e já na década de
20 estava marcada por ser a capital do crime. Vivia - se num clima tenso e
cheio de restrições e isto fazia com que houvesse uma vida noturna privada
mas bastante intensa. Não dava para imaginar as boites e dancings sem
música e o jazz encontrou então um mercado bastante favorável para a sua
solidificação. Nesta época, começaram as gravações das orquestras, graças
ao gramofone recém - inventado.
Não foi só o jazz que teve as portas abertas, mas o blues também.
Apesar de ter seguido o seu desenvolvimento paralelo ao jazz, em Chicago
os dois estilos se encontram mas não se fundem, apenas há uma troca de
informações que pretendo não explicitar agora. Este assunto será
devidamente estudado no momento propício.
Chicago foi o primeiro grande centro do jazz, mais particularmente em
Southside _ um bairro negro da cidade onde a vida musical era muito intensa.
Os músicos negros acabaram aprendendo a ser profissionais do show -
business, tamanha a procura desta música por parte dos brancos e como
conseqüência disto, houve o início de uma afirmação do jazz branco com
estruturas parecidas às do jazz negro de New Orleans mas de diferente
execução, tornando - se num outro estilo denominado de “Chicago”. A
imitação não era perfeita e os músicos do “estilo Chicago” praticamente
estereotiparam as linhas melódicas e os contrapontos do estilo New Orleans
jazz, produzindo então uma música mais clara e menos densa. Isto contribuiu
para que se desenvolvesse uma característica que será crucial para o jazz: o
solo individual. Esta foi uma das inovações importantes para o jazz que
ocorreu neste período.

10
A medida em que o negro torna - se um profissional, ele sente também
a necessidade de se auto - afirmar perante a sociedade. Num momento em
que começa a desenhar - se a estrutura organizada de uma orquestra, é
através dela que o negro se impõe e percebe a sua importância dentro do
sistema, sendo através dos solos que ele expressa a sua individualidade. O
maior responsável por esta conscientização foi sem dúvida Louis Armstrong,
no qual falaremos mais adiante.
Uma outra preocupação constante é em relação ao aspecto técnico -
musical. Com o maior número de instrumentos nas orquestras, há um
interesse dos arranjadores em buscar novas harmonias; passa a ser quase
que um requisito básico ao músico saber ler partitura; as orquestras adotam o
saxofone que rapidamente toma uma posição de destaque; e em grande
parte isto se deve aos músicos brancos que tinham conhecimentos básicos
de música e leitura musical.
Entre os músicos brancos do estilo Chicago como o clarinetista e sax -
alto Frank Teschmaker, os sax - tenores Frankie Trumbauer e Bud Freeman,
os trompetistas Jimmy MacPartland, Muggsy Spanier, os bateristas Dave
Tough e Gene krupa, os clarinetistas Mezzrow e Benny Goodman, ninguém
representou melhor o estilo do que o trompetista Bix Beiderbecke. Bix foi o
primeiro músico maldito do jazz. Apesar de ser um jazzísta branco, Bix não
desfrutou do mesmo sucesso e reconhecimento que o trompetista Louis
Armstrong, embora tenha influenciado músicos modernos como Miles Davis e
Chet Baker.
Bix era descendente de imigrantes alemães e teve uma infância
normal. Estudou os princípios básicos da música, cantava no coro da igreja
luterana da cidade e o seu pai dirigia uma formação coral masculina. Bix tinha
muito interesse por música e se destacava perante as outras crianças, mas o
que realmente o fascinava era a música que ele ouvia dos “Riverboats” que
passavam no Mississípi. Quando ganhou o seu primeiro cornetim, Bix decide
ser músico e passa a andar com o seu instrumento debaixo do braço por
todos os lados.
Apesar de ter tido uma infância normal, Bix teve uma vida musical
trágica, nunca estava satisfeito com o que produzia, procurava a todo custo a
perfeição e isto o levou à morte aos 30 anos, alcoolizado. Com o seu sopro
lírico, Bix prenunciou um estilo do jazz que irá se concretizar na década de
50: o Cool Jazz. O seu interesse pelas concepções harmônicas de Debussy,
fizeram com que ele experimentasse muito ao piano chegando a escrever
algumas peças com títulos bastante contrastantes na época: Na névoa, Na
escuridão, entre outras.
Ele foi um músico branco de jazz que esteve muito próximo da música
de concerto, com alguns pesquisadores citando que Bix trouxe acordes
Debussyanos para o jazz. Este fato ainda será pesquisado, de forma que
segue apenas o comentário neste relatório.
Outro músico que apareceu nesta época foi Louis Armstrong,
considerado o primeiro embaixador do jazz no mundo. Vale a pena citar uma
frase de Dizzy Gillespie no festival de Newport em 1970, citado por Joachim
E. Berendt no seu livro “O jazz do Rag ao rock”, pag. 61:

“Nada foi tão importante em toda a história do jazz do que Louis


Armstrong. Se ele não tivesse existido nós também não existiríamos.

11
Eu quero agradecer aqui em público a Louis Armstrong, a razão da
minha vida”.

Dá para notar tamanha a importância de “Satchmo” (como era


chamado) para o jazz. Considerado pela crítica e pelos músicos como um
revolucionário, Armstrong realmente usou e abusou do seu talento e foi
praticamente a principal escola até a ascensão de Dizzy Gillespie no Bebop.

Louis Armstrong saiu de New Orleans em 1922 para trabalhar em


Chicago na orquestra de Joe “King” Oliver, a Creole Jazz Band. Em 1924,
deixa a orquestra e segue para New York onde começa a trabalhar na
orquestra de Fletcher Henderson. A sua influência nessa orquestra foi tão
decisiva que podemos dizer que foi a partir desta época que se iniciou o jazz
grande-orquestral. Satchmo trouxe a tradição do New Orleans para o estilo
grande-orquestral e que veio se caracterizar nos anos 30 com a era do swing.
A outra grande colaboração de Satchmo para o jazz, foi a invenção do
scat vocal6 e que se torna linguagem nas improvisações dos cantores
jazzísticos. Quem mais soube dominar a técnica do scat vocal foi sem dúvida
a cantora Ella Fritzgerald. Por razões de saúde, Satchmo passou a cantar
mais do que tocar o seu Trompete e esta contribuição foi fundamental pois a
letra das canções fizeram com que o jazz fosse mais longe, sobretudo em
países onde o jazz puramente instrumental não era muito bem assimilado.
Uma outra contribuição sua para a música americana foi escrito pelo
crítico Ralph Gleason na ocasião da sua morte, mas que merece ser mais
investigada, também citado por Joachim E. Berendt no seu livro Ö jazz do
Rag ao rock”, pag. 63:

“Ele fez uso da organização musical européia - acordes, notação,


compassos e coisas assim - e acrescentou a ela ritmos das igrejas
dos negros, da música de New Orleans, empregou as blue notes,
mostrou como se cria e se altera relações entre os sons, fazendo
tudo isso com uma técnica incansável. Ele ensinou também a
transformar o blues e as folksongs em esqueletos para a improvi-
sação”.

O período que compreende o estilo Chicago, foi marcado pela


definição da linguagem jazzística nesta primeira fase do jazz, que vai até o
bebop.

1.4.4 Swing

Vimos até aqui um período de formação estilística do jazz, com os


seus principais colaboradores, alguns aspectos do seu desenvolvimento e
relatando paralelamente a situação do negro na sociedade americana. Sobre
este bloco que compreende a década de 30, não pretendo me estender por
demais, dando ênfase às principais características do estilo e a alguns relatos
sobre os principais músicos. Um outro aspecto importante que deve ser
6
Scat vocal é um tipo de onomatopéia jazzística, ou seja, canto sem palavras com uso obrigatório de
sílabas com efeito puramente sonoro (ba da ba bu dê dá etc).
12
observado, diz respeito às divisões por décadas para cada estilo. Devo dizer
que não necessariamente cada estilo tenha durado uma década; se o
Ragtime surgiu no início do século, isto não quer dizer que com o
aparecimento de outros estilos ele deixasse de ser executado. A separação
dos estilos por décadas é apenas para se ter uma visão mais definida da
evolução do jazz. Este período de dez anos compreende o nascimento e o
auge da vitalidade e força expressiva de cada estilo.
O termo swing quer dizer balanço, sincopa e na década de 30 foi
sinônimo de sucesso comercial também, liderado por Benny Goodman, “The
king of swing”. Este estilo surgiu com a imigração de músicos com
experiência nos dois últimos estilos do jazz, o New Orleans e o Chicago, para
New York. Esta cidade oferece novas perspectivas de trabalho aos músicos
devido ao surgimento de novas orquestras, e mesmo porque Chicago já
estava entrando em crise, a polícia queria acabar com os gangsters que de
certa forma mantinham a vida noturna da cidade.
A “Era do swing” corresponde à “Era das big bands” e surge com uma
característica que se tornou primordial ao jazz: a passagem do chamado Two
beats jazz para Four beats jazz. O compasso de “two beats jazz” era
composto de duas batidas fortes nos tempos 1 e 3; o “four beats jazz” é a
característica predominante do swing e corresponde a uma batida regular nos
quatros tempos do compasso sendo que o segundo e o quarto tempo são
levemente mais acentuados. Louis Armstrong já havia atacado em pleno
Chicago com o “Four beats jazz”, tendo prenunciado o estilo alguns anos
antes mas que só veio consolidar mesmo na década de 30.
Passa a existir nesta época uma valorização do toque individual e os
arranjadores procuram escrever uma música cada vez mais pessoal. Por esta
razão, os anos 30 foram a época dos grandes solistas como: Coleman
Hawkins, Chu Berry, Lester Young - (sax tenor); Bunny Berigan, Rex Stewart
e Roy Eldridge - (trompete); Benny Goodman - (clarineta); Gene Krupa, Cozy
Cole e Sid Catlett - (bateria); e dos grandes arranjadores como Fletcher
Henderson, Count Basie e Duke Ellington. Entre o os solistas, dois deles
vieram a influenciar diretamente dois pilares do bebop: Lester Young e Roy
Eldridge influenciaram de forma bastante considerável os boppers Charlie
Parker e Dizzy Gillespie, respectivamente. Mas as principais estrelas desta
época foram mesmo os arranjadores. Eles buscavam algo novo, algo
pessoal, que pudesse ser distinguido de qualquer outro arranjador. Entre
eles, Count Basie e Duke Ellington foram os que mais souberam explorar um
estilo pessoal na escrita. O pesquisador Jean Wagner escreveu no seu livro
“O guia do jazz”, pag. 80, uma comparação notável entre os dois
arranjadores:

