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Antropologia da ciência e da técnica: tradição,

modernidade e a questão da transferência de


tecnologia

Carlos Emanuel Sautchuk


Departamento de Antropologia/UnB
Laboratório de Antropologia da Ciência e da Técnica - LACT
Antropologia da ciência e da técnica
• Singularidade da abordagem antropológica-
etnográfica da ciência e da técnica no âmbito
das humanidades: o estabelecimento da
tecnologia e da ciência enquanto problema
empírico e reflexão epistemológica;
• Não é possível estabelecer uma distinção
absoluta entre antropologia e sociologia neste
aspecto, mas tendências gerais, como a
preocupação com o universo C&T;
Diferentes abordagem
• EUA: Ecologia cultural (STEWARD, Julian. 2005(1955) The
concept and method of cultural ecology. In Steward, J.
1955, Theory of culture change. Univ. of Illinois Press.)
• Inglaterra: Tecnologia e magia (GELL, Alfred. 1988.
Technology and magic. Anthropology Today 4(2):6-9.)
• França: Técnica e sociedade (Haudricourt, A-G.
Domesticação de animais, cultivo de plantas e tratamento
do outro. Série Tradução, Dep. Antropologia/UnB)
• associação entre antropólogos e outros profissionais, como
arqueólogos ou engenheiros e cientistas, muitas vezes
atuando em instituições como museus, escolas de
tecnologia etc.
O tema na antropologia no Brasil
• Reunião de interesses e tradições de pesquisa
divergentes em torno da temática da relação entre
humanos e não humanos, nas últimas duas décadas:
• Cultura material:
• Mura, Fábio. 2000. Habitações kaiowá: formas,
propriedades técnicas e organização. Dissertação de
mestrado em Antropologia Social, Museu Nacional.
• VELTHEM, Lúcia H.V. Ações e relações dos objetos nas
casas de farinha em Cruzeiro do Sul, Estado do Acre.
Trabalho apresentado na 26a RBA, Porto Seguro-BA, 13
p.
Biotecnologia
• os problemas relativos à relação entre corpo e
novas técnicas de manejo da vida:
• Influências das discussões em antropologia a
respeito de corpo e relações de gênero:
• Luna, Naara. 2007. A personalização do embrião
humano: da transcendência na biologia. Mana, v.
13, n. 2, p. 411-440.
• FONSECA, Cláudia L. W. DNA e paternidade: a
certeza que pariu a dúvida. Florianópolis: Revista
de Estudos Feministas , v. 12, n. 2, p. 13-34, 2005.
Antropologia da ciência
• Etnografia de cientistas em ação
• Influência, dentre outros, dos estudos de Latour
(1997. A vida de laboratório: a produção dos
fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.)
• O fato é feito e nem por isso é falso: contra o
determinismo técnico-científico e o
construtivismo social;
• SÁ, G. J. S. 2013. No mesmo galho: antropologia
de coletivos humanos e animais. Rio de Janeiro: 7
Letras.
A questão dos conhecimentos
tradicionais
• Relação entre saberes e práticas de cientistas
e populações locais e os problemas políticos
decorrentes (propriedade intelectual,
regulações etc.) :
• LITTLE, Paul. 2010. Conhecimentos tradicionais
para o século XXI: Etnografias da
Intercientificidade. São Paulo; Anablume.
• As alternativas de conservação in situ;
Crítica à visão padrão de tecnologia
• Pfaffenberger, Bryan. (1992) Social Anthropology of Technology. Annual Review of
Anthropology, Vol. 21: 491-516:
• A tecnologia é uma forma de domínio da sociedade sobre a natureza,
forma de ação do sujeito humano sobre o objeto material;
• Necessidade como mãe das invenções: usar a noção de sistema
sociotécnico (princípio de simetria: sucessos e fracassos, não há técnica
correta.)
• Sistema sociotécnico é sociogênico;
• O significado do artefato do artefato é um aspecto superficial de estilo
• A oposição função x estilo (cara à arqueologia), deriva de descontextualização e
desistoricização. O significado não precisa estar destacado das propriedades
funcionais;
• A tecnologia não está codificada num conjunto de preceitos abstratos, pois se dá
na prática;
Crítica à visão padrão de tecnologia
• Não se deve pensar nos termos de uma progressão
unilinear: dos instrumentos simples às máquinas
complexas;
• Há perda de conhecimento, devido às particularidades
dos sistemas sociotécnicos e ao caráter não linguístico da
tecnologia;
• Tecnologia não é ciência aplicada, uso prático de
formulações lógicas ou conhecimento linguisticamente
codificado, mas um sistema de atividades;
• Sistema sociotécnico e a simetria proposta pela teoria
ator-rede;
A questão da transferência de tecnologia (Lato
sensu) e as populações tradicionais

• O problema da concepção de TOT e a


atualidade do tema, em sentido amplo;
• Menor ênfase da distinção entre invenção e
empréstimo: não se busca tanto uma
compreensão acerca da origem mas das
condições de existência e permanência de
determinadas práticas;
O sentido cultural indeterminado da
inovação técnica
• A adoção de artefatos não implica na adoção do sistema
lógico-cultural característico da sociedade que o produziu:

• Adoção de artefatos de metal entre os Maori: SCHANIEL, W.


