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HISTÓRIA DO

BRASIL: COLÔNIA

Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima


Professora Me. Luciene Maria Pires Pereira

GRADUAÇÃO

Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Direção Operacional de Ensino
Kátia Coelho
Direção de Planejamento de Ensino
Fabrício Lazilha
Direção de Operações
Chrystiano Mincoff
Direção de Mercado
Hilton Pereira
Direção de Polos Próprios
James Prestes
Direção de Desenvolvimento
Dayane Almeida
Direção de Relacionamento
Alessandra Baron
Head de Produção de Conteúdos
Rodolfo Encinas de Encarnação Pinelli
Gerência de Produção de Conteúdos
Gabriel Araújo
Supervisão do Núcleo de Produção de
Materiais
Nádila de Almeida Toledo
Supervisão de Projetos Especiais
Daniel F. Hey
Coordenador de Conteúdo
Priscilla Campiolo Manesco Paixão
Design Educacional
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Rossana Costa Giani
Distância:
História do Brasil: Colônia. Ana Lúcia Sales de Projeto Gráfico
Lima; Luciene Maria Pires Pereira. Jaime de Marchi Junior
José Jhonny Coelho
Maringá - PR, 2017. Reimpresso em 2021.
320 p. Editoração
“Graduação - EaD”. Humberto Garcia da Silva
1. História. 2. Colonização . 3. Historiografia 4. EaD. I. Título. Revisão Textual
Viviane Favaro Notari
ISBN 978-85-459-0127-3 Nayara Valenciano

CDD - 22 ed. 981.07


Ilustração
CIP - NBR 12899 - AACR/2 André Luís Onishi

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário


João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um
grande desafio para todos os cidadãos. A busca
por tecnologia, informação, conhecimento de
qualidade, novas habilidades para liderança e so-
lução de problemas com eficiência tornou-se uma
questão de sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilida-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos-
sos farão grande diferença no futuro.
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar
assume o compromisso de democratizar o conhe-
cimento por meio de alta tecnologia e contribuir
para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a
educação de qualidade nas diferentes áreas do
conhecimento, formando profissionais cidadãos
que contribuam para o desenvolvimento de uma
sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi-
tário Cesumar busca a integração do ensino-pes-
quisa-extensão com as demandas institucionais
e sociais; a realização de uma prática acadêmica
que contribua para o desenvolvimento da consci-
ência social e política e, por fim, a democratização
do conhecimento acadêmico com a articulação e
a integração com a sociedade.
Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al-
meja ser reconhecido como uma instituição uni-
versitária de referência regional e nacional pela
qualidade e compromisso do corpo docente;
aquisição de competências institucionais para
o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con-
solidação da extensão universitária; qualidade
da oferta dos ensinos presencial e a distância;
bem-estar e satisfação da comunidade interna;
qualidade da gestão acadêmica e administrati-
va; compromisso social de inclusão; processos de
cooperação e parceria com o mundo do trabalho,
como também pelo compromisso e relaciona-
mento permanente com os egressos, incentivan-
do a educação continuada.
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quan-
do investimos em nossa formação, seja ela pessoal
ou profissional, nos transformamos e, consequente-
mente, transformamos também a sociedade na qual
estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando
oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa-
zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa-
tível com os desafios que surgem no mundo contem-
porâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó-
gica e encontram-se integrados à proposta pedagó-
gica, contribuindo no processo educacional, comple-
mentando sua formação profissional, desenvolvendo
competências e habilidades, e aplicando conceitos
teóricos em situação de realidade, de maneira a inse-
ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais
têm como principal objetivo “provocar uma aproxi-
mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi-
bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos
conhecimentos necessários para a sua formação pes-
soal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cres-
cimento e construção do conhecimento deve ser
apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda-
gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi-
bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente
Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en-
quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus-
sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de
professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
AUTORAS

Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima


Sou graduada em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM –
PR). Especialista em História e Sociedade e Mestre pela mesma Instituição,
mediante o Programa de Pós-Graduação em História. Trabalho na Educação
Básica de ensino, como professora de História, desde 2011. Atuo nos anos
finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, vinculada pela Secretária
de Educação do Estado do Paraná (SEED). Participo do Laboratório de
Estudos do Império Português (LEIP-UEM) e, atualmente, integro a Sociedade
Internacional de Estudos Jesuíticos (SIEJ). Sou professora de História do Brasil
Colônia (modalidade a distância) da Unicesumar.

Professora Me. Luciene Maria Pires Pereira


Sou formada em História pela Universidade Estadual de Maringá, no Paraná,
na qual também realizei uma especialização em História Econômica. Possuo
especialização em Educação Especial, realizada no Instituto Paranaense de
Estudo e sou Mestre em História, na linha de Políticas: ações e representações,
pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho – UNESP. Além do
Ensino Superior, trabalho na Educação Básica, na rede regular e na educação
especial.
APRESENTAÇÃO

HISTÓRIA DO BRASIL: COLÔNIA

SEJA BEM-VINDO(A)!
Caro(a) acadêmico(a)!
É com imensa satisfação que apresentamos a você o livro que integra a disciplina de
História do Brasil: Colônia. Somos as professoras Ana Lúcia e Luciene e preparamos com
muita dedicação e carinho este material. Esperamos que seja um convite para novas
discussões e novos posicionamentos perante as abordagens realizadas neste estudo in-
dispensável à formação docente.
O livro está organizado em cinco unidades que abordam discussões referentes à co-
lonização na América Portuguesa, tanto no que tange as principais temáticas do pe-
ríodo, quanto as discussões historiográficas, que são realizadas na última unidade de
nosso livro.
Na primeira unidade, você terá acesso aos estudos sobre a formação do homem luso,
desde os primórdios da Península Ibérica até a consagração de Portugal como Estado
independente. Após vencerem essa etapa, prosseguimos às análises referentes à expan-
são ultramarítima portuguesa realizada ao longo do século XV e que foi responsável pe-
las novas aquisições territoriais lusitanas, possibilitando que Portugal se transformasse
em um verdadeiro Império.
Em um segundo momento, colocamos em pauta as discussões referentes à “Rota das
Índias” e à chegada da frota Cabralina nos trópicos. Nessa unidade, você conhecerá as
primeiras relações que se estabeleceram entre portugueses e indígenas e as primeiras
medidas administrativas tomadas pela Coroa de Portugal mediante a sua nova desco-
berta territorial. Tais reflexões se prolongam até a implantação do Governo Geral e suas
implicações em solos brasílicos, no âmbito da indústria açucareira.
Dando prosseguimento ao estudo, você conhecerá as reflexões acerca do papel da
Companhia de Jesus na colônia portuguesa. A labuta religiosa dos jesuítas se defron-
tará com a cultura ameríndia e com os interesses econômicos dos colonizadores lusos,
repercutindo em uma série de embates que precisam ser remediados pelos monarcas
portugueses. Tanto a unidade III quanto a anterior são imprescindíveis para a compre-
ensão do projeto colonizador empreendido pela Coroa lusitana nos solos coloniais.
Já na quarta unidade, o recorte temporal se inicia nas expedições bandeirantes, siste-
matizadas no século XVII, até os antecedentes da Independência do Brasil. Essa uni-
dade apresenta um longo processo que precisa ser cuidadosamente analisado, pois
destaca muitas temáticas relevantes para a compreensão das mudanças ocorridas
nesse período e que também criarão condições para o rompimento nas relações de
dependência entre Brasil e Portugal, com o fim efetivamente da conjuntura colônia –
metrópole em 1822.
APRESENTAÇÃO

Na quinta e última unidade, compreendemos a necessidade de apresentar uma


discussão com os principais teóricos do século XX, acerca do desenvolvimento e
formação de nossa sociedade. Neste prisma, nomes como Gilberto Freyre, Sér-
gio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Ciro Flamarion Cardoso apresentam
uma leitura acerca da colonização do Brasil, levando em consideração uma série
de acontecimentos.
Este caminho que percorreremos é imprescindível tanto para a sua formação do-
cente quanto para a compreensão da sociedade brasileira nos dias de hoje. Assim,
convidamos-lhe a mergulhar nas aventuras de nosso Brasil Colonial.
Bom Estudo!
Professoras Ana Lúcia e Luciene.
09
SUMÁRIO

UNIDADE I

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO


ULTRAMARÍTIMA

13 Introdução

14 O Nascimento do Império Português

31 Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana

57 Considerações Finais

UNIDADE II

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES

65 Introdução

66 A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido

89 As Capitanias Hereditárias

103 O Estabelecimento do Governo Geral

123 Considerações Finais

UNIDADE III

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS


NA AMÉRICA PORTUGUESA

131 Introdução

132 A Colonização das Terras e a Salvação das Almas

158 Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do 


Gentio Brasílico

177 Considerações Finais


SUMÁRIO

UNIDADE IV

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS

187 Introdução

188 A Expansão Territorial da Colônia Lusitana

203 A Era de Ouro no Brasil Português

232 O Império Português no Brasil: da Chegada da Corte à Independência

245 Considerações Finais

UNIDADE V

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO


DA AMÉRICA PORTUGUESA

257 Introdução

258 As Várias Histórias do Brasil

286 A Política Colonial Portuguesa: dos Aspectos Feudais aos Indícios do 


Capitalismo

293 Considerações Finais

301 Conclusão
303 Referências
317 Gabarito
Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima

BREVE HISTÓRIA DE

I
UNIDADE
PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS
À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA

Objetivos de Aprendizagem
■ Analisar o surgimento dos Estados presentes na Península Ibérica,
discutindo suas principais características.
■ Compreender a formação do homem luso e seu caráter aventureiro.
■ Observar o desenvolvimento do Império Português.
■ Verificar o pioneirismo português na expansão ultramarítima.
■ Entender as relações estabelecidas entre Estado e Igreja.
■ Discutir as motivações econômicas que alimentaram a “Era dos
Descobrimentos”.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ O Nascimento do Império Português
■ Os senhores dos Mares: a expansão marítima lusitana
13

INTRODUÇÃO

Caríssimo(a) aluno(a), daremos início à disciplina de História do Brasil Colônia


abordando, primeiramente, a formação de Portugal enquanto país, junta-
mente com a construção do caráter do homem luso. Tais questões são de suma
relevância para a compreensão do tipo de colonização que os portugueses
empreenderam nos Trópicos durante quatro séculos e que será nossa temá-
tica nas próximas unidades.
Neste primeiro momento, realizaremos um breve estudo acerca da forma-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ção de Portugal desde a Pré-história, passando pela era medieval e se estendendo


até as Grandes Navegações que marcaram o século XV no cenário europeu.
Observaremos que os trajetos da história desse país foram diferentes, compa-
rados aos trajetos tomados por outros grandes Estados modernos da Europa, e
compreenderemos que as próprias dificuldades e limitações internas favorece-
ram os portugueses neste processo que transformou esse pequeno país em um
Império, que fixou raízes na Costa africana, nas ilhas atlânticas, nas “Índias”
orientais e, posteriormente, na América.
Desse modo, optamos por organizar esta unidade em dois grandes eixos
temáticos, que foram divididos em subitens para facilitar a compreensão das
questões levantadas em nosso estudo. Em primeiro lugar, traçaremos uma análise
desde a formação da Península Ibérica, que fora ocupada por distintos povos ao
longo dos séculos, até a construção, de fato, do Estado português independente.
Nesse intervalo de tempo, iremos nos deparar com questões importantes para
a compreensão do caráter luso e das limitações internas que levaram Portugal
às incursões marítimas. Também discutiremos acerca dos principais aspectos
econômicos e políticos que estavam presentes nesse processo, tanto de luta pela
independência quanto pela busca de alternativas necessárias para suprir as defi-
ciências que o Reino possuía.
O segundo eixo temático vai refletir acerca das principais questões que
marcaram o século XV na Europa, principalmente relacionadas à expansão marí-
tima portuguesa. Iniciamos a discussão com a organização do Império luso e
seus conflitos contra Castela e Aragão em busca de assegurar sua independên-
cia e, em seguida, priorizamos a análise da expansão portuguesa ultramarítima.

Introdução
14 UNIDADE I

A partir da conquista de Ceuta, em 1415, a Coroa de Portugal foi, paulatina-


mente, “descobrindo” a Costa da África e, na sequência, as ilhas atlânticas, que
seriam importantes pontos de conexão nas empreitadas marítimas portuguesas.
Além dos aspectos de caráter econômico e político, são de suma relevância
para a compreensão desse processo de expansão além-mar as relações que foram
estabelecidas entre Portugal e a Igreja Católica de Roma. Notaremos que o estrei-
tamento das relações entre as duas esferas culminará na criação do “Padroado
Régio”, que, em linhas gerais, assegurava deveres e direitos ao Reino de Portugal, o
qual, em nome de Deus e do Estado, colonizou pontos na África, Ásia e América.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Nesse sentido, compreendemos que as questões que serão tratadas a seguir
são indispensáveis para entendermos a política que a Coroa de Portugal desen-
volveu em suas possessões além-mar, sobretudo na América lusitana, pois nos
revela uma combinação de interesses econômicos e religiosos que nem sempre
serão sentidos com a mesma intensidade, mas que formarão as estruturas polí-
ticas do Império português.

O NASCIMENTO DO IMPÉRIO PORTUGUÊS

A OCUPAÇÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA

A ocupação da Península
Ibérica, região na qual se
situa, atualmente, Portugal,
remonta ao estudo da pré-his-
tória europeia. Observamos a
presença de diferentes povos
que ocuparam essa região
ao longo do tempo. Desses
povos, podemos mencionar
a presença dos celtas, que

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


15

fizeram a introdução da metalurgia do ferro e, consequentemente, começaram a


construir objetos de trabalho que vieram para facilitar seu cotidiano. Podemos,
também, destacar a chegada de tropas romanas oriundas do conflito entre Roma
e Cartago (cidade fundada pelos fenícios no norte da África em 814 a.C., que
exercia poder sob o Mediterrâneo ocidental e a Sicília), conflito esse que marcou
a história de expansão romana e, assim, o contato com outros povos que viriam
ocupar a Península Ibérica.
Durante o século II a.C., a expansão de Roma tomou grande impulso, ocu-
pando a Macedônia (171-168 A.C) e, posteriormente, a Península Ibérica e as
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

possessões gregas, ampliando, dessa forma, as fronteiras do Império Romano.


Segundo Venturini (2010), essa expansão do Império teve consequências signi-
ficativas, pois os novos territórios compreendiam áreas com produções agrícolas
e jazidas de matérias-primas, como as minas de prata da Espanha. Com a ane-
xação de novas províncias, houve a necessidade de organizar uma cobrança de
impostos. Essas ocupações também possibilitaram a aquisição de prisioneiros
de guerra, ou mesmo escravos que, consequentemente, viriam a integrar uma
massa de trabalhadores para servir o Império de Roma.

Durante o século II a.C., a escravidão tornou-se importante no Império Ro-


mano. Ao longo do século IV a.C., foi proibida a escravidão por dívidas, asse-
gurando que os cidadãos romanos não se tornassem escravos mediante ao
não pagamento de alguma dívida. Muitos escravos foram direcionados para
os campos do Império, para suprir a deficiência da mão de obra quando os
camponeses eram recrutados durante as guerras de ocupação romana. Os
prisioneiros de guerra que eram submetidos à escravidão eram denomina-
dos “escravo-mercadoria”, justificado pelo fato de serem considerados como
“coisas”, ou seja, propriedade de alguém. Os escravos não ficavam submetidos
apenas ao labor do campo, eram usados em diferentes tipos de ofícios, nas
minas, nas cidades, no interior das residências, mas também em funções que
exigiam uma formação diferenciada, como médicos, pedagogos e secretários.
Tal condição permitia uma possibilidade maior para conseguir sua liberdade.
Fonte: Venturini (2010, p. 18-22).

O Nascimento do Império Português


16 UNIDADE I

Ao longo do século III


d.C., o Império Romano já
havia atingido sua exten-
são máxima e começou a
sofrer com as consequências
desse processo. A fragilidade
administrativa, os problemas
econômicos decorrentes de
uma crise instaurada no

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comércio, as sucessivas
batalhas e doenças resulta-
Figura 1: Império Romano em 117
ram em grandes extensões Fonte: Wikimedia Commons.
de terras abandonadas. Estas,
por sua vez, representavam o pilar da economia romana, pois a agricultura
financiava as obras públicas que ocorriam nos centros urbanos do Império.
Entretanto, um dos fatores mais graves que levaram à ruína do Império em sua
parte Ocidental foi a presença de invasores externos. Com as fronteiras despro-
tegidas, o Império se viu fragilizado perante a invasão dos povos bárbaros que
devastaram e saquearam as cidades romanas, sobretudo entre os séculos IV e VI
e alteraram a estrutura social daquele período. Observa-se uma onda de migra-
ção das cidades para os campos. Em busca de proteção e sobrevivência, famílias
inteiras abandonavam sua vida nas cidades e fugiam para os campos, onde as
tribos bárbaras não ofereciam ameaça.
A região que compreendia o Império Romano do Ocidente sofreu com as
levas de invasores de diferentes tribos germânicas que assolaram as cidades
romanas. Dentre os povos bárbaros que estiveram presentes naquele território,
podemos destacar os hunos, alanos, godos, visigodos, entre outros. Em algumas
circunstâncias, observamos que os romanos fizeram alianças com tribos bárba-
ras para conterem outros invasores que ameaçavam o fragilizado Império. Foi
dessa forma que os visigodos permaneceram aliados aos romanos no início do
século V, contendo a ameaça de alanos e vândalos e, posteriormente, dos suevos
no final do século VI. Nesse contexto, segundo Saraiva (1995, p. 30), “os visigo-
dos não trouxeram consigo novas formas de organização ou novas técnicas de

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


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trabalho”, por outro lado, estabeleceram na “península os traços fundamentais


do que viria a ser a sociedade medieval portuguesa: uma sociedade tripartida,
formada pelo clero, nobreza e povo” (SARAIVA, 1995, p. 30).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 2: Migrações na Europa entre os século II e VI, incluindo a região da Península Ibérica
Fonte: Wikimedia Commons.

Além das tribos germânicas, a região que compreende a Península Ibérica tam-
bém abrigou povos pertencentes a outras religiões, como judeus e muçulmanos.
Os judeus estiveram presentes nessa região em diferentes momentos da História,
muitas vezes, devido à diáspora (dispersão de um povo por motivos políticos e
religiosos). Segundo Azevedo (2008), em Roma, cresceu o ódio contra os judeus e,
por volta do ano 14 de nossa era, o judaísmo foi proibido em toda Península Itálica.
Os judeus também ocuparam a Península Ibérica, desde a ocupação romana, e
procuraram refúgio em estados cristãos quando foram perseguidos pelos árabes.
No final do século XV, os reis católicos de Castela e Aragão decretaram a
expulsão de todos os judeus de seu território. Procurados, ameaçados e perse-
guidos, caso os judeus não cumprissem a determinação da Coroa espanhola
em um prazo de no máximo quatro meses, poderiam ser condenados à morte
(AZEVEDO, 2008, p. 113). Com a determinação do reino espanhol, os judeus
se viram obrigados a migrar para Portugal, onde poderiam viver tranquilamente
sem nenhum tipo de perseguição.

O Nascimento do Império Português


18 UNIDADE I

Em resposta a essa migração, o monarca lusitano decretou a cobrança


de uma quantia, dependendo da situação financeira de cada indivíduo que
resolvesse fixar moradia em Portugal. Além disso, estabeleceu um prazo de,
no máximo, oito meses de permanência no reino, sob a condição de reduzi-
-los à escravidão.
Se os Reis Católicos tomam a iniciativa da expulsão e encabeçam a
brutal limpeza do Reino da conspurcação hebraica, D. João II soube
aproveitar a entrada de alguns milhares de pessoas – não contabilizável
que lhe poderiam dar alguns proveitos imediatos e dotar o Reino de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
gente com capitais e com ofícios úteis. Contra um imposto per capita,
autorizou a sua presença transitória no Reino. Um provisório que quis
tornar definitivo. Apesar da cruel retirada das crianças às famílias e do
seu envio para São Tomé, os judeus não foram perseguidos nem expul-
sos (MATTOSO, 1997, p. 404).

Observamos que, durante o século XVI, a Coroa lusitana criou medidas de


conversão aos judeus que ocupavam as possessões portuguesas, impondo,
desse modo, o abandono dos costumes e cresças judaicas em favor dos dog-
mas da Igreja Católica. Essa medida viria ao encontro dos interesses do Reino
lusitano, pois a saída dos judeus do Império significava perdas econômicas
importantes, visto que eram os principais responsáveis pelo comércio nos
centros urbanos de Portugal, como também financiadores nas empreitadas
ultramarinas lusitanas. Os judeus convertidos ao cristianismo ficaram conhe-
cidos como “cristãos-novos” e sofriam com a vigilância constante da Igreja de
Roma (AZEVEDO, 2008, p. 114).
Segundo Mattoso (1997), a obrigatoriedade da conversão dos judeus ao
cristianismo causou um problema sério para a sociedade portuguesa. A con-
versão violenta não pretendia mudar imediatamente os costumes judaicos.
Muitos indivíduos se esforçaram na conversão ao catolicismo, pois alme-
javam integrar a sociedade em ofícios relacionados às ordens militares, à
nobreza, aos governos municipais e mesmo em Universidades. Outros man-
tinham a prática de suas judiarias na obscuridade e viviam com medo de
serem descobertos e delatados por algum vizinho curioso (prática comum
durante a Inquisição no século XVI, em que os indivíduos condenados pos-
suíam seus bens confiscados pelo Estado português, algo que rendeu somas

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


19

significativas aos cofres da Coroa). Ao


longo do século XVI, os cristãos novos que
fossem pegos praticando judaísmo eram
condenados à fogueira. Um desses inci-
dentes ficou conhecido como “Massacre
de Lisboa”, que ocorreu em 19 de abril de
1506, em que milhares de judeus (estima-se
que cerca de 4 mil) foram mortos acusados
de serem os “culpados” pela grande seca,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

fome e peste que assolavam Portugal no


período (MATEUS; PINTO, 2007). Figura 3: Massacre de Lisboa
Fonte: Wikimedia Commons.

Atualmente, a fé judaica é praticada em várias regiões do mundo, porém


é no estado de Israel que se concentra um grande número de praticantes.
Fonte: Judaísmo (online).

Você sabia que o judaísmo é a religião monoteísta que possui o menor nú-
mero de adeptos no mundo? Apenas 12 a 15 milhões.
Fonte: Judaísmo (online).

Diferente dos judeus, os árabes iniciaram sua ocupação na Península Ibérica


em meados do século VIII, mais especificamente no ano de 711, fruto do pro-
cesso de expansão da fé islâmica sonhada pelo profeta Maomé desde 612. De
acordo com a análise realizada por Pestana (2006, p. 16), “a rápida penetra-
ção dos árabes deveu-se, sobretudo, ao antagonismo entre judeus e cristãos,

O Nascimento do Império Português


20 UNIDADE I

que abriu espaço para que em muitos locais a população judaica oprimida
recebesse os mouros como libertadores”. Os muçulmanos permaneceram
cerca de oito séculos na Península, mas o domínio, de fato, teve uma dura-
ção variável em cada região, pois o poder ficava alternando entre islâmicos
e cristãos. Nesse contexto, observamos que, em 868, Porto e Braga foram
conquistadas, em 1064, Coimbra e, já durante o século XII, Lisboa. Em con-
trapartida, os espanhóis conviveram com a presença dos muçulmanos, entre
avanços e retrocessos, até 1492, quando resolveram negociar sua rendição
aos cristãos em Granada.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A convivência entre os invasores muçulmanos e os cristãos que habita-
vam a Península Ibérica dependia da aceitação ou não da religião islâmica.
Se os cristãos resolvessem abraçar a fé de Alá, eram tranquilamente aceitos
na comunidade muçulmana, com igualdade de direitos e deveres. Caso fos-
sem resistentes à conversão e mantivessem seus dogmas baseados na Igreja
Católica, teriam assegurada sua liberdade de culto, porém eram obrigados a
pagar impostos diferenciados, se possuíssem alguma propriedade. Em contra-
partida, se os cristãos lutassem contra os islâmicos, ficariam a mercê de serem
escravizados (MENEZES, 2010).

Os árabes são um povo semita proveniente da Península Arábica que passou


a habitar regiões próximas, principalmente no norte da África e no Oriente
Médio. Foi nessa região que surgiu o islamismo e grande parte dos árabes
tornou-se muçulmano. Dessa forma, nem todos os árabes são muçulmanos.
Mouro ou muçulmano é um nome latino derivado de Mauritânia, província
islâmica do noroeste da África.
Fonte: Pestana (2008).

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Figura 4: O Califado Omíada em seu auge no século VIII, incluindo a Península Ibérica.
Fonte: Wikimedia Commons.

O contato firmado entre judeus, muçulmanos e cristãos possibilitou um imenso


intercâmbio cultural e comercial, sobretudo entre esses dois últimos. Além
dos conflitos armados motivados pela conquista territorial, esse contato pre-
cisa ser observado também como um intercâmbio cultural entre os envolvidos.
Observamos que muitas palavras do vocabulário português são de origem árabe,
por exemplo: o açúcar. Esse contato possibilitou o contato com outras realida-
des e até mesmo tecnologias que os portugueses até então desconheciam. Um
bom exemplo da herança cultural deixada pelos muçulmanos na Península
Ibérica, e uma das mais importantes para o crescimento do Estado luso, foi as
inovações ligadas à arte náutica que possibilitou a empreitada marítima lusitana
(PESTANA, 2006).
Segundo Pestana (2006), as inovações náuticas, muitas vezes, não eram obti-
das por meios pacíficos. A maioria dos dados registrados nos livros sobre arte
náutica estava escrita em árabe e foi roubada e guardada, muitas vezes, em mos-
teiros cristãos. Entre os moçárabes como também entre os judeus foram utilizados
intérpretes para traduzir as informações que estavam presentes nessas obras e
que, posteriormente, iriam contribuir para as aventuras portuguesas além-mar.

O Nascimento do Império Português


22 UNIDADE I

A partir do ano de 718, o combate aos infiéis (muçulmanos) tornou uma


realidade e, ao longo do século X, um terço da Península Ibérica já havia sido
reconquistada pelos cristãos. Segundo Pestana (2006, p.18), “a guerra avançou
rápido graças a levas de peregrinos, vindos em particular do sul da França, jus-
tamente onde o avanço muçulmano havia sido barrado pelos francos em 736”.

ORIGENS DO ESTADO LUSO

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Com as levas de invasões
muçulmanas e, sobretudo,
bárbaras, que assolaram
tanto a Península Ibérica
como a Itálica, observamos
que a estrutura do mundo
Medieval sofreu grandes
transformações. A vida que
antes era concentrada nos
centros urbanos passou a
ser centralizada nos cam-
pos. Os indivíduos abastados
migravam para as suas pro-
priedades rurais, enquanto
a grande maioria, sem ter aonde ir, procurava sobrevivência e proteção nes-
sas terras. Teríamos, a partir desse momento, um processo em curso que foi se
organizando paulatinamente e ficou conhecido após um longo período como
Feudalismo. Segundo Saraiva (1995, p. 40), “nasciam poderes novos que se iam
moldando ao sabor das circunstâncias, poderes representados por chefes locais
entre os quais se estabelecia uma hierarquia nem sempre bem definida, interca-
lada de episódios de submissão e de rebeldia”.
É nesse contexto que observamos as origens de Portugal enquanto Estado
em curso, com sua organização política e administrativa. De acordo com as refle-
xões realizadas por Mattoso (2000, p. 08):

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


23

O primeiro fato que se pode relacionar com a futura nacionalidade


portuguesa é, por isso mesmo, aquele em que se verifica a associação de
dois antigos condados pertencentes cada um deles a uma província ro-
mana diferente: o condado de Portucale, situado na antiga província da
Galécia, e o de Coimbra, na antiga província de Lusitânia. Formaram
o que então se chamou o “Condado Portucalense” (o que pressupunha
a hegemonia do condado do Norte sobre o do Sul), entregue pelo rei
Afonso VI de Leão e Castela ao conde Henrique de Borgonha, como
dote de casamento de sua filha ilegítima D. Teresa no ano de 1096.

Segundo Pestana (2006), não existiam relatos que comprovassem a atuação efe-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tiva de D. Henrique nas Cruzadas e nem de D. Raimundo. Porém o fato de terem


sido premiados com as mãos das filhas de D. Afonso VI de Leão e Castela (Dona
Teresa e Dona Urraca) leva-nos a crer que ocorreu um feito significativo naquele
dado momento, pois um senhor proprietário de um vasto território não iria sim-
plesmente abrir mão de suas terras em benefício de outros indivíduos como D.
Afonso VI fez (ritual praticado durante o período feudal).
A partir dessa doação, D. Raimundo ficou responsável pelos territórios de
Galiza e de Portugal, aos quais, posteriormente, seriam acrescentados Santarém,
Sintra e Lisboa. Mas Lisboa seria tomada pelos árabes ainda em fins do século
XI, algo que levou D. Afonso a destituir D. Raimundo por sua possível incom-
petência e atribuir a D. Henrique a posse de Galiza e do condado portucalense.
Nascia ali a rivalidade entre primos e que deu origem ao ódio entre espanhóis
e portugueses que marcaria os próximos séculos. Entretanto, a necessidade de
união para combater um inimigo em comum impediu que houvesse uma bata-
lha entre os primos naquele momento. Assim, esclarece Pestana (2006, p. 20-21):
Filho de D. Raimundo e Dona Urarca, nasce, em 1105, o infante Afonso
Raimundes, a quem o pai, morto em 1107, não veria crescer. Viúva,
Dona Urraca foi reconhecida por D. Afonso VI, em 1108, como le-
gítima herdeira do trono de Leão e Castela, garantindo o direito de
sucessão ao filho, o infante D. Afonso Raimundes. Tal medida feriu
significativamente os termos do pacto sucessório, uma vez que, agora,
cessava a obrigação de entregar a D. Henrique as terras de Galiza, o que
acirrou ainda mais a rivalidade luso-espanhola.

Em 1108, nascia o Infante Afonso Henriques, filho de D. Henrique e Dona


Teresa, que foi agraciado cavaleiro em 1125, garantindo a centralização do poder

O Nascimento do Império Português


24 UNIDADE I

e contando com o apoio irrestrito da nobreza do Condado Portucalense. Após


uma série de lutas, D. Afonso Henrique se autoproclamou Rei, em 1139, e esco-
lheu a cidade de Guimarães para ser a capital do Reino. Todavia, temos que
compreender que, no contexto do mundo Medieval, o título de Rei era apenas
uma dignidade pessoal, ou seja, tal título não assegurava a independência do
reino e, além disso, deveria também ser reconhecido pelo Papa, algo que ocor-
reu apenas em 1179, próximo ao fim de seu reinado (MENEZES, 2010). Segundo
Saraiva (1995, p. 49), “os diplomatas de Roma evitaram habilmente chamar-lhe
rei. A concessão foi arrancada por um presente de mil moedas de ouro [...]”.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Dentre os feitos realizados por D. Afonso Henrique no processo de organização
do novo Reino, podemos destacar a luta travada contra cinco exércitos mouros na
Batalha de Ourique. Mesmo
contando com um número
reduzido de cristãos em seu
exército, D. Afonso Henrique
conseguiu destruir a ameaça
moura e assegurar os limites
de seu território. Nessa bata-
lha, D. Afonso garantiu ter se
defrontado com a presença
de “Cristo Crucificado”
que lhe mostrou a vitória
e, ainda, entregou-lhe as
“Quinas” (número de cha-
gas em seu corpo durante o
Calvário) (AZEVEDO, 2008,
p. 25). Prezado(a) aluno(a),
essa visão de D. Afonso nos
mostra como o sentimento
religioso será um dos ele-
mentos fundamentais de
formação do caráter do
Figura 5: D. Afonso Henrique, o 1º monarca de Portugal
homem luso. Fonte: Wikimedia Commons.

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


25

Sob o comando de D.
Afonso Henrique, pau-
latinamente, o Reino foi
expandindo seus limites
territoriais e “desenhando”
o que viria a ser Portugal
efetivamente. Após uma
estratégia bem elaborada,
contando com uma aliança
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

entre tropas portuguesas e


cruzados que foram recru-
tados ao longo do caminho,
o Rei conseguiu conquistar
Lisboa e, sucessivamente, Almada, Sintra e Palmela (AZEVEDO, 2008). Porém os
lusitanos teriam que resolver suas desavenças com os Reinos que, posteriormente,
formariam a Espanha: Castela, Leão, Navarra e Aragão, que se organizariam como
um Estado independente apenas no século XV (PESTANA, 2008).
A luta contra os reinos que, mais tarde, formariam a Espanha, ficou conhe-
cida como Reconquista. Em linhas gerais, seria um conflito em benefício da
independência de Portugal e que exigiu dos lusos um empenho e aperfeiçoa-
mento das técnicas marítimas para fazer frente aos espanhóis. Esse conflito durou
vários anos, tendo Portugal saído como vitorioso, o que, mais uma vez, revela
os motivos da rivalidade entre portugueses e espanhóis ao longo do século XV,
durante as Grandes Navegações e, em seguida, no século XVI, com a união das
duas Coroas: espanhola e portuguesa.
Após a vitória sobre os Reinos, que iriam compor a Espanha, os lusos tiveram
sua Independência reconhecida pelo Papa Alexandre III e, dessa forma, se autode-
nominaram portugueses no início do século XII, porém isso não significou que a
paz entre os dois Reinos estava oficialmente selada. Mesmo o acordo firmado em
1297, que determinava as fronteiras entre Portugal e Castela, não representou o fim
de conflitos entre lusos e espanhóis. Os cronistas portugueses da época declaravam
que D. Afonso Henrique havia realizado grandes feitos que possibilitariam a expan-
são das fronteiras do reino de forma significativa, algo que observamos também no

O Nascimento do Império Português


26 UNIDADE I

reinado de D. Sancho I, em 1185, de D. Afonso II (1211-1223), D. Sancho II (1223-


1248), que deram continuidade à guerra de Reconquista frente Castela e Aragão.
Tanto as lutas que marcaram a Reconquista como as batalhas contra os invasores
mouros da Península despertaram nos monarcas lusitanos uma possibilidade real
de dar continuidade à guerra contra os árabes (PESTANA, 2006).
Nesse contexto, compreendemos a formação da nacionalidade dos portu-
gueses por meio de uma herança cultural herdada por fenícios, gregos, celtas,
romanos durante a Antiguidade. Sendo um território que permite a ligação
entre a África e a Europa, recebeu uma gama de invasores, como os germâni-

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cos, bárbaros e os mouros. Pestana (2008, p. 34) destaca que “na Idade Média, os
lusitanos adotaram a guerra como estilo de vida. Sua economia baseava-se, em
grande medida, na pilhagem. Podemos dizer que, por essa época, já era um povo
unificado pela língua e cultura, e organizado em torno do ódio aos inimigos”.
Já segundo as reflexões de Azevedo (2008), três culturas influenciaram de
forma contraditória a formação do reino lusitano: a cristã, a judaica e a islâ-
mica. A cristã foi oficializada ainda nos tempos áureos do Império Romano do
Ocidente, abraçando as camadas superiores e rurais da população. A islâmica,
por meio dos “mudéjares” (mouros que foram submetidos ao domínio cristão)
e “moçárabes” (cristãos que agiam como os árabes). E a judaica, mediante a pre-
sença do povo judeu na Península Ibérica desde o período romano e reforçada
pela postura de D. Afonso Henrique, que atribuiu aos judeus cargos administra-
tivos de suma relevância do Reino (AZEVEDO, 2008. p. 27).
Foi dessa forma que Portugal se organizou e despontou como o primeiro
Estado europeu “independente”, composto por povos de diversas culturas dis-
tintas. Para Azevedo (2008), mencionando Mattoso em suas reflexões, “o Estado
português, recém-fundado, caminha lentamente para a nação, isto é, os habitantes
de seu território só a pouco e pouco vão adquirindo a consciência de pertence-
rem a uma mesma e única comunidade humana, dotada de costumes, língua,
tradição [...]” (AZEVEDO, 2008, p.28).
Outro ponto relevante na formação do Estado lusitano está ligado à pos-
tura da nobreza. De acordo com os estudos realizados por Menezes (2010, p.
17) “um aspecto importante do processo de independência de Portugal relacio-
na-se ao poder efetivo da nobreza nos territórios reconquistados e ao grau de

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


27

autonomia da população das vilas”. Todavia, depois da Reconquista, a nobreza


não exercia um domínio efetivo em todas as localidades do Reino, sendo que
nas terras onde a população estava mais dispersa e desprovida de senhor feudal
nem se sentia o poder da nobreza (SARAIVA, 1995).

DOS ASPECTOS ECONÔMICOS

Após o longo período


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de guerras travadas pelo


Reino, buscou-se organi-
zar o território e analisar as
possibilidades econômicas.
Em primeiro lugar, nota-se
que, terminadas as batalhas,
a população lusitana explo-
diu demograficamente e o
recém-fundado reino não
tinha condições de suprir
esse contingente populacional. O principal problema estava relacionado à ali-
mentação, pois, mesmo antes de se tornar um Estado, já se vivia em um ambiente
de escassez de gêneros alimentícios. Segundo Pestana (2006), mesmo possuindo
uma vocação agrária, as terras portuguesas estavam divididas em duas regiões:
no norte, fértil, porém superpovoado, enquanto no sul as terras não eram pro-
pícias à agricultura e o clima se assemelhava com o oceânico.
Enquanto no norte o solo possibilitava o cultivo de cereais – cuja produ-
ção estava baseada no minifúndio, caricaturado pelo dito anedótico de
que, quando um homem punha a vaca a pastar no seu prado, o excremen-
to do animal caía no campo do vizinho -; no sul o solo era, como ainda é
hoje, extremamente granítico, viabilizando quase unicamente a produção
de azeite de oliva e de cortiça. Além disso, de norte a sul, era prioritário
o cultivo de vinhedos, fundamentais para a produção de vinho, o maior
artigo de exportação portuguesa desde a ocupação romana, preferência
que desabastecia o mercado interno, obrigando o condado a importar
grandes quantidades de alimentos diversos (PESTANA, 2006, p. 22).

O Nascimento do Império Português


28 UNIDADE I

No campo, a situação era alarmante e os moradores viviam em condição de


absoluta miséria. Os camponeses eram “reféns” de seus senhores por meio
da servidão e estavam submetidos a longas jornadas de trabalho, a maus-
-tratos e castigos físicos, caso não atendessem às ordens dos proprietários
de terras. Era muito comum cada vilarejo do reino possuir um pelourinho
(símbolo que será utilizado na colônia portuguesa para castigar os escravos
negros), no qual os camponeses transgressores eram amarrados e chicotea-
dos pelos senhores.
A carência de alimentos, as ameaças psicológicas e os castigos físicos impul-

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sionaram a migração de trabalhadores dos campos para as cidades. Em busca de
melhores condições de vida, o reino assistiu a um significativo êxodo rural que
intensificaria o problema de abastecimento alimentício. Por outro lado, deixa-
ria a nobreza do campo em uma situação delicada pela ausência de braços para
labutar nas pequenas áreas propícias para o cultivo. Em resposta a essa migra-
ção de camponeses, a nobreza tentou negociar com o monarca lusitano algumas
medidas que visavam reprimir a fuga de camponeses.
Segundo Pestana (2008, p.36), o Rei português logo tratou de promulgar
leis que impedissem a fuga dos camponeses. Em contrapartida, fingia não ver a
presença de homens oriundos do campo que vagavam pelas ruas dos vilarejos
e viviam em situação de miséria, muito semelhante àquela encontrada no meio
rural, porém não estavam submetidos às humilhações e aos duros castigos físi-
cos impostos pelos seus senhores. Desse modo, caso não encontrassem trabalho,
podiam se submeter à mendicância ou cometer pequenos delitos.
A falta de alimentos no Reino não era um problema recente, tendo aconte-
cido ao longo da Guerra de Reconquista. Naquele momento, a solução encontrada
foi saquear centros urbanos sob o domínio mouro. Entretanto, com as sucessivas
vitórias cristãs e, consequentemente, com a expansão dos domínios fronteiriços, o
recurso utilizado anteriormente não seria mais suficiente para abastecer as popu-
lações recém-conquistadas, as tropas lusitanas e os cruzados que se juntavam
paulatinamente às tropas portuguesas. Desse modo, tendo um nítido problema
de abastecimento, onde não havia solos suficientes propícios à agricultura e tendo
que suprir as necessidades alimentícias de uma população que estava em um está-
gio de crescimento significativo, a forma encontrada pelos monarcas lusos nesse

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


29

momento foi as atividades relacionadas à pesca (PESTANA, 2006, p. 23). Saraiva


(1995, p.72 apud MENEZES) cita:
Há indícios de que já no século XII existia comércio de exportação por
via marítima, mas essas indicações são tênues demais para permiti-
rem a tese de uma imensa actividade nas regiões litorais, actividade
que teria sido, segundo a mesma tese, um dos factores decisivos da in-
dependência portuguesa. Ao longo da costa era constante a presença
de barcos de piratas mouros, e isso revela a existência de um tráfico
marítimo; por causa dos piratas, que saqueavam as povoações ao seu
alcance, os principais núcleos de população (exceptuando o caso de
Lisboa) não ficavam perto do mar, mas para o interior, ao longo dos
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rios navegáveis. Uma notícia de 1194 fala do naufrágio de um navio


português que se dirigia a Flandres e estava carregado de melaço, azeite
e madeira. Também há menção de mercadores portugueses, pelos me-
ados do século XII, numa feira de Tessalonica, na Grécia, que era um
importante centro do comércio com o Oriente. [...] Em 1211, o rei D.
Afonso II fez uma lei em que isenta de pagamento de tributo o resga-
te, pelos proprietários, dos salvados dos naufrágios. O facto de ser ter
legislado sobre o assunto indica que a navegação comercial ao logo da
costa assumia alguma importância.

Os homens que engrossavam a massa de trabalhadores sem ofício determinado comu-


mente eram direcionados para as atividades marítimas de Portugal. Essas atividades
eram desenvolvidas na própria costa lusitana e, muitas vezes, esses homens ocupa-
vam as embarcações que transportavam especiarias italianas. Enquanto as mulheres
tinham a opção de se render à prostituição nos portos do Reino, os filhos podiam
ocupar os navios mercantes, ajudando nas pequenas tarefas e livrando seus pais de
despesas relacionadas a sua alimentação. Era comum presenciar crianças com idade
inferior aos 10 anos trabalhando nas embarcações portuguesas, pois a noção de infân-
cia como nós temos atualmente não se enquadrava aos padrões da época analisada.
O trabalho infantil não era malvisto na sociedade portuguesa. Pelo
contrário, as famílias contavam com ele para incrementar a economia
doméstica. Utilizavam a mão de obra até dos rebentos mais novos, na
expectativa de um melhor padrão de vida familiar. [...] Textos produzi-
dos, então, retratavam os menores como pequenos animais domésticos,
ganhando um status diferenciado, de “gente”, apenas a partir dos 7 anos.
Assim, para os portugueses, não havia problema algum na exploração
da força de trabalho infantil. Pelo contrário, esta deveria ser aproveita-
da, em benefício da família. Mesmo porque metade dos nascidos vivos
morriam antes de completar 7 anos (PESTANA, 2008, p. 39).

O Nascimento do Império Português


30 UNIDADE I

Além dos setores econômicos já mencionados, Menezes (2010) destaca a relevân-


cia de outros setores que estiveram presentes na formação do Estado português ao
longo do século XII e XIII. Dentre as possibilidades de cultivo, o autor destaca a
produção de trigo e cevada. Nas atividades domiciliares, observa-se a tecelagem
do linho e da lã, resultando uma produção grosseira que ficou restrita apenas ao
abastecimento interno. Ganhava destaque também a mineração, a metalurgia do
ferro e a cerâmica que possuíam o mesmo destino que a tecelagem. Havia a pre-
sença de feiras, porém de forma esporádica, mas isso não significou uma frágil
atividade comercial, mostrando-se mais ativa que o próprio artesanato e sendo

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exercida, sobretudo, por judeus.
Quanto às atividades comerciais relacionadas às feiras, segundo aponta Pestana
(2006), os mercadores lusos agiam como intermediários entre as grandes feiras
orientais e as feiras localizadas na Europa, como a feira de Champanhe (uma das
feiras mais conhecidas e importantes do cenário medieval europeu). A atuação dos
mercadores, paulatinamente, fortaleceu a feira de Champanhe durante o século
XIII, mas reforçou as dificuldades de locomoção por terra entre o Oriente e o
Ocidente. Diante dessa difi-
culdade, houve a necessidade
de abertura de novas rotas
marítimas. Nesse sentido,
os portugueses “passaram
da posição de intermediários
para distribuidores, o que
não significa que não tenham
continuado a existir, embora
de forma secundária, atraves-
sadores portugueses lidando
diretamente com produ-
tos importados do Oriente” Figura 6: Feira no período medieval
Fonte: UFRGS (online).
(PESTANA, 2006, p. 24).
O problema com o abastecimento dos gêneros de primeira necessidade foi um
dos aspectos mais difíceis de ser solucionado pelos Reis de Portugal, que busca-
ram sanar essa deficiência nas expedições ultramarítimas. Como já destacamos,

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


31

o reino apresentava uma série de condições que impediam o abastecimento


de alimentos para a população. Dentre esses problemas, podemos destacar: a
ausência de solos férteis, a escassez de mão de obra nos campos e um imenso
crescimento populacional. Assim, passaram a importar os gêneros básicos e a
exportar produtos industrializados, como o vinho e o azeite que eram direcio-
nados ao comércio europeu. É nesse processo econômico que compreendemos
o nascimento de uma marinhagem e das primeiras técnicas de navegação que
serão responsáveis, posteriormente, pelas aventuras marítimas portuguesas na
Costa africana e nas ilhas atlânticas ao longo do século XV.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

OS SENHORES DOS MARES: A EXPANSÃO MARÍTIMA


LUSITANA

A ORGANIZAÇÃO DO
IMPÉRIO PORTUGUÊS

Prezado(a) aluno(a), neste


item, discorreremos acerca
das primeiras expedições rea-
lizadas por Portugal além de
sua orla marítima, ou seja,
abordaremos as aventuras
lusitanas além-mar nas ilhas
do Atlântico, na costa afri-
cana e na carreira das Índias
ao longo do século XV. Vale
ressaltar que nosso objetivo
será pontuar essas expedi-
ções, demonstrando suas motivações, como também destacar as condições que
foram favoráveis e que contribuíram para o pioneirismo português nas incur-
sões ultramarítimas.

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


32 UNIDADE I

No final do século XIV, os lusitanos vivenciaram um período que ficou mar-


cado por crises de origem financeira e política. Na esfera política, o problema
recaía, sobretudo, na sucessão do trono português, pois, com o falecimento de
D. Fernando (filho de D. Pedro I) em 1383, pela ordem natural de passagem da
coroa real, caberia ao filho mais velho assumir o trono. Porém, não tendo a opção
do primogênito assumir, ficaria na linha de sucessão sua filha Dona Beatriz. Mas
sua herdeira havia se unido em matrimônio com o rei de Castela, D. João I, fruto
de um acordo firmado entre as Coroas de Castela e de Portugal que colocaria fim
aos conflitos luso-castelhanos que ocorreram entre 1369 a 1382.

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Segundo Pestana (2006), o acordo matrimonial dos monarcas estabele-
cia regras de sucessão tanto do trono de Castela como o de Portugal. Perante o
documento, ficava legal que Dona Beatriz assumisse o trono lusitano, porém em
hipótese alguma a Coroa de Castela. Ainda, estabelecia que o filho mais velho
dos monarcas sucederia seu pai, D. João I, rei de Castela, e não o trono dos por-
tugueses. Todo esse impasse repercutiu negativamente em todas as esferas da
sociedade lusa, em que parte da nobreza e o restante da população não aceitavam a
aclamação de Dona Beatriz
por representar uma séria
ameaça à independência de
Portugal, tendo visto o sen-
timento de rivalidade que
nutria os dois Reinos desde
a guerra da Reconquista
(PESTANA, 2006, p. 25).
Com esse dilema de
ordem política, a única
solução encontrada foi
atribuir o trono à viúva de
D. Fernando, D. Leonor
Teles, que seria a regente
do trono em nome de sua
filha, D. Beatriz. Essa deci- Figura7: Dona Beatriz de Portugal
são da Coroa de Portugal Fonte: Wikimedia Commons.

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


33

desagradou todos os estamentos da socie-


dade lusitana. A burguesia nascente, ainda
envolvida em pequenos trâmites comerciais,
sobretudo com os italianos no comércio
das especiarias orientais (temática que tra-
taremos em breve), via na figura da futura
Rainha uma sombra das amarras medie-
vais, principalmente no que concernia à
taxação de impostos. Uma parte significa-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tiva da nobreza compreendia que a Coroa


estaria ameaçada se D. Leonor Teles per-
manecesse no trono, pelas estreitas relações
com Castela. Já os camponeses preferiam
que D. João, (mestre da Ordem Militar de Figura 8: D. Leonor Teles
Avis) e filho bastardo de D. Pedro, assumisse Fonte: Wikimedia Commons.
o trono de Portugal (PESTANA, 2006).
Segundo Menezes (2010), para proteger os interesses de D. Beatriz, as tropas
de Castela foram convocadas para uma ofensiva contra Portugal, apoiados por
um setor da nobreza lusa que via com bons olhos a união entre as duas Coroas.
Nesse contexto, D. João, tendo o apoio do povo miúdo, deu um golpe e foi acla-
mado Rei dos portugueses, permanecendo no trono até 1433. Com o avanço das
tropas castelhanas em Lisboa, o monarca se viu obrigado a fugir do Reino e pro-
curar auxílio na Inglaterra, onde firmou tratados de amizade que marcariam a
trajetória das duas Coroas até o século XIX.
Esse conflito ficou conhecido como Revolução de Avis (1383 – 1385)
e finalizou a onda de batalhas que marcou a História dos dois Reinos. Por
mais que os castelhanos possuíssem um forte apoio da cavalaria francesa,
as tropas de Portugal sempre foram superiores ao longo desses conflitos,
assegurando a independência lusitana. Essa Revolução é de suma relevân-
cia, pois, em linhas gerais, representa um rompimento significativo com a
mentalidade medieval que permeava o mundo dos ibéricos. Assim, afirma
Pestana (2006, p. 25-26):

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


34 UNIDADE I

Os conflitos de interesses desencadearam a Revolução de Avis que,


mais do que um simples levante político, serviu também para viabili-
zar a ruptura das relações comerciais com os resquícios medievais que
atravancaram o comércio e a expansão ultramarina. Essas mudanças
possibilitaram a Portugal ser um dos primeiros países europeus a en-
trar na Idade Moderna, pioneirismo que garantiu a primazia sobre a
exploração marítima, conduzindo à abertura da Carreira da Índia, e
pouco tempo depois da rota do Brasil.

Terminado os conflitos entre castelhanos e


portugueses, havia a necessidade de reorgani-
zação e centralização política de Portugal. D.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
João teria que buscar apoio na nobreza e, ao
mesmo tempo, reprimir os setores que simpa-
tizaram com o avanço de Castela em Lisboa.
Além da nobreza, outros setores da socie-
dade também receberam maior atenção,
como os camponeses, que, mesmo antes de
D. João assumir o trono, já manifestavam um
apoio significante ao monarca. Para os cam-
poneses, o Rei, inicialmente, criou medidas
de incentivo, mas agiu de forma que limitasse
suas ações. A burguesia foi o estamento que
mais obteve privilégios nesse processo, pois
o incentivo às atividades comerciais seria a
Figura 9: D. João I, fundador da Dinastia de Avis
palavra de ordem do Estado português no Fonte: Wikimedia Commons.
século XV (PESTANA, 2006).
Resolvida definitivamente a questão da independência portuguesa
frente a Castela, renovada a nobreza, diante da tradição marítima acu-
mulada, da geografia favorável e da necessidade de buscar o mar o que
o solo não podia suprir, sob o governo de D. João I a cruzada contra os
infiéis foi retomada como forma de direcionar a belicosidade da velha
nobreza, afastando-a da tentação de remover do poder a dinastia de
Avis. Ao mesmo tempo, foi aberto caminho aos mercadores que com-
punham a nova nobreza em formação. Os lusos voltaram seus olhos
para o norte da África, dando início à expansão ultramarina. O próprio
filho do rei, o infante D. Henrique, foi encarregado de organizar a em-
preitada em nome do Estado. E foi assim que abriu-se passagem para
as especiarias chegarem diretamente à Europa (PESTANA, 2006, p.27).

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


35

Após a análise da situação política do Estado português no final do século XIV,


passaremos ao estudo de alguns fatores que permearam as relações econômicas
lusitanas e que nos auxiliarão na compreensão das expedições lusas além-mar
empreendidas ao longo do século XV.
Primeiro, é importante lembrar que, no final do século XIV e boa parte
do século XV, a Coroa de Portugal passava por um momento delicado. O
Reino padecia de problemas financeiros graves, sobretudo resultante dos
conflitos que marcaram a Revolução de Avis e que asseguraram a indepen-
dência dos portugueses. Além dos gastos gerados com guerras, como já
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

destacamos, a Coroa enfrentava um problema em seu abastecimento ali-


mentício (solos férteis insuficientes, alinhado à escassez de trabalhadores no
campo que migraram para as cidades em busca de melhores condições de
vida). Entretanto, os centros urbanos não estavam preparados para receber
essa gama de trabalhadores oriundos do campo e começaram a enfren-
tar problemas de ordem social: desemprego, marginalidade e mendicância,
passaram a ser problemas presentes nas cidades do Reino. Alguns homens
foram remanejados para as empreitadas além-mar, porém essa alternativa
não era suficiente para resolver a incidência de trabalhadores nessas condi-
ções (PESTANA, 2006).
A D. João tornava-se difícil resolver esse problema financeiro, já que um
possível aumento de impostos seria inviável nesse momento, pois a Coroa des-
cobriu que não havia muito o que ser taxado pela ausência de camponeses e pela
escassez de outros setores econômicos citadinos. Nesse âmbito, destaca Pestana
(2006, p.29):
[...] os camponeses, que viam nas aventuras marítimas a possibilida-
de de livrarem-se do precário trabalho rural e da miséria, lançando-se
em grandes epopeias marítimas. Justamente por este motivo, prevendo
uma falta ainda mais grave de mão de obra e, consequentemente, de ali-
mentos, devido à fuga dos servos para os navios, os barões opunham-se
à expansão ultramarina e, particularmente, à conquista e fixação em ci-
dades no norte da África. Por outro lado, a Coroa via nessa empreitada
a única maneira de sanar as altas dívidas do reino [...].

O monarca de Portugal enfrentava várias dificuldades. Precisava sanar esses empe-


cilhos para remediar os problemas de ordem econômica. Havia a necessidade

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


36 UNIDADE I

de dialogar e convencer esses setores da nobreza da viabilidade das incursões


marítimas do Reino, pois, sem esse apoio, as expedições além-mar não conse-
guiriam ser concretizadas. Apresentar os motivos de cunho econômico não era
suficiente para convencer a nobreza a se aventurar na expansão ultramarina
lusitana. Era preciso encontrar uma motivação que mexesse com o imaginário
da nobreza que, paulatinamente, havia perdido seu caráter guerreiro e que via
nessa característica o motivo de sua existência. Percebendo essa motivação, o
Rei de Portugal tratou de justificar a expansão no âmbito da luta contra os infi-
éis da cristandade: os muçulmanos.

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A Coroa encontrou nessa disposição a solução para remediar mais de um
empecilho ao mesmo tempo. Nesse sentido, o Reino conseguia resgatar o ide-
ário guerreiro dos nobres, dando sentido à sua existência enquanto estamento
social. Tal característica havia sido perdida com a desestruturação do mundo
medieval e com o fim dos conflitos entre os Reinos de Castela e Portugal. Dar
sentido à sua existência e justificar seu ideário bélico foi a solução encontrada
pelo monarca português, para conseguir apoio da nobreza nas descobertas
marítimas, ou seja, “o Estado transformou o que era oposição intransigente
em apoio incondicional, ao encobrir o caráter puramente comercial da emprei-
tada e vendê-la como uma epopeia dignificante em favor da propagação da fé
cristã” (PESTANA, 2006, p. 29).
Prezado(a) aluno(a), além das questões de cunho econômico, e não menos
importante, precisamos considerar que no imaginário lusitano foi propagado e
perpetuado uma ideia de combate ao inimigo da fé cristã. Os portugueses real-
mente acreditavam que eles foram o povo escolhido por Deus para extinguir a
ameaça dos infiéis e propagar a verdadeira fé, a dos cristãos da Igreja Católica.
Esse ideário que permeará o cotidiano dos lusitanos vai justificar uma série de
ações da Coroa portuguesa, como as descobertas além-mar, as políticas de colo-
nização, a escravização dos negros e a catequização dos indígenas na América
portuguesa, assim como nas possessões lusas na África e na Ásia. Temáticas que
serão tratadas ao longo deste livro.

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


37

O IMAGINÁRIO LUSITANO

Vimos no item anterior que a Coroa portuguesa criou, paulatinamente, con-


dições para se lançar nas aventuras além-mar ao longo do século XV. Portugal
era um país unificado, com fronteiras definidas, sem conflitos externos nem
internos. Dispunha do apoio de vários setores da sociedade e construiu um
ideário, sobretudo junto à nobreza, que justificava suas ações nas empreitadas
marítimas. Esse apoio era fundamental para o sucesso da indústria náutica em
construção. Além disso, convivia com uma precariedade no abastecimento de
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alimentos para sua população. Tais restrições forçaram os lusitanos a explora-


rem sua orla marítima em busca de alimentos que suprissem as limitações que
Portugal vivia. Posteriormente, o Reino criou condições favoráveis para a explo-
ração das ilhas do Atlântico, da costa africana, do caminho das Índias e, por
último, da chegada à América.
Antes de vencer os obstáculos que os mares escondiam além de suas majes-
tosas ondas, os portugueses precisavam enfrentar os medos que permeavam
seu imaginário durante o século XV. Naquela época, era comum a recusa, por
parte dos marinheiros, de ultrapassar além do Bojador (algo que só foi rea-
lizado em 1434 por Gil Eanes), não por acreditarem que a terra era plana e
que poderiam cair num abismo, como muitos povos de outras localidades da
Europa acreditavam, mas sim pelos registros de muitas embarcações que não
retornaram dessa aventura.
De acordo com os estudos realizados por Pestana (2008), mesmo os homens
mais experientes não aceitavam se aventurar além do Bojador. Esse medo também
está ligado aos dizeres dos eclesiásticos que afirmavam que a aventura poderia
resultar, além da perda de vidas por meio de naufrágios, no comprometimento da
salvação das almas. Segundo alguns relatos do período, depois do cabo Bojador
não havia nenhuma manifestação de vida humana, nenhum tipo de vegetação,
como também nenhum rastro animal. A visão seria de um verdadeiro deserto e,
mais do que isso, após vencer o cabo, a possibilidade de voltar para casa era nula.

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


38 UNIDADE I

A violência das vagas e correntes na face norte do cabo, os baixos exis-


tentes ao seu redor, a frequência do nevoeiro e da neblina ao largo, a
dificuldade de voltar para o norte por causa dos ventos predominan-
tes, tudo parecia confirmar as histórias sobre o “verde mar Tenebroso”,
como os geógrafos árabes o chamavam, do qual, de acordo com a crença
popular, não havia possibilidade de retorno. Doze ou quinze tentativas
infrutíferas foram feitas (segundo se diz) no decorrer de outros tantos
anos, antes que um dos navios do príncipe Henrique por fim contor-
nasse o cabo em 1434, quebrando, assim, não só a barreira física, mas
ainda mais proibitiva barreira psicológica [...] (BOXER, 2002, p. 42).

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Segundo Antonio Sergio, dobrar o cabo se tornou uma preocupação frequente
para o Rei de Portugal. Mais do que vencer um ponto importante para a explo-
ração além da costa da África Ocidental rumo ao sul, também significava vencer
os medos que assolavam a mentalidade do navegador lusitano e os impediam
de realizar grandes feitos. Nesse âmbito, somas significativas foram investidas
pela Coroa, sem previsão de um retorno imediato, para vencer esse obstáculo e
prosseguir nas descobertas além-mar (SÉRGIO, 1983).
Dentre as tentativas que foram empre-
endidas, em 1433, D. Henrique solicitou
que preparassem uma caravela e destinou
seu comando a Gil Eanes, seu escudeiro.
O destino seria ultrapassar o tão tenebroso
cabo, mas a derrota ocorreu como de cos-
tume. No ano seguinte, mais uma vez, D.
Henrique organizou uma expedição rumo
ao cabo Bojador, porém, dessa vez, Gil Eanes
resolveu ser mais audacioso.
“decidiu-se enfim a abandonar
a costa, a rumar a oeste, a se-
guir a margem do lençol de es-
puma. Para lá, recomeçavam as
ondas do oceano Glauco; pela
popa, bem longe, a terra perde-
ra-se no horizonte em bruma;
D.Henrique à frente do “Monumento aos
e o piloto, vitorioso, rumou ao Descobrimentos” , como um navegador,
sul” (SERGIO, 1983, p. 45). segurando uma caravela.

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


39

A viagem de Gil Eanes em


1434 ficou marcada pelo
seu grande feito na história
das navegações portugue-
sas. Mais importante que
vencer o obstáculo geográ-
fico imposto pelo cabo, era
superar os medos que per-
meavam o imaginário do
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homem luso. Mesmo após o


contorno do Cabo, o medo e
a insegurança ainda estavam presentes nas aventuras marítimas. Segundo aponta
Pestana (2008, p. 22), “nada eliminou o medo do desconhecido, expresso pelos
relatos de avistamento de monstros e demônios marinhos”.
O imaginário do navegador lusitano não ficou restrito apenas ao medo dos
monstros e demônios marítimos, como ressaltado. A mentalidade do portu-
guês alimentou-se do estranhamento perante os primeiros contatos com outras
civilizações não europeias, possíveis por meio das expedições marítimas. Esses
contatos geraram embates culturais, interesses comerciais, estranhamento e
desentendimentos que, muitas vezes, só foram solucionados por meio de con-
flitos sangrentos. Observamos essa postura dos lusos em possessões da Costa da
África, na Ásia e na América no âmbito do projeto colonizador.
O contato com outras civilizações não gerou estranhamento apenas por parte
dos portugueses. Por meio de relatos, podemos destacar que muitos povos que
“receberam” as expedições oriundas de Portugal tiveram um choque cultural,
muitas vezes, até maior que os próprios lusitanos. Quando os lusos aportaram em
Luanda, os nativos foram tomados por um misto de sensações que oscilavam entre
o medo, estranheza e admiração. Nesse âmbito, afirma Pestana (2008, p. 22-23):
[...] aterrorizados, tomaram os estranhos por cadáveres vivos, zumbis,
pois, segundo sua cosmologia, os defuntos situavam-se nas águas e os
espíritos dos antepassados encarnavam no outro mundo, em corpos
brancos e vermelhos. Provindos do mar, os portugueses foram inse-
ridos no universo do sagrado, aos olhos dos africanos, passando a ser
reverenciados como deuses na terra [...].

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


40 UNIDADE I

O estranhamento que a chegada dos portugueses despertou em outras civiliza-


ções, sobretudo na Costa da África, possibilita compreendermos a passividade
inicial que muitos povos tiveram com a presença dos portugueses. Esse misto
de medo e admiração mexeu com o psicológico dessas civilizações e possibili-
tou que os lusitanos tomassem proveito disso, tanto em aspectos econômicos
como nos aspectos políticos.
O contato com o desconhecido despertou também o desprezo com a cul-
tura do outro, principalmente na relação estabelecida com os povos africanos.
O termo “etíope”, por exemplo, tão comum nos dias atuais, estava relacionado à

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cor da pele dos africanos - “face queimada”. Essa característica “passou a ser asso-
ciada à negritude do demônio”. Nesse sentido, os lusitanos estabeleceram uma
postura de dominação e inferiorização sobre os povos africanos que justificaria,
posteriormente, escravizá-los, pois, “reduziram sua ‘raça’ à expressão do mal”
e esse mal precisava ser combatido de alguma forma (PESTANA, 2008, p.23).
Nesse aspecto, Holanda (2004) acrescenta, ainda, que o período explorató-
rio lusitano além-mar principalmente na Costa africana foi similar a uma grande
empresa exorcista: “dos demônios e fantasmas que, através de milênios, tinham
povoado aqueles mundos remotos, sua passagem irá deixar, se tanto, alguma vaga
ou fugaz lembrança [...]” (2004, p. 11). Por essas considerações podemos refletir
acerca da mentalidade do homem lusitano. O contato com o outro externalizou
um sentimento de superioridade frente aos outros povos, tanto no âmbito cultural
como no âmbito religioso. A dominação seria uma questão de tempo e de estra-
tégia, que seria muito bem traçada pelos portugueses na era dos descobrimentos.

NAVEGAR EM NOME DE DEUS E DO ESTADO

Caríssimo(a) acadêmico(a), o presente momento histórico ficou marcado por


uma série de mudanças que atingiram o mundo europeu, principalmente no
que tange aos aspectos econômicos, políticos e culturais. Nesse âmbito, faremos
uma breve análise da política empreendida pela Coroa lusitana na era dos des-
cobrimentos e nas suas relações firmadas com a Igreja Católica por volta de 1450
que culminaram, posteriormente, na criação do “Padroado Régio”. A referida

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


41

instituição se baseava em acordos firmados entre a Coroa lusa e o papado, em


que a esfera religiosa legitimava as ações do Reino em troca da expansão dos
dogmas católicos nas terras até então “desconhecidas” ou mesmo nas localida-
des ocupadas pelos infiéis (muçulmanos).
Antes de pontuarmos os principais feitos lusitanos na empresa além-mar,
acreditamos ser importante trabalharmos brevemente o conceito de “descobri-
mento”. De acordo com o dicionário Houaiss, esse termo está relacionado a “o que
faz descobertas; explorador de terras longínquas, pouco acessíveis; fazer conhe-
cer; processo de chegada”. Todavia, no âmbito do século XV, o ato de “descobrir”
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ou mesmo “descobrimento” estava ligado ao fato de um conhecimento prévio de


algo e sua possível confirmação. Nesse sentido, podemos entender que os portu-
gueses já possuíam, no mínimo, uma mera noção da existência das localidades
que descobriram antes mesmo de sua chegada nelas.
O século XV ficou marcado pelas conquistas ultramarinas portuguesas que
se iniciaram no reinado de D. João I (1385-1433), em 1415, com a conquista de
Ceuta, que seria um ponto geográfico estratégico no controle da navegação na
Costa da África, e se prolongaram no decorrer do século com menor ou maior
intensidade. Nesse contexto, três anos depois, houve o povoamento no arquipé-
lago da Madeira e Deserta. Por volta de 1432, a descoberta dos Açores e, logo em
seguida, em 1434, o contorno no cabo Bojador, “marcando nova etapa ao reco-
nhecimento da Costa da África” (HOLANDA, 1981, p.28).
Ceuta era uma cidade comercial marroquina situada no lado africano
do estreito de Gilbratar, o ponto em que a África mais se aproxima da
Europa e que serve como espécie de linha divisória entre o mar Medi-
terrâneo e o oceano Atlântico. [...] À nobreza interessava a conquista de
Ceuta porque era uma boa oportunidade para exercitar seus dotes mili-
tares, obter despojos (o saque às cidades conquistadas era uma tradição
militar na época) e alcançar ou reforçar posições na Corte. No âmbito
político e religioso, a tomada de Ceuta tinha um valor simbólico. Afinal,
era dali que Tarik havia partido com seus exércitos mouros no século
VIII para conquistar a Península Ibérica. Conquistar Ceuta seria, pois,
uma justa e legítima vingança contra o agressor mouro. Do ponto de
vista econômico, Ceuta era, no início do século XV, um centro comer-
cial para onde afluíram mercadorias europeias, africanas e asiáticas. O
Marrocos era também uma importante região produtora de cereais, cujo
abastecimento sempre foi precário em Portugal (PEREIRA, 2010, p. 24).

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


42 UNIDADE I

A conquista de Ceuta foi um


importante avanço no que
concerne à empresa marítima
portuguesa, pois assegurava à
Coroa todos os itens que ela
precisava para avançar rumo
às explorações além-mar, ou
Figura 10: A conquista portuguesa de Ceuta representada em azulejos na estação
seja, representava benefícios de São Bento, Porto
Fonte: Wikimedia Commons.
geográficos, econômicos,

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políticos e, além destes aspectos, justificava o ideário cruzadiço da Coroa de Portugal.
Nesse sentido, as navegações empreendidas na Costa da África foram o
primeiro passo dos lusitanos na corrida dos “descobrimentos”. Segundo Boxer
(2002), existiu uma harmonia de fatores de cunho econômico, religioso e polí-
tico, os quais nem sempre podem ser percebidos com a mesma intensidade.
Desse modo, em linhas gerais, as viagens portuguesas foram movidas por qua-
tro razões principais: as cruzadas contra o inimigo muçulmano, a corrida pelo
ouro da Guiné, a busca pelo lendário Preste João e, por último, a aquisição de
especiarias orientais (BOXER, 2002, p. 34).

A lenda do Preste João das Índias é muito antiga, pois Marco Polo já se refe-
ria a ela no seu diário de viagens. São vários e muito antigos os testemunhos
de que existiria no Oriente um rei cristão nestoriano chamado João, cujo
império estaria situado na Ásia, segundo uns, ou na África, segundo outros.
Os reis cristãos que combatiam o Islamismo fizeram várias tentativas para
contactar este importante aliado no Oriente, mas sem resultados.
Fonte: Infopedia (online).

O primeiro ponto destacado pelo autor diz respeito à motivação de cunho reli-
gioso e econômico. Combater os infiéis representava legitimar as ações bélicas
da nobreza, propagar a fé católica e assegurar sua soberania, como também

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


43

abria uma possibilidade econômica muito importante, por Ceuta ser um ponto
estratégico no comércio com o Oriente. O segundo item assinalado pelo autor
se justifica pela Coroa lusitana não possuir uma moeda de ouro nacional desde
1383 e se colocava como um dos poucos reinos da Europa nessa condição que
desfavorecia suas tramitações comerciais. Além desses fatores, não menos impor-
tante era a procura incansável pelo lendário Preste João. Segundo as lendas que
se propagavam pela Europa, Preste João era um príncipe cristão de um pode-
roso reino “nas Índias”, mais precisamente
na região da atual Etiópia. Os portugueses
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acreditavam que, após estabelecer um con-


tato com Preste João, ele seria um inestimável
aliado na cruzada contra os infiéis muçulma-
nos, sejam eles de origem árabe, egípcia ou
moura. O último fator que alimentava a moti-
vação lusa na empresa além-mar era a busca
pelas especiarias orientais que só foi concreti-
zada no final do século XV, com a descoberta
da rota para as “Índias”, onde os portugueses
puderam comercializar diretamente com o
Oriente, possibilitando-lhes altos rendimen- Figura 11: Gravura ilustrando o Preste João
Fonte: Wikimedia Commons.
tos (BOXER, 2002, p. 35-36).
Com a descoberta de Ceuta e, posteriormente, das ilhas atlânticas situadas
a oeste da África, como as ilhas de Porto Santo, Deserta, Madeira e do arquipé-
lago dos Açores, a Coroa portuguesa precisava desenvolver mecanismos para
colonizar esses novos territórios. As ilhas de Porto Santo e Açores, por serem
desabitadas, ofereciam a possibilidade de serem povoadas pelos descobridores
lusos. O clima era propício para a labuta na terra e o trigo foi uma das opções
de plantio, visto que, no final do século, estas possessões já se colocavam como
grandes exportadoras de trigo para Portugal. Na ilha da Madeira, colonizada por
volta de 1433, optou-se também pelo trigo, mas foi com o plantio de cana-de-açú-
car que a Coroa lusitana obteve grandes lucros e, ao mesmo tempo, possibilitou
uma experiência viável que também seria utilizada no nordeste brasileiro, visto
a semelhança climática (PEREIRA, 2010, p. 28).

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


44 UNIDADE I

Assim, além das preocupações econômicas, políticas e administrativas ine-


rentes à colonização dos novos territórios portugueses, o monarca português
manifestava preocupações no âmbito religioso. Nesse sentido, determinou a cons-
trução de igrejas em todas as terras recém-descobertas. Após serem construídas,
ordenou que enviassem padres lusitanos que ficaram responsáveis por ouvir con-
fissões, dar a absolvição e transmitir os sacramentos da Igreja Católica, tanto para
os habitantes das ilhas como para os marinheiros que ficavam hospedados por
períodos esporádicos.
No que concerne à conversão dos nativos que ocupavam essas possessões

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ultramarinas, o encaminhamento realizado pelos padres se resumia simplesmente
ao batismo. Não havia uma ação catequética organizada pelos religiosos, pois o
que interessava naquele momento era a “cura pastoral dos cristãos viajantes ou
dos cristãos colonizadores. Bastavam capelães para exercerem os serviços litúr-
gicos e conferirem os sacramentos aos fiéis cristãos” (KUHNEN, 2005, p. 85).
O estreitamento nas relações entre a Igreja Católica e a Coroa de Portugal
se deu por volta de 1450 em um cenário propício a ambas. Não houve desvan-
tagens, mas sim uma soma de interesses comuns. O papado se encontrava em
crise e existia uma necessidade de mudar essa situação e reaver seu prestígio,
principalmente na Europa. Para a Igreja, o despertar do espírito de cruzada sig-
nificava a chance de superar a crise e reafirmar sua soberania. Em contrapartida,
a política empreendida pelos Reis de Lisboa vinham ao encontro da estratégia
do papado. Segundo Kuhnen (2005, p. 68), “os monarcas portugueses souberam
explorar, com sabedoria diplomática, os elementos religiosos e cruzadistas de
sua empresa marítima, para conquistar os pontífices ao seu favor”.
É importante salientar a teoria de que a Coroa de Portugal já possuía moti-
vações no âmbito religioso no início da “era dos descobrimentos”, muito antes
dessa clara aproximação entre as esferas religiosas e laicas, isto é, entre a Igreja
de Roma e o Estado luso. A fé aos preceitos católicos e a guerra contra o infiel
era um motivador para os lusos desde os primórdios da expansão ultramarina.
Vale lembrar que os religiosos ocupavam as embarcações portuguesas desde a
conquista de Ceuta. Sendo assim, o Reino não precisou traçar nenhuma nova
estratégia para atender às solicitações do papado, mas apenas organizar e inten-
sificar sua política de expansão da fé e combate ao infiel.

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


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Padrão dos Descobrimentos em Lisboa. Nesse monumento para homenagear os principais personagens
das Grandes Navegações portuguesas, encontram-se alguns importantes padres missionários como o jesuíta
Francisco Xavier, o dominicano Gonçalo de Carvalho e o franciscano Henrique de Coimbra.
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A aproximação entre as duas esferas pode ser claramente percebida nas bulas
papais que foram expedidas a partir de 1452. Por meio desses documentos, fica-
vam estabelecidos privilégios e deveres concedidos ao Império Português. Esses
breves papais agiam como uma força motivadora aos descobrimentos além-
-mar, porém o mais importante é que asseguravam ao reino a soberania dos
Oceanos, protegendo-os das ameaças de outras Coroas, principalmente da sua
rival, Castela (BOXER, 2002).
De acordo com as reflexões de Boxer (2002), as bulas papais mais impor-
tantes desse período foram: Dum diversas, de 18 de junho de 1452, a Romanus
pontifex, de 08 de janeiro de 1454 e a Inter caetera, de 13 de março de 1456.
A primeira bula papal assegurava à Coroa lusa o direito de conquistar ter-
ritórios e submeter os infiéis e inimigos da Igreja de Roma. Por meio desse
documento, os lusitanos poderiam escravizar os ditos infiéis, ou seja, aqueles
que se manifestassem contra os dogmas da Igreja Católica, como também povos
seguidores de outras religiões. Além de escravizar, poderiam capturar seus bens
e, ainda, as terras a eles pertencentes. Essa bula também garantia o direito vita-
lício a todas as possessões conquistadas na empresa marítima, afastando, dessa
forma, a ameaça de outros reinos (BOXER, 2002, p. 37).
A segunda bula representa a carta do imperialismo luso. O documento
retrata, inicialmente, os feitos do infante Dom Henrique desde 1419, seu zelo e
preocupação com os dogmas da Igreja Católica e seu combate aos inimigos da
verdadeira fé. Em linhas gerais, enfatizava a importância da bula anterior e estabe-
lecia o direito do Rei português de enviar religiosos e construir Igrejas nas terras
recém-descobertas (prática que os monarcas de Lisboa já desenvolviam). Além

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


46 UNIDADE I

dessas questões, esse breve papal estabelece que “todas as demais nações estão
estritamente proibidas de infringir o monopólio português das descobertas, con-
quista e comércio, ou de nele infringir de qualquer modo” (BOXER, 2002, p. 38).
A última bula em questão trazia à tona a confirmação das bulas anteriores e
determinava que “o grão mestre dessa ordem teria plenos poderes para nomear
os titulares de todos os benefícios, quer os do clero secular, quer os do regular,
impor censura e outras penas eclesiásticas, bem como exercer os poderes de bispo
nos limites de sua jurisdição” (BOXER, 2002, p. 39). Diante dessas determina-
ções, podemos afirmar que as bulas papais desse período refletiam a essência da

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“Era dos Descobrimentos” e nos ajudam a compreender o modo como os por-
tugueses iriam se colocar posteriormente na colonização da América.
A monarquia portuguesa sustentava uma aliança cheia de gratidão com
a Santa Sé por tê-la reconhecido como tal. As relações com a Santa Sé
se intensificaram a medida que as conquistas e descobertas iam acon-
tecendo. Com isso, os monarcas iam suplicando e requerendo a inge-
rência dos pontífices em assuntos do reino, especialmente nas viagens
marítimas (KUHNEN, 2005, p.67).

A expedição dessa gama de bulas papais preparou o terreno para a criação de


uma Instituição que seria responsável por uma evangelização sistemática do
mundo desconhecido, ou seja, nas possessões portuguesas ultramarinas. Tal
Instituição ficou conhecida como “Padroado Régio” e deu caráter à política de
colonização das terras lusitanas durante todo o século XVI. Essa relação entre a
Coroa de Portugal e o papado permitiu a intensificação das descobertas além-
-mar e, consequentemente, possibilitou uma abertura nas relações comerciais
não menos importantes para os monarcas de Lisboa. Desse modo, a busca de
riquezas estava abençoada por Deus e em nome do Estado.
O Padroado português pode ser amplamente definido como uma com-
binação de direitos, privilégios e deveres concedidos pelo papado à Co-
roa de Portugal como patrona das missões e instituições eclesiásticas
católicas romanas em vastas regiões da África, da Ásia e do Brasil (BO-
XER, 2002, p. 243).

