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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS FAE - Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado Disciplina: Paradigmas Filosóficos da Educação l Profa. Dra.

Neiva Oliveira Estudo do Conceito: “Hermenêutica” e sua relação com a Educação.


Este trabalho tem o objetivo de organizar a síntese do estudo sobre Hermenêutica, definindo este conceito em sua dimensão ontológica e em sua validade para educação, baseado na leitura do livro “Hermenêutica da educação” da Profa. Dra. Nadja Hermann e orientado pela metodologia de Folscheid & Wunenburger (1997) para a definição de conceitos.

A hermenêutica é definida como a arte, técnica e método de compreender, de interpretar, de traduzir de maneira clara signos inicialmente obscuros de qualquer modalidade discursiva, entendendo a facticidade e o contexto de seu autor e do seu leitor. Sua forma não existe dissociada do seu conteúdo de análise e, portanto reflete a abordagem do conhecimento e os implicativos culturais de cada época. Assim desenvolve-se em diferentes vertentes: teológica, jurídica e literária. O termo originado do grego tem suas raízes nas alegorias mitológicas de Homero, sendo utilizado por Aristóteles na obra “Metafísica”; este filósofo estabelece a linguagem como possibilidade do homem se apropriar de uma explicação sobre a realidade, utilizando-se de categorias conceituais organizadas pela lógica. Reduz assim o conhecimento a uma experiência sensível e articulada pelo uso da forma apropriada das palavras que situam o ser no mundo. Platão, seu mestre, refutava a possibilidade da linguagem captar a essência da realidade e entendia a experiência e a linguagem humana insuficiente para dar conta desta tarefa, pois as palavras nunca seriam suficientes para expressar o que ele entendia por absoluto, o que cindia sujeito e objeto. Para a lógica aristotélica a hermenêutica representa a possibilidade de validação da verdade contida nas categorias e ordens que atribuem sentido à linguagem (fundada na experiência), já

para Platão significa a análise dos conteúdos alegóricos que imprime ao seu modo de compreensão um conteúdo simbólico e mítico que alia razão e intuição. Segundo Nadja “a razão ocidental é um esforço grandioso para determinar a ordem dos fenômenos naturais e humanos e definir suas leis e relações”, e é sobre o império de mentalidades centradas em diferentes visões de mundo, mas focadas no conhecimento e no saber, que se constrói nossa civilização. A racionalidade não se constrói de forma linear e está sujeita as diferentes concepções do que seja a verdade, a consciência e o ato de conhecer. Assim a Europa medieval é dominada por uma racionalidade metafísica, adaptada do pensamento “aristotélico” que molda uma objetividade a partir de uma interpretação de uma verdade teológica norteadora de uma sociedade obscura e supersticiosa. Sucede-se com o Renascimento um retorno aos valores helenísticos e a uma racionalidade pautada na observação e na matemática. A superação do mito do universo “geocêntrico” instaura uma nova mentalidade, surge um novo paradigma da posição humana no mundo. A hermenêutica, recriada pela exegese dos textos e escrituras sagradas, ganha novo estatuto diante de um mundo dividido entre vertentes idealistas e empiristas de filósofos, que atribuem diferentes e irreconciliáveis naturezas ao ato de conhecer, e a necessidade de se estabelecer critérios de verdade: chegamos à modernidade. Estabelece-se a primazia da explicação causal, sujeita a possibilidade de verificação empírica e o banimento da possibilidade da subjetividade. O método científico deste paradigma hegemônico refutou formas de compreensão a partir da consciência histórica e da arte, pois tudo que não pudesse ser verificado era objeto de dúvida. Reduz-se assim a possibilidade de se questionar, pois só as perguntas passíveis de mensuração e análise indutiva poderiam ser respondidas. As ciências naturais cujo objeto pode ser isolado de todo um contexto encontram substrato para sua construção, as ciências humanas buscam alternativas, mas seu contexto complexo não responde a estes pressupostos. A possibilidade do uso de uma teoria hermenêutica, de um método de interpretar discursos, limita-se a filologia e a análise da estrutura interna dos discursos, já que toda palavra é isolada de seu contexto e o seu conteúdo isento da sua historicidade. A verdade é “sinônimo” de certeza.