“Para utilizar um termo de comparação, o elemento essencial


em Count Basie é a própria orquestra, máquina espantosa que,
mesmo quando modificada pelo seu chefe, é a personalidade
dominante da obra musical. O elemento essencial em Ellington
é primeiro que tudo o Duke, utilizando a sua orquestra como um
verdadeiro instrumento individual, modificando os arranjos se por
acaso um músico não estava disponível, considerando que X não
tem o mesmo som que Y, apesar de tocarem os dois trombone”.

13
Em cima desta busca , o jazz conhece uma nova sonoridade, novas
harmonias e encadeamentos harmônicos, sendo Duke Ellington a principal
fonte. Paralelo a estes que realmente merecem considerações pelas
colaborações dadas ao jazz, existiram também os que souberam usufruir do
grande sucesso desta época e fizeram sucesso com uma música nem
sempre condizente, sendo criticada e até mesmo rejeitada por alguns
músicos. O critico alemão Adorno foi quem mais combateu essa música, não
só essa mas qualquer outra que se entenda como música popular, alegando
que num país que se dizia altamente democrático, a ditadura existia em
forma de cultura de massa, indústria cultural.6a No final dos anos 30, alguns
jazzmen inquietos dão sinais de um novo processo, de uma reviravolta no
jazz que irá abalar esta música para sempre, irreversivelmente, definindo
uma primeira etapa do jazz denominado de middle - jazz.
De todo os períodos do jazz neste primeiro momento, o swing foi sem
dúvida o de maior relevância, devido ao grande número, e ao mesmo tempo,
pela diversidade de talentos que surgiram para sempre no cenário do jazz.

2.0 O que é Bebop

O termo Rebop, que posteriormente passou a se chamar Bebop ou


simplesmente Bop, é uma expressão onomatopaico Gillespiana que se refere
a uma articulação usada em cima de uma intervalo que estava bastante
difundido na época, o de quinta - diminuta ( flated - fifth).7
O bebop veio a ser um divisor de águas no jazz, foi o período de
transição do middle - jazz para o modern - jazz . Não apenas subverteu as
leis musicais mas foi também uma tentativa de produzir algo que estivesse
fora do perigo de ser diluído pela corrente principal, de ser compreendido e
explorado como estava acontecendo com a música negra - americana do fim
da década de 30. O pesquisador Jean Wagner escreveu muito bem no seu
livro “O guia do jazz”, pag 112,a situação dos músicos de jazz mais novos, o
motivo real da inquietação:

“... a melhor maneira de ganhar a vida quando se é músico de


jazz, é pertencer a uma grande orquestra. (...)Musicalmente, a
grande orquestra tem para um jazzmen, sobretudo se este é novo,
um inconveniente enorme: raramente o músico pode aí tentar a
aventura. Faz ajuizadamente os solos que lhe destinaram, nos
sítios indicados na partitura em que o arranjador previu que o seu
canto seria ouvido. No resto do tempo, faz parte do grupo. (...), a
participação do indivíduo é reduzida ao mínimo.”

Havia nesta época um sentimento nacionalista muito grande, os


Estados Unidos tornaram - se o país mais rico do mundo, os negros mais
6a
Conclusão de um debate na aula de Música Popular Industrializada I, ministrada pelo professor José
Roberto Zan (UNICAMP), com o texto “Sobre música popular”, in COHN, Gabriel (Org.).
Sociologia: Theodor W. Adorno, Col. Grandes Cintistas Sociais, São Paulo, Ed. Ática, 1986.
7
Este intervalo já foi considerado por alguns autores como a terceira blue-note (as blue-notes
corresponde m ao terceiro e sétimo graus bemolizados dentro da chamada “escala de blues”),algo que
deve ser questionado pois o uso da flated-fifth no bebop foi em decorrência das variações que os
boppers estavam experimentando, tanto no blues como nos standards.
14
velhos cultuavam esta extraordinária melhora, achavam ter conseguido um
lugar ao sol. Os negros mais novos sentiam - se encurralados, queriam
denunciar o “Tio-samismo” de alguns colegas, também músicos de cor, o
cinismo quanto à tolerância racial, aos direitos iguais a todos, o período pós -
guerra onde vários negros lutaram pelo país e perceberam que continuavam
na mesma situação de discriminação que antes, por isso e muito mais é que
houve uma imensa insatisfação e os artistas eram a “ponta-de-lança” deste
processo.
Henry Milton, músico que ocupava uma posição cômoda dentro do
círculo musical de New York por ter sido membro do sindicato, adquire um
espaço dentro do hotel Cecile para abrir uma casa noturna. Pretendia montar
uma sala exígua em que as pessoas ficariam forçosamente apertadas,
ouvindo boa música e saboreando boa comida, ainda que seus clientes
fossem, como sempre quis desde o início, principalmente músicos. Contrata
então um bom cozinheiro e Teddy Hill como produtor musical. Teddy, que já
estava cansado das grandes orquestras, resolve montar um pequeno grupo
para tocar na casa, permitindo assim que outros músicos pudessem subir ao
palco e dar uma canja.8 Estava pronto então o berço do bebop que foi
batizado como Milton’s Playhouse, em outubro de 1940.
Teddy Hill divide as responsabilidades com o baterista Kenny Clarke,
dando-o carta - branca para que ele montasse um pequeno grupo de quatro
ou cinco músicos.

“Eu escolhi para fazer minha estréia um pequeno grupo


composto por Thelonious Monk, que tinha apenas 20 anos e cujas
idéias iam na direção das minhas; um trompetista, Joe Guy, amigo
da época da orquestra de Teddy Hill; e um contrabaixista, Nick
Fenton. Achei que seria um grupo pequeno e bem agradável,
pronto para acompanhar os inúmeros músicos que não deixariam
de dar uma canja depois do trabalho. (...)”9

A fórmula deu certo pois como disse Kenny Clarke na mesma


ocasião, “Sempre se acerta ao atrair as pessoas pelo estômago”, e os
músicos nunca deixaram de freqüentar a casa. Mas o que mais despertava a
atenção de todos era a música que se tocava ali, os músicos tinham a
liberdade de tocar o que quisessem e todos queriam produzir naquele
momento o “próprio som”, tocar aquilo que realmente gostavam, como
explicou o pianista da casa Thelonious Monk:

“...no início, o Minton’s era uma gozação. Eu não me levava a


sério e tocava unicamente para relaxar. Uma porção de gente
vinha me ouvir, (...).10

8
Canja é uma expressão bastante usada pelos músicos para designar uma pequena participação de
algum músico com o grupo principal. Isto é muito comum com músicos de jazz..
9
Entrevista realizada por François Postif, jazz hot,, número 193, dezembro de 1963, citado em
BILLARD, François - No mundo do jazz, pag. 45 - São Paulo - Companhia das Letras - 1990.
10
Entrevista realizada por François Postif, jazz hot, número 186, abril de 1963, citado em BILLARD,
François - No mundo do jazz, pag. 45-46 - São Paulo - Companhia das Letras - 1990.
15
Este foi o ambiente propício para músicos que buscavam algo novo,
que queriam se aventurar com os seus instrumentos, experimentar novas
fórmulas, se arriscar, e logo alguns músicos começaram a se tornar
conhecidos como o guitarrista Charlie Christian, que morreu aos 21 anos, o
sax-alto Charlie Parker, o trompetista Dizzy Gillespie, o pianista da casa
Thelonious Monk, o baterista da casa Kenny Clarke, sem contar com a
presença de alguns músicos consagrados como Roy Eldridge e Coleman
Hawkins.
Algumas das principais modificações do bebop foi em relação à seção
rítmica. Em primeiro lugar, este termo “seção rítmica” perdeu o sentido no
jazz moderno, os instrumentos que formavam a “seção rítmica” adquirem
uma outra função e passam a ter uma participação mais coesa e mais
integrada dentro do grupo. Dizzy Gillespie atribui a paternidade dessa
dissociação ao baterista Kenny Clarke.