Com a autonomia concedida pelo papado, a Coroa portuguesa possuía totais


poderes nos assuntos relacionados à fé em suas possessões. Poderiam escolher
bispos, designar suas paróquias, construir igrejas, como também cobrar dízimos.

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


47

Todas essas medidas deveriam ser submetidas à aprovação do monarca, pois


caberia a ele a manutenção desse sistema, posicionando-se acima de Roma. Isso
implica que os membros da Igreja que estivessem nas colônias portuguesas deve-
riam prestar contas a Portugal (BOXER, 2007).
[...], o Padroado Português ultramarino fora concedido à Coroa por-
tuguesa por dois grandes motivos: Primeiro, em gratidão e reconhe-
cimento pela excelente obra cruzadista e missionária realizada no ul-
tramar por D. Manuel e seus antecessores desde D. João I. Gratidão
pelos esforços feitos, com muitas despesas e perdas humanas, na luta
cruzadista contra os infiéis, quer seja na África contra os infiéis sarra-
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cenos, quer em outros lugares contra infiéis inimigos de Cristo. [...] O


segundo motivo foi o de conceder livremente um favor e privilégio que
animasse D. Manuel e seus sucessores a prosseguirem nessa empresa,
combatendo os infiéis e construindo novas igrejas nas suas conquistas
(KUHNEN, 2005, p. 92).

A presença dos religiosos nas colônias portuguesas era marcada por dificuldades.
O clero não era suficiente para desenvolver um trabalho evangelizador adequado.
Além disso, os padres não estavam preparados para conviver em territórios tão
inóspitos. Somado a isso, ainda, havia a árdua tarefa de impor os preceitos cató-
licos em detrimento das religiosidades dos nativos. Assim, a empreitada religiosa
nas possessões além-mar se desenvolveu den-
tro do limite de suas possibilidades.
Com a posse de D. João III (1521-1557),
nota-se uma mudança significativa na política
lusitana referente à evangelização das terras no
além-mar. O monarca se mobilizou e buscou
soluções e alternativas para que as populações
que ocupavam as colônias fossem assistidas
devidamente com os dogmas da verdadeira fé.
Nesse âmbito, por volta de 1538, foi
criada a Companhia de Jesus, que viria para
solucionar as deficiências no que concerne
à catequização dos povos além-mar. Essa
Instituição foi responsável pela evangelização
Figura 12: D. João III
das possessões portuguesas e se espalharam Fonte: Wikimedia Commons.

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


48 UNIDADE I

pela África, Ásia e América, onde se estabeleceram, em 1549, no cerne do pro-


jeto colonizador dos trópicos portugueses.

Foi neste enquadramento do padroado que se foram criando as várias dio-


ceses dos territórios ultramarinos portugueses, numa longa série que se es-
tendeu ao longo dos séculos XVI, XVII e XVIII: Funchal (1514); Cabo Verde
(1533); Angra (1533); Goa (1533); S. Tomé (1533); Baía (1551); Cochim (1558);

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Malaca (1558); Macau (1576); Funai (1588); Congo (1596); Angamale (1600);
S. Tomé de Meliapor (1606); Olinda (1676); Rio de Janeiro (1676); Maranhão
(1677); Pequim (1690); Nanquim (1690); Belém do Pará (1719); Mariana
(1745); São Paulo (1745). Para a nomeação dos titulares de cada uma dessas
dioceses, seguia-se um processo complexo que se manteve durante o perí-
odo da união ibérica.
Fonte: Gonçalves (online).

EM BUSCA DE RIQUEZAS

Como já mencionamos nos itens anteriores,


Portugal, durante o século XV, apresentava
condições internas favoráveis para se lan-
çar na empresa marítima. O Reino possuía
fatores reais para investir em uma política de
expansão territorial, pois, nesse momento,
tinha um poder político centralizado, dis-
punha do apoio e aprovação do papado e,
ainda, não enfrentava nenhum conflito que
pudesse desviar suas forças, já que a grande
maioria das Coroas europeias ainda passava
por um processo de organização ou mesmo estava envolvida em algum con-
flito de origem interna ou externa, fatores que impossibilitavam que outros
Reinos se lançassem as aventuras além-mar (BOXER, 2002).

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


49

Somada a todos esses fatores favoráveis à expansão marítima, a Coroa pre-


cisava dispor de investimentos e recursos tecnológicos para manter sua empresa
náutica. Sair para as aventuras além-mar era algo que dependia de uma com-
binação de fatores, dentre eles, podemos destacar: homens para as incursões,
embarcações bem construídas e recursos financeiros que só lhes dariam renta-
bilidade a longo prazo.
No século XV, o Reino enfrentava problemas sérios tanto na esfera econô-
mica como na esfera social. O grande contingente de pessoas espalhadas pelas
cidades portuguesas sem ocupação era algo notório. A fome e a violência eram
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

constantes na vida dos desocupados do reino. Entretanto, mesmo passando


por tais privações, muitos homens não se viam atraídos pela vida nas embar-
cações marítimas. Observa-se que nas empreitadas costeiras não havia falta
de marinheiros, porém, quando se tratava de explorações, como as conquis-
tas na Costa da África, a disponibilidade de pessoas interessadas caía mais da
metade e, se fossem em localidades mais distantes, o número era ainda menor
(PESTANA, 2006).
Nesse sentido, a metrópole decidiu resolver essa questão com a convocação
de condenados pela justiça, em troca, oferecia o perdão dos crimes cometidos.
Em casos mais sérios, em que o prisioneiro estava condenado à pena de morte, a
Coroa oferecia o trabalho compulsório nas embarcações ou mesmo transferia a
pena do indivíduo em degredo nas localidades onde a recusa era certa. Todavia,
a demanda de pessoas para suprir as necessidades da empresa náutica continu-
ava grande e o reino não dispunha desse contingente. Uma outra alternativa
utilizada pela Coroa foi o rapto de vagabundos e desabrigados que ocupavam
as ruas das cidades portuguesas (PESTANA, 2006, p. 37).
Após o mapeamento da Costa africana, observamos uma mudança no modo
de pensar daqueles homens. A possibilidade ainda que vaga de adquirir algum
tipo de benefício levou-os, paulatinamente, a enfrentar os desafios que a empresa
marítima reservava. Nos vilarejos africanos, por exemplo, os marinheiros per-
ceberam que possuíam a possibilidade de efetuar pilhagens, porém apenas de
animais nativos. Perceberam uma possibilidade real de enriquecimento após a
viagem de Vasco da Gama, no final do século XV, que inauguraria a carreira das
“Índias”, onde os desocupados de Portugal disputariam um lugar nas embarcações

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


50 UNIDADE I

lusas rumo ao Oriente. Em contrapartida, as viagens para a África e para o Brasil


foram evitadas nas décadas iniciais do século XVI, sendo que o rapto aos deso-
cupados e a convocação dos degredados foi realmente a única alternativa que o
Reino dispunha no momento (PESTANA, 2006).
Com o conhecimento da Costa da África, os portugueses passaram, a par-
tir de 1442, a perceber as possibilidades reais de comercializar escravos negros.
Esse comércio com as tribos africanas iniciou-se de maneira tímida, mas cresceu
de forma alarmante e se manteve como uma alternativa necessária, segundo a
Coroa, para suprir as necessidades de mão de obra dos lusitanos tanto no Reino

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quanto nas suas possessões além-mar ao longo dos séculos seguintes. Além disso,
a Coroa compreendeu que esse comércio poderia servir como agente financiador
das expedições lusas nas incursões marítimas, pois os lucros resultantes desse
comércio eram significativos e os Reis portugueses precisavam de recursos para
manter sua empresa náutica viva.
Os escravos provinham originariamente de ataques, primeiro aos
acampamentos tuaregues do litoral saariano e depois às aldeias negras
da região do Senegal. Muitas vezes dirigidos contra grupos de famí-
lias desarmadas ou aldeias indefesas [...]. Mas depois de alguns anos de
contato com as populações negras da Senegâmbia e da alta Guiné, os
portugueses compreenderam que podiam obter escravos de maneira
mais fácil e mais conveniente por meio de trocas pacíficas com os che-
fes e mercadores locais. Nunca faltaram, naquele tempo e mais tarde,
africanos dispostos a vender seus semelhantes a traficantes europeus,
quer fossem criminosos, prisioneiros de guerra ou vítimas de feitiçarias
(BOXER, 2002, p. 40-41).

Em linhas gerais, os escravos obtidos no continente africano eram adquiridos de


duas maneiras. Em um primeiro momento, os portugueses se aproveitavam dos
conflitos internos entre as tribos africanas para adquirir os escravos, comerciali-
zando com os chefes tribais, em que trocavam os escravos por produtos vindos de
Portugal. A outra forma de obter escravos era por meio de ataques sistemáticos
a tribos africanas. Essa opção foi comumente utilizada quando os portugueses já
possuíam alguma familiaridade com o território, visto que não precisavam mais
de intermediários para obter os escravos negros (BOXER, 2002).

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


51

No início, os próprios portugueses capturavam os negros que viviam


nos arredores do litoral, e, portanto estavam mais expostos e fáceis de
encontrar. Com o tempo e a procura, esses começaram a escassear, tor-
nando-se necessário buscá-los no interior do território hostil e desco-
nhecido. Para não renunciar ao comércio tão lucrativo e, ao mesmo
tempo, para não se expor a maiores perigos, a saída encontrada foi pro-
por aos próprios africanos – reis, homens ricos e mercadores prósperos
– a troca de mercadorias por escravos. [...] esses chefes tribais passaram
a assumir a função de caçar e vender aos portugueses escravos africa-
nos, usufruindo dos benefícios oferecidos e da suposta amizade com
o invasor. [...] Se optassem pela recusa em vender vidas humanas ao
inimigo, outros certamente aceitariam, e os rebeldes, além de ser ex-
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cluídos do comércio de armas e produtos europeus, se tornariam alvo


fáceis de caçadores (PESTANA, 2006, p. 94-95).

Entretanto, não podemos acreditar que os africanos foram passivos a esta


exploração. Pestana (2006) afirma que os negros apresentaram resistência à
dominação imposta pelos lusos, principalmente antes da organização das fei-
torias, em que as embarcações portuguesas só permaneciam atracadas nos
“portos” mediante pagamento (PESTANA, 2006, p. 94). Mas, como destaca-
mos, o fato de haver conflitos entre as tribos possibilitou que os portugueses
se aproveitassem disso.
O contingente de escravos negros adquiridos na África foi destinado tanto
na labuta da metrópole (no campo e nas cidades) como nas possessões lusas
além-mar. Na ilha da Madeira, por exemplo, os escravos eram direcionados
para as lavouras de cana-de-açúcar, algo que também seria aplicado na colô-
nia portuguesa na América ao longo do século XVI. Desse modo, os escravos
eram capturados na África, levados para o Reino e de lá encaminhados para
as colônias portuguesas como mão de obra imprescindível ao projeto coloni-
zador da Coroa. Nesse viés, Godinho (1971) conclui: “à metrópole afluem os
escravos e nas colônias o trabalho destes ‘instrumentos com voz’ é muitas vezes
a base do desenvolvimento econômico. O escravo é contado entre o gado e as
cousas” (GODINHO, 1971, p. 198).
Nesse estado de “coisa”, o negro africano era visto como um mero objeto de
trabalho. O escravo negro era negociado ou, diversas vezes, raptado, levado até as

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


52 UNIDADE I

embarcações portuguesas e de lá seguia viagem para o Reino. Durante a viagem,


eram comuns as perdas humanas assoladas pela fome ou abatidas por enfermida-
des. As condições de transporte dos negros eram assustadoras. Conviviam com
seus rejeitos e se alimentavam com alimentos que eram atirados ao chão, onde
disputavam o espaço com ratos e insetos. Além dessa condição sub-humana,
também estavam sujeitos aos árduos castigos físicos e ameaças psicológicas dos
comandantes das embarcações lusas. Caso perdessem a vida ou ficassem muito
doentes, eram lançados ao mar durante a viagem. Todo esse processo foi alimen-
tado por Portugal até o século XIX.

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A política escravista empreendida pelo Reino não foi alvo de discussões do
papado. Nos relatos do período, a escravidão negra não foi em nenhum momento
questionada, pois a exploração dos homens fazia parte das relações humanas.
Notaremos esse tipo de discussão e contestação a partir do século XVIII no Brasil,
que iria desembocar em um processo abolicionista no XIX. Nesse âmbito, a Igreja
de Roma, ao invés de combater e repudiar a política escravista da Coroa lusa,
acabou por criar condições e mecanismos para legitimá-la como um aspecto
natural da vida em sociedade. Tal discussão pode ser observada nas bulas e bre-
ves papais entre 1452 e 1456, que, além de autorizarem essa postura, permitiam
que os monarcas de Lisboa subjugassem os povos que residiam nos territórios
conquistados (BOXER, 2007, p. 45).
Além dos recursos financeiros oriundos do sistema escravista, a Coroa
também teve que contrair empréstimos com banqueiros italianos, com mer-
cadores estrangeiros e dos judeus que residiam em Portugal, por causa da
carência de recursos que o Reino possuía para investir nas expedições ultra-
marítimas. As negociações firmadas com os judeus se intensificaram no final
do século XV, quando sofreram uma série de perseguições e tiveram que aban-
donar a Espanha e procurar refúgio no Reino luso. A partir desse momento,
o monarca D. João II acolheu os judeus, porém sempre que necessário obri-
gava-os a investir na empresa náutica portuguesa. Caso houvesse uma recusa,
poderiam ser perseguidos ou mesmo ter seus bens confiscados. Esses investi-
mentos foram de suma relevância para o descobrimento da rota para as “Índias”
(PESTANA, 2006, p. 39-41).

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


53

Após anos de expedi-


ções na Costa da África, os
portugueses adquiriram,
além de um conhecimento
pleno do território, a noção
de que a empresa marítima
que desenvolviam precisava
de investimentos de cunho
tecnológico. Havia a neces-
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sidade de capacitar pessoas


para se dedicarem ao aper-
feiçoamento das técnicas
navais, de realizar estu-
dos referentes aos regimes
dos ventos e das correntes
marítimas, assim como para
elaborar mapas e portulanos que serviriam como auxiliares na navegação.
Para realizar viagens mais longínquas, o Reino teve que investir na arqui-
tetura náutica. Nesse sentido, era preciso desenvolver embarcações mais
resistentes e menos pesadas para serem utilizadas nas rotas mais distan-
tes, principalmente para a
América e na “carreira das
Índias”. Essas embarcações
ficaram conhecidas como
“caravelas” e foram utiliza-
das pelos portugueses desde
1442 nas principais incur-
sões marítimas. Nota-se que
a relevância da arquitetura
náutica era tão grande que
havia documentos emitidos
desde D. Henrique que proi-
biam a venda de caravelas

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


54 UNIDADE I

para outros Reinos. Todavia, toda essa precaução por parte da Coroa lusa não
dispensava a contribuição de estrangeiros na construção dessas embarcações
(CORTESÃO, 1960).
A Coroa portuguesa elaborou nesse período uma série de medidas a
fim de guardar o segredo das caravelas. Dentre essas medidas, buscou man-
ter os homens responsáveis pela construção dessas embarcações proibidos
de servir outros Reinos, pois o segredo poderia ser revelado e a superiori-
dade lusa nos mares ameaçada. Desse modo, capitães, pilotos, cosmógrafos
e cartógrafos estavam terminantemente proibidos de servirem outras Coroas

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e, caso infringissem essa determinação, estavam sujeitos a rígidas penas
(CORTESÃO, 1960).
Por volta de 1476, a política de sigilo náutica portuguesa foi brutalmente
ameaçada com a traição do genovês Antonio da Noli - que feito prisioneiro
pelos espanhóis nas terras africanas pertencentes a Portugal, em troca de sua
liberdade, prestou serviço a outra Coroa. Noli repassou informações à Espanha
sobre os meios náuticos, as estratégias e mecanismos utilizados no comércio
luso (ANDRADE, 1972, p. 31). Mediante esse incidente, o Reino lusitano bus-
cou intensificar a política de sigilo marítimo, visto que prezava pela soberania
das descobertas além-mar. Essa política era de domínio público, pois o próprio
povo português compreendia a importância desse sigilo quanto ao sucesso da
abertura de rotas e, consequentemente, das relações comerciais que poderiam
ser estabelecidas (CORTESÃO, 1960, p. 29).
O incidente causado pela traição de Antonio da Noli nos ajuda a com-
preender a preocupação dos monarcas lusos quanto a sua política de sigilo
náutico e nos mostra outra fragilidade. Mesmo com a emissão de uma série
de bulas papais que asseguravam as descobertas territoriais realizadas pela
Coroa de Portugal, isso não representava que os portugueses estivessem pro-
tegidos contra investidas de outros Reinos, sobretudo dos espanhóis. E é nesse
contexto que também destacamos a importância da criação do “Padroado
Régio”, pois viria para fortalecer e garantir a soberania de Portugal na “Era
dos Descobrimentos”.

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


55

RUMO AO ORIENTE

Após o conhecimento da
Costa da África e com os
recursos obtidos por meio
do comércio estabelecido
com as tribos africanas,
sobretudo oriundos do
comércio aurífero e de escra-
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vos da Guiné, o Rei D. João II


possuía condições financei-
ras e geográficas de retomar
um sonho antigo dos lusita-
nos: sair à procura do lendário Preste João. Nesse âmbito, o monarca empreendeu
o envio de expedições, primeiramente, de reconhecimento de algumas posses-
sões ao longo da parte Ocidental da África e, em seguida, pela abertura de novas
rotas, tanto por mar quanto por terra (BOXER, 2002, p. 48-49).
A viagem mais relevante nesse processo foi comandada por Bartolomeu
Dias, que saiu de Lisboa em 1487 e conseguiu dobrar o “Cabo das Tormentas”,
posteriormente, batizado por D. João III por “Cabo da Boa Esperança”, no
início de 1488. Após esse feito geográfico revolucionário, seguiu em direção ao
norte, ao longo da costa meridional africana, onde retornaria com a notícia de
que havia inaugurado o caminho para as “Índias”. Esse caminho foi paralela-
mente estabelecido também por via terrestre, por Pero de Covilhã, que trouxe
notícias detalhadas acerca do comércio das especiarias asiáticas (canelas, cra-
vos, pimenta, joias e porcelanas) tão almejadas pela Coroa lusa.
[...] é certo que só na década de 1480 é que os portugueses passaram
a se interessar seriamente pela possibilidade de controlar o comércio
asiático de especiarias na própria fonte, ou ao menos perto desta. Até
então, haviam suprido a necessidade relativamente modesta de espe-
ciarias asiáticas com as que conseguiam (como os outros europeus)
por intermédio dos venezianos, que as compravam dos comercian-
tes muçulmanos do império mameluco do Egito e da Síria (BOXER,
2002, p. 50).

Os Senhores dos Mares: A Expansão Marítima Lusitana


56 UNIDADE I

Quando D. João II faleceu, em 1495, já estavam bem adiantados os preparativos


da esquadra que sairia rumo ao Oriente. Dois anos depois, em julho, a esqua-
dra de Vasco da Gama partiu de Lisboa com a esperança de chegar às “Índias”
e estabelecer, de fato, uma rota de comércio com o Oriente. Nesse intervalo de
tempo, Cristovão Colombo, em tentativa de chegar ao Oriente, descobriu as ilhas
americanas, todavia, não tinha conhecimento de que havia descoberto um novo
continente. Assim, depois de 10 meses de “oceano” e “África”, os lusitanos fica-
ram em êxtase diante dos esplendores orientais. Estava concretizada a rota para
as “Índias” (SÉRGIO, 1983, p. 61).

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Passados tantos tormentos, a combalida frota de Vasco da Gama, ou o
que sobrou dela, aportou em Lisboa em 18 de setembro de 1499, dois
anos e três meses depois da partida, trazendo muito gengibre, pimenta
e canela. Essa carga possibilitou aos aplicadores um lucro de 4.000%
sobre o valor investido na viagem, acirrando ainda mais a ambição
desmedida dos portugueses. Relevando o alto preço pago em vidas hu-
manas, a Coroa intensificou a política dos descobrimentos de novas
rotas comerciais que garantissem a Portugal lucros superiores aos obti-
dos, nem que para isso fosse necessário dominar as cidades mercantis.
Aberto o caminho marítimo para o Oriente, nascia a famosa e lucrativa
Carreira da Índia, que consistia na viagem anual de Lisboa até a cidade
de Goa, representando a principal fonte de renda da Coroa. Em poucos
anos, a chamada “pimenta do reino” tornou-se o produto mais exporta-
do de Portugal para os demais países europeus, alterando significativa-
mente o panorama do velho continente (PESTANA, 2006, p. 112-113).

Alguns dias após o retorno da primeira embarcação do Oriente, o Rei D. Manuel


I escreveu uma carta aos monarcas de Castela e Aragão, dando conta de seu
grande feito marítimo e
comercial. Nesse registro, o
Rei luso destaca com exagero
evidente a grandiosidade
que as Índias poderiam lhe
oferecer com terras onde jor-
ravam minas de ouro e onde
se obtinham toda espécie
de pedras preciosas. A par-
tir desse momento, o Rei de

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


57

Portugal se intitulava como “Senhor da Guiné e da conquista, navegação e comér-


cio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia” (BOXER, 2002, p. 52-53).
Segundo Pereira (2010), já em 1505 partiria de Lisboa uma esquadra
contendo 22 navios e cerca de 1.500 homens rumo ao Oriente, com o obje-
tivo de estabelecer bases em pontos importantes na África e na Ásia, visando
assegurar a hegemonia lusa da nova rota comercial entre Ocidente e Oriente
(PEREIRA, 2010, p. 30). Estava claro que a Coroa lusitana não mediria esfor-
ços para alimentar o comércio com o lado Oriental do mundo, pois, assim,
obteriam lucros incomparáveis. Esse comércio seria prioridade da Coroa lusi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tana ao longo do século XVI e, por um bom tempo, colocaria a colonização


do Brasil em segundo plano.

Fonte: Campos e Dolhnikoff (1994, p. 5).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta primeira unidade, buscamos pontuar as origens de Portugal, sua orga-


nização enquanto Estado e a expansão marítima lusitana durante o século XV.
Podemos compreender a importância de todo esse processo para a construção
de um Império Marítimo que colocaria Portugal como soberano na “era dos
descobrimentos” e, consequentemente, resultaria na chegada dos portugueses
no Brasil em 1500.

Considerações Finais
58 UNIDADE I

Esta unidade também é relevante para entender a formação do homem portu-


guês; esta resultante, em linhas gerais, de uma “mescla cultural” desde a presença
de diversas civilizações na organização da Península Ibérica até o contato com
judeus e muçulmanos. Toda essa bagagem cultural é de suma importância para
compreendermos a plasticidade e o espírito aventureiro do homem luso que
foi capaz de se relacionar com outros povos com costumes tão distintos. Esse
ponto inerente à cultura lusa será um diferencial nesse período de conquistas
além-mar e colocará a Coroa portuguesa em vantagem comparada aos outros
Reinos da Europa.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Observamos, também, nesta primeira unidade, que as viagens lusitanas
foram motivadas, de maneira geral, por quatro razões principais: as cruzadas
contra o inimigo muçulmano, a busca pelo ouro africano, a procura incansável
pelo lendário Preste João e, por último, a aquisição de especiarias no Oriente,
que resultaria em grandes lucros aos cofres da Coroa portuguesa.
Todavia, como um país tão pequeno conseguiu alcançar feitos tão grandio-
sos? Dentre os fatores que favoreciam a supremacia lusa nas incursões marítimas,
podemos destacar: uma posição geográfica favorável, em que poderiam nave-
gar tanto pelo Mediterrâneo como pelo Atlântico; uma centralização precoce do
Estado comparada às outras Coroas que ainda apresentavam resquícios feudais;
ausência de conflitos externos e internos, visto que Portugal já havia delineado
suas fronteiras junto a sua rival Castela; espírito cruzadiço que possibilitou uma
aliança entre o Estado e o papado por meio da criação do “Padroado Régio” que
assegurava as aquisições lusas além-mar e incansáveis investimentos na tecno-
logia náutica.
Após concluirmos esta importante etapa do nosso estudo, passaremos, a
seguir, à análise da chegada da Coroa portuguesa à América, aos primeiros
contatos estabelecidos entre lusos e habitantes da terra, à colonização das terras
brasílicas e, não menos relevante neste processo, à evangelização dos “negros da
terra”. Esse conjunto de fatores nos auxiliará na compreensão da política de colo-
nização empreendida da América portuguesa.
Está preparado(a)? Vamos lá!

BREVE HISTÓRIA DE PORTUGAL: DAS RAÍZES LUSAS À EXPANSÃO ULTRAMARÍTIMA


59

1. Após a leitura minuciosa desta unidade, elabore um texto dissertativo desta-


cando as principais condições que possibilitaram o pioneirismo português
na “Era dos Descobrimentos”.
2. De acordo com a leitura do segundo tópico da unidade, “Os senhores dos Mares:
a expansão marítima lusitana”, explique os quatro principais motivos que im-
pulsionaram as expedições marítimas portuguesas.
3. Leia as afirmações abaixo e assinale a alternativa CORRETA:
a. O Império que Portugal construiu ao longo do século XV foi duramente
ameaçado por várias Coroas europeias, que passaram a comercializar dire-
tamente com o Oriente as especiarias orientais.
b. O Padroado Régio foi uma instituição criada no século XV para retirar os
poderes antes concedidos a Coroa de Portugal. Dessa forma, a Igreja volta a
ter um papel fundamental na expansão da fé e combate dos infiéis.
c. Portugal foi o pioneiro das expansões além-mar, estabelecendo contatos
comerciais na África e na Ásia. Contudo, sua grande atividade econômica
era a agricultura, por obter vastas porções de solos férteis no Reino.
d. No início do século XV, o Reino português começou sua expansão ultrama-
rítima em 1415, com a conquista de Ceuta, que era um ponto geográfico
estratégico no controle da navegação na costa da África.
e. A Coroa portuguesa promoveu sua expansão além-mar motivada apenas
por motivos de ordem econômica e política, visto a situação de crise interna
que Portugal atravessava desde o século XIII.
4. Trabalhando com Documento:
Prezado(a) acadêmico(a), este exercício é imprescindível para a sua formação
docente, pois é por meio dos documentos históricos que podemos realizar uma
compreensão mais aprofundada dos fatos de um determinado momento.
O extrato documental a seguir apresenta um relato feito por um navegador por-
tuguês em meados do século XV, em um contato inicial com os povos africanos.
[...] Os negros, tanto homens como mulheres, ocorriam todos para me ver, como se
tratasse de uma grande maravilha, pois parecia-lhes muito extraordinário estarem
perante um cristão, de que nunca tinham ouvido falar. Não se espantavam menos
com a brancura de minha pele e das minhas roupas, que lhes causaram grande ad-
miração [...] Alguns mexiam-me nas mãos e friccionavam-me os braços com saliva,
para ver se a minha brancura provinha de qualquer pintura ou se a carne era mesmo
assim. Quando verificavam isso, ficavam muito espantados. [...]
Fonte: CADAMOSTRO. Relação das viagens à costa ocidental da África, 1455-57, p. 41. In.: AMADO, J.;
GARCIA, L. F. Navegar é preciso: grandes descobrimentos europeus. São Paulo: Editora Atual, 1989.

Por meio do estudo desta Unidade e com uma análise minuciosa do trecho docu-
mental acima, elabore um texto dissertativo, levando em consideração:
a. As expedições portuguesas além-mar.
b. O contato com outras civilizações.
61

O QUE É MERCANTILISMO?

O mercantilismo não constitui uma dou- no país. Os estados eram tanto mais ricos
trina econômica coerente e fixa, mas antes e tanto mais poderosos, quanto mais ouro
um conjunto de medidas práticas de polí- e prata neles circulavam [...]
tica econômica ou de teorias baseadas no
princípio chamado “crisohedónico”, ou seja, A corrente ibérica do mercantilismo, tam-
no princípio que afirma a proeminência da bém designava metalismo ou bulionismo, é
riqueza monetária. Deste princípio, que se a mais antiga e a mais rudimentar. Segundo
enraizou nos espíritos durante três séculos esta corrente, para se conseguir aumentar
(XVI, XVII e XVIII), derivaram as tendências o máximo as reservas monetárias dever-se-
fundamentais para o estatismo econômico, -ia agir directamente sobre os movimentos
coerente com a teoria política da centraliza- dos metais preciosos, dificultando-lhes
ção dos poderes e do nacionalismo; para as a saída e promovendo a sua entrada no
políticas da balança do comércio favorável país. Os processo práticos para se obter
e da organização industrial e comercial e, esta finalidade consistiam na pura e sim-
finalmente, para a oposição dos interesses ples interdição da exportação de moeda,
nacionais, com o consequente exclusivismo por vezes punida com a pena de morte, ou
marítimo e colonial [...]. na aplicação das duas seguintes regras que
se completavam: 1, os navios que largassem
As origens do mercantilismo, no seu duplo dos portos nacionais com cargas destina-
aspecto de política econômica e de con- das a portos estrangeiros eram obrigados a
cepção doutrinal, acham-se intimamente trazer na torna-viagem uma quantidade de
ligadas à história nacional. Foram os des- numerário equivalente ao valor atribuído
cobrimentos marítimos de portugueses a essa carga; 2. os navios que trouxessem
e espanhóis que provocando uma trans- para os portos nacionais mercadorias de
formação profunda nas condições dos origem estrangeira eram obrigados a levar
países ibéricos, fizeram surgir nos espíritos em mercadorias parte do produto da venda
à ideia da supremacia da riqueza mone- de sua carga. A conjugação destas duas
tária, sobretudo a partir do século XVI. A regras, dificultando a saída de numerário
constituição do vasto império português, e facilitando a sua entrada, levava ao alme-
absorvido em 1580 no ainda mais vasto jado fim de aumentar o “stock” monetário
império espanhol de Felipe II, e o espe- do Estado e, consequentemente, promo-
táculo de grandeza e opulência nunca via o engrandecimento nacional. Foi esta a
vistas que este último ofereceu à Europa política econômica, aliás sem grande repre-
[...]. O ideal desta corrente de ideias era de sentação doutrinal, que o Império espanhol
procurar por diversas formas aumentar a amplamente praticou durante grande parte
quantidade de numerário em circulação dos séculos XVI e XVII.
Fonte: Magalhães (1967, p. 144-146).
MATERIAL COMPLEMENTAR

O Império Marítimo Português: 1415-1825


Charles Boxer
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Leitura indispensável para a compreensão da construção
do Império que Portugal construiu além-mar. O autor da obra
discute as vicissitudes e as principais características do Império,
dividindo o livro em dois grandes momentos. Dentre as reflexões
levantadas por Boxer, uma das mais interessantes está relacionada
aos grandes feitos empreendidos por esse pequeno país, tanto no
âmbito de conquistas ultramarítimas, como no desenvolvimento de
uma política de colonização de suas aquisições territoriais.

1492: A conquista do Paraíso


Ano: 1992
Sinopse: Filme de Ridley Scott, traz a tona um cenário épico das
Grandes Navegações marítimas realizadas no final do século
XV. O filme trata em seu plano de fundo as aventuras marítimas
empreendidas por Cristovão Colombo a serviço da Coroa
espanhola em 1492. Em sua tentativa de chegar ao Oriente pelo
Ocidente, descobre algumas ilhas que, posteriormente, saberia
que pertenciam a um novo continente: a América. O filme aborda
o cotidiano das conquistas, as negociações, as dificuldades vividas
nas embarcações e as viagens como um todo.
Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima

A COLONIZAÇÃO DOS

II
UNIDADE
TRÓPICOS PORTUGUESES

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender a chegada dos portugueses ao Brasil, analisando os
contatos iniciais entre lusitanos e indígenas.
■ Discutir os motivos pelos quais a colonização do Brasil aconteceu de
forma tardia.
■ Entender a política de povoamento desenvolvida pela Coroa de
Portugal.
■ Observar a organização do Governo Geral pautada tanto nos
aspectos econômicos como nos religiosos.
■ Refletir acerca da importância da indústria açucareira.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A chegada à América e o encontro com o desconhecido
■ As Capitanias Hereditárias
■ O Estabelecimento do Governo Geral
65

INTRODUÇÃO

Prezado(a) aluno(a), daremos prosseguimento ao nosso estudo sobre o Brasil no


período colonial. Nesta unidade, trabalharemos com três grandes eixos de dis-
cussão que abordam a chegada do português à América, com a organização do
sistema de capitanias hereditárias e, em terceiro plano, com o estabelecimento
do Governo Geral no Brasil. Essa análise é de suma relevância para compreen-
dermos as relações que foram se construindo no Novo Mundo, sobretudo no
âmbito cultural, econômico, social e religioso.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O primeiro eixo temático priorizado em nossa análise se inicia com as


discussões acerca da “Rota das Índias”. Essa etapa é fundamental para enten-
dermos a chegada e, consequentemente, o contexto no qual os portugueses
aportaram no Brasil em 1500. Nesse âmbito, teremos acesso aos primei-
ros contatos estabelecidos entre indígenas e portugueses por meio da Carta
de Caminha que nos oferece elementos riquíssimos tanto dos ameríndios
como da natureza colonial em si. Desse modo, após esse breve convívio entre
índios e lusos e o retorno da esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral
a Portugal, a Coroa portuguesa organizou um modo de explorar a sua nova
possessão na América.
Concluída a etapa exploratória que foi marcada pela extração do pau-bra-
sil com o auxílio dos indígenas e o convívio nada agradável de estrangeiros, o
Rei de Portugal compreendeu que havia a necessidade de povoar suas terras,
principalmente devido às ameaças de outras Coroas europeias. Nesse sentido,
organizou políticas de povoamento que ganharam corpo na implementação
do sistema de capitanias hereditárias. Esse sistema foi importante para a Coroa
observar os pontos positivos e as limitações que a sua colônia apresentava, visto
que as dificuldades eram imensas. Tais discussões integram o estudo de nosso
segundo eixo temático.
O terceiro ponto que priorizamos em nossa análise parte das soluções para
os problemas apresentados no sistema de capitanias hereditárias. Diante do
insucesso do sistema, o monarca português acreditou ser imprescindível a centra-
lização do poder colonial na figura de um Governador. E a partir desse momento,
podemos perceber que um projeto colonizador seria desenvolvido nos trópicos

Introdução
66 UNIDADE II

em nome de Deus e do lucro. Nesse contexto, perceberemos o crescimento da


indústria açucareira e da intensificação desse comércio que colocou o Brasil em
um cenário global.
Assim, compreendemos que essas questões que serão discutidas nesta uni-
dade são de suma relevância para entendermos o projeto colonizador que a
Coroa lusitana empreendeu nos trópicos portugueses ao longo do século XVI e
que nos oferece respostas às questões que colocaremos nas unidades seguintes.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A CHEGADA À AMÉRICA E O ENCONTRO COM O
DESCONHECIDO

OS TRÓPICOS NA ROTA DO ORIENTE

A primeira viagem de Vasco da


Gama ao Oriente foi marcada
por uma série de incidentes.
O navegador ficou anco-
rado cerca de três meses em
Calicute e teve problemas com
os nativos e com o Samorim,
que desprezou os “presentes”
que Vasco da Gama havia
levado para esse primeiro
contato. Segundo os registros
historiográficos do período,
os portugueses haviam levado
“quinquilharias” à Índia, comparado às majestosas especiarias orientais.
Todavia, os problemas não ficaram limitados ao tempo que Vasco da Gama
permaneceu em Calicute. Na viagem de retorno a Portugal, o navegador enfren-
tou uma série de obstáculos. Além da demora ser maior na volta, a frota de

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


67

Gama se dispersou e as embarcações chega-


ram a Lisboa em datas diferentes. A primeira
a ancorar em terras lusas foi a de Nicolau
Coelho, que chegou em 10 de junho de
1499, e a última foi a comandada por Vasco
da Gama já no final de agosto do presente
ano. Das quatro embarcações que partiram
rumo ao Oriente, apenas duas retornaram
(PEREIRA, 2010, p. 30).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Após o retorno de Vasco da Gama a


Lisboa, a Coroa portuguesa, sob o comando
de D. Manuel, confirmou a previsão que havia
Vasco da Gama
feito. Os lucros eram extraordinários sobre o
capital investido e, a partir daquele momento, teriam que se preparar para susten-
tar o comércio ultramarítimo com o Oriente e estabelecer a chamada “Carreira das
Índias”, que, em linhas gerais, eram as expedições que partiam de Lisboa rumo ao
Oriente em busca de especiarias. Entretanto, para realizar uma segunda viagem,
deveriam se preparar de maneira adequada e isso demandava tempo e investi-
mentos (PESTANA, 2008).
O Império português
começava os preparativos
para a construção de uma
nova armada, visando
uma esquadra com maior
número de embarcações e
com navios mais resistentes
e velozes. A esquadra conta-
ria com 22 navios, sendo 9
naus, 3 caravelas e 1 naveta
de mantimentos e transpor-
taria cerca de 1.500 homens
das mais distintas funções Figura 13: Nau de Pedro Álvares Cabral conforme retratada no Livro
das Armadas, atualmente na Academia das Ciências de Lisboa
(PESTANA, 2008, p. 162). Fonte: Wikimedia Commons.

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


68 UNIDADE II

Segundo Bueno (1998), na Nau Capitânia, que seria comandada pelo chefe
da expedição Pedro Álvares Cabral, seguiam sua guarda pessoal, contendo sete
besteiros, “cerca de 80 marinheiros e 70 soldados, aos quais somavam 33 outros
passageiros, entre eles sete serviçais, dois degredados, oito frades francisca-
nos e oito intérpretes”. Também ocupavam a Nau Capitânia, funcionários que
ficariam responsáveis pela feitoria de Calicute, o nobre Aires Correia e o escri-
vão ou mesmo o contador Pero Vaz de Caminha. “Ao todo, havia cerca de 190
homens a bordo do navio” (BUENO, 1998, p. 22-23). Somada a esses homens,
havia uma multidão de artesãos, carpinteiros, calafates e tanoeiros, indispen-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sáveis para o sucesso das viagens marítimas. Só não observamos a presença de
mulheres, pois poderiam despertar tentações carnais nos marinheiros e por
representarem um “mau agouro”, salvo exceções quando eram destinadas aos
projetos de colonização lusitana.

O degredo era uma pena comumente aplicada aos infratores portugueses


e consistia no afastamento da terra natal por um determinado período ou
mesmo por toda a vida. Na “Era das Grandes Navegações”, os degredados do
Reino eram enviados para as possessões portuguesas ultramarítimas e, mui-
tas vezes, ficavam responsáveis por coletar informações mais apuradas do
território. Em outros casos, os degradados eram abandonados nessas terras,
onde sobreviveriam se tivessem sorte.
Fonte: a autora.

A segunda expedição foi preparada pela Coroa portuguesa ao longo de oito


meses e trazia nas entrelinhas um desejo de mostrar ao mundo a potência
que o Império lusitano cristão Ocidental representava. O Rei, preocupado
com a impressão inicial deixada por Vasco da Gama, decidiu preparar uma
expedição ao Oriente que impressionasse pela quantidade de produtos por-
tugueses, almejando “dobrar” o Samorim e, consequentemente, o mercado

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


69

indiano. Caso a tentativa lusitana fracas-


sasse, Portugal estava preparado para um
confronto no âmbito militar. Um dos objeti-
vos lusos era instalar entrepostos em pontos
estratégicos a fim de comercializar ouro
e especiarias em Calicute, como também
de encaminhar missionários (PRIORE;
VENANCIO, 2010, p. 16).
No dia 08 de março de 1500, a capital
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

do Reino pararia para celebrar com suntu-


osa festividade a conclusão da esquadra de
Cabral que seguiria rumo as Índias. O dia Figura 14: Tradicional retrato de Pedro Álvares
Cabral. Ele estampou a cédula brasileira de mil
(um domingo) foi cuidadosamente escolhido cruzeiros entre 1942 e 1967
Fonte: Wikimedia Commons.
para que todos pudessem acompanhar a par-
tida da expedição ao Oriente. Após concluírem todas as festividades e cerimônias
religiosas que marcavam a partida das expedições marítimas, a frota de Cabral
deixou Lisboa e seguiu seu destino. Em menos de seis dias, já avistaram as ilhas
Canárias, e uma das embar-
cações já havia desaparecido.
Logo, então, seguiram em
direção ao arquipélago de
Cabo Verde (cerca de 600
km da Costa da África). No
dia 09 de abril, a esquadra
cabralina cruzou o Equador
que era um ponto que reque-
ria muitos cuidados e foi
comemorado pelos tripu-
lantes das naus, cerca de 13
dias depois “descobriria” as
terras que seriam batizadas,
Figura 15: Desembarque de Cabral em Porto Seguro, óleo sobre tela de Oscar
posteriormente, de Brasil Pereira da Silva, 1922[34] . Acervo do Museu Histórico Nacional (Rio de Janeiro)
(BUENO, 1998). Fonte: Wikimedia Commons.

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


70 UNIDADE II

Em 22 de abril de 1500 o Brasil seria “descoberto” por Pedro Álvares Cabral


e sua esquadra. A Coroa portuguesa, agora, realizava um grande feito no lado
Ocidental do mundo, que seria de suma importância para alimentar seu comércio
com o Oriente. Entretanto, caro(a) acadêmico(a), antes de realizar uma discus-
são acerca dos primeiros contatos firmados entre portugueses e indígenas na
Costa brasileira, analisaremos um ponto que até hoje é intrigante para muitos
historiadores: teria Cabral realmente descoberto o Brasil?
De acordo com os estudos realizados por Pestana (2008), a grande “desco-
berta” de Cabral em 1500 não passou de um achamento de terras que a Coroa

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
portuguesa já conhecia empiricamente. Essa “certeza” lusitana decorria de uma
série de expedições realizadas em décadas anteriores no Oceano Atlântico.
Segundo o autor, outras hipóteses são levantadas e analisadas por estudiosos
do período. Dentre as versões mais recentes, uma está relacionada à confec-
ção de mapas chineses de 1421, que retrata os contornos precisos da América.
Porém o Império chinês não investiu na exploração das possessões americanas
pela ausência de recursos econômicos e mesmo pela deficiência de homens que
essa empresa demandava. Dessa forma, segundo Pestana (2008, p. 162-166), o
Estado chinês priorizou a segurança de suas fronteiras ao invés de se lançar às
explorações marítimas.
Todavia, quem teria sido o primeiro lusitano a chegar ao Brasil? Já é con-
senso entre os estudiosos e até superada a hipótese que Cabral foi o primeiro
português a desembarcar no Brasil (PESTANA, 2008). Segundo Pereira (2010),
outro navegador luso esteve na Costa brasileira antes da “descoberta” oficial em
1500. Seu nome é Duarte Pacheco Pereira e foi responsável pelo primeiro mape-
amento das terras brasílicas desenvolvido em 1498.
Tudo indica que, ao contrário de Cabral, cuja missão era tomar
posse oficial do Brasil antes de ir para a Índia, Duarte Pereira Pa-
checo preservou o segredo envolvido nas atribuições concedidas
pela Coroa. Por outro lado, fez anotações geográficas que pudessem
comprovar a primazia do Descobrimento e divulgou a informação
somente em data oportuna, durante o breve período em que este-
ve repousando em Lisboa, antes de assumir a responsabilidade de
caçar piratas franceses que ameaçavam a rota da Índia (PESTANA,
2008, p. 169).

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


71

Além do questionamento sobre Cabral ter sido ou não o descobridor do


Brasil, existe, ainda, outro debate realizado pela historiografia, que se remete
à casualidade ou intencionalidade do descobrimento. Segundo Pereira (2010),
a tese de casualidade aparece nos relatos dos cronistas quinhentistas, como
Fernão Lopes de Castanheda, João de Barros, Damião de Goes e Gaspar
Correira. Essa tese é reforçada pelos dois primeiros historiadores do Brasil:
Frei Vicente de Salvador e Rocha Pita. De acordo com essa versão, o Brasil
foi descoberto acidentalmente em decorrência de uma forte tempestade que
abateu a esquadra cabralina e, consequentemente, tirou-os da rota rumo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ao Oriente. Entretanto, essa possível tempestade não aparece nos relatos


realizados por Pero Vaz de Caminha e fragiliza a tese de causalidade do des-
cobrimento defendida pelos cronistas quinhentistas. Para reforçar a tese de
intencionalidade do descobrimento, podemos mencionar o esforço que a
Coroa portuguesa teve para negociar o Tratado de Tordesilhas, em 1494,
juntamente com o Reino espanhol. Esse tratado dividia o “mundo” europeu
entre portugueses e espanhóis no que concerne as descobertas territoriais
além-mar (PEREIRA, 2010, p. 31-32).

O Tratado de Tordesilhas foi assinado em junho de 1494. Nesse novo acer-


to, ficava estabelecida a demarcação de um novo meridiano localizado
370 léguas a oeste da ilha de Cabo Verde. Os territórios a oeste seriam
explorados pelos espanhóis, e as terras a leste deveriam ser controladas
pelos lusitanos. Dessa forma, o novo acordo assegurou a exploração lu-
sitana em parte dos territórios que hoje compõe o Brasil. Pouco tempo
depois, as determinações desse tratado seriam questionadas pelas outras
nações europeias que iniciavam seu processo de expansão marítima. Di-
versos monarcas não aceitavam o fato de a divisão ter se restringido aos
países ibéricos.
Fonte: Souza (online).

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


72 UNIDADE II

Figura 16: Planisfério de Cantino (1502), um dos primeiros mapas ainda existentes mostrando o território
do Brasil. A linha do Tratado de Tordesilhas também está representada

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: Wikimedia Commons.

PARAÍSO OU INFERNO: O CONTATO ENTRE DOIS MUNDOS


DESCONHECIDOS

Independente das teorias acerca do “descobrimento” ou da intencionalidade dos


portugueses de chegarem ao Brasil, o fato é que, quando a esquadra comandada
por Pedro Álvares Cabral aportou em Porto Seguro, em 22 de abril de 1500, os
portugueses já carregavam consigo uma vasta experiência no que concerne ao
descobrimento de novos territórios e ao estabelecimento de contatos com popu-
lações tão distintas ao olhar europeu. Isso foi possível com a expansão marítima
portuguesa, que lançou raízes na África e na Ásia ao longo do século XV. Todavia,
mesmo possuindo essa imensa bagagem cultural, os lusitanos não deixaram de
ficar estarrecidos diante do cenário que o Novo Mundo tropical lhes apresentava.
Nada do que haviam vivido até o momento era comparado àquilo que presen-
ciaram nas terras brasílicas.
Um mundo jamais visto antes. Aos olhos da Europa, uma sociedade in-
quietante se revela: são homens sem lei, sem fé e sem rei que habitam a
outra margem do Ocidente, margem que, a partir de 1500, passou a situ-
ar-se simbolicamente na confluência de dois mundos, o Velho e o Novo.
Ora, toda margem delimita; ao mesmo tempo inclui e exclui, integra e
divide, transita entre o diferente e o mesmo: a descoberta foi a ponte
lançada entre as duas margens, a civilização ocidental e as civilizações
primitivas. [...] Confrontados pela primeira vez com um tipo de socie-
dade radicalmente diferente – os ocidentais não hesitaram em impor
sua concepção de sociedade humana. Nas suas representações políticas
não havia lugar para o diferente. No imaginário europeu, o mundo po-
lítico dos selvagens era literalmente impensável (NOVAES, 1999, p. 7).

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


73

Nesse sentido, as primeiras impressões que os lusitanos possuíram dos nativos que
ocupavam aquelas terras foi relatada pelos cronistas do período como um encon-
tro de grandes proporções. Segundo Souza (1999, p. 95),
“o grande encontro histórico do mundo europeu com o mundo do ín-
dio foi antes de tudo um ritual de reconhecimento entre duas psicolo-
gias com a capacidade de gerar fortes emoções”. O autor destaca que as
narrativas dos primeiros viajantes traziam a tona essa “perplexidade”
e ofereciam esta cosmogonia: “dramaturgia de novas vidas ou espelho
de novas possibilidades, tal era o espírito de todas elas, enunciando
e formulando o direito de conquistar dos desbravadores portugueses”
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

(SOUZA, 1999, p. 95).

Os portugueses que integravam a frota cabralina permaneceram ancorados por


um período de 10 dias em Porto Seguro e, paulatinamente, iniciaram o reconhe-
cimento daquele espaço litorâneo. Durante esse período, os lusos estabeleceram
os primeiros contatos com os naturais da terra. Esse contato foi marcado por
uma confusão de sentimentos, em que a desconfiança, o medo e a admiração se
fizeram presentes. Nesse âmbito Kuhnen (2005, p. 129) destaca:
A desconfiança e ignorância a respeito de um e de outro lado eram to-
tais. Nenhum dos dois grupos humanos ali se defrontava – os naturais
da terra e os portugueses – podia prever qual atitude tomaria a parte
oposta. Por isso ambos traziam suas armas e estavam preparados para
um confronto armado, embora, logo a seguir, os dois lados tenham
percebido que todos preferiam estabelecer um encontro amistoso.

Os primeiros contatos estabelecidos entre


esses mundos díspares levaram os lusitanos ao
encontro com o “outro”. Durante os primeiros
dias de permanência nas terras brasílicas, os
portugueses buscaram analisar com cautela
o comportamento dos naturais da terra. De
acordo com a análise desenvolvida por Novais
(1999, p. 8), “a partir de 1500 o pensamento
ocidental vive de um duplo: ora dominado
pela imaginação, ora tentando penetrar no
mundo do outro”. Na verdade, com exceção
de Jean de Léry, André Thevet e Hans Staden,

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


74 UNIDADE II

os relatos europeus definiam as sociedades nativas apenas de acordo com sua


imaginação, não havendo uma reflexão daquela sociedade aos olhos dos indí-
genas (NOVAIS, 1999, p. 10).

Hans Staden foi um aventureiro alemão que na sua segunda vinda ao Brasil
caiu nas mãos de uma tribo de antropófagos. Aprisionado no litoral de São
Paulo, descreve em prosa vivaz os costumes indígenas bem como as várias

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tentativas de fuga até seu retorno final à Europa. André Thevet promoveu o
primeiro registro da fundação da França Antártica, em 1555, obra de Ville-
gagnon que construiu o Forte Coligny na baia de Guanabara para servir de
base de apoio ao seu projeto de colonização de toda a região. Jean de Léry,
chegou aos trópicos na companhia de pastores hunguenotes que vieram
irmanar-se na colônia fundada por Villegagnon na baia de Guanabara. Sua
aproximação com os tupinambás terminou por render o melhor ensaio et-
nográfico sobe os indígenas do Brasil.
Fonte: Schilling (online).

Para os nativos que ocupavam o Novo Mundo, tudo era novidade. Segundo Pereira
(2010), o universo europeu que havia desembarcado nos trópicos trazia consigo
uma gama de surpresas: “os navios, as roupas, as armaduras dos soldados, as
armas, as barbas, a cor da pele, tudo lhes parecia estranho e absolutamente novo”
(PEREIRA, 2010, p. 52). Seria como se hoje fossemos surpreendidos por civiliza-
ções totalmente diferentes da nossa, tanto em aspectos físicos como tecnológicos.
Além da presença de grupos humanos tão distintos ao olhar europeu, não
podemos nos esquecer de mencionar as características da fauna e flora dos tró-
picos. As primeiras impressões eram de deslumbramento. O clima era muito
agradável, a variedade de plantas e flores era surpreendente, a quantidade de
pássaros e a qualidade das águas chamavam a atenção dos primeiros lusitanos
que desembarcaram nas terras brasílicas. Esse universo era totalmente diferente
daquele que estavam acostumados no velho mundo (PEREIRA, 2010, p. 50).
Essas impressões ficam evidentes no relato de Vespúcio (Vespúcio 1984 p.89
apud PEREIRA, 2010):

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


75

Esta terra é muito amena; e cheia de inúmeras árvores verdes, e muito


grandes, e nunca perdem folha, e todas têm odores suavíssimos, e aromá-
ticos, e produzem inúmeras frutas, e muitas delas boas ao gosto e saudá-
veis ao corpo, e os campos produzem muita herva, e flores, e raízes muito
suaves [...] Que diremos nós da quantidade de pássaros e das suas plu-
magens, e cores, e cantos, e quantas espécies, e de quanta formosura [...].

Outro dado interessante acerca das terras tropicais está relacionado ao clima pri-
maveril que possibilitava uma vida saudável, livre das principais enfermidades
que abatiam o homem europeu. Nesse aspecto, destaca Gandavo (2008, p. 70-71):
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

[...] é esta província sem contradição a melhor para a vida do homem


que cada uma das outra de América, por ser comumente de bons ares
e fertilíssima, e em grã maneira deleitosa e aprazível à vista humana. O
ser ela tão salutífera e livre de enfermidades, procede dos ventos que
geralmente cursam nela; os quais são Nordestes e Suis, e algumas vezes
Lestes e Leste-Oeste. E como todos estes procedam da parte do mar,
vêm tão puros e coados, que não somente não danam; mas recreiam e
acrescentam a vida do homem.

As primeiras impressões das terras recém “descobertas” por Cabral despertaram


no imaginário do homem português uma representação de um paraíso terrestre,
tanto com a amistosa relação estabelecida com os naturais da terra quanto com o
clima e a fertilidade do território. Entretanto, os trópicos revelariam aos poucos
outra face, um tanto quanto perigosa e nada atrativa. Segundo Pestana (2008), a
Coroa portuguesa conviveria com as duas imagens sobre o Novo Mundo: o para-
íso e o inferno. Por um lado, uma visão de terras férteis, promissoras, de um clima
agradável e propício à saúde, ou seja, uma terra de oportunidades, onde seria
possível construir uma vida
melhor. Em contrapartida,
um território perigoso que
habitava povos hostis que
devoravam carne humana,
um verdadeiro inferno na
terra. Muitos ainda acredi-
tavam que os trópicos eram
uma espécie de purgatório,
Figura 17: Novo Mundo
um local onde as pessoas Fonte: História de Portugal (online).

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


76 UNIDADE II

pagavam pelos pecados cometidos, devido à dificuldade de conviver em um


ambiente tão hostil ao homem europeu (PESTANA, 2008, p. 173-174).

O país que hoje habitamos nem sempre foi conhecido por seu nome: Brasil.
A partir dos primeiros contatos estabelecidos nas terras tropicais, outros no-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mes serviram para designar os trópicos portugueses. Pero Vaz de Caminha
e alguns italianos utilizaram o termo “Vera Cruz”. O nome “Terra dos Papa-
gaios” também serviu para se referir à colônia lusitana. Quando o monarca
de Portugal oficializou o achamento destas terras junto a Coroa espanhola
em 1501 o nome escolhido foi “Santa Cruz”. Só por volta de 1512 o termo
“Brasil” começou a designar as terras portuguesas, consagrando-se oficial-
mente a partir de 1516.
Fonte: Souza (2013, p. 21-28).

O ÍNDIO DE CAMINHA

O escrivão ou mesmo contador da esquadra


de Pedro Álvares Cabral chegou a “Terra de
Santa Cruz” no dia 22 de abril de 1500. Seu
nome era Pero Vaz de Caminha e, por meio
de seus registros iniciais acerca dos nativos e
dos aspectos gerais do novo território, con-
seguimos ter acesso às primeiras impressões
dos portugueses perante o “achamento da
nova terra”. A preocupação de Caminha não
era fazer um simples relatório, mas sim uma
descrição detalhada da nova conquista lusa
além-mar. Os registros ao longo da viagem
Figura 18: Fac-símile da carta original de Pero Vaz de
não receberam praticamente nenhum tipo Caminha quando do aportamento da expedição de
Cabral em terras brasileiras
de atenção. Sua preocupação “está voltada Fonte: Wikimedia Commons.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


77

para o novo campo de ação na terra recém-descoberta e aí se nota o lugar pri-


vilegiado que ocupa a figura do índio” (AVANCI; MAHFOUD; MASSIMI;
SILVA, 1997, p. 29).
Fica evidente desde o início da expedição a preocupação pela existência de
metais preciosos. Mas a figura do índio acaba por deixar em segundo plano o
interesse de cunho econômico dos conquistadores. Esse primeiro contato se dá
no campo da observação, de uma interação baseada no distanciamento entre
ambos. Nota-se que tanto o índio como o português manifestaram-se com cau-
tela e buscaram um momento pertinente para estabelecer uma aproximação
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

(AVANCI; MAHFOUD; MASSIMI; SILVA, 1997, p. 30).


Um dos primeiros atos empreendidos pelos membros da expedição
Cabralina em terras brasílicas foi a realização de uma missa. Como já desta-
camos na Unidade I deste livro, o elemento religioso é de suma importância
para estabelecer uma compreensão da expansão marítima portuguesa e de seu
projeto colonizador nas terras conquistadas. Desse modo, os religiosos que
estavam presentes na armada improvisaram um altar e confeccionaram uma
cruz de madeira, fixando-a num ponto visível onde todos pudessem vê-la. Esse
foi o primeiro ato evangelizador realizado na colônia lusa durante os dez dias
que permaneceram ancorados na Bahia. Durante a realização da missa, o que
mais chamou a atenção de Caminha foi a postura pacífica e de admiração dos
nativos. Esse momento foi registrado pelo escrivão:
Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ir
ouvir missa e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães
que se aprestassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito.
[...] Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira
alta; E pregou uma solene e proveitosa pregação do evangelho, ao
fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra, con-
formando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência viemos, o
que foi muito a propósito e fez muita devoção. Enquanto estivemos
à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente, pouco mais ou
menos como a de ontem com seus arcos e setas, a qual andava fol-
gando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa,
assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram
corno ou buzina e começaram a saltar e a dançar um pedaço (CA-
MINHA, 2009, p. 101-102).

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


78 UNIDADE II

Na sexta-feira, 24 de abril de
1500, o escrivão Pero Vaz de
Caminha a bordo da esqua-
dra de Cabral registrou
minuciosamente as carac-
terísticas físicas dos naturais
da terra. Segue o excerto da Figura 19: A Primeira Missa no Brasil
carta abaixo: Fonte: Wikimedia Commons.

A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons ros-

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tos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não
fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e
nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam
os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e ver-
dadeiros [...]. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que
lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali
encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no
comer ou no beber. Os cabelos seus são corredios (CAMINHA, 2009,
p. 95, grifos nossos).

No domingo, 26 de abril, Caminha, mais uma vez, retrata as características físi-


cas dos indígenas:
Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas
como eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma
coxa, do joelho até o quadril, e a nádega, toda tinha daquela tintura
preta; e o resto, tudo da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos,
com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergo-
nhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia
vergonha nenhuma (CAMINHA, 2009, p. 105, grifos nossos).

Caro(a) acadêmico(a), observe que nos dois trechos acima a nudez merece des-
taque. É importante compreender que a nudez indígena neste primeiro momento
é vista como um elemento natural, que se confunde com a natureza do local.
Ela também é encarada como um aspecto da inocência desses povos. Mesmo
despidos, comportam-se de maneira natural, sem manifestar nenhum tipo de
constrangimento ou vergonha de estarem expondo suas intimidades. A beleza
das índias e a limpeza de seus corpos também chamam a atenção de Caminha
ao longo de seus relatos.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


79

Segundo Del Priore (2010), a nudez não era novidade para os portugueses.
A autora destaca que os lusitanos estavam familiarizados com a nudez de algu-
mas tribos africanas, por exemplo: os etíopes. Os portugueses se deparavam com
essas populações quando faziam suas incursões à África ao longo do século XV
( PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 19).
Ainda nesse âmbito de discussão e não menos importante, colocaremos
em destaque as observações realizadas por Pereira (2010). De acordo com sua
análise, Caminha possuía uma preocupação acerca da genitália masculina dos
ameríndios. Em alguns trechos de seu relato, ele expõe que “suas vergonhas, as
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

quais não eram fanadas”. Entretanto, seguindo a reflexão do autor em questão, era
necessário desvendar, em primeiro lugar, o significado da palavra “fanado” para
compreendermos o contexto desse relato e sua relevância. Nesse sentido, Pereira
(2010) nos esclarece que fanado está relacionado ao significado de: cortar, aparar.
E que, desse modo, Caminha quer demonstrar ao monarca de Portugal que esses
naturais da terra não tiveram nenhum contato com judeus ou mouros, visto que a
circuncisão era uma característica típica da tradição religiosa dessas populações.
Além das características físicas dos ameríndios, Caminha também se ocu-
pou de relatar os primeiros contatos firmados entre nativos e portugueses. Em
carta de 23 de abril, ele destaca: “Deu-lhes somente um barrete vermelho e uma
carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-
-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha pequena
de penas vermelhas e pardas como um papagaio [...] (CAMINHA, 2009, p. 93).
Esses pequenos gestos demonstram a forma pacífica de aproximação, mas, além
disso, revela-nos as primeiras trocas de objetos entre dois mundos tão distin-
tos. Podemos observar, também, que os nativos, de certa forma, estavam dando
boas vindas aos “visitantes” lusitanos.
Outro ponto que podemos destacar para enfatizar o caráter pacífico desse pri-
meiro encontro foi escrito por Caminha em 30 de abril. Nesse relato, observamos
a familiaridade com que os indígenas se comportavam em meio aos portugueses:
Comiam conosco do que lhes dávamos. Bebiam alguns deles vinho; ou-
tros o não podiam beber. Mas parece-me que se lhos avezarem o beberão
de boa vontade. [...] Acarretavam dessa lenha quanta podiam, com mui
boa vontade e, levavam-na aos batéis. Andavam já mais mansos e seguros
entre nós do que nós andávamos entre eles (CAMINHA, 2009, p. 113).

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


80 UNIDADE II

O trecho acima destaca a convivência pacífica estabelecida entre indígenas e


portugueses e ainda faz menção à “solidariedade” dos nativos quanto ao desen-
volvimento de pequenas atividades. Quando Caminha escreve: “acarretavam
desta lenha quando podiam, com mui boa vontade”, demonstra o espírito par-
ticipativo dos naturais da terra, que se mostravam prontos em querer ajudar os
portugueses nas tarefas corriqueiras. Algo que será muito bem aproveitado pelos
exploradores lusitanos durante as primeiras décadas de colonização dos trópicos.
Ao longo dos escritos realizados por Caminha, também temos acesso ao
modo como os naturais

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da terra viviam nos trópi-
cos. Nesse âmbito, descreve:
“eles não lavram, nem criam.
Não há aqui boi, nem vaca,
nem cabra, nem ovelha,
nem galinha, nem qualquer
outra animália, que costuma
seja ao viver dos homens”
(CAMINHA, 2009, p. 114).
E acrescenta dizendo que
se alimentam de um tipo
de inhame que a terra pos-
suía em abundância e de
frutos que as árvores lança-
vam. Isso representa afirmar
que os indígenas possuíam
um modo de vida totalmente
diferente do homem europeu.
Como já mencionamos no início de nossa análise, o respeito que os indíge-
nas demonstraram perante a realização das cerimônias religiosas cristãs fez com
que Caminha destacasse em seus relatos a importância de salvação dos naturais
da terra. Caminha acreditava que os índios não possuíam nenhum tipo de reli-
gião e destacava a importância de serem assistidos com os preceitos da Igreja
Católica de Roma. Em carta ao monarca lusitano, destaca:

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


81

Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles


a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm nem
entendem nenhuma crença. E, portanto, se os degredados, que aqui
hão-de ficar, aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvi-
do que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer
cristãos e crer em nossa santa fé, a qual praza a Nosso Senhor que os
traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade [...]. Portan-
to, Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve
cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho sejam
assim (CAMINHA, 2009, p. 114).
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E permeado pelo espírito mercantilista do período, o escrivão revela ainda sobre


essa terra: “nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem
coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos” (CAMINHA, 2009, p.118). Não
havia uma constatação de que nas terras brasílicas houvesse metais precioso,
indispensáveis para alimentar a empresa marítima portuguesa. Contudo, mesmo
diante da ausência de ouro e prata, o escrivão da esquadra de Cabral destaca que
“o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta
deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar” (CAMINHA,
2009, p.118). Observa-se prezado(a) aluno(a), que a preocupação principal de
Caminha não estava ligada aos aspectos econômicos da empresa marítima lusa.
Nesse excerto, o cronista, mais uma vez, enfatiza a necessidade de salvação das
almas dos naturais da terra, a serviço de Deus e do Estado português.
No período em que permaneceram ancorados nos trópicos e diante do
relacionamento amistoso que firmaram com os nativos, os lusitanos buscaram
desenvolver uma “linguagem corporal” que pudesse estabelecer uma comunica-
ção mínima entre eles. Entre um gesto e outro, tanto portugueses como indígenas
iam se conhecendo e desenvolvendo métodos de comunicação. Mesmo com a
presença na esquadra de interpretes de outras línguas e dialetos, a realidade lin-
guística ameríndia era muito diferente de tudo que os portugueses já haviam
estabelecido contato.
Em vista de tantos obstáculos presentes na Costa brasileira, a esquadra de
Pedro Álvares Cabral partiu das terras brasílicas rumo ao seu destino inicial: o
Oriente. No período em que permaneceram nos trópicos não obtiveram infor-
mações precisas acerca das terras. Nesse sentido, a única solução encontrada por

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


82 UNIDADE II

Cabral e seus conselheiros foi deixar dois degredados no Brasil. Esses ficaram
encarregados de aprender a língua falada pelos indígenas e averiguar a possi-
bilidade de recursos que poderiam ser explorados pela Coroa, principalmente
na busca de ouro e prata. Enquanto seguiam sua viagem para a Índia, enviaram
navios à metrópole com a carta que relatava o “achamento das novas terras” a
oeste da Costa da África (CAPISTRANO, 1963).

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Os portugueses tiveram contato, inicialmente, com tribos indígenas que
ocupavam o litoral brasileiro. Esses nativos dividiam-se em grupos étnicos:
• Carijós ou Guaranis: fixados nas proximidades e ao sul da Capitania de
São Vicente.
• Tupinambás ou Tupis: ocupavam a região que hoje é o Estado do Rio
de Janeiro, a costa da região nordeste, entre o Rio São Francisco e o Rio
Grande do Norte.
• Tupiniquins: ocupavam o resto do litoral.
• Potiguar: grupos de guerreiros poderosos que ocupavam a região que
hoje compreende o Rio Grande do Norte.
• Caetés e Tabajaras: ocupavam a região que hoje é o Estado de Pernambuco.
Fonte: Pestana (2008, p. 174-175).

O RECONHECIMENTO DAS TERRAS TROPICAIS

Prezado(a) aluno(a), neste tópico, discorreremos acerca dos primeiros 30 anos


que se seguiram após o descobrimento oficial do Brasil. Nesse período, buscare-
mos destacar as principais medidas empreendidas pela Coroa de Portugal acerca
de sua nova possessão na América. É importante enfatizar que, nesse mesmo
momento histórico, o Império português estava investindo todas as suas fichas
no comércio ultramarítimo com o Oriente, visto a lucratividade que essa emprei-
tada rendia aos cofres públicos de Portugal.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


83

A frota de Cabral seguiu rumo à Índia e alguns navios portugueses foram


encaminhados para o Reino munidos com a Carta de Caminha que dava conta
do “achamento das novas terras”. Desse modo, a carta que retratava os feitos
de Cabral e sua esquadra no Novo Mundo chegou às mãos do Rei de Portugal
cerca de dois meses depois do grande feito. Quando teve acesso ao documento
escrito por Caminha, o monarca D. Manuel não tomou nenhum tipo de atitude.
Deixou para comunicar os Reis Católicos da Espanha sobre sua nova aquisição
territorial um ano depois, quando a armada de Cabral regressou do Oriente
(KUHNEN, 2006, p.120).
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Eis aqui uma questão intrigante: por que o Rei de Portugal demorou tanto
tempo para notificar as outras Coroas da Europa sobre o seu novo “descobri-
mento”? Nesse viés, podemos considerar duas hipóteses. Primeiro, o Rei luso
poderia ter aguardado o retorno da esquadra de Cabral para coletar informações
mais precisas sobre o novo território e, a partir disso, organizar uma estratégia
para explorar as novas terras. Segundo, o monarca poderia estar protegendo sua
nova conquista de possíveis invasões empreendidas por outras Coroas, visto a
fragilidade que o Tratado de Tordesilhas representava.
Enquanto se não fixaram, por comum acordo ou direito adquirido,
os limites da esfera de acção dos dois Estados em competência, mui-
tas das explorações ou tentativas de colonização tomavam recípro-
camente um aspecto suspeito e, por conseqüência, secreto (CORTE-
SÃO, 1969, p.40).

Quando a esquadra de Cabral retornou, coincidentemente ou não, o Rei D.


Manuel organizou expedições rumo às terras brasílicas: uma em 1501-1502 e
outra em 1503-1504. Essas expedições teriam como principal objetivo conhecer
melhor o território e coletar informações com os homens que foram deixados no
litoral tropical em 1500 (KUHNEN, 2006, p. 121). Os tripulantes das embarca-
ções iriam para os trópicos para verificar a existência de riquezas no território,
estabelecer um contato mais estreito com os nativos, como também para ave-
riguar os avanços realizados pelos degredados deixados em 1500 (HOLANDA,
1981, p. 88-89).
A armada comandada por Gaspar de Lemos ancorou no atual Rio Grande
do Norte, indo em direção ao Sul, batizando os principais acidentes geográficos

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


84 UNIDADE II

com nomes religiosos (como: cabos de São


Roque, Santo Agostinho, Rio São Francisco,
Baía de Todos os Santos e Angra dos Reis).
Por meio dessa expedição, houve a descoberta
do Rio de Janeiro em 1502. Desses caminhos
percorridos, possuímos os registros referentes
ao clima e à terra brasílica, mais especifica-
mente à existência de pau-Brasil (WEHLING,
2005, p. 44-45).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Nessa primeira expedição de reconheci-
mento das terras recém-descobertas, também
temos acesso aos registros realizados por
Pau-brasil
Américo Vespúcio (1501) que, após estabe-
lecer um contato mais próximo com os nativos, narrou uma série de informações
relevantes acerca dos ameríndios. Assim, destaca:
Son gente que vive muchos anos, porque según sus descendências co-
nocimos muchos hombres que tienem hasta la cuarta generación de
nietos. No saben contar los días ni el año ni los meses, salvo que miden
el tiempo por meses lunares, y quando quierem mostrar la edad de
alguna cosa lo muestran com piedras, poniendo por cada luna uma
piedra, y encontré un hombre de los más viejos que me señalo com
piedras haber vivido 1700 lunas, que me parece son 130 años, contando
trece lunas por año (VESPUCCIO, 1963, p. 542).

As observações realizadas pelos cronistas referentes aos trópicos portugueses


se espalharam pelos Reinos europeus. As informações que chegaram ao velho
continente destacavam a nova aquisição lusitana como sendo uma terra paradisí-
aca que abrigava povos exóticos. Mesmo que o território ainda não apresentasse
sinais de riqueza mineral, a notícia do “achamento” das novas terras portuguesas
repercutiu nas demais Coroas do Ocidente que, atraídos pela notícia, também
resolveram se aventurar no Novo Mundo.
Os corsários castelhanos e, principalmente, franceses desembarcaram nas ter-
ras americanas pertencentes à Coroa lusitana. Os franceses estabeleceram vários
pontos de fixação ao longo da Costa brasileira. Aliados aos Tupinambás, con-
seguiram usurpar da extração de pau-brasil e, ainda, se proteger das investidas

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


85

empreendidas pelos portugueses. A presença estrangeira nos trópicos portugue-


ses demonstra quão frágil eram os limites do Tratado de Tordesilhas firmado
entre as duas Coroas Ibéricas no final do século XV e ainda destaca que, mesmo
Portugal estando amparado por uma série de bulas papais que asseguravam o
direito à posse e a exploração das terras conquistadas, não impedia a presença
de invasores de outros Reinos da Europa (WELLING, 2005, p. 44).
Durante o reconhecimento da região litorânea brasileira, o Reino lusitano não
descobriu nada que pudesse ser comercializado em grande escala e concorresse
com os produtos indianos.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Desse modo, a procura por


metais preciosos não foi fru-
tífera, devido a uma série de
obstáculos, os quais tratare-
mos ao longo desta unidade.
A terra só oferecia, naquele
dado momento, animais,
aves exóticas e algumas
plantas que poderiam ser
comercializadas na Europa,
além do pau-brasil.
Sem grandes atrativos,
o Rei D. Manuel resolveu
arrendar, a partir de 1502,
pelo período de três anos
Detalhe do mapa Terra Brasilis, de 1519, o pau-brasil representado ao longo
a exploração do pau-brasil da costa da Mata Atlântica, sendo a sua extração realizada pelos indígenas
Fonte: Wikimedia Commons.
(HOLANDA, 1981).
A obrigação destes era construir um forte e enviar navios que exploras-
sem anualmente trezentas léguas de litoral. Em contrapartida, tinham
isenção fiscal no primeiro ano de contrato, passando a pagar 1/6 de
direitos reais no segundo ano e ¼ no terceiro. Há indicações de que o
sistema deu bons lucros a ambas as partes. Em 1503, o grupo comercial
enviou uma segunda expedição exploradora, provavelmente respon-
sável pela fundação da feitoria de Cabo Frio, destinada à extração de
pau-brasil (WEHLING, 2005, p. 45).

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


86 UNIDADE II

O excerto acima retrata as obrigações e os direitos estabelecidos aos primeiros


exploradores da colônia portuguesa. Por meio dessas considerações, podemos
observar uma preocupação, ainda que tímida, da Coroa em explorar a região
litorânea. Além disso, assim como ocorreu em colônias na África e na Ásia,
priorizou-se pela construção de feitorias, porém com algumas particularidades.
Segundo Wehling (2005), no Brasil, a mão de obra utilizada nas feitorias era a
indígena, que estava incumbida de retirar e transportar a madeira, sob a forma
de escambo. “O escambo, aliás, parece ter provocado um avanço técnico nessas
comunidades indígenas, fazendo-as assenhorear-se de objetos de metal, que por

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sua vez contribuíram para aumentar sua capacidade de resistir aos europeus”
(WEHLING, 2005, p. 45).
Frei Vicente de Salvador destaca que os objetos ofertados pelos portugueses
possibilitaram aos indígenas uma melhoria substancial na realização de tarefas
em seu cotidiano. Isto é, com as facas, machados, foices, anzóis e tesouras, os
índios puderam desenvolver pequenos trabalhos que antes demoravam muito
tempo, pelo método precário que utilizavam. Nesse sentido, Salvador (1982, p.
79) pontua: “fazem suas lavouras e todas as mais coisas com muito descanso,
pelo que os devem de ter em muita estima”.
Caro(a) aluno(a), essas afirmações são de suma relevância para compre-
endermos as primeiras relações de trabalho firmadas entre naturais da terra e
portugueses. Como Salvador (1982) ressaltou, os indígenas viram na posse das
ferramentas uma melhoria na execução de suas tarefas. Diante disso, ofereceram
sua força de trabalho em troca dos objetos que facilitaram seu dia a dia, porém,
quando conseguiam aquilo que almejavam, perdiam o interesse pela labuta.
Além disso, não podemos esquecer de que o escambo também foi realizado por
outras vias. Os portugueses, quando precisavam de alimentos, direcionavam-se
às aldeias dos nativos e, em troca, deixavam seus objetos.
Todavia, as relações estabelecidas entre indígenas e lusitanos não se limitaram
ao convívio pacífico marcado por meio do escambo. Segundo Holanda (1981),
certamente ocorreu algum tráfico de escravos nos primeiros anos de explora-
ção dos trópicos portugueses. O autor menciona que uma embarcação chefiada
por Loronha e alguns sócios, que partiu da metrópole em 1511, retornou do
Brasil com uma carga composta de “pau-brasil, escravos, gatos, tuins, saguis e

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


87

papagaios” e acrescenta que eram os produtos possíveis de serem comercializa-


dos naquele período (HOLANDA, 1981, p. 90).
A respeito dessa expedição, Cortesão (1969) acrescenta que houve uma
expressa determinação de D. Manuel para que houvesse um cuidado especial
com os ameríndios e que nenhum deles fosse levado para a metrópole. Por meio
dessa determinação, podemos ter acesso à política cautelosa que o monarca por-
tuguês buscava empreender em sua colônia. Nessa premissa, pontua Cortesão
(1969, p. 45):
[...] não consentireis que nenhum homem saia na terra, sómente na
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ilha onde estiver a feitoria, e não consentireis que nenhum homem


resgate cousa alguma sem licença do feitor. [...] reza o regimento, que
não faça nenhum mal nem dano à gente da terra, sob pena de perder
metade de soldo, além de que lhe for dada qualquer outra pena que por
justiça merecer, segundo a qualidade do que fizer.

A cautela do monarca lusitano se fundamentava em não querer gerar nenhum tipo


de atrito com os naturais da terra. Caso os portugueses levassem um indígena para
o Reino e este não retornasse às terras tropicais, isso geraria, possivelmente, uma
represália indígena contra os exploradores. Dessa forma, o Rei buscava manter
um bom relacionamento com os ameríndios, a fim de evitar possíveis levan-
tes. Além disso, a falência do bom relacionamento também significava a ruína
da extração da madeira, pois os índios eram imprescindíveis nessa “indústria”.
Contudo, essas ordenações reais nem sempre foram respeitadas pelos homens
que haviam se comprometido na exploração das terras, os quais, muitas vezes,
levaram os índios nas embarcações. Para justificar seus atos, alegavam que os
indígenas eram frutos de conflitos intertribais. Nesse caso, segundo os explora-
dores, os índios não eram raptados (interessante mencionar que essa prática foi
comumente utilizada pelos portugueses para adquirir escravos na África), mas
sim negociados com os chefes das tribos (KUHNEN, 2005, p. 184).
Outro ponto importante que merece destaque está relacionado com a per-
missão da escravização do ameríndio declarada pela Coroa espanhola em 1504
que legitimava a escravidão dos “antropófagos e bestiais” em suas possessões na
América. Essa permissão espanhola pode ter levado os traficantes de escravos
a agirem nas terras que pertenciam a Portugal, visto as imprecisões territoriais
que o Tratado de Tordesilhas representava (MALHEIROS, 2008).