Com Niestzsche, as amarras de uma realidade objetiva começam a desatar uma posição de sujeito imobilizado pelos dogmas míticos, metafísicos e científicos que tutelaram a liberdade do ser no mundo, ao questionar as certezas da autoconsciência abala o fundamento da ciência metódica e instala a dúvida. Ele traz para o debate as possibilidades que existem quando enxergamos além das aparências e relativizamos a verdade, pois são infinitas as possibilidades de interpretação de um mesmo fenômeno. A verdade tem agora um estatuto de historicidade e finitude e encontra-se imersa na dinâmica do tempo, relativa e sujeita a facticidade. Neste momento a hermenêutica desconstrói a racionalidade calcada em um método científico e institui a ampliação das possibilidades de se produzir conhecimento. Ao pronunciar “Explicamos a natureza, compreendemos a vida” Wilhelm Dilthey sintetiza a diferenciação necessária de metodologias entre as ciências da natureza (passível de quantificações) e as ciências humanas (ato de compreensão histórica), mas não supera a dicotomia entre o sujeito e o objeto, própria do método cartesiano. É Heidegger que desloca a posição do sujeito e do objeto ao enunciar que “conhecer é um modo de ser”. Um novo sujeito é desenhado diante da mudança que aponta uma nova visão de mundo em que a verdade já não é uma certeza, o sujeito e objeto se interpenetram e a história é um ato de consciência do ser no mundo que ao explicar compreende e ao compreender pode explicar. Estão lançadas as bases para a virada hermenêutica proposta por Gadamer. Gadamer deu amplitude à hermenêutica filosófica, mudando o rumo que havia tomado nas ciências humanas ao desenvolver as implicações da contribuição heiderggeriana sobre a estrutura geral da compreensão. Assume assim uma posição relativista, em que pensamento e razão são determinados pela história e pela comunidade linguística. Em sua obra Verdade e Método analisa as implicações da experiência estética, da consciência histórica e da linguagem na construção de sentidos. Sua reflexão leva-nos ao entendimento da relação em que qualquer fato, obra ou discurso será interpretado por um sujeito cujo entendimento é condicionado à forma como se constituiu (a partir de seu contexto e suas experiências), mas apenas será compreendido se for analisado a partir do lugar de onde os autores se expressaram.

Podemos estabelecer relações entre a hermenêutica e educação ao reconhecer que a possibilidade compreensiva da hermenêutica amplia o sentido da educação ao ampliar os limites do horizonte, o que torna possível a revelação do objeto. Ao entendermos que nosso conhecimento tem raízes na prática das relações pré-científicas, pré-reflexivas que mantemos com as coisas e as pessoas, atribuímos novos sentidos para a ação educativa e para as possibilidades de investigação infinitas que se revelam. Está em pauta o sujeito situado para estender seus horizontes. Nesse sentido mostra que “ampliação dos sentidos” consiste em transcender o reducionismo, entendendo a educação para além da normatividade e do cientificismo que objetiva o outro, estabelecendo relações de poder ou imposições técnicas que condicionam o apreender e perpetuam preconceitos. A hermenêutica indica que educar requer abertura ao outro, ao diálogo, e a compreensão de que a história e a linguagem podem ser elementos estruturadores de nosso acesso ao mundo, onde atuamos como aprendizes em contínua formação. A experiência educativa deve desconstruir verdades absolutas e desvelar a possibilidade de conhecer a partir de pontos de vista que levam em conta a posição e o contexto do que se olha. “Educar é educar-se” entender esta afirmativa implica reconhecer que neste processo é vital saber escolher, o que pressupõe poder exercer a liberdade como opção responsável e consistente, articulada aos panoramas possíveis e plausíveis das suas consequências. Podemos concluir que a hermenêutica não se constitui em um paradigma, mas uma tentativa de compreender que indaga conteúdos, sujeitos e contextos, delimitando fronteiras discursivas, a partir da forma como se estabelecem os diferentes paradigmas. Segundo Nadja, “não é pretensão da hermenêutica questionar o estatuto de cientificidade da própria ciência, mas se voltar para o processo de instauração de sentido que surge de nosso relacionamento com o mundo”. Dentro desta perspectiva ampla de desenvolvimento epistemológico concordamos com Kuhn, quando ele nega que o conhecimento seja produzido mediante um processo de acumulação de informações. Nas ciências naturais nada do que foi pesquisado ou organizado no paradigma anterior será aproveitado no desenvolvimento futuro, “pois são

modificações de mundos e de nada adianta utilizarmos dados de um mundo em outro mundo totalmente diferente”. Já nas ciências humanas evidencia-se uma característica essencial de diferenciação que é a consciência histórica, assim, o saber não tem caráter meramente cumulativo, mas é recontextualizado circularmente na constituição do sujeito em sua época e em seu espaço, imprimindo um estatuto próprio às ciências humanas. Questionamos Kuhn quando ele afirma que: “(…) a transição [entre paradigmas] tem de ocorrer subitamente (embora não necessariamente num instante) ou então não ocorre jamais.", pois o processo de mudanças e permanências na história humana estabelece-se de forma complexa e não linear, pois em um mesmo tempo se expressam simultaneamente grandes distâncias nas mentalidades e superposição de “mundos”.

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