“Por volta de 1940, o modo de tocar bateria era, em geral,


pesado demais para acompanhar sistematicamente o baixo e o
piano e criar de fato uma seção rítmica coerente. Os bateristas
tinham o costume de bater como surdos. Creio ter sido um dos
principais a sentir a necessidade de tornar essa maneira de tocar
mais leve, de modo a incorporá - la mais facilmente à rítmica.
Imagino que esse modo de tocar com muita força veio do uso da
tuba nas primeiras orquestras de jazz: para que toda a orquestra
mantivesse a estabilidade do andamento, era indispensável fazer
ouvir um outro instrumento possante, de modo que os tempos
fossem pontuados sem serem cobertos pelo resto da orquestra. A
tuba era o instrumento sonhado. Mas é muito difícil tocar forte e
“pizzicato” na tuba: para se fazerem ouvir, as notas tem que ser
longas. Essa maneira da tuba de marcar o tempo tornou, para o
baterista, obrigatório pontuar, o que se transformou
insensivelmente em estilo. Depois, quando Duke Ellington
introduziu o contrabaixo na orquestra, (Duke foi o primeiro a usar
um contrabaixo numa orquestra de jazz)este se tornou um
instrumento de tempo, obrigando o baterista a tocar de maneira
mais leve e mais complementar. Se ele continuasse a tocar como
antes, isto é, imitando a tuba, as duas vozes, baixo e bateria, não
teriam se fundido e o equilíbrio seria ruim”.11

Apesar do negro americano já ter rompido com os seus ancestrais


africanos quando ele se enquadrou dentro dos compassos, paradoxalmente
ele também não se encontrava à-vontade dentro dessa estrutura rígida.
Surgiu uma dialética entre o molde e a moldura e até hoje não está desfeita,
mas o negro acabou aceitando os compassos como estrutura em que
pudessem encaixar os desenhos sucessivos de suas concepções,
experimentando de várias formas um modo de acomodar - se entre as barras
de divisão.
A continuidade rítmica, antes exercida na era do swing, passa a ser a
função de contrabaixo num tipo de “levada” que se tornou conhecida como
11
Entrevista realizada por Franços Postif, Jazz Hot,número 193, dezembro de 1963, citado em
BILLARD, François - No mundo do jazz, pag. 74-75 - São Paulo - Companhia da Letras - 1990.
16
walking bass. O contrabaixo além de dar uma continuidade rítmica, “dita” a
harmonia substituindo uma função do piano. Este por sua vez, torna - se
mais percussivo, extraindo mais acordes do que acompanhamento,
dialogando todo o tempo com o solista, frase por frase, característica que
também se aplica ao baterista e consequentemente ao baixista. Esta
aparente complexidade na verdade é uma simplificação, evitando que os
instrumentos dobrem as partes e ao mesmo tempo fiquem livres para um
diálogo entre si, havendo uma total convergência de idéias no grupo.
O bebop foi antes de tudo um resultado de encontros privilegiados
onde poucos entenderam na época o que estava se passando,
principalmente os críticos (todos brancos por motivos óbvios), mas isto não
perturbava os seus principais seguidores e pesquisadores. Músicos como
Thelonious Monk, Dizzy Gillespie e Charlie Parker já foram citados como
tendo afirmado, em várias ocasiões: “Pouco me importa se escutam ou não a
minha música”, revelando a vontade de descobrir algo sem limite, superando
a si mesmo a cada dia.
Os três personagens principais do bebop voltaram - se para a
valorização do material harmônico e melódico, como citou o trompetista
Dizzy Gillespie:

“... alguns de nós passamos a jamear12 no Minton’s no começo


dos anos 40. O problema é que apareciam por lá uns caras que
não sabiam tocar e gastavam um tempo enorme para provar isso
no palco. Assim, nas tardes de uma jam-session, Thelonious Monk
e eu começávamos a bolar algumas variações de acordes mais
complicados e outros macetes e usávamos isto à noite para
afugentar os caras sem talento. Com o tempo, fomos ficando cada
vez mais interessados musicalmente naquilo que fazíamos e,
quando exploramos mais fundo a coisa, nossa música evolui.”13

Essa evolução a que se refere Dizzy Gillespie está associada antes


de tudo a uma outra questão: os boppers foram os primeiros a abandonar a
prática da improvisação tradicional, que se constituía em variações sobre os
temas melódicos. Deixaram de improvisar “horizontalmente” passando a
improvisar “verticalmente”, baseando - se nos acordes, não mais se
preocupando com a melodia principal criando, de modo geral, uma melodia
totalmente nova. Deve - se ressaltar também que o tema principal não se
tornou um pretexto para a improvisação, havia a preocupação quanto à
interpretação, como na gravação de “Laura” onde Charlie Parker é
acompanhado por um naipe14 de cordas (além do piano, guitarra,
contrabaixo e bateria), gravado em 24 de março de 1951, em New York.
Com a interação de todos os instrumentos do grupo, uma espécie de
convergência instrumental, a música soava como uma aglutinação perfeita
de sons, inseparáveis e insubstituíveis, a melodia, em certo sentido, eram
extensões mais fluentes das porções rítmicas da música e vice - versa.

12
Jamear vem dotermo jam, usado na expressão Jam-session que significa uma sessão de improvisação
onde participa voluntariamente qualquer músico.
13
Roberto Muggiati, Bebop - A evolução do jazz moderno em O que é jazz, pág. 72.
14
Naipe é um termo usado pelos músicos para desiginar um grupo de instrumentos específicos. Ex:
naipe de saxofones, naipe de metais, etc.
17
Todas estas mudanças, acabaram desvinculando os boppers dos padrões
dos standards (no que diz respeito à harmonia, não à forma), e passaram
então a buscar novas variações harmônicas, novos encadeamentos, um
novo colorido afim de poder aumentar a quantidade de idéias musicais na
improvisação, descobrir um outro tipo de fraseado, ou seja, buscar uma outra
alternativa de aventura musical. A princípio, os standards foram sendo
rearmonizados, foram - se colocando acordes até então estranhos para a
época (acordes de passagens, dominantes substitutos) e como lembrou
Dizzy Gillespie na passagem anterior, os “caras” que não perceberam as
mudanças que estavam ocorrendo, perdiam um longo tempo em
improvisações sobre um tema, standard conhecido mas já rearmonizado, e
que soava bastante estranho para quem não estivesse preparado, causando
muitas vezes, bastante constrangimento para os solistas mais desavisados.
Vários temas foram criados a partir das rearmonizações, assim como,
a partir de uma harmonia conhecida, harmonia de algum standard, foram
criados outros temas como: Hot house (What is this thing called love), Salt
peanuts (I got rhythm), Groovin’ high (Whispering), Ko-Ko e Warming up a riff
(Cherokee), Ornithology (How high the moon), Donna Lee (Indiana), Scrapple
from apple (Honeysuckle rose), entre outros. Não só os standards foram
rearmonizados mas o blues também, e de uma forma bastante significante
ao bop, sendo Charlie Parker o principal músico desta mudança.15 Entre as
suas composições, algumas como: Cool Blues, Relaxin’ at Camarillo, Bongo
bop, Buzzy, Cheryl, Bird feathers, Perhaps, Barbados, Parker’s mood; nota -
se claramente a sua formação bluesística aliada a um grande senso de
mudança, de inquietação, que se verifica no seu fraseado.
O bebop levou bastante tempo para ser assimilado, vários músicos
consagrados não entenderam à “primeira-audição” o que estava por surgir,
como foi o caso do trompetista Louis Armstrong:

“Isso não tem nada a ver com jazz. Isso é música de chinês”.16

Mas esta declaração foi desfeita mais tarde e os dois trompetistas


revolucionários, Dizzy Gillespie e Louis Armstrong, chegaram a gravar um
programa juntos, onde eles cantam e improvisam com os seus instrumentos.
Ainda assim será preciso esperar até 1944 para que o primeiro grupo
entitulado bop consiga se apresentar profissionalmente ao público, sendo o
grupo liderado por Dizzy Gillespie, trompete; Don Byas, saxofone tenor;
George Wallington, piano (o único que era branco); Oscar Pettiford,
contrabaixo; e Max Roach, um virtuose na bateria. Esta acabou sendo a
formação tradicional dos grupos de bebop ( trompete + saxofone + piano +
contrabaixo + bateria ). O tema era exposto e reexposto pelo trompete e pelo
saxofone com a abertura em oitavas; geralmente o sax fazia os seus
choruses de improvisação, seguido pelo trompete e pelo piano, retornando