A Chegada à América e o Encontro com o Desconhecido


88 UNIDADE II

Observamos que a política colonial mostrou-se inerte durante o período que


compreende as primeiras incursões de reconhecimento do litoral brasileiro, até
por volta de 1516. Nesse intervalo, visualizamos uma conduta cautelosa da Coroa
portuguesa que delegou a exploração das terras coloniais a particulares. Esses
homens possuíam o direito de extrair e comercializar a madeira, tendo que pagar
uma quantia ao Reino e, em troca, deveriam enviar seis naus para os trópicos
para efetuarem um reconhecimento do território. Essa postura de “desprezo” às
terras coloniais na América pode ser compreendida perfeitamente pelos inves-
timentos maciços delegados à empresa marítima nas Índias, ou seja, Portugal

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
não tinha condições financeiras nem humanas para realizar o comércio de espe-
ciarias no Oriente e a exploração intensa das terras brasílicas ao mesmo tempo.
Diante dessa fragilidade, conferiu a particulares esse papel.
A partir de 1516, a Coroa portuguesa começou a conviver com um problema
que se agravava cada vez mais. Considerou-se a presença de estrangeiros como
uma grande ameaça às possessões portuguesas na América, principalmente os
franceses que estiveram presentes nos trópicos portugueses já em 1504. Assim
como os portugueses, iniciaram a extração da madeira com o apoio dos indígenas
(tupinambás) e se lançaram ao comércio europeu, obtendo somas representativas,
visto que eram isentos da taxação de impostos, permitindo que comercializassem
mais barato nos mercados internacionais. Diante dessa ameaça, D. Manuel, para
assegurar suas terras, sistematizou uma política de proteção da colônia, segundo
a qual, de dois em dois anos, um capitão do mar se dirigia a região litorânea para
rechaçar os invasores (CORTESÃO, 1969, p. 57).
[...] a atividade comercial dos franceses deve ter sido intensa, pois o
governo português fez diversos protestos à corte francesa antes de 1516
e enviou ao Brasil, nesse ano, a expedição “guarda-costas” de Cristóvão
Jaques. Na década de 1520 continuaram incursões francesas, como as
de Parmentier (1520), Roger (1521), Verrazano (1522) e outros. Uma
nova expedição de Cristóvão Jaques circulou pela costa entre 1526 e
1528, conseguindo deter alguns navios franceses. A extensão do litoral
e o bom entendimento que os comerciantes franceses já tinham com os
indígenas deram, porém, caráter meramente paliativo a essa repressão
(WEHlING, 2005, p. 46).

A postura adotada pela Coroa portuguesa a partir de 1516, de enviar expedições


visando combater os invasores europeus, permaneceu até 1530, ora com maior

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


89

intensidade, ora com traços de relaxamento. Esse sistema de patrulhamento só


obteve sucesso quando as embarcações lusitanas estavam presentes ao longo do
litoral brasileiro, pois, quando retornavam à metrópole, novamente, as terras fica-
vam a mercê dos invasores espanhóis e franceses. Interessante enfatizar, mais uma
vez, caro(a) acadêmico(a), que o Império português investia grandes somas dos
cofres públicos na “Carreira das Índias” com o comércio de especiarias orientais
e não possuía, nesse momento, condições de colocar a colonização dos trópicos
em primeiro plano. Todavia, com a ascensão do Rei D. João III (1521-1557), pre-
senciamos uma mudança representativa na administração portuguesa, sobretudo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

no âmbito colonial. O monarca havia percebido que a única saída para assegu-
rar a posse de suas terras na América seria povoá-las. Para que isso acontecesse,
houve a necessidade de desenvolver um projeto de povoamento nas possessões
coloniais, algo que seria realizado paulatinamente a partir do envio de Martim
Afonso de Souza ao Brasil.

AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

DESCASO OU REALIDADE: BREVE ANÁLISE ACERCA DA POLÍTICA


PORTUGUESA NOS TRÓPICOS

Caro(a) acadêmico(a), neste tópico, analisaremos as medidas tomadas pela Coroa


portuguesa para povoar os trópicos americanos. Nossa abordagem inicia-se a
partir de 1530, com a preocupação real no povoamento da colônia portuguesa,
e se finda em 1549, com a implementação do Governo Geral que irá represen-
tar, de fato, uma política de colonização das terras brasileiras.
Segundo Boxer (2002), o “descaso” inicial de Portugal com as terras
localizadas nos trópicos pode ser compreendido, não apenas com a grande
lucratividade alcançada com o comércio com o Oriente, mas também porque
a Coroa estava envolvida com o comércio empreendido na Costa da África,
mais precisamente na Guiné e nos combates empregados no Marrocos. Nesse

As Capitanias Hereditárias
90 UNIDADE II

sentido, os lusitanos estavam envolvidos em diversas frentes e, por não terem


encontrado nada no Brasil que pudesse concorrer com as riquezas adquiri-
das nessas empreitadas, limitaram-se à exploração da região litorânea, onde
houve a extração e comercialização da madeira com o auxílio indispensável
dos ameríndios (BOXER, 2002, p. 98).
Além disso, não podemos esquecer as limitações humanas presentes no Reino
português. Como já destacamos na unidade I, Portugal possuía um ínfimo con-
tingente populacional, resultado tanto das características peculiares do Reino
quanto da intensa atividade marítima que os portugueses realizavam desde a

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tomada de Ceuta, em 1415, e intensificaram em níveis representativos a partir
da “Carreira das Índias”, no início do século XVI. Também podemos destacar
que um expressivo número de homens que se aventuravam nas incursões marí-
timas portuguesas morria em naufrágios (algo que era muito comum nesse
período), ou mesmo decidia permanecer nas possessões lusas além-mar e aca-
bava não retornando ao Reino.
A Madeira foi o primeiro Arquipélago colonizado: a meio do século
XV contava a ilha principal mais de 3000 mil habitantes, enquanto Por-
to Santo ainda só era uns 160 a 200 ao cobrir a era quinhentista. A
meio do século XVI a Madeira atinge 20000 habitantes, dos quais 3000
escravos, com densidade de 23 por Km2 (contra 14 a 15 na metrópole)
[...]. Nas cidades marroquinas-portuguesas, há, na primeira metade do
século XVI, uns 5000 homens de armas, e a população portuguesa deve
orçar por 25000 habitantes [...] (GODINHO, 1971, p. 45).

Desse modo, com tantas limitações presentes no Império português e com os


lucros alcançados pelo Reino luso no comércio com o Oriente. O aparente desin-
teresse pelo Novo Mundo justifica-se pela ausência de recursos financeiros e
humanos da Coroa portuguesa para conduzir dois projetos tão grandiosos ao
mesmo tempo, como o comércio na Índia e a organização de uma política de
colonização das novas terras tropicais. Por tais dificuldades, escolheram as vias
comerciais com o Oriente e delegaram a particulares as primeiras explorações
na Costa brasileira. Todavia a partir do momento que a presença estrangeira foi
sentida como uma ameaça às possessões na América, o Reino português preci-
sou organizar uma política que protegesse efetivamente suas terras.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


91

TENTATIVA DE OCUPAÇÃO DOS TRÓPICOS

O Rei de Portugal D. João III organizou uma esquadra, em 1530, composta por
cinco navios, ocupados por 400 homens, nos quais se faziam presentes capi-
tães, fidalgos, pilotos, mestres, interpretes, degredados e armamento bélico, caso
precisasse rechaçar alguma embarcação estrangeira (LUÍS, 1976, p. 15-16), e
designou Martim Afonso de Souza como capitão-mor e chefe da missão, incum-
bindo-o de uma série de tarefas. Dentre as quais, três se destacam: promover o
povoamento das terras coloniais, verificar os limites fronteiriços que o Tratado
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de Tordesilhas aplicava e expulsar definitivamente os franceses que representa-


vam uma séria ameaça à Coroa lusa. Para legitimar essa ação, foi publicada uma
gama de Regimentos que tratavam das “coisas
do Brasil” e estabeleciam os poderes delega-
dos a Martim Afonso de Souza para fundar
os primeiros núcleos organizados de coloni-
zação, como também de distribuir terras por
meio de sesmarias (CORTESÃO, 1969, p. 69).
A Coroa lusitana, por meio de uma série
de Cartas Régias, atribuiu totais poderes a
Martim Afonso de Souza. O capitão-mor
poderia distribuir qualquer porção territorial
dentro dos limites portugueses aos colonos que
almejavam se fixar no Brasil. Essa determina-
ção real implicava em não respeitar as terras
ocupadas por tribos indígenas, ou seja, por
meio desse regimento, não havia uma preo- Figura 20: Martim Afonso de Sousa, por
Benedito Calixto
cupação jurídica quanto às terras pertencentes Fonte: Wikimedia Commons.
aos ameríndios. Desse modo, quando o capi-
tão-mor doava as terras para os homens cultivá-las, não era realizada uma análise
prévia para averiguar se o território já estava ocupado. Essa ação empreendida pelo
Rei luso repercutiu de forma negativa no ambiente colonial, pois, com a invasão
do espaço indígena, todo o bom relacionamento firmado entre naturais da terra e
metropolitanos estaria comprometido e teria consequências futuras irreparáveis.

As Capitanias Hereditárias
92 UNIDADE II

Era designado capitão-mor da esquadra e das terras descobertas, de-


vendo exercer justiça cível e criminal em única e última instância, to-
mar posse de terras em nome do rei, nomear funcionários – como ca-
pitães, oficiais de justiça e tabeliães – e, ainda, distribuir terras com fins
de colonização, as sesmarias. [...] Foi o primeiro governador do Brasil,
embora esse papel de colonizador e governante seja frequentemente
encoberto pelo caráter exploratório de sua viagem e os combates com
navios franceses (WEHLING, 2005, p. 65).

No período que compreende a administração de Martim Afonso de Souza,


observamos algumas limitações e tarefas não executadas pelo capitão-mor. Não
houve um trabalho de fortificar militarmente as feitorias espalhadas ao longo

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da região litorânea que foram estabelecidas por iniciativa de particulares oriun-
dos da metrópole. Além desse problema, também não conseguiu fundar vilas
coloniais, mas apenas pequenos núcleos populacionais não organizados. Tanto
no primeiro ponto que destacamos quanto no segundo, compreendemos que
o capitão-mor de D. João III não possuía condições, sobretudo econômicas, de
superar esses obstáculos presentes na colônia.
O capitão-mor percorreu ao longo de dois anos a Costa brasileira e obteve
dados geográficos importantíssimos. Esteve em Pernambuco e solicitou a explo-
ração do litoral nordestino até o Maranhão. Suas experiências foram registradas
no “Diário de Navegação”, escrito por Pero Lopes de Sousa, relevantes para o
conhecimento do território. Encaminhou uma expedição ao Rio de Janeiro e
outra no litoral sul de São Paulo. Também esteve na região que hoje compre-
ende o Estado do Paraná, onde foi atacado por algumas tribos indígenas. O
capitão-mor também se envolveu em vários conflitos contra os navios france-
ses que, desobedecendo a um acordo Real firmado entre as Coroas da França e
de Portugal, frequentavam livremente a região litorânea, tornando-se cada vez
mais resistentes. Os franceses comumente atacavam e saqueavam as feitorias
portuguesas, estimulavam conflitos intertribais e contrabandeavam o pau-bra-
sil (WEHLING, 2005, p. 66).
Já a ameaça francesa perdurou ainda até o início do século seguinte. Ao
longo desse período, os franceses aliados, em vários pontos da costa, a
certas tribos indígenas, instigavam estas a lutarem contra os portugue-
ses, trocavam produtos europeus, muitas vezes armas, por pau-brasil e
outros gêneros, rompendo o monopólio que a Coroa portuguesa tenta-
va impor, e, ainda, tentaram fixar-se no Rio de Janeiro e no Maranhão.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


93

Dessa forma, representaram nesse momento a maior ameaça externa


ao domínio português das terras americanas, contudo em todos os
momentos decisivos foram derrotados e paulatinamente expulsos [...]
(RICUPERO, 2009, p. 98).

Um dado interessante levantado por Luís (1976) é que a vinda de Martim Afonso
de Souza não representou uma efetiva política de povoamento das terras brasí-
licas. O autor destaca que a ausência de mulheres na esquadra do capitão-mor,
elemento indispensável para realizar o povoamento, justifica que essa expedição
possuía, na verdade, apenas um caráter militar, isto é, de proteção do territó-
rio contra as investidas realizadas por outros Reinos europeus, principalmente
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pelos franceses (LUÍS, 1976, p. 29).


Assim, após ter realizado uma série de incursões ao longo da região litorâ-
nea brasileira, Martim Afonso de Souza delegou suas funções ao capitão Gonçalo
Monteiro, que ficou com todos os direitos e deveres referentes a São Vicente (local
onde Martim Afonso de Souza havia se estabelecido). Desse modo, em 1533, retor-
nou a Portugal e, posteriormente, se direcionou à Índia (LUÍS, 1976, p. 30-31).

AS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

Em 1534, o monarca D. João III, após ter tomado medidas para “tranquilizar”
a colônia portuguesa e tendo uma noção das delimitações geográficas do vasto
território que possuía, resolveu organizar um meio para povoar as terras de fato
e afastar de vez as ameaças de invasores de outros Reinos europeus. O sistema
adotado pelo Rei para povoar os trópicos era o de capitanias hereditárias. Em
linhas gerais, esse projeto dividia o território em 12 grandes extensões de ter-
ras, as quais seriam governadas independente umas das outras, ou seja, cada
capitania possuía um donatário (“dono” da terra) que ficava responsável pela
organização, jurisdição e justiça de suas terras. Para ocupar os cargos de dona-
tários, o monarca luso nomeou, sobretudo, homens que estiveram envolvidos
com o comércio no Oriente. Esse critério real seria uma espécie de recompensa
aos serviços prestados ao Reino. Além disso, levava-se em consideração que esses
homens também possuíam uma situação financeira considerável para realizar a
ocupação das capitanias (HOLANDA, 1981, p. 97).

As Capitanias Hereditárias
94 UNIDADE II

A Coroa portuguesa realizou uma verda-


deira propaganda dos trópicos portugueses
para atrair pessoas que estivessem dispostas a
se aventurar na colônia americana. Para isso,
destacou uma série de privilégios que seriam
concedidos aos homens que aceitassem esse
desafio. Os portugueses viam nesse sistema
uma maneira de enriquecer facilmente e con-
seguir um status social bem superior àquele

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que possuíam em Portugal. Somado a essa
nova perspectiva de vida, também podemos
mencionar a carestia de terras férteis pre-
sentes no Reino (WEHLING, 2005, p. 79).
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, o Figura 21: Capitanias, por Luís Teixeira
autor destaca: Fonte: Wikimedia Commons.

[...] os donatários devem portar-se como agentes políticos e adminis-


trativos da Coroa, para garantir a extração do pau-brasil, ouro e outras
riquezas e para implantar uma agricultura de exportação que atendesse
aos interesses comerciais portugueses. As atribuições dos donatários
eram judiciárias, fiscais e administrativas. Aplicam a justiça: a cível,
com alçada até cem réis, e criminal, podendo chegar a decretar a pena
de morte para escravos, índios e homens livres. Neste último caso, para
os de categoria social mais elevada, os donatários tinham competência
para sentenças de degredo e multa, como prescreviam as Ordenações
Manuelinas. Nos crimes mais graves, como heresia, traição, sodomia
e moeda falsa, admitia-se até a condenação à morte, independente da
condição social do réu. Poderiam, também, fundar vilas, nomear fun-
cionários e distribuir terras (sesmarias) entre colonos que preenches-
sem as condições determinadas em lei (WEHLING, 2005, p. 67).

O excerto explica minuciosamente as atribuições concedidas aos donatários


que se expressavam no âmbito judiciário, fiscal e administrativo. Por meio dos
Regimentos, poderiam exercer a justiça em todos os níveis, desde penas bran-
das até a aplicação do degredo e pena de morte. No âmbito fiscal, organizar o
arrecadamento de impostos e, no prisma administrativo, poderiam desempe-
nhar e nomear pessoas para ocuparem todas as funções, inclusive ouvidores e

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


95

tabeliães. Além de tudo, caberia ainda ao capitão donatário proteger o territó-


rio contra ameaças externas (CAPISTRANO, 1963, p. 64). Quanto à distribuição
de terras, caberia ao capitão repartir em sesmarias isentas de impostos, salvo o
dízimo de Deus a Ordem de Cristo. Por tais determinações, fica explícito que
qualquer homem poderia receber uma doação, desde que fosse um cristão e dis-
pusesse de recursos para tornar a terra produtiva.
A atribuição de doar sesmarias deu origem à formação de vastos latifún-
dios. A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extensão de terra
virgem, cuja propriedade era doada a um sesmeiro, com a obrigação –
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

raramente cumprida – de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar


um tributo à Coroa incluíam o monopólio das drogas e especiarias, as-
sim como a percepção de uma parte dos tributos (FAUSTO, 2006, p. 19).

De acordo com as observações realizadas por Luís (1976), os donatários não fica-
vam restritos apenas aos privilégios, mas sim possuíam deveres para com o Reino
luso. Nesse sentido, o capitão deveria reservar ao Rei o quinto de qualquer tipo
de pedras preciosas encontradas em suas terras. O quinto real era uma forma de
taxação de impostos muito empregada pela Coroa portuguesa em suas posses-
sões ultramarítimas. Além disso, os donatários ficavam incumbidos de destinar
ao monarca a comercialização de pau-brasil e direcionar à Ordem de Cristo o
dízimo de todo o pescado extraído. Em contrapartida, os donatários poderiam
solicitar junto à Coroa o envio de qualquer produto para ser comercializado na
colônia, exceto a vinda de escravos negros (LUÍS, 1976, p. 32-33).
Todavia, mesmo tendo um conjunto significativo de direitos que foram
organizados e concedidos pelo monarca português, o sistema de capitanias here-
ditárias mostrava uma série de fragilidades em seu funcionamento. Nesse aspecto,
das doze capitanias que foram repartidas inicialmente, quatro não chegaram a
ser ocupadas por seus donatários. Estas ficavam localizadas entre a Paraíba do
Norte e o Amazonas e, mesmo com a insistência de seus capitães, não consegui-
ram ocupá-las. Dentre as oito restantes, apenas duas floresceram: São Vicente
e Pernambuco. Tais capitanias conseguiram vencer os problemas iniciais de
organização e se tornaram os principais centros de crescimento populacional e
econômico. As outras capitanias ou foram alvo de levantes indígenas ou acaba-
ram sendo abandonadas pelos colonos que não tinham condições financeiras
de se manterem (BOXER, 2002, p. 100).

As Capitanias Hereditárias
96 UNIDADE II

Por essas vias, nota-se que houve um conjunto de itens que comprometeram
o andamento desse sistema. A grande necessidade de investimentos, de recur-
sos econômicos e mesmo a falta de destreza dos capitães podem ser elementos
que contribuíram para a ruína do sistema. Os capitães donatários desconheciam
o território, não possuíam informações relevantes dos recursos que a terra ofe-
recia e nem mesmo das somas de dinheiro necessárias para conduzirem seus
negócios, isto é, não tinham noção dos recursos financeiros que precisavam para
“alimentar” suas capitanias. Por outro lado, mesmo tendo a terra para labutar,
os sesmeiros precisavam de um suporte financeiro que o capitão não tinha con-

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dições de oferecer. Somado a esses itens de cunho econômico e administrativo,
ainda podemos expor os obstáculos enfrentados por donatários e sesmeiros nas
capitanias diante dos levantes indígenas contra os pequenos núcleos populacio-
nais, expulsando-os de suas terras.
A capitania de Pernambuco foi a que mais obteve sucesso no cenário
colonial. Isso pode ser com-
preendido, sobretudo, pela
presença de fatores relevantes
que as outras capitanias não
possuíam. Dentre os quais,
mencionamos: uma posição
geográfica favorável, sendo
a capitania mais próxima
da metrópole, mais susce-
tível às visitas do Reino e,
consequentemente, no rece-
bimento de recursos; possuía
um clima mais ameno, jun-
tamente com um solo fértil
propício à agricultura, e, para
finalizar, a capacidade admi-
nistrativa incontestável de Figura 22: Capitania de Pernambuco
seu capitão, Duarte Coelho. Fonte: Biblioteca Brasiliana (online).

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


97

Em 1539, a capitania de Pernambuco já possuía dois núcleos populacionais –


Olinda e Santa Cruz. No campo, despontava a extração do pau-brasil, com o
auxílio imprescindível dos ameríndios (por meio do Escambo), e as pequenas
culturas direcionadas ao mantimento tanto das vilas coloniais como dos homens
que habitavam o campo. Por volta de 1540, Duarte Coelho decide investir no
cultivo da cana-de-açúcar, doando sesmarias para a construção de engenhos.
Essa decisão despertou grande interesse nos metropolitanos, que se viram atraí-
dos pela oportunidade de enriquecimento e se mobilizaram rumo à capitania de
Coelho. Assim, ano após ano, a capitania crescia e despontava no cenário colo-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

nial, em razão do sucesso proporcionado pelo açúcar. Entretanto, o crescimento


da indústria açucareira criou novas necessidades no ambiente tropical e, conse-
quentemente, novos problemas. Havia a necessidade de um maior contingente
de mão de obra para suprir a demanda. Contudo, o árduo trabalho nas lavouras
de cana não atraía os nativos. Desse modo, o problema da mão de obra estava
instalado no Novo Mundo.
As relações amistosas e pacíficas entre portugueses e indígenas se estre-
meceram e se tornaram gradualmente conflituosas quando o sistema
econômico de resgate entrou em colapso e, simultaneamente, o enge-
nho começou a exigir mão-de-obra escrava. O sistema econômico de
resgate tão favorável aos indígenas e que produzira uma relação comer-
cial e de auxílio mútuo entre os dois povos, começou a criar problemas
quando os indígenas começaram a se fartar dos tradicionais objetos de
escambo [...] Recorria-se a esse sistema somente para fazer o contrato
de trabalho na extração do pau-brasil [...] (KUHNEN, 2005, p. 342).

Por outro lado, segundo Boxer (2002), os portugueses que se direcionavam


para o Brasil, mesmo os camponeses mais simplórios, não estavam dispos-
tos a encarar o duro trabalho manual que o sistema açucareiro necessitava.
Essa falta de disposição dos lusitanos ao trabalho reforçou a redução do
índio à escravidão. “Como consequência inevitável, ao descobrirem que os
ameríndios não estavam dispostos a trabalhar para eles na agricultura, a
longo prazo, como servos, tentaram obrigá-los a trabalhar como escravos”
(BOXER, 2002, p. 102). Assim, com o crescimento da economia colonial,
paulatinamente, os indígenas passaram de aliados dos portugueses a escra-
vos de seus negócios.

As Capitanias Hereditárias
98 UNIDADE II

A palavra escambo significa a troca de mercadorias por trabalho. Ela é muito


utilizada no contexto da exploração do pau-brasil (início do século XVI). Os
portugueses davam bugigangas (apitos, espelhos, chocalhos) para os indí-
genas e, em troca de trabalho, os nativos deveriam cortar as árvores de pau-
-brasil e carregar os troncos até as caravelas portuguesas.
Caro(a) acadêmico(a), é de suma relevância compreendermos que o escam-
bo comumente está relacionado com uma troca comercial desvantajosa.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Entretanto, precisamos entender o contexto do período em questão e ob-
servar que muitos objetos facilitaram o cotidiano dos indígenas, trazendo
benefícios mútuos.
Fonte: adaptado de Sua pesquisa.com (online).

O crescimento da economia nos trópicos, sobretudo em Pernambuco, trouxe uma


gama de problemas. Por meio das cartas escritas por Duarte Coelho e direciona-
das ao Rei D. João III, podemos ter acesso aos principais obstáculos enfrentados
pelo donatário em sua capitania. Em um de seus relatos, de 27 de abril de 1542,
Coelho destacou a grande necessidade de investimentos e sua precária situação
financeira: “para as cousas de tanta importância há necessidade de muitos gran-
des gastos e eu estou muito gastado e endividado, e não posso suportar tanta
gente de soldo”. O donatário acreditava que seus problemas de cunho finan-
ceiro seriam amenizados se houvesse a permissão para adquirir escravos negros
em sua capitania. Assim, solicitou: “há já três anos que pedi a Vossa Alteza me
fizesse mercê de me dar licença e maneira de haver alguns escravos de Guiné
por Resgate” (ALBUQUERQUE; MELLO, 1967, p. 86).
No trecho acima, podemos perceber que a mão de obra não era um pro-
blema recente no ambiente colonial, pois o donatário já havia solicitado junto à
Coroa portuguesa a vinda de escravos africanos há três anos. Além disso, Duarte
Coelho possuía conhecimento da quantidade de escravos negros que o Império
luso possuía, tanto no Reino como nas possessões além-mar, e suplicava o envio
para o Brasil, pois compreendia que resolveria tanto seus problemas financeiros
emergenciais como “tranquilizava” sua capitania.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


99

Dando prosseguimento às observações realizadas por Duarte Coelho, visuali-


zamos uma carta que foi escrita em 1546 que retratava os problemas relacionados
à extração de madeira até então realizada, tanto na sua capitania como ao longo da
região costeira. O donatário solicitou junto ao monarca, a proibição da explora-
ção do pau-brasil em sua capitania por um período de dez anos. Nesse momento,
levavam-se em consideração os problemas gerados com o emprego de indígenas
na extração da madeira, principalmente com a ruína do sistema de “resgates”. Os
naturais da terra já estavam fartos das “bugigangas” que recebiam dos metropoli-
tanos e almejavam adquirir, em troca do trabalho realizado, espadas e espingardas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

(objetos proibidos no sistema de resgate). Em contrapartida, os colonos prome-


tiam tais objetos e, quando não cumpriam sua promessa, em resposta, os índios
se rebelavam e atacavam os núcleos populacionais, comprometendo a ordem
da capitania. Além disso, Coelho assegurava que os gastos com a extração do
pau-brasil não compensavam os riscos que ficavam sujeitos (ALBUQUERQUE;
MELLO, 1967, p. 87).
Observamos, por meio do relato exposto acima, que o capitão Duarte Coelho
prezava por um bom relacionamento com os naturais da terra. A solicitação
junto ao Reino para proibir a extração da madeira era um modo de assegurar a
paz em sua capitania, pois os acordos firmados entre colonos e indígenas nem
sempre eram respeitados. Diante dessa realidade, os levantes promovidos pelos
ameríndios eram inevitáveis como resposta aos enganos dos metropolitanos.
Acreditava-se que a exploração da madeira também comprometia o crescimento
da indústria açucareira. Nesse âmbito, Duarte Coelho afirma:
[...] estorva este fazer de brasil o fazermos nossas fazendas, em especial
os engenhos, porque quando estavam os índios famintos e desejosos
de ferramentas, pelo que lhes dávamos nos vinham a fazer as levadas
e todas as outras obras grossas e nos vinham a vender mantimentos
de que temos assaz necessidade, e, como estão fartos das ferramentas,
fazem-se piores do que são e alvoroçam-se e ensoberbecem-se e revol-
tam-se (ALBUQUERQUE; MELLO, 1967, p. 88).

A manutenção da ordem era algo que Duarte Coelho realmente prezava em sua
capitania e não apenas com os ameríndios. Ainda em carta escrita em 1546, o
capitão solicitava que a Coroa não enviasse mais degredados à sua capitania.
Os degredados, segundo Coelho, não contribuíam para o crescimento de suas

As Capitanias Hereditárias
100 UNIDADE II

terras. Muito pelo contrário, atrapalhavam ainda mais o convívio com os indí-
genas, pois, comumente, estavam envolvidos em ataques contra as tribos nativas
(ALBUQUERQUE; MELLO, 1967, pp. 89-90). Entretanto, os apelos de Duarte
Coelho não foram atendidos por D. João III. A Coroa portuguesa nada fez para
melhorar as condições da capitania de Pernambuco. Não que não o quisesse
fazer, mas por não possuir condições financeiras de oferecer um suporte neces-
sário, devido à grande empresa que fomentava na África e na Ásia.
Como já mencionamos, nos últimos anos da década de 1530 e nos primeiros anos
de 1540, D. João III tinha que considerar vários empreendimentos distintos, pelos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
quais teria que distribuir seus recursos humanos e financeiros: o norte da África,
sob ameaça eminente; a Índia, com o comércio de especiarias; na rede Atlântica a
Oeste, o Brasil, com suas potencialidades reconhecidas; e a Leste, a Costa africana de
Angola e Congo, que forneciam mão de obra escrava (SUBRAHMANYAM, 1995, p.
119-125). Nesse sentido, o porquê do Estado lusitano não ter tido recursos suficien-
tes para atuar em todas essas frentes pode ser respondido primeiro se pensarmos
no problema dos recursos humanos, já que Portugal não possuía um contingente
humano suficiente para tal. Segundo fator, bem mais fácil de demonstrar, diz res-
peito aos problemas financeiros pelos quais a Coroa atravessava.

ASPECTOS PONTUAIS ACERCA DAS CAPITANIAS HEREDITÁRIAS

Podemos observar, prezado(a) acadêmico(a), que o sistema de Capitanias


Hereditárias desenvolvido pela Coroa portuguesa conduziu mudanças signifi-
cativas nas terras brasílicas. A entrada de centenas de colonos, ano a ano, para
ocupar as terras coloniais mudou o cenário até então existente, sobretudo, nas
capitanias de Pernambuco e São Vicente. A substituição progressiva da extração
do pau-brasil em favorecimento da indústria açucareira trouxe novas necessida-
des e, ao mesmo tempo, novos problemas, porém dinamizou o ambiente colonial
com o surgimento de pequenos núcleos urbanos. A relação até então amistosa
entre nativos e lusitanos ganharia uma nova roupagem, em resposta aos abusos
cometidos pelos colonos portugueses. Tais abusos, muitas vezes, repercutiram
em sistemáticos ataques indígenas aos metropolitanos.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


101

De modo geral, mesmo tendo recebido certa cooperação dos indígenas


no início, todos os núcleos de povoamento sofreram grandes tribula-
ções e ataques dos nativos, encontrando sérias dificuldades de sobrevi-
ver e de fazer as suas roças produzirem. Três capitanias setentrionais,
a do Pará, Maranhão e Ceará, mal foram visitadas por seus coloniza-
dores, ao cabo de dez anos, foram completamente destruídas, a de São
Tomé e da Bahia (KUHNEN, 2005, p. 291).

É interessante enfatizar caro(a) aluno(a), que as relações estabelecidas entre


portugueses e indígenas por meio dos “resgates” foram, paulatinamente, se
descaracterizando a partir de 1534, isto é, no âmbito do sistema de capita-
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nias hereditárias. Esse processo aconteceu à medida que os colonos foram se


estabelecendo nas capitanias. Os homens oriundos do Reino precisavam dos
naturais da terra, tanto para a realização de pequenas tarefas cotidianas como
para conseguirem alimentos para sua manutenção. Todavia, à medida que
os metropolitanos foram se estabelecendo no território, organizando roças
onde cultivavam seu próprio sustento, deixaram de “resgatar” com os natu-
rais da terra. Somado a isso, o crescimento do número de colonos detentores
de grandes porções de terras aumentou a necessidade de mão de obra siste-
mática (BOXER, 2002).
Outro ponto relevante que apresentamos ao leitor está relacionado aos pre-
ceitos da fé. Designada por Deus, a colonização do Novo Mundo era mais um
caminho que D. João III precisava trilhar. O Rei de Portugal compreendia que
a organização e sistematização do novo espaço lusitano estaria intimamente
relacionada tanto ao “serviço de Deus” quanto ao proveito dos homens. Nesse
âmbito, Capistrano (1963, p.64) registra:
[...] é ser a minha terra e costa do Brasil mais povoada do que até agora
foi, assim para se nela haver de celebrar o culto e ofícios divinos, e se
exaltar a nossa santa fé católica, com trazer e provocar a ela os naturais
da dita terra infiéis e idólatras, como por o muito proveito que se segui-
rá a meus reinos e senhorios, e aos naturais e súditos deles de se a dita
terra povoar e aproveitar.

O povoamento da colônia portuguesa trouxe uma série de mudanças significati-


vas. Houve o estabelecimento do poder do Estado e com ele a obrigação de criar
diversos cargos no âmbito administrativo. A necessidade de estabelecer a justiça
em prol da ordem colonial. A condução no prisma da organização da produção

As Capitanias Hereditárias
102 UNIDADE II

em caráter mercantil e, ainda, os problemas relacionados aos nativos america-


nos, no que concerne à salvação das almas indígenas que, juntamente com as
preocupações de cunho econômico, serão prioridades no projeto colonizador
desenvolvido por D. João III a partir de 1549.
Segundo a análise realizada por Kuhnen (2005), nenhum padre esteve nas
terras coloniais antes de 1535, a não ser aqueles que estiveram presentes na esqua-
dra de Caminha em 1500. Durante esse intervalo, os religiosos estavam presentes
nas embarcações para assistir os tripulantes das esquadras que desembarcavam
na colônia. Contudo, não se pode assegurar que os homens de Deus permane-

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ceram em solos brasílicos. O autor ainda destaca que Afonso Ribeiro (um dos
degradados deixados por Cabral em 1500) conseguiu transmitir princípios bási-
cos do catolicismo aos naturais da terra com quem teve contato (KUHNEN,
2005, p. 224-226).
Nesse sentido, mesmo que os indígenas tenham demonstrado uma afinidade
aos preceitos religiosos da Igreja de Roma, praticamente nada foi realizado nesse
âmbito. Esse traço pode ser associado à demora na ocupação das terras colo-
niais. A Coroa portuguesa não poderia enviar religiosos aos trópicos em razão
da inexistência de núcleos populacionais sistematizados. Algo que observaremos
a partir de 1535 com o florescimento de pequenas vilas dispostas em algumas
capitanias, sobretudo em São Vicente e Pernambuco. Com essa nova realidade,
ocorreu a vinda de poucos padres incumbidos de assistir os colonos portugue-
ses e, em menor medida, os naturais da terra.
Assim, em 1549 devido às grandes dificuldades presentes no cenário colo-
nial, tais como: problemas no âmbito econômico e administrativo das capitanias,
ruína do sistema de “resgates” e, consequentemente, redução dos indígenas à
escravidão e os levantes ameríndios aos núcleos populacionais portugueses.
D. João III decidiu pela centralização do poder na colônia, visando subtrair
os problemas existentes. Desse modo, em março do mesmo ano, aportou na
Costa brasileira o primeiro Governador Geral, Tomé de Sousa e membros da
Companhia de Jesus, que foram incumbidos de assegurar a evangelização dos
indígenas e, consequentemente, protegê-los dos abusos dos colonos. Por tais
decisões, o Rei de Portugal iniciava sua obra missionária, catequizando os gen-
tios e colonizando suas terras.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


103

O ESTABELECIMENTO DO GOVERNO GERAL

A CENTRALIZAÇÃO DO PODER COLONIAL

Após realizarmos o estudo acerca dos primeiros passos dados pela Coroa portu-
guesa para o povoamento dos trópicos, nos preparamos para avançar em nossa
análise. Nesse sentido, prezado(a) aluno(a), realizaremos uma abordagem que se
inicia a partir de 1549 com a instituição do Governo Geral que previa a centrali-
zação do poder na figura de um “chefe político” e finalizaremos com a expansão
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da exploração das terras coloniais efetuadas em fins do século XVI. É importante


destacarmos que faremos uma leitura geral desse período, visto que a documen-
tação disponível para a análise prioriza os três primeiros governadores da colônia.
Segundo Fausto (2006), a decisão de D. João III de estabelecer o governo
geral no Brasil pode ser compreendida se efetuarmos uma relação dos fatos
que estavam ocorrendo na esfera internacional do Império português. O autor
menciona que, a partir desse momento, o Reino luso presenciava os primeiros
sinais de crise com o comércio no Oriente. Também observa que Portugal estava
sofrendo sucessivas derrotas no Marrocos. Ainda, enfatiza os problemas que
ocorreram em 1549 com o fechamento do entreposto comercial português em
Flandres, por estar com saldos negativos. Além disso, e não menos importante,
temos o problema com a concorrência espanhola. Os espanhóis, por volta de
1545, haviam descoberto grandes reservas de metais preciosos em suas posses-
sões na América, sobretudo em Potosí (Bolívia). Por essa combinação de fatores
negativos e somados aos fracassos obtidos pelo sistema de capitanias hereditá-
rias, “tornou mais claros os problemas da precária administração da América
lusitana” (FAUSTO, 2006, p. 20).
Por outro lado, temos a análise realizada por Ricupero (2009) que compreende
que a implementação do Governo Geral no Brasil seguiu uma dinâmica diferente
comparada a outras possessões portuguesas. Muito além das crises presenciadas
no âmbito internacional, o autor acredita que a preocupação central da Coroa lusa
era garantir a posse das terras americanas descobertas em 1500 e que, ao longo
de cinco décadas, permanecia ainda ameaçada. Ele enfatiza que os objetivos do
Governo Geral eram minimizar a resistência dos índios, combater os inimigos

O Estabelecimento do Governo Geral


104 UNIDADE II

externos e desenvolver métodos para estruturar uma produção de gêneros alimen-


tícios direcionados para o mercado metropolitano (RICUPERO, 2009, p. 106-107).
A instauração do governo geral nos trópicos representaria um passo significativo
na esfera administrativa e política do reinado de D. João III. O primeiro Governador
Geral do Brasil foi Tomé de Sousa (1549-1553) que já tinha uma vasta experiência
nos assuntos além-mar, estando, anteriormente, na África e na Índia. Desembarcou
na Bahia em março de 1549, trazendo em sua esquadra mais de mil pessoas. Destas,
destacavam-se cerca de 400 degredados (homens repudiados por Duarte Coelho).
Tomé de Sousa trazia uma série de orientações por escrito que enfatizava a impor-

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tância de assegurar as novas terras portuguesas e colonizá-las, de modo que as rendas
fossem direcionadas ao Reino. Nesse prisma, observamos a criação de novos car-
gos administrativos para desenvolver as novas funções que a colonização implicava
(FAUSTO, 2006, p. 20).
Dentre os homens oriun-
dos do Reino, desembarcaram
juntamente com o primeiro
Governador, em março de
1549, alguns membros da
Companhia de Jesus (a pri-
meira missão jesuítica aos
trópicos foi composta pelos
padres Leonardo Nunes,
Juan de Azpicueta Navarro,
Antonio Pires e pelos irmãos
Vicente Rodrigues e Diogo Figura 23: Chegada de Tomé de Sousa à Bahia
Fonte: Wikimedia Commons.
Jacome), supervisionados pelo
padre Manuel da Nóbrega, que permaneceu até 1559 como superior dos jesuítas
no Brasil. Foram designados pelo monarca D. João III (1521-1557) tanto o corpo
que compunha o Governo Geral como os discípulos de Deus que faziam parte do
projeto de colonização portuguesa. Para o Rei português, a colonização das terras
tropicais se fundamentava na propagação da fé católica e na salvação das almas dos
indígenas. Assim, os jesuítas ficaram responsáveis pela conversão e pelo combate
aos costumes nativos em prol da instauração dos preceitos da Igreja.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


105

“[...] a missão de Tomé de Sousa e do grupo de jesuítas era francamente


civilizatória. A idéia consistia em unir as forças da Fé e do Império
numa empreitada que pudesse, enfim, dar alguma feição civilizada à
selvagem terra brasílica [...]” (HUE, 2006, p. 11).

O Reino português criou, a partir desse momento, os primeiros cargos no âmbito


administrativos da colônia. Caberia ao Governador das terras desempenhar uma
série de funções, para as quais estaria amparado por auxiliares, dentre eles: pro-
vedor-mor, ouvidor-geral e capitão-mor da costa. O primeiro cargo em destaque
ficava encarregado de organizar e arrecadar as finanças, principalmente os impos-
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tos sobre os produtos coloniais. O ouvidor-geral estava responsável por exercer


a justiça em todas as esferas sociais e o capitão-mor da Costa estava encarre-
gado de supervisionar e assegurar a defesa do litoral contra investidas de outros
Reinos. Além disso, houve a centralização do poder na figura do Governador
na cidade de Salvador (WEHLING, 2005, p. 70).
De acordo com o Regimento de Tomé de Sousa, dentre as tarefas que o
Governador Geral deveria realizar, uma delas era ocupar a capitania da Bahia
e, consequentemente, fundar a cidade de Salvador, que seria o centro da admi-
nistração colonial. Após essa etapa, o Governador deveria organizar meios para
exercer as punições contra os ameríndios responsáveis pelos ataques massivos
à capitania da Bahia e pela morte de seu donatário. Superada essa fase na admi-
nistração, Tomé de Sousa deveria se direcionar para efetuar a defesa das outras
capitanias. Nessas visitas às capitanias, o Governador deveria convocar os dona-
tários e discutir meios e soluções para governá-las e protegê-las (RICUPERO,
2009, p. 107-109).
Segundo Fausto (2006), a centralização administrativa na colônia não asse-
gurava todos os poderes ao Governador. A comunicação entre as capitanias era
bem precária e dificultava a ação de Tomé de Sousa, que precisava enfrentar uma
série de obstáculos (FAUSTO, 2006, p. 21). Os problemas mais sérios vinham
dos conflitos entre os nativos, que realizavam levantes contra os núcleos urba-
nos em respostas aos abusos cometidos pelos colonizadores portugueses. Além
de um problema no âmbito interno, o Governador teria que conviver com as
ameaças oriundas, principalmente, dos franceses, que insistiam em permane-
cer no litoral brasileiro.

O Estabelecimento do Governo Geral


106 UNIDADE II

Em 1553, D. João III resolve que Tomé de Sousa não seria mais o Governador
das terras brasílicas. Avisados que o Governador deixaria a colônia, os membros
da Companhia de Jesus foram tomados por um sentimento de grande descon-
fiança de como seria a administração de seu sucessor e, principalmente, se este
iria contribuir com a obra catequética realizada pelos jesuítas. Nesse sentido, com
o excerto de uma correspondência jesuítica, observamos a afinidade existente
entre o Governador Tomé de Sousa e os padres da Companhia, assim, Manuel
da Nóbrega descreveu:
O Governador Thomé de Sousa eu o tenho por tão virtuoso e entende

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tão bem o espírito da Companhia, que lhe falta pouco para ser della;
não creio que esta terra fora avante com tantos contrastes, como teve,
si haverá outro Governador; dizem que se vai este anno que vem que
tememos muito vir outro, que destrua tudo; de quantos lá vierem ne-
nhum tem amor a esta terra: só elle, porque todos querem fazer em seu
proveito, ainda que seja á custa da terra, [...] (NÓBREGA, 1988, p. 131).

Desse modo, Duarte da Costa (1553-1557) assume o Governo Geral do Brasil.


Seus principais desafios eram: tranquilizar as terras brasílicas, dar seguimento
à obra administrativa de colonização e conter a ocupação francesa que mani-
festava o desejo de fundar uma colônia no Rio de Janeiro. Juntamente com o
Governador, desembarcaram um contingente representativo de colonos e alguns
membros da Companhia de Jesus (os padres, Luis da Grã, Ambrosio Pires, Braz
Lourenço, os irmãos, João Gonçalves, Antonio Blasquez, Gregório Serrão), entre
eles, José de Anchieta, que vieram para somar forças à política de catequização
dos ameríndios (WEHLING, 2005, p. 70).
Segundo a análise realizada por Salvador (1982), o Governador Duarte da
Costa não mediu esforços para proteger a capital da colônia (Salvador) dos levan-
tes indígenas que assolavam a cidade. O governante procurou agir com rigidez
com os naturais da terra, quando achou necessário, reprimiu-os por meio de
armas, efetuou apreensões e chegou até a executá-los. Ao seu lado estava seu filho
D. Álvaro da Costa, que esteve à frente das guerras contra os indígenas. Todas
essas ações repressoras eram favorecidas pela Coroa portuguesa, que supria os
homens da justiça com armamento necessário para conter os ataques indígenas.
Nesse âmbito, podemos compreender o porquê a administração de Duarte da
Costa ficou marcada pelas guerras contra os nativos (SALVADOR, 1982, p. 147).

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


107

O governo de Duarte da Costa foi caracterizado pela desunião nas esferas


da administração civil e eclesiástica. Esses atritos começaram quando o Bispo
Pedro Fernandes Sardinha (pessoa de muita autoridade e exemplo de pregador)
repreendeu o filho do Governador Duarte da Costa publicamente – algo que já
tinha ocorrido com o padre Manuel da Nóbrega. Essa situação gerou um imenso
desconforto e dividiu opiniões dos moradores: uns ficaram a favor do Bispo e
outros a favor do Governador (WETZEL, 1972). Na carta inaciana de junho de
1555, observamos o mal estar entre as duas esferas.
Um dia destes fez as pazes do Bispo e do Governador e seu filho que
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estavam muito differentes e eram cabeças de partido e occasião de mui-


tos ódios e tumultos; e conseguiu que se visitassem e que o filho do
Governador fosse pedir perdão ao Bispo, o que foi não pequena cousa,
pois o joven fazia disso questão de honra. Visita as prisões e dos negó-
cios dellas trata com o Governador e Ouvidor Geral (NAVARRO, 1988,
p. 168-169).

A correspondência jesuítica é um documento valiosíssimo do período colonial no


Brasil. Por meio dos registros, temos acesso à colonização empreendida nos trópi-
cos, tanto no âmbito religioso de catequização dos nativos quanto das principais
medidas administrativas tomadas pelos governadores. Nesse sentido, visualizamos
que o contexto em que Duarte da Costa estava inserido foi marcado por sucessi-
vos relatos de guerras indígenas, sobretudo na capitania da Bahia, onde os “saltos”
se tornaram uma prática comum. Diante desse cenário, o padre Ambrósio Pires,
em 12 de junho de 1555, relatou: “os Índios daqui [são] mais afiançados no mal
que nas virtudes, e fazem guerra contra os Christãos, valendo-se dos matos, onde
andam seguros como si animaes fossem” (NAVARRO, 1988, p. 168).
Quanto aos “saltos” (ataque dos brancos às aldeias para capturar indígenas),
durante a administração de Duarte da Costa, os jesuítas acreditavam que o cará-
ter corriqueiro dessa prática era devido à grande impunidade dos portugueses
salteadores. Os portugueses eram raramente condenados pela prática desses
atos contra os nativos. Primeiramente, porque os indígenas não tinham condi-
ções de denunciar os colonos, visto que sua palavra não era respeitada. E, para
piorar, porque ficava praticamente impossível condenar um lusitano que explo-
rasse um índio, pois o luso só iria a julgamento se essa denúncia apresentasse,
no mínimo, dois brancos como testemunhas do ato.

O Estabelecimento do Governo Geral


108 UNIDADE II

Duarte da Costa, a pedido do superior da missão jesuítica, reprimiu os


chamados “maus-costumes” (temática que será nosso objeto de discussão na
Unidade III) dos nativos, estabelecendo, nos anos finais de sua administração,
pena de morte para aqueles que praticassem a antropofagia nas aldeias. Além
dessa medida, também combateu veemente a postura dos líderes tribais que
prejudicavam a catequização dos padres. Em vista disso, podemos observar que
o Governador tentou auxiliar o trabalho evangelizador dos jesuítas, agindo de
maneira repressora, quando achasse necessário, em nome da ordem e de Deus.
Segundo Pécora (1999), as ações mais elogiadas por Nóbrega, executadas por

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Duarte da Costa, eram referentes às punições dos nativos. Isso se dava quando o
Governador se posicionava com rispidez diante da prática dos “maus costumes”
dos indígenas. Esse período foi marcado pela “guerra dos índios” e, consequente-
mente, pela mudança do método de evangelização desenvolvida pelos inacianos.
Além dos problemas existentes nas terras coloniais com a presença de portu-
gueses salteadores e com a incidência de levantes indígenas contra os principais
centros populacionais da colônia, Duarte da Costa ainda precisava combater a
ameaça oriunda dos franceses. A presença francesa na Costa brasileira limitou-
-se até por volta de 1550 à exploração da madeira com o auxílio dos ameríndios,
sobretudo dos tupinambás. Porém, em 1555, o cenário colonial sofreu mudan-
ças drásticas. Os franceses ocuparam a região que compreende, hoje, o Rio de
Janeiro e manifestaram desejo de fundar uma colônia. Todavia, a Coroa por-
tuguesa ficou praticamente inerte perante essa situação, teve conhecimento da
chegada de várias embarcações francesas munidas com homens, mulheres, crian-
ças e religiosos. Certamente, a ameaça às terras brasílicas era preocupante, porém
o Rei de Portugal, por absoluta falta de recursos, nada fez até 1560 para reprimir
a presença desses estrangeiros (WEHLING, 2005, pp. 70-72).
O Governador Mem de Sá foi nomeado por D. João III em 23 de julho de
1556, para suceder o governante Duarte da Costa, e teria a difícil missão de reor-
ganizar o território marcado por ameaças e conflitos, os quais envolviam tanto
os naturais da terra que atacavam as vilas como os lusitanos e suas frequentes
investidas às tribos indígenas, a fim de raptar os nativos e escravizá-los por vias
proibidas: os chamados “saltos”. O Governador precisava buscar um diálogo com
os membros da Companhia de Jesus, pois eles se colocavam como um pêndulo

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


109

nas relações entre colonizadores lusos e indígenas. Além dos problemas internos
ressaltados, Mem de Sá ainda teria que rechaçar a ameaça francesa que assolava
a capitania do Rio de Janeiro. Diante disso, “o momento histórico, após o atri-
bulado governo de Dom Duarte, exigia um homem ativo, inteligente, de grande
experiência, e, sobretudo, honesto. Todas essas qualidades e outras mais reu-
niam em si Mem de Sá” (WETZEL, 1972, p. 31). Ainda, segundo a visão de Frei
Vicente do Salvador, Mem de Sá, “com razão pode ser espelho de governadores
do Brasil, porque, concorrendo nele letras e esforços, se sinalou muito na guerra
e justiça” (SALVADOR, 1982, p. 151).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A mudança de governo gerou uma considerável apreensão por parte dos jesu-
ítas. Isso ocorreu devido às desventuras vivenciadas na administração de Duarte
da Costa que não se manifestou como aliado da Companhia, salvo em situações
específicas, quando declarava guerra aos índios que não aceitavam a conversão
imposta pelos padres. Nesse sentido, logo após a nomeação do novo Governador
Geral, observamos que um clima de expectativa permeava o ambiente colonial. Em
carta escrita por Manuel da Nóbrega da capitania da Bahia (em agosto de 1557,
direcionada ao padre Miguel de Torres) presenciamos esse clima de apreensão.
No fim de Julho chegou aqui uma caravella d’ El Rei que trazia gado;
esta deu nova, como Mem de Sá, governador, partira de Cabo Verde,
véspera da Ascenção, primeiro que este navio tres dias; espantam-se
todos não ser já aqui, e tememos haver arribado, ou permitir Nosso
Senhor algum desastre, para que venha sobre esta terra toda a perdição
e desconsolação possível, porque até a feitura desta, não é chegada; pre-
sumimos virem alli Padres, posto que ninguém nol-nos saiba certificar,
estas trabalhosas e venturosas viagens causam partirem navios de lá
tão tarde e virem tão fora do tempo, que, si da vinda escapam, ás ve-
zes não escapam da tornada, e será muita parte, tanta perda de navios,
para ganhar total aborrecimento á esta terra, o qual creio, que todos lhe
têm ganhado, si não é Sua Alteza, cujo coração christianissimo está nas
mãos de Deus (NÓBREGA, 1988, p. 170).

O atraso da esquadra que trazia o Governador Mem de Sá gerava preocupação


por parte dos jesuítas, visto que sua chegada era aguardada com grande ansiedade.
Desse modo, após uma longa viagem da metrópole às terras coloniais, eis que o
Governador desembarcava na capitania da Bahia nos últimos dias de dezembro
de 1557. Segundo Wetzel (1972), o Governador chegava à América com amplos

O Estabelecimento do Governo Geral


110 UNIDADE II

poderes e todos deveriam prestar obediência a ele, principalmente os donatários


que administravam as capitanias. O Governador seria, a partir desse momento, a
autoridade máxima da colônia, o qual possuía poderes até então não concedidos
a outros governadores. Munido de uma série de provisões, Mem de Sá deveria
se ocupar do serviço a Deus por meio da exaltação da fé, labutar para servir ao
Rei e buscar enriquecimento das capitanias e vilas coloniais.
Particularmente, o Governador possuía o problema referente à ocupação
francesa no Rio de Janeiro, que só recebeu uma ação organizada em 1560 com a
primeira expedição contra os invasores. Essa incursão contra os franceses teve

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resultados parciais, pois, mesmo com a destruição do forte francês, não fora
possível realizar a expulsão total dos invasores. Estes se direcionaram às aldeias
indígenas em busca de refúgio e retornaram para “sua” colônia logo após Mem
de Sá voltar para a Bahia (WEHLING, 2005, p. 72). Todavia, após uma série de
expedições direcionadas contra os franceses, em 1567, o Governador conseguiu
reprimir os invasores e iniciar a colonização daquele território.
[...] já no governo de Mem de Sá, outras inovações foram sendo intro-
duzidas, com o surgimento de novos cargos: como por exemplo, o de
mamposteiro-mor da rendição dos cativos, responsáveis pela arrecada-
ção de uma contribuição, como o próprio nome indica, para o resgate
dos cativos, ou o de tesoureiro dos defuntos, indicando que o desenvol-
vimento das capitanias, então existentes, já exigia uma melhor divisão
de tarefas (RICUPERO, 2009, p. 140).

Outro dado interessante ocorrido durante o governo de Mem de Sá foi sua intensa
aliança com a Companhia de Jesus. Observamos essa estreita ligação entre as duas
esferas, laica e religiosa, na correspondência jesuítica do período em questão. Sem
sombra de dúvida, o Governador procurou conter os abusos cometidos pelos
colonizadores portugueses, que exploravam os nativos por vias ilegais. Segundo
Salvador (1982), o Governador foi enviado às terras brasílicas em favorecimento
da religião cristã, isto é, buscava-se a consolidação dos dogmas católicos em detri-
mento aos “maus costumes” indígenas. Quanto aos cristãos, proibiu a jogatina
nas cidades, pois isso, resultava em uma intensa concentração de desocupados e
vagabundos que prejudicavam a ordem pública e inseriu esses homens ociosos
no trabalho. Além disso, havia a pretensão de reprimir a ação dos colonos sal-
teadores que comprometiam a política de colonização portuguesa nos trópicos.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


111

As primeiras providências tomadas pelo Governador Mem de Sá expressa-


vam claramente as determinações impostas pelo monarca D. João III, que não
pôde presenciar os avanços realizados na colônia, pois faleceu em junho de 1557,
antes mesmo de Mem de Sá desembarcar no Brasil e começar a sua obra. Com a
morte do monarca português, o Rei D. Sebastião (1557-1578) assume o trono de
Portugal e dá início, juntamente com o Governador Mem de Sá, sua obra colo-
nizadora nos trópicos.
Nesse contexto, podemos evidenciar como uma medida de suma relevância
para a administração colonial: a implementação do Regimento das Ordenanças.
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Instituída no final do reinado de D. Sebastião, as Ordenanças não se restringiam


à política colonial, mas sim previam uma atuação no Reino em todo o Império
português. “Este regimento regulamentava a organização das tropas auxiliares,
arregimentando o conjunto da população masculina para uma espécie de ser-
viço militar permanente, que incluía também exercícios regulares e atividades
de vigilância nas áreas costeiras” (RICUPERO, 2009, p. 140-141). O Regimento
era importante, pois representava uma tentativa da Coroa de se organizar mili-
tarmente, sobretudo em suas
possessões coloniais, visto
a ausência de tropas regu-
lares nessas localizações.
Segundo o autor, no caso
do Brasil, essa organização
já existia na prática, porém
as Ordenanças vieram para
legitimar a atuação dessas
tropas militares.
Durante o período que
compreende o governo de
Mem de Sá (1557-1572),
observamos um crescimento
em vários setores da colônia.
Figura 24: Partida de Estácio de Sá (antecessor de Mem de Sá), quadro de
O terceiro Governador Geral Benedito Calixto, mostra Nóbrega benzendo a esquadra que vai combater
os franceses
das terras brasílicas atuou em Fonte: Wikimedia Commons.

O Estabelecimento do Governo Geral


112 UNIDADE II

várias frentes, tanto na obra colonizadora que abarcava o dinamismo econômico


como no apoio à Companhia de Jesus, no que concerne à catequização dos natu-
rais da terra. Ao lado dessas questões, e não menos importante, presenciamos a
criação de vários cargos no âmbito administrativo imprescindíveis para o cres-
cimento da colonização e, consequentemente, observamos o florescimento dos
núcleos populacionais, distribuídos ao longo da Costa brasileira.
Desse modo, com o falecimento do Governador Mem de Sá em 1572, o
monarca D. Sebastião decidiu pela divisão do território brasileiro em dois seto-
res. A partir desse momento, a colônia seria administrada por dois Governadores:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
um na Bahia e outro no Rio de Janeiro. O objetivo da Coroa lusa era assistir,
de maneira eficaz, os donatários das capitanias, visto a falta de comunicação
entre elas. Além disso, também almejava o fortalecimento e a ocupação do Rio
de Janeiro e de São Vicente, pela constante ameaça estrangeira que essas capi-
tanias sofriam, principalmente dos franceses e espanhóis. Em terceiro plano,
a Coroa pretendia organizar expedições e estimular a exploração do território
brasileiro para o Sul e o interior. Os nomes escolhidos para ocupar os cargos de
Governador eram Luís de Brito, em Salvador, e Antônio Salema no Sul, em São
Vicente. Salema enfrentou uma série de obstáculos, dentre os quais podemos
destacar os conflitos com os indígenas e as limitações na exploração das terras
ao interior, porém sem encontrar o ouro desejado. Por outro lado, Luís de Brito
não alcançou êxito na conquista do litoral de Sergipe e da Paraíba (WEHLING,
2005, p. 74-75). Todavia, segundo Ricupero (2009), essa divisão das terras colo-
niais em duas esferas não repercutiu em mudanças significativas no âmbito
administrativo, apenas se organizou no Rio de Janeiro uma estrutura já exis-
tente na capital da colônia, Salvador.
Em 1578, a Coroa lusitana enfrentou uma série de problemas e mudanças
drásticas que transformariam a médio e longo prazo o cenário do Império portu-
guês ultramarítimo. Por um lado, como já mencionamos, o comércio estabelecido
com o Oriente dava os primeiros sinais de crise e não era tão lucrativo e vantajoso
como no início do século. Em sua possessão colonial mais importante, o Brasil,
o Rei D. Sebastião decidiu novamente centralizar o Governo Geral na Bahia e
enviou para as terras coloniais o Governador Lourenço da Veiga, que ficaria na
administração por apenas dois anos e fracassaria diante da conquista da Paraíba.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


113

Observamos, também, que a administração colonial esbarrava nos problemas


resultantes com os colonizadores salteadores que atacavam as aldeias indíge-
nas para raptar os nativos e escravizá-los, com a escassez de mão de obra livre,
visto que os lusos não tinham propensão ao trabalho. Essa gama de impasses
esteve presente no cenário colonial até o final do século XVI e integrava a polí-
tica de colonização dos trópicos portugueses; permeada na busca de riquezas e
na expansão e consolidação da fé católica.
Além dos impasses relatados acima, o monarca português D. Sebastião, em
1578, decidiu direcionar suas forças para um combate que mudaria toda a his-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tória do Império português. O grande cenário seria novamente no Marrocos e a


batalha ficou conhecida como Alcácer Quibir. Essa batalha propiciou mudan-
ças drásticas no Reino de Portugal, sobretudo em dois aspectos, um cultural ou
mesmo religioso e outro político/econômico. Tais mudanças foram resultados
da morte de D. Sebastião durante o conflito no Marrocos. No âmbito cultural ou,
como afirmamos, até religioso, a morte do monarca luso criaria um sentimento
coletivo que ganhou forças e se transformou em um movimento messiânico, que
ficou conhecido como Sebastianismo. Por outro lado, o falecimento do Rei de
Portugal colocaria em pauta um problema praticamente sem solução, ou seja, a
sucessão do trono real. D. Sebastião morreu sem deixar herdeiros e esses impasses
fragilizaram o Reino como um todo, pois repercutiu na perda da independência
portuguesa para os rivais espanhóis em 1580 – quando foi criada a União Ibérica.
A União Ibérica representou, em linhas gerais, a união entre as duas Coroas
ibéricas, ou seja, Espanha e Portugal. Essa união começou em 1580, findou-se
em 1640 e significou a perda de autonomia política portuguesa. Nesse período,
Portugal foi administrado pelos Reis espanhóis e sofreu mudanças considerá-
veis tanto no Reino como em suas possessões coloniais. No Brasil, na década de
1580, o Rei Felipe II (1580-1598) estabeleceu a mesma política desenvolvida em
suas possessões com algumas implicações, devido suas limitações econômicas.
Houve a proibição do ingresso de estrangeiros em atividades de cunho comer-
cial, agrícola e no setor de minérios (WEHLING, 2005).
Segundo o Wehling (2005), tais mudanças repercutiram de forma negativa
na colônia, pois os grandes proprietários recebiam até então investimentos de
casas comerciais europeias, sobretudo nos Engenhos da indústria açucareira, que

O Estabelecimento do Governo Geral


114 UNIDADE II

era o pilar da economia colonial desde o estabelecimento do Governo Geral em


1549. Assim, os dois últimos governos do Brasil no século XVI, sob a égide da
Coroa espanhola, foram Teles Barreto (1583-1587) e Francisco de Sousa (1591-
1602), que se ocuparam principalmente da segurança do litoral brasileiro contra
ataques de corsários, da conquista de outras capitanias e das expedições no inte-
rior em busca de ouro que, mesmo infrutíferas, possibilitaram o conhecimento de
regiões até então desconhecidas, temática que será abordada nos próximos itens.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O Sebastianismo foi um movimento místico-secular que aconteceu em Por-
tugal nas três últimas décadas do século XVI. Esse movimento está associado
à batalha de Alcácer Quibir, no Norte da África, devido à ausência do corpo
do monarca português D. Sebastião que morreu em combate em 1578. Mui-
tos relatos foram produzidos nesse período acerca do mistério que rondava
a morte do Rei de Portugal, o “Desejado”. Alguns chegaram a acreditar que
o Rei morreu ao lado de seus soldados, outros diziam que D. Sebastião te-
ria simplesmente desaparecido em meio à batalha, e outros mencionavam
a possibilidade de fuga do monarca, evitando, dessa forma, sua execução.
Nesse sentido, acreditava-se que o “Desejado” retornaria no momento ideal
para “salvar” os portugueses do domínio espanhol que a União Ibérica impli-
cava. Esse sentimento de espera pelo “salvador” fortaleceu o Sebastianismo
que alcançou voz nos poemas escritos pelo poeta português Bandarra.
Fonte: Sebastianismo (online); Araujo (online) e Biblioteca Joanina (online)

O DOCE AMARGO DO AÇÚCAR COLONIAL

Prezado(a) aluno(a), neste subitem trataremos a respeito da implementação da


indústria açucareira no Brasil português e da sociedade dinâmica que foi se cons-
truindo a partir do Engenho colonial durante os séculos XVI e XVII. O açúcar
foi o primeiro produto global e seu cultivo e comercialização justificaram a colo-
nização dos trópicos e, consequentemente, deram forma à sociedade brasileira.
Como já mencionamos nos itens anteriores, durante as três primeiras déca-
das de exploração portuguesa nos trópicos, a economia colonial foi pautada na

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


115

extração do pau-brasil e na aquisição de algumas plantas e animais exóticos


presentes nas terras coloniais. A retirada da madeira era possível com o auxílio
imprescindível dos ameríndios e essa relação de trabalho ficou conhecida como
escambo, que caracterizou o convívio harmônico entre brancos e índios. Todavia,
com a necessidade de povoar a colônia e, consequentemente, proteger suas terras
de ameaças externas, a Coroa de Portugal incentivou o povoamento do território
por meio do sistema de Capitanias Hereditárias a partir de 1530. Nesse contexto,
iremos observar que havia a necessidade de desenvolver atividades econômicas
que possuíssem um caráter sedentário e o cultivo de cana-de-açúcar se encai-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

xaria perfeitamente no cenário colonial.


Os portugueses já possuíam uma vasta experiência na indústria açucareira
desde o século XV em suas ilhas no Atlântico. Segundo Boxer (2002), o solo e o
clima de São Tomé foram favoráveis para o plantio de cana-de-açúcar, e o resul-
tado desses elementos positivos foram os grandes lucros alcançados durante
grande parte do século XVI (BOXER, 2002, p. 103). Desse modo, observando
com propriedade as características inerentes ao solo e ao clima de alguns pon-
tos da Costa tropical, os portugueses logo perceberam que poderiam reproduzir
nas terras brasílicas a experiência que obtinham com o cultivo da cana em suas
Ilhas no Atlântico. Assim, “a economia colonial teve início seguindo o modelo
usado nas ilhas da Madeira e de São Tomé: cultivo de cana-de-açúcar, construção
de engenhos e uso de mão de
obra escrava” (PRIORE;
VENANCIO, 2010, p. 25).
O engenho, nome atribu-
ído à máquina de fazer açúcar,
transformou-se, paulatina-
mente, em todo complexo
açucareiro colonial, abran-
gendo as terras e as lavouras.
De acordo com a análise rea-
lizada por Ferlini (2003), “o
complexo açucareiro com- Figura 25: Um engenho de cana-de-açúcar em Pernambuco colonial,
pelo pintor neerlandês Frans Post (século XVII).
punha-se de dois elementos Fonte: Wikimedia Commons.

O Estabelecimento do Governo Geral


116 UNIDADE II

essenciais: a unidade manufatureira, o engenho; e as lavouras de cana, pertencen-


tes ao engenho ou a lavradores de cana” (FERLINI, 2003, p. 137). O engenho foi
chamado de “máquina e fábrica incrível” pelo padre Antônio Vieira na metade
do século XVII, retratando uma nova forma de produção em grande escala.
A unidade manufatureira responsável pela produção do açúcar era composta
por uma gama de edificações que ficavam interligadas. Dentre elas, podemos des-
tacar as moendas, as fornalhas, a matéria-prima (a cana-de-açúcar), os animais
utilizados para o transporte e os trabalhadores assalariados e a grande escrava-
ria, além disso, uma casa ampla de alvenaria que continha os picadeiros de pedra

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e cal, local reservado para depositar a matéria-prima. Em um espaço mais alto
do engenho, possuía uma casa que se denominava como “a casa das caldeiras
de cozinha” e, ainda, o local onde as formas esfriavam. Após todas essas etapas,
as formas com o produto já frio eram direcionadas para o processo de limpeza
e solidificação que ficavam em um espaço amplo com cerca de 1.000 m2. Em
outro local, estava o “galpão de secagem e peso” que concluíam a transformação
da cana ao produto final, o açúcar (FERLINI, 2003, p. 138).
Como podemos observar, a indústria açucareira era complexa e reque-
ria uma combinação de fatores para o seu funcionamento. O proprietário do
Engenho precisava reunir condições financeiras favoráveis para investir tanto
na manutenção do Engenho quanto em mão de obra especializada e na aquisi-
ção de escravos oriundos da África, já que a escravidão ameríndia enfrentava
impedimentos. Além disso, precisava escolher pontos estratégicos para cons-
truir o Engenho e para iniciar o plantio de cana-de-açúcar de acordo com o solo
adequado. Segundo Del Priore (2010), grande parte dos Engenhos coloniais “ani-
nhava-se na mata”, próximos dos portos devido à fertilidade dos terrenos e pela
quantidade disponível de lenha, indispensáveis para o funcionamento das for-
nalhas. A autora pondera:
E não deviam se afastar muito do litoral, sob pena de, sendo único o
preço dos gêneros de exportação, não poder competir com os engenhos
vizinhos aos portos, cujo produto não se amesquinhava com as despe-
sas de transporte. Em Pernambuco, instalavam-se ao longo dos rios que
se concentram na vertente do Atlântico do planalto da Borborema, na
Zona da Mata, em que predominam arredondados morros e colinas.
O corolário da terra era a água. Se a irrigação era desnecessária graças

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


117

ao rico massapé, tanto o gado quanto as pessoas precisavam de água


doce. Não à toa, a maior parte dos engenhos localizava-se à beira dos
rios como o Paraguaçu, o Jaguaribe e o Sergipe, na Bahia, e o Beberibe,
o Jaboatão, o Una e o Serinhaém, em Pernambuco (PRIORE; VENAN-
CIO, 2010, p. 47).

A localização dos Engenhos também obedecia a outras particularidades. De


acordo com as observações realizadas por Moura (2013), os Engenhos estavam
espalhados desde a região Nordeste no século XVI (onde se iniciou a indústria
açucareira colonial) à capitania do Espírito Santo e o Rio de Janeiro no século
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

XVII e se expandiu ao longo do século XVIII na região das Minas. Nesse con-
texto, a grande produção de
açúcar não se resumia mais
ao litoral nordestino, e sim
a região que hoje se loca-
liza o Estado de São Paulo
(MOURA, 2013, p. 146-
147). Essas informações são
importantes para compre-
endermos que a produção
de açúcar não ficou limitada
à região costeira do Brasil e,
além disso, que a indústria
açucareira não se restringiu
a uma atividade econômica
Figura 26: Engenho de açúcar no Brasil Colônia
tipicamente pertencente ao Fonte: Wikimedia Commons.
século XVI.
Quanto ao tipo de solo ideal para receber as plantações de cana, esse solo
representava um elemento importante na produção. Na Bahia, por exem-
plo, mais especificamente na região que compreendia o Recôncavo Baiano,
o solo ficou conhecido como o “berço do massapé”. Esse tipo de solo era o
preferido dos senhores de Engenho da época. O massapê era resultante de
uma decomposição de “sedimentos cretáceos e formava um solo espesso
e barrento que conservava bem a umidade” (SCHWARTZ, 1988, p. 102).

O Estabelecimento do Governo Geral


118 UNIDADE II

Após receber grandes regimes de chuvas, o massapê se tornava um problema


para o proprietário das lavouras de cana, pois a lama resultante das chuvas
impossibilitava o transporte no local. Isso causava muitos transtornos e até
a morte de animais devido ao duro trabalho sob o massapé “encharcado”.
Esse ponto negativo também justifica a ausência da utilização de arados na
cultura canavieira, visto que era praticamente impossível conduzir essa ferra-
menta em um solo tão úmido e lamacento. Entretanto, os pontos favoráveis
eram superiores e o plantio de cana-de-açúcar nesse tipo de solo represen-
tava grandes possibilidades de uma ótima colheita, visto que “ao plantar-se

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um campo, quatro a seis boas colheitas podiam ser obtidas antes que fosse
necessário o replantio”. Observou-se no período que havia casos de massapê
que podiam chegar a produzir “vinte colheitas sem replantio ou uso de fer-
tilizantes” (SCHWARTZ, 1988, p. 102).
Segundo Schwartz (1988), havia ainda outros tipos de solos que também eram
propícios para o cultivo da cana-de-açúcar. Seguindo o exemplo do Recôncavo
Baiano, o autor destaca a existência do “salão”, que era um solo com aspecto aver-
melhado “resultante da decomposição de depósitos cristalinos”. Esse tipo de solo
era mais arenoso e não retinha tanta umidade como em massapê, porém tam-
bém era ideal para o cultivo de cana, sobretudo nos anos em que os regimes de
chuvas eram intensos. Por outro lado, o Recôncavo apresentava o solo denomi-
nado como “areias”, impróprio para o plantio de cana, por ser muito arenoso.
Esse tipo de solo era propício para o cultivo de outros gêneros, como a man-
dioca (SCHWARTZ, 1988, p. 102).
O solo realmente não era uma preocupação dos Senhores de Engenho. De
acordo com a análise desenvolvida por Priore (2010), a fase que compreende o
cultivo da cana-de-açúcar não necessitava de altos investimentos devido à fer-
tilidade do solo brasileiro. A autora destaca que, após ser plantada, a cana do
“tipo crioula” poderia ser colhida depois de 18 meses. A colheita da cana era
uma etapa simples e rudimentar (prática que se estendeu por outros séculos),
apenas com o auxílio de uma foice e facão. Nesse âmbito, podemos observar o
quão sacrificante era a labuta na empresa açucareira, tanto no plantio e colheita
como no próprio Engenho onde os trabalhadores estavam submetidos ao calor
infernal das fornalhas.

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


119

A força da moenda determinava a produtividade na extração do caldo.


Para fazê-la girar, água, bois e cavalos alternavam-se na preferência dos
senhores de engenho [...]. O cozimento do caldo extraído na moenda era
realizado em tachos de cobre pousados sobre um fogo de lenha. O calor
no interior das casas de caldeira era vulcânico. Por isso escolhiam-se para
esta tarefa escravos fortes e robustos: eram os caldeiros e tacheiros. A cota
diária dos primeiros era de processar três caldeiras e meio de caldos; a dos
últimos, a quantidade necessária para preencher, ao fim do trabalho, de
quatro a cinco formas de melado (PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 49-50).

As condições de trabalho que os homens livres e escravos da indústria açuca-


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

reira estavam submetidos eram muito desgastantes. Além do árduo trabalho nas
etapas de produção do açúcar, a jornada de trabalho também era um fator agra-
vante. Segundo Del Priore (2010), os homens trabalhavam dia e noite, “de oito a
nove meses, normalmente de julho/agosto de um ano a abril/maio do seguinte”
( PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 47). Item que também é confirmado na análise
realizada por Schwartz (1988) na capitania da Bahia ao longo do século XVII.
O autor nos chama atenção para uma questão que causava conflitos na época,
entre Senhores de Engenho e representantes da Igreja Católica. O conflito que
desgastava as relações estabelecidas entre os dois poderes coloniais estava relacio-
nado com a árdua jornada de trabalho que os “homens da cana” (trabalhadores
livres e escravos) estavam submetidos. Porém o problema principal recaía sob
os escravos (índios legalizados e negros africanos) no que concerne ao calendá-
rio cristão. Observa-se que possuímos um impasse: “o calendário religioso e as
obrigações que ele impunha e o desejo de lucro associado à administração do
engenho representavam uma contradição inerente que se manifestava com cla-
reza” (SCHWARTZ, 1988, p. 100).
Os membros da Igreja queixavam-se que os proprietários de Engenho comu-
mente não liberavam os escravos aos domingos e dias santos para comparecerem
às missas. Esse problema foi comum no ambiente colonial do século XVI ao XVIII
e representou um ponto de conflito entre os interesses religiosos e mercantis. Por
um lado, os Senhores alegavam que conceder a folga aos escravos impulsionava-os
a terem hábitos repudiáveis, como bebedeira e danças lascivas e, consequentemente,
causar conflitos facilmente. Segundo Schwartz (1988), a defesa mais convincente
foi realizada pelo erudito Domingos de Loreto Couto em meados do século XVIII.

O Estabelecimento do Governo Geral


120 UNIDADE II

De acordo com Couto, o Senhor de Engenho não poderia liberar sua escra-
varia aos domingos por comprometer as etapas de produção do açúcar: “uma vez
cortada, a cana tinha que ser moída dentro de um dia, caso contrário o líquido
azedaria” (SCHWARTZ, 1988, p. 101). Nesse sentido, se não houvesse moagem
aos domingos, a cana cortada aos sábados ficaria comprometida e não haveria
matéria prima para ser moída na segunda-feira (SCHWARTZ, 1988, p. 101). A
defesa de caráter mercantil não agradava os membros da Companhia de Jesus
que estavam na colônia para servir a Deus e propiciar a salvação das almas. Nesse
âmbito, o jesuíta Jorge Benci respondeu a esse argumento, enfatizando que o cui-

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dado com as almas e sua salvação estava acima de tudo, sobretudo dos ganhos.
A indústria açucareira colonial não sobrevivia apenas de Senhores de Engenho
e escravos. Segundo Ferlini (2003), existe a necessidade de separar o complexo
da cana em dois níveis: trabalhadores assalariados e trabalhadores escravos. No
primeiro caso, podemos compreender a existência de técnicos especializados res-
ponsáveis pelo processo do açúcar que possuíam grandes habilidades artesanais
que os negros escravos não tinham acesso. Além de ocuparem esses cargos dis-
tintos, também poderiam realizar tarefas relacionadas à supervisão (FERLINI,
2003, p. 142). Já os trabalhadores escravos, sobretudo os negros, estavam incum-
bidos das tarefas árduas do sistema açucareiro: da colheita ao transporte final
para as embarcações. De acordo com a análise realizada por Priore (2010), a
empresa do açúcar abarcava uma gama de especialidades:
Eram mestres de açúcar, purgadores, caixeiros, calafetes, caldeireiros,
carpinteiros, pedreiros, barqueiros, entre outros. A eles juntavam-se
outros grupos a animar a vida econômica e social das áreas litorâneas:
mercadores, roceiros, artesãos, lavradores de roças de subsistência e até
mesmo desocupados e moradores de favor compunham uma complexa
fragmentação de pequenos ou grandes proprietários. O número de es-
cravos que possuíam (de apenas um a dezenas) permite inferir a diver-
sidade de origens sociais e de situações econômicas. No século XVIII,
com o declínio da atividade e o aumento das alforrias, alguns libertos
tornaram-se, também, proprietários de partidos de cana (PRIORE;
VENANCIO, 2010, p. 49).

Desse modo, observamos que a indústria açucareira colonial compreendia um


universo muito além de Senhores e escravos. Existia a necessidade de altos inves-
timentos tanto na etapa manufatureira em si como na aquisição de trabalhadores,

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


121

sejam eles escravos oriundos da África ou trabalhadores especializados vindos


da metrópole. Ao lado dessas questões, e não menos importante, possuímos
ainda a necessidade que os Engenhos tinham de abastecer o mercado externo,
visto que a produção do açúcar deveria ser direcionada, exclusivamente, para
Portugal, porém, muitas vezes, não era. A historiadora Vera Ferlini (2003) nos
apresenta uma questão relevante para entendermos esse processo. Segundo a
autora, houve uma necessidade de oferecer cada vez mais a matéria-prima (açú-
car) em prazos curtos. Essa corrida para atender a demanda levou à intensificação
do trabalho no complexo açucareiro e, consequentemente, ao enriquecimento
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dos Senhores de Engenho.