1988. New technology and cultural change in tradicional
societies. J. Econ. Issues 22: 493-98.

• A adoção de mercadorias (facões, machados etc.) entre os


Waiwai: HOWARD, Catherine. (2002), "A domesticação das
mercadorias: estratégias Waiwai". In: Ramos, A. e Albert, B.
(org.). Pacificando o branco: cosmologias do contato no
norte-amazônico. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa
Oficial do Estado.
A teoria das escolhas técnicas
• Explica a rejeição e a adoção de determinadas técnicas a
partir de sua dinâmica de relações técnicas, intrínsecas,
materiais (químicas, mecânicas etc.);
– Gênese social de técnicas: afastar as explicações centradas em:
• Necessidade: a posteriori, finalismo
• Vantagens adaptativas: explicação tautológica, maximização
inconsciente, finalismo
• Origem cronológica: conjecturas
– Condições do surgimento das técnicas: não residem na
deliberação individual ou coletiva, mas na compatibilidade com
um conjunto de relações mais amplo.
• Lemonnier, P. (ed.) 1993. Technological choices :
transformation in material cultures since the Neolithic.
London ; New York : Routledge.
Exemplos de emprego da noção de
escolhas técnicas
• rejeição da domesticação animal na America do Sul não-
andina: predominância das relações de caça e
amansamento sobre as de criação e reprodução
(DESCOLA, Philippe. 2002. Genealogia de objetos e
antropologia da objetivação. Horizontes Antropológicos,
n. 18: 93-112.);
• rejeição do uso da rede para pescar pirarucu na
Amazônia brasileira: pega muito ou pega mal?
(Sautchuk, C. O que a rede nos ensina sobre o pescador?
Revista Coletiva, n. 1, 2010);
Análises de processos de intervenção
técnico-científica
• Transformações na relação com recursos
naturais:
• CALLON, Michel. 1986. "Some Elements of a
Sociology of Translation: Domestication of the
Scallops and the Fishermen of St Brieuc Bay."
in Power, Action and Belief: A New Sociology
of Knowledge, edited by John Law. London:
Routledge & Kegan Paul: 196-233
Análises de processos de intervenção
técnico-científica
• Implementação de artefatos e sistemas técnicos.
• Akrich, M. The de-scription of technical objects. In Weibe Bijker and
John Law, eds., Shaping Technology. Cambridge, MA, MIT Press,
1992, 205-224.
• mover-se entre o interior e o exterior do objeto técnico detectando
em que extensão ele relaciona actantes, seu caráter e suas ligações
e as variantes de formatação do OT
• Ir e vir entre o design e o usuário #209
• Evitar vocabulário que faça uma distinção entre técnico e social (ela
o toma da semiótica)
• focar as circunstâncias em que o interior e o exterior não estão bem
demarcados (negociação, desentendimento, possibilidade de
rompimento): situações de transferência de tecnologia.
• Não basta dizer simplesmente que os OT tem
força política, pois eles mudam relações, mas
tbém estabilizam, despolitizam, naturalizam e
traduzem para diferentes meios. p. 222
• OT e pessoas definem-se num processo
recíproco: “É apenas após o evento que as causas
se estabilizam. E é apenas depois do evento que
nós podemos dizer que objetos fazem isto,
enquanto humanos fazem aquilo. É neste sentido,
e apenas neste, que os OT constroem nossa
história e nos ´impõem´ certas estruturas. E é
justamente por esta razão que uma antropologia
da tecnologia é tanto possível quanto
necessária.” p. 222
É possível uma intervenção do
antropológo?
• Não existe uma tradição consolidada academicamente e
institucionalmente no Brasil;
• Geslin, Philippe. Les formes sociales d’appropriations des objets
techniques,ou le paradigme Anthropotechnologique.
Ethnographiques.com. Numéro 1 - avril 2002.
• Antropotecnologia: relação entre ergonomia e antropologia;
• Exemplos:
• Mudanças na concepção das salinas na Guiné: a partir do problema
acerca do recuo dos manguezais, foi proposta a utilização da
produção solar, e não a partir da queima de árvores. A partir das
análises e diálogos do antropólogo, um sistema misto se instaurou.
• Reintrodução da cultura do açafrão na França, envolvendo a
recuperação das formas de fazê-lo a partir do interesse de gerações
atuais, que não haviam aprendido as técnicas. Relação disto com a
questão da patrimonialização de saberes e seus efeitos;
Qual é a singularidade da abordagem
antropológica nas humanidades?
• Escobar A. 1999. After nature: steps to an antiessentialist
political ecology. Curr. Anthropol. 40:1–30:
• Para os antropólogos, são de grande importância as
investigações da natureza da modernidade como pano de
fundo para a compreensão e a prática atual da tecnologia.
Neste sentido, a antropologia está mais próxima da fiosofia
do que da nova sociologia da tecnologia. A aproximação
culturalista à tecnociência, enquanto “a visão padrão”, está
interessada antes de tudo na ciência, conhecimento
poderoso instrumentalizado através da tecnologia.
Tecnologias tem interesse antropológico como fenômenos
emergindo de contextos culturais particulares, contribuindo
para novos mundos culturais como ´cibercultura´ ou ´tecno-
natureza´.

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