15
Devo esclarecer que apesar do universo harmônico no middle-jazz contar com uma relativa
estabilidade, existiram alguns artistas de espírito inquieto que tinham habilmente explorado várias
possibilidades de encadeamentos e acordes, prenunciando a harmonia moderna, mas foi no bebop que
essas incursões dos jazzistas se reuniram em um sistema.
16
Citação feita pelo jornalista Rogério Coimbra numa crítica ao III Festival de Jazz de Vitória/ES, à
revista Você, no.6, dezembro de 1992.
18
no fim das improvisações ao tema. Ainda não existia nesta época a prática
da improvisação da bateria e do baixo.
O grupo se apresentou no Onyx Club e teve uma vida breve, pois
não era uma tarefa fácil fazer com que esta música se tornasse atraente aos
ouvidos dos leigos que já estavam acostumados ao balanço regular do
swing. Uma música com características camerísticas, sendo tocada num club
da 52’ street, point noturno em NY na época, onde não se permitia um
crooner cantar e nem mesmo as pessoas dançarem, haja visto que os
boppers tocavam numa velocidade absurda nas fast bop (o andamento podia
chegar a 360 com oito colcheias por compasso), e sendo bem mais lento
que os tradicionais nas baladas, o bop não tinha os pré-requisitos
necessários para o sucesso popular. Credita - se muito às gravações feitas
nos primeiros long-plays de 33 1/3 polegadas (que começavam a substituir
os discos de 78 rotações) pela difusão do bop, e principalmente a uma
roupagem bopper dada aos standards conhecidos do grande público.
Apesar de Dizzy Gillespie e Charlie Parker ( mais conhecido como
Bird ) terem sido os dois grandes do movimento, sendo este último o mais
talentoso de todos, eles só foram se encontrar frente a frente em 1945
perante um contrato. Eram pessoas totalmente diferentes: Jonh Birks
Gillespie nasceu na Carolina do Sul em 1917. Fez estudos musicais sérios
começando pelo trombone e depois optando pelo trompete. Em 1935, já na
Filadélfia, estréia profissionalmente na orquestra de Frankie Fairfax e
depressa nota - se o seu virtuosismo e talento. Gillespie se diferencia dos
outros trompetistas da época por estar mais próximo do estilo de Roy
Eldridge, e não ao de Louis Armstrong. Roy foi sem dúvida a maior influência
para Dizzy e isto é relativamente fácil de ser percebido, até mesmo no
momento auge do bebop, com o timbre parecido mas se diferenciando no
fraseado. Gillespie sempre foi um cara muito organizado e preocupado com
o trabalho musical, tinha um interesse enorme pela harmonia e praticava
piano assiduamente. Apesar de ter uma postura bastante lúcida e
equilibrada, era ao mesmo tempo um brincalhão, com um incrível senso de
humor, totalmente extrovertido, ditando uma moda que se tornou a moda
bopper 16a e que passou a identificar todos que seguiam o movimento ou
que queriam estar por dentro. Foi uma figura fantástica com uma incrível
personalidade que influenciou várias gerações de músicos.
O inverso de Dizzy Gillespie foi Charlie “Bird” Parker. Foi marcado
pelo gênio e pela maldição. Nasceu em Kansas City, em agosto de 1920,
cidade onde se forjou a mais equilibrada música do middle - jazz, a de Count
Basie. Bird foi criado pela mãe, aprende música muito novo e já começa
nesta época a vaguear pelos locais onde se toca jazz; tem o seu primeiro
contato com o blues e com as drogas (causa da sua morte). Lester Young,
músico da orquestra de Basie vai ser a sua principal influência durante o
tempo em que está desenvolvendo o seu próprio estilo. A sua genialidade
permitiu que ele desenvolvesse técnicas de uma tal complexidade que ouve

16a
Bopper significava algum tipo de inconformismo social atribuível ao cenário americano geral, mas
aos inconformados brancos e não aos negros (O mesmo dos recentes beatnicks que surgiram nos
EUA). A moda bopper foi então uma adaptação da roupa que Dizzy Gillespie usava, que nada mais era
do que uma versão pessoal de um tipo elegante de roupa urbana dos negros (óculos com armação de
tartaruga, uma boina, um cavanhaque e às vezes ternos ridiculamente cheios de dobras e pregas). Este
era o padrão de um jovem bopper.
19
uma época que se dizia que depois de ouvir Parker, já não era mais possível
tocar saxofone da mesma maneira. Parker mantém - se ansioso em poder
tocar com músicos de jazz e aos quatorze anos lança - se numa aventura
que iria mudar a sua vida profundamente:

“Eu imaginava saber tocar saxofone! Tinha feito escalas e


aprendido a tocar duas músicas numa certa tonalidade, em ré.
Também sabia os primeiros compassos de “Lazy river” e
“Honeysickle rose” por inteiro. Nunca, porém, me passou pela
cabeça tocar em outras tonalidades ou algo do gênero. Peguei
então meu sax e fui a essa boate, onde tocava um bando de caras
que eu já tinha visto no pedaço. A primeira coisa que atacaram foi
“Body and Soul”, e eu me pus a tocar meu “Honeysickle rose”...
Foi uma cacofonia pavorosa! Saí do tablado debaixo de
gargalhadas. Eles riam tanto que fiquei magoadíssimo”.17

Parker se isola de tudo e de todos, não se sabe direito onde foi o seu
esconderijo (existe na verdade muitas lendas a este respeito) e permanece
três anos neste seu retiro. Aos 19 anos, Parker já possuía um estilo
altamente pessoal que já prenunciava o novo jazz. Ele voltou a aparecer no
cenário musical primeiramente em Kansas City e no início dos anos 40 já
estava instalado em NY. Com uma técnica impressionante, onde aliava
agilidade, velocidade e um fluxo constante de idéias, Parker praticamente
desmonta os standards com os seus solos, deixando todos atônitos. A
reação de Dizzy quando ouviu Bird pela primeira vez se resume em quatro
palavras: “Este é o cara!”18
O seu envolvimento com o álcool, as drogas, o relacionamento
complicado com as mulheres, empresários e músicos fizeram com que Bird
morresse antes dos 35 anos, aparentando mais de 60 anos.19
Apesar dos dois músicos não se relacionarem bem fora do palco,
mantendo distância um do outro, evitando até de se falarem, a contribuição
deixada por eles é simplesmente espetacular. Em apenas cinco anos, de 44
a 49, o bebop desencadeou enormes transformações no cenário musical e
mais tarde, os sociólogos o relacionaram também com as mudanças no
aspecto cultural da sociedade americana. Foi portanto um período de muita
importância para a música popular americana e para a música de outros
países também, principalmente os europeus que adotaram o jazz como a
segunda música.

3.0 As concepções harmônicas

17
Jazz Magazine, número 285, julho-agosto de 1972, citado em BILLARD, François - No mundo do
jazz, pag. 182-183 - São Paulo - Companhia das Letras - 1990.
18
Entrevista realizada durante o Free jazz in Concert, realizado no Brasil em 1992, exibido num
programa de televisão chamado Free jazz in Concert, Rede Manchete de televisão.
19
Existem vários documentários sobre a vida de Parker, inclusive um filme realizado em Hollywood,
denominado Bird, direção de Clint Eastewood, que mostra de maneira clara o seu drama pessoal, a sua
luta contra a morte, marcado pela maldição.
20
3.1 A evolução da harmonia no jazz

Para o presente estudo, iremos abordar as progressões harmônicas a


partir do estilo New Orleans. Apesar do Ragtime, estilo que precede o New
Orleans, ser considerado para efeitos didáticos, como um dos precursores
do jazz, no que diz respeito ao material musical, o Ragtime não evoluiu.
Tornou-se um estilo bastante sintetizado e estático às mudanças, além de
não ter existido a improvisação nesta época, item primordial para a evolução
e caracterização do jazz.
A evolução da harmonia no jazz, no período que compreende os
estilos New Orleans, Chicago, Swing e finalmente o Bebop (1910 - 1950),
ocorreram com o mesmo empirismo e experimentalismo que levou os
eruditos às suas soluções. Esta observação pode ser feita a partir das
análises sobre as progressões harmônicas de algumas músicas que
compreenderam e caracterizaram os estilos.
As progressões que foram escolhidas para servirem de exemplo,
foram retiradas de Real Books e Fake Books20 piratas, mas que são
comumente usados nas escolas de jazz e que contém um vasto número de
temas de jazz, blues e música popular americana. Houve uma certa
dificuldade em distinguir os temas de acordo com os seus estilos,
principalmente durante a transição New Orleans - Chicago, haja visto que
nem todos os temas continham informações suficientes e necessárias para
que se pudesse fazer comparações e definições.
As análises foram feitas de maneira bastante simples, apenas
enumerando o grau do acorde dentro da tonalidade, de forma que se
pudesse observar as mudanças que ocorreram na harmonia durante o
transcorrer dos estilos. Deve-se observar também que não foram colocadas
as tonalidades das músicas que não continham modulações, o que não quer
dizer que se produziam músicas em todas as tonalidades. Este assunto será
melhor comentado durante as análises dos estilos.

3.1.1 - O estilo New Orleans

O estilo New Orleans foi bastante caracterizado pelo uso das tríades
(maiores, menores e diminutas) e dos acordes de sétima da dominante.