A expansão da indústria açucareira na colônia portuguesa entre 1575 e 1600
pode ser considerada um dos maiores acontecimentos do cenário Atlântico do
período. Boxer (2002) destaca que as capitanias de Pernambuco e da Bahia per-
maneciam sendo os centros mais importantes de produção do açúcar no Brasil.
O autor menciona que “em 1585 havia só três engenhos de açúcar e 150 chefes
de família portugueses no Rio de Janeiro, enquanto Olinda e seu distrito con-
tavam com 66 engenhos e 2 mil famílias portuguesas” (BOXER, 2002, p. 118).
Essas estatísticas, mesmo que incompletas, nos mostram como os negócios do
açúcar cresciam rapidamente no mundo colonial, atendendo às necessidades
que o mercado externo requeria.
A produção e a comercialização desses produtos foram vitais tanto para
consolidar o império mercantil português no Atlântico quanto para a
expansão colonial e a formação de grupos de poder e prestígio na Co-
lônia. Mas ainda, sua unidade produtiva – latifundiária, exportadora e
escravista – formou a base da sociedade colonial brasileira (MOURA,
2013, p. 147).

Durante o século XVII, a produção açucareira conheceu seu apogeu. Entre 1600
e 1650, houve um aumento na quantidade de Engenhos e nos números produ-
zidos em cada um. Os números cresciam tanto para os Senhores como para os
comerciantes portugueses responsáveis pela exportação do produto. De acordo
com Wehling (2005), “a exportação do açúcar rendeu, em 1600, 2,16 milhões
de libras esterlinas, subindo para 3,8 milhões em 1650 e despencando para 1,8
milhão em 1700” (WEHLING, 2005, p. 212). Observa-se que, após 1650, houve
uma queda considerável no comércio açucareiro no Brasil, isso ocorreu devido

O Estabelecimento do Governo Geral


122 UNIDADE II

à concorrência do mercado antilhano que, nesse período, oferecia o açúcar com


preços melhores que a colônia portuguesa.
Nesse sentido, por meio deste breve esboço acerca da indústria açucareira
colonial, podemos compreender que a produção de açúcar não colocou apenas
o Brasil como foco das atenções do mundo atlântico, mas também transformou
as relações sociais na colônia. A partir dessa empresa, observamos a intensifica-
ção da exploração dos escravos negros e, consequentemente, a introdução de sua
cultura nos trópicos lusitanos em convivência com os naturais da terra e com os
europeus. Além disso, segundo Moura (2013, p. 150), alterou de forma irreversível

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
as organizações de trabalho,
“a cultura e as possibilida-
des de sobrevivência. Deu
ao colono a oportunidade
de enraizamento na terra,
de enriquecer ou pelo menos
reunir recursos [...]”. Assim,
completava-se a primeira
etapa de colonização nos tró-
picos, baseada nas grandes
lavouras de cana, na mão de
obra escrava e na implemen-
tação de um produto voltado
para a exportação, o açúcar.

No Brasil colonial, o cultivo da cana não ficou restrito apenas à produção de


açúcar. A produção de cachaça foi o principal produto utilizado para trocar
escravos negros em portos africanos ao longo do século XVII.
Fonte: Figueiredo (2013, p. 288-293).

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


123

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Prezado(a) aluno(a), nesta segunda unidade, buscamos pontuar os principais


aspectos presentes desde a chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500, até a
organização política, econômica e administrativa dos trópicos com a instau-
ração do Governo Geral e suas implicações. A centralização do poder colonial
instaurado em 1549 reflete o tipo de projeto colonizador desenvolvido pela
Coroa de Portugal, permeado tanto pelo caráter econômico na exploração
de riquezas, como pelo caráter religioso com a vinda dos jesuítas para as ter-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ras brasílicas.
O estudo desta unidade é importante para compreendermos uma gama
de aspectos econômicos, religiosos, políticos e até culturais que estiveram pre-
sentes na formação de nosso país. Buscamos destacar os contatos iniciais entre
indígenas e portugueses e como essas relações se manifestaram no campo da
admiração, do medo e, até mesmo, do respeito. Outro ponto relevante que ana-
lisamos foi a postura adotada pelo Reino lusitano ao delegar a exploração da
colônia a terceiros devido, sobretudo, à carência de recursos humanos e finan-
ceiros para alimentar as várias frentes que a Coroa possuía, principalmente na
África e no comércio com o Oriente.
Em um segundo momento, voltamos nossos olhos para uma análise acerca
dos problemas enfrentados pela Coroa lusa, diante da frequente ameaça dos
invasores estrangeiros no litoral brasileiro. Nesse sentido, o Rei de Portugal
compreendeu que existia uma necessidade de desenvolver meios para prote-
ger suas terras. Desse modo, instaurou o sistema de capitanias hereditárias, as
quais representavam, em linhas gerais, a divisão do território em grandes fai-
xas de terra, em que cada capitania seria responsabilidade de seu donatário.
Como vocês puderam observar, esse sistema demonstrou suas fragilidades e,
por outro lado, apresentou os primeiros sinais de desgaste na relação entre
indígenas e portugueses.
Por tais motivos e almejando sanar as deficiências apresentadas pelo sistema
de capitanias hereditárias, o Rei D. João III decidiu centralizar o poder colo-
nial na figura de um Governador e iniciar sua obra colonizadora nos trópicos,

Considerações Finais
124 UNIDADE II

permeado por interesses econômicos e religiosos. A partir desse momento,


podemos observar uma série de mudanças, que iam desde uma nova organiza-
ção administrativa, com a criação de novos cargos, até de incentivos à indústria
açucareira que transformou as relações sociais em torno do Engenho e colocou
o Brasil como o centro das atenções do mundo Atlântico.
Assim, após concluirmos esta importante etapa de nosso estudo, daremos
prosseguimento com as observações acerca dos principais pontos que marcaram
a história do Brasil português. Nesse sentido, espero que todos(as) os(as) acadê-
micos(as) estejam preparados para mergulharem nas motivações religiosas que

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estavam por trás da colonização dos trópicos, pois essa será nossa principal dis-
cussão na unidade III.
Você está pronto(a) para encarar este novo desafio?

A COLONIZAÇÃO DOS TRÓPICOS PORTUGUESES


125

1. Leia com atenção o trecho documental abaixo:


Porém o melhor fruto que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E
esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Cali-
cute, isso bastaria. Quanto mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa
Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé (CAMINHA, 1500,
p. 118).
Por meio da leitura da Carta de Caminha, podemos compreender que:
a. O convívio com os naturais da terra despertou interesses de cunho mercan-
til, com possibilidades de explorar a madeira com o auxílio imprescindível
dos indígenas que se mostraram dispostos em ajudar os portugueses.
b. O breve período que a armada de Pedro Álvares Cabral ficou ancorada no
Brasil possibilitou que Caminha observasse a postura de repúdio aos pre-
ceitos cristãos, sobretudo nas missas realizadas na colônia.
c. Os indígenas receberam de Caminha e de alguns religiosos que estavam
presentes na esquadra cabralina os primeiros passos da catequese cristã e
logo se converteram ao catolicismo.
d. Os ameríndios estavam ansiosos pela chegada dos lusitanos, pois sabiam
que, por meio da Coroa portuguesa, teriam a oportunidade de serem assis-
tidos pelos preceitos da Igreja de Roma.
e. No período em que permaneceu ancorado no Brasil, Caminha observou
que os naturais da terra manifestaram uma postura respeitosa perante os
ritos cristãos. Dessa forma, aconselhou o monarca luso a priorizar a salvação
das almas indígenas.
2. De acordo com a discussão realizada no tópico “As Capitanias Hereditárias”, descreva:
a. Direitos e Deveres atribuídos ao Capitão Donatário.
b. Motivos pelos quais o sistema de Capitanias Hereditárias não obteve o su-
cesso esperado.
3. Após realizar uma leitura minuciosa desta unidade, desenvolva uma análise
acerca dos motivos pelos quais a Coroa portuguesa não iniciou a coloniza-
ção das terras brasílicas logo após sua “descoberta” em 1500.
4. Trabalhando o Documento:
Caro(a) acadêmico(a), este momento é muito importante para a sua prática acadê-
mica, pois é por meio dos relatos históricos que podemos compreender uma série
de acontecimentos históricos.
Dos Costumes da Terra
As pessoas que no Brasil querem viver, tanto que se fazem moradores da terra, por
pobres que sejão, se cada hum alcançar dous pares ou meia dúzia de escravos (que
pode hum por outro custar pouco mais ou menos até dez cruzados) logo tem remedio
pera sua sustenção; porque huns lhe pescão e cação, outros lhe fazem mantimentos
e fazenda e assi pouco a pouco enriquecem os homens e vivem honradamente na
terra com mais descanço que neste Reino, porque os mesmos escravos indios da terra
buscam de comer pera si e pera os senhores, e desta maneira não fazem os homens
despeza com seus escravos em mantimentos nem com as suas pessôas [...] Os morado-
res destas Capitanias tratão-se muito bem e são mais largos que a gente deste Reino,
assi no comer como no vestir de suas pessoas, e folgão dajudar huns aos outros com
seus escravos e favorem muito os pobre que começão a viver na terra. Isto se costuma
nestas partes: e fazem outras muitas obras pias por onde todos têm remedio de vida e
nenhum pobre anda pelas portas a pedir como neste Reino.
Fonte: Gândavo (1980, online).

O documento acima integra a série de relatos realizados por Pero Magalhães Gan-
davo sobre as terras brasílicas, presentes em sua obra História da Província de Santa
Cruz. Com base na leitura da Unidade II e do extrato documental acima, faça
um texto dissertativo considerando:
a. Expectativa de vida da colônia e no Reino.
b. Atividades econômicas.
c. Relação com a escravaria nativa.
127

PORTUGUÊS OU HOLANDÊS?

Você sabia que por pouco nossa língua não uma ocupação organizada da capita-
é o holandês? Sim, isso mesmo prezado nia, e cerca de quinze anos mais tarde
(a) acadêmico (a), além dos indesejáveis já detinham o controle das regiões mais
invasores, espanhóis e franceses, nossa abastadas dos distritos costeiros nordesti-
colônia conviveu e combateu os holande- nos produtores de açúcar. Em resposta, em
ses ao longo do século XVII. Esta ocupação 1645 os moradores do local se revoltaram
ocorreu em linhas gerais devido a União contra a dominação holandesa e organiza-
Ibérica (1580-1640), onde a Coroa espa- ram uma frente de combates. Receberam
nhola detinha totais poderes tanto do de Portugal, uma contribuição de homens
Reino luso quanto de suas possessões além e navios para serem utilizados nos emba-
mar. Neste período, o monarca espanhol tes contra os invasores. Este conflito durou
proibiu investidores estrangeiros no Brasil uma década e paulatinamente os lusos
e os holandeses foram duramente preju- foram retomando suas capitanias. O autor
dicados. Em resposta a Holanda criou em levanta dois questionamentos importan-
1602 a Companhia das Índias Orientais que tes do conflito: uma das causas da guerra
visava atacar as possessões espanholas na é realmente de cunho econômico, visto
Ásia e na África. Seria o pontapé inicial dos que a própria senha dos insurgentes era
holandeses nas expedições ultramarítimas, “açúcar” e em segundo plano e não menos
tão relevante quanto as conquistas realiza- relevante está a disputa religiosa entre
das pelos ibéricos. os holandeses calvinistas e portugueses
católicos de Roma. Tanto os portugueses
Para organizar os sucessivos ataques quanto os holandeses acreditavam ser os
à colônia portuguesa (sob dominação responsáveis pela expansão da verdadeira
espanhola neste período), os holandeses fé e luta contra o infiel.
criaram a Companhia das Índias Ociden-
tais em 1621. As invasões holandesas O governo português não se contentava
ocorreram em duas frentes distintas, de apenas com uma vitória momentânea
1624 a 1625 na capitania da Bahia e em frente aos invasores holandeses, pois a
1630 a 1654 na capitania de Pernambuco. qualquer momento poderiam estar expos-
Estas ocupações também ficaram conhe- tos a novos combates. Neste sentido, os
cidas como “guerra do açúcar” visto que diplomatas lusos buscaram adquirir uma
nestas capitanias estavam grande parte paz definitiva e após uma série de nego-
dos Engenhos de açúcar do Brasil. ciações foi assinado o Tratado de Haia
em 1661. Desse modo, ficava acordado
Segundo Boxer (2002) a ocupação na Bahia que os holandeses desocupariam defi-
não surtiu efeitos significativos, porém nitivamente as capitanias coloniais, se a
quando se direcionaram para Pernambuco Coroa portuguesa pagasse uma indeni-
em 1630 conseguiram de fato estabelecer zação significativa.
Fonte: Boxer (2002, p. 120-140); WEHLING (2005, p. 126-135).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Visão do Paraíso: os motivos edênicos no


descobrimento e colonização do Brasil
Sergio Buarque de Holanda.
Editora: Brasiliense
Sinopse: Clássico da historiografia nacional, o livro de Sergio
Buarque de Holanda é uma leitura imprescindível para
conhecermos a visão fantasiosa registrada por cronistas e
conquistadores espanhóis que estiveram no Brasil durante o
século XVI. A obra também destaca como a visão de paraíso
terrestre permeava a mentalidade dos primeiros portugueses que
desembarcaram nos trópicos.

Desmundo.
Ano: 2003.
Sinopse: Filme nacional dirigido por Alain Fresnot e baseado no
livro Desmundo, de Ana Miranda. O filme retrata o cotidiano do
Brasil colonial em 1570. A trama se concentra na figura de Oribela
(órfã enviada do Reino para a colônia em razão da colonização
do Novo Mundo), que é forçada a se casar e se mudar para um
Engenho de açúcar. Diante do quadro lamentável, a jovem religiosa
tenta fugir várias vezes. Todavia, acaba sendo flagrada pelo marido
que, para puni-la, deixa-a acorrentada e aos cuidados de uma índia
que cura seus ferimentos.
Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima

III
EM NOME DE DEUS E DO
ESTADO: A LABUTA DA

UNIDADE
COMPANHIA DE JESUS NA
AMÉRICA PORTUGUESA

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender o projeto de colonização da Coroa portuguesa,
pautado na busca de riquezas e na expansão da fé.
■ Analisar as principais dificuldades enfrentadas pelos jesuítas.
■ Observar os costumes gentílicos tidos como pecaminosos.
■ Entender a política dos aldeamentos.
■ Discutir os conflitos existentes entre padres e colonos no que tange à
escravidão ameríndia.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A colonização das terras e a salvação das almas.
■ Colonizadores e Soldados de Cristo: embates em torno da escravidão
do gentio brasílico.
131

INTRODUÇÃO

Caríssimo(a) acadêmico(a), após a conclusão das discussões realizadas na Unidade


II que priorizaram o estudo do projeto de colonização dos trópicos portugueses,
sobretudo no âmbito econômico, voltaremos nossa análise para as motivações reli-
giosas presentes nesse mesmo projeto idealizado pelos monarcas lusitanos. Nesse
sentido, apresentaremos questões que são indispensáveis para a compreensão
do projeto colonizador português. Para isso, faremos uma análise da correspon-
dência jesuítica do período e dividiremos o nosso estudo em dois momentos,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

primeiramente, iremos nos deparar com os principais problemas no que tange


à evangelização do gentio e, posteriormente, com os confrontos entre colonos e
jesuítas em torno da escravização dos ameríndios.
No primeiro momento de nossa análise, apresentaremos a situação em que a
colônia se encontrava aos olhos dos membros da Companhia de Jesus. A partir
desse momento, destacaremos os principais costumes gentílicos tidos como imo-
rais e pecaminosos e as dificuldades encontradas pelos padres na catequização
dos naturais da terra. Além dos problemas enfrentados com a cultura amerín-
dia, os filhos de Loyola ainda teriam que remediar a postura dos maus cristãos
que comprometiam toda obra desenvolvida pela Companhia.
O segundo ponto que priorizamos em nosso estudo parte das alternativas
encontradas pelos jesuítas para assegurar que os nativos se convertessem, de fato,
à fé cristã e, principalmente, que não fossem escravizados pelos portugueses por
vias ilegais. Desse modo, viram nos aldeamentos uma maneira de desenvolver
uma catequese sistemática e uma alternativa para proteger os índios dos ataques
encabeçados pelos colonizadores.
Assim, os jesuítas foram os escolhidos e, de certa forma, escolheram trabalhar
na conversão dos indígenas a partir de 1549. No Brasil, teriam que combater o
que consideravam “mau costume” dos nativos, em favor dos preceitos da Igreja.
Contudo, para que isso fosse possível, teriam que encontrar um ponto de equi-
líbrio entre seus princípios e os métodos evangelizadores e o projeto dos demais
colonizadores portugueses. Foi no âmbito dessas relações que se deram os grandes
embates na colônia portuguesa, cabendo ao Rei lusitano solucionar os conflitos
e impasses criados entre os inacianos e os colonizadores.

Introdução
132 UNIDADE III

A COLONIZAÇÃO DAS TERRAS E A SALVAÇÃO DAS


ALMAS

O NASCIMENTO DA COMPANHIA DE JESUS E A ALIANÇA COM A


COROA LUSA

Prezado(a) aluno(a), como já mencionamos


na unidade anterior, a armada do primeiro
Governador Geral Tomé de Sousa deixou

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Lisboa em 02 de fevereiro de 1549 e apor-
tou na Costa brasileira em 29 de março do
mesmo ano, com cerca de mil homens que
foram escalados, sobretudo para realizar a
“construção” da cidade de Salvador, que seria
a sede do Governo Geral. Isso não signifi-
cou o fim das capitanias hereditárias, mas
sim o surgimento de um novo poder cen-
tralizador para auxiliar aquele sistema que Figura 27: A Companhia de Jesus
apresentava fragilidades. Dentre os homens Fonte: Wikimedia Commons.
oriundos do Reino, desembarcaram, junta-
mente com o Governador, os membros da Companhia de Jesus, supervisionados
pelo padre Manuel da Nóbrega, que permaneceu até 1559 como superior dos
jesuítas no Brasil.
Designados pelo monarca D. João III (1521-1557) tanto o corpo que com-
punha o Governo Geral como os discípulos de Deus faziam parte do projeto de
colonização português. Para o Rei português, a colonização das terras tropicais se
fundamentava na propagação da fé católica e na salvação das almas dos indíge-
nas. Algo que já havia sido identificado nos registros deixados por Caminha em
1500. Assim, os jesuítas ficaram responsáveis pela conversão dos ameríndios e
pelo combate aos costumes nativos em prol da instauração dos preceitos da Igreja.
Em Portugal, ao longo do século XVI, havia se propagado uma crença de que
o povo português teria sido escolhido por Deus para a realização da universali-
zação da verdadeira fé. Desse modo, a expansão do cristianismo e a conversão

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


133

dos infiéis (África e Ásia) era uma missão que cabia aos lusitanos, pois era o
povo escolhido para proporcionar a salvação daqueles que desconheciam o ver-
dadeiro Deus e, consequentemente, viviam uma vida permeada pelo pecado.
Antes mesmo que houvesse o reconhecimento da Instituição missioná-
ria inaciana, o Rei de Portugal, D. João III, procurou D. Pedro Mascarenhas
(Embaixador de Portugal em Roma) para que ele estabelecesse contato com os
padres da Companhia de Jesus, pois o monarca já tinha conhecimento da noto-
riedade daqueles religiosos. O Rei lusitano acreditava que a presença dos servos
de Deus (jesuítas) em suas colônias iria assegurar a conversão dos infiéis e a
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

expansão da verdadeira fé.


A próspera e duradoura relação entre a Companhia de Jesus e o Reino
de Portugal teve início em 1538, e o primeiro documento, existente
ainda hoje, a registrar tal fato é uma carta escrita em Paris no dia 27 de
fevereiro daquele ano. Destarte, o instituto religioso e a sociedade, que
se tornariam poderosos no século XVI, já se encontram antes da fun-
dação oficial da Companhia de Jesus [...] (COSTA, 2006, p. 40).

A Companhia de Jesus foi fundada em 27 de setembro de 1540, por Inácio de Loyola


juntamente com Francisco Xavier, Simão
Rodrigues, entre outros padres. A Instituição
nasceu de uma ideia que prezava pelo retorno
à pureza da primitiva Igreja e da conversão dos
infiéis em resposta aos acontecimentos que
ameaçavam a soberania da Igreja devido ao
avanço do protestantismo. O “projeto” desen-
volvido por Loyola foi reconhecido pelo Papa
Paulo III como Instituição por meio da bula
Regimini militantis Ecclesiae que possibilitava
a existência canônica e jurídica da Companhia
de Jesus. De acordo com as observações rea-
lizadas por Rosa (1954, p. 39) essa bula seria
“como a primeira fórmula de vida, a uma nova
Ordem Religiosa, designando-a, porém cons- Figura 28: Inácio de Loyola, fundador da Companhia
de Jesus
tantemente pelo nome de Companhia [...]” . Fonte: Wikimedia Commons.

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


134 UNIDADE III

Inácio de Loyola nasceu no Castelo de Loyola, Espanha. Foi soldado e grave-


mente ferido no cerco de Pamplona, em 1521, estudou muito a respeito da
vida de Cristo e dos Santos, resolvendo se dedicar ao serviço de Deus. Entre
os anos de 1524 a 1534, graduou-se mestre em letras pela Universidade de
Paris e ali reuniu um grupo de estudantes com o objetivo de ir a Jerusalém
levar o evangelho. Apesar das dificuldades em realizar este seu primeiro in-
tento, com a ocupação muçulmana da região, em 1540, conseguiu, junto ao
Papa Paulo III, o título à associação de ordem religiosa fundando, assim, a
Companhia de Jesus, com o intuito de conquistar para o catolicismo regiões

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
protestantes na Europa e os gentios das terras recém conquistadas pelos
Europeus com as Grandes Navegações. Nesse intento, a educação foi seu
principal instrumento, fundando missões, retiros, colégios e universidades.
Sua principal obra é os “Exercícios Espirituais”, sendo canonizado em 1622.
Fonte: Inácio (online).

Com a fundação da Companhia, criou-se a necessidade de escolher um religioso


para comandar a Instituição, elencar suas prioridades, preparar os discípulos, como
também solucionar outros problemas relacionados à Ordem. Em vista disso, em
abril de 1541, na presença de cinco companheiros (ausentes Xavier e Rodrigues,
que estavam em Portugal, mas deixaram seus votos por escrito), em Roma, ele-
geram, por unanimidade, Inácio de Loyola como o líder da Companhia. Porém
Loyola não aceitou tal indicação, alegando o desejo apenas no que concerne à
obediência, isto é, não almejava assumir a liderança da Ordem, mas sim apenas
representá-la. Diante de sua recusa, realizaram outra votação entre os religiosos e,
mais uma vez, o resultado permaneceu inalterado. Desse modo, Inácio de Loyola
assumiu o comando da Ordem e permaneceu até sua morte, em 1556, quando as
missões jesuíticas já estavam estabelecidas tanto no Oriente quanto no Ocidente.
O superior não possuía somente os dotes de um grande capitão de gê-
nio estratégico, de mente ordenadora, que lhe reconhecem os mesmos
profanos, não somente as qualidades de um homem de governo e de
ação, ou as virtudes de asceta e austero mestre de espírito, prendado
de poucas, mas de fortes e grandes idéias. Ele tinha igualmente toda a
ternura e compaixão, a solicitude e ternura de pai: um tesouro de afetos
suaves, mas sempre viris e operosos; [...] (ROSA, 1954, p. 47).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


135

No início, o corpo jesuítico não dispunha de um número significativo de mis-


sionários. Essa quantia avançava à medida que os religiosos eram destinados às
missões ultramarinas. Desse modo, a quantidade de religiosos cresceu paulati-
namente ao longo do século XVI. Os servos de Deus agiram como um exército
em favorecimento à expansão da fé, pois não mediram esforços para converter os
gentios a se arriscarem nas terras inóspitas. Na época da criação da Companhia
de Jesus, havia uma intensa preocupação com os avanços do protestantismo pelo
mundo, tanto nos principais centros da Europa como no Novo Mundo, para onde
os jesuítas seriam enviados. Diante desse cenário, observou Assunção (2004, p. 90):
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A nova espiritualidade carismática, que surgiu com a reforma católica e


que precisava ser alimentada para manter a chama da fé acesa, favoreceu
o reconhecimento. As manifestações de questionamento aos dogmas
cristãos que fervilhavam na Europa, impulsionados pelos movimentos
protestantes, contribuíram ainda mais para que se propagasse um fervor
religioso que chegava aos devaneios salvacionistas de redenção da hu-
manidade. A expansão ultramarina, com a descoberta das terras ameri-
canas e a abertura de rotas comerciais na África e a Ásia, completavam
um cenário onde se desenvolvia uma revolução comercial e cultural que
justificava a ação de religiosos imbuídos de profundo fervor religioso.

O nascimento da Companhia de Jesus ocorre


no contexto da Reforma religiosa empreen-
dida pela Igreja Católica, também conhecida
como Contrarreforma, ou Reforma Romana.
Para a Igreja de Roma, era necessário tomar
medidas para fazer frente ao preocupante
avanço protestante, dentre as quais pode-
mos destacar: realizar a confirmação de seus
dogmas e investir na qualidade de seu corpo
eclesiástico devido aos problemas ligados ao
comportamento de membros do clero. Essas
mudanças visavam fortalecer a Igreja e afastar
as ameaças oriundas das ondas protestantes
que rondavam a Europa. Como a Coroa por- Figura 29: Os milagres de Santo Inácio” (1617-1618),
de Peter Paul Rubens
tuguesa possuía total controle sobre a Igreja Fonte: Wikimedia Commons.

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


136 UNIDADE III

em suas conquistas (delegadas pela existência do Padroado Régio), tanto no que


diz respeito ao envio de padres como em proporcionar condições físicas e mate-
riais para seu estabelecimento, o Rei luso decidiu procurar ajuda com os membros
da Companhia. Nesse âmbito, pontua Vainfas (1997, p. 26):
No ultramar ibérico, por outro lado, a expansão do catolicismo esteve
presente desde os começos da colonização, estimulada não por Roma,
mas pelos reis, que através do padroado exerciam absoluto controle so-
bre as Igrejas espanhola e portuguesa. [...] Nos domínios portugueses
foram sempre os jesuítas que, desde os primórdios da expansão, logra-
ram obter a primazia no campo missionário [...].

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Desse modo, o Rei D. João III assumiu o “comando” da fé católica e procurou
oferecer condições para a atuação da Companhia de Jesus, primeiramente, em
Portugal e, em seguida, nas suas possessões ultramarítimas. O monarca dis-
pôs de recursos financeiros e investiu na criação dos colégios jesuíticos, que
ofereciam uma rígida preparação para os padres serem, posteriormente, enca-
minhados para as missões. Durante o tempo que permaneciam nos colégios,
além de estudarem a palavra de Deus, de aprenderem muitas vezes um deter-
minado ofício, eram preparados psicologicamente para encararem os possíveis
desafios em território inóspitos.

Os colégios inacianos se espalharam por todos os continentes, atravessando


os sete mares. Formavam professores, intelectuais e missionários. Domina-
ram o ensino em várias universidades, como a de Coimbra, consolidando
a neoescolástica, com ênfase no estudo filosófico e teológico. Produziram
intelectuais como, Martin Azpilcueta Navarro, Juan de Mariana e Antônio
Vieira. Este último foi um autêntico ideólogo da Restauração portuguesa, na
década de 1640, contra a dominação do reino pelos espanhóis. Legitimou
o reinado de D. João VI (1640-1656) como manifestação da vontade divina.
Fonte: Vainfas (2013, p. 100).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


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Figura 30: Pátio do Colégio São Paulo de Piratininga - Aclamação de Amador Bueno (1909) de Oscar Pereira
da Silva (Obra de Domínio Público)
Fonte: Wikimedia Commons (online).

O monarca lusitano solicitou a D. Pedro Mascarenhas que fosse enviada uma


missão inaciana para converter os habitantes das Índias. Essa missão foi supervisio-
nada pelo padre Francisco Xavier que representou a Companhia em sua primeira
missão. Xavier teria a árdua tarefa de impor o cristianismo a uma população que
possuía um sistema de crenças religiosas bastante complexo e sedimentado. Essa
foi apenas a primeira dentre outras missões delegadas por D. João III aos inacia-
nos. No Brasil, chegaram em 1549 e iniciaram a conversão dos naturais da terra.
Ora, com o primeiro Governador Geral, chegou também ao Brasil em 1549 a
primeira Missão Jesuítica, chefiada pelo P. Manuel da Nóbrega. De maneira que
pertence a D. João III, na história da Companhia de Jesus, a honra de iniciar as
missões ultramarinas da mesma Companhia, tanto para o Oriente como para o
Ocidente, uma e outra sob a bandeira portuguesa, patrocinada uma e outra por
El-Rei para cumprimento do seu dever de evangelizador [...] (LEITE, 1956, p. 29).
A partir desse momento, os jesuítas foram, paulatinamente, direcionados para as
localidades conquistadas pela Coroa portuguesa. Todavia, mesmo que estivessem
espalhados por longínquos territórios, isso não significou que estivessem isolados
e sem notícias de seus companheiros. Para que isso não ocorresse, desenvolve-
ram uma rede de informações que assegurava a comunicação entre os irmãos.
Essa comunicação ocorreu por meio de cartas e foi uma ferramenta indispen-
sável para garantir a união das missões jesuíticas.

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


138 UNIDADE III

Manoel da Nóbrega chegou ao Brasil em 1549, além da catequese dos nati-


vos, tratou de contribuir ativamente para a construção da cidade de Salva-
dor, que seria a capital do novo Estado. Em 1553, foi nomeado por Loyola
como primeiro provincial do Brasil, cargo que ocupou até 1559, quando o
padre Luís da Grã assumiu o seu lugar. A partir de então, Nóbrega se dedicou
aos assuntos do Estado. Faleceu em outubro de 1570.
Fonte: a autora.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
OS JESUÍTAS E OS DESAFIOS DA CATEQUIZAÇÃO NOS TRÓPICOS

Assim que a Companhia de Jesus desembarcou na colônia, em 1549, com o pri-


meiro Governador Tomé de Sousa, voltou seus olhos para seu objetivo principal,
que a levou a atravessar o Atlântico: a catequização dos povos que habitavam
as terras brasílicas. Entretanto, caro(a) acadêmico(a), é muito importante com-
preender que não só os indígenas ocupavam aquelas terras, mas também havia
a presença de colonos portugueses que estavam incumbidos de “construir” um
novo mundo na América.
Os jesuítas chegaram à capitania da Bahia em março de 1549, supervisio-
nados pelo padre Manuel
da Nóbrega, que tratou
de descrever as primeiras
impressões que teve sobre
a terra e de seus habitantes.
A primeira carta escrita por
Nóbrega (a carta não traz
uma datação precisa, mas,
certamente, foi escrita depois
de 31 de março e antes de
15 de abril) foi destinada ao
Figura 31: Aldeia de Tapuios Cristãos
padre Simão Rodrigues de Fonte: Wikimedia Commons.

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


139

Azevedo e, possivelmente, encaminhada a D. João III. Na carta, Nóbrega informa


sobre aspectos gerais do território e dos indígenas e mostra uma grande preo-
cupação com o desregramento da vida, tanto de nativos como de portugueses
no mundo colonial. Segundo esse relato, os padres encontraram a terra em paz
e se estabeleceram em um núcleo de povoamento que abrigava de 40 a 50 pes-
soas (NÓBREGA, 1988).
A primeira missa dos inacianos em solos coloniais foi ministrada em 31 de
março. Posteriormente, o padre Nóbrega efetuou uma divisão de tarefas pela qual
cada jesuíta ficava encarregado de desenvolver uma função. Coube ao superior
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pregar ao Governador e aos habitantes da nova cidade (depois conhecida como


Vila Velha), o Padre Vicente Rodrigues transmitiu a doutrina aos meninos e pro-
curou ensinar as primeiras letras aos nativos. O Padre Navarro ficou incumbido
de viver com os índios em suas tribos com a tarefa de catequizá-los e, consequen-
temente, aprender sua língua (condição que facilitaria a conversão dos indígenas).
Aos gentios de Porto Seguro foram destinados os religiosos Leonardo Nunes e
Diogo Jacome, pois havia notícias de que os habitantes que ocupavam aquelas
terras viviam em grandes pecados (NÓBREGA, 1988, p. 71-74).
Segundo os estudos realizados por Serafim Leite (1956), o superior da mis-
são inaciana buscava repartir os padres e irmãos de acordo com suas habilidades
e o espírito de cada um. Nesse sentido, os membros da Companhia foram ocu-
pando a Costa brasileira, primeiramente, pelas capitanias vizinhas da Bahia: “da
parte do Sul, as de Ilhéus e Porto Seguro; depois a de São Vicente mais distante;
logo a seguir, a intermédia, do Espírito Santo (entre Porto Seguro e São Vicente);
e da parte do norte, Pernambuco” (LEITE, 1956, p. 08).
Devido ao reduzido número de padres existentes na primeira missão que
aportou na colônia, a movimentação dos inacianos entre as vilas, capitanias
e aldeias gentílicas era imprescindível. Buscavam priorizar as localidades
onde os maus costumes estavam mais arraigados ou, ainda, em lugares que
houvesse a ocorrência de conflitos entre os colonos e os naturais da terra.
Esses incidentes eram muito frequentes, principalmente nos anos iniciais
da chegada dos jesuítas, pois os portugueses estavam habituados a explora-
rem os nativos e os jesuítas começaram a impor questionamentos a respeito
dessas ações.

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


140 UNIDADE III

Quanto às primeiras impressões dos índios, o jesuíta Manuel da Nóbrega des-


creveu que eles manifestavam grande desejo de ser como os padres e aprender a
doutrina cristã. Ainda segundo Nóbrega, se eles ouvissem a celebração da missa,
procuravam presenciá-la, levantando as mãos ao céu em um gesto de devoção.
Diziam que estavam dispostos a abandonar seus costumes e ter uma vida como
a dos religiosos (NÓBREGA, 1988, p. 71). Essa observação é importante porque
reforça os apontamentos realizados por Caminha no contato inicial em 1500.
Diz que quer ser christão e não comer carne humana, nem ter mais de
uma mulher e outras cousas; sómente que há de ir a guerra, e os que

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
captivar, vende-los e servir-se delles, porque estes desta terra sempre
tem guerra com outros e assim andam todos em discórdia, comem-se
uns a outros, digo os contrarios. E gente que nenhum conhecimento
tem de Deus (NÓBREGA, 1988, p. 72).

De acordo com as observações descritas, temos conhecimento dos principais


costumes indígenas que deveriam ser combatidos pelos jesuítas. Nesse sentido,
destacamos, caro(a) aluno(a): as práticas antropofágicas, a poligamia e o ato de
guerrear com seus inimigos. Contudo, além de terem que lutar para erradicar
tais hábitos, ainda tinham que conviver com os maus cristãos que partilhavam
de alguns costumes relacionados à cultura ameríndia, como o fato de viverem
amancebados com as negras da terra (NÓBREGA, 1988, p. 75).
Os colonos, ao invés de contribuírem para que os nativos assimilassem a
cultura religiosa europeia, adotaram para si os costumes indígenas que eram
repudiados pelos inacianos e corrompiam o trabalho realizado na catequiza-
ção dos ameríndios. Além disso, os colonizadores se utilizavam de mecanismos
escusos, buscando ludibriar os nativos. Sendo assim, muitos índios desconfia-
vam das intenções que moviam aqueles religiosos, acreditando que poderiam
ser enganados e explorados pelos padres, assim como eram pelos colonizado-
res, ou seja, a presença dos maus cristãos só prejudicava o projeto evangelizador
empreendido pelos jesuítas.
Além de vencer esses obstáculos, os jesuítas teriam que conviver com a pre-
sença dos padres que já estavam na colônia antes da chegada da Companhia.
Segundo os jesuítas, assim como os colonizadores, os padres teriam se rendido
aos costumes da terra. Esse comportamento do clero foi relatado por Manuel
da Nóbrega em carta escrita da capitania da Bahia e endereçada ao padre Simão

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


141

Rodrigues de Azevedo. Nesse âmbito, pontua: “cá há clerigos, mas é a escoria que
de lá vem. Não se devia consentir embarcar sacerdote sem ser sua vida muito
approvada, porque estes destruem quando se edifica” (NÓBREGA, 1988, p. 77).
A queixa relatada não se restringiu à capitania da Bahia, tampouco se limi-
tou ao ano de 1549. Um exemplo disso pode ser observado nas cartas escritas por
Nóbrega em 1551 da capitania de Pernambuco. Em 13 de setembro (destinada
aos irmãos do colégio de Jesus de Coimbra), o religioso relatou: “havia cá mui
cuidado de salvar almas; os sacerdotes que cá havia estavam todos nos mesmo
peccados dos leigos, os demais irregulares, outros apostatas e excommungados”
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

(NÓBREGA, 1988, p. 119).


Os clerigos desta terra têm mais officio de demonios que de clerigos:
porque, além de seu mau exemplo e costumes, querem contrariar a
doutrina de Christo, e dizem publicamente aos homens que lhes é licito
estar em peccado com suas negras, pois que são suas escravas, e que po-
dem ter os salteados, pois que são cães, e outras coisas semelhantes, por
escusar seus peccados e abominações, de maneira que nenhum Demo-
nio temo agora que nos persiga, sinão estes (NÓBREGA, 1988, p. 116).

É interessante observar que, além da conversão dos naturais da terra, os jesuítas


também teriam que lutar contra a postura dos colonizadores que exploravam os
indígenas por diferentes meios e enfrentar os seculares que, ao invés de contribu-
írem com a manutenção da fé, partilhavam os costumes nativos e estimulavam
o modo como os colonos subjugavam os indígenas, sobretudo as mulheres com
quem viviam amancebados.
Caro(a) acadêmico(a), para os jesuítas, os costumes nativos mais condená-
veis eram a nudez, a poligamia, o incesto, as guerras intertribais e a antropofagia.
A nudez indígena era uma característica da cultura ameríndia que foi encarada
pelos primeiros portugueses que aportaram na colônia como um sinônimo de
pureza e inocência. Contudo, a inocência da nudez vista no primeiro contato
cedeu lugar (ver: Carta de Caminha – 1500) à barbárie e, dessa forma, justificava
a redução dos ameríndios à escravidão, segundo os colonos. A nudez foi vista
pelos jesuítas de modo ofensivo, pois agredia os princípios cristãos.
Perante essa situação, os padres requisitavam, por meio de cartas junto a
Coroa lusa, o envio de roupas para cobrir as vergonhas indígenas e, assim, pode-
rem viver de acordo com a doutrina cristã. Para Nóbrega, “não podemos deixar

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


142 UNIDADE III

de dar a roupa que trouxemos a estes que querem ser christãos, repartindo-lh’a
até ficarmos todos eguaes com elles” e complementa dizendo que “si souberem
que por falta de algumas ceroulas deixa uma alma de ser christã e conhecer a
seu Creador e Senhor” (NÓBREGA, 1988, p. 74).
Segundo as observações realizadas por Cardim (1980), mesmo quando
a nudez de alguns índios havia sido coberta, após a imposição jesuítica, os
nativos não se vestiam por honestidade ou constrangimento, mas sim por ceri-
mônia e obrigação. Porém, mesmo que possuíssem as vestimentas fornecidas
pela Companhia, deixavam suas ocas usando o mínimo de roupa possível. Os

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
homens usavam apenas os “jornes que lhes dão pelo umbigo sem mais nada”
e as mulheres “fazem muito caso de fitas e pentes” além de braceletes e outros
enfeites (CARDIM, 1980, p. 90).
A poligamia foi outro aspecto da cultura nativa duramente combatida
pelos jesuítas. Os inacianos insistiam junto aos indígenas sobre a impor-
tância de possuírem apenas um cônjuge e buscavam legitimar essas uniões
por meio da realização de casamentos. Dessa forma, poderiam ser batiza-
dos e terem suas almas salvas do pecado que viviam mergulhados. Segundo
os apontamentos realizados pelo Padre Cardim, os casamentos cristãos já
estavam ocorrendo entre os integrantes das aldeias, “porém há muita dúvida
se são verdadeiros, assim por terem muitas mulheres, como pelas deixarem
facilmente por qualquer arrufo, ou outra desgraça, que entre elles aconteça”
(CARDIM, 1980, p. 88).

Entre os índios, os pais combinavam a união de suas filhas, ainda quando


crianças, cortavam-lhes os cabelos e quando crescidos estavam preparadas
para unir-se ao homem escolhido. Eram entregues ao marido em uma ceri-
mônia simples e posteriormente realizavam seus juramentos em sigilo.
Fonte: Staden (2010).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


143

As relações poligâmicas não se limitavam aos naturais da terra. Com a chegada


dos lusitanos aos trópicos e, principalmente, com a intensificação da colonização,
a partir da criação das capitanias hereditárias, acirrou-se o “resgate” e isso fez
com que o número de relações ilícitas aumentasse, devido à ausência de mulhe-
res brancas na colônia. Os portugueses foram paulatinamente amancebando-se
com as índias, alheios à doutrina cristã. É importante salientar, prezado(a) aca-
dêmico(a), que os amancebamentos, isto é, as relações maritais que não eram
sacramentadas pela Igreja, eram tão ilícitos quanto a poligamia. Na correspon-
dência jesuítica, podemos observar a existência de tais relações: “nesta terra há
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

um grande pecado, que é terem os homens quasi todos suas Negras por mance-
bas, e outras livres que pedem aos Negros por mulheres, segundo o costume da
terra, que é terem muitas mulheres” (NÓBREGA, 1988, p.79).
É de suma relevância compreender que as relações entre os colonizadores e
os nativos ocorriam, sobretudo, de três formas distintas. Na primeira condição,
os lusitanos se envolviam com as índias motivados por relações corriqueiras,
sem estabelecerem qualquer tipo de compromisso. No segundo caso, firmavam
uniões estáveis, chegando a constituir uma família com as indígenas (vivendo
a semelhança do matrimônio cristão, porém sem a benção da Igreja). E, na ter-
ceira opção, mais grave aos olhos da Companhia, seriam os amancebamentos
frutos de ataques portugueses às tribos gentílicas. Em tais ataques, os portugue-
ses raptavam as mulheres e as escravizavam. O relato feito pelo padre Antonio
Pires, de Pernambuco, em 02 de agosto de 1551, destinado aos padres e irmãos
de Coimbra, refletiu essas preocupações:
Ay en esta tierra un costumbre que lo más de los hombres no reciben
el Santo Sacramento, porque tienen las negras con que están amance-
bados [...] Lo que todo se haze a nuestras costas, pues aora es nuestro
officio remediarlo. El mayor trabajo que aora tenemos es, que avrá en
esta población algunas cincuenta negras o más, afuera otras que están
por las haziendas, las quales fueron traydas de las aldeãs por los blancos
para las tener por mancebas (LEITE, 1956, p. 262).

As relações ilícitas ocorreram de forma corriqueira durante todo o século XVI


e mesmo nos seguintes. Por mais que os jesuítas travassem uma árdua batalha
contra a incidência desse tipo de relacionamento, ele foi um dos modos que o
português se utilizou para se fixar no território. Para atenuar essa situação, os

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


144 UNIDADE III

servos de Deus solicitaram junto a D. João III o envio de mulheres para a colô-
nia, “ainda que fossem erradas”, mas que não tivessem perdido o temor a Deus.
Assim, casavam e, consequentemente, evitavam que os colonos fossem aman-
cebar-se com as nativas (NÓBREGA, 1988, p. 80).
Além de requisitarem junto à Coroa portuguesa o envio de mulheres para
remediar o mau costume dos lusitanos que estavam amancebados com as negras
da terra, os jesuítas não mediram esforços para legalizar essas uniões. O casar-
-se na colônia foi facilitado e incentivado, pois bastava apenas o cônjuge possuir
uma testemunha que assegurasse sua condição de solteiro e ele já poderia unir-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
-se em matrimônio. Nesse âmbito, observa Vainfas (1997, p. 95):
Amancebaram-se por falta de opção, por viverem, em sua grande
maioria, num mundo instável e precário, onde o estar concubinato era
contingência da desclassificação, resultado de não ter bens ou ofícios,
da fome e da falta de recursos, não para pagar a cerimônia do casa-
mento, mas para almejar uma vida conjugal minimamente alicerçada
segundo os costumes sociais e a ética oficial.

Em contrapartida, Monteiro (1994) traz a tona um elemento muito importante


para refletirmos acerca das relações firmadas entre colonizadores lusos e as negras
da terra. Segundo o autor, os colonos buscavam se envolver com as índias para
terem acesso facilmente às aldeias. Tudo indica que essa seria uma maneira de
os portugueses, por meio dos relacionamentos com as índias, infiltrarem-se no
interior das aldeias e, desse modo, agir para persuadir os membros da tribo em
favor de seus interesses econômicos. Isso significava que se aproximavam das
nativas para reduzir os membros da tribo à servidão (MONTEIRO, 1994).
Além da poligamia e dos amancebamentos, os jesuítas ainda teriam que enfren-
tar outro empecilho que dificultava sua ação evangelizadora nos trópicos. Tanto os
primeiros portugueses que aportaram na colônia como os inacianos que chegaram
em 1549 chegaram a acreditar, inicialmente, que os indígenas não possuíam uma
religião. Desse modo, “seriam como papel em branco”, no qual se poderia escrever
a fé cristã facilmente. Contudo, no convívio com os ameríndios, os padres da pri-
meira missão evangelizadora puderam perceber que os indígenas possuíam líderes
espirituais, os pajés que se colocariam como os grandes inimigos da conversão.
Entre os nativos, o pajé era responsável pela condução dos rituais religiosos
e a ele se atribuía a autoridade xamanística de invocar e controlar espíritos. Em

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


145

razão disso, o pajé detinha poderes oraculares e curativos. Era responsável tanto
pelo conforto espiritual como pela cura dos enfermos. Portanto, responsáveis
pela perpetuação da cultura nativa. Os pajés se tornaram os grandes inimigos
da imposição da cultura religiosa ocidental entre os indígenas. Em contrapar-
tida, os membros da Companhia consideravam os pajés mentirosos e charlatões.
E assi se podem estes feiticeiros chamar mais matasanos que médicos,
nem eles curam os enfermos senão com enganos, chupando-lhes na par-
te que lhes dói e, tirando da boca um espinho ou prego velho que já nela
levavam, lho mostram, dizendo que aquilo lhes fazia o mal e que já ficam
sãos, ficando eles tão doentes como de antes (SALVADOR, 1982, p. 83).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Em sua luta contra a imposição do cristianismo, os pajés se mostraram extremamente


perspicazes. Quando os jesuítas chegavam a uma aldeia, era comum que aumen-
tassem bastante o número de enfermos, sobretudo entre aqueles que tinham um
contato mais próximo com os europeus. Isso ocorria em razão dos nativos não terem
resistência às doenças com as quais os europeus conviviam desde tempos remotos.
Segundo o próprio Nóbrega (1988, p. 95), em carta datada de 1549: “quasi todos os
que baptisamos, cahiram doentes, quaes do ventre, quaes dos olhos, quaes de apos-
tema: e tiveram occasião os seus feiticeiros de dizer que lhes dávamos a doença”.
Os membros da Companhia de Jesus não conseguiam entender porque
aqueles incidentes aconteciam. Ao mesmo tempo que ofereciam uma oportuni-
dade de salvar as almas dos nativos, também poderiam levá-los à morte. Esses
incidentes foram observados em muitas cartas inacianas e demonstravam a afli-
ção que os jesuítas possuíam quando os indígenas ficavam enfermos. A doença
levada pelo catequizador foi uma ferramenta importante utilizada pelo pajé para
reforçar sua conduta de que os brancos os levavam à morte (VAINFAS, 1995).

O índio no Brasil também ficou conhecido por: ameríndio, negros da terra,


naturais da terra e gentio.
Fonte: a autora.

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


146 UNIDADE III

UMA TERRA PERMEADA POR CONFLITOS

Caro(a) acadêmico(a), chamo a atenção de vocês neste momento para uma aná-
lise voltada para os conflitos intertribais que assolavam os trópicos portugueses.
A Costa do Brasil era habitada por uma gama de grupos indígenas distintos, que,
embora pertencessem ao mesmo tronco linguístico e compartilhassem determi-
nadas crenças e costumes, comunicavam-se por dialetos diferentes. Acredita-se
que Nóbrega os distinguiu a partir do território que ocupavam, na medida em
que os padres percorriam as aldeias. Em linhas gerais, destacavam-se: os goia-

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nases e os carijós na capitania de São Vicente, os guaimures ao norte do Espírito
Santo, os tupiniquins em Porto Seguro e os tupinambás na Bahia, cenário do pri-
meiro contato com os naturais da terra (LEITE, 1956, p.13).
Independente do grupo existente na colônia ou mesmo dos costumes que
eles partilhavam, havia um traço na cultura ameríndia que se apresentou como
um grande obstáculo à conversão daqueles indivíduos: a guerra. Por mais que
os indígenas acatassem, a seu modo, os apelos dos padres no que concerne
ao abandono de seus hábitos, a guerra era algo extremamente arraigado. Esse
traço da cultura nativa foi rapidamente percebido pelos europeus. Segundo
os padres, os indígenas estavam dispostos a tudo, menos deixar de guerrear
(NÓBREGA, 1988, p. 72).
Na verdade, os jesuítas não eram contrários à guerra em si, mas sim às
implicações que dela resultavam, pois os índios derrotados eram aprisiona-
dos e levados para as aldeias dos vencedores, onde eram comidos em grandes
cerimônias antropofágicas. Vejamos a descrição de Manuel da Nóbrega em
agosto de 1549:
Fazem guerra, uma tribu a outra, a 10, 15 e 20 leguas, de modo que
estão todos entre si divididos. Si acontece aprisionarem um contrario
na guerra, conservam-no por algum tempo, dão-lhe por mulheres suas
filhas, para que o sirvam e guardem depois do que o matam dom gran-
de festa e ajutamento dos amigos e dos que moram por alli perto, e si
delles ficam filhos, os comem, ainda que sejam seus sobrinhos [...] E’
esta a cousa mais abominável que existe entre elles. Si matam a um na
guerra, o partem em pedaços, de pois de moqueados os comem, com a
mesma solemnidade; e tudo isto fazem com um odio cordial que têm
um ao outro [...] (NÓBREGA, 1988, p. 90).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


147

O documento acima nos


traz informações riquíssi-
mas acerca dos conflitos
intertribais indígenas e, con-
sequentemente, dos rituais
antropofágicos. Como pode-
mos observar, após o término
do conflito, os derrotados
eram levados para a aldeia
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dos vencedores. Lá, perma-


neciam por um determinado
período e eram assistidos por
uma nativa que ficava res- Figura 32: Antropofagia no Brasil em 1557, segundo a descrição de Hans Staden
Fonte: Wikimedia Commons.
ponsável pelo seu alimento e
bem-estar. Quando os indígenas achassem que o índio inimigo estivesse pronto,
organizavam uma grande festividade e convidavam as tribos aliadas para partici-
parem do ritual antropofágico.
Segundo os relatos do viajante francês Jean Léry, que esteve na colônia em
1557 e que permaneceu como prisioneiro dos índios tupinambás quase um ano,
os naturais da terra não guerreavam para conquistar territórios, tampouco para
obter algum favorecimento com os seus prisioneiros, “mas sim por quererem
vingar pais e amigos presos e comidos, no passado” (LÉRY, 2007, p. 183). Para
Nóbrega (1998, p. 90), os embates entre as tribos não se originavam da avareza,
“porque não possuem de seu mais do que lhes dão a pesca, a caça e o fructo que
a terra dá a todos, mas sómente por odio e vingança”. Nesse sentido, podemos
observar que a combinação entre ódio e vingança dava sentido aos atos antropo-
fágicos praticados pelos indígenas e que se manifestavam como um dos grandes
empecilhos à conversão dos nativos.
A guerra, além de vingar o ente querido e preservar sua memória, também
representava uma forma de amadurecimento, respeito e bravura do nativo. Para
o indígena, era de suma relevância se lançar aos conflitos contra seus inimigos,
pois, por meio dessas ações, adquiriam o respeito diante dos outros membros
da tribo. Além disso, precisamos compreender que a própria guerra, seguida da

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


148 UNIDADE III

vitória contra o inimigo e a confirmação da vingança por meio da antropofagia,


eram pré-requisito para os nativos contraírem esposas. Nesse âmbito, pontua
Cardim: “nenhum mancebo se acostumava casar antes de tomar contrario, e per-
severava virgem até que o tomasse e matasse correndo-lhe primeiro suas festas
por espaço de dous ou tres annos” (CARDIM, 1980, p. 88).
Os conflitos eram precedidos por certo planejamento. Antes de partirem
para as batalhas, os indígenas fabricavam, com o auxílio das índias, um tipo de
farinha feita com mandioca para suprir suas necessidades alimentícias enquanto
estivessem em combate. Os indígenas, geralmente, guerreavam duas vezes ao ano,

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no mês de agosto (período de desova de um peixe, conhecido pelos portugueses
como tainha) e em novembro (época da colheita do milho e da mandioca), nor-
malmente, duravam cerca de dez dias ou mais (STADEN, 2010).

A antropofagia é um ato que fazia parte de rituais em várias culturas do


mundo. Seja para combater a escassez de comida e fome, para “acalmar” a
ira dos deuses ou como um culto religioso.
Fonte: Significados (online).

A antropofagia foi duramente reprimida pelos membros da Companhia de


Jesus. Os padres não mediram esforços para convencer os nativos da barbá-
rie que estavam cometendo e lutavam contra um dos principais aspectos da
cultura ameríndia. Segundo Luís (1976, p. 79), “essa transformação de tribos
selvagens em povos civilizados, foi talvez um sonho da Companhia de Jesus,
naqueles tempos de aspirações desmedidas, de aventuras incríveis”. Todavia,
os jesuítas vivenciavam uma combinação de fatores negativos, dentre os quais
podemos destacar: um número insuficiente de padres, um vasto território des-
conhecido e, muitas vezes, inóspito e ainda a grande quantidade de aldeias
indígenas. Essas dificuldades comprometiam a labuta religiosa empreendida
pelos inacianos.

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


149

Segundo os próprios jesuítas, em razão das proibições, os indígenas come-


çaram a praticar a antropofagia sem os tradicionais rituais, para que evitassem
ser flagrados. Quando eram interrogados pelos padres, os índios negavam que
estivessem comendo seus contrários. Apanhados de surpresa pelas visitas ines-
peradas dos jesuítas, os naturais da terra comumente tentavam esconder aquelas
práticas. Um exemplo disso foi presenciado pelo jesuíta Navarro. Em carta da
capitania da Bahia em 28 de março de 1550 o jesuíta afirma que “indo eu visi-
tar uma aldeã, vi que daquella carne cozinhavam em um grande caldeirão, e ao
tempo que cheguei, atiravam fora uma porção de braços, pés e cabeça de gente,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que era coisa medonha de ver-se” (NAVARRO, 1988, p. 77).


A antropofagia foi o traço da cultura ameríndia mais repudiado pelos padres
e o mais difícil de ser combatido. Representavam para os índios a preservação da
memória de seus antepassados e seus entes queridos mortos nos combates, sig-
nificava prestígio e respeito perante os outros membros da tribo e, além disso,
a conquista da maturidade. Nesse último sentido, era, também, um rito de pas-
sagem. Contudo, para os jesuítas, ao lado do incesto e da nudez, o canibalismo
era profundamente condenável.
A proibição da prática antropofágica, por outro lado, veio a favorecer os colo-
nos lusitanos. Se os indígenas não poderiam comer seus prisioneiros de guerra
(segundo as normas estabelecidas pelos religiosos a partir de 1549), começaram
a negociá-los com os portugueses por meio dos “resgates,” os quais passariam a
ser escravizados pelos colonos. Seria um modo dos indígenas conseguirem os
objetos pretendidos sem terem que se submeter às duras horas de trabalho nas
lavouras de cana-de-açúcar que vinham crescendo avassaladoramente e requisi-
tavam cada vez mais trabalhadores. Assim, “os índios preferiam vender uns aos
outros para obter mercadorias do que labutar nos engenhos e nas propriedades
administradas pelos lusos” (RAMINELLI, 1996, p. 70).
Contudo, é de suma importância enfatizar, caro(a) aluno(a), que a “comer-
cialização” realizada entre os líderes tribais e os lusitanos não se iniciou com
a repressão das práticas antropofágicas no cenário do Governo Geral no
Brasil. Os portugueses, antes da chegada da Companhia de Jesus, já desen-
volviam essa troca com os gentílicos, por meio dos “resgates”, por meio dos
quais seus prisioneiros de guerra eram trocados pelos objetos almejados.

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


150 UNIDADE III

Paulatinamente, os portugueses haviam percebido que poderiam tirar pro-


veito dos conflitos intertribais.
[...] os colonos buscavam suprir-se, inicialmente, de duas maneiras:
através do escambo ou da compra de nativos. Na primeira forma de
recrutamento, os portugueses ofereciam ferramentas, espelhos e bu-
gigangas aos chefes indígenas na expectativa de que estes orientassem
mutirões para as lavouras européias. [...] Na segunda forma de recruta-
mento, os portugueses procuravam fomentar a guerra indígena com o
intuito de produzir um fluxo significativo de cativos que, em vez de sa-
crificados, seriam negociados com os europeus como escravos. Entre-
tanto, nenhuma das duas estratégias demonstrou-se eficiente, devido à

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
recusa dos índios em colaborar à altura das expectativas portuguesas
(MONTEIRO, 1994, p. 30).

Entretanto, com o crescimento das atividades econômicas, sobretudo da indús-


tria açucareira, criou-se uma necessidade cada vez maior de trabalhadores
para atender à demanda que o mercado solicitava. Em consequência disso, a
exploração aos naturais da terra se intensificou e passou a integrar o leque de
problemas da colônia portuguesa que a Coroa lusa precisava remediar. Nesse
âmbito, reforçamos a ideia de que a colonização empreendida por D. João
III e, depois, abraçada pelos
seus sucessores tinha tanto
preocupações no âmbito
econômico como na esfera
religiosa, no que concerne
à proteção dos ameríndios
e redução de seus costumes
em prol dos dogmas cris-
tãos. Em contrapartida,
presenciamos que, devido
ao aumento da produção
de açúcar, os índios ofere-
Figura 33: “Índios soldados da província de Curitiba escoltando
cidos nas trocas esporádicas prisioneiros nativos”, tela de Jean-Baptiste Debret
Fonte: Wikimedia Commons.
já não atendiam aos anseios
dos colonizadores que passaram a atacar as aldeias nativas com o propósito
de raptar os naturais da terra e sujeitá-los à escravidão.

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


151

Todos os membros da tribo participavam do ritual antropofágico. O índio


que era escolhido para matar o inimigo se tornava o mais poderoso perante
a aldeia. As mulheres pintavam os prisioneiros e, após a morte do inimigo,
exibiam seus pedaços, percorrendo toda aldeia com grande festividade.
Fonte: Antropofagia (online).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

SALTEADORES E JESUÍTAS

Os costumes que integravam a cultura dos indígenas que ocupavam o litoral bra-
sileiro, como ausência de vestimentas, possuírem mais de um cônjuge, ter a vida
condicionada por um líder espiritual (pajé) e, sobretudo, as práticas antropofági-
cas, foram caracterizados como elementos de uma cultura tipicamente bárbara
e criaram condições para justificar a redução do índio à escravidão, segundo os
colonizadores portugueses.
Nesse sentido, é importante compreender que os colonizadores lusos passa-
ram, paulatinamente, a demonizar a figura do indígena. Não que os portugueses
realmente acreditavam que os ameríndios eram partidários de práticas conside-
radas demoníacas. Entretanto, fizeram o possível para justificar a escravização
dos naturais da terra, sobretudo após a chegada da Companhia de Jesus, em
1549 (VAINFAS, 1995).
Os brancos oriundos do Reino almejavam adquirir cada vez mais lucros
nas terras brasílicas e perceberam que a escravidão dos nativos era um negócio
lucrativo, visto que não precisavam gastar somas consideráveis com a aquisi-
ção de escravos africanos. Nesse âmbito, segundo Kuhnen (2005), até 1550 os
colonizadores utilizavam, em linhas gerais, três métodos para elevar os índios à
escravidão. Em primeiro lugar, poderiam ser prisioneiros oriundos de conflitos
intertribais, isso porque, após a chegada dos jesuítas, as práticas antropofágicas
eram extremamente condenadas. Outra maneira de adquirir escravos amerín-
dios era por meio do “resgate” e uma terceira possibilidade levantada pelo autor
era a compra dos nativos juntamente negociados com os líderes das aldeias.

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


152 UNIDADE III

Todavia, com a intensificação da indústria açucareira e, consequentemente,


com a busca cada vez maior por escravos nativos, os colonizadores passaram
a desenvolver outras estratégias para “seduzir” os naturais da terra e driblar a
vigilância dos membros da Companhia. De acordo com as observações reali-
zadas por Cardim (1980), os salteadores (nome atribuído aos portugueses que
praticavam ataques as aldeias gentílicas, visando à captura de escravos nativos)
chegaram a se disfarçar de jesuítas, usando os trajes dos religiosos para se apro-
ximarem das aldeias amistosamente e raptá-los (CARDIM, 1980). Nesse sentido,
é de suma relevância destacar, caro(a) aluno(a), que a escravidão dos negros da

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
terra era algo que desagradava tanto os monarcas lusos como os inacianos res-
ponsáveis pela labuta catequética.
A permanência dos membros da Companhia de Jesus na América portu-
guesa decorria do projeto colonizador conduzido por D. João III (1521-1557).
Por um lado, observamos o estabelecimento do Governo Geral, que buscava
conceder assistência às capitanias, a centralização da administração colonial e
os investimentos nas atividades econômicas, sobretudo na empresa açucareira.
Por outro, a expansão da fé, a salvação das almas e a proteção dos índios que
eram explorados pelos portugueses. Sob esse último aspecto é que decorriam as
tensões existentes nos trópicos entre os padres e os colonos.
O projeto do Rei de Portugal pode ser visualizado no Regimento de Tomé
de Sousa. Esse Regimento refletia as principais preocupações da Coroa lusa e
estabelecia as medidas prioritárias a serem adotadas e desenvolvidas no Novo
Mundo. Em primeiro lugar, o Regimento estabelecia que os objetivos da colo-
nização fossem o serviço de Deus e a exaltação da fé. Seguia-se do proveito das
terras tropicais, ou seja, investimentos de cunho econômico. E, em terceiro
lugar, o cuidado com os naturais da terra. Assim, “estão presentes, como se vê,
o serviço de Deus, o serviço e proveito geral, o enobrecimento e serviço parti-
cular do Brasil. A ‘fé’ em primeiro lugar; o ‘império’ em segundo. Mas ambos”
(LEITE, 1956, p. 08).
Quanto à liberdade dos naturais da terra, pode-se observar, ainda, no
Regimento de Tomé de Sousa uma total desaprovação com relação às ações dos
colonos que colocavam em risco a liberdade do nativo, pois, devido à falência
dos “resgates” e ao crescimento econômico, a escravização do gentio passou a ser

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


153

feita de forma corriqueira ao longo do território. Paiva (2006) cita um excerto


do Regimento que exprime claramente os abusos sofridos pelos indígenas e a
desaprovação real perante esses episódios:
Eu sou informado que nas ditas terras e povoações do Brasil há al-
gumas pessoas que têm navios e caravelões, andam neles de umas
capitanias para outras e que, por todas as vias e maneiras que podem,
salteiam e roubam os gentios que estão de paz e enganosamente os
metem nos ditos navios e os levam a vender a seus inimigos e a outras
partes e que por isso os ditos gentios se levantam e fazem guerra aos
cristãos e que esta foi a principal causa dos danos que até agora são
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feitos. E porque cumpre muito o serviço de Deus e meu prover-se


nisto de maneira que evite, hei por bem que daqui em diante pessoa
alguma de qualquer qualidade e condição que seja não vá saltear nem
fazer guerra aos gentios por terra nem por mar, em seus navios, nem
em outros quaisquer sem vossa licença ou do capitão da capitania de
cuja jurisdição for, posto que os tais gentios estejam levantados e de
guerra; a qual capitão não dará a dita licença senão nos tempos que
lhe parecerem convenientes [...] (REGIMENTO, 1548 apud PAIVA,
2006, p.33).

O Regimento recomendava a preservação do bom relacionamento com o


gentio, estabelecendo alianças com os tupiniquins – tribo que possuía maior
proximidade com os portugueses. No que se refere às relações de explora-
ção dos índios realizadas pelos colonos, o documento impunha “pena de
morte aos colonos que fossem buscar índios para escravizá-los, proibindo-
-se também o vender-lhes armas, e o embrenharem-se os membros colonos
pela terra dentro [...]” (VARNHAGEN, 1962, p. 233). Essa medida coercitiva
não foi colocada em prática na colônia, tendo em vista a frequente incidên-
cia de “saltos” às aldeias relatadas na correspondência inaciana, sobretudo
ao longo do século XVI.
Desse modo, precisamos compreender que o Regimento colocou a catequese
e a proteção ao gentio como prioridades da administração colonial. O monarca
português demonstrava uma grande preocupação com as relações estabelecidas
entre índios e portugueses. Além disso, a Coroa lusa entendia que os “saltos”
aos indígenas ameaçavam a paz das capitanias, pois, em resposta aos colonos, os
índios atacavam as vilas e as cidades coloniais. Essas questões foram levantadas
por Martim Afonso de Sousa antes da instauração do Governo Geral.

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


154 UNIDADE III

Porque a principal coisa que me moveu a mandar povoar as ditas ter-


ras do Brasil, foi para que a gente dela se convertesse à nossa santa fé
católica, eu vos encomendo muito que pratiqueis com os ditos capitães
e oficiais a melhor maneira que para isso se pode ter, e de minha par-
te lhes direis que lhes agradecerei muito terem especial cuidado de os
provocar a serem cristãos; e para eles mais folgarem de o ser, tratem
bem todos os que forem de paz e os favoreçam sempre e não consintam
que lhes seja feita opressão nem agravo algum; e fazendo-se-lhe, lho fa-
çam corrigir e emendar, de maneira que fiquem satisfeitos e as pessoas
que lhas fizerem sejam castigados como for justiça. [...] Porque como o
principal intento meu é que eles se convertam à nossa santa fé. Logo, é
razão que se tenha com eles todos os modos que puderem ser para que

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
o façais assim [...] (REGIMENTO, 1548 apud KUHNEN, 2005, p. 314).

Importante mencionar ainda que o Regimento priorizava o bom relacionamento


entre colonos e indígenas. Os portugueses não poderiam insultar os gentios nem
criar qualquer tipo de situação que os prejudicasse. Porém, o documento faz uma
ressalva, essa postura deveria ser mantida perante os nativos que fossem amigos dos
portugueses, deixando implícito o tratamento aos habitantes da terra que fossem
contrários à presença dos colonizadores. “E, pera eles mais folgarem de o ser, tratem
bem todos os que forem de paz, e os favoreçam sempre, e não consintam que lhes
seja feita opressão nem agravo algum [...]” (REGIMENTO apud LEITE, 1956, p. 08).
Entretanto, mesmo com tantas determinações presentes no Regimento que
priorizavam pelo respeito e bom relacionamento com os naturais da terra, isso
não significou que os nativos estivessem protegidos na prática contra os ataques
portugueses. Nos registros jesuíticos, podemos perceber que os ataques ocor-
riam corriqueiramente contra os indígenas. Nesse âmbito, relata o superior da
Companhia Manuel da Nóbrega, em 09 de agosto de 1549:
Escrevi a Vossa Reverendíssima acerca dos saltos que se fazem nesta
terra, e de maravilha se acha cá escravo que não fosse tomado de salto,
e é desta maneira que fazem pazes com os Negros para lhes trazerem a
vender o que têm e por engano enchem os navios delles e fogem com el-
les; e alguns dizem que o podem fazer por os Negros terem já feito mal
aos Christãos. [...] De maravilha se achará cá na terra, onde os Chris-
tãos não fossem causa da guerra e dissenção, e tanto que nesta Bahia,
que é tido por um Gentio dos peiores de todos, se levantou a guerra
por os Christãos, porque um Padre, por lhe um Principal destes Negros
não dar o que lhe pedia, lhe lançou a morte, no que tanto imaginou que
morreu, e mandou aos filhos o vingassem (NÓBREGA, 1988, p. 81).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


155

Por meio da carta inaciana, observa-se que os “saltos” eram uma prática fre-
quente na capitania da Bahia, visto que a grande maioria dos escravos indígenas
era obtida dessa forma. O padre destaca que os colonizadores se aproximavam
das aldeias de forma amistosa para, em seguida, raptar os índios e sujeitá-los
à escravidão. Além disso, o relato jesuítico enfatiza que a presença dos maus
cristãos prejudicava e comprometia a catequese dos nativos e a segurança do
território, pois o gentio se levantava contra os colonos, promovendo uma série
de ataques às capitanias. Outro dado interessante que podemos analisar é a
possibilidade levantada pelo inaciano de direcionar os negros da terra adqui-
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ridos por meios ilegais (saltos) aos seus locais de origem na presença de um
padre para doutriná-los. Tal sugestão foi apresentada ao Governador Tomé
de Sousa, visando assegurar que os indígenas, sob condição escrava, fossem
realmente direcionados à sua aldeia de origem. Todavia, essa recomendação
esbarrava em uma gama de empecilhos, principalmente pela escassez de jesu-
ítas para acompanhá-los.
A Companhia de Jesus colocava-se claramente contrária a esses episódios
e despertava a ira dos portugueses que possuíam escravos por meios ilícitos.
Nesse sentido, Manuel da Nóbrega requisitou à Coroa lusa o envio de inquisi-
dores ou mesmo comissários para realizar a libertação dos escravos indígenas
nessas condições. Expôs ao monarca que os naturais da terra em condição ser-
vil estavam vivendo com seus abomináveis costumes. Além disso, reclamou
ao Rei que os senhores de Engenho permitiam que seus cativos vivessem gen-
tilicamente comprometendo a labuta da Companhia. Diante desse quadro, o
religioso solicitou que houvesse uma licença da Sé Apostólica “para fazer-se
regulamento e outras cousas necessarias sobre a restituição dos ditos escravos
salteados” (NÓBREGA, 1988, p. 110).
Caro(a) acadêmico(a), chamo atenção neste momento para um aspecto
da postura inaciana que é extremamente importante para compreender-
mos nossa análise. Os membros da Companhia de Jesus não lutavam apenas
para sanar a ocorrência de “saltos” na colônia e, consequentemente, a exis-
tência de cativos em situação irregular. Mas também lutavam para assistir
os escravos da terra que estavam em poder dos Senhores de Engenho, per-
mitindo, dessa forma, que recebessem os preceitos da Igreja e obtivessem a

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


156 UNIDADE III

salvação de suas almas. Podemos observar essa conduta na carta inaciana


escrita pelo padre Leonardo Nunes, em agosto de 1550, diretamente da capi-
tania do Espírito Santo. Por esses meios, ele menciona: “fazia todas as noites
a doutrina aos escravos que ali havia, porque aquellas horas vinham de tra-
balhar e estavam todos juntos; e porque eram muitos e não cabiam na egreja”
(NAVARRO, 1988, p. 84).
A doutrina direcionada à escravaria da terra não se limitou à capitania
do Espírito Santo. Os membros da Companhia de Jesus procuravam levar ao
longo da Costa brasileira os ensinamentos da fé cristã para os indígenas em

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condição servil. Da Bahia, o padre Navarro efetuava a pregação aos escravos
aos domingos e destacava a quantidade expressiva desses homens. A orientação
dada aos Senhores é que levassem seus cativos às missas, para que presencias-
sem a pregação dos padres como todo bom cristão deveria fazer (NAVARRO,
1988, p.78). Observa-se que a doutrina aos escravos ocorre paralelamente ao
combate aos “saltos”, cujo cuidado com as almas dos cativos iria se intensifi-
car durante a administração do terceiro Governador Mem de Sá, a partir de
dezembro de 1557.
Assim que os padres Manuel da Nóbrega e Antônio Pires chegaram à
Pernambuco pela primeira vez, em 1551, depararam-se com um cenário bem
distinto das outras capitanias. Eles observaram um grande desenvolvimento
pautado na atividade açucareira e um notável número de cristãos que ocu-
pavam aquelas terras. Além dos moradores instalados nas duas vilas e nos
Engenhos, os padres ficaram impressionados com o grande número de nativos
cristãos que serviam seus senhores como escravos (KUHNEN, 2005, p. 349).
Para os jesuítas, o progresso dessa capitania estava ligado à postura de Duarte
Coelho que, antes mesmo da Companhia de Jesus ocupar as terras tropicais,
já lutava contra os “saltos” e os “resgates”, pois compreendia que esses meios
só prejudicavam o desenvolvimento de sua capitania. Para suprir as necessida-
des de mão de obra, Duarte Coelho implorava ao Rei de Portugal que fossem
enviados escravos da Guiné, algo que não parece ter ocorrido antes de 1550
(KUHNEN, 2005, p. 343).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


157

Os escravos negros eram utilizados tanto em Portugal como em suas pos-


sessões ultramarítimas desde o século XV. No Brasil, observamos uma en-
trada gradativa de negros a partir de 1550, sobretudo decorrente de dois
fatores: a presença jesuítica, que dificultava a ação dos colonos salteadores
que comumente raptavam os índios e os reduziam à condição escrava e o
crescimento da indústria açucareira que demandava um número crescente
de trabalhadores. A escravidão dos negros não foi alvo de contestações por
parte da Companhia de Jesus. No século XVII podemos observar, por meio
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dos escritos do padre Antonio Vieira, que, longe de lamentar a escravidão, o


religioso “encontra nessa relação de trabalho o ‘milagre’ que possibilita a li-
bertação dos negros. Identifica a escravidão ao catolicismo, pois é esta insti-
tuição que possibilitaria a ‘salvação’ [...] para Vieira, os escravos nos engenhos
são imitadores de Cristo e seu sofrimento aproxima-os ainda mais de Deus”.
Fonte: Menezes (2000, p. 93).

A presença dos escravos


africanos nos trópicos por-
tugueses pôde ser observada
a partir de 1551, nos escri-
tos do padre Manuel da
Nóbrega. Em carta a D. João
III, o inaciano informa sobre
a situação de Olinda, sobre-
tudo com os avanços da
escravaria, destacando a pre-
sença dos escravos da Guiné.
É importante ressaltar que o
Figura 34: Navio negreiro por Rugendas
padre Manoel da Nóbrega Fonte: Wikimedia Commons.
não viu na escravidão afri-
cana nada que merecesse censura. Ao contrário, solicita autorização para que
os jesuítas também os utilizassem como mão de obra.

A Colonização das Terras e a Salvação das Almas


158 UNIDADE III

[...] e mande dar escravos de Guiné á casa para fazerem mantimentos,


porque a terra é tão fértil que facilmente se manterão e vestirão mui-
tos meninos, si tiverem alguns escravos que façam roças e algodoaes, e
para nós não é necessario nada (NÓBREGA, 1988, p.126).

Em janeiro de 1552, o superior da missão deixou a capitania de Pernambuco sob


a responsabilidade do padre Antonio Pires, pois Duarte Coelho havia solicitado
que se fizesse presente, pelo menos, um religioso em suas terras para assistir na
doutrina o número considerável de cativos. Nesse relato, é importante salientar
que, paralelo à escravaria da terra, havia uma quantidade expressiva de escravos
negros utilizados nas fazendas dos senhores. “Há nesta capitania grande escra-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
varia assim de Guiné como da terra” (NAVARRO, 1988, p. 149). Por meio das
cartas podemos perceber a entrada paulatina de escravos de origem africana na
colônia portuguesa a partir da segunda metade do século XVI. Contudo, parece
que os senhores não se sentiam motivados com essa alternativa de mão de obra,
preferindo explorar os escravos da terra, mesmo que isso significasse travar uma
luta contra os discípulos da Companhia de Jesus.

COLONIZADORES E SOLDADOS DE CRISTO: EMBATES


EM TORNO DA ESCRAVIDÃO DO GENTIO BRASÍLICO

“DO AMOR PARA O TEMOR” E A NOVA CONDUTA JESUÍTICA

Caro(a) acadêmico(a), o presente tópico apresenta uma análise acerca das mudan-
ças nas estratégias catequéticas empreendidas pelos membros da Companhia de
Jesus na colônia portuguesa. Nesse sentido, observa-se, principalmente, a neces-
sidade de “proteger” os indígenas por meio da implementação dos aldeamentos
e o consequente embate travado com os colonizadores em torno da escraviza-
ção dos naturais da terra.
O fim da administração do Governador Geral Duarte da Costa, em 1557,
inaugurou, de fato, nas terras coloniais, um novo modo de conduzir a catequi-
zação dos indígenas. Os religiosos não iriam medir esforços para conseguir

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


159

salvar as almas gentias, mesmo que isso significasse forçá-los a abandonar seus
costumes. Na realidade, esse novo método adotado pelos jesuítas já havia sido
ensaiado durante as chamadas “guerras dos índios”, durante a administração de
Duarte da Costa, “de que as cartas dão como efetivo uma geral submissão das
aldeias mais próximas aos portugueses” (PÉCORA, 1999, p. 399). Em carta de
1554 destinada ao monarca D. João III, Manuel da Nóbrega descreve as guerras
que assolavam a colônia e destaca a necessidade de sujeição do gentio:
Na Bahia não se entende agora com o Gentio por falta de línguas, que
não temos; sómente se sustenta aquella casa e se doutrinam alguns mo-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ços, e assim tambem por que andam elles agora todos baralhados em
tão crueis guerras que visinhos com visinhos e casa com casa se co-
mem, que é grande juízo de Nosso Senhor, e é agora o mais conveniente
tempo para a todos sujeitarem e os imporem no que quizerem; e já ago-
ra a terra estava honestamente segura (NÓBREGA, 1988, p. 145-146).