Ex. 1

“Dippermouth Blues” autor não identificado

I / IV7 / I / I7 / IV7 / IV7 / I / I / V7 / V7 / I / I //


Ex. 2

“Blues”

20
Real Book e Fake Book são publicações,que podem ser editadas ou piratas, que contém quase toda a
obra da música popular americana.
21
I7 / IV7 / I7 / I7 / IV7 / IV7 / I7 / I7 / V7 / IV7 /
I7 / I7//

Apesar da progressão no exemplo 1 possuir a mesma estrutura do


Blues (Ex. 2), o que a caracteriza como uma música deste período é a sua
formação instrumental. Como já foi citado anteriormente, os bluesmen já não
eram mais capazes de fazer uma multidão dentro de um bar dançar a noite
inteira, justamente pelo tipo de formação instrumental que compunham.
Desta forma, os jazzmen (ainda não existia tal denominação) que já haviam
adotado a corneta (posteriormente substituído pelo trumpete), o trombone, o
contrabaixo ou a tuba (preferencialmente), a guitarra ou banjo e a bateria,
passaram a tocar vários temas de blues com esta nova formação.
O blues sempre esteve presente no jazz, apesar de ter seguido um
caminho paralelo. Os jazzistas se utilizaram intensamente da sua forma para
desenvolverem outras cadências harmônicas, mas sempre mantendo o
contexto bluesy.
O exemplo seguinte (Ex. 3), segue a progressão usada numa música
de “Jelly Roll” Morton, o principal músico deste período. Note-se que os
acordes usados na progressão são essencialmente tríades, com exceção dos
acordes com sétima da dominante:

Ex. 3

“Milenburg Joys” by Walter Melrose, Leon Roppolo, Paul Mares, “Jelly Roll”
Morton

I / I / I / I / I / I / V7 / V7 / V7 / V7 / V7 / V7 / V7 /
V7 / I / I / I / I / I / I / I7 / I7 / IV / IV / IV / #IV° /
VIm / VI7 / II7 / V7 / I / I //
As cadências conhecidas na harmonia funcional como II V I (251), que
preparam para a resolução no grau I21, ainda não estava sendo usada. As
formas de resolução para um acorde ocorriam apenas com os acordes
dominantes, estes poderiam vir precedidos por um outro acorde dominante,
como ocorre no exemplo acima (VI7 II7 V7 I) .
Uma outra questão é em relação ao grau #IV°. Não há uma explicação
plausível para o uso deste acorde dentro do contexto em que está inserido. A
interpretação que poderia ser feita ao acorde, talvez fosse como um diminuto
de passagem, mas não é o caso.
O exemplo 4 trata-se de uma música que se tornou um standard de
jazz, e a sua progressão harmônica também é característica da época:

Ex. 4

21
A cadência II V I não necessariamente resolve no primeiro grau da tonalidade. A referência dos
graus II e V é sobre o acorde de resolução, que pode ser um outro grau dentro da tonalidade.
22
“High Society” autor não identificado

I / I / I / I / I / I / I / I VIm bIII° / V7 / V7 / I / I /
IIIm / II7 / V7 / V7 / I / I / I / I / I / I / I / I / IV / IV7 /
I / VI7 / II7 / V7 / I / I / I / I //
Observa-se ainda neste exemplo que o tipo de progressão usada para
resolver a tônica, é semelhante ao exemplo anterior. Usa-se o ciclo de
quartas com acordes dominantes.
A influência do blues nas progressões são claras, o número de
compassos repetitivos sobre o grau I e o grau V7 evidenciam o fato.

3.1.2 - O estilo Chicago

Apesar de existir questionamentos sobre a autenticidade do período


que corresponde ao estilo Chicago, (haja visto que a música produzida nesta
época era muito próxima ao estilo New Orleans e ao Dixieland), no que diz
respeito `a harmonia, houveram mudanças.
Na década de 20, Chicago já estava marcada por ser a capital do
crime. Havia nesta época uma vida noturna muito intensa, e todos as boites e
dancings exigiam música. Não demorou para que Chicago se torna-se
bastante atraente para os músicos, que vinham de vários lugares do país,
principalmente do sul dos EUA. Chicago ficou também conhecida por ter sido
o primeiro grande centro de jazz dos EUA.
Com o maior número de músicos e de instrumentos nas orquestras,
passa a existir por parte dos arranjadores, um maior interesse em buscar
novas harmonias e conseguir outras sonoridades. Essa busca trouxe
consideráveis mudanças na harmonia, como veremos a seguir:

Ex. 5

“Sweet Sue” by Victor Young

III7 bIII° / / IIm7 IIφ / V7 / IIm7 IIφ / V7 VIIφ / I6 /


I6 / I6 / I6 IIIm7 bIIIm7 / IIm7 IIφ / V7 /
IIm7 bIIφ / V7 / I6 / I6 / I6 / I6 / I6 / IIIm7 / IIIφ /
VI7 / IIm7 / IIm7 / IIφ / V7 IIIm7 bIIIm7 /
IIm7 IIφ / V7 / IIm7 IIφ / V7 / I6 / IV7 / I6 / I6 //
Esta progressão já nos traz uma maior diferenciação na qualidade dos
acordes. Os acordes de quatro sons passaram a ser constantes nas
progressões, e o ciclo de quartas com acordes dominantes que resolviam na
tônica, foi substituído pela cadência II V I (251), embora ainda de maneira
estendida. Usa-se bastante o acorde meio-diminuto como extensão do II que
caminha para o V.

23
O ritmo harmônico também foi alterado, o número de acordes em
relação ao número de compassos aumenta consideravelmente.
Sabemos que as mudanças ocorridas na harmonia não aconteceram
rapidamente, o exemplo acima demonstra uma progressão bastante
avançada para o estilo, apesar de ainda pertencer a esta época. No exemplo
abaixo, teremos uma progressão que começou a ser usada no início do estilo
Chicago, e que foi como uma espécie de ponte entre o New Orleans jazz e o
Chicago jazz, além de servir de base para o desenvolvimento da harmonia
desta época.

Ex. 6

“I wish I could shimmy like my sister Kate” by Armand J. Piron

V7 / V7 / I6 VIm7 / I6 #I° / V7 / V7 / I6 / I6 #I° /


V7 / V7 / I6 / I7 / IV6 #IV° / VIm7 VI7 / II7 V7 /
I6 VI7 / II7 V7 / I6 //
Esta progressão mostra que, apesar de pertencer ao estilo Chicago,
ainda mantém quase todas as características do estilo New Orleans. A
progressão que resolve a tônica continua sendo o ciclo de quartas com
acordes dominantes, e o acorde com o grau #IV° mantém-se inalterado.
Apesar da semelhança, nota-se uma maior quantidade de acordes na
progressão, e o aparecimento de mais um tipo de acorde: o #I°.
Esta progressão foi usada no início do período que compreendeu o
estilo Chicago, e serviu como base para o desenvolvimento harmônico do
estilo.
A seguir, teremos uma comparação das principais mudanças ocorridas
neste período de transição:

3.1.3 - Transição New Orleans-Chicago

Principais mudanças ocorridas na harmonia durante a transição New


Orleans-Chicago:

1- O abandono do sistema triádico em favor dos acordes de 4 sons;

New Orleans Chicago


Tríades Maiores Ac. Maiores c/ 6a
Tríades menores Ac. menores c/ 7a menor
Tríades diminutas Ac. c/ 7a dim. e meio dim.

2 - Desuso da II7 (preparação para o V7 no estilo New Orleans), em favor do


IIm7;

2 - Uso dos acordes diminutos e meio-diminutos como extensão dos graus da


tonalidade.

24
3 - As tonalidades de Dó, Sol, Fá, Si bemol e Mi bemol, que eram comumente
usadas no New Orleans jazz, foram ampliadas durante o período do Chicago
jazz, com a inclusão das tonalidades de Lá bemol, Ré bemol e Ré.

4 - Mudança no ritmo harmônico, que tende a dobrar no estilo Chicago.

3.1.4 - O estilo Swing

O período que compreendeu o estilo swing foi muito importante para a


consolidação das Big Bands. Foi nesta época que se definiu a forma e
estrutura das Big Bands, cujo o modelo vem sendo utilizado até os dias
atuais.
A busca por uma sonoridade pessoal em uma Big Band, fizeram com
que os arranjadores buscassem novas alternativas musicais. Não só o
aspecto harmônico foi desenvolvido, mas o orquestral também. Várias
combinações de instrumentos foram usadas, nem todas bem sucedidas,
numa tentativa de dar personalidade aos arranjos produzidos.
Entre os grandes arranjadores que surgiram nesta época, o que mais
produziu em termos de arranjo, composição e sonoridade foi sem dúvida
Duke Ellington. A sua produção musical foi de vital importância ao jazz,
grande parte das suas composições tornaram-se standards, além de terem
contribuído para a evolução da harmonia. O trumpetista Miles Davis resumiu
muito bem a importância de Duke Ellington no jazz:

“Acho que todos os músicos de jazz deveriam juntar-se algum dia


e cair de joelhos para agradecer a Duke”.22

A seguir, teremos alguns exemplos de progressões que contém


algumas das principais mudanças ocorridas na harmonia:

Ex. 7

“Whispering” by Jonh Schonberger, Richard Coburn, Vicent Rose

I6 / I6 / bVm7 / VII7 / I6 / I6 / bVII7 / VI7 / II7 /


II7 / V7 / V7 / I6 / IIIm7 bIII° / IIm7 / V7 / I6 /
I6 / bVm7 / VII7 / I6 / I6 / bVII7 / VI7 / II7 / II7 /
V7 / V7 / IIm7 / V7(b9) / I6 / I6 //
Observa-se na progressão uma maior coerência nas cadências. A
cadência II V I (251) passa a ser usada como preparação para a resolução da

22
Citação feita pelo jornalista Rogério Coimbra numa crítica ao III Festival de Jazz de Vitória/ES, à
revista Você, no.6, dezembro de 1992.
25
tônica, acordes de empréstimo modal23 são inseridos à progressão, acordes
de 5 sons passam a ser usados com as alterações ocorrendo sobre os
acordes dominantes.

Ex. 8

“Tea for Two” autor não identificado

(Ab) IIm7 V7 / IIm7 V7 / I7M VIm7 / I7M bIII° /


IIm7 V7 / IIm7 V7 / I7M / I7M // (C) IIm7 V7 /
IIm7 V7 / I7M VIm7 / I7M bIII° / IIm7 V7 /
IIm7 V7 / I6 // (Ab) V7 / IIm7 V7 / IIm7 V7 /
I7M VIm7 / I7M bIII° / IIm7 V7 / IIm7 V7 /
IIIφ / VI7 / IIm7 bII° / IIm7 VI7 / #I° IIm7 /
bVφ IVm6 / VIm7 bIII° / VI7 / IIm7 bII° /
IIm7 VI7 /#I° IIm7 / bVφ IVm6 / VIm7 bIII° /
IIm7 V7 / I6 / I6 //
No exemplo acima, identificamos o uso intenso da cadência II V I
(251), além de ocorrer também as primeiras modulações para os tons
distantes24 à tonalidade.

Ex. 9

“Things ain’t What They Used To be” by Duke Ellington

I7 / I7 / I7 / I7 / IV7 / IV7 / I7 / I7 / IIm7 / V7 /


I7 bIII7 / II7 V7 / I7(#9) / I7(#9) / I7(#9) /
I7(#9) / IV7 / IV7 / I7 / I7 / IIm7 / V7 / I7 bIII7 /
II7 V7 //
Observamos no exemplo 9, que Duke Ellington usou como base da
sua progressão a forma de blues, mas com algumas alterações: dobra-se o
número de compassos. Ao invés dos 12 compassos tradicionais do blues,
Duke altera para 24; ocorre uma alteração na harmonia, onde é
acrescentado uma qualidade de acorde que até então não havia se usado: o
bIII7.

23
Acordes de Empréstimo Modal são acordes que provém do tom homônimo da tonalidade a que
pertence a música. (Ex: Dó Maior - tom homônimo → Dó menor).
24
Tons distantes são as tonalidades que não pertencem aos chamados tons vizinhos da tonalidade. Tons
vizinhos são os tons que caracterizam as principais funções da tonalidade (Tônica, Subdominante e
Dominante), e os seus respectivos relativos.
26
Será exposto agora, algumas das principais mudanças ocorridas na
harmonia durante a transição Chicago-Swing:

3.1.5 - Transição Chicago - Swing

1 - Observamos a emergência dos acordes cromáticos na harmonia, dentre


os quais podemos destacar: bVII7, bVm7, bVφ, bIII7;

2 - Começa a se usar acordes de 5 sons na harmonia, e ocorrem em grande


parte nos acordes dominantes;

3 - Aparecimento de modulações para tons distantes;

4 - Torna-se comum o aparecimento de músicas em todas as tonalidades.

3.1.6 - O estilo bebop

O swing foi quem propiciou o bebop. Foi também o período onde a


música negra americana foi reconhecida, ou seja, valia a pena investir para
se obter um retorno financeiro. Certamente não era um investimento dos
negros para com os negros, mas sim dos brancos sobre os negros. A idéia de
justiça para com os negros, ou seja, o reconhecimento do seu valor, na
verdade não se passava de plágio pois os arranjadores que se tornaram
sucesso perante o público e fizeram fortunas com esta música foram os
brancos.
As Big Bands, apesar de terem sido fundamentais para o
desenvolvimento do jazz, foram ao mesmo tempo um incômodo aos músicos,
principalmente para os mais jovens. O solo, a interpretação individual e a
improvisação sempre foram os elementos básicos do jazz, a forma essencial
do músico de jazz dizer alguma coisa. Esta necessidade do instrumentista em
buscar algo novo, em descobrir coisas novas, não aconteciam nas orquestras
de jazz. Todos os solos individuais eram demarcados na partitura de acordo
com a vontade do arranjador, de forma que o solista tinha que se enquadrar
dentro do momento pré-estabelecido.
O bebop surgiu como protesto a todas estas situações que estavam
ocorrendo com o jazz. Este sentimento de rebeldia, esta vontade de se
libertar das amarras ao qual estavam presos todos os músicos de jazz, fez
com que se desembocasse num estilo de música que iria mudar o panorama
do jazz. Não apenas a identidade musical foi alterada mas a identidade social
também, pois o negro deixa de ser uma peça da orquestra para se tornar
realmente a estrela. As características musicais do bebop como o virtuosismo
exagerado, os andamentos muitos rápidos, as alterações harmônicas
inesperadas e o fraseado tenso, eram formas de protesto, era uma garantia
de que a música que estavam produzindo não seria banalizada para ser
comercializada, mesmo porque era impossível de dançar, impossível de

27
cantar e até mesmo, muitas vezes impossível de ser copiada ou tocada por
outros músicos.
Levou-se muito tempo para que o bebop fosse entendido e
compreendido. Hoje está muito claro que ele foi um divisor de águas entre o
middle-jazz e o modern-jazz.
As progressões escolhidas como exemplo, fornecem as informações
básicas sobre a concepção harmônica do bebop, as suas principais
alterações e descobertas.

Ex. 10

“I can’t get started” by Veanon Duke

(C)I7M VIm7 / IIm7 V7 / VIIm7 III7 bVIIm7 bIII7/


VIm7 II7 bVIm7 bII7 / I7M VIm7 /
IIm7 V7(#9) / III7(b5) VI7(b5) /
II7(b5)V7(b5) / I7M VIm7 / IIm7 V7 /
VIIm7 III7 bVIIm7 bIII7/ VIm7 II7
bVIm7 bII7 / I7M VIm7 / IIm7 V7(#9) / I6 #I /
I6 I // (D) IIm7 V7 / bVφ IV° / IIIm7 IIm7 /
I7M I6 // (C) IIm7 V7 / bVφ IV° / IIIm7 bIII7 /
II7 bII7 / I7M VIm7 / IIm7 V7 /
VIIm7 III7 bVIIm7 bIII7 /VIm7 II7 bVIm7 bII7/
I7M VIm7 / IIm7 V7(#9) /// Coda / IIIφ /
VI7(b5) / IIφ / V7(b5) / I7M(b5) / I7M(b5) //

Foi transcrito o solo do Dizzy Gillespie sobre esta progressão (anexo


2), para que se observe a verticalidade da improvisação, uma das principais
características do bebop. A improvisação deixou de ser feita sobre o tema,
como era até então, e passou a ser executada sobre os acordes. Foi no
bebop que os solistas passaram a se interessar pelas progressões
harmônicas, e a partir daí buscar outras soluções harmônicas nos solos,
como veremos nas análises das improvisações de Charlie Parker.
Observa-se que o ritmo harmônico também foi alterado, com um maior
número de acordes, chegando a ter quatro acordes por compasso, e
lembrando que os andamentos eram muito mais rápidos. Esta alteração no
número de acordes, deve-se ao uso de clichês harmônicos que se tornaram
uma das principais, se não a mais importante, características harmônica do
bebop. Observa-se a presença de um destes clichês no terceiro e quarto
compasso desta progressão: VIIm7 III7 bVIIm7 bIII7 / VIm7 II7 bVIm7 bII7 /.
Nota-se também o uso abundante da quinta-diminuta nos acordes, que
foi o intervalo que caracterizou o nome bebop.

28
Ex. 11

“Webb City” By Bud Powell

I7M(6) #I°7 / IIm7 #II°7 / IIIm7 VI7 / IIm7 V7/


I7 I7(#9) / IV7 IVm6 / I7M(6) VI7 / IIm7 V7 /
I7M(6) #I°7 / IIm7 #II°7 / IIIm7 VI7 / IIm7 V7/
I7 I7(#9) / IV7 IVm6 / I7M(6) / I7 / IV7 / IV7 /
I7 / VI7(b13) / II7(#11) / II7(#11) /
V7(b9,b13) / V7(b9,b13) / I7M(6) #I°7 /
IIm7 #II°7 / IIIm7 VI7 / IIm7 V7 / I7 I7(#9) /
IV7 IVm6 / I7M(6) VI7 / IIm7 V7 //
O autor desta progressão foi o homem que ao piano, concorda em
espírito e em forma com o Charlie Parker. Teve uma influência enorme sobre
todos os pianistas que vieram depois, deixando um legado que se mantém
ativo até hoje. Teve uma vida trágica e morreu quase esquecido em New
York.
Em relação à progressão acima, observa-se um maior número de
alterações nos acordes, principalmente nos acordes dominantes, alterações
estas que até então raramente tinham sido usadas, como o acorde
V7(b9,b13). Os acordes diminutos já são usados de maneira mais
consciente, e nesta progressão eles tem a função de Diminutos de
Passagem, como ocorre nos três primeiros compassos da progressão: I7M
#I° / IIm7 #II° / IIIm7 VI7 /.
Um outro aspecto, se refere aos clichês harmônicos que foram muito
usados por Bud Powel. Estes clichês são ciclos de quartas, com as cadências
II V I (251), e que preparam para a cadência que resolve no primeiro grau,
como ocorre no terceiro e quarto compasso: IIIm7 VI7 / IIm7 V7 / I.