Com relação à mudança que se processava no modo de conduzir a catequização,


José Eisenberg (2000, p. 60-61) observou que a estratégia traçada pelos jesuítas
residiu em transformar “a teoria tomista do paganismo em uma série de táti-
cas concentradas de conversão, e como essas estratégias foram sendo adaptadas,
com o passar do tempo, aos objetivos da empreitada missionária”. Essa teoria
de Tomás de Aquino considerava três tipos de pecadores: os cristãos, os here-
ges e os pagãos. Os primeiros são aqueles que partilham dos preceitos de Jesus
Cristo, os quais acreditam na ideia de um salvador. Os hereges são os homens
que negam a religião de Cristo e os pagãos são aqueles que ignoram a fé. Nesse
aspecto, o dominicano considerava que os hereges deveriam pagar por seus
pecados enquanto os pagãos devem ser convertidos (EISENBERG, 2000, p. 66).
Nesse sentido, os indígenas seriam considerados pagãos e necessitavam aceitar
a conversão imposta pelos jesuítas para obter sua salvação.
Após conviverem com os nativos, os inacianos acreditavam ter condições
de iniciar o seu trabalho de evangelização. Porém, perceberam que a conversão
conduzida por meio das pregações apresentava limitações significativas, pois
constataram que os índios conversos regressavam aos seus antigos costumes,
sobretudo à antropofagia e à poligamia. Segundo Eisenberg (2000), essa redefini-
ção dos métodos catequéticos se deu com a chegada do terceiro grupo de jesuítas
na colônia. Naquele momento, foi discutida a ampliação nos métodos utilizados

Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico


160 UNIDADE III

para a conversão. Os religiosos chegaram à conclusão que deveriam empregar


outros meios de persuasão para obterem melhores resultados na evangelização.
Segundo Pécora (1999), o método utilizado para a conversão era baseado,
até então, na evangelização empreendida pela via amorosa, pautada no diá-
logo com os indígenas, nas visitas às comunidades nativas, no ensino da leitura,
na doutrina religiosa às crianças, na dedicação dos padres com o aprendizado
da língua nativa, assim como no empenho das traduções de textos sagrados.
Paulatinamente, tais mecanismos cederam lugar ao novo modo de trabalhar a
conversão com os homens da terra. Nesse sentido, os jesuítas concluíram, com

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o decorrer dos anos, que os métodos catequizadores que utilizavam para a evan-
gelização dos indígenas não surtiram os efeitos desejados.
Todavia, porque os inacianos não atingiram seus objetivos junto aos amerín-
dios? Nesse contexto, podemos considerar uma gama de dificuldades, dentre as
quais, elencamos: a presença de maus cristãos que reduziam os índios à escravi-
dão, o número insuficiente de padres, a ausência de recursos materiais e, ainda,
a resistência dos nativos que não se rendiam à evangelização. Porém isso não
significa afirmar que os padres não obtiveram avanços na conversão do gen-
tio, mas sim compreender que tais avanços estavam distantes dos pretendidos
pelos discípulos de Deus. Em vista disso, abandonaram a via amorosa utilizada
no período inicial e optaram por uma via catequética mais ríspida, punitiva e de
coerção aos índios. Esse novo modo de agir foi marcado pela ameaça aos gen-
tílicos, em que o amor cedeu lugar ao medo. A esse respeito, Pécora (1999, p.
399) tece as seguintes considerações:
A tendência se acentua com a ação militar sistemática do novo gover-
nador Mem de Sá, que aplica aos indígenas severas punições por prá-
ticas condenadas pela religião, e, ao mesmo tempo, oferece proteção
militar para a ação missionária dos jesuítas. A partir desse ponto sem
retorno, a narratio das cartas de Nóbrega organiza seus relatos de modo
a postular, como condição do êxito da missão no Novo Mundo, a sujei-
ção política do indígena, em oposição à idéia predominante anterior-
mente, de convertê-lo apenas pela pregação dos argumentos da fé [...].

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


161

A sujeição do indígena que Pécora (1999) se refere ocorre de forma clara


após o incidente ocorrido com o Bispo D. Pedro Fernandes Sardinha. A
embarcação que levava o Bispo naufragou em julho de 1556 no litoral do
território que, atualmente, é o Estado de Alagoas. Os sobreviventes do nau-
frágio, inclusive o religioso, foram surpreendidos por um ataque indígena.
As cartas jesuíticas atribuem a ofensiva aos caetés, que habitavam aquela
região e eram inimigos dos portugueses. Os caetés teriam massacrado e
comido, por meio dos rituais antropofágicos, os sobreviventes da embar-
cação. Após tomar conhecimento desse trágico acontecimento, o padre
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Manuel da Nóbrega manifestou sua posição sobre esses nativos por meio
de um relato escrito da capitania da Bahia, em maio de 1558, para o padre
Miguel de Torres em Lisboa.
Este gentio é de qualidade que não se quer por bem, senão por temor
e sujeição, como se tem experimentado; e por isso se S.A. os quer ver
todos convertidos mande-os sujeitar e deve fazer estender os cristãos
pola terra adentro e repartir-lhes o serviço dos Índios áqueles que os
ajudarem a conquistar e senhorear, como se faz em outras partes de
terras novas, e não sei como se sofre a geração portuguesa, que antre
todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa
sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo. Os
que mataram a gente da nau do Bispo se podem logo castigar e sujeitar,
e todos os que estão apregoados por inimigos dos cristãos [...] (LEITE,
1957, p. 448).

O episódio que envolveu os caetés e, consequentemente, levou à trágica morte


do Bispo Sardinha não se restringiu apenas aos registros jesuíticos. Tal fato rom-
peu as fronteiras da colônia e mobilizou o terceiro Governador Geral, Mem de
Sá, que, mesmo antes de chegar ao Brasil, buscou medidas para reprimir o ato
cometido pelos caetés. Para punir os nativos, o governante enviou homens para
reprimir os caetés, que foram atacados, perseguidos, mortos ou raptados pelos
portugueses. Essa ação de Mem de Sá se caracterizou como a primeira expedi-
ção punitiva do gênero (BEOZZO, 1983).

Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico


162 UNIDADE III

O primeiro bispo do Brasil foi dom Pero Fernandes Sardinha, que chegou a
Salvador em 1551, vindo de Portugal. Sua trajetória ficou marcada na histó-
ria do Brasil por ter sido, segundo alguns relatos controversos, devorado por
índios caetés, em um ritual de antropofagia, no litoral do nordeste brasilei-
ro, em 1556. [...] O bispo Sardinha tentou controlar as ações dos colonos por-
tugueses que vieram para o Brasil durante os primeiros anos de colonização
portuguesa. Ele tentava combater, por exemplo, o hábito de fumar, adqui-
rido com os indígenas, bem como tentava impedir que os portugueses se

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relacionassem sexualmente com as indígenas.
Fonte: Pinto (online).

Com a retaliação dessa casta gentílica, houve a “necessidade jurídica” de legitimar


as ações humanas. Desse modo, por meio de uma Carta Régia datada de 1557,
ficava “legalizada” a escravização dos Caetés, por serem considerados inimigos
tanto da Companhia de Jesus, por não se sujeitarem à conversão, e, ainda se lança-
rem ao ato antropofágico (um dos atributos da cultura ameríndia mais repudiado
pelos padres, tendo em vista o caráter de barbárie que isso representava), como
dos portugueses, pela resistência aos avanços da política colonialista, isto é, por
não permitirem que os lusitanos os despojassem de suas terras (BEOZZO, 1983).
Em contrapartida, a legitimidade da escravização dos caetés, por serem inimi-
gos de Deus e dos homens, possibilitou que os salteadores agissem livremente na
colônia. Podemos considerar que as medidas de coerção e submissão dos caetés
agravaram ainda mais a escravização dos homens da terra, pois caracterizaram
uma abertura considerável para essas ações desencadeadas pelos portugueses,
os quais buscavam cada vez mais escravos para utilizarem em seus negócios.

OS ALDEAMENTOS JESUÍTICOS

A reforma das missões realizada a partir de 1556 foi baseada em um projeto


desenvolvido pelos padres Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, em 1553, na

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


163

capitania de São Vicente. Naquele momento, eles reuniram três tribos que esta-
vam a setenta quilômetros da Costa e levaram para o vilarejo de Piratininga
(localidade que, posteriormente, seria a cidade de São Paulo). Os índios só acei-
taram abandonar suas casas por depositarem muita confiança em Anchieta, que
possuía grandes habilidades médicas que resultavam em uma parcela significava
de curas entre os enfermos indígenas (EISENBERG, 2000).
A junção das três tribos em uma única aldeia se mostrava, para Manuel
da Nóbrega, como um projeto viável e eficaz na conversão do gentio, pois, em
razão, principalmente, do caráter “bestial” que os naturais da terra apresenta-
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vam, deveriam permanecer sempre sob a tutela dos padres para não se lançarem
aos antigos costumes que os servos de Deus lutavam para erradicar. Em 1556,
o padre Manuel da Nóbrega, convencido do progresso realizado com os nati-
vos de Piratininga, manifestou desejo de expandir seu projeto para toda a Costa
brasílica. Porém o religioso não poderia dispor da mesma estratégia que antes
havia utilizado para junção das tribos em 1553, isto é, não teria condições de
argumentar com os nativos que viessem para as aldeias cristãs com o propósito
de remediar suas enfermidades, visto que o conhecimento medicinal ficava res-
trito a José de Anchieta. Diante disso, buscou dialogar com o Governador Duarte
da Costa, apresentando a viabilidade de seu projeto para que ele pudesse forne-
cer os homens que deveriam “convidar” os naturais da terra e direcioná-los às
aldeias inacianas (NÓBREGA, 1988).
Segundo Eisenberg (2000), o plano de Nóbrega tinha como objetivo unir
tribos vizinhas ou mesmo inimigas em um mesmo espaço para viver de acordo
com a conduta cristã dos padres. Caso houvesse resistência por parte do gentio,
as tropas portuguesas poderiam realizar uma “guerra justa”. O padre argumen-
tava que essa guerra seria apenas um método de obrigar os indígenas à catequese.
Colocava-se como uma alternativa de salvação aos índios, pois, se recusassem o
“convite” de integração às aldeias cristãs, ficavam sujeitos a serem escravizados
pelos portugueses (EINSENBERG, 2000, p. 89-91), ou seja, o aldeamento serviria
como um modo de empregar, de forma metódica, a catequese e, acima de tudo, de
proteger os nativos da exploração dos lusitanos. Será que realmente protegeram?
Todavia, o diálogo estabelecido entre o superior da missão e o Governador
não avançou. O jesuíta não conseguiu convencê-lo da viabilidade da criação das

Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico


164 UNIDADE III

aldeias cristãs, tendo que amargar a espera até a chegada de Mem de Sá, em fins de
1557. Essa recusa do plano de catequização decorria da posição do Governador que
argumentava que o monarca português havia decretado que “nenhum índio fosse
coagido a fazer qualquer coisa contra sua própria vontade. A ideia de forçar os nati-
vos a se mudarem para os novos povoados (aldeias) seria contrária à vontade real”
(EINSENBERG, 2000, p. 93). Dessa maneira, a reforma das missões jesuíticas só pôde
ser executada com a chegada do terceiro Governador Geral da colônia, Mem de Sá.
O plano apresentado ao novo Governador teria como elemento primordial
à intervenção da autoridade secular do Estado e isso se fez necessário devido

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à elaboração de uma justificativa política que legitimasse a reforma das mis-
sões sugeridas por Manuel da Nóbrega. Perante essa condição, o jesuíta buscou
fundamentar sua proposta explicando o caráter emergencial do projeto que se
baseava na junção de tribos nativas sob a direção dos jesuítas. Para isso, o ina-
ciano redigiu uma longa carta, em 08 de maio de 1558, da capitania da Bahia ao
padre Miguel de Torres em Lisboa, nela ele pontuou:
Primeiramente o gentio se deve sujeitar e fazê-lo viver como criaturas
que são racionais, fazendo-lhe guardar a lei natural, como mais larga-
mente já apontei a Dom Leão o ano passado. [...] E são tão crueis e bes-
tiais, que assim matam aos que nunca lhes fizeram mal, clérigos, frades,
mulheres de tal parecer, que os brutos animais se contentariam delas
e lhes não fariam mal. Mas são estes tão carniceiros de corpos huma-
nos, que sem excepção de pessoas, a todos matam e comem, e nenhum
benefício os inclina nem abstém de seus maus costumes, antes parece
e se vê por experiência, que se ensoberbecem e fazem piores com afa-
gos e bom tratamento. Este gentio é de qualidade que não se quer por
bem, senão por temor e sujeição, como se tem experimentado; e por
isso se S.A. os quer ver todos convertidos mande-os sujeitar e deve fa-
zer estender os cristãos pola terra adentro e repartir-lhes o serviço dos
Índios àqueles que os ajudarem a conquistar e senhorear, como se faz
em outras partes de terras novas, e não sei como se sofre a geração por-
tuguesa, que antre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar
por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste
gentio do mundo. [...] Depois desta Baía senhoreada, será fácil cousa
sujeitar as outras Capitanias porque sómente os estrondos que lá fez a
guerra passada os fez muito medrosos e aos cristãos deu grande ânimo
[...] Desta maneira cessará a boca infernal de comer a tantos cristãos
quantos se perdem em barcos e navios por toda a costa; os quais todos
são comidos dos Índios [...] (LEITE, 1957, p. 447-449).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


165

É importante compreen-
der que, para justificar a
necessidade da reforma das
missões, com a criação dos
aldeamentos, o jesuíta nesse
relato inicia suas observações
enfatizando as característi-
cas “bestiais” dos nativos
da colônia. Para ele, a única
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maneira eficaz para extermi-


nar os maus costumes dos
Figura 35: Redução Guarani
indígenas era por meio de Fonte: Wikimedia Commons.
uma vigilância efetiva. Esses
costumes gentílicos, segundo o padre, além de comprometer a obra catequé-
tica, prejudicavam o relacionamento entre os índios e os portugueses, visto que
os homens da terra atacavam e comiam os lusitanos sem motivo algum. Esse
perfil do gentio reforçava a ideia de que ele precisava ficar submisso aos padres
da Companhia, para que pudessem compreender o sentido real dos preceitos
da Igreja. Além disso, propunha que a submissão gentílica deveria se iniciar na
capitania da Bahia e, posteriormente, se propagar pelo restante do território,
assegurando a evangelização dos naturais da terra e a paz na colônia.
Estabelecidos nos aldeamentos, os nativos ficavam sob a obediência dos jesu-
ítas, que conduziam o seu novo modo de vida. Nas aldeias cristãs, os indígenas
eram forçados a viver de acordo com as regras impostas pelos padres, os quais
determinaram a proibição de antigos costumes, como o da caça e da pesca em
favorecimento à agricultura, algo que serviu também para limitar o caráter nômade
próprio ao gentio. Além disso, determinavam o tempo ocupado nas festivida-
des, nas práticas escolares e, principalmente na catequese, ou seja, o cotidiano
do nativo mudaria completamente a partir do momento que ele se integrasse à
aldeia cristã. Isso sem contar que seus costumes eram totalmente inaceitáveis e
duramente castigados, caso os cometessem. Essas restrições ficam expostas na
carta escrita por Manuel da Nóbrega, em 08 de maio de 1558, o qual resumia as
condições impostas ao gentio.

Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico


166 UNIDADE III

A lei, que lhes hão-de dar, é defender-lhes comer carne humana e guer-
rear sem licença do Governador; fazer-lhes ter uma só mulher, vesti-
rem-se pois têm muito algodão, ao menos depois de cristãos, tirar-lhes
os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos: fazê-
los viver quietos sem se mudarem para outra parte, se não for para
antre cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem, e com estes
Padres da Companhia para os doutrinaram (LEITE, 1957, p. 450).

Destarte, houve a necessidade de se pensar na introdução de um corpo de leis


que direcionasse os atos dos indígenas, aplicando o que seria lícito e permissível
e punindo aquilo que seria proibido. Segundo Neves (1978), os inacianos bus-

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caram juntamente à Coroa portuguesa uma jurisdição que tratasse dos assuntos
relacionados aos naturais da terra. Foi nesse contexto que se cogitou uma maneira
de inserir os nativos no corpo de leis da sociedade portuguesa. Na verdade, “ten-
tou dar ao indígena um estatuto jurídico igual ao dos cristãos” (NEVES, 1978
p.121). Porém o máximo que se conseguiu naquele momento foi uma legislação
peculiar diferente da justiça que era aplicada no restante da colônia.

No plano físico as aldeias eram organizadas seguindo padrões “mestiços”,


híbridos, de disposição dialogal. Viviam nas aldeias índios de etnias e gru-
pos diversos que concorriam para as mesmas de formas variadas: resgates,
descimentos, consentimento, pacificação, etc., e os missionários. Seu intuito
era facilitar a introdução indígena na sociedade civil convertendo os mais
velhos e alfabetizando as crianças, bem como garantir acesso à sua mão de
obra para os jesuítas e colonos. Os jesuítas nunca foram contrários ao tra-
balho indígena, e muito menos, à sua inserção no mundo colonial. O que
eles não sustentavam era a servidão natural dos mesmos e sua escravização,
salvo por motivo de “guerra justa”. Pela legislação, o aldeamento garantia a
liberdade indígena, no entanto, nesse ambiente, os indígenas foram força-
dos a adaptar-se a novos elementos culturais, sofrendo interferência religio-
sa e moral.
Fonte: Aldeamento (online).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


167

No que diz respeito às penalidades empregadas nos aldeamentos, segundo


Neves (1978), as mais conhecidas eram o tronco e os açoites. De maior gravi-
dade seriam as mutilações. Penas como prisão ou mesmo o confinamento não
estavam inclusas entre as aplicáveis nas aldeias. Com relação às penas públi-
cas, como o tronco e os açoites, é interessante destacar que os membros da
Companhia compreendiam que esse método de correção utilizado nas infra-
ções cometidas pelos indígenas não era utilizado somente para castigar o corpo,
mas sim para atingir a alma do pecador por meio da dor. Os padres acredi-
tavam que “a dor do corpo afastava o demônio, exorcizando e purificando o
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espírito” (NEVES, 1978, p. 122).


Caro(a) aluno(a), dentre os delitos cometidos pelos indígenas nos
aldeamentos, podemos destacar com maior incidência: a antropofagia, a
embriaguez, o adultério, o roubo e a ausência ao trabalho, à escola ou à
missa. Também ficavam proibidos de guerrear contra os portugueses, de
realizar migrações, de andarem sem vestimentas e de se consultarem com
os pajés. Essas punições eram aplicadas com veemência aos indígenas que
infringissem as regras, algo que aparece na correspondência da Bahia em
12 de setembro de 1558:
Continuou a castigar os delinqüentes com muita prudência e tem-
perança, de maneira que edificasse e não destruísse e foi causa de
todos se sujeitarem á lei e jugo [...] de maneira que todos tremem
de medo do Governador, o qual, ainda que não baste para a vida
eterna, bastará para podermos com elle edificar, e serve-nos de an-
daimos, até que se forme bem nelles Christo, e a caridade que Nosso
Senhor dará lhe fará botar o temor humano para que fique edifício
fixo e firme. Este temor os faz hábeis para poderem ouvir a palavra
de Deus; [...] seus costumes se vão esquecendo e mudando-se em
outros bons, e, procedendo desta maneira, ao menos a gente mais
nova que agora ha e delles proceder, ficará uma boa christandade
(NAVARRO, 1988, p. 229-230).

Interessante mencionar que a correspondência inaciana reproduzida acima, ao


mesmo tempo em que retrata as punições empregadas aos nativos que deso-
bedecessem as regras do aldeamento, demonstra os avanços que os jesuítas

Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico


168 UNIDADE III

estavam alcançando com esse novo método coercitivo de catequização, pau-


tado no medo, na ameaça e, sobretudo, na punição. A carta segue retratando
as vantagens e conquistas que a aldeia cristã estava proporcionando aos nati-
vos, os quais estavam, de fato, abandonando seus antigos costumes e abraçando
os preceitos da Igreja. No relato, o autor descreveu o trabalho realizado com
os filhos dos indígenas que mostravam grande interesse na escrita, na leitura
e nos ensinamentos da palavra de Deus mostrando-se hábeis discípulos dos
padres. Além disso, descreve os avanços com alguns moços que aprenderam
a tecelagem e, assim, ao invés de se lançarem às guerras intertribais, agora,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dedicavam-se à fabricação de suas próprias vestimentas. Estas oriundas de
suas plantações de algodão, ou seja, revelava os pontos positivos da aldeia sob
a direção dos servos de Deus.
Com relação aos aldeamentos, Boxer (2002) observou que as aldeias cris-
tãs se localizavam próximas as cidades e vilas coloniais, visto que os jesuítas
eram obrigados a ceder os gentílicos para realizar tarefas manuais para os
portugueses, sob algumas condições. Entretanto, os servos de Deus lutavam
para restringir esse contato, pois a proximidade entre índios e colonizadores
comprometia toda obra evangelizadora. Em razão disso, buscavam proteger
os negros da terra da má influência dos lusitanos, não ensinando a língua
portuguesa aos gentios, e se empenhavam no aprendizado da língua geral
(BOXER, 2002, p. 108).
Os aldeamentos não surtiram os efeitos almejados pelos servos de Deus
no que se refere ao abastecimento de mão de obra aos colonizadores. Os
padres não conseguiram oferecer a quantidade de trabalhadores nativos que
os portugueses almejavam. Essa limitação do acesso aos indígenas irritou
os colonos que já se viam prejudicados com a extinção das tribos em favo-
recimento da constituição dos aldeamentos. Conforme Monteiro (1994), os
lusitanos desejavam negociar diretamente com os naturais da terra, porém
os jesuítas sempre se manifestaram como interlocutores, prejudicando as
negociações.

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


169

Somado ao fato de terem que renunciar à sua própria cultura em fa-


vor dos preceitos da Igreja, os naturais da terra ainda foram vítimas da
propagação de doenças nos aldeamentos. Os surtos epidêmicos foram
encarados pelos jesuítas como resultados da ira divina. Para eles, as
doenças seriam uma forma de Deus punir os homens pelos pecados
cometidos pelos indígenas. “Na Bahia, cenário privilegiado da peste, a
varíola chegou pelo mar, embarcada num navio lisboeta que lá chegou
em 1562. Em três ou quatro meses extinguiu cerca de 30 mil índios,
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sobretudo os escravos e os reduzidos na missão. No transcurso das


décadas seguintes, romperam novos surtos epidêmicos, de modo que
os 40 mil índios cristãos contabilizados pelos jesuítas em 1564 mal pas-
saram de 10 mil em 1585 [...] A própria epidemia variólica espalhou-se
por toda a costa, de Pernambuco a São Vicente, passando por Ilhéus,
Espírito Santo, o planalto de Piratininga, e até os sertões que confinaram
com os núcleos coloniais”.
Fonte: Vainfas (1995, p. 49).

A ESCRAVIDÃO INDÍGENA

Prezado(a) acadêmico(a), o aumento da atividade econômica colonial exigiu


uma demanda maior de trabalhadores. Todavia, a necessidade de mão de obra
e o caráter dos naturais da terra que não se viam motivados a encararem duras
horas de labuta na agricultura fizeram com que os colonizadores intensificas-
sem os métodos de exploração ao gentio. Nesse sentido, buscaram inúmeros
modos para efetuarem o aprisionamento dos índios, sendo os “saltos” às tribos
o recurso mais utilizado para a captura. Desse modo, ocorreu a transformação
nas relações, até então amistosas, e a escravização dos gentílicos começa a se
impor. Contudo, essa prática foi “interrompida” com a vinda dos membros da
Companhia de Jesus em 1549.

Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico


170 UNIDADE III

Nesse sentido, a chegada dos jesuítas não foi bem vista pelos colonizadores
que almejavam efetuar a exploração dos indígenas sem nenhum tipo de contes-
tação. Por meio das cartas jesuíticas, observamos uma postura contrária à prática
dos “saltos” comumente realizada pelos portugueses na Costa brasílica. Tal prá-
tica preocupava tanto os jesuítas quanto a Coroa portuguesa. Contudo, mesmo
com toda reprovação dos inacianos, essas ações se tornaram corriqueiras no lito-
ral brasileiro, tendo diminuído apenas com a criação dos aldeamentos, em que
os indígenas ficavam sob a tutela dos jesuítas.
No período entre 1540 a 1570, visualizamos o auge da exploração dos natu-

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rais da terra nos Engenhos
do litoral do Brasil, sobre-
tudo no recôncavo baiano.
Dados estatísticos apontam
que, em 1545, a capitania
de São Vicente, mais espe-
cificamente no sul dela,
computava seis engenhos,
contabilizando 3 mil escra-
vos, sendo que a maioria era
indígena. Notamos, também,
que, durante as décadas de
Figura 36: Jean baptiste debret - caçador escravos, por Jean-
1550 e 1560, os empreendi- Baptiste Debret
mentos dos produtores de Fonte: Wikimedia Commons.
açúcar conheceram uma rápida expansão e isso, logicamente, careceu de núme-
ros expressivos de cativos. Em 1570, Pernambuco possuía 23 engenhos e tantos
escravos índios que o excedente podia ser exportado para outras capitanias
(SCHWARTZ, 1988, p. 46).
Diante dessa realidade instaurada na colônia portuguesa, os membros da
Companhia de Jesus arquitetavam estratégias para evangelizar os índios que
estavam cativos nas fazendas dos Senhores de Engenho. Em carta, o padre José
de Anchieta reafirmava a devoção dos escravos gentios, pois, com a notícia da
chegada do padre, os escravos movimentavam as fazendas e procuravam ir
ao encontro do religioso para, assim, confessarem seus pecados. Outro ponto

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


171

importante que merece destaque nessa carta é o posicionamento dos proprie-


tários de escravos perante a labuta espiritual dos inacianos. Segundo o padre,
os colonizadores “comumente cada vez mais se embaraçam com diversos gene-
ros de impedimentos, com o que não podem, nem querem admitir o remedio
que se inclinam a dar-lhes os da Companhia, e assim recorrer a outros meios”
(ANCHIETA, 1988, p. 198-199). A doutrina ao gentio escravizado se propa-
gou, sobretudo nas localidades onde o desenvolvimento econômico se mostrou
mais intenso.
Segundo Schwartz (1988), mesmo que os senhores de engenho recebessem
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

os jesuítas em suas propriedades com hospitalidade, respeito e devoção, não viam


com bons olhos a presença inaciana em suas terras, pois os padres questiona-
vam os Senhores em tudo que achavam por direito (SCHWARTZ, 1988, p. 48).
Os jesuítas queriam ter conhecimento de como os colonos tratavam os negros
da terra, principalmente no que concerne à preservação dos dogmas da Igreja.

Muitos índios preferiam ser escravizados pelos Senhores de Engenho e, as-


sim, manterem a prática de seus costumes, pois compreendiam que residir
no aldeamento era o mesmo que renunciar a sua própria cultura.
Fonte: a autora.

Para compreerdemos as relações sociais que foram paulatinamente sendo forma-


das no universo colonial, precisa-se discutir o tipo do perfil dos colonizadores que
ocuparam as terras brasílicas. Os lusitanos que atravessavam o oceano e aporta-
vam no Novo Mundo ambicionavam, antes de qualquer coisa, manter um status
semelhante ou mesmo superior àquele que tinham em Portugal. Destarte, o fato
de possuir escravos, além de ser um ingrediente indispensável para se estabelecer
na colônia e desenvolver seus negócios, representava manter sua própria honra.
Assim, “o morador honrado era o que podia sustentar sua família sem desempe-
nhar qualquer trabalho, e tanto mais rico seria quanto mais escravos possuísse.

Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico


172 UNIDADE III

Honra e riquezas (fazendas) eram privilégios garantidos aos que ingressassem


na classe senhorial” (VAINFAS, 1986, p. 70).
Segundo Godinho (1971), na metade do século XVI, o Brasil contabilizava
cerca de 2 mil brancos e mais do dobro de cativos africanos, elevando-se para 30
mil brancos e 120 mil incluindo mestiços e índios em 1600 (GODINHO, 1971,
p. 46). Outros dados contemporâneos não oficiais, de acordo com Boxer (2002),
indicam que de 10 a 15 mil escravos negros desembarcaram nas terras tropicais,
sendo a esmagadora maioria desses indivíduos direcionada para Pernambuco e
Bahia, pois esses eram os principais núcleos de produção açucareira da colônia.

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O autor ainda destaca que “cada negro produzia oitenta arrobas de açúcar por
ano, numa produção total de 750 mil a 800 mil arrobas” (BOXER, 2002, p. 117).
Diante dessa intensa presença dos escravos africanos, que já estavam acostu-
mados com uma dura rotina de trabalho e, consequentemente, podiam oferecer
maiores rendimentos aos Senhores de Engenho, qual seria o motivo que levava
os portugueses a priorizarem a mão de obra dos escravos da terra?
Segundo Raminelli (1996), mesmo diante de todos os obstáculos enfren-
tados pelos colonizadores para conseguirem escravizar os indígenas, que iam
desde a dificuldade de capturar os nativos às proibições levantadas pelos filhos de
Loyola, (algo que se intensificou a partir de 1566 com os questionamentos sobre
a legalidade da escravidão indígena), os Senhores de Engenho não queriam abrir
mão da exploração dos naturais da terra, pois não tencionavam gastar seus ren-
dimentos com a compra de escravos da Guiné (RAMINELLI, 1996, p. 15). Visto
que, para adquirir escravos negros, era necessário possuir bons rendimentos.
Por outro lado, Schwartz (1988) afirma que os senhores de engenho ainda
não possuíam capital disponível “para suprir inteiramente suas necessidades por
meio do dispendioso tráfico atlântico de escravos africanos, e, portanto, depen-
diam de trabalhadores indígenas” (SCHWARTZ, 1988, p. 46). Assim, os colonos
continuavam a sujeitar os índios para suprir a demanda de mão de obra que a pro-
dução açucareira requisitava e em menor medida utilizavam os escravos negros.
Com o crescimento das restrições ao acesso à mão de obra indígena e com a
imprudência, segundo os jesuítas, dos colonizadores que escravizavam os índios
por vias ilícitas, criou-se a necessidade de rediscutir sob quais condições os gen-
tios poderiam ser escravizados sem ofender os princípios cristãos, visto que,

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


173

antes de tudo, os motivos para sujeitar os índios deveriam ser cristãos, tendo a
guerra um caráter virtuoso (JOHNSON, 1998).
Nesse embate, a escravidão indígena tornar-se-ia permissível mediante a
declaração de “guerra justa”. Esta poderia ser declarada se os índios convertidos
ao catolicismo fossem flagrados na prática de seus antigos costumes (princi-
palmente em atos antropofágicos), se houvesse interferência negativa de pajés
e caraíbas na catequização ou, ainda, se ocorressem levantes indígenas contra
vilas e cidades portuguesas (HANSEN, 1998, p. 347-373). Nessas condições, a
guerra seria justa e a escravidão dos naturais da terra era legal, ou seja, a “guerra
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justa” era o método mais ríspido de evangelização utilizado pelos jesuítas, visto
que, se o índio, mesmo evangelizado, fosse flagrado praticando seus repudiá-
veis costumes, ele poderia ser escravizado pelos colonos. Dessa forma, renunciar
a própria cultura significava assegurar, na maioria das vezes, a sua liberdade.
Porém, ao logo da administração de Mem de Sá, os portugueses intensificaram
a exploração ao gentio, desrespeitando comumente os critérios que validavam
a servidão indígena.
Desse modo, os membros da Companhia de Jesus procuraram a ajuda da
Coroa portuguesa para discutirem acerca da escravização dos gentílicos e essa
atitude resultou na convocação de uma Junta antes mesmo do dia 24 de agosto de
1566. Essa Junta foi integrada por Mem de Sá, pelo Bispo D. Pedro Leitão, pelo
Ouvidor Brás Fragoso e pelo Provincial da Companhia de Jesus, Luis da Grã,
que tratou fundamentalmente dos resgates dos nativos. Segundo as resoluções
da primeira Junta, os resgates somente poderiam ocorrer em “extrema necessi-
dade”. Esse termo foi substituído, na segunda junta, por “grande necessidade”,
favorecendo, assim, os colonizadores que interpretavam “grande necessidade”
de acordo com os seus próprios interesses econômicos (WETZEL, 1972, p. 210).
As resoluções da Junta na Bahia ecoaram em Lisboa e, em 20 de março de
1570, o Rei D. Sebastião promulgou a primeira Lei de “liberdade” indígena. Essa
lei “foi feita precisamente para atalhar os abusos contra os índios e proibir os
cativeiros chamados ilícitos. Proibi-se, em princípio, a escravização, contudo o
cativeiro acaba sendo aceito e regulamentado na prática” (BEOZZO, 1983, p. 16).
Na verdade, a lei proibiria a escravidão dos nativos, mas, por outro lado,
criaria brechas para que, na prática, acontecesse por meio das vias legais, assim

Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico


174 UNIDADE III

como estava implícito nas determinações da Junta em 1566. Para melhor com-
preendermos as implicações dessa lei promulgada em 1570, transcreveremos
um excerto dela:
Defendo e mando que daqui em diante se não use nas ditas partes do
Brasil dos modos que se até ora usou em fazer cativos os ditos gentios,
nem se possam cativar por modo nem maneira alguma, salvo aqueles
que forem tomados em guerra justa que os Portugueses fizerem aos
ditos gentios, com autoridade e licença minha, ou do meu Governador
das ditas partes, ou aqueles que costumam saltear os Portugueses das
ditas partes, e a outros gentios para os comerem [...]. E as pessoas que

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pelas ditas maneiras lícitas cativarem os ditos gentios serão obrigadas
dentro de dois meses primeiros seguintes, que se começaram do tem-
po em que os cativarem, fazerem escrever os ditos gentios cativos nos
livros das Provedorias das ditas partes para se poder ver e saber quais
são os que licitamente foram cativos. E não o cumprindo assim no dito
tempo de dois meses: Hei por bem que percam a ação dos ditos cativos
e senhorio. E os gentios que por qualquer outro modo e maneira forem
cativos nas ditas partes declaro por livres [...] (MALHEIROS, 1976, p.
173 apud BEOZZO, 1983, p. 16).

Segundo Beozzo (1983), essa lei foi um exemplo evidente de uma lacuna criada
para se legitimar a escravidão dos indígenas. Por outro lado, Wetzel (1972, p. 214)
afirma que foi a primeira lei em favor da liberdade dos índios e que causou gran-
des lamentações por parte dos colonizadores. O fato é que a lei almejava definir
com exatidão sob quais condições o índio poderia ser escravizado, isto é, só por
meio das “guerras justas”. Além disso, procurou contabilizar, por meio das ins-
crições nos livros das Provedorias, a quantidade de escravos que estivessem em
cativeiro, a sua origem e, o mais importante, quem seriam seus proprietários.
Essa lei reconhece a existência de escravos cativos de forma ilícita nos trópicos,
no entanto, o permite, salvo duas exceções.
Reconhecendo a lei que se cativava o gentio por modos ilícitos, proibiu
que de então em diante se pudesse cativar por modo nem maneira al-
guma; exceto: 1.° aqueles que fossem aprisionados em guerra justa, fei-
ta com licença Régia, ou do Governador; 2.°, aqueles que costumavam
saltear os colonos ou outros índios para os devorarem (MALHEIRO,
1867, p. 24).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


175

Contudo, mesmo com essas permissões, os colonizadores portugueses se viram


prejudicados, argumentando que havia uma grande necessidade de trabalhado-
res para suprir a demanda de seus negócios. Diante de tanta pressão sofrida pelos
colonos lusitanos, a Coroa decide por revogar a lei de 1570, emitindo uma nova
Carta Régia em 1573, um ano após a morte do Governador Mem de Sá (1557-
1572). Por essa lei parecer o antigo sistema de resgates, seria restabelecida para
facilitar ainda mais o comércio de escravos no interior da colônia.
Nesse contexto, na busca por remediar os danos sofridos pelos gentílicos e
atendendo às solicitações dos membros da Companhia de Jesus que denunciavam
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a existência de cativeiros ilícitos, a Coroa, a partir de 1570 e durante o restante


do século, emite leis, cartas régias e provisões que assegurassem a liberdade do
índio. Contudo, quando eram colocadas em prática, os lusitanos reclamavam à
metrópole a necessidade de braços para suas “fazendas” e isso levava ao afrou-
xamento do cumprimento dessas leis e à reformulação delas, ora atendendo às
reclamações dos jesuítas, ora dos colonizadores. Isso evidenciava a fragilidade
dessa legislação e demonstra como ela foi marcada por proibições e permissões
da escravidão dos nativos.
A Coroa não tinha condições de proibir a escravidão dos ameríndios de fato,
visto as reclamações dos colonos, mas também não poderia permitir por todas as
vias, em razão da postura dos jesuítas que manifestaram seu descontentamento
diante dos recorrentes casos de escravidão injusta.
Desse modo, a Coroa portuguesa proibia a escravidão dos nativos, porém não
conseguia assegurar que a lei fosse realmente cumprida. Todavia, a morosidade
da Coroa Portuguesa em atender às solicitações da Companhia de Jesus gerava
um atrito entre os padres e colonos portugueses, sendo que eles eram impres-
cindíveis para o avanço da colonização do Novo Mundo. Para a Coroa, o fato
de salvar os naturais da terra estava diretamente ligado ao sucesso nos negócios
comerciais, ou seja, catequizar e colonizar seriam dois aspectos de um mesmo pro-
jeto. Entretanto, esses projetos entrariam em conflito diante do desenvolvimento
econômico encabeçado pelos Senhores de Engenho, pois resultou na intensifica-
ção da exploração gentílica por vias ilícitas, algo que os jesuítas não aceitavam.

Colonizadores e Soldados de Cristo: Embates em Torno da Escravidão do Gentio Brasílico


176 UNIDADE III

Nesse sentido, prezado(a) acadêmico(a), os jesuítas reconheciam a escravi-


dão dos indígenas se ela fosse produto das guerras justas, que, além de terem sido
utilizadas como um mecanismo coercitivo de conversão do gentio, ofereciam o
aprisionamento legal daqueles índios que ameaçassem a paz com seus levantes
em vilas e cidades da Costa brasileira. Sob essas condições, a escravidão seria jus-
tificável e permitida, sendo utilizada para atalhar os abusos dos indígenas. Fora
dessas condições, ela deveria ser proibida e combatida. Desse modo, após 1570
e até mesmo durante o século seguinte, os inacianos bem que tentaram sanar a
existência de cativeiros ilícitos, mas não conseguiram repreender tais práticas.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Assim, só em meados do século XVIII com as resoluções do Marques de Pombal
que a escravidão indígena foi legalmente proibida no Brasil.

Dentre os muitos inimigos que a Companhia de Jesus teve ao longo dos três
primeiros séculos de sua experiência em Portugal, o Marquês de Pombal foi
o mais implacável, chegando a ponto de conseguir sua expulsão, primei-
ro, em 1759, dos territórios portugueses; depois, em 1773, por ordem do
papa Clemente XIV, de toda a cristandade. [...] O fato é que Pombal elegeu a
Companhia de Jesus como sua maior inimiga e iniciou, já no começo de seu
governo, uma vasta propaganda contra seus padres. O auge dessa propa-
ganda foi a publicação da obra Deducção Chonologica e Analytica, de 1767-8,
na qual, em cinco volumes, Pombal procurou desmoralizar completamente
os padres da Companhia de Jesus, denunciando-os como os verdadeiros
culpados pelo atraso econômico e intelectual de Portugal. A obra, escrita
depois da expulsão dos jesuítas de Portugal e que serviu como um dos ins-
trumentos para a sua eliminação de todo o espaço cristão em 1773 teve
ampla distribuição e foi de leitura obrigatória.
Para consultar o documento de expulsão dos jesuítas na íntegra, acesse o
site disponível em: <http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/
cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=279&sid=41>. Acesso em: 23 maio 2015.
Fonte: Costa (2011, p. 74-75).

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


177

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caríssimo(a) acadêmico(a), concluímos mais uma etapa de nosso estudo acerca


do Brasil Colonial e espero que estejam compreendendo todas as temáticas que
estão sendo apresentadas paulatinamente. Nesta unidade, buscamos apresentar
os principais pontos da obra catequética da Companhia de Jesus nos trópicos
portugueses e os embates firmados com os colonizadores sobre a escravização
dos naturais da terra.
A labuta dos membros da Companhia de Jesus na colônia portuguesa ini-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ciou-se em 1549 e sua presença justificava-se, sobretudo, pela necessidade da


expansão dos preceitos da Igreja em tempos de ameaça protestante e pela urgência
na catequização do gentio. Todavia, ao chegar aos trópicos, os jesuítas encon-
traram um mundo no qual a força de trabalho do nativo era explorada pelos
colonizadores portugueses.
Durante os primeiros anos de atuação no Novo Mundo, os inacianos pude-
ram perceber que havia uma série de obstáculos à conversão dos indígenas.
Além de seus costumes tidos como pecaminosos, sobretudo no que concerne
à poligamia e às práticas antropofágicas, os nativos, ainda, sofreram com a
má influência dos portugueses e com seus frequentes abusos. Essa situação
emblemática pode ser observada na correspondência inaciana do período que
também apresenta os métodos utilizados na conversão do gentio, pautadas,
inicialmente, pela via amorosa, em que o diálogo e as visitas às tribos eram
frequentes, e, posteriormente, por métodos coercitivos, por meio dos aldea-
mentos e da “guerra justa”.
É importante mencionar que, a princípio, o trabalho do índio era obtido pelo
escambo e pelo “resgate” dos prisioneiros das guerras intertribais. Contudo, na
medida em que a colonização sistemática avançava, a partir do estabelecimento
do sistema de Capitanias Hereditárias e da doação de sesmarias, o escambo não
conseguiu suprir a necessidade de trabalho dos colonizadores. A agricultura e
a produção açucareira exigiam um trabalho sistemático que o índio desconhe-
cia e que não estava disposto a “aprender”. Desse modo, o trabalho coercitivo e,
em seu limite, a escravidão passaram a predominar nas relações entre coloni-
zadores e nativos.

Considerações Finais
178 UNIDADE III

Se, por um lado, os homens da Companhia buscavam salvar as almas do


gentio por meio da imposição da fé cristã, os colonizadores, em contrapartida,
eram movidos pela busca do lucro que a produção colonial possibilitava. Sendo
assim, o choque era inevitável. Os jesuítas tentaram defender os indígenas, mas
não conseguiram lutar contra a máquina mercantil que necessitava de trabalha-
dores. Nesse sentido, a Coroa de Portugal não tinha condições de proibir toda
e qualquer sujeição do gentio, mas também não poderia ficar alheia às reclama-
ções dos inacianos. Tal situação agravava ainda mais os atritos entre religiosos e
portugueses, os dois grupos eram indispensáveis para o sucesso do projeto colo-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nizador português nas terras brasílicas.
Desse modo, os jesuítas aceitavam como legítima a escravidão que resul-
tasse da “guerra justa”, isto é, guerra movida contra os índios que recusassem se
converter ao cristianismo ou, então, que atacassem os portugueses. Entretanto,
observamos que, mesmo com a pressão dos jesuítas, a Coroa portuguesa não
conseguiu assegurar de fato a proibição da escravização dos naturais da terra por
vias ilícitas, algo que permaneceu frequente nos trópicos até meados do século
XVIII. Assim, após concluirmos essa importante etapa de nossa análise, prosse-
guiremos com os avanços da colonização portuguesa além da Costa brasileira
e, consequentemente, com uma nova organização econômica, política e social
que será estruturada no âmbito da região mineira.
Encontro você na próxima unidade. Até lá!

EM NOME DE DEUS E DO ESTADO: A LABUTA DA COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA PORTUGUESA


179

1. Após a leitura cuidadosa desta unidade, elabore um texto dissertativo desta-


cando as principais dificuldades enfrentadas pelos jesuítas na evangeliza-
ção dos indígenas na América portuguesa.
2. De acordo com a discussão no tópico “Uma terra permeada por conflitos”, expli-
que porque as guerras intertribais eram tão combatidas pelos membros da
Companhia de Jesus.
3. Leia atentamente as afirmações abaixo e assinale a alternativa verdadeira:
a. Os jesuítas desembarcaram nos trópicos portugueses em 1549 e presen-
ciaram uma terra permeada por conflitos intertribais. Todavia, com a con-
tribuição dos colonos portugueses, paulatinamente, esses conflitos foram
remediados.
b. Os “saltos” eram incursões às aldeias gentílicas organizadas pelos membros
da Companhia de Jesus, em favor da evangelização dos naturais da terra.
c. Os aldeamentos foram uma forma encontrada pelos jesuítas de sistemati-
zar a catequese. Nessas grandes aldeias cristãs, os índios eram forçados a
abandonarem seus costumes em favor da conduta cristã europeia.
d. A escravização do gentio era permitida pelos membros da Companhia de
Jesus devido à escassez de mão de obra que a colônia portuguesa possuía
durante o século XVI no âmbito do crescimento da indústria açucareira.
e. Os jesuítas, após travarem uma árdua batalha contra os abusos cometi-
dos pelos colonizadores, conseguiram assegurar, junto com o apoio da
Coroa lusa, que a sujeição do gentio fosse permitida apenas perante as
“guerras justas”.
4. Trabalhando com documentos:
Caríssimo(a) aluno(a), esta atividade é de suma relevância para a formação pro-
fissional de vocês, pois é por meio dos documentos históricos que podemos fa-
zer uma compreensão dos fatos que ocorreram em um dado momento.
O extrato documental que apresentaremos a seguir é uma carta jesuítica es-
crita pelo padre José de Anchieta, da capitania de São Vicente, em 08 de ja-
neiro de 1565, direcionada ao Supervisor Geral Diogo Lainez. Nesse âmbito,
descreve Anchieta:
A principal destas doenças hão sido varíolas, as quais ainda brandas e com as costu-
madas que não têm perigo e facilmente saram; mas ha outras que é cousa terrível:
cobre-se todo o corpo dos pés á cabeça de uma lepra mortal que parece couro de
cação e ocupa logo a garganta por dentro e a língua de maneira que com muita
dificuldade se podem confessar e em três, quatro dias morrem; outros que vivem, mas
fedendo-se todos e quebra-se-lhes a carne pedaço a pedaço com tanta podridão de
materia, que sai deles um terrível fedor, de maneira que acodem-lhe as moscas como
á carne morta e apodrecia sôbre eles e lhe põem gusanos que se não lhes socorressem,
vivos os comeriam. [...] Assas de trabalho e ocupação tive ali, como sempre, acudindo a
todos, sangrando dez, doze cada dia, que esta é a melhor medicina que achamos para
aquela enfermidade, e era necessário correr suas casas cada dia uma ou mais vezes, a
buscar deles que, ainda que passeis por suas casas, se não a revolveis toda e perguntais
por cada pessoa em particular, não vos hão de dizer que estão enfermos (ANCHIETA,
1988, p. 248-249).

Por meio do estudo desta unidade e com uma análise minuciosa do trecho
documental acima, elabore um texto dissertativo levando em consideração:
a. O trabalho catequético dos jesuítas.
b. A localização do relato.
c. O contato entre brancos e índios e suas implicações.
d. A postura do padre José de Anchieta.
181

NÃO EXISTE PECADO DO LADO DE BAIXO DO EQUADOR

Brasil, terra de pecados, que muitos cro- Nessas polêmicas cotidianas é possível
nistas e historiadores associaram, em tom flagrar, sem dúvida, a evidência de que
moralista, à libertinagem sexual e à ausên- os portugueses viviam mesmo entre as
cia quase completa de religião. Afinal nosso índias, dando-lhes qualquer coisa em
clero aqui sempre foi escasso, a Igreja desor- troca, um espelhinho, um pano, um mimo.
ganizada e muitos padres mal ligavam para Mas é possível flagrar algum escrúpulo e
seu ofício espiritual. Padres mal prepara- o medo que todos tinham do inferno. Só
dos e poucos, com exceção quase solitária o fato de discutirem muito esse assunto,
dos jesuítas, vale insistir, que Gilberto Freyre como era o caso, já dá mostra de quanto
chamou, com bom humor, de “donzelões Deus e o Diabo impregnavam o cotidiano
intransigentes” – incansáveis no propósito desses homens [...].
de propagar a fé e moralizar os costumes [...].
O mais significativo, porém, é que quase
Mas teria sido assim mesmo? Corria solto o todos que diziam não haver pecado tão
pecado sem o menor vestígio de religião? grave assim na tal fornicação alega-
Outro exagero é o que nos mostram os vam que só fornicavam com índias, pois
documentos da Inquisição que, por volta de eram elas “mulheres públicas”, mulheres
1591, mandou um visitador do Santo Ofício de má vida, prostitutas. Se fossem vir-
ao Brasil para averiguar a quantas andava a gens – diziam - , com mulheres casadas
fé e o comportamento dos colonos. O que ou, principalmente, com mulheres bran-
tais documentos revelam antes de tudo, é cas, aí sim o pecado era grave. Machismo
o sentimento de culpa que atormentava e racismo, com algum verniz de mora-
– ou podia atormentar – os próprios portu- lismo cristão, eis o que se pode extrair,
gueses, sabedores do quanto pecavam na em doses variadas, dessas conversas mas-
terra, sobretudo com as índias. Mas como é culinas no primeiro século do Brasil [...].
possível saber o que se passava na consci- Religião e sexo andaram juntos, pois,
ência daqueles portugueses há quinhentos durante muito tempo no Brasil colonial.
anos? A resposta está num tipo de denúncia Não é só neste caso de fornicários que
que a Inquisição recolheu, naquele tempo, encontramos a prova disso. Os documen-
contra os que dizem que fornicar não era tos da Inquisição nos revelam inúmeras
pecado: muitos colonos acusavam os que outras situações semelhantes, uma vez
diziam, sobretudo em conversas masculi- que o Santo Ofício estava mesmo empe-
nas nas tavernas, engenhos e vilas, regados nhado em policiar os costumes da
a vinho, que fornicar não era pecado. Nar- população colonial. Entre denúncias e
rando suas aventuras sexuais, muitos riam, confissões há casos interessantíssimos
enquanto alguns polemizavam, dizendo de mistura entre as coisas da fé e as pul-
que fornicar era pecado sim, e pecado mor- sões do desejo.
tal que condenava ao inferno.
O certo, porém, é que o pecado no Brasil castigos do céu e da terra. De mais a mais,
colônia não corria livre como muitos pen- era tudo muito exposto naquele tempo,
sam. Os jesuítas estavam sempre a reprovar pois os espaços das casas não eram cla-
os excessos. Os inquisidores a perseguir os ramente definidos e, quando o eram, nas
mais afoitos. E todos, a bem dizer, viviam casas-grandes, por exemplo, mal havia por-
mais ou menos atormentados, temendo os tas separando cômodos.
Fonte: Vainfas (2013, p. 271-275).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Casa-grande & Senzala: formação da família brasileira


sob o regime da economia patriarcal
Gilberto Freyre
Editora: Global
Sinopse: Leitura indispensável para a compreensão da estrutura
política, econômica e social que estava sendo formada no
Brasil colônia. O livro de Freyre apresenta um panorama geral,
destacando as principais características da colonização portuguesa
nos trópicos, pautando-se na formação de uma sociedade agrária,
escravocrata e híbrida. Além disso, também analisa a formação
da família brasileira baseada nas relações estabelecidas entre
europeus, índios e escravos negros.

A Missão
Ano: 1986
Sinopse: Filme britânico dirigido por Rolland Joffé e escrito por Robert
Bolt. O filme retrata a saga de um mercador de escravos indígenas que
se viu arrependido pelo assassinato do irmão. Arrependido de seus
atos, o mercador resolve se converter jesuíta e residir no aldeamento
em Sete Povos das Missões, região que era disputada entre as Coroas
da Espanha e Portugal durante o século XVIII e que será palco das
“guerras guaraníticas”, onde se presenciou um verdadeiro massacre
contra os indígenas e os jesuítas.

Assista “Antes do Brasil, Cabo Frio, 1530”. Nesse breve documentário, é abordado o cotidiano nas
tribos indígenas antes do ritual antropofágico. Vale a pena!
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lIVU79GTsw4>. Acesso em: 21 maio 2015.

Material Complementar
Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima

IV
A CONSOLIDAÇÃO DA

UNIDADE
COLONIZAÇÃO LUSITANA
NOS TRÓPICOS

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender a importância da economia colonial além da indústria
açucareira.
■ Discutir a relevância dos bandeirantes no processo de interiorização
da colônia lusitana.
■ Analisar os impactos da descoberta do ouro na região das Minas
Gerais, bem como apresentar as principais mudanças ocorridas por
meio dessa atividade aurífera.
■ Entender os motivos que levaram à transferência da Corte lusa para
as terras brasílicas.
■ Observar as principais mudanças ocorridas no Brasil até sua
independência.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A Expansão Territorial da Colônia Lusitana
■ A Era de Ouro no Brasil Português
■ O Império Português no Brasil: da chegada das Cortes à
Independência
187

INTRODUÇÃO

Prezado(a) acadêmico(a), após a conclusão dos estudos relativos aos primeiros


passos da colonização das terras portuguesas na América, tanto no âmbito eco-
nômico como no âmbito religioso, estamos preparados para prosseguir com a
nossa análise acerca da consolidação desse mesmo projeto colonizador organi-
zado pela Coroa de Portugal. Desse modo, nesta unidade, partiremos de uma
análise sobre a relevância de outras atividades econômicas coloniais desenvolvi-
das, sobretudo a partir do século XVII, e finalizaremos nossas observações com
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

a transferência da Corte Real para o Brasil e suas implicações políticas, econômi-


cas e sociais. Assim, dividiremos nossos estudos em três grandes eixos temáticos,
visando facilitar a compreensão desse amplo processo.
Em um primeiro momento, apresentaremos as principais atividades econômi-
cas que foram relevantes para o processo de interiorização do território, mas que
também foram imprescindíveis para financiar o tráfico de escravos africanos para
a colônia. Concomitantemente, trataremos acerca das ações organizadas pelos ban-
deirantes rumo ao “sertão”, sobretudo motivados pela busca de ouro e captura de
indígenas para serem reduzidos à escravidão. Perceberemos que tais ações foram de
suma relevância para a descoberta de frutíferas jazidas auríferas na região das Gerais.
Dando prosseguimento em nossa abordagem, direcionamos nossa análise
para a Era de Ouro nas terras brasílicas ao longo do século XVIII. Esse momento
é fundamental para compreendermos uma série de transformações que ocor-
reram no cenário colonial, sob o prisma: econômico, administrativo, político e
social. Durante a intensa atividade mineradora, também presenciaremos uma
série de revoltas contra as imposições reais e a dinamização do espaço urbano.
Para finalizar nossa análise, faremos um apanhado geral com os principais
acontecimentos que estavam em curso na Europa, para compreendermos sua
influência na política portuguesa, visto que a transferência da Corte para o Brasil
estava intimamente ligada às relações lusas na esfera internacional. Também per-
ceberemos uma gama de mudanças econômicas e culturais que ocorreram com
a presença da Família Real no Brasil, visto que existia uma necessidade de pre-
parar um ambiente condizente com os anseios da Corte.
Pronto(a)? Vamos lá!

Introdução
188 UNIDADE IV

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A EXPANSÃO TERRITORIAL DA COLÔNIA LUSITANA

O BRASIL ALÉM DO AÇÚCAR

Caríssimo(a) acadêmico(a), estudamos na Unidade II que o açúcar foi o pro-


duto escolhido para ser o pilar da economia colonial brasileira, sobretudo no
Recôncavo Baiano e na capitania de Pernambuco, onde havia uma combina-
ção de fatores positivos que permitiam o crescimento da indústria açucareira.
Dentre esses elementos, podemos mencionar: clima propício, amplas áreas de
massapé (solo preferido para o cultivo de cana de açúcar), localização ade-
quada, devido à presença de grandes rios que possibilitavam um fornecimento
contínuo de água necessário para os Engenhos, locomoção fácil até o porto e
vastas florestas fornecedoras de lenha. Nesse sentido, a colônia só precisava
remediar os problemas relacionados ao capital e à mão de obra para os negó-
cios do açúcar.
Segundo Schwartz (2014), o capital para sustentar a indústria do açúcar foi
encontrado, inicialmente, na Europa, com investidores aristocráticos e mercan-
tes. Entretanto, a maioria das capitanias sofria com a insegurança decorrente dos
levantes indígenas contra vilas e propriedades rurais e, ainda, com os conflitos
internos entre donatários e colonos. Nesse âmbito, compreendemos a interfe-
rência Real em 1549 com a instauração do Governo Geral, que buscava remediar
os problemas no âmbito econômico, político, social e religioso. Nesse contexto,
pontua Schwartz (2014, p. 339-340):

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


189

A indústria açucareira brasileira, concentrada nas capitanias de Bahia


e Pernambuco, floresceu depois de 1570. Entre esse período e o meado
do século XVII, o açúcar brasileiro dominou o mercado europeu. Em
1570, havia sessenta engenhos em funcionamento no litoral, concen-
trando-se a maioria em Pernambuco (23) e na Bahia (18) [...]. Nos vin-
te anos seguintes, a predominância dessas duas capitanias acentuou-se
ainda mais, de tal maneira que, em 1585, quando a colônia tinha 120
engenhos, Pernambuco (66) e Bahia (36) respondiam por 85% do total
[...]. Em 1629, a colônia tinha 346 engenhos. O índice anual de cresci-
mento fora mais elevado em 1570 e 1585 [...].

Enfatizamos que o crescimento da indústria açucareira foi notável e não se


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

limitou apenas às capitanias da Bahia e Pernambuco, tampouco ao século


XVI. Acompanhamos que esse crescimento só foi possível com a introdu-
ção de braços negros no complexo açucareiro a partir de 1550 devido à ação
jesuítica nos trópicos. Os membros da Companhia de Jesus passaram a dificul-
tar o acesso à mão de obra nativa e travaram uma série de embates contra os
colonizadores portugueses no que tange a escravização dos naturais da terra.
Mesmo assim, os portugueses resistiram ao máximo à aquisição de escravos
oriundos da África. Dados estatísticos apontam que “em 1574, apenas 7% de
sua força de trabalho eram de africanos, mas, em 1591, o percentual era de
mais de 37%, e, em 1638, ela já era totalmente africana ou afro-brasileira”
(SCHWARTZ, 2014, p.365).
Nesse sentido, compreendemos a importância da indústria açucareira
no cenário colonial durante os séculos XVI e XVII e, em menor medida,
no XVIII. Além dos aspectos econômicos, precisamos entender que o com-
plexo açucareiro determinou uma estrutura social colonial, baseada no
eixo triplo: Senhores de Engenho, escravos negros e produção mercantil.
Todavia, caro(a) acadêmico(a), será que nosso Brasil português foi estrita-
mente movido pelo “doce amargo do açúcar”? Não teríamos outras culturas
subjacentes importantes nesse contexto econômico? Tais inquietações são
necessárias para desmistificarmos a ideia de uma colônia estritamente pau-
tada na produção açucareira mercantil.
Segundo Mendes (2011), a produção de açúcar estava, de fato, no centro do
sistema produtivo colonial e, devido aos grandes investimentos, poderia ser con-
siderada uma monocultura. Todavia, isso não significa afirmar que os trópicos

A Expansão Territorial da Colônia Lusitana


190 UNIDADE IV

viviam e dependiam exclusivamente da produção e consequente exportação do


açúcar. O autor destaca a relevância de outras culturas igualmente lucrativas,
“em escala considerável, como o algodão e o tabaco”. Além disso, dados levanta-
dos recentemente apontam que as terras brasílicas dispunham de uma produção
diversificada de suma relevância para o mercado interno, independente da pro-
dução açucareira.
Desse modo, precisamos compreender que “a grande propriedade e a
produção em larga escala não impediram, antes estimularam o surgimento e
garantiram a existência de propriedades de diferentes tamanhos, bem como de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
uma produção diversificada” (MENDES, 2011, p. 21). É importante destacar
que a análise desenvolvida por Mendes (2011) segue em contramão das refle-
xões encontradas na obra Formação do Brasil Contemporâneo, do historiador
Caio Prado Júnior, que considerava que a colônia lusitana havia se constitu-
ído exclusivamente para fornecer açúcar, algodão e, posteriormente, ouro para
o mercado europeu.
Um bom exemplo da existência de outras atividades econômicas relevan-
tes no espaço colonial foi o episódio registrado no início do século XVIII que
ficou conhecido como “lei da mandioca”. Por meio dessa determinação, tanto os
Senhores de Engenho quanto os pequenos lavradores de cana ficavam obriga-
dos a cultivar 500 covas de mandioca por escravo. Houve uma forte reação por
parte dos atingidos, sobretudo na capitania da Bahia, onde existia claramente
“três círculos de produção de farinha de mandioca”. Em Pernambuco, observa-
ram-se duas faixas consideráveis de produção, uma nas proximidades de Santo
Antão e a outra presente na região açucareira, nas freguesias de Serinhaem,
Muribeca e Cabo (SAMPAIO, 2014, p. 391). Além dessas localidades, o autor
destaca a relevância ainda maior da produção de mandioca na capitania do Rio
de Janeiro que possuía uma localização privilegiada que tornava o transporte
do produto mais barato.
Outro ponto importantíssimo levantado por Sampaio (2014) se refere à des-
tinação da farinha de mandioca produzida nas capitanias. Segundo o autor, boa
parte da produção era “destinada, na primeira metade do século XVII, ao tráfico de
escravos, fato ao qual a historiografia tem dado pouca atenção” (SAMPAIO, 2014,
p. 393). Essas informações podem ser encontradas nas observações realizadas

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


191

por Frei Vicente de Salvador (1982), em 1612, que destacou a exportação da fari-
nha de mandioca para os portos de Angola, na África. Desse modo, constata-se
que a produção de farinha de mandioca teve um papel relevante no que tange
ao “financiamento” do tráfico de escravos negros para o Brasil. Assim, pontua
Sampaio (2014, p. 394):
Em 1620, a Câmara determinou que aqueles que pretendessem le-
var a preciosa farinha para trocar por escravos em Angola deveriam
deixar fiança, comprometendo-se a trazer escravos para o Rio. Bus-
cava-se evitar, assim, que eles fossem vendidos no Nordeste, onde
alcançavam maior preço. Tais fatos apontam para a existência de um
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

circuito mercantil já consolidado, no qual a produção de alimentos


tornara-se responsável, em parte, pela própria reprodução do siste-
ma escravista.

A relevância da produção de mandioca na colônia é reforçada pelas considera-


ções realizadas por Alencastro (2000) que, além de mencionar a importância
do produto como objeto de troca por escravos negros, ainda destaca seu papel
alimentício nas embarcações destinadas ao tráfico negreiro intercontinental.
Navios de Lisboa embarcam mandioca no Brasil, em geral no Rio,
antes de rumar para os portos africanos. Exportando a produção
fluminense e vicentina, a baía de Guanabara enviava cerca de 680
toneladas anuais de farinha de mandioca para Angola na primeira
metade do século XVII. Entregue do outro lado do mar – numa
conjuntura em que os assentistas deportavam um número crescente
de escravos e aumentavam o consumo de gêneros alimentícios em
Luanda -, a farinha brasileira valia quatro vezes mais [...] Nos tum-
beiros, a mandioca constituía um componente importante da ali-
mentação dos marinheiros e dos africanos. Dava-se diariamente a
cada escravo, nas travessias seiscentistas, 1,8 litro de mandioca, um
quinto de litro de feijão ou milho, farinha feita de emba (o coqui-
nho da palmeira-dendê), peixe seco e salgado, carne de boi [...]. A
medida de 1,8 litros de mandioca por pessoa/dia é também obser-
vada no mantimento dos índios remadores da Amazônia seiscentis-
ta. Muito provavelmente, correspondia a um padrão alimentar no
universo do trabalho compulsório do Atlântico português. O pre-
domínio de produtos americanos, e em particular da mandioca, na
ração negreira barateia o frete entre o Brasil e os portos africanos,
contribui para assentar o comércio entre as duas colônias e facilita
a adaptação do africano ao escravismo brasílico (ALENCASTRO,
2000, p. 251-252).

A Expansão Territorial da Colônia Lusitana


192 UNIDADE IV

Nesse sentido, compreendemos a relevância da


produção de farinha de mandioca na colônia por-
tuguesa, tanto para o mercado interno, entre as
capitanias, como para a exportação e manuten-
ção do comércio de escravos africanos. Todavia,
precisamos também mencionar a produção de
outros gêneros coloniais que auxiliaram no
crescimento econômico do Brasil português.
Segundo Wehling (2005), entre os séculos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
XVI e XVII, destacaram-se outros produtos
secundários, porém não desprezíveis.
O autor menciona a produção do tabaco que começou no século XVII,
tendo se consolidado por volta de 1642. Assim como a farinha de mandioca, o
tabaco não se restringiu ao mercado interno colonial e se despontou no cenário
de exportação, sobretudo para a Europa e África, sendo utilizado como moeda
de troca na aquisição de escravos africanos, os quais, em sua maioria, eram dire-
cionados para os negócios do açúcar.
Outro dado interessante está relacionado ao baixo custo na produção do
tabaco, sendo “mais simples e muito menos dispendioso que a do açúcar, empre-
gando cada lavoura, uma extensão de terra menor do que a dos canaviais, em
geral entre cinco e dez escravos” (WEHLING, 2005, p. 213). A produção dos
rolos de fumo estava concentrada, principalmente, na capitania da Bahia e a sua
produção possibilitava a existência de um setor “intermediário de proprietários,
entre os latifúndios de açúcar, de um lado, e os escravos ou agricultores pobres,
de outro”. Além disso, sua importância no cenário econômico colonial pode ser
compreendida também com os dados estatísticos do período em que figurava
como o terceiro principal produto de exportação em 1710 e que “correspondia
a 9,5% das rendas daquele ano” (WEHLING, 2005, p. 213).
Além dos gêneros citados acima, Wehling (2005) aponta que outras culturas
também tiveram um papel significativo na economia dos trópicos lusos durante
o século XVII, principalmente, no Estado do Maranhão, onde se presenciou as
lavouras de algodão e de pimenta. Em contrapartida, em São Paulo, observou-
-se um sistema agrário que possuía feições bem peculiares.

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


193
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Segundo Sampaio (2014), em São Paulo, inicialmente, a produção estava base-


ada no plantio de mandioca e de milho, porém, a partir de 1620, a produção
do planalto de Piratininga passou a investir no cultivo de trigo. Essa mudança
no mosaico agrícola da região está relacionada à estratégia desenvolvida por
D. Francisco de Sousa, que acreditava na “descoberta de riquezas minerais na
região, pretendendo articular mineração, agricultura e manufatura, susten-
tadas por “uma sólida base de trabalhadores indígenas” (SAMPAIO, 2014, p.
394). Observamos que o projeto de D. Francisco de Sousa falhou no desejo de
encontrar minas de ouro, porém compreendemos um avanço significativo no
que diz respeito à captura de nativos e ao desenvolvimento dos meios agríco-
las, pois essa produção era responsável pelo abastecimento do Rio de Janeiro e
ainda estabelecia contatos comerciais com a Bahia, Pernambuco e até Angola
(SAMPAIO, 2014, p. 394).
Por outro lado, tais particularidades agrícolas presentes no planalto de
Piratininga, contribuíram para a formação de uma sociedade fortemente mar-
cada por desigualdades. Nesse sentido, a posse por cativos de origem ameríndia
era uma realidade pertencente apenas aos grandes proprietários, isto é, concentra-
va-se nas mãos de poucos, assim como dos moinhos de trigo. Além disso, assim
como na indústria açucareira, os grandes produtores do planalto de Piratininga
eram famílias importantes, como os “Bueno” e “Camargo”. Em consequência des-
sas desigualdades, mas principalmente pela carestia de escravos indígenas e pelo
esgotamento dos solos, observamos, a partir de 1670, a decadência da produ-
ção de trigo na região paulista. Nesse sentido, considera Sampaio (2014, p. 395):

A Expansão Territorial da Colônia Lusitana


194 UNIDADE IV

A produção de alimentos apresentava-se, portanto, não como mero


apêndice da produção açucareira, mas pelo contrário, dotada de consi-
derável autonomia em relação a ela. Isso não significa dizer que o setor
açucareiro não fosse um importante consumidor de alimentos, mas
sim que ele gerava essa produção. Pelo contrário, a pressupunha. Era
exatamente a capacidade dos setores não açucareiros de abastecer mo-
endas e lavradores de cana como o “pão da terra” que permitia a esses a
especialização. Além disso, o setor alimentício atendia ao conjunto de
uma sociedade colonial que ia muito além do engenho.

Em contrapartida, observamos que a produção artesanal na colônia lusitana entre


os séculos XVI e XVII foi escassa, sobretudo por dois motivos: “os engenhos pos-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
suíam suas próprias oficinas e as vilas e cidades eram pequenas” (WEHLING,
2005, p. 215). Precisamos compreender que as atividades manufatureiras acompa-
nhavam o crescimento dos centros urbanos e, nesse âmbito, a colônia ainda não
possuía núcleos citadinos significantes. Todavia, mesmo com um cenário des-
favorável, podemos destacar a existência da produção de tecidos nos pequenos
teares localizados nas fazendas e mesmo de teares nos núcleos urbanos, como na
cidade de São Paulo. Além dessas limitações, os produtos manufaturados colo-
niais ainda sofriam com a concorrência estrangeira que abastecia as famílias mais
abastadas dos trópicos. Nesse sentido, em busca de assegurar a própria sobrevi-
vência, era muito comum encontrar um artesão especializado em vários ofícios.
Prezado(a) aluno(a), observamos a relevância do mosaico agrícola para a
economia colonial, como também mencionamos a existência não menos impor-
tante das atividades manufatureiras. Após a conclusão desta etapa, passaremos,
a partir desse momento, à reta final de nossas considerações de cunho econô-
mico ao estudo da pecuária no Brasil português.
No final do século XVI, por meio dos escritos realizados por Gabriel Soares de
Sousa, temos conhecimento da importação ou mesmo da criação de animais na colô-
nia lusitana. Essas informações também estão presentes nos registros de Ambrósio
Brandão, em sua obra Diálogos das grandezas do Brasil, que, no início do século XVII,
destaca “a existência de uma pecuária já bastante diversificada, com a presença de
bovinos, ovinos, equinos e muares, além de aves domesticadas” (SAMPAIO, 2014,
p. 399). Entretanto, dentre toda essa variedade, a criação de bovinos ganhou um
papel de destaque. Isso ocorreu, principalmente, por serem utilizados como força
motriz no complexo açucareiro e, também, como meio de transporte.

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


195

No que tange à criação de bovinos na colônia lusitana, Sampaio (2014)


ainda destaca que os currais geralmente estavam localizados nas proximidades
das cidades ou vilas coloniais mais importantes, pois, estrategicamente, pode-
riam servir tanto aos negócios do açúcar quanto as necessidades da população
citadina. O autor também compreende que a pecuária ofereceu uma alterna-
tiva ou mesmo contribuiu para a expansão das faixas territoriais além da Costa
brasileira, interligando, dessa forma, as capitanias. Outro dado interessante apre-
sentado nessa análise se refere à ligação estabelecida entre a atividade pecuária e
a geografia colonial, isto é, a criação de bovinos fora desenvolvida também nas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

proximidades dos rios.


Segundo Wehling (2005), inicialmente, a criação de gado não dependia de
altos investimentos. O pecuarista, geralmente, dispunha de terras doadas ou
mesmo conseguia um arrendamento acessível, algumas cabeças de gado e poucos
escravos ou mesmo funcionários para o mantimento de seus sítios ou fazendas.
Nesse âmbito, acrescenta o autor:
Fazendas maiores chegavam a ter 20 mil cabeças de gado, mas havia
propriedades menores, com duzentas a mil cabeças. Uma propriedade
podia ser administrada com apenas dois ou três vaqueiros e uma deze-
na de ajudantes. Era frequente que os primeiros, após conseguirem um
pequeno rebanho, se estabelecerem em fazendas próprias ou arrenda-
das, existindo assim uma mobilidade social muito mais dinâmica do
que na área dominada pela agricultura de exportação [...]. Em 1710 a
Bahia possuía um rebanho de 500 mil cabeças de gado, e Pernambu-
co, 800 mil. A exportação de couros rendeu 20:800$000, equivalentes a
5,2% do total, colocando o produto em quarto lugar na balança comer-
cial (WEHLING, 2005, p. 215).

Nesse sentido, compreendemos a relevância da pecuária desde o século XVI nas


capitanias localizadas na região litorânea do Brasil. Além disso, observamos que
a criação de gado auxiliava na manutenção do mosaico agrícola, sobretudo no
complexo açucareiro e mesmo como meio de locomoção. Podemos acrescentar,
ainda, que, durante o século XVIII, a criação dos bovinos destacou-se no âmbito
da exportação de couros. Assim, a pecuária foi uma atividade que requeria pou-
cos investimentos e se colocava como menos dependente do mercado externo.
Em vista disso, manifestou-se mais lucrativa nos momentos de crise econômica,
comparada a outros produtos.

A Expansão Territorial da Colônia Lusitana


196 UNIDADE IV

E a Carreira da Índia?
Considerando prós e contras, D. João IV, o primeiro rei da dinastia de Bragan-
ça, decidiu-se por Pernambuco, na época a região mais próspera do Brasil,
que, apesar de já estar ocupada por holandeses, oferecia mais atrativos que
todo o Estado da Índia. Nas palavras do novo rei, o Brasil era a “vaca leiteira”
de Portugal, e ele não escondia o interesse de livrar-se de uma vez por to-
das da Índia portuguesa, que trazia muito mais problemas do que soluções.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
[...] Na década de 1650, a decadência da rota tornou-se ainda mais evidente
quando, durante todo o período, apenas 34 naus circulavam pelo trajeto, nú-
mero insignificante se comparado com o auge do comércio ou mesmo em
relação ao movimento de embarcações na rota do Brasil na mesma época.
Fonte: Pestana (2006, p. 188-190).

OS BANDEIRANTES

Caro(a) acadêmico(a), este tópico será direcionado ao estudo do bandeirantismo


no Brasil português e sua relevância no processo de expansão dos territórios além
da região litorânea que marcou a ocupação dos colonizadores durante todo o
século XVI. Antes de iniciarmos, de fato, a trajetória e atuação dos bandeirantes
nos trópicos, é importante refletirmos acerca de uma questão inquietante para a
historiografia nacional: os bandeirantes teriam sido os grandes heróis do século
XVII ou apenas homens sedentos por riquezas e altamente sanguinários? Para
debater essas questões, elencamos um breve estudo realizado pelo historiador
Sezinando Luis Menezes, em que discute o papel ocupado pelos bandeirantes
na interiorização do território português.
Segundo Menezes (2011), não se pode conceber os bandeirantes como
homens altamente íntegros e virtuosos responsáveis pela conquista do sertão do
Brasil. Todavia, também não podemos visualizar os bandeirantes como indiví-
duos perigosos e assassinos. De acordo com os estudos realizados pelo autor, esses
homens nem eram grandes heróis, tampouco assassinos e sanguinários. Eram,
sim, “homens com vontades e desejos, amores e ódios, fraquezas e grandezas,

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


197

erros e acertos. Capazes de gestos humanitários e de crueldades. Alguns prova-


velmente eram mais violentos e imorais, outros menos” (MENEZES, 2011, p. 34).
Nesse sentido, eram homens produtos de sua própria realidade, uma época
bem distinta da nossa. Desse modo, não podemos realizar tais julgamentos, mas
sim compreender a sua importância no processo de interiorização do Brasil.
Nesse sentido, precisamos entender que os bandeirantes viviam em um determi-
nado momento histórico, no qual não havia se constituído um poder do Estado
e a aplicação de penas para os delitos cometidos era efetuada na esfera privada.
Tal escassez de justiça também pôde ser observada nos atos de violência pro-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pagados pelos tribunais do Santo Ofício que enviaram centenas de pessoas às


fogueiras no Reino português ao longo de dois séculos, ou mesmo dos próprios
bandeirantes que dizimaram dezenas de aldeamentos espanhóis, na região que
hoje abrange o Estado do Paraná (MENEZES, 2011, p. 34).
Após desmistificar a figura do bandeirante, podemos prosseguir com o nosso
estudo em torno do surgimento dessas expedições, suas motivações e a sua rele-
vância no processo de interiorização do território lusitano. Assim, partiremos
do polo irradiador das bandeiras: a vila de São Paulo de Piratininga.
A história da fundação da vila de Piratininga está intimamente ligada ao
trabalho jesuítico nos trópicos, visto que, em 25 de Janeiro de 1554, os inacia-
nos se direcionaram para essa localidade a fim de catequizar o gentio e sanar os
problemas existentes entre indígenas e portugueses na capitania. Nesse âmbito,
resolveram fundar o Colégio de Piratininga, dando início a história da cidade de
São Paulo. Entretanto, o território “escolhido” possuía uma realidade bem dis-
tinta, comparada a capitania de Pernambuco e Bahia, que pode ser compreendida
por uma série de razões que iam desde a localização geográfica da capitania até
o frágil desenvolvimento das atividades econômicas. Quanto à localização, a vila
de Piratininga estava disposta em uma região de difícil acesso e de maior dis-
tância do Reino, algo que dificultava a chegada de produtos portugueses. Essa
debilidade, por um lado, desencorajava os investimentos na produção de cunho
mercantil e, por outro, estabelecia um predomínio das atividades agrícolas de
subsistência. Diante de tais problemas, a região que hoje compreende a cidade
de São Paulo era marcada pelo isolamento e pela pobreza e, consequentemente,
sobreviver nessa região era uma tarefa nada fácil.