Ex. 12

“Pannonica” by Thelonious Monk

I7M / bIIIm7 bVI7 / IIm7 bVII7 / bIII bIII7 /


I7 bII7 / bV7M IV7(b9,b13) /
bIIIm7 bVI7 V7 / bII7M / I7M / bIIIm7 bVI7 /
IIm7 bVII7 / bIII bIII7 / bVI7 bII7 /
bV7M IV7(b9,b13) / bIIIm7 bVI7 V7 /
bII7M / Vm7 I7(b9) / Im7 IV7sus / bVsus /
VII7M / IIm7 V7(b9) / I7 Vm7 / VII7M III7 /
29
VI7 bVI7 V7(b9) / I7M / bIIIm7 bVI7 /
IIm7 bVII7 / bIII bIII7 / bVI7 bII7 /
bV7M IV7(b9,b13) / bIIIm7 bVI7 V7 /
IIm7 V7(b9) / bII7M //
Thelonious Monk foi um solitário musical, apesar de ter sido um dos
compositores mais originais e pessoal que o jazz conheceu, poucos seguiram
a sua linguagem. O seu estilo é difícil de ser analisado, os elementos se
enredam uns nos outros e de uma maneira bastante pessoal. A sua maior
influência musical foi sem dúvida Duke Ellington.
O seu tratamento harmônico é muito mais elaborado do que se julga,
como podemos observar no exemplo acima. As suas soluções harmônicas
baseavam-se nas dissonâncias, uma forma encontrada de afugentar os
solistas mais desavisados, principalmente os que gostavam de ficar tocando
todo o tempo nas jam-sessions, e em cima desta busca de construir novos
clichês harmônicos, Monk descobre um caminho próprio a ser seguido. Essa
característica pessoal de tocar e harmonizar, atraia a atenção também do
público, que passou a acompanhar o seu desenvolvimento e
consequentemente ao desenvolvimento do bebop, de uma forma
inconsciente, apenas como uma curiosidade, ou talvez.
Em relação à progressão anterior, Monk faz uma fusão de modos.
Trabalha-se com os acordes do campo harmônico dos modos maior e menor.
Essa forma de pensar na harmonia, era algo bastante sofisticado e que foi
resultado das pesquisas feitas sobre acordes dissonantes à harmonia. Está
presente também um tipo de clichê harmônico característico do bebop, que já
foi citado anteriormente no exemplo 10, mas com uma alteração que era
peculiar no estilo de Monk:
bIIIm7 bVI7 / IIm7 bVII7. Nota-se que este último acorde quebra a
continuidade do clichê, característica típica de Monk e que foi definido por
Michel-Claude Jalard como estética do descontínuo.25 Esta definição não se
aplica somente na harmonia, mas na parte rítmica também, numa estética do
suporte em falso.

Ex. 13

“Off Minor” by Thelonious Monk

Im7M / bV7 VII7 / IIIm7 VI7 / bVI7M V7 /


Im7M / bIII7(#11) / V7 / IIm7 V7 / Im7M /
bV7 VII7 / IIIm7 VI7 / bVI7M V7 / Im7M /
bII7(#11) / V7 / IIm7 V7 / bV7M V7M /

25
Citação feita por Jean Wagner, no seu livro “O guia do jazz - Iniciação á história e estética do jazz”,
pag.122.
30
bIIIm7 bVI7(#11) / IIIm7 / VI7 / VIm7 /
VIm7 II7 / IIm7 / V7 bIIm7 bV7 / Im7M /
bV7 VII7 / IIIm7 VI7 / bVI7M V7 / Im7M /
bIII7(#11) / V7 Im7M //
A progressão acima está no modo menor, mas observa-se a presença
de acordes do campo harmônico do modo maior: IIIm7, IIm7 V7. O título é
bastante ambíguo e nos leva a refletir sobre a intenção de Monk nesta
progressão, mas percebe-se `a primeira vista de que ele tinha plena
consciência do que estava fazendo.
Apesar de ter sido uma forma bastante sofisticada de construir uma
harmonia, esta não foi uma característica principal do bebop, era na verdade
uma linha de pensamento muito particular de Monk, e que apesar de ter sido
um dos pilares do movimento, seguiu o seu próprio caminho musical. No final
dos anos quarenta, quando o bebop já era irreversível e todos os jovens que
aderem ao jazz tem no ouvido a sonoridade de Charlie Parker, Monk sai de
cena numa busca do desconhecido, e que o deixou fragilizado e prostrado,
distanciando-se de tudo e de todos.

Ex. 14

“Monk”s Mood”

IIIm7 VI7 / bII7M / bIIφ bV7 /


V7M bII7 I7 VII7 bVII7 / VI7 bVI7 / bIII7 II7 /
bVIm7 bII7 / bIIm7 bV7 / IIIm7 VI7 / bII7M /
bIIφ bV7 / V7M bII7 I7 VII7 bVII7 /
VI7 bVI7 / bIII7 II7 / bIIm7 bV7 / I7M /
bVm7 VII7(b9) / bVm7 IVm7 / IVm7 bVI7 /
bIII7M / bVIφ V7M bV7 / VIIm7 III7(b9) /
IIIm7 IIm7 / bIIm7 bV7 / IIIm7 VI7 / VII7M /
IIφ bV7 / bVI I7M VII7M bVII7M / VI7 bVI7 /
bIII7 II7 / bIIm7 bV7 / I7M //
O exemplo acima nos traz um dado que foi muito característico do
estilo bebop: a substituição do quinto grau dominante pelo seu dominante
substituto. No terceiro e quarto compasso desta progressão, Monk abusa na
quantidade de dominantes substitutos, chegando a ter 5 acordes por
compasso, uma espécie de convenção rítmica mas feita com a harmonia: /
V7M bII7 I7 VII7 bVII7 / VI7 bVI7 /. Esta cadência se repete mais duas
31
vezes nesta progressão. Este tipo de cadência também está presente no dois
compassos finais de I can’t get started (Ex. 10).
O exemplo abaixo é uma rearmonização de I can’t get Started, feita
por Bud Powell, e que de uma certa forma se utiliza das principais mudanças
harmônicas que caracterizaram o bebop, que são elas:
- Mudança no ritmo harmônico, que passa a ter constantemente de dois
a quatro acordes por compasso;
- O uso dos clichês harmônicos, que foram constantemente utilizados
nas progressões. Os clichês mais utilizados foram:
1 - / VIIm7 III7 bVIIm7 bIII7 / VIm7 II7 bVIm7 bII7 /
2 - / IIIm7 VI7 / IIm7 V7 /
- O aparecimento dos Dominantes Substitutos.

Ex. 15

“I can’t get started” by Veanon Duke, rearmonizado por Bud Powell.

(C) I7M VIm7 / IIm7 V7 / VIIm7 III7 bVIIm7 bIII7/


VIm7 II7 bVIm7 bII7 / IIIm7 VIm7 /
IIm7 IV7M IVm7 bVII7 / IIIm7 VI7 / IIm7 V7 /
I7M VIm7 / IIm7 V7 / VIIm7 III7 bVIIm7 bIII7 /
VIm7 II7 bVIm7 bII7 / IIIm7 VIm7 /
IIm7 IIIm7 IVm7 bVII7 / I7M #I / I7M I6 //
(D) IIm7 V7 / bVφ IV° / IIIm7 VI7 IIm7 V7 / I7M I6 /
(C) IIm7 V7 / bVφ IV° IIIm7 bIII7 / II7 bII7 /
I7M VIm7 / IIm7 V7 / VIIm7 III7 bVIIm7 bIII7 /
VIm7 II7 bVIm7 bII7 / IIIm7 VIm7 /
IIm7 bIIm7 / I7M / I6 //
3.1.7 - Transição Swing - Bebop

As principais mudanças que ocorreram na transição Swing - Bebop


foram:

1 - Aparecimento de músicas em todas as tonalidades;

2 - O aumento significativo no valor dos andamentos nas músicas;

3 - Início da improvisação vertical, baseado nos acordes;

4 - Mudança no ritmo harmônico;

5 - Aparecimento dos clichês harmônicos;


32
6 - Maior desenvolvimento no uso dos acordes meio-diminutos e diminutos;

7 - Substituição dos acordes Dominantes pelos seus Dominantes Substitutos;

8 - Expansão vertical dos acordes, com o uso de novas tensões.

Um outro aspecto que não deve deixar de ser lembrado, é em relação


ao impacto social que o bebop acarretou. Como já foi comentado
anteriormente, no final dos anos quarenta o movimento bebop já era
irreversível, e todos os jovens músicos de jazz seguiam os seus ídolos
Charlie Parker, Dizzie Gillespie, Thelonious Monk, Bud Powell, Kenny Clarke,
entre outros. Contrariamente aos jazzmen dos anos trinta, o músico bopper
tem a consciência de fazer uma obra de arte, de criar uma nova linguagem,
indiferente ao sucesso público. Antes de tudo, é a vontade de exprimir-se, de
ir contra aos anseios da sociedade americana, como uma forma de protesto e
expressão ao mesmo tempo.

3.2 - A improvisação no Bebop

A improvisação no bebop, como já foi comentado anteriormente,


deixou de ser horizontal, como se estivesse floreando a melodia, para se
tornar uma improvisação vertical, baseada nos acordes. Esta forma de
improvisar fez com que os solistas criassem melodias totalmente novas, que
nada tinham a ver com o tema, sem contar que muitos destes solos tornaram-
se o próprio tema, como é o caso do solo de Charlie Parker em Parker’s
Mood , Cheryl e Warming Up a Riff, sendo este último, um tema-improviso
criado sobre a harmonia de Cherokee (anexos 3, 4 e 8).

“A reinvenção de certos standards deve-se à preocupação dos


boppers tornar mais densa a temática e homogeneizar num mesmo
espíritos as exposições dos solos.”26

A estrutura do blues serviu de base para várias melodias no Bebop,


sendo Charlie Parker quem mais produziu nesta linha. Podemos destacar
Parker’s Mood, Cheryl, Buzzy, Perhaps e Barbados (anexos 3, 4, 5, 6, 7)
como exemplos. A maior contribuição de Parker para o bebop, não foi
referente à harmonia, mas sim na forma de improvisação. O tipo de
articulação usada, as fórmulas rítmicas em tercinas e certos inícios de
anacruse em semicolcheias, a freqüente propensão em pensar nos
andamentos dobrados, o abandono esporádico do vibrato, e o uso constante
dos arpejos, caracterizaram a sonoridade melódica do bebop.
As análises melódicas das transcrições dos improvisos de Parker, nos
trazem a comprovação da consciência melódica na improvisação, das notas
correspondentes aos acordes. Um dos intervalos que foi muito empregado
nas improvisações e que caracterizou a linguagem melódica do bebop, foi o
de sétima maior nos acordes dominantes. Encontra-se este intervalo na
música Parker’s Mood (anexo 3), nos compassos 14, 17, 20, 21, 29, 45; em
Perhaps (anexo 6), nos compassos 14, 18, 19, 24, 25, 34, 40, 41; em Buzzy
26
Citação feita por Lucien Malson e Christian Bellest, no livro Jazz. Ver Bibliografia.
33
(anexo 5), nos compassos 18, 19, 23, 47; em Cheryl (anexo 4), nos
compassos 19, 24, 31, 34, 37, 46; em Barbados (anexo 7), nos compassos
23, 25, 27, 30, 37. Este tipo de cromatização tornou-se muito comum, sendo
considerada mais tarde como uma Escala Bebop no modo mixolídio27 . Esta
escala provém do modo mixolídio, mas que contém também o intervalo de
sétima maior, tornando-se uma escala de oito notas. Foi muito usada
posteriormente por grandes músicos de jazz como McCoy Tyner, Jonh
Coltrane, Sonny Rollins, Freddie Hubbard, J.J. Johnson, Ray Brown, todos
influenciados pelo bebop, além do trumpetista precursor do bebop Dizzie
Gillespie.
Existem também mais duas escalas consideradas como escalas
bebop: Escala Bebop no modo dórico e Escala Bebop no modo Jônio. A
escala bebop no modo dórico se diferencia do modo devido a presença do
intervalo de terça maior, e a escala bebop no modo jônio se diferencia do
modo por ter acrescentado a ela o intervalo de quinta aumentada. Todas
estas escalas foram consagradas pelo uso, devido ao emprego constante
destes intervalos nos respectivos acordes. Quase não se encontram esses
dois últimos tipos de intervalos nas transcrições do Parker (anexos), porque
os temas escolhidos para transcrição e análise são todos blues, com exceção
de Warming Up a Riff que não foi feita a análise melódica, e há portanto uma
predominância dos acordes dominantes.
Parker soube usar muito bem as tensões dos acordes, até então
nunca usados de forma consciente pelos solistas. Em todos os solos
analisados, encontramos as tensões b9, #11, b13 e 7M em acordes menores
e dominantes, sendo usadas como notas de passagens, aproximações
cromáticas e ou antecipando algum tipo de arpejo. Estes intervalos
cromáticos, são na verdade as extensões dos acordes e Parker os tratava
como “os intervalos mais altos de um acorde”:

“Lembro de uma noite que eu estava “jameando” numa


espelunca da Sétima Avenida, entre as ruas 139 e 140. Era
dezembro de 1939. Eu achava um saco aqueles acordes
estereotipados que a gente usava o tempo todo, e sentia
que devia existir uma outra coisa diferente. As vezes
podia ouvi-la mas era incapaz de toca-la. Pois bem,
naquela noite, improvisando sobre Cherokee, descobri que
usando os intervalos mais altos de um acorde como linha
melódica e escorando-os com os acordes adequados, eu
podia tocar aquilo que vinha ouvindo há muito tempo. Foi
como se tivesse nascido de novo.” 28

A improvisação de Parker causou uma profunda mudança na


concepção de como se tocar jazz. O seu fraseado, articulação, inflexões,
material melódico e harmônico usado nas frases, a fluência de idéias,
caracterizaram a linha melódica do bebop. Charlie Parker tem sido até hoje
uma escola para os aspirantes de jazz e para os jazzmen profissionais, pois

27
Definição adotada pelo músico e educador de jazz David Baker, no seu livro “HOW TO PLAY
BEBOP. Ver bibliografia.
28
Citado no livro O que é Jazz, de Roberto Muggiati. ver Bibliografia.
34
não se aprende a tocar jazz sem nunca ter estudado os seus solos, além de
ser um desafio a ser vencido.

4.0 - Conclusão

Num momento em que os puristas davam como o fim de um tipo de


música negra ocidental devido ao apelo comercial do swing, surge o bebop a
princípio como uma válvula de escape, uma catarse do mundo real ao qual
estava submetido o jazz.
As transformações ocorridas com o aparecimento do bebop,
estremeceram as bases do jazz. Foi um movimento, acima de tudo, de
reflexão e conscientização da importância do jazz para os negros
americanos, e consequentemente a importância dos negros para a sociedade
americana. As transformações musicais ocorridas neste período definiram
um panorama próprio do jazz, torna-se claro que era uma tipo de música
espiritual, impermeável ao gosto popular e que se vê livre para decidir o rumo
que irá tomar. Assim sendo, o jazz nunca deixou de evoluir.
O bebop acarretou profundas mudanças no aspecto musical da
música popular ocidental, deixou um leque de opções a ser seguido. O
próprio jazz foi quem mais usufruiu destas transformações, por ser também
uma evolução natural da música. A música brasileira veio a ser influenciada
principalmente pelo o estilo de música que surgiu logo após o bebop: o Cool
Jazz. O Cool Jazz é fruto das transformações e descobertas do bebop,
principalmente na forma de improvisação vertical, e nas concepções
harmônicas. A música brasileira sofreu influência, de forma indireta, do bebop
através do cool jazz, usufruindo principalmente das informações harmônicas.
Os clichês harmônicos e as outras inovações harmônicas descobertos no
bebop, tornaram-se importantes informações para o jazz até o aparecimento
do modalismo, e a música brasileira, principalmente a Bossa Nova, se utilizou
destes tipos de clichês e substituições harmônicas nas suas produções
musicais, acarretando também profundas mudanças. A bossa nova veio a ser
na música brasileira, assim como o bebop foi na música americana, um
divisor de águas entre o intermediário e o moderno.
Não se pode afirmar nada sobre a influência da música européia nas
concepções harmônicas do bebop. Apesar de Brahms, Schoenberg,
Hindemith e Stravinski terem sido os músicos preferidos de Charlie Parker,
isso não nos traz nenhuma informação concreta da influência deles no bebop.
Quando Parker cita que “sentia que devia existir uma outra coisa diferente. As
vezes podia ouvi-la mas era incapaz de tocá-la”, provavelmente ele estaria se
referindo ao resultado de uma convergência de sons; músicas que ele
gostava de ouvir, aliado `a sua formação cultural e musical que era
totalmente embasada em cima do blues, tudo isso catalisado pela sua
genialidade, e que talvez fizesse ele perceber que deveria existir algo
diferente. Parker descobriu mais tarde que o que ele ouvia eram as
extensões dos acordes, que são conhecidas hoje como as tensões dos
acordes29 . A própria opinião de Stravinski sobre o jazz, define talvez que o
bebop não tenha sofrido nenhuma influência da música européia na sua
concepção harmônica:
29
Tensões do acorde é um termo usado na harmonia funcional, mais direcionado à música popular, e
que se refere às notas da extensão de um acorde, das superestruturas.
35
“O jazz é uma fraternidade completamente diferente, um modo
de fazer música inteiramente especial. Não tem nada a ver com a
a música composta e, quando procura a influência da música
atual, não é jazz e não é bom. A improvisação tem o seu mundo
próprio, necessariamente solto e amplo (...)”30

Sabe-se então que o desenvolvimento das concepções harmônicas do


bebop, ocorreram proporcionalmente ao desenvolvimento do jazz, de forma
intuitiva primeiro, e posteriormente de forma consciente. O bebop foi o
período de maior expansão desta consciência, principalmente pelo fato dos
solistas terem que trabalhar com o material harmônico nos solos, até então
muito pouco usado. O uso consciente do material harmônico nas progressões
e nas improvisações, foi a principal concepção harmônica que o bebop
desenvolveu, e sendo portanto, a linha de pensamento que o jazz se utilizou
para o seu desenvolvimento.

30
Citação de Stravinski em Conversas com Igor Stravinski, pag. 95. Ver bibliografia.
36
Anexos

1 - Esquema usado por Joachim Berendt..............................................38

2 - “I can’t get started”.............................................................................39

3 - “Parker’s Mood”..................................................................................41

4 - “Cheryl”................................................................................................43

5 - “Buzzy”.................................................................................................45

6 - “Perhaps”.............................................................................................46

7 - “Barbados”..........................................................................................47

8 - “Warming Up a Riff”...........................................................................48

37
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,

39
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_________________________ _____________________
MARCELO PEREIRA COELHO JOSÉ ROBERTO ZAN
Aluno Prof. Co-orientador

________________________
HELENA JANK
Prof. Orientador

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