A Expansão Territorial da Colônia Lusitana


198 UNIDADE IV

Segundo Davidoff (1986), o bandeirantismo foi o resultado de uma região


isolada, de restrições econômicas, duramente assolada pela pobreza. Por tais
motivos, suas ações são condicionadas em dois sentidos: ou pela busca desen-
freada de lucros rápidos e passageiros, como na caça e aprisionamento do
indígena voltado para o mercado escravo, ou mesmo no sentido de desen-
volver métodos e alternativas fora do prisma agropastoril, isto é, na busca
dos metais e pedras preciosas tão almejados pela Coroa portuguesa. Todavia,
precisamos compreender que as bandeiras (organizações formadas por bandei-
rantes) não eram expedições que partiam estritamente de São Paulo, mas sim

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de várias localidades da colônia, geralmente motivadas pelos aspectos pontu-
ados por Davidoff (1986).
Nesse sentido, quem teria motivado a saída dessas expedições? De acordo
com os estudos realizados por Monteiro (1994), de certa forma, o projeto
desenvolvido pelo governador geral D. Francisco de Sousa (1591-1601)
intensificou as expedições lusas ao “sertão”, pois o governador dedicou-se a
busca por metais e pedras preciosas, influenciado por lendas indígenas que
davam conta da existência desses minerais. Em 1596, D. Francisco organi-
zou três expedições, saindo da Bahia, Espírito Santo e São Paulo, rumo ao
São Francisco. As bandeiras que saíram de São Paulo possuíam cerca de
25 colonos, cada qual com seus respectivos índios. Uma parte da expedi-
ção foi rumo a Salvador e encontrou amostras de pedras preciosas, outros
foram explorar as proximidades do atual Estado de Tocantins. Contudo,
a maioria das expedições retornou a São Paulo sem reservas de minérios,
mas com muito índios Tupinambás capturados na região do vale do Paraíba
(MONTEIRO, 1994, p. 58-59).
Durante o período de 1599 e 1611, o governador Francisco de Sousa incen-
tivou e financiou inúmeras incursões rumo ao “sertão” em busca de metais
preciosos e índios. Todavia, os bandeirantes regressavam apenas com indíge-
nas aprisionados e sem notícias de reservas auríferas. Esse resultado negativo
no que tange à exploração dos minérios, fez com que o Governador concen-
trasse seu empreendimento apenas na região do planalto de Piratininga, pois
os custos dessas expedições longínquas eram muito altos. Nesse âmbito, pon-
tua Monteiro (1994, p. 61):

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


199

Quaisquer que fossem os pretextos adotados pelos colonos para justi-


ficar suas incursões, o objetivo maior dos paulistas era claramente o de
aprisionar Carijó, ou Guarani, que habitavam um vasto território ao sul
e sudoeste de São Paulo. De fato, durante as primeiras décadas do sé-
culo XVII, os paulistas concentraram suas atividades em duas regiões,
que ficaram conhecidas como o sertão dos Patos e o sertão dos Carijós.
O sertão dos Patos, localizado no interior do atual estado de Santa Ca-
tarina, era habitado por grupos guaranis, identificados, entre outras,
pelas denominações: Carijó, Araxá e Patos. O sertão dos Carijós, por
sua vez, abrangia terras além das margens do rio Paranapanema, igual-
mente habitadas, sobretudo por grupos guaranis [...] Esta imprecisa
referência geográfica remetia-se, provavelmente, a Guairá, região cir-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cundada pelos rios Piquiri, Paraná, Paranapanema e Tibagi.

Prezado(a) acadêmico(a), é importante compreendermos algumas questões


que foram expostas. Em primeiro lugar, era imprescindível a presença de gru-
pos indígenas aliados aos portugueses nas incursões ao “sertão”, sobretudo por
conhecerem o território e por oferecerem proteção aos bandeirantes. Vocês
devem estar se perguntando: índios caçando índios? Sim, exatamente isso.
Não podemos esquecer que o Brasil possuía uma imensa variedade de tribos
indígenas e que grande parte delas era inimiga dos portugueses. Outro ponto
relevante para a nossa reflexão diz respeito ao relacionamento estabelecido
entre nativos e bandeirantes. Essas expedições partiam supridas de quinqui-
lharias para o “resgate” com os nativos que encontrassem pelo caminho, isto
é, levavam objetos, como facas, anzóis ou até espelhos, para convencerem os
indígenas a integrarem as expedições bandeirantes. Além disso, acompanhar
as bandeiras também era uma forma de fugir da catequização imposta pelos
jesuítas aos ameríndios, visto que seus costumes não eram repudiados nas
incursões ao “sertão”.
Paulatinamente, os bandeirantes iriam perceber que não precisavam se arris-
car travando conflitos em busca de capturar índios para o mercado escravo.
Perceberam a viabilidade em organizar ataques às aldeias ameríndias comanda-
das pelos jesuítas que, geralmente, abrigavam milhares de índios cristãos. Essa
estratégia utilizada pelos bandeirantes se tornou corriqueira e marcou o caráter
violento dessas expedições que ocorriam tanto na América lusitana quanto na
América espanhola, devido às imprecisões do Tratado de Tordesilhas. Assim,
destaca Wehling (2005, p. 116):

A Expansão Territorial da Colônia Lusitana


200 UNIDADE IV

Novos ataques às reduções do Tape e do Uruguai, na década de 1630,


determinaram o pedido dos jesuítas da região para armar os índios,
atendido por Felipe IV. Assim armados, conseguiram rechaçar os
bandeirantes na batalha do rio Mbotetey, em 1641. Em 1648, porém,
o bandeirante Antônio Raposo Tavares, por ocasião de uma viagem
que empreendeu pelo interior até o Pará, atacou e destruiu a missão
jesuíta espanhola do Itatim, no atual Mato Grosso do Sul. O “ciclo da
caça ao índio”, portanto, foi eminentemente despovoador, embora em
geral viesse a beneficiar a posterior posse portuguesa destas regiões.

Além dos ataques aos aldeamentos jesuíticos, os bandeirantes também organiza-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ram estratégias para adquirir indígenas, enganando os próprios inacianos. Nesse
contexto, pontua Monteiro (1994, p. 65):
De acordo com um padre, os funcionários da Coroa designados para
auxiliar os jesuítas no estabelecimento de aldeamentos agiam com ci-
nismo, pois, após colaborarem com os padres no transporte dos Gua-
rani, entregariam os índios para os colonos se servirem deles enquanto
cativos [...] A medida que crescia a demanda de escravos, a violência
tornava-se um instrumento cada vez mais importante na aquisição de
cativos no sertão.

Os bandeirantes também eram contrata-


dos para buscar nativos fugitivos e atacar
quilombos. Eram escolhidos pelos grandes
proprietários por conhecerem o território
e a língua dos nativos. Todavia, obser-
varam-se casos em que os bandeirantes
eram contratados para reprimir levan-
tes indígenas nas capitanias. Durante o
governo de Francisco Barreto, os bandei-
rantes foram convocados para combater os
indígenas em Ilhéus. Pouco tempo depois,
em 1683, foram chamados por Domingos
Jorge Velho para reprimir os cariris do Rio
Grande do Norte e Ceará, na conhecida
“guerra dos Bárbaros”, que se prolongou
Figura 37: O Bandeirante paulista Domingos Jorge Velho
até 1713. Fonte: Wikimedia Commons.

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


201

Os quilombos abrigavam negros, índios e brancos fugitivos da justiça. Ge-


ralmente, escolhiam um local de difícil acesso que impossibilitasse uma
possível recaptura. Um dos quilombos mais conhecidos da história bra-
sileira foi Palmares, instalado na serra da Barriga, atual região de Alago-
as. Com o passar do tempo, Palmares se transformou em uma espécie de
confederação, que abrigava vários quilombos que existiam naquela loca-
lidade. Seu crescimento ocorreu principalmente entre as décadas de 1630
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

e 1650, quando a invasão dos holandeses prejudicou o controle sobre a


população escrava. A prosperidade e a capacidade de organização desse
imenso quilombo representaram uma séria ameaça para a ordem escra-
vocrata vigente. Não por acaso, vários governos que controlaram a região
organizaram expedições que tinham por objetivo estabelecer a destruição
definitiva de Palmares. Em 1694, sob a liderança do bandeirante paulista
Domingos Jorge Velho, as forças oficiais começaram a impor a desarticu-
lação de Palmares. Zumbi foi morto e degolado pelos bandeirantes, que
enviaram a sua cabeça até Recife.
Fonte: Sousa (online).

Nesse sentido, ao longo do século XVII, presenciamos a atuação das bandeiras


em diversas regiões da colônia portuguesa e mesmo nas possessões espa-
nholas. O bandeirantismo foi uma maneira encontrada por muitos homens
para saírem da miséria, por meio das desventuras de uma vida permeada
pelo perigo. Todavia, a ação bandeirante mais significante foi o “ciclo” que
resultou na descoberta do ouro em Minas Gerais durante os anos finais do
século XVII e, posteriormente, em Goiás e Mato Grosso no século XVIII
(WEHLING, 2005). Compreendemos que, desde 1500, com a presença da
esquadra Cabralina nos trópicos, existia uma esperança de encontrar ouro.
Algo que pode ser visualizado claramente nos registros feitos por Pero Vaz
de Caminha. E reforçado no Regimento de Tomé de Sousa, em 1549, que des-
tacava que uma das obrigações dos donatários e do Governador das terras
era emitir expedições ao “sertão” em busca de metais preciosos (MENEZES,
2011, p. 37-38).

A Expansão Territorial da Colônia Lusitana


202 UNIDADE IV

No Brasil português, os bandeirantes assumiram um papel fundamental no


que tange a expansão dos limites territoriais, visto que a ocupação se limita-
va durante o século XVI apenas a região litorânea.
Fonte: a autora.

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Segundo Wehling (2005), a crise
econômica do Reino português
nas décadas de 1660 e 1670 con-
tribuiu para a intensificação dessas
expedições e, consequentemente,
pela descoberta da região aurí-
fera. Os bandeirantes receberam
cartas do próprio Rei estimulan-
do-os à busca de metais preciosos.
Algo que possibilitou um melhor
conhecimento do território, facili-
tando as incursões. Assim, foi nos
últimos anos do século XVII, mais
precisamente entre 1693 e 1695,
que os bandeirantes encontraram
ouro em quantidades considerá-
veis na região que hoje se localiza o
Estado de Minas Gerais. Essa des-
coberta inaugurou uma gama de
transformações no cenário colo-
nial e deslocou todas as atenções
para a região central do Brasil,
abrindo uma nova etapa na colo- Figura 38: Expedições dos Bandeirantes
nização dos trópicos. Fonte: Campos; Dolhnikoff (1994, p. 19).

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


203

O desbravamento na região que compreende o estado de Minas Gerais se ini-


ciou no século XVI, por meio do trabalho dos bandeirantes, em busca de ouro
e pedras preciosas. Porém, a ocupação efetiva do atual território começou a
partir do final do século XVII, com a descoberta das primeiras jazidas de ouro. A
primeira vila foi fundada em 1712, a Vila do Ribeirão do Carmo, que foi elevada
à categoria de cidade, em 1745, com o nome de Mariana, em homenagem à rai-
nha dona Maria Ana d’ Áustria. Em 1720, foi criada a capitania das Minas Gerais,
desmembrada da capitania de São Paulo e Minhas d’ Ouro. No século XVIII, Mi-
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nas Gerais tornou-se uma das principais fontes de riqueza do Império Lusitano.
Fonte: Minas Gerais (online).

A ERA DE OURO NO BRASIL PORTUGUÊS

NÓS TEMOS OURO!

No final do século XVII, a


Coroa portuguesa foi aba-
tida por uma grave crise
financeira que atingiu tanto
o Reino quanto suas pos-
sessões ultramarítimas. Isso
ocorreu devido a uma com-
binação de fatores negativos,
dentre os quais, podemos
destacar: o alto custo com a
administração do Império e
a queda no preço do açúcar
brasileiro que começava a sentir as consequências da concorrência antilhana.
Todavia, os problemas financeiros do Império Português estavam com os dias
contatos, visto o otimismo que a descoberta do ouro na região mineira causou
para a Coroa lusitana (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 107).

A Era de Ouro no Brasil Português


204 UNIDADE IV

Na verdade, os monarcas de Portugal nunca perderam a esperança de encon-


trar jazidas de ouro em solos brasílicos. Existia claramente uma obsessão por
enriquecimento rápido. Esse sentimento de otimismo era partilhado entre as
autoridades lisboetas que acompanharam estarrecidas o fluxo grandioso de ouro
e prata que os espanhóis retiraram de suas colônias na América durante o século
XVI. Nesse sentido, as expedições bandeirantes surgiram para enfatizar essa pro-
cura de ouro e pedras preciosas no “sertão”. Entretanto será que a descoberta
considerável de ouro na região mineira ocorreu apenas no final do século XVII?
Alguns autores acreditam que a extração de ouro nessa região já ocorria

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
antes de sua “descoberta” oficial. Segundo essa vertente, uma gama de situações
demonstraram que existiu uma extração “sigilosa de ouro pelos paulistas a partir
da década de 1670 na região de Minas Gerais” (ALMEIDA; OLIVEIRA, 2014, p.
287). Essa desconfiança era devido aos indícios de uma frequente utilização de
ferramentas para extrair minérios do solo. Além disso, outro dado que reforça
essa constatação está relacionado aos registros de um comerciante paulista da
época: “são os 6 conto de réis amoedados e as 207 oitavas de ouro arrolados
no inventário do comerciante paulista Gonçalo Lopes, datado de 1689”. Anos
depois, esse mesmo comerciante se destacava como um dos principais credores
de Fernão Dias Pais (ALMEIDA; OLIVEIRA, 2014, p. 287).
Dando prosseguimento a essa linha de raciocínio, Adriana Romero pon-
tua que, muito antes das informações oficiais à Coroa lusitana, os bandeirantes
(paulistas – da região de São Paulo de Piratininga) já estavam certos da existên-
cia de suntuosas reservas auríferas. Todavia, os paulistas preferiram manter o
sigilo de tais descobertas devido às insatisfações decorrentes das recompensas
oriundas do Reino e, por outro lado, “pelo receio que significava a implantação
do poder metropolitano em áreas que até então ficavam sob seu controle”, ou
seja, os paulistas tinham medo de perder o privilégio na extração de ouro, visto
que, com a interferência da Coroa de Portugal, outras determinações e, con-
sequentemente, uma série de taxações seriam implementadas naquela região
(ALMDEIDA; OLIVEIRA, 2014, p. 288).
Em vista disso, mesmo com tantas constatações de que os paulistas já explo-
ravam o ouro na região das Minas, o fato é que, em 1695, no rio das Velhas,
“próximo às atuais Sabará e Caeté, no Estado de Minas Gerais, ocorreram as

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


205

primeiras descobertas de ouro”. Essas descobertas são comumente ligadas ao


nome de Borga Gato, “genro de Fernão Dias, conhecido como o ‘caçador de
esmeraldas” (FAUSTO, 2006, p. 52). Essa seria a primeira região aurífera des-
coberta pelos paulistas, que, durante cerca de quarenta anos, iriam extrair ouro
em outras localidades mineiras, em porções da Bahia, em Goiás e no atual Mato
Grosso (FAUSTO, 2006, p. 52). Assim, observou Antonil (1982, p. 164-165):
Há poucos anos que se começaram a descobrir as minas gerais dos Ca-
taguás, governando o Rio de Janeiro Artur de Sá; e o primeiro descobri-
dor dizem que foi um mulato que tinha estado nas minas de Paranaguá
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

e Curitiba. Este, indo ao sertão com uns paulistas a buscar índios, e


chegando ao cerro Tripuí desceu abaixo com uma gamela para tirar
água do ribeiro que hoje chamam do Ouro Preto [...] Em distância de
meia légua do ribeiro do Ouro Preto, achou-se outra mina, que se cha-
ma a do ribeiro de Antônio Dias; e daí a outra meia légua, a do ribeiro
do Padre João de Faria; e, junto desta, pouco mais de uma légua, a do ri-
beiro Bueno e a de Bento Rodrigues [...] E todas estas tomaram o nome
de seus descobridores, que foram paulistas. [...] E neste rio, e nos ribei-
ros que dele procedem, e em outros que vêm a dar nele, se acha ouro,
e serve esta paragem como de estalagem dos que vão às minas gerais,
e aí se proveem do necessário, por terem hoje os que aí assistem roças
e criação de vender. [...] Além das Minas Gerais do Cataguás, desco-
briram-se outras por outros paulistas no rio que chamam de Velhas, e
ficam, como dizem na altura de Porto Seguro e Santa Cruz. [...] Há mais
outras minas novas, que chamam de Caeté, entre as minas gerais e as do
rio das Velhas, cujos descobridores foram vários, [...] além de outras,
que secretamente se acham e se não publicam, para se aproveitarem os
descobridores delas totalmente, e não as sujeitarem à repartição.

O excerto documental foi escrito pelo jesuíta André João Antonil (1649-1716) e
é imprescindível para o conhecimento da situação econômica e social do perí-
odo. Nesse relato, temos acesso às principais regiões auríferas do início do século
XVIII. O autor traça, paulatinamente, as localizações mais relevantes e destaca a
distância entre elas. Podemos observar que existe uma faixa territorial sempre a
margem dos ribeiros, devido ao tipo de ouro que foi encontrado (aluvião). Além
dessas questões e não menos relevante é o fato de assegurar aos paulistas a des-
coberta da região mineira e de mencionar o caráter sigiloso de algumas zonas
auríferas, que ainda não haviam sido informadas à Coroa de Portugal, devido
ao receio dos descobridores frente às intervenções fiscais impostas pelo Reino,

A Era de Ouro no Brasil Português


206 UNIDADE IV

caráter que pode reforçar a tese de que a exploração do ouro já acontecia antes
de sua “descoberta” oficial.

Os exploradores espanhóis descobriram o ouro nas terras americanas no sé-


culo XVI, sobretudo fruto das civilizações incas e astecas.
Fonte: a autora.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Desse modo, por mais que os paulistas tentaram manter um sigilo de suas des-
cobertas, aos poucos a notícia da existência de ouro espalhou-se pelas capitanias
do Brasil, pelo Reino português e pela Europa como um todo. Segundo Fausto
(2006, p.52), “a corrida do ouro provocou em Portugal a primeira grande corrente
imigratória para o Brasil”. O autor destaca que, até por volta de 1760, vieram de
Portugal e das “ilhas do Atlântico cerca de 600 mil pessoas, em média anual de
8 a 10 mil, gente da mais variada condição” (FAUSTO, 2006, p. 52).
Nesse sentido, podemos compreender que a descoberta do ouro surgiu para
mudar drasticamente o cenário colonial brasileiro no início do século XVIII. Tais
mudanças podem ser claramente observadas no relato produzido por Antonil,
que destaca:
A sede insaciável do ouro estimulou a tantos deixarem suas terras e
a meterem-se por caminhos tão ásperos como são os da minas, que
dificultosamente se poderá dar conta do número das pessoas que atu-
almente estão lá. Contudo, os que assistiram nelas nestes últimos anos
por largo tempo, e as correram todas, dizem que mais de trinta mil
almas se ocupam, umas em catar, e outras em mandar catar nos ribeiros
do ouro, e outras a negociar, vendendo e comprando o que se há mister
não só para a vida, mas para o regalo, mais que nos portos do mar. Cada
ano, vêm nas frotas quantidades de portugueses e de estrangeiros, para
passarem às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e sertões do Brasil,
vão brancos, pardos, e pretos, e muitos índios, de que os paulistas se
servem. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e mulheres,
moços e velhos, pobre e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos, e
religiosos de diversos institutos [...] (ANTONIL, 1982, p. 167).

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


207

Caríssimo(a) acadêmico(a), o excerto documental acima nos fornece informações


riquíssimas das mudanças ocorridas no Brasil português deste período histórico.
Para facilitar a compreensão desse cenário, é possível fazermos uma reflexão sim-
ples: imagine se, atualmente, descobrissem zonas auríferas significantes de caráter
público? Como essa informação repercutiria no imaginário do cidadão brasileiro
de hoje? Se fizermos essas reflexões, conseguiremos entender como a notícia de
descoberta do ouro repercutiu na mentalidade dos indivíduos daquele período.
Desse modo, visualizamos por meio da leitura documental que, mesmo as
pessoas que possuíam posses, resolveram abandonar suas propriedades e seus
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

negócios e se arriscarem em uma atividade totalmente diferente daquilo que


estavam habituadas a fazer. Antonil (1982) menciona o caráter inóspito do terri-
tório e das dificuldades que os aventureiros estavam dispostos a enfrentar. Outro
dado interessante levantado pelo jesuíta é a quantidade de almas que ocupavam a
região (cerca de 30 mil) e de como o trabalho nas minas estava organizado. Desde
a existência dos catadores que eram responsáveis pelo processo inicial (de reti-
rada do minério) até os homens que ficavam responsáveis pela venda do produto.
Dando prosseguimento a análise do documento em questão, podemos desta-
car, ainda, a onda migratória avassaladora que atingiu a região das minas no início
do século XVIII. Podemos observar que a região recebeu milhares de pessoas
oriundas tanto das capitanias, como do Reino e outras Coroas. Notamos a pre-
sença de indivíduos de todos os estamentos sociais, ou seja, era comum a presença
de ricos, religiosos, pobres, brancos, pardos, mulatos, escravos, livres, indígenas
e mulheres. Diante de tais descrições, entendemos que a corrida pelo ouro era
algo comum a todas as pessoas, pois todos queriam enriquecer a qualquer custo.
Segundo Carrara (2013, p.152), “mais que um recurso natural, mais do que
um artigo de exportação. O que se descobriu em Minas, depois de dois séculos
de colonização foi fortuna em estado puro”. O autor realiza um contraponto com
a indústria açucareira colonial e afirma que a grande vantagem da exploração
aurífera era que o produto não dependia da demanda internacional. Visto que
o próprio minério em pó se transformou em moeda corrente da região mineira.
Por tais motivos, “a ganância movia a todos, e era preciso aproveitar antes que
o Estado decidisse impor suas regras e restrições de acesso àquela fortuna natu-
ral” (CARRARA, 2013, p. 152).

A Era de Ouro no Brasil Português


208 UNIDADE IV

Quase todo o ouro se encontrava em terrenos de aluvião – nas margens ou


na foz dos rios, onde a erosão depositava cascalho, areia e argila. O sistema
de extração era simples: ficava-se dentro dos ribeiros, com água até a cintu-
ra. Com uma bateia, levavam-se as areias auríferas, até que os materiais mais
leves ficassem na parte superior, de onde eram retirados. No fundo ficava o
ouro, misturado a outros minerais. A época mais adequada para a atividade
era o inverno, quando o nível da água dos rios estava mais baixo, o que per-
mitia trabalhar melhor nos leitos. O ouro assim extraído já vinha em pó ou

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em pepitas – não requeria, para se dissolver das rochas, o uso de mercúrio
para formar amálgamas.
Fonte: Carrara (2013, p. 153).

Todavia, será que a região das Minas Gerais


estava preparada para receber esse contin-
gente populacional? A onda migratória que
abateu a região mineira nos apresenta uma
face um tanto quanto problemática e preocu-
pante para o período. Ao mesmo tempo em
que observamos esse “boom populacional”
no território aurífero, também presencia-
mos uma série de conflitos de ordem social.
Segundo Priore (2010), “uma sombra pairava
sobre as tão esperadas descobertas auríferas:
a multidão de aventureiros que se espalhara
por serras e grutões mostrava-se criminosa
e desobediente aos ditames da Coroa ou da
Igreja” (PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 72).
Com um crescimento populacional desor-
denado e sem nenhum tipo de organização e
Figura 39: Rugendas - Lavage du Mineral d’Or -
controle, era comum que o território se tor- pres de la Montagne Itacolumi, por Johann Moritz
Rugendas
nasse hostil e sinônimo de criminalidade, Fonte: Wikimedia Commons.

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


209

devido à ausência de uma jurisdição real que punisse os delitos cometidos pelos
criminosos.
Sobre esta gente, quanto ao temporal, não houve até o presente coa-
ção ou governo algum bem ordenado, e apenas se guardam algumas
leis, que pertencem às datas e repartições dos ribeiros. No mais, não
há ministros nem justiças que tratem ou possam tratar do castigo dos
crimes, que não são poucos, principalmente dos homicídios e furtos
(ANTONIL, 1982, p. 167-168).

Além desse problema de caráter social, o território mineiro também sofreu


com a carência de alimentos. A avalanche populacional que invadiu a região
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

aurífera só se preocupou com a retirada de ouro e pedras preciosas dos


ribeirões. Diante dessa realidade, entre “1697 e 1698, 1700 e 1701, e em
1713, sem plantar roçados de mandioca, feijão, abóbora e milho suficientes
para o número de pessoas que continuava afluindo às Minas, os moradores
das Minas morriam de fome com as mãos cheias de ouro”. Nesse sentido,
sedentos pela fome que assolava a região, os mineiros passaram a devorar
qualquer gênero de ordem animal: “cães, gatos, ratos, insetos, cobras e lagar-
tos” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 115). Faziam de tudo para matar a
fome e escapar da morte.
A onda migratória que assolou o território mineiro, além de causar trans-
tornos de ordem social e econômica, também trouxe à tona o domínio da região
mineira. Como já destacamos, os paulistas foram os primeiros a se aventurarem
naquele território hostil e acabaram por descobrir zonas auríferas frutíferas, por
tais motivos, consideravam-se com direitos exclusivos sobre a exploração dos
metais. Porém, com a presença de aventureiros de outras localidades, o con-
fronto foi inevitável.
Os conflitos entre os grupos que pretendiam ter o controle do mando
na região se acentuaram. De um lado, paulistas como Borba Gato de-
fendiam com unhas e dentes prerrogativas até então garantidas pela
Coroa portuguesa; de outro lado, forasteiros de diversas localidades
procuravam se imiscuir nas redes de poder e de controle de circuitos
mercantis. O resultado desse embate foi o primeiro grande enfren-
tamento intraelites ocorrido em Minas, amplamente conhecido na
historiografia como Guerra dos Emboadas (ALMEIDA; OLIVEIRA,
2013, p. 307).

A Era de Ouro no Brasil Português


210 UNIDADE IV

Desse modo, entre 1707 e 1709, a região das Minas Gerais presenciou um con-
flito armado entre paulistas e emboabas. Esses combates foram motivados pelo
desejo de assegurar direitos exclusivos na extração dos minérios do território
das Minas Gerais. Após dois anos de conflito, paulatinamente, os paulistas foram
abandonando a região e se direcionando para novas aventuras. Todavia, recen-
temente a historiografia considerou o fato de muitos paulistas permanecerem
na região e ainda conseguirem reconfigurar as suas forças, estabelecendo novas
alianças. Assim, “mantiveram sempre uma intensa relação de auxílio e negocia-
ção com a Coroa portuguesa, garantindo para si e seus descendentes diversos

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benefícios e privilégios, ao mesmo tempo que atuavam para permitir o exercí-
cio de governabilidade régia na região” (ALMEIDA; OLIVEIRA, 2013, p. 309).

O termo “emboaba” é de origem tupi e significa botas de penas. Este é o


nome de uma galinha gigante que existia com penas sobre o bico e as pa-
tas. Os paulistas aplicavam esse nome aos portugueses (forasteiros) pela cir-
cunstância destes usarem calças.
Fonte: Freitas (online).

Após 1713, a região das Minas Gerais conseguiu “superar” os principais proble-
mas no que concerne à alimentação de seus habitantes. Paulatinamente, roças
foram plantadas com os produtos alimentícios de primeira urgência. Algumas ati-
vidades agrícolas ou mesmo manufatureiras também foram observadas. Todavia,
mesmo com tais avanços, a região ainda padecia de um sistema de abastecimento,
sobretudo devido à localização geográfica que habitavam.
Segundo Menezes (2011), para chegar na região das Minas, “era necessá-
rio atravessar a Mata Atlântica e a Serra do Mar. Os caminhos tiveram que ser
abertos em meio a escarpas e florestas e, inicialmente, deveriam ser realizados
a pé” (MENEZES, 2011, p. 40). Essas dificuldades agravavam o abastecimento
de uma população em constante crescimento, como também encareciam os

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


211

produtos que vinham de outras localidades, devido às dificuldades de acesso e


a demora do trajeto. Em contrapartida, muitos comerciantes souberam utilizar
esses empecilhos em seu próprio favorecimento, cobrando preços exorbitantes
de produtos que em outras regiões seriam bem mais acessíveis. Nesse âmbito,
Antonil (1982, p. 169-170) considera:
Porém, tanto que se viu a abundância do ouro que se tirava e a larguesa
com que se pagava tudo o que lá ia, logo se fizeram estalagens e logo
começaram os mercadores a mandar às minas o melhor que chega nos
navios do Reino e de outras partes, assim de mantimentos, como de
regalo e de pomposo para se vestirem, além de mil bugiarias de França,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que lá também foram dar. E, a este respeito, de todas as partes do Bra-


sil se começou a enviar tudo o que dá a terra, com lucro não somente
grande, mas excessivo.

No extrato documental do jesuíta André João Antonil, destaca-se os preços


abusivos dos principais produtos que chegavam à região mineira. Dando pros-
seguimento ao documento, ele menciona os valores dos produtos, estabelecendo
uma divisão conforme sua utilização: “preços das cousas comestíveis, preço das
cousas que pertencem ao vestuário, e armar e preços dos escravos e das caval-
gaduras”. Na primeira divisão, ele apresenta os valores dos principais alimentos
que eram consumidos pelos mineiros, tais como: milho, carnes, manteiga, gali-
nha, açúcar, aguardente, tabaco e até mesmo vinho. Em seguida, ele destaca os
valores das vestimentas e dos armamentos: produtos em seda, linho, pano fino,
sapatos, chapéus e armas (pistola, espingarda, faca, canivete, tesoura). Por último,
o jesuíta apresenta uma relação com os preços pagos em escravos e cavalos. A
divisão dos escravos atendia sua faixa etária e sua mistura de sangue: os valores
eram diferentes se fossem mulatos, crioulos ou mesmo africanos de nascimento
(ANTONIL, 1982, p. 170-171).
A lucratividade com a comercialização dos produtos na região das Gerais
trouxe outras consequências. Se, por um lado, havia um fluxo intenso de pro-
dutos direcionado ao território mineiro, por outro, houve a carência desses
mesmos gêneros no complexo açucareiro, visto que os comerciantes almejavam
uma lucratividade exorbitante, só possível na região central do Brasil. Segundo
Fausto (2006), “a economia mineradora gerou uma certa articulação entre áreas
distantes da Colônia. Gado e alimentos foram transportados da Bahia para Minas

A Era de Ouro no Brasil Português


212 UNIDADE IV

e um comércio se estabeleceu em sentido inverso. Do sul vieram não apenas o


gado, mas as mulas”. Esses animais eram imprescindíveis no transporte e car-
regamento de mercadorias. Além disso, “em termos administrativos, o eixo
da vida da Colônia deslocou-se para o centro-sul e especialmente para o Rio
de Janeiro, por onde entravam escravos e suprimentos e por onde saía o ouro”
(FAUSTO, 2006, p. 53).

O TRABALHO NAS MINAS

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Durante o século XVIII, o trabalho poderia se manifestar sob duas formas no
complexo mineiro: livre ou escravo. Os trabalhadores livres poderiam ocupar
diferentes setores, dentre os quais podemos destacar: cargos ligados à adminis-
tração e supervisão das minas ou mesmo na catação de ouro e pedras preciosas,
também chamados de “faiscadores” ou garimpeiros.
Um dos cargos administrativos criados no ambiente minerador foi o de
guarda-mor. O indivíduo que viesse a ocupar esse cargo não recebia salários,
mas ganhava “uma data em cada nova descoberta de acordo com o número de
escravos que possuísse”. Dentre suas funções, o guarda-mor ficava responsável
por realizar a divisão das datas aos novos descobertos. Essa divisão obedecia a
um conjunto de critérios desenvolvidos pela Coroa: a primeira data pertencia ao
descobridor, a segunda ficaria com o Reino, a terceira também era destinada ao
descobridor e a quarta caberia ao guarda-mor. Além dessa tarefa, o guarda-mor
das minas também precisava controlar a entrada de pessoas e mercadorias, esta-
belecer a justiça e organizar os mineradores e seus cativos nas datas. Desse modo,
compreende-se que, para ocupar esse cargo, era imprescindível possuir certa influ-
ência na região e grande poder de mando (ALMEIDA; OLIVEIRA, 2014, p. 303).
Os “faiscadores” ou garimpeiros eram outra categoria de trabalhadores livres
que ocupavam a região aurífera. Esses homens sofriam com as taxações impos-
tas pela Coroa portuguesa e ocupavam as datas (porções onde se concentravam
as minas) menos frutíferas, isto é, ficavam à margem da riqueza obtida por meio
da atividade mineradora. Essa divisão desproporcional dos lucros obtidos com
a mineração pode ser observada na leitura dos dados estatísticos do período.

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


213

Segundo Carrara (2013), no ano de 1710, “apenas cinco pessoas foram res-
ponsáveis por 47, 65% de todo o ouro produzido na Intendência do Rio das
Mortes”. Esse dado estatístico reforça a premissa de que a riqueza adquirida
na atividade mineradora era restrita a um pequeno grupo de pessoas. O autor
destaca que essa realidade se fez presente durante todo o ciclo do ouro, não se
restringindo aos momentos de grande produção aurífera. Ele menciona que
um século depois, quando a produção já era restrita, a desigualdade ainda era
regra: “os cinco maiores produtores conseguiram quase 82 toneladas de ouro
– uma média de 16 quilos para cada um –, enquanto os 568 menores ficaram
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

com menos de 184 quilos – média de 357 gramas para cada um” (CARRARA,
2013, p. 153). Essa diferença entre os grandes proprietários de minas e os “fais-
cadores” pode ser compreendida também no âmbito da atividade escrava, visto
que os mais abastados possuíam uma massa de cativos trabalhando dia e noite.
Os escravos negros integraram a atividade mineradora a partir de 1698. Antes
desse período, a extração era realizada por paulistas ou aventureiros, auxiliados
por escravos da terra – indígenas. A descoberta do ouro e a consequente onda
migratória que assolou a região ocasionou também uma avalanche de escra-
vos de origem africana. A quantidade de cativos negros era tão grande que o
Rei de Portugal, em 1702, limitou a entrada de escravos em 200 peças. Um ano
depois, mais uma vez, o monarca luso precisou intervir na entrada de escra-
vos na região mineira, limitando em um número de 1.200 almas. Além disso,
o Rei português buscou definir os valores pagos pelos escravos negros, visto
que o preço por um escravo africano no território mineiro era bem superior ao
mesmo escravo se fosse comercializado no complexo açucareiro. Todavia, essas
determinações impostas pela Coroa portuguesa permaneceram “letra morta”
nas terras brasílicas (ALMEIDA; OLIVEIRA, 2014, p. 297-298). Nessa pre-
missa, as autoras consideram:
[...] já nas primeiras décadas do século XVIII a região contava com um
grande número de cativos. Russell-Wood calcula que entraram aproxi-
madamente “2.600 escravos por ano em Minas Gerais, entre 1698 e 1717,
aumentando para 3.500-4.000 no período de 1717-23 e para 5.700-6.000
de 1723 a 1735”. Nesse contexto, o papel do Rio de Janeiro como porta de
entrada de africanos para a região ganharia, ao longo do século XVIII,
cada vez maior projeção (ALMEIDA; OLIVEIRA, 2014, p. 298).

A Era de Ouro no Brasil Português


214 UNIDADE IV

Desse modo, compreendemos que a escravidão negra foi a base da sociedade


que estava se organizando na região das Minas Gerais. Não podemos esquecer
que os escravos africanos não se restringiam as atividades relacionadas à mine-
ração, mas também se mostraram importantes na estruturação do novo espaço
urbano. Segundo Fausto (2006), a labuta mais árdua era na extração do minério,
principalmente quando o ouro de aluvião acabou e se viram obrigados a garim-
par ouro nas “galerias subterrâneas”. Tais condições de trabalho eram tipicamente
desumanas, pois ficavam imersos na água durante o dia e boa parte da noite,
no verão, mas principalmente no inverno. Nesse sentido, era comum, segundo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
o autor, um alto índice de escravos negros enfermos: “doenças como a disente-
ria, a malária, e as infecções
pulmonares” eram frequen-
tes e, muitas vezes, levavam à
morte (FAUSTO, 2006, p. 55).
A dura realidade na
labuta aurífera resultou em
uma estimativa de vida que
não ultrapassava a faixa de
sete a doze anos, segundo
os registros do período. Essa
Figura 40: Autor desconhecido - Les laveurs de diamants, por
baixa estimativa do traba- Anonymous French
Fonte: Wikimedia Commons.
lhador escravo mineiro era
devido às péssimas condições de trabalho que o escravo estava sujeito. Podemos
considerar que a crescente importação de almas negras também está relacionada
à substituição dessa mão de obra inutilizada, ou seja, escravos enfermos, inváli-
dos ou mesmo que tiveram sua vida ceifada. Essa crescente pode ser visualizada
nos dados estatísticos da região mineira, que, em 1776, “mostram a esmagadora
presença de negros e mulatos. Dos cerca de 320 mil habitantes, os negros represen-
tavam em torno de 52%, os mulatos 26% e os brancos 22%” (FAUSTO, 2006, p. 56).
Todavia, caríssimo(a) acadêmico(a), precisamos compreender que os escravos
africanos não ficavam inertes perante sua situação de exploração. Para remediar os
constantes açoites aos quais eram submetidos e as péssimas condições de trabalho,
buscavam fugir da atividade mineradora, mas principalmente de seus proprietários.

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


215

Em 1718, as fugas já eram uma grande preocupação para o Governador das Minas,
Conde de Assumar. O representante do Rei lusitano propôs que se cortassem o
tendão de Aquiles dos escravos para coibir as tentativas de fuga. A ideia foi dis-
cutida ao longo de muitos anos e, em 1755, foi acatada pela Câmara de Mariana.
Contudo, essa postura cruel não se limitou ao Governador das Minas, segundo
os estudos realizados por Schwarcz (2015), as autoridades coloniais produziram
uma gama de cartas, documentos e alvarás reprimindo as fugas de escravos afri-
canos. Nesse contexto, “uma medida do rei, datada de 1741, determinava que,
nas Minas, escravo fugido teria a marca do ferro em brasa na espádua; se reinci-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dente, uma orelha cortada” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 120).

No período que concebemos a escravidão negra no Brasil português, houve uma


série de instrumentos que foram utilizados para castigar os cativos africanos.
Dentre os mais utilizados podemos destacar: o tronco, o vira -mundo, o cepo,
as algemas e a gonilha. O tronco foi um instrumento usado em toda a América
escravocrata. Era um instrumento que consistia em um grande pedaço de ma-
deira retangular, aberto em duas metades, com buracos maiores para a cabeça,
e menores, para os pés e mãos do escravo. O vira-mundo era um instrumento de
ferro, de tamanho menor, porém com o mesmo mecanismo e as mesmas finali-
dades: de prender pés e mãos do escravo. O cepo consistia num grosso tronco
de madeira que o escravo carregava à cabeça preso por uma longa corrente a
uma argola que trazia no tornozelo. Nesta série de correntes e argolas, está a
gonilha. Extensivamente é toda espécie de corrente que prendia o escravo.
Fonte: Ramos (online).

Outro ponto relevante que podemos considerar por meio da atividade minera-
dora era a possibilidade que o escravo africano possuía de adquirir sua liberdade.
É importante termos cautela nessas afirmações, visto que as relações escravis-
tas no cenário colonial eram complexas. Nas minas de ouro, mesmo sob intensa
vigilância, os escravos africanos, quando conseguiam, extraíam o ouro, geral-
mente pequenas pepitas e escondiam no local mais seguro do corpo: na boca.
Paulatinamente, todo o ouro adquirido na atividade mineradora era direcionado

A Era de Ouro no Brasil Português


216 UNIDADE IV

para a compra de sua liberdade, por meio das cartas de alforria que, em linhas
gerais, era um documento que atestava a liberdade ao cativo. A negociação era
realizada juntamente com o seu proprietário que ditava as regras de pagamento,
de acordo com seus interesses. Além disso, não podemos deixar de destacar que,
comumente, os africanos que adquiriam sua liberdade permaneciam trabalhando
e servindo seu proprietário, pois não tinham condições econômicas e sociais de
romper esses laços de dependência. Nesse âmbito, Fausto (2006, p. 56) pontua:
Ao longo dos anos, houve uma intensa mestiçagem de raças, cresceu
a proporção de mulheres, que em 1776 era de cerca de 38% do total,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e ocorreu um fenômeno cuja interpretação é controvertida: o grande
número de alforrias, ou seja, de libertação de escravos. Para se ter uma
idéia da sua extensão, enquanto nos anos 1735-1749 os libertos repre-
sentavam menos de 1,4 da população de descendência africana, em
torno de 1786 eles passaram a constituir cerca de 41% dessa população
e 34% do número total de habitantes da capitania. A hipótese mais pro-
vável para explicar a magnitude dessas proporções, que superam, por
exemplo, as da Bahia, é que, nas minas, a progressiva decadência da mi-
neração tornou secundária, ou economicamente inviável para muitos
proprietários, a posse de escravos.

Nesse sentido, caro(a) acadêmico(a), precisamos compreender que o desenvol-


vimento da atividade mineira na região das Gerais trouxe consigo uma gama de
transformações que não ficaram restritas ao âmbito econômico e às relações de
trabalho. Observamos mudanças significativas nas esferas administrativas, sociais
e políticas da colônia a partir do advento da indústria mineira. Tais transforma-
ções exigiram, por outro lado, uma maior intervenção da Coroa portuguesa nos
assuntos do Brasil ao longo do século XVIII, tanto na arrecadação de impostos
como na organização da vida social.

A ADMINISTRAÇÃO DAS MINAS

A descoberta de jazidas de ouro e pedras preciosas na região das Minas Gerais


no final do século XVII deu origem a uma sistemática intervenção da Coroa de
Portugal nos trópicos, sobretudo na região mineira. A maior preocupação dos
monarcas lusos era assegurar que o ouro extraído chegasse ao Reino, visto que essa

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


217

atividade econômica possibilitava aliviar os problemas financeiros de Portugal.


Segundo Menezes (2011), além dos gastos que os Estados modernos possuíam,
que iam desde recursos para defesa e guerra, como também para a manuten-
ção e vias de transporte, o Império que Portugal construiu desde o século XV
gerava muitas despesas e, consequentemente, demandava altos recursos. Nesse
contexto, considera Menezes (2011, p. 43):
No caso específico de Portugal, devem ser mencionados também os
gastos públicos com a manutenção da corte – rei, nobreza e criados – e
com a Igreja, uma vez que, em Portugal, as despesas da Igreja eram
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responsabilidade do Estado. Finalmente, destacam-se as despesas com


a manutenção e a administração do, ainda vasto, império colonial. Para
fazer frente às crescentes despesas, o Estado português dependia dos
impostos cobrados tanto no Reino – onde somente o Terceiro Estado
era tributado – quanto no mundo colonial.

Desse modo, a Coroa lusa organizou uma série de medidas visando organizar a
vida social das minas, “seja em proveito próprio, seja para evitar que a corrida
ao ouro resultasse em caos” (FAUSTO, 2006, p. 53). Em vista disso, buscava-se
reprimir o contrabando de ouro e pedras preciosas para alcançar maior lucrati-
vidade com a atividade aurífera colonial. Nesse sentido, desenvolveu formas de
arrecadação de impostos que variavam de acordo com as necessidades financei-
ras do Império luso. Segundo as observações realizadas pelo historiador Boris
Fausto, a Coroa implementou dois sistemas básicos de arrecadação:
[...] o do quinto e o da capitação. O primeiro consistia na determinação
de que a quinta parte de todos os metais extraídos devia pertencer ao
rei. O quinto do ouro era deduzido do ouro em pó ou em pepitas leva-
do às casas de fundição. A capitação, lançada pela Coroa em busca de
maiores rendas, em substituição ao quinto, era bem mais abrangente.
Consistia, quanto aos mineradores, em um imposto cobrado por ca-
beça de escravos, produtivo ou não, de sexo masculino ou feminino,
maior de 12 anos. Os faiscadores, ou seja, os mineradores sem escra-
vos, também pagavam o imposto por cabeça, no caso sobre si mesmos.
Além disso, o tributo era cobrado sobre estabelecimentos como ofici-
nas, lojas, hospedarias, matadouros etc (FAUSTO, 2006, p. 53-54).

Nota-se que o Reino lusitano organizou um conjunto de tributações para garan-


tir que o ouro extraído fosse devidamente entregue à Coroa. Todavia, esse
sistema de taxação sobre as zonas auríferas não assegurou que o contrabando

A Era de Ouro no Brasil Português


218 UNIDADE IV

deixasse de ser prática corriqueira na comercialização dos metais preciosos da


colônia. Seja nas próprias minas, ou mesmo no trajeto de escoagem do ouro
e das pedras preciosas, o contrabando era prática comum do cenário tropi-
cal. Além do contrabando, observou-se uma intensa sonegação dos impostos
reais, visto que os exploradores mineiros compreendiam que as cobranças
eram abusivas e, dessa forma, desenvolviam estratégias para burlar o sistema
de taxação lusitano.
Segundo Wehling (2005), a arrecadação e os riscos de contrabando eram as
principais preocupações do Reino luso. O quinto era um imposto real que deter-

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minava que 20% sobre o ouro extraído pertencia aos cofres portugueses. Contudo,
“as dificuldades de controle do pagamento desse imposto e a grande sonegação
provocaram sucessivas modificações na forma de sua cobrança”. O autor destaca
que, após 1715, a cobrança do “quinto foi substituída, por uma quota anual de
trinta arrobas, mas o crescimento da produção fez com que o Estado imaginasse
novo procedimento tributário” (WEHLING, 2005, p. 219). Nesse sentido, a Coroa
portuguesa estabeleceu, em 1725, as casas de fundição, onde todo ouro extraído
era fundido, quintado e transformado em barras. Esses mecanismos eram cria-
dos para combater a sonegação de impostos no território mineiro (WEHLING,
2005, p. 219). Nesse âmbito, Antonil (1982, p. 174-176) pontua:
Podendo, pois, El-Rei tirar à sua custa das minas que reserva para si
os metais que são o fruto delas, atendendo aos gastos que para isso são
necessários, e querendo animar aos seus vassalos ao descobrimento das
ditas minas e a participarem do lucro delas [...] E para segurar que se
lhe pagasse o dito quinto, mandou que os ditos metais se marcassem
e que se não pudessem vender antes de serem quintados, nem fora do
Reino, sob pena de perder a fazenda e de degredo de dez anos para o
Brasil [...] Ou se considerem, pois, as minas como parte do patrimônio
real, ou como justo tributo para os gastos em prol da república, é certo
que se deve a El-Rei o que para si reservou, que é a quinta parte do ouro
que delas se tirar, puro e livre de todos os gastos [...].

Entretanto, mesmo com a instauração de todos esses mecanismos, o ouro conti-


nuou sumindo aos olhos da Coroa. Boa parte da produção de minérios acabava
nas mãos de atravessadores que sustentavam um comércio ilegal e lucrativo,
pois ficava “ausente” das tributações reais. De acordo com a análise de Schwarcz
(2015), “as autoridades coloniais fizeram de tudo para garantir o controle dessa

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


219

produção: a entrada nas Minas passou a ser monitorada por postos arrecada-
dores e fiscalizadores, os Registros do Ouro, e por Guardas, postos com funções
exclusivamente repressoras” (SCWARCZ; STARLING, 2015, p. 116). O controle
na região era tão grande que o “Caminho Geral do Sertão” (principal via de con-
trabando do ouro) ficou interditado para a passagem de pessoas e mercadorias
e limitou-se apenas a passagem de gado. Todavia, mesmo com esse conjunto de
ações repressoras, o ouro continuou sendo contrabandeado, devido à audácia
desses indivíduos que, comumente, misturavam-se aos comerciantes ou mesmo
utilizavam os “padres autoindulgentes” para efetuarem a travessia. Tais religiosos
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não eram revistados nos postos de controle da capitania e, desse modo, pode-
riam transitar livremente com o ouro escondido em suas vestes (SCWARCZ;
STARLING, 2015, p. 117).

O maior desafio do governo era a cobrança do “quinto” – 20% de qualquer


quantidade de metal ou pedra preciosa extraída na Colônia que deveria ser
paga à Coroa. Após várias tentativas de se encontrar o sistema mais eficaz
de cobrança, chegou-se finalmente ao método adotado a partir de 1751:
foram instaladas quatro casas de fundição nas sedes das quatro comarcas
de Minas: Vila Rica, Rio das Mortes, Serro Frio e Sabará. Ficou, então, proibida
a circulação de ouro em pó: nas casas de fundição, o metal ganhava a forma
de barras e o carimbo real, com o devido desconto do quinto. A nova ordem
também tabelou o preço do ouro. Ao entrar, em pó, nas casas de fundição,
ele valia 1.200 réis a oitava (até então, acostumava ser negociado por 1.500
réis). Ao sair, já “quintado”, seu valor era de 1.500 réis a oitava.
Fonte: Carrara (2013, p. 154).

O estabelecimento do quinto e das casas de fundição provocou uma onda de


descontentamento por parte dos mineradores, os quais se rebelaram contra a
taxação abusiva imposta pela Coroa portuguesa sobre a extração aurífera. Nesse
contexto, podemos destacar a Revolta de Felipe dos Santos, também conhecida
como Revolta de Vila Rica, que aconteceu na região mineira em 1720. Essa revolta

A Era de Ouro no Brasil Português


220 UNIDADE IV

liderada por Felipe dos Santos ocorreu em resposta às imposições reais sobre
o comércio aurífero. A revolta perdurou por, aproximadamente, 30 dias e foi
marcada pela tomada de Vila Rica pelos revoltosos, que foram duramente repri-
midos pelas tropas do Governador das Minas, Conde de Assumar (1717-1721).
Em resposta, Conde de Assumar determinou o fechamento da entrada de Vila
Rica, delegou a prisão dos principais líderes da revolta e os enviou para o Rio de
Janeiro, onde foram exterminados por populares. Em Vila Rica, o Governador
mandou executar publicamente Felipe dos Santos, celebrando a justiça do Rei
(SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 139).

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A sedição de Vila Rica foi a revolta mais relevante no complexo mineiro,
antes da Inconfidência Mineira. Essa revolta apresentou o descontentamento dos
mineiros frente à taxação dos impostos reais. É importante destacar, caro(a) alu-
no(a), que os mineiros não ficaram inertes às imposições do Reino luso na região
aurífera e comumente se levantavam contra os abusos fiscais. Além disso, preci-
samos mencionar que a Coroa de Portugal não compreendia que o período de
apogeu do ouro situou-se entre 1733 a 1748 e mantinha, após esse período, as
mesmas taxações de impostos, algo que gerou grande endividamento e crise na
região, pois os envolvidos com essa atividade econômica não conseguiam sanar
sua dívida com a Coroa portuguesa.
Diante desse cenário, buscando reaver os impostos atrasados, o monarca luso
decidiu pela implantação da derrama que, em linhas gerais, representava uma
nova modalidade de tributo que obrigava o pagamento dos impostos atrasados
e que, mais uma vez, levaria os habitantes da região à revolta, porém influencia-
dos pelas ideias iluministas que percorriam a Europa.
Segundo os apontamentos realizados por Boris Fausto, a sociedade que flo-
resceu na região das Gerais está associada à ideia de riqueza. Contudo, o autor
enfatiza que essa ideia merece certa restrição e cuidado, visto que o ciclo do
ouro no Brasil português foi marcado pelo auge das extrações, porém também
foi assolado pela fome e carência de alimentos. A riqueza obtida no comércio do
ouro ficou exposta em algumas construções ou mesmo obras de arte das cidades
históricas de minas, porém, sem dúvida, os montantes mais significativos foram
direcionados para o Reino e expostos em suntuosas obras arquitetônicas. Além
disso, precisamos compreender que as riquezas ficaram concentradas nas mãos

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


221

de poucos indivíduos que estavam envolvidos, de certa forma, com o comércio


de ouro, não necessariamente proprietários de minas (FAUSTO, 2006, p. 56).
Nesse âmbito, observamos que a era do ouro no Brasil, que se perdurou prin-
cipalmente durante o século XVIII, diversificou as relações sociais e o espaço
urbano. A partir desse contexto, compreendemos uma série de mudanças: o sur-
gimento de conflitos sociais, a intensificação da escravidão negra e o surgimento
de novas atividades econômicas, sobretudo ligadas ao espaço urbano. Aliada a
essa premissa, podemos visualizar uma maior intervenção do Estado luso na
administração das terras brasílicas devido à maior arrecadação tributária e orga-
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nização da vida social, tanto nas minas como nas vilas e cidades.

O ESPAÇO URBANO COLONIAL

O ciclo do ouro no Brasil português ao longo do século XVIII possibilitou a dina-


mização do espaço urbano colonial, tanto no território mineiro como em outras
regiões da colônia lusa. É importante compreendermos que esse crescimento da
vida urbana produziu, por outro lado, uma gama de novas necessidades que até
então não eram “reconhecidas”. Não podemos esquecer que a vida urbana nas ter-
ras brasílicas existia desde o século XVI, porém de forma limitada e atendendo às
necessidades daquele contexto. Nesse momento, conseguimos visualizar cidades
mais organizadas, que possibilitavam o crescimento de uma vida intelectual, base-
ada nas letras, com os grandes poetas do período, nas artes plásticas e na música.
A cidade de Salvador foi capital da colônia portuguesa até 1763 (nesse ano,
o Rio de Janeiro passou a ser a capital das terras brasílicas, visto sua localização
estratégica que favorecia o escoamento do ouro extraído na região das Gerais)
e, consequentemente, nela residiam a alta fidalguia portuguesa, os principais
membros do clero e os magistrados que eram responsáveis pela administração
dos trópicos. A lucratividade adquirida no complexo açucareiro contribuiu para
financiar as obras arquitetônicas da cidade de Salvador, que podiam ser visua-
lizadas na arquitetura dos grandes espaços oficiais, nas igrejas e nas residências
dos homens mais abastados da cidade. Além dessa riqueza arquitetônica, Priore
(2010) destaca a animação da vida urbana que “ficava por conta de inúmeras

A Era de Ouro no Brasil Português


222 UNIDADE IV

quitandas – em substituição a um grande mercado -, nas quais negras vendiam


carnes, nacos de baleia e de peixes, hortaliças ou toucinhos”. Todavia, essas possi-
bilidades não se restringiam aos gêneros alimentícios, a cidade também possuía
lojas que ofereciam produtos finos, como “sedas de Gênova, linhos e algodões
da Holanda e Inglaterra, tecidos de Paris e Lyon, mesclados de ouro e prata”
(PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 86-88).
Dando continuidade à análise apresentada pelos autores, o Rio de Janeiro
até a descoberta do ouro na região das Gerais era uma cidade sem muitos atrati-
vos. Porém, com a exploração das jazidas auríferas e, consequentemente, com a

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intensificação do tráfico de almas negras, a cidade até então humilde e limitada
cederia lugar para um espaço urbano mais dinâmico e em constante crescimento.
Todavia, esse boom urbano também trouxe problemas significantes para a cidade,
destes, podemos mencionar: a sujeira nas vias públicas e a presença de animais
domésticos que eram criados livres, alimentando-se dos rejeitos orgânicos lan-
çados ‘porta afora’. Também se observou o problema com os esgotos que eram
lançados nas principais praias. Além dos problemas que existiam em todas as
cidades coloniais, devido, sobretudo, à ausência de um sistema de esgoto, o Rio
de Janeiro também apresentava outros cenários. Nesse âmbito:
No Rio de Janeiro ou em outras cidades coloniais, a massa de escravos
dominava boa parcela dos ofícios urbanos. Atarefados, oferecendo seus
serviços ou os produtos feitos na casa do senhor, cumprindo obriga-
ções, levando recados, carregando água, os cativos estavam em toda
parte. Sua presença associada ao transporte privado é constante nas
gravuras do período. Eram eles que carregavam o banguê, velha litei-
ra, particular ou de aluguel, cujo telhado de couro em forma de baú
protegia do sol quem ia dentro. Portavam nos ombros as cadeirinhas,
mais refinadas, feitas de couro de vaca e forradas de damasco carme-
sim, cujas cortinas fechavam-se a cada vez que nelas se transportava
uma dama (PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 95).

Um bom exemplo desse dinamismo urbano ocorreu na cidade de Vila Rica (loca-
lizada na região mineira, atual Ouro Preto), sobretudo nas últimas décadas do
século XVIII. A cidade já possuía em torno de 80 mil habitantes, porém o total
estimado era de 320 mil, não contabilizando os indígenas. Os habitantes circula-
vam em um espaço urbano marcado por “uma paisagem irregular, entre palácios
de pedra argamassada, sobrados com telhados de cunhais de pedra, edifícios

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


223

baixos e de madeira, casas de adobe e de pau a pique, ruas planas, alguns largos
onde se davam os avisos públicos [...]”. Essas características urbanísticas estavam
de acordo com o poder da Coroa lusa e “à sede administrativa da capitania mais
rica e populosa da América portuguesa”. O ouro, sem dúvida, pode ser “visto”
em cada monumento arquitetônico levantado na cidade de Vila Rica, principal-
mente nas igrejas de São Francisco de Assis e Nossa Senhora da Conceição de
Antônio Dias (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 124).
Como seria de esperar, o Século do Ouro trouxe mudanças para a lite-
ratura. A nova riqueza alimentada pelo ouro e pelos diamantes empur-
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rou o Sudeste boa parte da incipiente vida literária. O Rio de Janeiro,


escoadouro das riquezas minerais e capital colonial a partir de 1763, e
as cidades mineradoras passaram a sediar novas expressões estéticas.
Mariana, sede do bispado de Minas, tornara-se foco de instrução gra-
ças ao seminário ali instalado por obra de ricos proprietários interes-
sados em garantir estudo aos seus filhos, antes de enviá-los a Coimbra
(PRIORE; VENANCIO, 2010, p. 104).

No que concerne às letras, a cidade contava com três grandes poetas: Cláudio
Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto. Esses letrados não
desconsideraram o cenário de Vila Rica em suas poesias, podendo ser visualizado,
mesmo como pano de fundo. O poema Vila
Rica, escrito por Cláudio Manuel da Costa em
1773, destaca a arquitetura do espaço físico
citadino: “nos versos surgem as fontes e os
chafarizes que dão conta do abastecimento de
água; as muitas pontes que ampliam o qua-
dro de serviços e o equipamento urbano; a
belíssima Torre do Relógio, caracterizada pela
qualidade do padrão construtivo de Minas”.
Além de grande poeta, Cláudio Manuel da
Costa pode ser considerado a principal refe-
rência intelectual do período que, ao lado de
um grupo de estudiosos, conseguiu desen-
volver uma larga produção acerca da região Costumes-riojaneiro, por Johann Moritz Rugendas
mineira. Nesse prisma, podemos mencionar Fonte: Wikimedia Commons.

A Era de Ouro no Brasil Português


224 UNIDADE IV

a “produção de registros cartográficos, estudos acerca das potencialidades mine-


ralógicas da capitania, bem como a descrição de seus recursos e a diversificação
de sua produção econômica” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 125).
O grupo de letrados, além de ter sido imprescindível para o crescimento
cultural da região mineira, também fomentou as ideias acerca da Conjuração
Mineira de 1789, mesmo ano da eclosão da Revolução Francesa. Esse movi-
mento de caráter anticolonial foi o mais importante ocorrido no século XVIII
na América portuguesa, fortemente influenciado pelas ideias iluministas que
pairavam na Europa e que foram relevantes tanto no processo francês de rup-

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tura com o Antigo Regime como na Independência norte americana em 1776.
Desse modo, precisamos compreender que muitos movimentos, revoltas ou
mesmo levantes que ocorreram no cenário colonial, foram fortemente influen-
ciados por ideias fomentadas em outros Estados e que chegaram ao Brasil, por
meio dos intelectuais que, muitas vezes, tinham sua formação na Europa, prin-
cipalmente em Coimbra.

O iluminismo foi um movimento intelectual que surgiu no final do século


XVII, porém conheceu seu apogeu no século XVIII durante o processo revo-
lucionário francês (Revolução Francesa). Os pensadores defendiam o uso da
razão (luz) contra o Antigo Regime (trevas – absolutismo). Este movimento
promoveu mudanças políticas, econômicas e sociais, baseadas nos ideais
de liberdade, igualdade e fraternidade. As principais críticas ao Antigo Re-
gime eram: mercantilismo, absolutismo monárquico e poder da Igreja e as
verdades reveladas pela fé. Os iluministas defendiam: a liberdade econômi-
ca, o avanço da ciência e da razão, o predomínio dos interesses burgueses.
Alguns monarcas absolutistas, com medo de perder seu poder – ou mesmo
a cabeça –, passaram a aceitar algumas ideias iluministas e se autodeno-
minaram: déspotas esclarecidos. Estes reis tentaram conciliar o jeito de go-
vernar absolutista com as ideias de progresso do iluminismo. Em Portugal
no reinado de D. José I (1750-1777), quem ficou conhecido como Déspota
Esclarecido foi seu primeiro ministro: Marquês de Pombal que promoveu a
expulsão dos jesuítas de todo Império português em 1759.
Fonte: O Iluminismo (online).

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


225

BREVES APONTAMENTOS SOBRE A CONJURAÇÃO MINEIRA

Prezado(a) aluno(a), o Brasil português do século XVIII foi palco de uma gama
de revoltas, conjurações ou mesmo rebeliões. Esses levantes poderiam tanto pos-
suir um caráter nativista, na maioria das vezes, devido ao descontentamento dos
habitantes da colônia perante alguma determinação imposta pela Coroa lusitana
(por exemplo: Guerra dos Emboabas e Revolta de Felipe dos Santos na região
mineradora e Guerra dos Mascates, em Pernambuco), como poderiam possuir
um sentimento separatista, ou seja, anticolonial, visando sua emancipação, des-
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ses movimentos pode-se destacar: a Conjuração Baiana de 1798 e a Conjuração


Mineira de 1789, a qual será nosso objeto de análise a partir deste momento.
Segundo Fausto (2006), a Conjuração Mineira foi o movimento mais importante
ocorrido nas terras brasílicas durante os três primeiros séculos de dominação por-
tuguesa. O autor destaca que sua importância não está relacionada ao fato material,
mas sim por possibilitar uma construção simbólica que despertou a possibilidade
de emancipação política. Como já havíamos mencionado, o movimento sofreu forte
influência das ideias iluministas que pairavam na Europa, principalmente após a
Independência dos Estados Unidos em 1776. Isso era possível pelo contato que existia
entre os membros da elite mineira e os pensadores iluministas, tanto de forma direta,
como por meio dos estudos de suas obras nas Universidades na Europa, diretamente.
O historiador Boris Fausto menciona um incidente ocorrido com José Joaquim
da Maia que cursava Medicina em Montpellier, na França, em 1786. Segundo
o autor, nesse mesmo ano, José J. da Maia estabeleceu contato com Thomas
Jefferson, “então embaixador dos Estados Unidos na França, solicitando apoio
para uma revolução, que, segundo ele, estava sendo tramada no Brasil”. Outro
contato significativo ocorrido nesse momento foi com José Álvares Maciel, que
teve sua formação em Portugal e viveu por 18 meses na Inglaterra. Essa vivên-
cia teve relevância pelo aprendizado que adquiriu nas principais técnicas fabris,
mas principalmente pelo diálogo estabelecido com os ingleses na busca por um
apoio ao movimento pela independência do Brasil (FAUSTO, 2006, p. 64).
Nesse sentido, podemos compreender a importância do conjunto de ideias
iluministas, mas, sobretudo, da possibilidade que a elite mineira possuía de estabe-
lecer contatos com pessoas relevantes no cenário mundial. Além dessas questões,

A Era de Ouro no Brasil Português


226 UNIDADE IV

também é interessante mencionar que o movimento separatista mineiro come-


çou a ser desenvolvido ou mesmo arquitetado por volta da década de 1780. Oito
anos depois, o projeto que validava a autonomia das Minas Gerais estava sendo
debatido em conselhos locais e, em 1789, Minas foi palco de sua Conjuração.
Contudo, quem estava por trás desse ousado movimento?
Reunia cônegos eruditos, como Lúis Vieira da Silva, proprietário de uma
livraria formidável e professor de filosofia no Seminário de Mariana, e
padres apreciadores de música, como Carlos Correia de Toledo, vigário
da vila de São José del-Rei, hoje a cidade de Tiradentes. Havia entre eles
três grandes poetas – o próprio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Alvarenga Peixoto – e diversos “letrados”: o médico e naturalista José
Vieira Couto, o engenheiro militar José Joaquim da Rocha, o filósofo,
cientista natural e minerologista José Álvares Maciel, o jovem médico
recém-formado em Montpellier, Domingos Vidal de Barbosa Lage. En-
tre os participantes regulares desse grupo também se perfilavam mili-
tares de vaiada patente [...] e um número considerável de membros da
elite econômica da capitania: homens de negócio, fazendeiros, comer-
ciantes, emprestadores de dinheiro, contratadores, além dos poderosos
magnatas locais [...] (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 142).

O grupo era diversificado, mas todos, de certa forma, possuíam algum laço com os
grandes proprietários mineiros, seja de amizade, familiar ou mesmo econômico.
Todavia, não visualizamos no excerto acima a figura mais conhecida pela historio-
grafia do período e o “queridinho” de grande parte dos livros didáticos: Tiradentes.
Segundo Fausto (2006), José Joaquim da Silva Xavier, mais conhecido como
Tiradentes, era um nome importante do movimento mineiro, porém ficava a mar-
gem da elite citada acima. Teve uma história de vida complicada, tendo ficado
órfão ainda quando criança, juntamente com seis irmãos. Desse modo, mesmo que
amparado com alguns imóveis deixados pelos pais, não conseguiu assegurar suas
propriedades devido às dívidas existentes. No ano de 1775, ingressou na carreira
militar, ocupando cargo de alferes e “nas horas vagas exercia o ofício de dentista,
de onde lhe veio o apelido algo depreciativo de Tiradentes” (FAUSTO, 2006, p. 64).
Contudo, como um simples personagem foi tão relevante para o processo
que desencadeou a Conjuração Mineira? Nesse sentido, utilizaremos os apon-
tamentos realizados por Tarcísio de Souza Gastar, que desenvolveu um estudo
acerca do poder persuasivo de Tiradentes. Segundo o autor, Tiradentes, além de
possuir boa oratória, também frequentava ambientes que eram favoráveis para a

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


227

divulgação dos ideais revolucionários da Conjuração, ou seja, levava seu discurso


para espaços onde apenas pobres, libertos, escravos, vadios e mesmo prostitutas
frequentavam. Entretanto, suas palavras também tiveram espaço nas principais
vias públicas de Vila Rica e nas residências de homens abastados da elite mineira,
como João Rodrigues de Macedo (comerciante e arrecadador de impostos). Suas
palavras não se limitaram ao espaço citadino, mas também se fizeram presentes no
principal trajeto que ligava as vilas mineiras ao litoral carioca, sendo a rota mais
transitada nos trópicos devido ao comércio aurífero (GASPAR, 2013, p. 467-469).
Nesse contexto, compreendemos como as ideias da sedição mineira se espa-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

lharam por todos os ambientes de Vila Rica e como a figura de Tiradentes foi
relevante nesse processo. Além desas questões, precisamos descrever a situação
econômica que se encontrava a região mineira, inserida em uma série de taxa-
ções, tributos e cobranças que a Coroa portuguesa decretou sobre os mineiros
(quinto, casas de fundição e derrama) e de como essas imposições repercutiram
de forma negativa para os habitantes das Gerais.
Os motivos que desencadearam a Conjuração Mineira não podem ser con-
siderados estritamente econômicos. Além dessas questões, a região mineira
também sofreu outros agravantes. Nesse sentido, pontua Fausto (2006, p. 64):
[...] Cunha Meneses marginalizou os membros mais significativos da
elite, favorecendo seu grupo de amigos. Embora não pertencesse à eli-
te, o próprio Tiradentes se viu prejudicado, ao perder o comando do
destacamento militar que patrulhava [...] A situação agravou-se com a
nomeação do visconde de Barbacena para substituir Cunha Meneses.
Barbacena recebeu do ministro português Melo e Castro instruções a
fim de garantir o recebimento do tributo anual de cem arrobas de ouro.
Para completar essa quota, o governador poderia apropriar-se de todo
o ouro existente e, se isso não fosse suficiente, decretar a derrama [...]
Recebeu ainda instruções para investigar os devedores da Coroa e os
contratos realizados entre a administração pública e os particulares. As
instruções faziam pairar uma ameaça geral sobre a capitania e mais
diretamente sobre o grupo de elite, onde se encontravam os maiores
devedores da Coroa.

O cenário já estava todo elaborado. O movimento teria início com um motim


marcado para fevereiro, na cidade de Vila Rica, após a Coroa portuguesa decretar
a derrama. Caso houvesse uma vitória, o levante seria levado a diante, ou seja, os
conjurados espalhariam o movimento por toda a capitania. Os primeiros passos

A Era de Ouro no Brasil Português


228 UNIDADE IV

do levante se dariam por meio do “anúncio da declaração de independência das


Minas e a definição dos instrumentos necessários para sua implementação sob
a forma de República” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 144).
Todavia, o plano não se concretizou, e, em 18 de maio de 1789, no início da
noite, um indivíduo foi avistado caminhando pelas vielas sombrias de Vila Rica.
Passou pelas principais residências dos conjurados, avisando-os que o plano
estava ameaçado, pois os homens do governo haviam tomado conhecimento
antes do levante acontecer e os conjurados corriam perigo.
Segundo Schwarcz (2015), Visconde de Barbacena recebeu algumas denún-

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cias de que havia um motim contra o Governo das Minas, ou seja, contra o poder
Imperial português. Nas denúncias apresentadas, a mais relevante foi relatada por
um conjurado, Silvério dos Reis (homem abastado que possuía muitas dívidas
com a Coroa lusa), que, em troca de sua denúncia, teve suas dívidas perdoadas.
O Visconde de Barbacena coletou dados importantíssimos acerca de todos os
envolvidos na conjura mineira e, após dois meses, decretou a prisão de todos
os conjurados para averiguação. Entretanto, esse processo se deu de maneira
lenta e se arrastou por longínquos três anos. Alguns suspeitos foram encami-
nhados “à cadeia da Relação e à fortaleza da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro”
(SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 145-146). Com o fim das investigações, os
culpados foram enviados em “degredo na África, prisão perpétua em Portugal
para réus eclesiásticos, sequestro dos bens, condenação a forca”. Essa onda de
terror também atingiu o poeta Cláudio Manuel da Costa, que foi encontrado
morto em uma minúscula cela (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 145-146).
E Tiradentes? Precisamos compreender, caríssimo(a) acadêmico(a), que
essa figura tão importante para a propagação das ideias da Conjuração Mineira
não foi o líder do movimento, porém foi o elemento fundamental na organi-
zação de todo esse processo, visto que os conjurados lutavam, pelo menos boa
maioria deles, pela emancipação política da capitania e pela instauração de uma
República, nos moldes da Constituição dos Estados Unidos da América. Foi, sem
dúvida, um dos movimentos mais relevantes do cenário colonial, por apresen-
tar, de maneira clara, o descontentamento que os habitantes da colônia nutriam
quanto às amarras impostas pelo poder Imperial português. Por outro lado, refor-
çou a crueldade dos organismos reais:

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


229

[...] para que o horror do castigo não se apagasse jamais da memória


dos colonos. Tiradentes foi enforcado no dia 21 de Abril de 1792, no
largo da Lampadosa, no Rio de Janeiro. O corpo, esquartejado e salga-
do. Os braços e as pernas foram pregados nos mais destacados pontos
de trânsito do Caminho Novo. A cabeça deveria permanecer exposta
até finalmente apodrecer, fincada num poste erguido na praça central
de Vila Rica, em frente ao palácio do governador – onde hoje se en-
contra o monumento a Tiradentes [...] (STARLING, 2015, p. 146-147).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Tiradentes Esquartejado, 1893, Pedro Américo de Figueiredo e


Melo (Pintor Brasileiro, 1843-1905), óleo sobre tela, 270 x 165 cm,
Museu Mariano Procópio, Juiz de For a (MG), Brasil.

Fonte: Domingues (online).

Comentários da autora: Caríssimo(a) aluno(a), a imagem ao lado


é uma representação da execução de Tiradentes, que foi um dos
grandes nomes da Conjuração Mineira. Podemos perceber uma
vasta semelhança com a crucificação de Jesus Cristo.

O feriado de 21 de abril é uma homenagem a Tiradentes, que foi reconheci-


do como herói nacional cerca de 150 anos depois de sua morte.
Fonte: Dia de Tiradentes (online).

A Conjuração Mineira não chegou a acontecer, porém os resquícios dessa luta


marcaram a colônia portuguesa profundamente, sobretudo por despertar um sen-
timento coletivo de insatisfação ao poderio da Coroa lusitana. Abaixo, podemos
visualizar as principais revoltas, levantes ou mesmo conjurações que ocorreram
nas terras brasílicas durante o século XVIII e que foram fundamentais no pro-
cesso de contestação da dominação portuguesa nos trópicos, que, cerca de 35
anos depois, iria romper seus laços de dependência com Portugal.

A Era de Ouro no Brasil Português


230

NOME LOCAL ANO LÍDERES CAUSAS RESULTADOS


Guerra dos Embo- Minas Gerais 1707- Nunes Viana e Controle da extração Os paulistas saíram derrota-
abas 1708 Amador Bueno aurífera (exclusividade dos e a maioria abandonou
UNIDADE

da Veiga na exploração do Ouro). a região mineira. Contudo


Conflito entre os paulistas alguns permaneceram e es-
IV

(bandeirantes) e os em- tabeleceram novas alianças.


boabas – portugueses e
aventureiros que chega-
ram à região
Guerra dos Mas- Pernambu- 1710- Senhores de En- Disputa entre Olinda e Os principais líderes foram
cates co (Olinda e 1711 genho e comer- Recife pelo poder político presos; a autonomia de
Recife) ciantes de Pernambuco; crise Recife permaneceu após
econômica na cidade de o conflito. Em 1712, Recife
Olinda; favorecimento da tornou-se a sede adminis-
Coroa lusa aos comer- trativa de Pernambuco
ciantes de Recife

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


Revolta de Felipe Vila Rica (Mi- 1720 Felipe dos Santos Resposta às imposições Os revoltosos foram repri-
dos Santos ou Re- nas Gerais) (cerca de reais sobre o comércio midos. Houve o fechamen-
volta de Vila Rica 30 dias) aurífero. Os revoltosos lu- to da entrada de Vila Rica;
tavam contra as taxações prisão dos principais envol-
sobre o ouro – Quinto e vidos e execução pública de
Casas de Fundição Felipe dos Santos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

NOME LOCAL ANO LÍDERES CAUSAS RESULTADOS


Conjuração Minei- Vila Rica 1789 Membros da elite Política repressora da Co- Os conjurados almejavam
ra ou Inconfidên- (Minas Gerais). mineira, intelec- roa portuguesa; cobrança a independência da região
cia Mineira – influência: tuais, médicos e de quinto e derrama mineira, porém Silvério dos
ideias ilumi- Tiradentes (gran- Reis traiu o movimento,
nistas de articulador) entregando os planos dos
conjurados. O movimento
não chegou a acontecer os
envolvidos foram presos.
Alguns condenados ao
degredo, outros enforcados.
Tiradentes foi esquartejado
e teve seus pedaços mortais
expostos no Caminho Novo
Conjuração Baia- Bahia (Salva- 1798 Lucas Dantas, Insatisfação popular com Os revoltosos queriam a
na ou Conjuração dor)– influ- João de Deus, o aumento dos produtos emancipação política da
dos Alfaiates ência: ideias Manuel Faustino de primeira necessidade. capitania. A Conjuração
iluministas e Luiz Gonzaga Carência de alimentos, e não chegou a acontecer.
das Virgens (mu- insatisfação com a políti- Os líderes populares foram
latos e pobres). ca portuguesa duramente condenados.
Movimento de Corpos esquartejados e
caráter popular e espalhados pela cidade
Cipriano Barata
(médico)
Quadro 1: Principais Revoltas Anticoloniais do século XVIII
Fonte: adaptado de ALMEIDA e OLIVEIRA (2013, p. 307-309); FAUSTO (2006, p. 64-65); GASPAR (2013, p. 467-469); SCHWARCZ e STARLING(2015, p. 142-150);
Guerra dos mascates (online) e Conjuração Baiana (online).

A Era de Ouro no Brasil Português


231
232 UNIDADE IV

O IMPÉRIO PORTUGUÊS NO BRASIL: DA CHEGADA DA


CORTE À INDEPENDÊNCIA

ASPECTOS GERAIS QUE ABALARAM O IMPÉRIO DE PORTUGAL

Caríssimo(a) acadêmico(a), é importante mencionarmos algumas questões antes


de nos debruçarmos para a finalização de nosso estudo sobre o Brasil Colonial.
Nesse sentido, precisamos destacar brevemente alguns pontos relevantes que nos
auxiliarão, a partir desse momento, tanto ocorridos no cenário tropical, como

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
também em outros contextos internacionais. Essa reflexão é de suma relevância
para compreendermos quais foram os motivos pelos quais a Coroa lusa tomou
a decisão de abandonar o Reino, enfrentar uma aventura marítima e se mudar
para a capital de sua principal colônia em 1808: o Rio de Janeiro.
Partiremos da realidade que abatia sobre as terras brasílicas em fins do século
XVIII. Em um primeiro momento, não podemos esquecer-nos de duas ques-
tões principais: a crise na produção aurífera a partir de 1750 e as conjurações
que ocorreram em Minas Gerais e na Bahia na última década do século XVIII.
No que tange aos problemas de origem econômica, podemos entender que
a produção aurífera no Brasil no início do século XVIII agiu como elemento
confortador para os cofres públicos portugueses que atravessavam uma crise
desde o final da União Ibérica em 1640 (independência que só é reconhecida
pela Espanha em 1668). Na verdade, a Coroa lusa encontrou na extração de
ouro e pedras preciosas a alternativa viável para ajustar sua situação financeira,
algo que pode ter ocorrido de forma harmoniosa até 1750, em que presencia-
mos uma queda na produção de minério na região das Gerais. Outro ponto
interessante para mencionarmos se refere aos exorbitantes gastos que a Coroa
portuguesa fazia com a construção de monumentos ou mesmo obras públicas no
Reino, além disso, ainda precisava manter seu imenso corpo administrativo dis-
tribuído em suas possessões territoriais ultramarítimas, algo que Portugal, nesse
momento, fazia a qualquer custo. Todavia, os monarcas lusos desconheciam ou
mesmo não acreditavam que sua mina de ouro poderia começar a “secar”, e foi
isso que aconteceu. A produção aurífera foi caindo paulatinamente e gerando
uma onda de endividamentos e de insatisfação dos habitantes que eram atingidos

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


233

direta ou indiretamente com a política fiscal da Coroa lusa. O resultado disso


foi a Conjuração Mineira.
As revoltas, motins ou mesmo Conjurações ocorreram no Brasil colonial
como forma de protesto à política Imperial portuguesa. Os habitantes das capi-
tanias começaram a demonstrar sua insatisfação quanto ao governo português,
sobretudo quando eram atingidos por alguma medida de ordem econômica, ou
mesmo política. Influenciados por ideias iluministas, tanto na Bahia quanto em
Minas Gerais, esses movimentos foram de suma relevância por apresentarem uma
organização e almejarem sua emancipação política, ou seja, sua Independência
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de Portugal. Os movimentos não chegaram a acontecer, porém deixaram marcas


inquestionáveis na mentalidade dos habitantes coloniais e ressaltou o sentimento
de insatisfação que a população nutria quanto a seus governantes. Desse modo,
uma crise de ordem econômica e política estava instaurada no Brasil português
em fins do século XVIII. Nesse âmbito, pontua Wehling (2005, p. 346):
Em torno de 1800 o Brasil estava em crise, numa dimensão até então
inédita. Crise econômica, com a desarticulação provocada pelo declí-
nio da economia mineradora e não compensada plenamente pela ex-
pansão de outros produtos. Crise política, com a insatisfação contra o
Absolutismo, manifestada em várias capitanias pela elite proprietária
que se sentia excluída do processo decisório colonial. Crise adminis-
trativa, com a organização do Império questionada por sua própria
burocracia.

Todavia, os problemas da Coroa portuguesa não se limitavam à crise econô-


mica e política presenciada em sua principal colônia em fins do século XVIII.
Acontecimentos no âmbito internacional foram fundamentais para agravar a
situação problemática que o Reino atravessava nesse momento. Nesse sentido,
podemos mencionar três acontecimentos importantes que tiveram consequ-
ências para muitos países europeus: a Independência das 13 colônias em 1776
na América, a Revolução Industrial que se consolida na Inglaterra em 1780 e,
a mais impactante, a Revolução Francesa de 1789. Desse modo, podemos nos
questionar: como incidentes internacionais podem ter provocado mudanças tão
drásticas no pequeno Reino luso?
O ano de 1776 ficou marcado na história mundial como o ano da Independência
das 13 colônias da América, frente à dominação inglesa. Esse acontecimento foi

O Império Português no Brasil: da Chegada da Corte à Independência


234 UNIDADE IV

influenciado pelo conjunto de ideias iluministas que pairavam sob o continente


europeu e destacou-se por apresentar, de forma inédita, “uma lista de direitos
para o cidadão, integrando a ideia de República à modernidade política e provou
que a condição colonial não era um estatuto perene” (SCHWARCZ; STARLING,
2015, p. 151). Nesse contexto, podemos compreender que o movimento é rele-
vante não apenas por apresentar uma alternativa real de rompimento com as
amarras da metrópole (nesse caso, a Inglaterra), mas por propor uma organiza-
ção social pautada na ordem republicana, amparada por uma Constituição que
tentava zelar pelos direitos dos “cidadãos”. Esse movimento também serviu de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
exemplo para os conjurados mineiros e baianos no Brasil colonial.
Enquanto a monarquia inglesa perdia sua colônia na América, os grandes
industriais e os proprietários rurais impulsionavam a industrialização do país.
A Inglaterra foi o primeiro país a se industrializar, colocando-se a frente das
demais Coroas da Europa. Desse modo, o incidente que presenciamos no cenário
inglês “gerou um movimento contínuo, que envolveu largos investimentos eco-
nômicos, novas tecnologias e uso indisciplinado da mão de obra” (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 151). Podemos perceber que a Revolução que estava em
curso na Inglaterra requeria uma combinação de fatores: investimentos e aper-
feiçoamento tecnológicos, mão de obra disponível e matéria prima barata. Todos
esses elementos eram imprescindíveis para alimentar a corrida industrial. Além
dessas questões, precisamos destacar que a industrialização inglesa intensificou
a rivalidade que já existia com a Coroa francesa, no que concerne a uma corrida
pelo mercado mundial. Essa rivalidade se tornou visível quando o Imperador fran-
cês Napoleão Bonaparte decretou o Bloqueio Continental aos ingleses em 1806.
Os franceses presenciaram um processo revolucionário que se arrastou
por 10 anos, permeado por uma série de crises políticas, sociais, mas, sobre-
tudo, de origem econômica. A Revolução Francesa eclodiu em 1789, marcada
por perseguições, prisões e muito derramamento de sangue, por meio do uso
da Guilhotina aos indivíduos considerados inimigos da nação e, posterior-
mente, da Revolução – o Rei da França Luís XVI foi guilhotinado em 1793. O
movimento francês foi de suma relevância principalmente por exterminar os
vestígios feudais que sustentavam a sociedade francesa e por colocar em che-
que o Antigo Regime e a monarquia absolutista de caráter divino. Todavia, os

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


235

anos que se seguiram após a Revolução Francesa foram fundamentais para


compreendermos a história de muitos países europeus, sobretudo de Portugal.
Nessa premissa, podemos observar que:
A Revolução Francesa abalaria a diplomacia lusa, ameaçando acor-
dos com a Espanha e forçando uma atitude mais assertiva em relação
à aliança com a Inglaterra. O mesmo ocorreria com o movimento
de independência norte-americano, que opôs França e Inglaterra.
Diante da situação tensa, Portugal tentou sustentar sua complicada
política de neutralidade. Tinha certa experiência no assunto, já que,
havia muito tempo, em momentos de conflito temperava as relações
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

internacionais com doses balanceadas de concordância e discrição.


Acima de tudo, a Coroa queria preservar a autonomia política e ga-
rantir seus domínios no ultramar (SCHWARCZ; STARLING, 2015,
p. 153).

Na verdade, a situação do Reino lusitano complicou-se a partir de 1804, quando


Napoleão Bonaparte torna-se Imperador da França. Nesse momento, Napoleão
começou a colocar em prática um conjunto de ações que foram pensadas tanto no
âmbito interno (desenvolvidas dentro das fronteiras francesas) como no âmbito
externo, com uma política imperialista de caráter expansionista. Contudo, para
dar prosseguimento a sua estratégia, Napoleão precisava isolar seu principal
inimigo: os ingleses. Nesse prisma, compreendemos a imposição em 1806 do
Bloqueio Continental, que, em linhas gerais, decretava a proibição de todas as
nações de comercializarem com a Inglaterra, ou seja, os Estados ficavam proibi-
dos de comprar qualquer produto inglês, caso desrespeitassem essa ordem, teriam
seus territórios invadidos e tomados pelo Imperador francês (SCHWARCZ;
STARLING, 2015).
O objetivo de Napoleão era isolar a Inglaterra e desestruturá-la econo-
micamente, visto que ela não teria mercados para vender seus produtos
industrializados. Todavia, alguns países permaneceram comercializando com
os ingleses, esse foi o caso de Portugal, que mantinha uma política praticamente
de neutralidade com franceses e ingleses, mas que possuía vários acordos comer-
ciais com o Reino britânico. Desse modo, era apenas uma questão de tempo para
o Imperador francês tomar conhecimento da atitude audaciosa portuguesa, e
isso não demorou. Assim, destaca Fausto:

O Império Português no Brasil: da Chegada da Corte à Independência


236 UNIDADE IV

A guerra que Napoleão movia na Europa contra a Inglaterra, em princí-


pios do século XIX, acabou por ter consequências para a Coroa portu-
guesa. Após controlar quase toda a Europa Ocidental, Napoleão impôs
um bloqueio ao comércio entre a Inglaterra e o continente. Portugal
representava uma brecha no bloqueio que era preciso fechar. Em no-
vembro de 1807, tropas francesas cruzaram a fronteira de Portugal com
a Espanha e avançaram em direção a Lisboa (FAUSTO, 2006, p. 66).

A Coroa de Portugal não possuía muitas alternativas diante do avanço das tro-
pas francesas. Se permanecesse no Reino, corria o risco de ser humilhada pelo
poderio napoleônico e ver sua dinastia esfacelada. Nesse âmbito, D. João (até

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então príncipe Regente da Casa dos Braganças) teve que tomar uma decisão que
mudaria completamente o curso da história de Portugal e de sua principal colô-
nia: o Brasil (que era a possessão mais organizada e mais distante da Europa).
Na verdade, a ideia de transferir a Corte para sua colônia na América foi pen-
sada cuidadosamente pelo monarca e seus auxiliares políticos. Era uma questão
apenas de negociar uma escolta das frotas lusas com os ingleses, para garan-
tir a segurança da transferência e organizar o que seria levado para os trópicos.
Segundo Schwarcz (2013), o plano era mais complicado do que se podia
imaginar. Não era a simples transferência da Família Real para a sua colônia
nos trópicos. Nesse sentido, precisamos compreender que não era a fuga de
um conjunto de pessoas, mas sim a transferência da “sede do Estado português
que mudava temporariamente de endereço, com seu aparelho administrativo e
burocrático, seu tesouro, suas repartições, secretarias, tribunais, seus arquivos e
funcionários” (SCHWARCZ, 2013, p. 211). Desse modo, a pressa impossibilitava
que existisse uma organização nos preparativos da viagem e muitos incidentes
ocorreram até a partida do Porto de Belém. Nesse contexto, a autora descreve:
Agravando ainda mais a situação, famílias de camponeses, assustadas com
as notícias desencontradas, abandonaram tudo. Nas praias e cais do Tejo,
até Belém, espalhavam-se pacotes, caixas e baús largados de última hora.
No meio da bagunça e por descuido, toda a prataria da igreja Patriarcal, tra-
zida por catorze carros, ficou na beira do rio, e só alguns dias depois voltou
para a igreja. Também caixotes contendo livros da rica Real Biblioteca foram
deixados para trás, no chão, para indignação dos livreiros [...] Esqueceram-
-se carros de luxo, muitos sem terem sido descarregados. Houve até quem
embarcasse sem mala, apenas com a roupa do corpo [...] O tom geral era
de nervosismo e destempero (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 164-165).

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


237

O cenário estava todo preparado para a transferência da Corte portuguesa para


o Brasil. A população lusitana assistia à partida de seu Rei, sem, muitas vezes,
compreender o que realmente estava acontecendo. Houve um misto de ódio e
tristeza por parte dos lisboetas. Muitos se sentiram traídos e abandonados pelo
seu monarca, outros viram seus familiares e amigos partindo para um mundo
tão distante e, frequentemente, sem possibilidade de retorno. O fato é que a
transferência da Corte lusa para os trópicos mexeu com os ânimos de todos
os portugueses e trouxe um sentimento de insegurança com relação ao futuro.
Porém, suas malas já estavam prontas e cerca de 15 mil pessoas teriam seu des-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tino mudado para sempre.

A PRESENÇA DA CORTE PORTUGUESA NOS TRÓPICOS

A viagem de transferência da Família Real de Portugal para o Brasil durou


quase 60 dias. Durante o percurso houve pequenos contratempos, geralmente
ligados ao clima. Desses incidentes temos conhecimento de uma tormenta que
abateu as embarcações lusas nas proximidades da Ilha da Madeira, algo que
apenas repercutiu na mudança da Rota, que, antes, era prevista para desem-
barcar no Rio de Janeiro, mas acharam conveniente aportar em Salvador. Fora
esses pequenos inciden-
tes, a viagem foi tranquila,
não se registrando nenhum
acidente grave, nem óbi-
tos. Desse modo, em 22 de
janeiro de 1808, o Príncipe
Real desembarcou em
Salvador, onde permane-
ceu por um mês, seguindo,
posteriormente, para a capi-
tal de sua colônia, o Rio de
Janeiro (SCHWARCZ, 2013, Figura 41: Príncipe Regente de Portugal e toda a Família Real embarcando
para Brasil no cais de Belém, por Henry L’Evêque
p. 218). Fonte: Wikimedia Commons.

O Império Português no Brasil: da Chegada da Corte à Independência


238 UNIDADE IV

Durante sua breve estadia na Bahia, o Príncipe Regente D. João tomara uma
medida de suma relevância e que, paulatinamente, traria consequências indesejá-
veis: a abertura dos portos do Brasil às nações amigas em 28 de janeiro de 1808.
Segundo Fausto (2006), a expressão “nações amigas” era destinada ao comércio
estabelecido com os ingleses, que seriam os grandes beneficiados da abertura de
portos no Brasil. O autor considera que essa medida empreendida pela Coroa
portuguesa representou o fim dos trezentos anos de sistema colonial (FAUSTO,
2006, p. 67). De acordo com os estudos realizados por Faoro (1976), “fechados
os portos da metrópole, a maioria não podia exportar sua produção e adquirir

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
os bens necessários à sua subsistência”. Nesse sentido, essa medida rompe com
o pacto colonial (comércio: colônia – metrópole) e concede grandes vantagens
comerciais ao Reino britânico, com tarifas diferenciadas acordadas posterior-
mente, em 1810 (FAORO, 1976, p. 249).
Após sua breve estadia em Salvador, finalmente o Rio de Janeiro recebeu D.
João em 8 de Março de 1808, “trazendo em sua bagagem a prataria de uso privado
e uma formosa biblioteca para encher horas mortas”. A chegada foi marcada por
uma grandiosa festa popular que se arrastou por mais de uma semana (PRIORE;
VENANCIO, 2010, p.154). A capital do Brasil parou literalmente:
Residências, lojas e repartições públicas fecharam. Tão logo foi avistada
no horizonte a esquadra real, deu-se o sinal para o início das homena-
gens: nas igrejas os sinos repicavam, enquanto nas ruas explodiram os
foguetes. Embarcações no porto e fortalezas em terra estavam engala-
nadas com bandeiras, flâmulas e galhardetes coloridos. E era de ensur-
decer o barulho das inúmeras salvas de canhões seguidas por tiros de
fuzis [...] o barulho anunciava festa. E, nem bem a frota aportou, come-
çaram as homenagens a d. João e a d. Carlota Joaquina (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 178).

Após os momentos de euforia marcados com a chegada da Família Real ao Rio


de Janeiro, precisamos destacar os principais impactos que essa transferência
trouxe para o cenário brasileiro. Segundo Faoro (1976), as capitanias até então
dispersas “gravitariam em torno de um centro de poder”. O Rio de Janeiro se
elevou a categoria de cidade, atingindo uma marca de 110 mil habitantes, dei-
xando para trás suas características de aldeia colonial. Além disso, o comércio
ganhou dinamicidade com uma entrada considerada de produtos estrangeiros,

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


239

sobretudo ingleses. Essa abertura econômica também pode ser pensada em


uma transformação cultural, pois os citadinos teriam a possibilidade de elevar
seu padrão de costumes e ter contado com ideias novas. Por outro lado, a Corte
precisava estabelecer um diálogo com os grandes proprietários territoriais, no
que concerne à concessão de títulos e privilégios aristocráticos (FAORO, 1976,
p. 249). Nesse sentido, observa-se que D. João teria muitos obstáculos a serem
enfrentados, principalmente no diálogo que precisaria desenvolver com os lati-
fundiários brasileiros.
Em abril do presente ano, D. João decidiu revogar o conjunto de leis que proi-
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biam a instalação de manufaturas no Brasil. Além disso, organizou uma série de


medidas: retirou as taxas relativas à importação de matérias-primas direciona-
das à indústria, concedeu subsídios para incentivar a indústria na produção de
lã, seda e ferro e estimulou as invenções e o aperfeiçoamento no setor industrial.
Somadas a esses incentivos, também podemos mencionar a implementação do
primeiro jornal editado nas terras brasílicas, a abertura de teatros, bibliotecas, aca-
demias literárias que surgiam tanto para atender as necessidades da Corte, como
para suprir a população em acelerado crescimento (FAUSTO, 2006, p. 67-69).

A chegada da família real ao Brasil e sua instalação no Rio de Janeiro trou-


xeram uma gama de mudanças no cenário colonial. D. João instituiu alguns
ministérios, entre eles o da Guerra, da Marinha, da Fazenda e do Interior. Es-
tabeleceu órgãos fundamentais para o bom andamento do governo, como
o Banco do Brasil, a Casa da Moeda, a Junta Geral do Comércio e o Supre-
mo Tribunal. As melhorias não foram só econômicas, mas também culturais
e educacionais. A Academia Real Militar, a Academia da Marinha, a Escola
Real de Ciências, de Artes e Ofícios, a famosa Academia de Belas-Artes e
dois colégios de Medicina e Cirurgia, no Rio de Janeiro e em Salvador, foram
algumas das contribuições recebidas com a vinda da realeza para o Brasil.
Entre outras benfeitorias, pode-se citar a criação do Museu Nacional, do Ob-
servatório Astronômico, a Biblioteca Real - combinação de diversos livros e
documentos que vieram de Portugal -, a estreia do Real Teatro de São João
e o surgimento do Jardim Botânico.
Fonte: Santana (online).

O Império Português no Brasil: da Chegada da Corte à Independência


240 UNIDADE IV

Contudo a série de incentivos concedida à indústria nacional não teve efeitos


significativos. Existia uma gama de problemas que impediam um crescimento
considerável nesse setor, sobretudo pela enxurrada de produtos ingleses dispo-
níveis nas cidades brasileiras, que chegavam ao consumidor com preços mais
baratos que os produtos nacionais. Esse cenário agravou-se com o Tratado de
Navegação e Comércio acordado em 1810 com a Inglaterra. Por meio desse
documento, os ingleses seriam amplamente beneficiados com a entrada de
seus produtos industrializados no Brasil, pois se estabeleceu um valor de 15%
na tarifa de importação, valor que era inferior aos produtos oriundos tanto do

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reino quanto de outros Estados europeus.
A estreita aliança portuguesa estabelecida com a Inglaterra não se restrin-
giu ao Tratado de Navegação e Comércio. Juntamente com esse acordo, a Casa
dos Bragança, também fora “obrigada” a assinar outro documento: o Tratado
de Aliança e Amizade. Por meio desse, ficou acordado que a Coroa portuguesa
teria que limitar o tráfico de escravos negros, não só no Brasil, como em suas
possessões territoriais em outras localidades. Além disso, se comprometia a
desenvolver métodos para combater esse comércio transatlântico. Entretanto,
tais imposições inglesas não foram colocadas em prática e o comércio de escra-
vos africanos permaneceu ativo até 1850.
Todavia, a presença da Corte em solos brasílicos também apresentou um
novo problema para a população. Por mais que a Família Real e seus funcio-
nários tenham trazido em sua bagagem reservas de diamantes, ouro e cerca
de 80 milhões de cruzados, esse montante não sustentou a permanência da
Corte nem no começo. Nesse âmbito, os habitantes da colônia precisavam
arcar com os custos da Realeza. Desse modo, “os encargos eram pesados e a
insatisfação popular crescia. Para piorar, não dava para esconder o desper-
dício praticado pela casa Real. A despesa da ucharia tornou-se símbolo de
esbanjamento” (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 184). Os gastos eram
tão exorbitantes, durante o ano de 1818, foram consumidos apenas no Paço
Real, por dia, 620 aves.
Enquanto no Brasil as medidas reais estavam em curso, do outro lado do
Atlântico era complicado fazer qualquer tipo de análise até 1811, ano em que os
soldados franceses deixaram efetivamente o território português. Aos poucos,

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


241

os lisboetas começavam a organizar suas vidas e era possível perceber que esses
homens nutriam um misto de esperança, aguardando o retorno de seu monarca,
D. João. Desse modo, com a derrota de Napoleão e, consequentemente, com o
retorno da paz no continente europeu, houve a necessidade de reunir os che-
fes de governo dos principais países da Santa Aliança para redefinir o mapa da
Europa (NEVES, 2013, p. 222). Nesse sentido, entre 1814 e 1815 foi organizada
uma “coligação formada pela Rússia, Áustria e Prússia”, em que se estabeleceu o
retorno das monarquias absolutistas (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 185).
Mesmo diante dessas mudanças, D. João não se sentia seguro para ocupar nova-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mente o seu Reino, Portugal.


Em resposta aos acontecimentos internacionais, em 16 de dezembro de 1815,
D. João criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, estabelecendo, defi-
nitivamente, o fim da condição colonial do Brasil, ou seja, o Brasil deixou de ser
colônia e passou a ser a sede do Império português. Entretanto, mesmo com esse
leque de medidas, o país ainda possuía uma série de problemas, destes, pode-
mos elencar: falta de unificação entre as capitanias, insatisfação dos colonos,
principalmente os que residiam no Rio de Janeiro com as mudanças de ordem
administrativas tomadas pela Coroa, quedas nos valores dos produtos coloniais,
sobretudo do algodão e açúcar com o fim das batalhas napoleônicas e aumento
de impostos para custear o alto padrão de vida da Corte portuguesa (PRIORE;
VENANCIO, 2010, p. 161).

UM PASSO PARA A INDEPENDÊNCIA

Caríssimo(a) acadêmico(a), caminhamos para os últimos apontamentos refe-


rentes aos estudos da Unidade. Nesse sentido, é importante considerarmos que
tanto a abertura dos portos em 1808 e a elevação do Brasil a Reino Unido em
1815 foram acontecimentos essenciais no processo de Independência do Brasil.
Além dessas questões de cunho político, administrativo e econômico, as terras
tropicais ainda mantinham uma estrutura agrária, pautada na agricultura e na
exploração dos escravos negros. Observamos, também, nesse período, um cres-
cimento considerável das atividades cafeicultoras, sobretudo nos solos paulistas

O Império Português no Brasil: da Chegada da Corte à Independência


242 UNIDADE IV

e cariocas. Essa nova atividade econômica foi responsável pelo surgimento de


uma nova classe senhorial no Brasil: os barões do café.
Somado a esses condicionantes, a Coroa lusa teria que enfrentar os problemas
com a desigualdade regional do país. Segundo Fausto (2006, p. 70), “o senti-
mento imperante no Nordeste era o de que, com a vinda da família real para o
Brasil, o domínio político da Colônia passara de uma cidade estranha para outra,
ou seja, de Lisboa para o Rio de Janeiro”. Os habitantes não conseguiam sentir
melhorias com a vinda da Corte para o Brasil e o descontentamento que possu-
íam desde o início do século XIX só crescia. Essa onda de insatisfação eclodiu

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em Pernambuco, em março de 1817. O movimento que abrangia amplos seto-
res sociais: “militares, proprietários rurais, juízes, artesãos, comerciantes e um
grande número de padres”. Era uma resposta aos problemas econômicos e aos
privilégios concedidos aos lusitanos que residiam no Brasil. Segundo o autor, o
movimento passou de Recife ao sertão, e posteriormente, para Alagoas, Paraíba
e Rio Grande do Norte (FAUSTO, 2006, p. 70).
Podemos observar a amplitude do movimento separatista de 1817. Entretanto,
com a existência de setores sociais tão distintos, os revolucionários não conse-
guiam estabelecer um conjunto de metas que atendesse aos anseios de todos.
Mesmo assim, conseguiram se organizar e tomaram Recife, estabelecendo um
governo provisório de caráter republicano. Os revolucionários foram surpreen-
didos pelas forças portuguesas em maio de 1817 e, aos poucos, o movimento
foi sendo desestruturado, com uma série de prisões e execuções dos principais
líderes da Revolução (FAUSTO, 2006, p. 70). Mesmo com a repressão do movi-
mento pernambucano, era evidente que a onda de insatisfação se alastrava pelo
território brasileiro.
Enquanto a insatisfação popular crescia nas terras brasílicas, um cenário
semelhante foi se construindo em Portugal em agosto de 1820. O movimento fica-
ria conhecido como Revolução do Porto e propunha: “o fim do Antigo Regime,
a convocação das Cortes para a elaboração de uma nova Constituição e os res-
tabelecimento do lugar que Portugal julgava merecer no interior do império”
(NEVES, 2013, p. 223). Em linhas gerais, os portugueses buscavam alternati-
vas para acabar com a crise que estavam atravessando. Nessa premissa, Fausto
(2006, p. 71) destaca:

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


243

Crise política, causada pela ausência do rei e dos órgãos de governo;


crise econômica, resultante em parte da liberdade de comércio de que
se beneficiava o Brasil; crise militar, resultante da presença de oficiais
ingleses nos altos postos do Exército e a preterição de oficiais portu-
gueses nas promoções [...] No fim de 1820, os revolucionários estabe-
leceram em Portugal uma Junta Provisória para governar em nome do
rei e exigiram sua volta à metrópole. Decidiram convocar as Cortes, a
serem eleitas em todo o mundo português, com o propósito de redigir
e aprovar uma Constituição.

Mesmo diante de todo esse cenário, D. João VI (coroado Rei em 1818, até então
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ocupava o cargo de príncipe Regente) protelou ao máximo sua volta a Portugal.


Cogitou enviar seu filho
Pedro a Lisboa e permane-
cer no Brasil. Essa estratégia
buscava “preservar as insti-
tuições do Antigo Regime”,
mas também “pesava o gosto
pelo Brasil que adquirira nos
13 anos passados no Rio de
Janeiro”. Contudo, acabou
cedendo e se direcionou
para o Reino luso em abril
de 1821 (NEVES, 2013, p. Dom João VI
223-224).
Nesse sentido, D. João VI voltava para assumir o trono em Portugal e deixava
o Brasil nas mãos de seu filho D. Pedro, como príncipe Regente. Da partida de D.
João VI até meados de outubro do presente ano, muitas mudanças foram estabe-
lecidas pela Corte em Lisboa. Dentre as quais, podemos destacar: “transferência
para Lisboa das principais repartições instaladas no Brasil; novos contingentes
de tropas foram destacados para o Rio de Janeiro, e finalmente, em 29 de setem-
bro, foi assinado decreto exigindo o retorno do príncipe regente”. Essa última
determinação repercutiu imediatamente no território brasileiro (SCHWARCZ;
STARLING, 2015, p. 210).

O Império Português no Brasil: da Chegada da Corte à Independência


244 UNIDADE IV

A partir desse momento, um clima de insegurança tomava conta de uma par-


cela da população brasileira, que tinha conhecimento do que realmente estava
acontecendo no Rio de Janeiro. É interessante mencionarmos que boa parte dos
brasileiros desconheciam os fatos, devido à falta de comunicação que existia
entre as Províncias (Estados). Nesse contexto, D. Pedro foi amplamente apoiado
por um grupo de pessoas que formava o partido brasileiro e que se posicionava
favorável à permanência do Príncipe no Rio de Janeiro, pois desconfiavam que
o retorno de D. Pedro colocaria o Brasil novamente em uma condição colonial.
Desse modo, para convencer o Príncipe, os principais responsáveis do partido

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
fizeram um requerimento e conseguiram reunir 8 mil assinaturas que solicitavam
a permanência do governante. Diante dos apelos do povo e do apoio de homens
importantes do Governo, como José Bonifácio, em 9 de janeiro de 1822, D. Pedro
decidiu ficar no Brasil. Esse dia ficou conhecido como “Dia do Fico” e represen-
tou, em linhas gerais, o rompimento do Príncipe com as Cortes portuguesas.
O período que segue de janeiro a setembro de 1822 foi marcado por muita
tensão, pressão e ameaças ao Príncipe Regente. As Cortes portuguesas não viram
com bons olhos a petulância de D. Pedro. Em contrapartida, as tropas lusitanas
que se recusavam a jurar fidelidade ao Príncipe eram expulsas do Rio de Janeiro.
Em agosto do mesmo ano, decretou-se que todas as tropas oriundas de Portugal
eram consideradas inimigas e, dessa maneira, deveriam ser reprimidas. A situa-
ção estava cada vez mais insustentável e, a qualquer momento, o Brasil poderia
sofrer uma retaliação da Corte de Portugal. Nesse contexto, as autoras enfatizam:
Faltava, entretanto, não só o estopim como um evento que conferisse
ao príncipe o lugar principal na cena. O motivo veio fácil: em 28 de
agosto chegava ao Rio de Janeiro o brigue Três Corações, trazendo as
rotineiras más notícias de Lisboa: as Cortes ordenavam a volta ime-
diata do príncipe, o fim de uma série de medidas que consideravam
privilégios brasileiros, e acusavam de traição os ministros que cerca-
vam o regente. Sob a presidência de Bonifácio o conselho de ministros
reunira-se no Rio de Janeiro, e a conclusão viera rápida: chegada a hora
[...] As massivas, porém, não encontraram d. Pedro em local nobre. [...]
Para piorar o cenário, lá pelo dia 7 de setembro ele contava um estado
de saúde que, embora não apresentasse maior gravidade, era por certo
desconfortável (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 217-218).

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


245

Desse modo, o cenário não


era o mais apropriado, nem
mesmo a condição física do
Príncipe. Contudo, não tinha
mais como protelar a deci-
são que já havia sido tomada
desde o “Dia do Fico”. Assim,
em 07 de setembro de 1822,
mesmo com todos os contra-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tempos mencionados acima,


o Príncipe Regente proclama
a Independência do Brasil e
Figura 42: Independência brasil 001, por François-René Moreau
rompe definitivamente com Fonte: Wikimedia Commons.
sua “terra-mãe” – Portugal.
A partir desse momento, o Brasil torna-se livre das amarras da Corte lusitana e
inicia uma nova fase de sua História, agora sob a condição de Império, tendo a
sua frente D. Pedro I.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caríssimo(a) aluno(a), encerramos mais uma etapa importante de nosso estudo


acerca do Brasil Colonial. Nesta unidade, buscamos pontuar os aspectos mais
relevantes ocorridos desde o processo de interiorização das terras brasílicas,
principalmente por meio da ação dos bandeirantes (paulistas), até o conjunto de
fatores que se organizaram as “vésperas” da Independência do Brasil.
Em um primeiro momento, observamos que os trópicos portugueses não fica-
ram limitados ao cultivo de cana-de-açúcar, mas sim que outras culturas foram
fundamentais para a economia colonial, sendo, muitas vezes, utilizadas como
moeda de troca no comércio de escravos africanos. Além disso, apresentamos,
de maneira geral, a importância dos bandeirantes no processo de interiorização

Considerações Finais
246 UNIDADE IV

do território brasílico, visto que as ações colonizadoras se restringiam, até esse


momento, à região costeira da colônia. Nesse sentido, observamos que a maio-
ria dos bandeirantes (paulistas) “fugia” da condição de miséria que vivia e se
arriscava nos “sertões” na busca pelo ouro e no aprisionamento de indígenas
que eram reduzidos à escravidão. Os caminhos percorridos pelos bandeirantes
possibilitaram um maior conhecimento do território colonial e trouxeram como
consequência a descoberta de frutíferas reservas auríferas no final do século XVII.
A partir da descoberta de ouro e pedras preciosas na região das Minas Gerais,
observamos uma série de mudanças de cunho econômico, administrativo, polí-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tico e social no cenário colonial. O eixo econômico que até então se mantinha
na região Nordeste foi deslocado para a região mineradora e uma série de trans-
formações puderam ser percebidas. Presenciamos uma intensa onda migratória
para as minas, tanto de colonos de diversas localidades dos trópicos, como de
portugueses e estrangeiros que almejavam enriquecer facilmente.
Por outro lado, a falta de estrutura da região das Gerais apresentou uma
gama de problemas, dentre os quais podemos elencar a carência de alimentos e
a intensificação da violência. A corrida pelo ouro também aumentou o tráfico de
escravos africanos, em contrapartida, trouxe uma possibilidade ainda que res-
trita de adquirirem sua própria liberdade. Além dessas questões, presenciamos
uma maior intervenção da Coroa lusitana na administração das terras brasílicas,
visto que existia uma necessidade de organizar o espaço minerador e de impor
uma série de taxações sobre a exploração do ouro – quinto, casas de fundição e
derrama. Em resposta à postura da Coroa, observamos uma onda de desconten-
tamento dos habitantes que estavam ligados direta ou indiretamente à atividade
mineradora, e, em consequência disso: a Conjuração Mineira de 1789, que foi o
movimento anticolonial mais importante do período.
Nesse sentido, presenciamos que no final do século XVIII o cenário colo-
nial era de crise nos âmbitos político, administrativo, econômico e social. Esses
problemas se agravaram com os acontecimentos que ocorrem no prisma inter-
nacional – Independência das 13 colônias da América, Revolução Industrial e
Revolução Francesa -, pois atingiram diretamente o Império Português que já
estava desgastado. Desse modo, compreendemos que a política expansionista de
Napoleão Bonaparte e sua rivalidade com o Reino britânico foram os principais

A CONSOLIDAÇÃO DA COLONIZAÇÃO LUSITANA NOS TRÓPICOS


247

responsáveis pela transferência da Corte portuguesa para os trópicos. A par-


tir desse momento, uma série de mudanças ocorreu no Brasil, tanto no espaço
urbano, com a possibilidade de contato com uma nova cultura, como nos inte-
resses econômicos, com a Abertura dos Portos as nações amigas e a elevação do
Brasil a Reino Unido de Portugal, pondo fim a sua situação de colônia. Desse
modo, não demoraria muito para que houvesse um rompimento de fato com
a Corte portuguesa. Em 1822, o Príncipe Regente, D. Pedro, rompe definitiva-
mente com as amarras lusitanas, e o Brasil se tornaria independente.
Com essas colocações, concluímos mais uma etapa indispensável de nossa
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

análise acerca do Brasil Colônia. Na verdade, caminhamos por mais de 300


anos de História e esperamos que tenham compreendido a importância des-
sas questões que respondem, muitas vezes, aos questionamentos que fazemos
no presente. Desse modo, retiraremos de cena o conteúdo palpável e apresen-
taremos, na Unidade V, um debate acerca das principais questões teóricas que
afligem a historiografia do Brasil colonial.

Considerações Finais
1. Após a leitura cuidadosa do tópico “Os Bandeirantes”, elabore um texto disser-
tativo destacando as principais ações empreendidas pelos bandeirantes e
sua importância na expansão dos limites territoriais da colônia lusitana.
2. Conforme a discussão realizada no tópico “A Era do Ouro no Brasil Português”,
destaque:
a) Conflitos sociais e problemas demográficos que atingiram a região mineira.
b) Trabalho realizado pelos escravos negros.
c) A vida no espaço urbano.

3. Leia atenciosamente as afirmações abaixo e assinale a alternativa CORRETA:


a) O Brasil, no início do século XIX, presenciava uma próspera situação econômica
e política devido à exploração na região mineradora que possibilitou uma série
de investimentos, sobretudo no espaço urbano.
b) A transferência da Corte lusa para o Brasil aconteceu em 1808, motivada pelos
conflitos existentes na região mineira e baiana, visto que esses movimentos de
caráter anticoloniais tinham conseguido vencer em suas capitanias.
c) A Família Real permaneceu em solos brasílicos até o restabelecimento da paz
no continente europeu. Após a derrota de Napoleão Bonaparte, toda a Corte
retornou a Lisboa, pois não tinham interesses de permanecer em sua colônia
na América.
d) Em 1808, a Família Real portuguesa desembarcou no Brasil devido às ameaças
de Napoleão Bonaparte. Sua transferência foi marcada por uma série de mudan-
ças, tais como: abertura dos portos às nações amigas, em 1808, e Tratado de Na-
vegação e Comércio, em 1810, favorecendo amplamente os produtos ingleses.
e) Em 1821, o Rei D. João VI precisou retornar para Lisboa, devido aos problemas
enfrentados pelos lisboetas. Para assegurar seu domínio no Brasil, deixou seu
filho D. Pedro em seu lugar e o incentivou a proclamar a Independência do país.
249

4. Trabalhando com documento.


Após a leitura do tópico “O Império Português no Brasil: da chegada das Cortes à
Independência” leia o excerto documental abaixo, o qual aborda a transferência da
Família Real portuguesa para o Brasil em 1808, e elabore um texto dissertativo,
levando em consideração: o contexto dessa transferência e as mudanças que
ocorreram com a presença da Coroa portuguesa no Brasil.
“É chegado a Portugal
O tempo de padecer,
Se t oprime a cruel França
Sorte melhor hás de ter”.
(Autor Desconhecido) – Fonte: Rio de Janeiro (online).

“Quem oprime os portugueses,


Quem os rouba sem ter dó?
É esta tropa francesa

De quem é chef Junot”.


(Autor Desconhecido) – Fonte: Rio de Janeiro (online).
DESUNIÃO IBÉRICA

As Coroas ibéricas fecharam o acordo do Com a morte prematura do irmão de D.


casamento real de D. João e D. Carlota João, o príncipe D. José, em 1788, o casal
quando a princesa ainda era uma criança tornou-se oficialmente futuro herdeiro
de 3 anos. O pacto nupcial evidenciava um do trono. Mudança de tamanho calibre
horizonte de forte instabilidade. As profun- acentuou ainda mais as diferenças de per-
das transformações vividas pela Europa na sonalidade e caráter entre marido e esposa.
virada do século XVIII para o XIX – com a A disputa pela Coroa portuguesa deu a
Revolução Francesa e a expansão militar tônica principal de suas desavenças. “Car-
napoleônica pelo continente – ameaçavam lota Joaquina nunca se resignou a ser aquilo
seriamente a sobrevivência das monarquias para que nascera – uma princesa consorte.
absolutas. E a construção de uma nova Sentia em si a virilidade para ser ela o Rei”,
União Ibérica era um cenário não menos escreveu o historiador Oliveira Lima. Junto
preocupante. Para Portugal, seria a oportu- com a futura rainha, nascia uma mestra na
nidade de uma revanche pela humilhação arte da intriga.
vivida entre os anos de 1580 e 1640. Para a
Espanha, a chance de, mais uma vez, ter o D. Carlota tomou para si o papel de líder da
domínio total da Península Ibérica e diluir, corte portuguesa desde que D. João assu-
de uma vez por todas, a demarcação das miu a regência, por ocasião da doença
fronteiras do Tratado de Tordesilhas. incapacitante da rainha D. Maria I, sua mãe,
em 1792. Do alto de sua nova posição, a
Esses embates agravavam-se diante da princesa fundou uma ordem de nobreza,
geopolítica do Velho Mundo. Histori- denominada “Ordem das Nobres Damas da
camente, os lusitanos eram aliados da Rainha Santa Isabel”, que visava condecorar
Inglaterra, enquanto os espanhóis se as damas a seu serviço e, assim, constituir
alinhavam à França. Por tudo isso, o casa- um grupo da alta nobreza a favor de seus
mento de um Bragança com uma Bourbon interesses. Foi uma primeira tentativa,
era uma aposta diplomática arriscada. embora bastante ingênua, de influenciar
Além do mais, D. João era tímido e discreto, a educação dos costumes para subverter
enquanto D. Carlota Joaquina era vívida e a posição submissa das damas da corte
extrovertida. Ele cresceu num ambiente lusitana. Era uma sociedade conservadora,
de fervorosa religiosidade e conservado- fechada às mulheres, cujo discurso reli-
rismo (sua mãe, D. Maria I, ficou conhecida gioso condenava a participação feminina
como a rainha piedosa).Carlota era filha no espaço público. Os espetáculos artísti-
da francesa Maria Luísa de Bourbon, uma cos, possíveis lugares de sociabilidade e
das rainhas mais impopulares da história divertimento cortesãos, eram vistos pelos
da Espanha, por trazer à rígida corte valo- contemporâneos como perigosos.
res como a ostentação e a luxúria. Com
figuras maternas e personalidades tão dis- Outra difícil tarefa assumida pela princesa
tintas, era de se prever que o casal tivesse foi a de aproximar as duas Coroas ibéri-
dificuldades no convívio. cas. Em 1795, com o fim da guerra entre
251

França e Espanha, caía por terra a política (com o discreto apoio de agentes diplomá-
de boa vizinhança. Três anos mais tarde, a ticos franceses, entre eles Jean-Andoche
possibilidade de uma aliança entre Carlos Junot). O objetivo dos golpistas era con-
IV e Napoleão Bonaparte levou a princesa a fiar a regência à princesa.
intervir no processo. Em carta, Carlota ques-
tionou o pai: “Vendo isto, sinto vivamente as O projeto ganhou vulto e o clímax do
ameaças de V. A. contra seus próprios des- plano ocorreria em 25 de abril, aniver-
cendentes, e não posso acreditar que não sário de D. Carlota Joaquina. A provável
haja meio de compor tudo de forma que o ausência de D. João na festa de 31 anos da
mundo não seja testemunha de um proce- esposa seria compreendida como aban-
der por parte de V. M. contrário à natureza... dono do poder, servindo de pretexto para
E para quê? Para contentar um governo que o governo passasse às mãos da prin-
coberto de sangue da nossa família?”. O cesa, que já contava com aliados de peso.
abalo, no entanto, seria inevitável. Mas para decepção de D. Carlota e seu
grupo, a conspiração chegou aos ouvidos
Entre os anos de 1801 e 1803, Portugal e do marido. A delatora foi uma das cama-
Espanha travaram a “Guerra das Laranjas” – reiras da princesa, D. Mariana, casada com
um conflito mais diplomático do que bélico, Francisco Rufino de Sousa Lobato, mem-
que punha em xeque a relação de forças na bro do séquito real e bastante próximo de
Península. Nesse período, a tensão entre D. João. Um possível motivo para a delação
os esposos aumentava dia a dia. A crise seria uma desfeita da princesa: Carlota teria
conjugal trouxe a público a infidelidade posto D. Mariana para fora do quarto sem
de D. João: do romance do príncipe com D. que a camareira soubesse a razão. O fato é
Eugênia de Meneses, neta do Marquês de que D. João compareceu à comemoração
Marialva, teria nascido uma filha bastarda. da esposa. Beijou-lhe a mão e desarticu-
Com medo de assumir a criança, D. João lou todo o projeto. Daí em diante a relação
simulou o rapto de D. Eugênia e da menina. entre os cônjuges se tornaria insuportável.

A situação ganhou contornos ainda mais D. Carlota ainda remoía, meses depois
dramáticos em 1806. Refugiado em Mafra da derrota, a possibilidade de assumir a
por conta de uma forte melancolia,o prín- regência. Em agosto de 1806 escreve ao
cipe regente estava apático e sem forças pai pedindo providências: “como V. M. verá
para resolver as intrincadas questões pela carta anexa do Marquês de Ponte de
políticas do reino. Uma cantiga satírica Lima, porque a pressa e o segredo não me
circulava entre os súditos da monarquia: dão lugar para mandar um papel assinado
“Nós temos um rei/ chamado João/ Faz o por toda, ou quase toda a Corte, eles me
que lhe mandam/ Come o que lhe dão/ E ofereceram para que se V. M. ordene, isto
vai para Mafra/ Cantar cantochão”. A longa remediaria, mandando V. M. uma intima-
estadia do regente em Mafra e a suposição ção de que quer que eu entre no governo”.
de que sofria da mesma insanidade da mãe Linhas à frente, justifica assim tal medida:
levaram a oposição a conspirar pela sua “É este o modo de evitar que corra muito
destituição, que foi liderada pelo Conde de sangue neste reino, porque a Corte quer
Sabugal e pelo Marquês de Ponte de Lima sacar a espada em meu favor, e também o
povo, porque se vê por fatos imensos que cada vez mais acuado entre as pressões
[o príncipe] está com a cabeça perdida”. D. inglesa e francesa. Ao longo dos meses,
Carlota possivelmente tinha uma interpre- o plano da transferência da Corte para a
tação muito convincente para o estado do América com o apoio da Inglaterra já se
príncipe: a sua doença, que o enlouque- tornara assunto vulgar entre os ministros
cia, e não permitia que ele se mantivesse reais. Para D. Carlota, a possibilidade de
como cabeça do Império. O tom quase atravessar o Atlântico parecia insuportá-
romanesco desta carta teve como res- vel. Ser uma rainha colonial era o último
posta a abstenção de Carlos IV do conflito dos sonhos da princesa. Desesperada, ela
político instaurado no Palácio de Queluz. escrevia aos pais, relatando os planos do
Sem o apoio do monarca espanhol e com marido e implorando aos monarcas espa-
seus aliados extraditados para partes afas- nhóis que tivessem misericórdia dela e de
tadas do centro de poder, como Almeida, seus filhos. Ao final de novembro, os navios
Algarves e Índias, D. Carlota ficou comple- portugueses zarparam do cais de Belém
tamente isolada. rumo ao Brasil, sob a proteção da esqua-
dra inglesa. Os desejos de D. Carlota eram,
O ano de 1807 continuou dramático de novo, frustrados.
para a Coroa portuguesa. D. João estava
Fonte: Meirelles (2013, online).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Brasil: Uma Biografia


Lilian Moritz Schwarz e Heloisa Murgel Starling
Editora: Companhia das Letras.
Sinopse: obra lançada em 2015, reúne uma série de estudos desde
a chegada dos portugueses nos trópicos até o final da Ditadura
Militar no Brasil. O livro possui uma rica discussão de temáticas
indispensáveis para a compreensão da História do Brasil em
diferentes momentos. Além disso, as autoras apresentam uma
análise agradável que convida o leitor a mergulhar nos temas
apresentados.

Carlota Joaquina
Ano: 1995
Sinopse: filme nacional que retrata a história de Carlota Joaquina,
princesa espanhola que casou com o Príncipe D. João, tendo que vir
contrariada para o Brasil em 1808, fugindo das tropas francesas. Sua
história é marcada por romances, aventuras e estratégias políticas.
Carlota foi uma figura muito à frente de seu tempo.

Cultura e Opulência no Brasil: por suas Drogas e Minas


É uma obra indispensável para as pesquisas sobre o Brasil colonial. Este conjunto documental
foi lançado em 1711 e até hoje é referência para os estudos que versam sobre o período.
Documentação riquíssima que traz informações sobre as principais atividades econômicas da
América portuguesa. Nesse sentido, podemos ter acesso aos relatos do jesuíta Antonil sobre o
universo açucareiro, sobre o tabaco, a região mineradora e a criação de gado. Podemos conferir
esta obra na íntegra no link que segue abaixo:
Acesse: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_
obra=1737>. Acesso em 10 jun. 2015.

Material Complementar
Professora Me. Luciene Maria Pires Pereira
Professora Me. Ana Lúcia Sales de Lima

V
DEBATES DA
HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA

UNIDADE
ACERCA DA COLONIZAÇÃO
DA AMÉRICA PORTUGUESA

Objetivos de Aprendizagem
■ Compreender nosso passado histórico e suas implicações.
■ Analisar as discussões realizadas por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque
de Holanda, Caio Prado Júnior e Ciro Flamarion Cardoso.
■ Destacar as principais críticas realizadas ao discurso de Caio Prado
Júnior.
■ Observar as discussões referentes à colonização lusitana nos aspectos
ligados ao feudalismo e ao capitalismo.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ As várias histórias do Brasil.
■ A política colonial portuguesa: dos aspectos feudais aos indícios do
capitalismo.
257

INTRODUÇÃO

Caríssimo(a) acadêmico(a), após os estudos desenvolvidos acerca do Brasil colo-


nial, em que vocês puderam compreender o processo de ocupação e colonização
da América portuguesa, entendemos a relevância de efetuarmos uma análise
sobre as principais discussões historiográficas desse momento histórico. Desse
modo, apresentamos essas discussões e interpretações elaboradas por nomes como
Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Ciro Flamarion
Cardoso, Jacob Gorender, dentre outros, e tentamos apontar suas contribuições,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

demonstrando porque esses autores ainda hoje merecem ser consultados.


Desse modo, ao entrarmos em contato com esses autores e suas interpreta-
ções acerca da formação e desenvolvimento do Brasil, temos a oportunidade de
tomar conhecimento de um novo debate controverso que enriquece nosso uni-
verso analítico. A partir da apreensão desse debate, somos capazes de desenhar
nossa posição frente ao tema e as interpretações existentes, além de formular
novas hipóteses de análise.
Nesse sentido, iniciamos nosso estudo retomando a historiografia do século
XX, pois entendemos que a produção intelectual nesse período é rica e pode
nos ajudar a entender o significado do processo colonizador brasileiro. Além
disso, acreditamos que qualquer estudioso que decida debruçar-se sobre nosso
passado colonial deve conhecer a maneira pela qual esse passado foi entendido
pelos intelectuais do século XX, devido à importância que esses estudos adqui-
riram ao longo dos anos. Por essa razão, nesta unidade, procuramos destacar
entre os diversos estudiosos dessa época aqueles que acreditamos terem contri-
buído de maneira mais significativa para a compreensão do período colonial em
seus diversos aspectos, apresentando inovações metodológicas.
Assim, procuraremos abordar alguns dos principais nomes da historiogra-
fia brasileira nesse período e apontar as características de suas análises acerca
da nossa sociedade, enfatizando a maneira pela qual cada um tratou o processo
do território brasileiro.
Preparado(a)? Vamos lá!

Introdução
258 UNIDADE V

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
AS VÁRIAS HISTÓRIAS DO BRASIL

A formação e evolução do Brasil é tema de várias pesquisas entre os estudiosos


de nossa história, sendo que a maneira pela qual se desenvolve esse processo
de análise é influenciada pelo contexto histórico no qual cada estudioso está
inserido. Atualmente, a busca pela compreensão do passado histórico do Brasil
parece ter entrado em uma fase de estagnação, pois são poucos os trabalhos
que visam discutir nosso processo formador, fato decorrente da época histó-
rica que vivemos, tendo em vista que os historiadores de nossa época já não
se preocupam com os problemas atuais (crise econômica, política e escânda-
los com corrupção).
As análises sobre a formação do Brasil eclodem de acordo com seu momento
histórico, de acordo com os anseios de cada indivíduo inserido na sociedade.
Atualmente, apesar de vivermos momentos turbulentos devido ao nosso con-
texto político e econômico (crises e escândalos de corrupção), os estudos sobre
nosso passado não mais ocupam a maioria das publicações, quadro muito dife-
rente do que ocorreu em outras épocas em nossa história. Exemplo disso foi
no século passado, ao longo do qual uma série de autores promoveu discussões

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


259

sobre a realidade do país naquele momento e abriu espaço para debater acerca
de questões políticas, econômicas e socioculturais. Essas análises divergiam em
vários pontos, porém, todas buscavam em nosso passado a chave para a compre-
ensão do momento atual (século XX) e, em alguns casos, atribuíam à maneira
pela qual se desenvolveu a nossa formação a responsabilidade pelos problemas
que o Brasil enfrentava naquele momento.
Hoje, temos a oportunidade de fazer uma revisão dessa bibliografia e olhar
com outros olhos as questões por ela levantadas, abordando as situações por
diferentes enfoques, na medida em que não temos mais a pressão que os auto-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

res daquele período carregavam em seus ombros. Nossa realidade é outra, assim
como nossos valores e anseios também o são. Não é nosso objetivo voltar nosso
olhar para um passado longínquo com a certeza ou mesmo intenção de encon-
trarmos soluções para os problemas que assolam o país atualmente, mas, sim,
trata-se de uma tentativa de entendermos o caminho percorrido pela sociedade
brasileira na busca de sua consolidação enquanto nação.
Analisando a história colonial do Brasil em busca de nossas raízes sob um
novo aspecto, obras de grande expressão surgiram a partir da década de 1930,
com os trabalhos de Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda.
Ainda hoje esses três autores são considerados fundamentais para aqueles que se
propõem a conhecer a história da formação da sociedade brasileira.
A primeira obra importante de Gilberto Freyre foi Casa Grande e Senzala,
publicada em 1933 e que representava o momento de efervescência cultural pelo
qual o Brasil passava naquele momento, sobretudo no que diz respeito à questão
racial no país, uma discussão que ganhou espaço com o aparecimento mais inci-
sivo da influência europeia em nossa sociedade entre o final do século XIX e início
do século XX. O Brasil se aproximou da cultura europeia e viveu um momento
de europeização com o “branqueamento” da população, motivado pelo crescente
número de indivíduos europeus que vieram para o país (HOFBAUER, 2006).
Freyre apontou como essa postura favorável ao branqueamento da socie-
dade ganhou adeptos até mesmo entre os negros africanos, que passaram a ter
atitudes comportamentais semelhantes às dos homens brancos, desenvolvendo
estratégias – como uso da sensualidade, o uso de linguagem adocicada e, por
vezes, o uso da força – para ser aceito entre o homem branco.

As Várias Histórias do Brasil


260 UNIDADE V

Inserido nesse contexto social e embasado pela antropologia cultural nor-


te-americana (MOTA, 1980), Gilberto Freyre, em suas obras, procurou discutir
as nossas origens étnicas e culturais, preocupado em ressaltar e valorizar o sig-
nificado do processo de mestiçagem do povo brasileiro. Para o autor, as relações
inter-raciais no interior da sociedade brasileira deveriam ser vistas como uma
característica positiva dentro do nosso processo de formação, sendo essa uma
característica que nos capacitava a ensinar algo às outras nações, visto que aqui
os conflitos existentes entre as “raças” eram absorvidos pela sociedade e não se
transformavam em conflitos maiores, como ocorria em outros países. Segundo

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o autor, “em tudo que é expressão sincera de vida, trazemos quase todos a marca
da influência negra” (FREYRE, 1998, p. 283).
Por posições como essa e por não analisar a história do Brasil sob um
olhar negativo, a leitura de Casa Grande e Senzala pode nos induzir ao erro
de enxergar o autor como alguém que não conseguia, ou não queria, enxer-
gar os conflitos inerentes à sociedade brasileira. No entanto, Gilberto Freyre
não acreditava em uma sociedade sem contradições. Ao contrário, acreditava
que a contradição estava presente no seu processo de formação, sendo incor-
porada a sua análise, sendo possível observar essa compreensão da existência
de conflitos até mesmo nos títulos de suas obras. Em uma frase de signifi-
cado marcante, o autor ressaltou que “a força, ou antes, a potencialidade da
cultura brasileira parece-nos residir toda na riqueza dos antagonismos equi-
librados” (FREYRE, 1998, p. 335). Isso nos mostra a maneira positiva como
Gilberto Freyre encarava o fato de termos nos constituído como um país for-
mado por mais de um grupo étnico e avaliava o peso dos conflitos existentes
para o sucesso de nosso desenvolvimento.
É possível observar em toda obra do autor um esforço constante em apre-
sentar ao leitor o negro como um elemento fundamental para a construção de
nossa identidade, de nossa personalidade, na medida em que, em vários momen-
tos da leitura, somos chamados a olhar para as influências e contribuições que o
negro, sobretudo o que convivia com a família na casa grande, exerceu na vida do
homem branco. Influências que insidiam em nossos hábitos alimentares, nosso
vocabulário – com a inclusão de novas palavras –, na criação dos nossos filhos,
nas cantigas de ninar e, até mesmo, em nossa vida sexual.

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


261

Gilberto Freyre tinha como propósito em suas obras mostrar que a socie-
dade brasileira não podia ser considerada inferior às demais sociedades por causa
de sua característica mestiça. Ao contrário, o contato entre culturas tão diferen-
tes entre si fazia do país uma nação mais avançada e culturalmente superior às
demais. Além disso, ressaltava o fato de que se conseguiu organizar uma estru-
tura produtiva em um país com condições geográficas que em nada lembravam
a Europa, sendo, portanto, um equívoco tentar comparar a sociedade brasileira
com qualquer outra sociedade europeia.
Ao procurar ressaltar e valorizar a presença do negro em nosso processo
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formador, Gilberto Freyre estava se referindo ao negro que se encontrava na


condição de escravo, isto é, somente seria possível analisar a situação do negro
e suas influências e contribuições para a formação da sociedade brasileira tendo
em mente a sua condição de escravo. Ao que parece, Freyre tentou oferecer uma
justificativa para o comportamento do negro no seio de nossa sociedade, rela-
cionando suas atitudes com sua condição.
Sempre que consideramos a influência do negro sobre a vida íntima do
brasileiro, é a ação do escravo, e não a do negro por si, que apreciamos.
(...). Ao lado da monocultura, foi a força que mais afetou a nossa plásti-
ca social da escravidão. Parece às vezes influência de raça o que é pura
e simples do escravo: do sistema social da escravidão. Da capacidade
imensa desse sistema para rebaixar moralmente senhores e escravos.
O negro nos aparece no Brasil, através de toda nossa vida colonial e da
nossa primeira fase de ida independente, deformado pela escravidão.
Pela escravidão e pela monocultura de que foi o instrumento, o pon-
to de apoio firme, ao contrário do índio sempre movediço (FREYRE,
1998, p. 315).

Acreditamos que resida nessa caracterização do negro a inovação da obra de


Gilberto Freyre, pois o autor chamou nossa atenção para a diferença entre as
atitudes de um indivíduo em conformidade com sua condição social. Isto é, o
modo como esse indivíduo está inserido na sociedade, o papel que exerce na
sociedade determina o seu modo de agir e pensar. Por essa linha de raciocínio, o
autor entendeu e mostrou que o negro veio para o Brasil na condição de escravo
e, mesmo com o fim desse regime, encontrou dificuldades para se inserir na
sociedade de uma maneira diferente, visto que aqui ele aprendeu a ser escravo,
a estar a serviço do outro.

As Várias Histórias do Brasil


262 UNIDADE V

Podemos tentar imaginar como seria a vida do negro caso viesse para o Bra-
sil em outras circunstâncias, desempenhando outro papel? Tarefa demasia-
da difícil, na medida em que estamos já tão acostumados com a condição de
escravo do negro africano do Brasil colonial.
Fonte: a autora.

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Sendo assim, afirmamos que os trabalhos do autor propuseram uma quebra
de estereótipo, na medida em que inseriam o estudo da cultura negra e suas
características no contexto da escravidão, desmistificando algumas das caracte-
rísticas atribuídas a essa instituição e enfatizando que tais características, assim
como certas atitudes do negro, somente foram desenvolvidas por ele se encon-
trar inserido em um regime escravocrata, no qual era o agente principal. As
circunstâncias fizeram do negro o indivíduo que ainda hoje não é raro descre-
vermos com preconceitos.
Casa Grande e Senzala evidenciou uma característica de seu autor, que era o
ato deste primar por uma análise social do Brasil, voltando seu olhar para os aspec-
tos do cotidiano da sociedade brasileira, que iam desde os hábitos alimentares das
famílias até suas aventuras sexuais. Trata-se de uma obra que se assenta na “dife-
rença entre raça e cultura”, na discriminação dos “efeitos de relações puramente
genéticas e influências sociais, de herança cultural e de meio” (FREYRE, 1998).
O legado deixado por Gilberto Freyre é amplo e aborda uma série de ques-
tões e aspectos de nosso processo formador que nos permitem refletir sobre
nosso papel na sociedade. No entanto, por ser um autor que inovou historio-
graficamente, na medida em que representou uma ruptura com a abordagem
cronológica clássica e com as concepções imobilistas da vida social do passado
(MOTA, 1980), esse legado sofreu críticas nem sempre favoráveis a sua postura
ou metodologia, críticas essas que visavam atribuir um caráter limitado e até
mesmo literário as suas obras.
Dante Moreira Leite (1976) é um dos críticos de Gilberto Freyre e chegou a
classificar Casa Grande e Senzala como uma obra literária, ambígua, polivalente

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


263

e imperecível, além de acreditar tratar o livro de uma obra pretensiosa e que se


apresentava como trabalho de um iniciante nas letras. Esse autor acreditava que
Casa Grande e Senzala, assim como as demais obras de Freyre, era a expressão
da interpretação da história do Brasil da classe dominante, revelando os precon-
ceitos mais conservadores dessa classe. Nesse sentido, embora tenha elaborado
uma teoria correta para fazer sua análise, Freyre não conseguira ultrapassar a
perspectiva de sua classe social, o que tornava sua análise limitada e que, por
essa razão, não poderia ser considerada uma obra que traçava o perfil da socie-
dade brasileira como um todo.
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Além disso, para Moreira Leite, a característica marcante da obra de Freyre,


e a que lhe atribuía o caráter literário, encontrava-se no fato de que suas análi-
ses não eram pautadas por documentos capazes de comprovar suas teorias. Ao
contrário, suas conclusões resultavam mais de intuições pessoais, não sendo,
dessa maneira, “possível identificar um ponto de vista teórico bem definido na
obra de Gilberto Freyre, nem indicar o método por ele empregado para chegar
às suas afirmações” (LEITE, 1976, p. 275).
Andreas Houfbauer (2006, p. 247), em estudo acerca da história do “bran-
queamento” da sociedade brasileira, concordou com a visão de Dante Moreira
Leite, afirmando que:
O livro Casa Grande e Senzala, que visa explicar a forma-
ção do povo brasileiro, aproxima-se frequentemente mais
de um relato literário repleto de considerações pessoais e
de frases de efeito do que de um tratado científico com-
prometido com a elaboração de cadeias argumentativas
lógicas amparadas na aplicação coerente de pressupostos
teóricos na análise de dados empíricos.

Essa postura crítica em relação ao trabalho de Gilberto Freyre não é unânime


na historiografia brasileira, visto que alguns nomes da nossa historiografia pre-
feriram reconhecer as contribuições deixadas por Freyre para a compreensão
da evolução histórica brasileira.
Entre os que se enquadram nessa categoria de críticos do pensamento de
Gilberto Freyre, destacamos Carlos Guilherme Mota (1980, p. 54), que, embora
não negasse que a obra de Freyre, com formas regionalistas, pudesse encobrir a
história das relações de dominação no Brasil, reconheceu que:

As Várias Histórias do Brasil


264 UNIDADE V

O estudo da trajetória e dos vários impactos da obra de Gilberto Freyre


sobre os meios intelectuais assume grande importância por permitir a
análise da cristalização de uma ideologia com grande poder de difusão:
a ideologia da cultura brasileira. Sua postura se apresenta, ela mesma,
como objeto de investigação estratégico: contém as ambigüidades da-
quilo que se poderia denominar uma “geração” de explicadores da cul-
tura brasileira.

Apesar de ser acusado de não se basear em fatos e documentos para elaborar


sua análise, entendemos que Gilberto Freyre, com sua Casa Grande e Senzala
e outros trabalhos, procurou valorizar a cultura do povo brasileiro do período,

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exaltando toda a sua riqueza, mais do que a economia e até mesmo a política, o
que pode ser considerado como algo inovador para o período em que tais obras
foram escritas. Diante disso, pode-se observar que a intenção do autor era de se
posicionar contra uma postura racial existente no Brasil de sua época e mostrar
que não se podia acusar um passado marcado por relações interculturais pelas
mazelas da sociedade em que vivia.
Assim como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda também deu um
novo sentido à interpretação da história do Brasil quando, em 1936, lançou Raízes
do Brasil, livro no qual pretendeu traçar os elementos que marcaram a trajetó-
ria da sociedade brasileira desde seus primeiros momentos.
Sérgio Buarque, que possui formação jurídica, tornou-se historiador em um
momento em que o Brasil estava sendo repensado, em meio ao clima eferves-
cente pelo qual o país passava na década de 1930. Como boa parte da elite letrada
do Brasil do século XX, Sérgio Buarque sofreu influências de formas de pensa-
mento europeias, dentre as quais destacamos a História Social (MOTA, 1980),
sendo possível observar em Raízes do Brasil a busca pelo modo de pensar do bra-
sileiro. Desse modo, ao analisar o “homem brasileiro”, o autor estava pensando
em “tipos ideais” de homens e mentalidades, seguindo um modelo que, nesse
caso, tinha origem nas nações da Europa Ocidental, conforme destaca Antônio
Cândido no prefácio da terceira edição dessa mesma obra.
Nesse prefácio, Cândido destacou a fórmula inovadora de análise proposta
por Sérgio Buarque e demonstrou, de maneira clara e livre de pudores, os motivos
que tornavam Raízes do Brasil uma obra importante e relevante para a constru-
ção do saber sobre o Brasil. Por essa razão, sem aparentar qualquer tipo de receio

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


265

em criticar posturas e posições políticas contrárias a sua, Cândido apresentou


de modo singular as tensões vividas pela sociedade brasileira no momento de
elaboração de Raízes do Brasil, colocando o nascimento do livro como uma res-
posta a essas tensões, representadas, sobretudo, pela Revolução de 1930, tida por
ele como um marco divisor na história do Brasil.
O historiador Edgar de Decca criticou a posição de Antônio Cândido, pois
acreditava que a valorização da elaboração de Raízes do Brasil como uma res-
posta à Revolução de 1930 ou como uma forma de direcionar o pensamento dos
mais jovens, conforme apontou Cândido, trazia em si um equívoco, visto que
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Sérgio Buarque não chegou sequer a mencionar tal evento. Desse modo, Antônio
Cândido “compromete Raízes do Brasil com um acontecimento que lhe é estranho”
(DECCA, s.d., p. 15). Para Edgar de Decca, Raízes do Brasil era resultado mais da
efervescência da Semana de Arte Moderna de 1922 do que da Revolução de 1930.
A nosso ver, parece arriscado compartilhar das afirmações de Decca, na
medida em que entendemos que Sérgio Buarque não poderia ter deixado de ser
contaminado pelos acontecimentos e discussões que assolavam o país decorrentes
dos fatos de 1930. Acreditamos que, se não é feita nenhuma menção explícita em
Raízes do Brasil a tais acontecimentos, não parece acertado afirmar que essa volta
às nossas origens proposta pelo seu autor em nada tenha a ver com o momento
histórico em que vivia.

A Revolução de 1930 foi um movimento de revolta armado, ocorrido no Bra-


sil em 1930, que tirou do poder, através de um Golpe de Estado, o presiden-
te Washington Luís. Com o apoio de chefes militares, Getúlio Vargas chegou
à presidência da República. Com o Golpe de 1930 terminou o domínio das
oligarquias no poder. Getúlio Vargas governou o Brasil de forma provisória
entre 1930 e 1934 (governo provisório). Em 1934, foi eleito pela Assembleia
Constituinte como presidente constitucional do Brasil, com mandato até
1937. Porém, através de um golpe com o apoio de setores militares, perma-
neceu no poder até 1945, período conhecido como Estado Novo.
Fonte: Revolução (online).

As Várias Histórias do Brasil


266 UNIDADE V

Retomando o livro Raízes do Brasil, observamos que a metodologia utilizada


pelo autor nos permite apreender o seu entendimento das contradições existen-
tes na evolução da sociedade brasileira, contradições oriundas, pode-se dizer, das
relações interculturais, além, é claro, do fato de o território português no além-
-mar apresentar-se como uma realidade diferente de tudo que já fora visto até
então, levando indivíduos a desenvolverem novas estratégias para se adaptarem
a essas novas características. Desse modo, ao se mesclar costumes e valores de
um povo europeu com uma realidade nunca vista antes, criou-se uma situação
contraditória, em que as diferenças culturais pesaram na nova sociedade que se

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pretendia formar.
Ao longo do livro, as oposições apontadas pelo autor são peças-chave para
entendermos a estrutura implantada aqui pelos portugueses, oposições que se
evidenciam logo nos títulos dos capítulos, o que representa talvez uma tentativa
de Sérgio Buarque de levar o leitor ao pensamento crítico, fundamental para a
compreensão do debate em torno da “construção” do Brasil pelos portugueses.
Dentre as consequências da existência dessas contradições na nova socie-
dade que se formava, a que mais incomodava o autor era o fato de o Brasil não
ter conseguido se transformar em uma sociedade urbano-industrial, isto é, em
uma sociedade moderna, caracterizada por relações impessoais e institucio-
nais, típicas das sociedades europeias. Isso, para o autor, apresentava-se como
um aspecto negativo em nossa história, um aspecto nascido das circunstâncias
em que o Brasil foi colonizado e que impedira nosso progresso.
Raízes do Brasil foi uma tentativa do autor de chamar a atenção para o quanto
de Portugal se enraizou no território brasileiro e o quão desfavorável foi esse enrai-
zamento. O autor preocupou-se em apresentar a história de um Brasil que não
deu certo, e não deu certo devido, sobretudo, às características que em Gilberto
Freyre eram vistas como algo positivo para nossa formação, dentre essas, o con-
tato entre brancos e negros, a miscigenação.
A impressão que temos ao entrarmos no universo de Raízes do Brasil é de que,
embora denominados “brasileiros”, na verdade somos uma extensão de Portugal,
haja vista que importamos “nossas formas de convívio, nossas instituições, nos-
sas ideias (...)” (HOLANDA, 1995, p. 31). Dessa maneira, a obra é uma crítica
à permanência ou influência de costumes, valores e instituições portuguesas

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


267

no Brasil. Seria uma crítica indireta (ou direta) àqueles que vieram para nosso
território na tentativa de construir uma nova nação, em busca de novas oportu-
nidades, mas, que, na verdade, não conseguiram implantar aqui algo que, de fato,
fosse novo. Estabeleceram apenas um prolongamento da sociedade portuguesa.
Difícil é dizer até que ponto tal crítica é válida, na medida em que, embora
talvez tenha se tentado constituir no Brasil uma sociedade nos moldes portu-
gueses, o que se observou foi o surgimento de uma nação diferente de tudo o
que se conhecia até então, devido, sobretudo, às particularidades aqui encontra-
das que criaram situações inéditas e adversas, com as quais os novos habitantes
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foram obrigados a aprenderem a lidar.


O que observamos é que Raízes do Brasil é uma crítica à realidade do Brasil no
século XX, que, segundo o próprio Buarque, não conseguiu superar os obstáculos
criados por uma colonização de caráter tradicional e aristocrático, característi-
cas herdadas de uma nação que se diferenciava do restante da Europa e que não
encontrou o caminho para a modernização como o restante do continente, uma
nação que, na época da colonização, encontrava-se ainda em um momento de
transição de uma mentalidade aristocrática para uma mentalidade capitalista,
já em voga em outros países europeus.
Como entendia que era como o homem pensava que determinava todos os
aspectos da sociedade, o autor procurou entender por que a classe dirigente do
Brasil desenvolveu uma mentalidade rural-patriarcal ao invés de seguir o cami-
nho traçado por outras sociedades europeias. Para Sérgio Buarque, a resposta
estava na sociedade portuguesa, que, embora tivesse mostrado sinais de que tam-
bém entraria no caminho do desenvolvimento do capitalismo, não conseguiu
completar o processo e acabou por implantar, direta ou indiretamente, na socie-
dade além-mar essa mentalidade tida como atrasada pelo autor.
Na visão de Sérgio Buarque, alguns elementos se desenvolveram em Portugal
no caminho da “modernidade”, mas essa mentalidade que se esboçava de forma
moderna, burguesa, não teve equilíbrio para se desenvolver, talvez pela própria
fragilidade do feudalismo. Ou seja, essa nova forma de organização não enfrentou
um confronto direto com a sociedade feudal, que permitisse o amadurecimento
de suas ideias e princípios e estabelecesse as bases sobre as quais se assentaria
essa pretensa forma de organização da sociedade.

As Várias Histórias do Brasil


268 UNIDADE V

Nesse sentido, o que parece ter prejudicado, se assim podemos dizer, a socie-
dade portuguesa foi o fato desta não ter passado pela fase clássica do feudalismo
que em outras sociedades europeias antecedeu e até mesmo possibilitou o nasci-
mento do capitalismo. Como não viveu o feudalismo em toda sua plenitude, os
novos setores que entravam em cena não buscaram por mudanças. Ao contrá-
rio, procuraram se adaptar a uma forma de organização da vida pré-existente,
freando o processo de evolução das forças econômico-sociais portugueses.
Por isso, porque não teve excessivas dificuldades a vencer, por lhe faltar
apoio econômico onde se assentasse de modo exclusivo, a burguesia

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mercantil não precisou adotar um modo de agir e pensar absolutamen-
te novo, ou instituir uma nova escala de valores, sobre os quais firmasse
permanentemente seu predomínio. Procurou, antes de associar-se às
antigas classes dirigentes, assimilar muitos dos seus princípios, guiar-se
pela tradição, mais do que pela razão fria e calculista. Os elementos
aristocráticos não foram completamente alijados e as formas de vida
herdadas da Idade Média conservaram, em parte, seu prestígio antigo
(HOLANDA, 1995, p. 36).

Como se vê, para o autor, a mentalidade moderna portuguesa parece ter se for-
mado rápido demais e a burguesia não conseguiu se fortalecer, acabando por
adquirir características aristocráticas. Seria essa, segundo Sérgio Buarque, a raiz
da nossa não modernização: Portugal trouxe pra suas possessões do além-mar
indícios de modernidade, mas carregados de elementos feudais.
Para se compreender a maneira de pensar de Sérgio Buarque, é preciso
termos em mente o fato de que ele é filho da modernidade, tendo nascido
junto com o processo da modernização da Europa e com o avanço do capita-
lismo. Sendo assim, podemos entender a influência sofrida por esse da ética
protestante de Max Weber, valorizando o trabalho e o que se pode alcançar
com a organização.
Por essa razão, engana-se aquele que pensa que, ao caracterizar o coloniza-
dor português como “aventureiro”, o autor estava enaltecendo o fato deste não
ter medo do novo e dos obstáculos que encontrava em seu caminho. Na verdade,
para Sérgio Buarque, o adjetivo “aventureiro” apresentava-se mais como uma
característica negativa no português, pois trazia em si a falta de planejamento e
organização, essenciais para a execução de um projeto extenso e complexo como
foi o da obra colonizadora.

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


269

Desse modo, ao contrário de Gilberto Freyre, que ressaltava em suas obras o


fato de os portugueses terem sido os responsáveis pela fundação “da maior civi-
lização moderna nos trópicos” (1998, p. 190), Sérgio Buarque enxergava a nossa
colonização como uma tarefa realizada sem uma organização metódica e que se
concluiu apesar dos seus colonizadores.
Essa exploração dos trópicos não se processou, em verdade, por um
empreendimento metódico e racional, não emanou de uma vontade
construtora e energética; fez-se antes com desleixo e certo abandono
(HOLANDA, 1995, p. 43).
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Raízes do Brasil deve ser entendido dentro do contexto da busca de seu autor
pela modernização do Brasil no século XX, de onde advinha a necessidade de
apresentar o Brasil como uma nação que precisava superar seu passado aris-
tocrático para progredir em busca da modernidade. Trata-se de uma obra que
apresentava o pioneirismo do autor no que diz respeito ao “modo de desvendar
o passado dentro de um prisma engajado, que visava uma redefinição do polí-
tico, a preeminência do social e as possibilidades de transformação da sociedade
brasileira” (DIAS, 1998, p. 18).
Embora seja possível encontrar questões referentes aos diversos setores da
sociedade brasileira em suas obras, autores como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque
de Holanda tornaram-se nomes importantes na historiografia brasileira ao ino-
varem em seus trabalhos, apresentando aspectos da sociedade colonial que eram
pouco explorados até aquele momento, aspectos inerentes à formação social e
cultural daquela sociedade.
Mota (1980, p. 63) conseguiu apreender e definir o significado dessas obras
e do momento histórico em que foram elaboradas, afirmando que:
Não se trata apenas da reconstrução do passado, ou do possível avanço
positivo da ciência histórica; está-se, mais do que isso, em presença de
textos de crise, de documentos que registram a trepidação da ordem
social em que as oligarquias pontificavam nas diferentes regiões.

Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda representam uma linha de análise


do passado colonial brasileiro na qual os aspectos étnicos, sociais, psicológicos
e culturais da sociedade colonial são o ponto de partida. Mas, como dito em
outro momento, o século XX foi um momento significativo para a produção

As Várias Histórias do Brasil


270 UNIDADE V

historiográfica no Brasil, e os aspectos políticos e econômicos do passado colo-


nial brasileiro também foram revisitados.
Em um capítulo que pretende revisitar a historiografia acerca da formação do
Brasil e destacar aqueles que contribuíram para a ampliação do conhecimento,
não se pode deixar de mencionar estudos que, apesar de atualmente considerados
superados e até mesmo marginalizados pela academia, representaram na época
em que foram elaborados um avanço na maneira de se pensar a história brasileira.
Destacamos, nesse momento, por essa razão, os trabalhos de Caio Prado Jr.,
responsável pela difusão de uma interpretação de nosso passado colonial que

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ganhou adeptos e manteve-se durante anos como referência no estudo de nossa
história, dentro e fora do meio acadêmico.
Nascido em uma família burguesa e aristocrática que gozava de riqueza e
influência na sociedade paulista, Caio Prado destacou-se na historiografia com
trabalhos que questionavam a situação vigente no país na primeira metade do
século XX e que apresentavam novas metodologias de análises, nas quais os seto-
res mais populares da sociedade ganhavam espaço, como é o exemplo de seu
livro Evolução Política do Brasil, de 1933.
Nesse livro, Caio Prado analisou nosso passado a partir de uma nova
perspectiva, qual seja, a ação política das classes populares. Utilizando-se da
interpretação materialista, o autor se propôs a fazer uma história que não fosse
a da classe dirigente, pois “na nossa história os heróis e os grandes feitos não são
heróis e grandes feitos senão na medida em que acordam com os interesses das
classes dirigentes, em cujo benefício se faz a história oficial (...)” (PRADO JR.,
2006, p. 08). Nesse sentido, Evolução Política do Brasil representou uma reno-
vação na historiografia brasileira, na medida em que trouxe para o centro das
análises a ação política das camadas populares.
Nessa obra, Caio Prado Jr. apresentou um esboço de sua tese acerca do
processo de colonização do Brasil, tese essa que seria tratada em toda sua com-
plexidade com a publicação em 1942 de Formação do Brasil Contemporâneo,
que marcou a historiografia do período, tornando-se a principal referência nos
estudos acerca de nossa história durante várias décadas, sendo que parte signifi-
cativa dos escritos sobre o Brasil posteriores a sua publicação buscou nessa obra
os fundamentos de suas análises (MENDES, 1996).

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


271

O objetivo de Caio Prado com a publicação de Formação do Brasil


Contemporâneo foi entender a sociedade brasileira da primeira metade do século
XX, a qual enxergava como o resultado da soma dos acontecimentos do perí-
odo colonial com as mudanças ocorridas ao longo do século XIX. Por essa razão,
esse século XIX apareceu nessa obra como representante de uma nova fase na
história do Brasil e um momento decisivo para a sua formação, que ainda não
se encontrava concluída.
(...) de um lado, ele nos fornece, em balanço final, a obra realizada
por três séculos de colonização e nos apresenta o que nela se encontra
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de mais característico e fundamental, eliminando do quadro ou pelo


menos fazendo passar ao segundo plano, o acidental e intercorrente
daqueles trezentos anos de história. É uma síntese deles. Doutro lado,
constitui uma chave, e chave preciosa e insubstituível para se acompa-
nhar e interpretar o processo histórico posterior e a resultante dele que
é o Brasil de hoje (PRADO JR., 2004, p. 9).

Em Formação do Brasil Contemporâneo, o que podemos observar é que Caio Prado


Júnior organizou seu pensamento a partir da ideia de que, de alguma maneira,
a história do Brasil derivava da história moderna, mas acabou desempenhando
um papel diferente nesse mundo moderno, um papel inferior em relação ao de
outras nações, pois, enquanto os países avançavam no caminho do progresso,
o Brasil não conseguia progredir e não conseguia desenvolver uma economia
nacional. Por essa razão, o autor entendia que já na década de 1940 o país ainda
não havia conseguido completar sua independência.
A ideia de retomar o período colonial da história do Brasil para ana-
lisar a sociedade contemporânea é um indício de que o autor entendia a
sociedade de seu tempo como um prolongamento de épocas mais distan-
tes, ou seja, entendia que o passado do Brasil ainda pesava na sociedade e
as permanências, no sentido das relações sociais e materiais, circundavam
o país, tornando-o pouco voluntarioso e impedindo o seu crescimento. Esse
entendimento da formação da sociedade brasileira é uma característica do
autor e aparece não só em Formação Econômica do Brasil, mas também em
suas obras posteriores, como em História Econômica do Brasil, de 1945,
obra na qual o autor retomou muitas das ideias apresentadas em Formação
Econômica do Brasil

As Várias Histórias do Brasil


272 UNIDADE V

Este início, cujo caráter manter-se-á dominante através dos séculos da


formação brasileira, gravar-se-á profunda e totalmente nas feições e na
vida do país. Particularmente na sua estrutura econômica. E prolongar-
-se-á até nossos dias, em que apenas começamos a livrar-nos desse pas-
sado colonial. Tê-lo em vista é compreender o essencial da evolução eco-
nômica do Brasil, que passo agora a analisar (PRADO JR. 1981, p. 23).

Não se pode esquecer de que os ideais contidos nas obras de Caio Prado Jr. estão
relacionados com a ideia de progresso e desenvolvimento, ideia crescente com
o fim da Segunda Guerra Mundial. De acordo com esse pensamento, o Brasil

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arcaico, periférico, supersticioso deveria ser superado para dar lugar a um Brasil
industrializado, urbanizado e com alto nível tecnológico (MOTA, 1980).
A partir dessa retomada do início da formação do Brasil, Caio Prado afir-
mava que, em 1942, a economia brasileira encontrava-se ainda articulada como
uma economia colonial, sendo que, quando falava em “economia colonial”, Caio
Prado referia-se ao caráter exportador da produção brasileira. Para o autor, seria
esse o “sentido da colonização” do Brasil, uma característica que ainda não havia
sido superada e que impedia o avanço do processo de formação do Brasil.
Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos
constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais
tarde ouro e diamantes; depois, algodão, e em seguida café, para o co-
mércio europeu. Nada mais que isso. É com tal objetivo, objetivo exte-
rior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não
fossem o interesse daquele comércio, que se organizarão a sociedade e
a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura,
bem como as atividades do país (PRADO JR. 2004, p. 31-32).

A teoria sobre a formação do Brasil formulada por Caio Prado dispensava aten-
ção especial ao caráter exportador da produção organizada nesse território no
início da colonização, a fim de mostrar que esse tipo de organização da socie-
dade brasileira já não fazia mais sentido naquele momento, sendo necessário que
o país transformasse sua economia em uma “economia nacional”, ou seja, que o
país se organizasse a fim de atender suas necessidades, emergindo como nação
forte e preocupada com seus próprios interesses (MENDES, 1996).
Em suas análises, Caio Prado apontou a permanência no Brasil contempo-
râneo de características nascidas no período colonial e que resistiram ao tempo,

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


273

como responsáveis pela situação do país na década de 1940; responsáveis pelo


atraso na formação de uma sociedade brasileira propriamente dita, haja vista
que as questões econômicas internas do país não recebiam atenção suficiente e
tinham seu avanço comprometido, o que, consequentemente, impedia a formação
ou crescimento de uma estrutura social e econômica interna. Portanto, as difi-
culdades contemporâneas do Brasil tinham suas raízes no seu passado colonial.
Como dito, Caio Prado acreditava que era importante o Brasil direcionar
seus esforços no sentido de criar uma economia nacional, voltada para os inte-
resses da sociedade, o que seria possível a partir do momento em que superasse
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os aspectos coloniais que ainda se encontravam na estrutura do país.


Por trás dessa formulação, encontramos o posicionamento político de Caio
Prado diante da situação do país nas décadas de 1930 e 1940. Nesse sentido, sua
interpretação da história do Brasil se originou a partir de suas lutas e se apre-
sentava como uma proposta política, baseada no princípio de constituição do
país enquanto nação, o que significava dizer que foi o modo como Caio Prado
se colocava diante das conjunturas do Brasil contemporâneo que o levaram a
enxergar nosso passado colonial da maneira como enxergou (MENDES, 1996).
Desse modo, devemos procurar entender o pensamento de Caio Prado Jr. levan-
do-se em consideração o momento em que foi elaborado e as intenções do autor,
que recaía na defesa da luta pela indústria nacional, para não corrermos o risco
de elaborar críticas que, na verdade, não condizem com a correta compreensão
da teoria de Caio Prado.
Caio Prado Jr. faz parte de uma geração de pensadores que inovaram nos
métodos de análise do processo de formação brasileira, rompendo com antigas
teorias e apresentando características da sociedade colonial que nos ajudaram
a compreender a evolução da sociedade brasileira. Como dito anteriormente,
essas interpretações estavam associadas às conjunturas vividas por seus autores
e, por essa razão, não devem ser desvinculadas da realidade histórica em que
foram elaboradas.
Caro(a) acadêmico(a), até esse momento abordamos autores e obras que
estavam inseridos em uma mesma conjuntura histórica, mas que nem por isso
compartilhavam das mesmas visões ou entendimentos do processo formador
do Brasil. O que marcou e diferenciou o encaminhamento das análises por esses

As Várias Histórias do Brasil


274 UNIDADE V

autores foram as referências teóricas e metodológicas adotadas por cada um na


elaboração de suas interpretações, além, é claro, de suas inquietudes pessoais.
Após essa mudança na maneira de se analisar o passado colonial brasileiro,
com os estudos adquirindo um viés mais político e econômico, poucas mudanças
nas linhas interpretativas foram sentidas ao longo dos anos, com o predomí-
nio da interpretação da escola do “sentido da colonização” difundida por Caio
Prado Júnior por quase quatro décadas. Dessa maneira, essa interpretação da
história do Brasil adquiriu um lugar de destaque no cenário historiográfico, per-
durando por muitos anos sem ser contestada e servindo de base para estudos

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que a ela se seguiram. Nomes importantes de nossa historiografia foram bus-
car na escola do “sentido da colonização” os fundamentos para novas análises
acerca de nossa formação.
No decorrer desse período de predomínio da interpretação caiopradiana, des-
tacaram-se nomes como os de Celso Furtado, Nelson Werneck Sodré, Fernando
Novais e Vera Ferlini de 1980 (destacamos aqui os trabalhos Formação da
Sociedade Brasileira, de 1944, e Formação Histórica do Brasil, de 1962), dentre
outros, que, apesar de trazerem novas questões para as análises, permaneceram
ligados à noção de colonização para o mercado externo difundido por Caio Prado.
No caso de Fernando Novais (1981), em seus trabalhos, o autor procurou
analisar a história do Brasil em um contexto mais amplo, aprofundando a dis-
cussão sobre as relações entre metrópoles e colônias, e inserir a questão sobre a
maneira como foi desenvolvida a colonização desse território no debate acerca
da acumulação primitiva e da formação do capitalismo industrial. Nesse sen-
tido, Novais entendeu o processo colonizador como uma etapa necessária para
a formação do capitalismo industrial.
Em seus trabalhos, o autor procurou explicar a lógica das relações comer-
ciais na era moderna, enquadrando as colonizações europeias no contexto da
política mercantilista em voga no período em questão. Sendo assim, denominou
o processo de colonização europeia como “sistema colonial do mercanti-
lismo”, um indicativo de que sua análise do processo colonizador vai além
da apreensão da revolução comercial e pretendeu inserir-se no processo de
transição do feudalismo para o capitalismo, buscando o significado das colô-
nias nesse processo.

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


275

Sem fugir do conceito de colônia adotado por Caio Prado Jr. e tendo em
mente a política mercantilista adotada pelos países europeus no período moderno,
Novais (1977, p. 19-20) afirmou que as colônias
(...) devem se constituir em retaguarda econômica da metrópole. Pois
que a política mercantilista ia sendo praticada pelos vários estados mo-
dernos em desenfreada competição, necessário se fazia a reserva de
certas áreas onde se pudesse por definição aplicar as normas de política
econômica; as colônias garantiriam a auto-suficiência metropolitana,
meta fundamental da política mercantilista permitindo assim ao Esta-
do colonizador vantajosamente competir com os demais concorrentes.
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Desse modo, a colônia era vista pelo autor como uma espécie de retaguarda eco-
nômica, promovendo a acumulação primitiva de capital na metrópole por meio
do exclusivo metropolitano, fortalecendo seu poderio diante do mercado mun-
dial. O exclusivo metropolitano consistia em um “acordo” comercial, pelo qual o
Brasil forneceria artigos que a metrópole necessitava, além de oferecer mercado
para os seus manufaturados. De acordo com Novais (1977, p. 26), esse “pacto
colonial” marcava um novo momento, um momento de transição de relações
apenas comerciais para a colonização, quer dizer, para a criação de uma nova
estrutura que foi “um desdobramento da expansão puramente comercial” e que
se fazia necessário para dar continuidade ao crescimento da economia europeia.
Esse novo momento das relações comerciais foi tido por Novais como uma
fase de transição entre o fim do feudalismo e o surgimento do capitalismo indus-
trial, com o advento da Revolução Industrial. Nesse cenário de transformações
comandadas pelo capitalismo comercial, as colônias apareciam como peças
fundamentais para a manutenção desse processo, na medida em que os países
encontravam dificuldades para manter o ritmo da expansão das atividades e da
ascensão social e necessitavam, assim, de “apoios externos – as economias colo-
niais – para fomentar a acumulação” (NOVAIS, 1977, p. 27).
Dentro desse cenário proposto por Fernando Novais (1981) para a com-
preensão do processo colonizador, que se organizara visando à constituição de
uma forma “especial” de comércio colonial, que levaria à acumulação primitiva
de capitais, os mecanismos criados para garantir a manutenção desse sistema
aparecem como elementos que iam ao encontro ao que acontecia na Europa,
uma vez que foram adotada nas colônias atividades que já se encontravam em

As Várias Histórias do Brasil


276 UNIDADE V

fase de superação nos países europeus, como a adoção do trabalho escravo


em detrimento do trabalho livre. Segundo o autor, a escravidão apresentava-
-se como algo necessário ao avanço da colonização, na medida em que, caso
fosse possível estabelecer formas livres de trabalho na colônia, o que acon-
teceria seria a organização de uma produção voltada para consumo próprio,
o que não correspondia às necessidades e interesses do capitalismo mercan-
til europeu.
Efetivamente, nas condições históricas em que se processa a coloniza-
ção da América, a implantação de formas compulsórias de trabalho de-

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corria fundamentalmente da necessária adequação da empresa coloni-
zadora aos mecanismos do Antigo Sistema Colonial, tendente promover
a primitiva acumulação capitalista européia; do contrário, dada a abun-
dância de um fator de produção (terra), o resultado seria a constituição
no Ultramar de núcleos europeus de povoamento, desenvolvendo uma
economia de subsistência voltada para seu próprio consumo, sem vin-
culação efetiva com os centros dinâmicos metropolitanos (NOVAIS,
1981, p. 102).

Desse modo, a escravidão apareceu na América portuguesa como uma consequ-


ência lógica e necessária para a manutenção do processo colonizador e do que
ele representava para as sociedades europeias na época moderna. Ao fazer essa
análise do desenvolvimento dessas colonizações europeias, Fernando Novais
mostrou como esse desenvolvimento acabou gerando os fatores que, mais tarde,
levariam a uma crise no sistema colonial e a sua consequente superação.
Essa forma de organização do processo colonizador, ao mesmo tempo em
que permitia a acumulação primitiva de capitais nas economias centrais, pos-
sibilitava que no interior da colônia se desenvolvesse uma sociedade senhorial
escravocrata, uma forma de organização da sociedade que ia ao encontro com as
relações e valores da sociedade burguesa crescente na Europa (NOVAIS, 1981, p.
106). Essa contradição, isto é, um sistema produtivo organizado com a intenção
de produzir para o capitalismo europeu baseado em uma sociedade escravo-
crata, transformou-se em um fator que acabaria por limitar o crescimento da
economia de mercado, sobretudo devido à baixa produtividade, à falta de inves-
timentos, à dificuldade de se constituir um mercado interno significativo nas
sociedades escravistas e ao elevado grau de dependência que isso pressupunha
(NOVAIS, 1981).

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


277

Questão interessante nos trabalhos de Fernando Novais é como ele demons-


trou a evolução do processo de colonização como fase importante na construção
do capitalismo industrial, mas, ao mesmo tempo, como, à medida que esse capi-
talismo industrial ia se estabelecendo nas colônias, a empresa colonial como um
todo acabava por se transformar em um obstáculo para a manutenção da nova
ordem mundial. Nesse sentido, apreendemos a evolução do papel desempe-
nhado pela colônia diante das transformações socioeconômicas que ocorriam
na Europa desde o século XVI. O comércio colonial e o monopólio das metró-
poles sobre este, criaram entraves que dificultaram a evolução do capitalismo e
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passam a ser contestados (NOVAIS, 1981).


Os trabalhos de Fernando Novais trataram o processo de colonização do territó-
rio americano em uma perspectiva mais ampla do que os estudos de Caio Prado Jr.,
isto é, enquanto Caio Prado Jr. analisou a colonização americana dentro do contexto
da Revolução comercial, Novais inseriu esse processo nas conjunturas que marca-
ram o fim do período feudal e o nascimento da Época Moderna. No entanto, mesmo
tendo publicado seus trabalhos, aproximadamente, trinta anos depois de Caio Prado,
o autor não fugiu da linha mestra da teoria caiopradiana, caracterizando a colônia
como uma organização produtiva voltada a atender necessidades externas e clas-
sificando as atividades internas como consequências e subsidiárias desse processo.
Assim como Fernando Novais, outros nomes da nossa historiografia seguiram
a linha de raciocínio de Caio Prado Jr., transformando suas ideias na base da cons-
trução do saber relativo à colonização e desenvolvimento do território brasileiro.
Esses autores, incluindo o próprio Caio Prado Jr., entendiam que os problemas
enfrentados pelo Brasil, tinham origem na nossa formação, no período colonial.
Desse modo, todos eles foram buscar nesse passado a origem do que acredita-
vam ser os problemas do Brasil no período contemporâneo. E, embora derivem
da mesma matriz teórica, suas análises possuem diferenças que variam de acordo
com a percepção que cada autor possui dos problemas enfrentados pelo país.
Essa foi a base dos estudos referentes à história do Brasil que se seguiu por um
longo período do século XX e que somente começou a ser sistematicamente con-
testada no final da década de 1970, com a publicação de trabalhos como os de Ciro
Flamarion Cardoso, Antônio Barros de Castro, José Roberto do Amaral Lapa, Jacob
Gorender, Maria Yedda Linhares e Francisco Carlos Teixeira da Silva, dentre outros.

As Várias Histórias do Brasil


278 UNIDADE V

Esses autores, ao contrário do que ocorrera na historiografia até então, em seus


trabalhos, primaram por uma análise que não levasse em conta somente o caráter
comercial e exportador da colonização da América, mas sim destacassem as rela-
ções socioeconômicas internas das sociedades coloniais, apresentando sua estrutura
de organização interna e o papel das atividades tidas pelos autores até então como
secundárias ou subsidiárias das atividades voltadas para o comércio europeu.
Dessa maneira, esses autores trouxeram à cena aspectos da colônia pouco tra-
balhados e que sofriam influência do meio externo, mas que também influenciavam
a organização da estrutura comercial aqui instalada e que, por essa razão, mereciam

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destaque nos estudos relacionados ao desenvolvimento da sociedade do além-mar.
Ciro Flamarion Cardoso, em seus trabalhos, dedicou-se a analisar a estru-
tura interna das sociedades coloniais, transformando-se no maior crítico do
pensamento de Caio Prado Jr. Pautando seus estudos sobre o escravismo colo-
nial, Cardoso desprezou a teoria da dependência e a ideia de que as colônias
somente possuíam algum sentido se entendidas em função de suas metrópoles.
Para o autor, as sociedades coloniais deveriam ser entendidas “como elemen-
tos integrantes (e até mesmo complementares e dependentes) da economia
européia” (FRAGOSO; FLORENTINO, 2001), mas que possuíam estruturas
internas que não podiam ser ignoradas ao se analisar nosso passado colonial.
Podemos observar as críticas feitas por Cardoso em seu trabalho Escravo ou
Camponês?, de 1987, no qual o autor fez um balanço do debate historiográfico
sobre a escravidão colonial, incluindo, nesse balanço, uma revisão de trabalhos
de sua própria autoria publicados em anos anteriores, em que procurou discu-
tir a escravidão colonial.

Ciro Flamarion Cardoso produziu outros trabalhos relevantes, por exemplo,


Agricultura, Escravidão e Capitalismo, de 1979, e As concepções acerca do “sis-
tema econômico mundial” e do “ antigo sistema colonial”: a preocupação ob-
sessiva com a “extração do excedente”, de 1980.
Fonte: a autora.

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


279

Nesse trabalho, é possível observar que a crítica de Cardoso incide sobre a ideia
da existência de um capitalismo perene desde o século XVI e que transformava
as regiões coloniais em simples extensões de suas metrópoles, sem autonomia e
que, em última instância, não formavam uma sociedade de fato. Nesse sentido,
a crítica do autor vai ao encontro com a
concepção de capitalismo que, fazendo das estruturas internas da Amé-
rica Latina e do Caribe, em especial, simples projeções ou corolários do
impacto de elementos ou influxos cuja racionalidade básica se situaria
fora daquelas regiões, levava à afirmação clara ou implícita de que suas
sociedades não eram formações econômico-sociais diferenciadas e au-
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tônomas (CARDOSO, 1987, p. 33).

Por essa razão, Cardoso baseou suas análises em estudos de autores estrangeiros,
haja vista que esses autores fugiam da ideia do “sentido da colonização” que, a
seu ver, não tratava as sociedades coloniais escravistas como verdadeiras socie-
dades, mas sim como campos de concentração, sem considerar suas estruturas e
contradições internas. Sendo assim, o autor apontou o que considerava “falhas”
nos estudos acerca das sociedades coloniais até então, por exemplo, a falta de
um estudo orgânico das forças produtivas em todos os seus aspectos, relações
e consequências e a posição de o fato colonial aparecer mais superposto do que
integrado ao resto da análise.
Questionando, assim, uma perspectiva baseada na ideia de um “capita-
lismo perene” instalado no continente americano a partir do século XVI e cuja
fundamentação teórica era a definição de esfera da circulação e de apreciações
sobre a busca do lucro aliadas a uma certa concepção da racionalidade capita-
lista – e não da esfera de produção –, o autor propôs que as análises partissem
de um outro ponto de vista e levassem em consideração as estruturas internas
das sociedades coloniais, as quais acreditava possuírem consistência interna e
relativa autonomia estrutural.
Prezado(a) acadêmico(a), na tentativa de fugir da matriz do pensamento de
Caio Prado Jr., Cardoso primou por uma análise que mostrasse que as colônias
possuíam um conjunto de atividades que, escapando das injunções externas,
davam à sociedade colonial uma estrutura que não era explicada somente por
sua ligação com o mercado mundial. Nessa tentativa de levar um outro olhar para
os estudos das sociedades coloniais, o autor chamou a atenção para as atividades

As Várias Histórias do Brasil


280 UNIDADE V

econômicas existentes nas colônias escravistas e que escapavam do sistema de


plantation em sentido estrito.
Cardoso chamou a essas atividades de “brecha camponesa” e as dividiu em
dois tipos, sendo o primeiro a economia independente e de subsistência que os
quilombolas organizavam em seus quilombos e o segundo os pequenos lotes de
terra concedidos em usufruto nas fazendas aos escravos não domésticos, criando
o mosaico camponês-escravo, coexistindo com a massa compacta, indubitavel-
mente dominante, das terras do senhor, nas quais o escravo era o trabalhador
agrícola ou industrial, fazendo parte de um grande organismo de produção.

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Dentre as modalidades de campesinato existentes dentro do sistema escravista,
Cardoso se concentrou no estudo do protocampesinato escravo, modalidade que
representa as atividades agrícolas realizadas por escravos nas parcelas e no tempo
para trabalhá-las, concedidas no interior das fazendas, e na eventual comerciali-
zação dos excedentes obtidos. Nesse sentido, a “brecha camponesa” representa a
ideia de que, ao mesmo tempo em que atuava como agente fundamental para a
manutenção das atividades comerciais exportadoras, o escravo também desem-
penhava um papel relevante na construção de uma dinâmica interna necessária
para a formação e desenvolvimento de uma sociedade.
Mesmo chamando a atenção para a existência de uma atividade desenvol-
vida pelos escravos que não fosse diretamente voltada para a manutenção das
atividades exportadoras, Cardoso não pretendia negar ou questionar a existên-
cia do escravismo colonial e tudo o que ele representou para as sociedades. Ao
contrário, seu objetivo era mostrar que
o estudo da “brecha camponesa” serve, entre outras coisas, para nu-
ançar a visão habitualmente monolítica em excesso que se possa ter
do sistema escravista Afro - América, ao mostrar as colônias afro-a-
mericanas como sede de verdadeiras sociedades, ativas, dinâmicas e
contraditórias – e não como campos de concentração generalizados,
habitados mais por figuras esteorotipadas do que por pessoas vivas.
Serve para nuançar, dissemos, mas não para pôr em dúvida o sistema
escravista, indubitavelmente dominante (CARDOSO, 1987, p. 90).

A preocupação de Cardoso em seus trabalhos era de elaborar uma análise que des-
tacasse os aspectos internos das sociedades coloniais, uma análise que representaria
um avanço nos estudos acerca da temática colonial, apresentando aspectos ausentes

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


281

nos estudos conhecidos até então. A ausência desses aspectos tornava os estudos
incompletos e levava a generalizações que comprometiam a apreensão do quadro
colonial como um todo. Desse modo, Ciro Flamarion e outros que a ele se segui-
ram primavam por uma análise de nossa história que fosse além da interpretação
que ganhou força a partir dos estudos de Caio Prado Jr., trazendo para o cenário das
análises características da estrutura interna da organização das colônias, ressaltando
sua importância para o desenvolvimento e manutenção da sociedade que nascia.
Com uma crítica que se direcionava, sobretudo, para os trabalhos de Fernando
Novais, a quem responsabiliza por fazer com que as colônias americanas pareçam
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ter “estruturas que parecem ser meras conseqüências ou projeções de um processo


cuja lógica profunda lhe é exterior” (CARDOSO, 1980, p. 119), Cardoso afirma que
analisar a formação das colônias olhando apenas para as conjunturas externas não
seria suficiente para entendê-las, pois isso significaria afirmar que não havia nes-
sas colônias autonomia alguma e que seu funcionamento interno seguia de acordo
com as orientações da metrópole, o que representa apenas um quadro parcial do
que ocorria, de fato, com as colônias. Além disso, teorias como as de Caio Prado e
Fernando Novais, segundo o autor, generalizavam aspectos do processo colonizador
de diversos territórios e não conseguiam explicar as particularidades de cada um.
Como explicar as profundas diferenças atuais entre as estruturas internas
de diversos países latino-americanos e antilhanos, partindo de um modelo
genérico e de termos tão vagos quanto “trabalho forçado, servil e semiser-
vil”, e não do estudo adequado dos contrastes existentes entre as estruturas
e processos internos presentes em diferentes regiões da América colonial,
cuja dinâmica, embora dependesse sem dúvida, em última instância, de
impulsos e estímulos provenientes da área metropolitana, em nenhum
caso se reduzia a tais impulsos e estímulos? (CARDOSO, 1980, p. 120).

Apesar de criticar o peso atribuído às relações externas das sociedades coloniais e


ao seu caráter exportador, Cardoso não chegou, em seus trabalhos, a negar a exis-
tência desse caráter ou a contestar os partidários dessa posição no sentido de criar
uma nova teoria que explicasse o real “sentido da colonização”. Tanto em Escravo ou
Camponês? quanto em outros trabalhos não é possível encontrar uma nova linha
interpretativa ou mesmo um significado de colônia diferente do que o criado por
Caio Prado Jr. e seguido por tantos outros autores. Nesse sentido, podemos dizer
que a crítica de Cardoso foi parcial. Na verdade, o que inquietava Ciro Flamarion

As Várias Histórias do Brasil


282 UNIDADE V

Cardoso era que os estudos deixavam de lado a organização e o funcionamento


das estruturas internas das colônias, dando a impressão de que tais estruturas não
possuíam relevância na observação do quadro colonial como um todo.

A crítica de Ciro Flamarion Cardoso era com relação à ideia que Fernando
Novais tinha do Antigo Regime, que, para ele, definia-se como “sistema colo-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nial do mercantilismo”, o conjunto das relações entre metrópoles e colônias
na época do “capitalismo comercial”, objetivando a acumulação primitiva.
Para Cardoso, o embasamento teórico de Novais é superficial, o que com-
promete suas análises e o leva a generalizações perigosas.
Fonte: a autora.

No entanto, ao mesmo tempo em que critica a articulação entre a economia


colonial e o mercado externo, Cardoso aparenta aceitar a ideia de que essa arti-
culação era o elemento decisivo à caracterização da economia colonial. Nesse
sentido, os trabalhos de Cardoso representam não um rompimento, mas, antes,
um complemento à teoria desenvolvida por Caio Prado e levada a extremos por
outros autores. Como o próprio autor reconhece,
Tais sociedades só revelam o seu pleno sentido se forem consideradas
como integrantes de um sistema mais vasto, na medida em que surgi-
ram como anexos complementares da economia européia, dependen-
tes de áreas metropolitanas, elementos que devem ser levados em conta
na análise que pretenda descobrir a racionalidade das estruturas eco-
nômico-sociais das colônias. Mas também é verdade que as atividades
de conquista e colonização tiveram como resultado o aparecimento de
sociedades cujas estruturas internas possuem uma lógica que não se re-
duz exclusivamente ao impacto da sua ligação com o mercado mundial
em formação e com as metrópoles européias. Por isso, a sua concepção
em termos de anexos complementares, de partes constitutivas de con-
juntos mais amplos, mesmo sendo – como é – um momento central da
pesquisa, é claramente insuficiente. Sem analisar as estruturas internas
das colônias em si mesmas, na sua maneira de funcionar, o quadro fica
incompleto, insatisfatório, por não poderem ser explicadas algumas
das questões mais essenciais (...) (CARDOSO, 1980, p. 110).

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


283

Pode-se dizer que foi a partir dos estudos de Ciro Flamarion Cardoso que os estu-
diosos de nossa história adotaram uma nova forma de olhar para nosso passado.
Antônio Barros de Castro foi um desses estudiosos que, assim como Cardoso,
procurou em seus estudos apontar as características dos agentes internos que
contribuíam para a organização e funcionamento das atividades coloniais.
Em seus trabalhos, o autor procurou enfatizar a ideia de que alguns setores
de atividades da colônia não dependiam exclusivamente dos desígnios externos
para funcionarem, como no caso dos engenhos, por exemplo. Desse modo, o
autor defendia a ideia de que o desenvolvimento da colônia não seguia apenas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

o fluxo das ações externas, mas que dependia, também, em alguns casos, de cir-
cunstâncias que eram próprias da atmosfera interna.
Embora não perdesse de vista o contexto mercantil no qual a descoberta e
colonização das terras brasileiras estavam inseridas, e tendo como foco a escravi-
dão colonial, o autor trouxe para o centro das discussões as relações intercoloniais,
a partir das quais seria possível entender questões relevantes para a plena apre-
ensão da relação metrópole-colônia.
Não se entenda, pelo que aqui foi dito, que julgamos de somenos im-
portância os estudos das relações metrópole-colônia. Afirmamos, isto
sim, que, no marco unidimensional das relações metróple-colônia,
tudo parece resolver-se em pressões do pólo dominante sobre o pólo
dominado. Neste estreito marco, não tem lugar nem a renda diferen-
cial – que se define nas relações intercoloniais – nem a própria renda
da escravidão – a qual só é percebida mediante a análise do processo
do trabalho escravo. Admitidos estes conceitos, a moderna escravidão
revela-se a um só tempo mais internacional e mais localmente deter-
minada do que sugere a tradicional visão metrópole-colônia. O que
nos leva a crer que, sem tê-los em conta, não entenderemos sequer as
próprias relações metrópole-colônia (...) (CASTRO, 1984, p. 47).

Sendo assim, os trabalhos do autor destacam-se pelo estudo de estruturas conside-


radas por ele como peças-chave no desenvolvimento e manutenção da sociedade
colonial e, indiretamente, da metrópole. E é a partir dessa perspectiva que Castro
procura demonstrar a posição dominante adquirida pela mão de obra escrava nas
atividades que fundamentam e determinam a estrutura econômico-social do que
ele considera o “novo modelo colonial”. Novo porque, de acordo com o autor, a
sociedade passou a organizar-se de maneira mais sólida e estável, elevando a colônia

As Várias Histórias do Brasil


284 UNIDADE V

a uma peça importante no jogo das relações comerciais, na medida em que ela
se tornava um importante mercado consumidor para as manufaturas europeias.
Mesmo defendendo a posição de que as relações intercoloniais merecem des-
taque nos estudos referentes à história do Brasil, visto que essas relações permitem
questionamentos capazes de auxiliar na apreensão da dinâmica econômico-social da
colônia, Castro não chega a discordar totalmente do cerne da interpretação da his-
tória colonial brasileira fortemente divulgada a partir dos trabalhos de Caio Prado.
Na verdade, o autor ressalta que o capital mercantil criou oportunidades
comerciais e foi o responsável pelo surgimento de um novo e poderoso núcleo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
escravista. Nesse sentido, não descarta o papel das relações mercantis externas
na formação da sociedade colonial nem o caráter exportador da colônia. Assim
como Cardoso, Castro apenas analisa a história colonial por um outro ângulo,
mas sem negar o “sentido da colonização” amplamente divulgado até então.
Tendo em vista o que procede, não deve surpreender o fato de que o
estudo da história colonial tenha sido tradicionalmente realizado a par-
tir das relações mercantis entre as metrópoles e as respectivas colônias.
Afinal, o comércio está nas origens e a ele coube definir o próprio “sen-
tido” da colonização (CASTRO, 1984, p. 46).

Outro autor importante que seguiu essa linha de interpretação, enfocando as


características internas do processo de formação da colônia, foi Jacob Gorender,
que, visando romper com a perspectiva histórica que valorizava em demasiado
o comércio externo, tomou o escravo como categoria explicativa central.
Apesar de, assim como os outros autores acima mencionados, ter seguido a
linha interpretativa que prioriza as características internas da colônia nas análises,
isso não significa que as ideias apresentadas por Gorender estejam em completa
concordância com o proposto por outros autores. Na verdade, embora sigam a
mesma corrente de interpretação, existe um debate bastante forte entre as posi-
ções de Gorender, Ciro Flamarion Cardoso e Antônio Barros de Castro, debate
que não cabe discutirmos nesse momento.
O que importa saber é que Gorender, como dito anteriormente, procurou
em seus estudos apontar os caracteres internos de organização e funciona-
mento da colônia, enfocando a importância dessa estrutura para a manutenção
do comércio mercantil. Para tanto, procurou definir o que chamou de modo de

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


285

produção escravista colonial e sua forma de organização dominante, a plantagem,


em uma tentativa de enquadrar a escravidão colonial como algo novo na história
e de combater a visão que apresenta o escravo apenas como um “investimento
de capital fixo”, substituindo a definição dele enquanto “coisa”, mercadoria e o
enquadrando como agente subjetivo do processo de trabalho, humanizando sua
existência no âmago das atividades econômicas coloniais.
Nesse sentido, o autor buscou diferenciar o modelo de escravidão existente
no período colonial da escravidão existente no mundo antigo, período no qual o
autor acredita que o que ocorreu foi uma escravidão mercantil patriarcal, caracte-
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rizada por uma existência setorial muito restrita e por uma exploração do escravo
voltada para a produção de uma renda natural, definida pela parte do excedente
da produção não comercializado e destinado ao consumo direto da família do
senhor e seus dependentes pessoais. Desse modo, Gorender definiu a escravi-
dão colonial como um modo de produção historicamente novo, na medida em
que, diferentemente do que ocorria na Antiguidade, a escravidão colonial apre-
sentava-se na forma de um escravismo mercantil desenvolvido.
O interessante ao observar as posições existentes nos trabalhos de Gorender,
suas ideias e, sobretudo, os conceitos que ele aplica na análise de nosso passado é
que, embora sua intenção fosse, dentre outras, a de inovar no sentido de interpreta-
ção histórica, o que acontece é o surgimento de ideias que aparecem mais como uma
forma de ampliar o conhecimento da história do que uma crítica ou rompimento
propriamente dito com qualquer outra corrente interpretativa em voga até então.
Prova disso são as características que atribuiu à plantagem escravista , a qual
aparece definida como
uma organização econômica voltada para o mercado. Sua função pri-
mordial não consiste em prover o consumo imediato dos produtores,
mas abastecer o mercado mundial. Este é que a traz à vida e lhe dá
razão de existência. Baseado no trabalho escravo, o modo de produção,
que com ela se organiza, não oferece à plantagem um mercado interno
de dimensões compatíveis com sua produção especializada em grande
escala (GORENDER, 1978, p. 89).

Além de enfatizar que a plantagem escravista consiste em um sistema de produção


voltado para o mercado mundial, essa posição é reiterada pelo seu entendimento
de “economia colonial”, definido como “economia voltada principalmente para

As Várias Histórias do Brasil


286 UNIDADE V

o mercado exterior, dependendo deste o estímulo originário ao crescimento das


forças produtivas” (GORENDER, 1978, p. 170).
Como é possível observar, embora tenha tentado fugir do cerne da interpreta-
ção de Caio Prado Jr., Gorender permaneceu fiel aos seus princípios, construindo
suas análises a partir desse princípio. Dessa maneira, os trabalhos de Jacob
Gorender não se diferenciam de outros trabalhos e autores aqui mencionados,
os quais, pretendendo uma crítica ou até mesmo ruptura com uma forma de
enxergar a evolução histórica do Brasil nascida há décadas, na verdade, acabaram
por reforçar tal interpretação e elaborar pontos de vista complementares a ela.

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Caro(a) aluno(a), na verdade, o que podemos observar nos trabalhos des-
ses autores e suas críticas sobre a teoria do “sentido da colonização” é que eles
não conseguiram ou, pelo menos, demonstraram não ter conseguido entender a
essência do pensamento caiopradiano. Talvez, tenha faltado a eles estabelecerem
uma ligação entre a interpretação da história do Brasil feita por Caio Prado e o
momento histórico em que essa interpretação foi elaborada. Possivelmente, se
essa ligação existisse no pensamento de Cardoso e os demais autores aqui apre-
sentados, eles tivessem entendido que, se Caio Prado Jr. não tomou o mercado
interno como centro de sua análise nem considerou os sistemas produtivos, foi
porque seu objetivo era demonstrar que o desenvolvimento desse mercado estava
sendo impedido ou, ao menos, dificultado pelos aspectos exportadores da eco-
nomia colonial. Por essa razão, fazia-se necessária a apresentação e análise desses
aspectos, a fim de se demonstrar a necessidade de sua superação.

A POLÍTICA COLONIAL PORTUGUESA: DOS ASPECTOS


FEUDAIS AOS INDÍCIOS DO CAPITALISMO

Caro(a) acadêmico(a), paralelamente a essas discussões acerca da relação entre


o descobrimento e colonização do Brasil e as relações mercantis mundiais e tudo
o que isso representou para a nossa história, outra questão era abordada por
diversos historiadores ao longo do século XX, que tentavam explicar por outro

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


287

ponto de vista o uso e exploração do nosso território. Esses historiadores, dentre


os quais procuraremos destacar alguns nomes, discutiam se a política colonial
aqui adotada encaixava-se dentro do sistema capitalista ou se não representava
uma retomada do sistema feudal clássico.
Essa discussão para muitos historiadores já não aparece nos dias de hoje
como um ponto a ser destacado ou debatido, por considerarem se tratar de uma
discussão que já se esgotou e não se faz mais necessária. No entanto, entendemos
que o conhecimento de tal questão e do debate que a envolve – ou envolveu como
preferem alguns – apresenta-se como aspecto relevante na busca pelo conheci-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mento do que já foi dito acerca da história do Brasil e encaixa-se perfeitamente


dentro da proposta de nosso estudo.
Como sabemos, ao decidir colonizar suas possessões americanas, Portugal
optou pela divisão do território em lotes de terras e suas distribuições entre os
interessados em se estabelecer no Novo Mundo.
Caio Prado Jr., em Evolução Política do Brasil, já demonstrava preocupação
quanto à questão do tipo de regime característico da sociedade que se formava
no Novo Mundo. Nesse trabalho, como já mencionado anteriormente, o autor
afirma que os elementos iniciais do processo de colonização do Brasil, apesar de
possuírem características feudais, não podem nos levar a afirmar que houve aqui
um sistema feudal semelhante ao que existira na Europa. Para esse autor, não é
possível traçar paralelos entre o feudalismo europeu e a realidade do processo
de colonização implantado por Portugal em suas possessões americanas, pois
(...) no Brasil-Colônia, a simples propriedade da terra, independente
dos meios de a explorar, do capital que a fecunda, nada significa. Nisto
se distingue a nossa formação da Europa medieval saída da invasão
dos bárbaros, lá encontraram os conquistadores descidos do Norte
uma população relativamente densa e estável que já se dedicava à agri-
cultura como único meio de subsistência. O predomínio econômico
e político dos senhores feudais resultou assim direta e unicamente da
apropriação do solo, o que automaticamente gerava em relação a eles
os laços de dependência dos primitivos ocupantes. Aqui, não. A orga-
nização político-econômica brasileira não resultou da superposição de
uma classe sobre uma estrutura social já constituída, superposição esta
resultante da apropriação e monopolização do solo. Faltou-nos este
caráter econômico fundamental do feudalismo europeu (PRADO JR.,
2006. p. 17).

A Política Colonial Portuguesa: dos Aspectos Feudais aos Indícios do Capitalismo


288 UNIDADE V

Roberto Simonsen (1969), em extenso trabalho sobre o desenvolvimento econô-


mico da sociedade brasileira, procurou demonstrar como o regime instaurado
nesse território logo após sua ocupação enquadrava-se no contexto da revolu-
ção comercial e da formação do modelo capitalista no período da colonização.
Nesse sentido, Simonsen enxergava a expansão marítima portuguesa como uma
tentativa de aumentar suas riquezas e satisfazer os desejos de uma nobreza acos-
tumada ao luxo e ao requinte.
Envolvido desde muito antes da descoberta do Novo Mundo em atividades
comerciais, Portugal, na visão de Simonsen, desenvolvera desde cedo as bases

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
para uma economia nos moldes do sistema capitalista, bases essas que seriam,
mais tarde, transferidas para suas terras no continente americano.
D. Manuel, com sua política de navegação, com seu regime de mono-
pólios internacionais, com suas manobras econômicas de desbanca-
mento do comércio de especiaria de Veneza, é um autêntico capitalista.
Os seus “vassalos” não ficam atrás. Não fazem a conquista como os
cavaleiros da Idade Média. Procuram engrandecer e enriquecer o país.
Querem que Portugal seja uma potência (SIMONSEN, 1969, p. 82).

Portanto, como em Portugal já prevalecia uma mentalidade tida como capitalista,


seria natural que, ao montar uma estrutura que visava à ocupação e desenvolvi-
mento de uma sociedade na América, Portugal, conscientemente ou não, adotasse
aqui uma política que se aproximava dos valores e ideais reinantes na sua pró-
pria sociedade naquele momento. Desse modo, o regime de divisão de terras
em Capitanias Hereditárias e a distribuição de sesmarias refletiam a mentali-
dade capitalista em voga no reino, na medida em que o objetivo final desse tipo
de colonização era a busca pelo aumento dos rendimentos.
Tendo em vista essas características, Simonsen acredita não ser válida a
afirmação de que no momento da colonização das terras brasileiras houve uma
retomada do feudalismo existente em outros tempos na Europa, o que signifi-
cava um retrocesso no caminho natural da evolução das sociedades.
Não nos parece razoável que a quase totalidade dos historiadores pátrios
acentuem, em demasia, o aspecto feudal do sistema de donatarias, che-
gando alguns a classificá-lo como um retrocesso em relação às conquistas
políticas da época (...). Sob o ponto de vista econômico, que não deixa de
ser básico em qualquer empreendimento colonial, não me parece razoável
a assemelhação desse sistema ao feudalismo (SIMONSEN, 1969, p. 81).

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


289

Para o autor, os argumentos daqueles que defendem a tese de um feudalismo no


Brasil não se sustentam, na medida em que não conseguem estabelecer vínculos
entre as características do feudalismo europeu e o que ocorreu no Brasil no perí-
odo em questão, haja vista as diferenças básicas entre um modelo e outro. No
Brasil, por exemplo, ao contrário do que acontecia no feudalismo clássico, havia
um interesse por parte daqueles que vinham ocupar essas terras em melhorar sua
condição social, ou seja, vêm atrás de fortuna, em busca da lucratividade. Esse
seria o principal ponto de diferenciação entre o modelo instaurado no Brasil e
feudalismo clássico.
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A análise de Roberto Simonsen sobre o enquadramento da estrutura coloni-


zadora do território brasileiro em um modelo político-econômico determinado
traz em si uma crítica a uma corrente de pensamento que procurava atribuir ao
nosso passado colonial e a um possível feudalismo no Brasil as mazelas e ineficá-
cia do sistema fundiário brasileiro, apresentando, dessa maneira, uma discussão
que estava em voga no período em que Simonsen elabora seu trabalho, uma dis-
cussão sobre a reestruturação da estrutura fundiária no Brasil.
Na contramão desse tipo de análise, encontramos autores como Alberto
Passos Guimarães que, em trabalho de 1963, afirmou que, ao iniciar o processo
de colonização do Brasil, Portugal transferiu para essas terras elementos do seu
feudalismo decadente, ao invés de optar por uma colonização que refletisse os
aspectos do nascente mercantilismo no país.
De acordo com o autor, a transferência, se assim podemos dizer, de elementos
característicos de um sistema feudal decadente para a sociedade que se formava
explica-se pelo fato de a coroa buscar por meio da colonização recuperar o pres-
tígio de outros tempos, ao mesmo tempo em que ambicionava a manutenção de
antigos privilégios, ameaçados pelo novo modelo de sociedade que se desenhava
na Europa naquele período. Nesse sentido, a evolução histórica em curso em
Portugal não teve continuidade no mundo colonial, fato que, de acordo com o
autor, representou um retrocesso na evolução histórica da sociedade portuguesa,
na medida em que a mentalidade daqueles que tomavam parte do processo colo-
nizador trabalhava em prol do resgate do poder e privilégios de outros tempos.
Como se pode imaginar, não é difícil visualizar que em um cenário como
o proposto por esse autor, o perfeito desenvolvimento da colonização, cedo ou

A Política Colonial Portuguesa: dos Aspectos Feudais aos Indícios do Capitalismo


290 UNIDADE V

tarde, esbarraria em obstáculos oriundos do contraste entre uma tentativa de


reestruturação do feudalismo e a crescente influência do mercantilismo euro-
peu nas sociedades mundiais.
Esse contraste seria um dos motivos principais pelo suposto fracasso da
colonização apontado por Guimarães, haja vista que, ao mesmo tempo em que
procuravam reviver os tempos áureos do feudalismo, os senhores de terras ins-
talados no Brasil viam-se obrigados a se adaptarem à crescente necessidade de
recursos para conseguir manter ou aumentar suas rendas, o que implicava em
arcar com as despesas da manutenção de suas propriedades, por exemplo, a com-

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pra de escravos para trabalhar nelas, visto que os nobres não estavam preparados
e muito menos dispostos a lidar com o trato da terra.
Embora não esqueça o papel desempenhado pelo capital mercantil no
processo de desenvolvimento da colonização, Alberto Guimarães considera
um equívoco historiográfico apontar a existência de um capitalismo ou uma
economia capitalista no período que nos ocupa. Em uma crítica direta ao
trabalho de Roberto Simonsen, o autor afirma que a existência de tal capi-
talismo nas possessões portuguesas na América seria improvável na medida
em que esse sistema não havia se constituído nem mesmo na metrópole, não
sendo possível, portanto, que se estendesse a essas terras. De acordo com o
autor, embora existissem avanços na economia portuguesa, não se pode falar
na substituição do feudalismo pelo capitalismo naquele momento. Ao con-
trário, Portugal continuava a ser caracterizado por uma economia com fortes
elementos feudais.
Portanto, como acredita que o que determina o regime econômico de uma
sociedade é o seu modo de produção, embora as navegações e o comércio como
o Oriente tenham elevado as riquezas de Portugal, não foram suficientes para
acabar com o feudalismo, na medida em que a produção do país continuou a se
caracterizar por uma produção essencialmente agrícola no decorrer do século
XVI (GUIMARÃES, 1977).
Dessa maneira, alicerçada sobre resquícios de um feudalismo decadente, o
processo inicial de colonização do Brasil, de acordo com o autor, fracassou, e as
consequências desse fracasso se arrastaram ao longo dos séculos e, ainda, hoje,
podem ser sentidas, sobretudo no que diz respeito a nossa estrutura fundiária

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


291

atual. Para o autor, os problemas que envolvem o sistema de distribuição de


terras no Brasil hoje em dia resultam dessa nossa herança feudal: grandes lati-
fúndios concentrados nas mãos de poucos que acreditam possuir o poder sobre
tudo e todos.
Em suma, a condição colonial do monopólio feudal da terra acentua,
fortemente, os fatores regressivos, os elementos de atraso inerentes
àquele. Com isso queremos dizer que no latifundismo brasileiro são
mais fortes ainda os vínculos do tipo feudal, tais como as relações de
domínio sobre as coisas e sobre as pessoas, as interligações com as for-
mas primitivas do capital comercial, aos quais se acrescentam as parti-
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cularidades de dependência aos trustes internacionais compradores da


produção latifundiária. Todas essas características, presentes em nossa
atual estrutura latifundiária, são heranças diretas do regime econômico
colonial implantado em nosso país logo a seguir ao período da desco-
berta, ou seja, do feudalismo colonial (GUIMARÃES, 1977. p. 37).

Outros autores também dispensaram atenção a essa questão que, como dito ante-
riormente, parece não mais merecer destaque nos trabalhos acerca da formação
e evolução da sociedade brasileira.
A historiadora Vera Ferlini, em seu livro Terra, Trabalho e Poder: o mundo
dos engenhos no Nordeste colonial, de 1988, refere-se ao regime econômico
instalado no início do processo de colonização do Brasil como uma fase inter-
mediária entre o final do feudalismo e a ascensão e consolidação do capitalismo.
Em outras palavras, representa um período de transição, situado entre o final
do século XV e o século XVI, um período caracterizado pela “acumulação
primitiva de capitais, quando a economia mercantil ganhava espaço e dissemi-
nava-se, porém, a produção não se regia pelo capital enquanto relação social,
mas apenas como riqueza acumulada no circuito mercantil” (FERLINI, 2003,
p. 43). Nesse sentido, apesar da existência da acumulação primitiva, não se
pode falar em economia capitalista ou modo de produção capitalista no perí-
odo em questão.
Para Ferlini, só é possível falar na substituição de um regime quando há uma
dominação do aparato estatal por novas classes sociais, a partir de revoluções
políticas, promovendo uma mudança na estrutura econômica. Nesse sentido,
não se pode afirmar que essa mudança ocorreu no século XVI, período no qual,
de acordo com a autora, apesar dos avanços do mercantilismo,

A Política Colonial Portuguesa: dos Aspectos Feudais aos Indícios do Capitalismo


292 UNIDADE V

a expansão do capital mercantil mostrou-se insuficiente para gerar a


produção e reprodução da economia-mundo, e de, “elemento dina-
mizador do sistema produtivo, o capital mercantil transformou-se em
condição do bloqueio do capitalismo” (FERLINI, 2003, p. 44).

Para nós, não parece possível definir o período que marca o início da colonização
das terras brasileiras de maneira extremada, denominando o regime econômico
aqui estabelecido de feudalismo ou capitalismo, pois isso implicaria em ignorar
as transformações pelas quais as nações estavam passando naquele momento.
Acreditamos ser o período moderno um período de incertezas que marca o nas-
cimento de uma nova configuração mundial.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Nesse sentido, nesta análise, compartilhamos a ideia de que o regime eco-
nômico estabelecido no momento da ocupação e colonização do Brasil herdou,
por um lado, aspectos feudais, embora não podemos deixar de ressaltar que se
tratava de heranças do tipo de feudalismo que se desenvolveu em Portugal que,
diferenciava-se do feudalismo clássico europeu, entre outras razões, por possuir
características mais tênues que esse último (FONSECA, 1949).
Mas, por outro lado, alguns elementos do mercantilismo florescente em
Portugal também se faziam presentes nessas terras, mesmo porque, a documenta-
ção referente à colonização do Brasil nos mostra que já era inerente à mentalidade
dos homens que vieram para essas terras com a missão de iniciar a colonização
a ideia de busca por melhorias em seus rendimentos, um tipo de pensamento
característico do período mercantil (MENDES, 1996). Além disso, como bem
apontou Alberto Passos Guimarães, frente às transformações oriundas da cres-
cente influência do capital mercantil, seria difícil ignorar tais transformações e
dar continuidade ao desenvolvimento dessas terras.
Dessa maneira, acreditamos que as conjunturas que envolveram o processo
de formação e desenvolvimento da sociedade brasileira em seus primeiros anos
refletiam o momento de mudanças e incertezas da época moderna e que a pró-
pria sociedade que aqui se formaria foi resultado de um período marcado por
conflitos e contradições, tanto externos quanto internos.
Para uma melhor compreensão desses conflitos e contradições que marcaram
a colonização e desenvolvimento do território brasileiro, faz-se necessária uma
análise do processo de formação e evolução da sociedade portuguesa, visto que
somos resultado da ambição dos homens do século XVI, sobretudo, os portugueses.

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


293

Sendo o desenvolvimento da configuração brasileira colonial resultado da


trajetória da sociedade portuguesa, ao entrarmos em contato com sua história,
entraremos em contato com elementos e conjunturas que contribuíram para o
desenvolvimento do tipo de estrutura político-administrativa implantada no
Brasil no momento de sua colonização.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caríssimo(a) aluno(a), concluímos a última etapa de nosso estudo sobre o Brasil


português e esperamos que tenham compreendido esse longo processo de forma-
ção de nosso país. Nesta unidade, buscamos apresentar as principais interpretações
elaboradas por nomes como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio
Prado Júnior, Ciro Flamarion Cardoso, Jacob Gorender, dentre outros, escolhi-
dos para esta análise devido a sua importância para a historiografia do período.
O que procuramos nesta unidade foi apresentar algumas das interpretações
acerca do desenvolvimento e formação da sociedade brasileira. Destacamos
alguns autores dentro da nossa historiografia e procuramos evidenciar a
maneira como trataram a colonização do Brasil. Os autores aqui citados contri-
buíram, cada um a seu tempo e a sua maneira, para a busca pela compreensão
do – abusando do termo de Caio Prado – “sentido da colonização”, ou seja,
do papel das colônias, sobretudo das americanas, no jogo das relações comer-
ciais europeias.
No entanto, é preciso termos em mente que esses estudos têm seus valo-
res limitados pelo momento histórico em que estão inseridos e, por essa razão,
não podem ser entendidos como dogmas que não podem ou devem ser sub-
metidos à crítica. Sendo assim, é preciso reconhecer esses limites históricos e
procurar avançar na produção de novos estudos, objetivando sempre analisar
os fatos à luz de uma nova época, trazendo novas observações e pontos de vis-
tas, ampliando, dessa maneira, as possibilidades de análise e contribuindo para
o enriquecimento da historiografia.

Considerações Finais
294 UNIDADE V

Desse modo, acreditamos que, diferentemente de alguns estudiosos, ao nos


propormos analisar um período de nossa história, não podemos deixar de revi-
sitar nosso passado não somente em busca de fatos ou aspectos novos, antes
ignorados ou deixados de lados por outros autores, mas sim para conhecermos
o quanto e o que já foi discutido pelo tema, com a intenção de fazermos uma
revisão bibliográfica que nos ajudará não só a entender, como também a ter uma
visão mais completa do nosso objeto de estudo. A partir dessa revisão, somos
capazes de formular nossas posições sobre as análises existentes, de formular
novas ideias e de apontar novos caminhos para a discussão, visto que estamos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
inseridos em outro contexto histórico. Assim, a partir da apreensão desse debate
somos capazes de desenhar nossa posição frente ao tema e às interpretações exis-
tentes, além de formular novas hipóteses de análise.

DEBATES DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA ACERCA DA COLONIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA


295

1. Após a leitura cuidadosa do tópico “As várias histórias do Brasil”, elabore um tex-
to dissertativo destacando as principais contribuições realizadas por Gil-
berto Freyre na obra Casa Grande & Senzala para a historiografia do Brasil
colonial.
2. De acordo com a leitura minuciosa desta unidade, assinale a alternativa CORRETA:
a. A obra Raízes do Brasil se preocupou em apresentar a história de um Brasil que
não deu certo, devido, principalmente, às características que em Freyre eram
vistas como algo positivo para a nossa formação.

b. Fernando Novais analisa a história do Brasil sob um prisma mais limitado,


não apresentando discussões aprofundadas entre as relações entre colônia-
-metrópole.

c. Gilberto Freyre, ao lado de Ciro Flamarion Cardoso, foi um dos grandes críti-
cos da miscigenação do povo brasileiro, elemento que nos trouxe um atraso
significativo comparado a outras nações.

d. Na obra a Evolução Política do Brasil, Caio Prado Jr analisou o passado da socie-


dade brasileira a partir de uma perspectiva diferenciada, ou seja, das ações
políticas das elites coloniais.

e. Roberto Simonsen buscou demonstrar como o regime instaurado nos trópicos


portugueses logo após o estabelecimento do Governo Geral enquadrava-se
no contexto das sociedades da Europa feudal.

3. A obra Raízes do Brasil é considerada uma das grandes referências para os estu-
dos do Brasil Colônia, nesse sentido, aponte:
a. Os objetivos de Sergio Buarque de Holanda.

b. As críticas estabelecidas em sua obra.


4. Nesta unidade, estudamos os principais teóricos do século XX. Esses autores
são fundamentais para compreendermos o processo de consolidação da colo-
nização portuguesa nos trópicos e a construção da sociedade brasileira. Assim,
de acordo com a leitura cuidadosa da presente unidade, analise as afirma-
ções abaixo:
I. Na obra A Formação do Brasil Contemporâneo, entendeu-se a sociedade bra-
sileira da primeira metade do século XX, a qual enxergava-se como resul-
tado da soma dos acontecimentos do período colonial com as mudanças
ocorridas ao longo do século XIX.
II. Os estudiosos Ciro Flamarion Cardoso, Jacob Gorender e Francisco Carlos
Teixeira destacaram, em suas análises, aspectos da colônia pouco trabalha-
dos até então e que sofriam influência do meio externo.
III. Em sua análise Fernando Novais criticou a permanência ou mesmo a influ-
ência de costumes, valores e instituições portuguesas no Brasil, por não te-
rem contribuído para os avanços da sociedade brasileira.
IV. Ciro Flamarion Cardoso preocupou-se em elaborar uma análise que desta-
casse os aspectos internos das sociedades coloniais. Uma análise que repre-
sentasse um avanço nos estudos acerca da temática colonial.
Assinale a alternativa CORRETA:
a. Somente I e III são verdadeiras.
b. Somente III e IV são verdadeiras.
c. Somente II é verdadeira.
d. Somente I e II são verdadeiras.
e. Somente I, II e IV são verdadeiras.
297

A COLÔNIA É MAIS EMBAIXO

Há décadas, a obra de Caio Prado Júnior Na interpretação do autor, o avanço para o


(1907-1990) é divulgada em livros didáticos estágio de uma economia nacional depen-
e cobrada nos vestibulares. Considerado um dia de um mercado interno e de uma classe
dos mais importantes intérpretes do Brasil – empresarial fortes, o que não ocorria.
ao lado de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque
de Holanda – ele produziu clássicos fun- Colonizado por Portugal, o Brasil tornou-se
damentais de nossa historiografia, como produtor de artigos tropicais para exporta-
“Formação do Brasil Contemporâneo”, publi- ção, sobretudo o açúcar. A “grande lavoura”
cado em 1942. Interpretação marxista que era descrita em suas características bási-
explica as relações e transformações sociais cas: latifúndio, monocultura e escravidão.
através das bases materiais, mas sem cair Esse modelo econômico seria autossufi-
em simplismos, a obra se destacou em seu ciente, produzindo alimentos necessários
tempo por tratar a História como um pro- para sustentar os proprietários e os escra-
cesso, superando a versão então vigente de vos. O único produto a suplantar o açúcar
que haveria ciclos econômicos que se suce- na pauta de exportação foi o café, mas só
diam. Depois de dezenas de reedições, o livro no século XIX, e baseado nos mesmos prin-
continua a ser lido e comentado. Mais recen- cípios da “grande lavoura”. Mantinha-se,
temente, passou também a ser criticado. portanto a “maldição” da colônia, com o
“Formação do Brasil Contemporâneo” conta café sendo a pedra de toque da economia
a história de nossa persistente dependência brasileira pelo século XX adentro.
estrutural, do período colonial ao século XIX.
A triste sina do Brasil é explicada por seu pas- A colônia do Brasil foi criada para atender às
sado de colônia, mesmo que depois tenha necessidades de Portugal em suas relações
se libertado de Portugal transformando-se comerciais com a Europa. Por isso não gozava
em Império (1822) e em República (1889). de qualquer autonomia. No livro, Caio Prado
enfatiza o conceito político de “pacto colonial”,
Caio Prado Júnior ajudou a consolidar a His- em que a metrópole detinha o monopólio
tória hoje conhecida pelo senso comum. de tudo o que fosse produzido na colônia,
Para começar, a expansão marítima euro- sendo proibido aos colonos comercializar
péia do século XV resultando na criação com qualquer outra nação. Disso resultaria
de vastos impérios coloniais, sendo o de uma corrente de mão única: a riqueza colo-
Portugal um dos primeiros e principais. nial era em sua maior parte drenada para a
Em terras do Brasil, criou-se uma estrutura metrópole, ficando só uma pequena parcela
que tinha o “sentido da colonização”, tese para os senhores de terras e escravos, grupo
central do livro, que impediria o país de que deveria se manter produzindo riquezas. A
completar a “evolução da economia colo- sociedade, como consequência, é vista como
nial para a nacional”. A estrutura econômica, bipolar: de um lado, o pequeno grupo dos
dependente desde o nascimento do mer- grandes senhores; de outro, os numerosos
cado europeu, não poderia ser rompida, e escravos. Os que não estivessem num ou nou-
assim teria permanecido até o século XX. tro pólo, estariam fora do “Sistema Colonial”.
As teorias de Caio Prado Júnior obtiveram lio do lucrativo tráfico negreiro — e não
esmagador sucesso nas décadas seguintes, a metrópole. As negociações ocorriam
influenciando outras obras fundamentais mesmo em portos dominados por outros
da historiografia brasileira, como “Formação reinos, como era o caso da Costa da Mina.
Econômica do Brasil”, do economista Celso
Furtado (1959) e “Portugal e Brasil na Crise Ao contrário do que afirma Caio Prado,
do Antigo Sistema Colonial” (1777-1808), esses comerciantes eram infinitamente
do historiador Fernando Novais (1979). mais ricos do que os senhores de terras e
Foram, por fim, incorporadas aos livros escravos. Era aquele grupo mercantil resi-
didáticos, onde permanecem até hoje, às dente no Brasil que se colocava como a
vezes expostas de forma simplista. Mas a elite econômica da colônia. Havia rique-
História não para, e novas interpretações, zas sendo geradas na produção agrária, na
baseadas em outras teorias e documentos, pecuária e na extração de metais preciosos,
foram elaboradas. mas quem abocanhava a fatia mais grossa
eram justamente os comerciantes. E suas
Considera-se hoje que o Brasil colonial teve práticas mercantis não se restringiam ao
um desenvolvimento bastante diferente tráfico negreiro, participando do comércio
daquele apresentado por Caio Prado. É que interno de alimentos, de práticas de agiota-
mudou a ótica de observação: os historia- gem e da aquisição de contratos da Coroa
dores passaram a analisar o funcionamento portuguesa para a cobrança de impostos.
da colônia. Não que a intenção da política
metropolitana fosse diferente do que pro- Esses contratos foram um importante ponto
põe o autor. Mas, na prática, Portugal não de encontro nas relações entre metrópole e
conseguiu realizar essa política. A reali- colônia. O sistema implantado era relativa-
dade se revelava muito mais complexa. mente simples e facilitava a administração
No lugar da imagem de colonos engessa- portuguesa: havia uma série de taxas,
dos pela metrópole, vem à tona um grande impostos e negócios exclusivos de algum
dinamismo nas relações comerciais dos produto (como a exploração do sal e do
principais portos do Brasil com o rio da Prata pau-brasil) que nunca eram cobrados ou
no sul da América, com Angola, Costa da explorados diretamente pelos funcionários
Mina e Moçambique na África e Índia, e com ou agentes da metrópole. Os contratos eram
Goa e Macau na Ásia. O que salta à vista é leiloados, ganhando o indivíduo ou socie-
que muitas dessas áreas não eram de domí- dade que desse maior lance. O vencedor
nio português. Colonos do Brasil, portanto, pagava a quantia oferecida e tinha o direito
comercializavam diretamente com outras de, no período estipulado (média de três
regiões, furando a ideia de “pacto colonial”. anos), explorar as cobranças. Dessa forma,
a coroa se desonerava dos gastos de manter
Por outro lado, os comerciantes que forne- um exército de funcionários para cobranças,
ciam escravos para o Brasil no século XVIII e do risco de corrupção inerente a essa prá-
negociavam diretamente com traficantes e tica. Além disso, leiloando-as a particulares,
chefes locais da África. Eram esses comer- recebia antecipadamente e podia planejar
ciantes, residentes no Brasil, que no auge melhor suas finanças. Por sua vez, o arrema-
do Sistema Colonial detinham o monopó- tante (ou contratador) ficava com todos os
299

riscos, pois poderia ter ou não sucesso na tada por Caio Prado Júnior, mas não tinha
tarefa. Se a arrecadação fosse menor do que controle absoluto sobre sua eficácia.
o que havia desembolsado, tinha que arcar
com o prejuízo. Mas seus lucros deviam ser O duradouro e amplo comércio de nego-
significativos, pois um mesmo arrematante ciantes residentes no Brasil com variados
concorria repetidas vezes nos leilões. Pode- agentes estrangeiros e diversos portos, além
-se dizer, em linguagem atual, que Portugal da cobrança de impostos por parte de arre-
“terceirizou” a cobrança dos impostos. matantes particulares, põem em xeque as
teorias do “pacto colonial” e do “exclusivo
Outro ponto ajuda a ampliar a interpreta- metropolitano”. O sistema que vigorou no
ção sobre a sociedade colonial. Documentos Brasil se revelou bastante maleável. As novas
trouxeram à luz uma vasta camada popula- perspectivas sobre a dinâmica dos impérios
cional, situada entre os grandes senhores e coloniais mostram que o pacto parece ter
os escravos, que se inseria de forma deci- sido mais um projeto, um ideal a ser perse-
siva na dinâmica do setor exportador. guido, do que uma realidade de fato.
Eram homens e mulheres de variadas ori-
gens, exercendo atividades que iam desde O que restou desse ideal, segundo visões
a produção de alimentos, com mão de obra históricas mais recentes, foi uma herança
escrava ou familiar, até o trabalho em diver- portuguesa de cunho conservador,
sos setores das principais cidades portuárias. segundo a qual o comércio era cultural-
A grande lavoura, portanto, não era autos- mente desprestigiado, pois equivalia ao
suficiente. Havia um importante mercado trabalho braçal, considerado um “defeito
interno que relacionava os mais diversos mecânico”. Isso explica por que os pode-
setores de produção e de serviços aos nego- rosos comerciantes, em vez de investirem
ciantes que faziam a vez de patrocinadores cada vez mais em negócios mercantis e, atra-
da empresa colonial agroexportadora. vés da acumulação de capital, alcançarem
alguma atividade industrial, abandonavam
A esses setores, alia-se o contrabando, feito o comércio e adquiriam terras e escravos, na
sob as vistas benevolentes dos agentes da tentativa de obter prestígio social. Em um
metrópole, numa política permissiva e cor- mundo cada vez mais burguês e capitalista,
rupta. Por outro lado, mesmo que diversas a opção redundou em fracasso econômico.
leis ou alvarás tenham sido criados de modo a Hoje sujeitas a críticas que as tornam mais
preservar o comércio aos próprios portugue- ricas e complexas, as ideias de Caio Prado
ses, necessidades políticas da Coroa — como Júnior continuam uma referência funda-
a aliança com a Inglaterra desde o século XVII mental para quem quer compreender as
— fizeram com que se permitissem conces- causas de nosso atraso socioeconômico.
sões a alguns estrangeiros. A presença de Seja para concordar ou criticar, ele é o ponto
navios estrangeiros no Brasil, fossem eles de partida para as análises atuais. A verdade
flamengos, franceses ou italianos, sempre é que poucos conseguiram, como ele, insti-
foi corriqueira. A metrópole podia até tentar gar tantas e tão variadas investigações por
implantar uma política como aquela apresen- período tão longo de tempo.
Fonte: Faria (online).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Raízes do Brasil
Sérgio Buarque de Holanda
Editora: Companhia das Letras
Sinopse: Leitura indispensável para a compreensão do
processo de colonização portuguesa. Teve sua primeira edição
em 1936 e até hoje se configura como uma das obras mais
importantes do cenário de colonização dos trópicos. O livro
destaca, com certa sensibilidade, uma das mazelas da nossa
vida social e política.

Raízes do Brasil I
Primeira parte do documentário referente à vida e obra de Sérgio Buarque de Holanda, um dos
principais intelectuais do Brasil do século XX.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=etUEsguoUx4>. Acesso em: 29 jun. 2015.

Gilberto Freyre e o tema da miscigenação - Elide Rugai Bastos


Conferência apresentada pela Professora Elide Rugai Bastos (departamento de sociologia
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp – IFCH). A professora apresenta o
pensamento de Gilberto Freyre como elemento indispensável da vida cultural e política que surge
no Brasil.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=uy0kou2CcaY>. Acesso em: 29 jun. 2015.
301
CONCLUSÃO

Caríssimo(a) acadêmico(a), finalizamos nossos estudos acerca do Brasil Colonial


e esperamos que tenha compreendido este longo processo em que se construiu
a sociedade brasileira. Neste percurso que fizemos sobre as principais temáticas
relativas à colonização dos trópicos, você pôde ter acesso a uma gama de docu-
mentos e apontamentos bibliográficos de suma relevância para a compreensão
do Brasil Português.
Na primeira unidade, vimos a formação do homem luso, desde os primórdios da
Península Ibérica até a consagração de Portugal como um Estado independente e
sua expansão ultramarítima empreendida no início do século XV. Este momento é
importante para compreendermos os fatores que possibilitaram a expansão portu-
guesa de forma pioneira. Dentre essas condições, podemos mencionar: a formação
do território enquanto Estado nacional antes do século XV, uma carência de solos
férteis, os quais motivaram a exploração de sua orla marítima, incentivos financeiros
e o aperfeiçoamento das tecnologias náuticas. Também compreendemos que os
principais fatores que lançaram os lusos às aventuras além-mar foram a ambição
pelo ouro da Guiné, a busca pelo príncipe lendário Preste João, a cruzada contra o
infiel muçulmano e o comércio de especiarias orientais. Esse conjunto de fatores
fez com que os portugueses enfrentassem os desafios marítimos e conquistassem
uma série de possessões territoriais, lançando raízes na África, Ásia e na América,
construindo um verdadeiro Império Ultramarítimo.
Na segunda unidade, discutimos a chegada da esquadra de Cabral aos trópicos e
os primeiros contatos estabelecidos entre portugueses e indígenas. Tais relações
foram fundamentais para as atividades comerciais que iriam se desenvolver na co-
lônia, tanto na extração do pau-brasil como no complexo açucareiro. Também dis-
cutimos as primeiras medidas colonizadoras empreendidas pela Coroa de Portugal
por meio do estabelecimento do Governo Geral que, em linhas gerais, buscou sanar
os problemas enfrentados pelas capitanias. Já na unidade três, presenciamos a obra
da Companhia de Jesus nos trópicos, onde almejavam catequizar os ameríndios e
protegê-los da escravidão imposta pelos colonizadores. Dessa forma, visualizamos
uma série de embates acerca da exploração dos indígenas e compreendemos que
tanto a implementação do Governo Geral quanto a presença dos jesuítas formavam
o projeto colonizador das terras brasílicas definido pela Coroa portuguesa.
Após a discussão do projeto colonizador português, versamos, na unidade IV, acerca
da consolidação desse projeto. Nessa unidade, buscamos destacar a importância do
papel dos bandeirantes na expansão dos limites territoriais que, por meio dessas
ações, descobriram frutíferas zonas auríferas na região que hoje compreende o Esta-
do de Minas Gerais. Nesse âmbito, direcionamos nossa abordagem para as mudan-
ças ocorridas com o advento da economia mineradora, em que presenciamos um
boom demográfico e, com isso, uma série de problemas e conflitos que precisaram
ser remediados com uma política intervencionista da Coroa lusa, por meio de um
conjunto de medidas que buscavam organizar o novo espaço econômico colonial.
Além dessas questões, lançamos nosso olhar para as principais crises que abalaram
CONCLUSÃO

o Império Português no início do século XIX. Esses abalos foram sentidos tanto no
ambiente colonial como em suas relações internacionais e resultaram na transfe-
rência da Família Real para o Brasil em 1808. A partir desse momento, presenciamos
fatores que foram fundamentais para a construção do processo que culminou na
Independência do Brasil em 1822.
Finalmente, em nossa última unidade, compreendemos a necessidade de apresen-
tar as principais discussões teóricas referentes ao processo de colonização da Amé-
rica portuguesa. Para isso, apresentamos as interpretações elaboradoras por nomes
como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Ciro Flamarion
Cardoso, Jacob Gorender, dentre outros que, mesmo escrevendo no século passa-
do, ainda são estudos de referência sobre esse período e nos instigam a realizar um
debate acerca das principais questões que permearam nosso passado colonial.
Desse modo, esperamos que tenha compreendido a importância das temáticas aqui
apresentadas não só para a carreira docente, mas para a compreensão da formação
de nossa sociedade. Nesse sentido, prezado(a) aluno (a), esperamos que as questões
apresentadas nesta obra sirvam, também, para despertar inquietações teóricas e o
interesse pela pesquisa acerca do universo da colonização da América portuguesa.
303
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REFERÊNCIAS

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C3%ADlia_Real_embarcando_para_Brasil_no_cais_de_Bel%C3%A9m.jpg#/media/
File:Pr%C3%ADncipe_Regente_de_Portugal_e_toda_a_Fam%C3%ADlia_Real_em-
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Lavage_du_Mineral_d%27Or_-_pres_de_la_Montagne_Itacolumi.jpg#/media/Fi-
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jpg>. Acesso em: 06 jun. 2015.
317
GABARITO

UNIDADE I

1. Espera-se que os acadêmicos(as) possam construir uma análise destacando as


principais condições existentes no Império Português durante o século XV que
permitiram seu pioneirismo na expansão ultramarítima. Dessas condições favo-
ráveis, podemos elencar: uma prematura organização do Estado e das fronteiras,
visto que Portugal já era um Estado definido e organizado durante o século XIV.
A escassez de solos férteis para a produção agrícola e, diante dessa deficiên-
cia, os lusos exploravam ao máximo sua orla marítima, tais experiências foram
primordiais às aventuras posteriores. Investimentos em tecnologias náuticas e
aperfeiçoamento dos meios marítimos. E o forte sentimento que alimentava os
monarcas portugueses de serem os responsáveis pela expansão da fé e combate
aos infiéis, intensificado com a criação do Padroado Régio.
2. Os quatro pontos principais que impulsionaram as expedições marítimas fo-
ram: o espírito cruzadiço contra o inimigo muçulmano, a busca pelo ouro da
Guiné, a procura incansável pelo príncipe lendário Preste João e a busca por
especiarias orientais.
3. Alternativa correta: D.
4. O documento apresentado na questão destaca o primeiro contato estabelecido
entre negros africanos e os portugueses (europeu) no auge da “era dos desco-
brimentos”, quando os lusitanos se lançaram às aventuras ultramarítimas e con-
quistaram uma série de aquisições territoriais, em que puderam ter contato com
povos de grande variedade cultural. Observa-se que é um relato feito por um na-
vegador português sobre a visão que os africanos tiveram acerca desse contato
inicial, marcado pela admiração e pelo espanto, devido às características físicas
diferentes, vestimentas etc.

UNIDADE II

1. Alternativa correta: E
2. O capitão donatário ficava incumbido pelo cumprimento da jurisdição e justiça
de suas terras. Poderia estabelecer penas leves como mais rígidas e até degredo
e pena de morte. Ficavam responsáveis pelo arrecadamento de impostos e pela
nomeação de pessoas para ocuparem distintas funções. Além disso, precisavam
proteger o território contra ameaças externas e zelar por suas terras. Quanto à
distribuição de terras, caberia ao capitão repartir em sesmarias isentas de impos-
tos, salvo o dízimo de Deus a Ordem de Cristo. Dentre os motivos do insucesso
GABARITO

de grande parte das Capitanias, podemos destacar: ataques promovidos pelas


tribos indígenas, localização geográfica distante, falta de destreza administrativa
do capitão, mas, sobretudo, escassez de recursos econômicos.
3. O “atraso” na colonização da América portuguesa pode ser compreendido por
uma série de condições presentes naquele dado momento. Nesse prisma, pode-
mos destacar: o interesse e a alta lucratividade com o comércio indiano (espe-
ciarias), frentes de combate na Guiné, escassez populacional no Reino para dire-
cionar nas expedições. Precisamos compreender que a Coroa de Portugal nesse
momento mantinha uma série de empreitadas além-mar e não tinha condições
financeiras nem contingente humano para realizar uma colonização sistemática
dos trópicos. Além disso, soma-se ao fato de os portugueses não terem encon-
trado ouro e pedras preciosas nesse período que pudessem concorrer com os
anseios do comércio com o Oriente.
4. O aluno deverá dissertar acerca das diferenças existentes entre a vida no Reino
(com problemas sérios de abastecimento alimentício, crise econômica, escassez
de solos férteis) e a vida nos trópicos, onde havia possibilidades de enriqueci-
mento, devido à disponibilidade de terras férteis, com clima ameno e propício
para a plantação de várias culturas. Aliado a isso, existia a possibilidade de adqui-
rir escravos, sobretudo os negros da terra (indígenas), por valores acessíveis para
auxiliar os proprietários no que fosse preciso.

UNIDADE III

1. Espera-se que haja uma discussão acerca dos principais problemas que perme-
avam aquele universo. Desses, podemos destacar: uma quantia limitada de je-
suítas para realizarem a catequização dos indígenas, a presença de padres de
outras ordens que compactuavam com a vida pecaminosa dos índios e colonos,
a existência de levantes indígenas contra as vilas e propriedades dos senhores
de engenho, a influência negativa dos pajés e a resistência do próprio nativo,
visto que resistiam ao máximo ao extermínio de sua cultura.
2. Na verdade, os membros da Companhia de Jesus não condenavam a guerra em
si, mas sim os atos que eram consequentes dos conflitos intertribais. Após os
conflitos, os nativos vencedores levavam para a aldeia o prisioneiro e, após um
determinado tempo, o inimigo era comido pelos membros da tribo em um gran-
dioso ritual antropofágico. Os jesuítas lutavam para sanar com esse traço típico
da cultura tupi.
3. Alternativa Correta: C.
319
GABARITO

4. Por meio da leitura documental, espera-se que o aluno faça uma análise ten-
do em vista os pontos de direcionamento presentes na questão. Nesse sentido,
não podemos esquecer que os jesuítas possuíam uma série de dificuldades em
sua labuta catequética. Um número reduzido de religiosos para um território tão
vasto e hostil, as dificuldades referentes à resistência dos nativos aos preceitos
católicos e, ainda, os problemas que possuíam com a má influência dos coloni-
zadores que exploravam os nativos por todas as vias possíveis. Procurar destacar
a localização da relação, se neste espaço a catequização avançava ou se existia
maior resistência, e o diferencial na obra de José de Anchieta, que além de evan-
gelizador, era “mestre” nas letras e grande conhecedor de técnicas medicinais,
proporcionando a cura de muitos índios enfermos.

UNIDADE IV

1. É imprescindível que o aluno apresente uma linha de raciocínio que destaque a


violência no aprisionamento dos nativos que eram capturados. Estes eram en-
caminhados para serem escravizados, principalmente na indústria açucareira.
Além de capturar índios, os bandeirantes também saiam em grandes incursões
rumo ao interior do território luso, também conhecido como “sertão”, em busca
de ouro e pedras preciosas. Essas “entradas” ao “sertão” possibilitaram um maior
conhecimento do território, repercutindo na descoberta de frutíferas zonas au-
ríferas.
2. Os principais problemas decorrentes da descoberta de Ouro na região das Minas
Gerais estão ligados ao boom populacional que invadiu a região mineira e uma
maior atuação da Coroa lusa nos assuntos coloniais. Nesse contexto, observa-
mos que o grande contingente de pessoas repercutiu em períodos de fome e
violência. Por outro lado, houve uma cobrança cada vez maior de impostos rela-
cionados à extração de ouro. Essas imposições resultaram em conflitos entre os
bandeirantes e os emboabas (aventureiros) que travaram um embate acerca do
domínio da região. A atividade mineradora também possibilitou a dinamização
dos núcleos urbanos, com o florescimento de uma elite intelectual e espaços
relacionados à arte.
3. Alternativa verdadeira: D.
4. Após a leitura do tópico e a análise documental, o aluno poderá construir uma
análise destacando o contexto da transferência da Família Real para o Brasil.
Nessa abordagem, é imprescindível que haja uma discussão acerca das tensões
internacionais entre a França de Napoleão e o Reino britânico. Em seguida, bus-
que considerar as mudanças que ocorreram após a chegada da Coroa no Rio de
Janeiro, tanto nas mudanças culturais quanto nas transformações decorrentes
com a Abertura dos Portos.
GABARITO

UNIDADE V

1. Gilberto Freyre produziu livros importantes para a compreensão do processo de


colonização das terras brasílicas. O livro elencado para discussão foi a obra “Casa
Grande e Senzala” que levou em consideração o papel do escravo negro na for-
mação do povo brasileiro, segundo o autor, um elemento fundamental nesse
processo. Nesse sentido, Freyre buscou discutir nossas origens étnicas, preocu-
pando-se em ressaltar e valorizar o nosso processo de mestiçagem.
2. Alternativa Correta: A.
3. Em “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque de Hollanda tentou traçar os elementos
que marcaram a trajetória da sociedade brasileira desde seus princípios. O autor
se preocupou em apresentar a história de um Brasil que não deu certo. O teórico
ainda estabelece uma crítica à permanência ou influência dos costumes, valores
e instituições portuguesas no Brasil. Essas “influências” só atrasaram o desenvol-
vimento da sociedade brasileira.
4. Alternativa Correta: E.

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