Você está na página 1de 24

Sociologia Jurídica (SJ)

Conceituação
Definição prévia: “analisar os fenômenos jurídicos através do uso
sistemático de conceitos e métodos da sociologia geral”.

Pressupostos:
- Os trabalhos em SJ partem da tese de que o direito é um fato social
ou uma função da sociedade.

FATO SOCIAL
- "maneiras de agir, pensar e sentir, exteriores ao indivíduo";
- "uma norma coletiva com certo grau de independência e poder de
coerção sobre o indivíduo“;
- a ideia, portanto, é a de que o direito se manifesta como uma das
realidades observáveis na sociedade, cuja única fonte é a "vontade
do grupo social".

Há duas abordagens da SJ:

1) Sociologia DO direito
2) Sociologia NO direito
A distinção entre elas ....

Um médico legista = faz exame  analisa causa da morte.

Um médico cirurgião = faz intervenções  constata o tumor e “tira-o”.

Sociologia DO direito

- Abordagem que opta fazer um estudo sociológico, colocando-se


numa perspectiva externa ao sistema jurídico.
- Considera que a sociologia do direito faz parte das ciências sociais,
sendo apenas um dos ramos da sociologia.
- A origem está em Max Weber, como uma proposta livre de avaliações
(neutralidade axiológica do pesquisador).

- Teses:
a) a sociologia não pode ter uma participação ativa dentro do direito;
b) sua tarefa é a de ser um “observador neutro” do sistema jurídico.
Sociologia NO direito

Abordagem que adota uma perspectiva interna com relação ao


sistema jurídico.

- Defende que a SJ deve interferir ativamente na elaboração, no estudo


dogmático e, inclusive, na aplicação do direito.

- O ponto de vista sociológico-jurídico deve ser levando em conta nas


decisões jurídicas.

Obs.: Rompe com o conceito Kelseniano de que o direito "é a norma e


as relações entre as normas".

Grande Questão: Será possível uma terceira via?

Uma mediação entre o DO e o NO?

Sobre quem recairá a ênfase? Sobre a SOCIOLOGIA jurídica ou sobre a


sociologia JURÍDICA?
A SJ é um ramo da sociologia ou um ramo do direito?

- Defende-se a possibilidade de haver uma sociologia PURA, que


explique o sistema jurídico através de uma teoria sociológica.

- Defende-se a SJ aplicada, que se dedica ao estudo do sistema jurídico


para ajudar o legislador e os profissionais do direito a realizarem e a
tomarem melhores decisões.

Definição sofisticada de SJ
"A SJ examina a influência dos fatores sociais sobre o direito e as
incidências deste último na sociedade, ou seja, os elementos de
interdependência entre o social e o jurídico, realizando uma leitura
externa do sistema jurídico" (SABADELL, 2002, p. 57).

Em termos práticos, a SJ estuda:


a) como os fatores econômicos, políticos e ideológicos
influenciam o funcionamento das instituições jurídicas;
b) como a ordem jurídica interfere na configuração das relações
humanas.
Caracterização Geral da Sociologia Jurídica

A SJ é um saber: Científico, Empírico, Zetético, Causal

1) Científico = a SJ se apresenta como um conhecimento científico,


buscando sobretudo as conexões existentes entre o fenômeno jurídico
e a realidade social.

- É racional, porque opera com elementos conceituais; julga; aplica a


lógica, etc.
- É sistemático, porque forma um sistema organizado, encadeado.
- É metódico, porque segue um caminho; passos, etapas.
- É fático, porque parte dos fatos.
- É geral, porque busca universalidade (quando possível).
- É legislador, porque busca leis.
- É explicativo/compreensivo, porque tenta dar conta do fenômeno.
- É preditivo, porque transcende os fatos.
- É aberto, porque não há limites.
- É especializado, porque é pontual.
2) Empírico = a SJ procura estudar o fenômeno jurídico como um fato
social; parte de uma realidade concreta das interações sociais.

É experiencial, porque parte de experiências concretas.

É contingente, porque poderia não ocorrer.

É particular, porque as experiências não possuem caráter universal.

3) Zetético (investiga/indaga) = a SJ reflete criticamente sobre as


relações mantidas entre o ordenamento jurídico e a sociedade.

É um saber “mutável”, porque admite uma crítica permanente.


(contrasta com a dogmática)

Enfatiza a pergunta, e não a resposta.

É essencialmente especulativo e não diretivo (dogmático).


4) Causal = a SJ se vale de um certo tipo de relações de
causalidade (dado A, então B) para analisar a relação entre o
fenômeno jurídico e a realidade social.

Obs.: esta relação causal não pode ser do mesmo rigor que a das
ciências naturais. A SJ emprega, por exemplo, uma relação
causal probabilística.

Métodos da Sociologia Jurídica

- Métodos Gerais:

1) Indutivo = Baseado na observação e na posterior


sistematização dos dados particulares para a obtenção de
modelos conceituais genéricos.

2) Dedutivo = aplicação dos modelos conceituais genéricos para


experiências sociais.
Dedutivo Indutivo

Razão independe da experiência Razão depende da experiência


Ênfase no conhecimento a priori Ênfase no conhecimento a
posteriori

Ênfase na dedução Ênfase na indução

Tem como base o método Tem como base a observação


matemático e geométrico empírica
Conhecimento Necessário Conhecimento Contingente
Validade Universal Validade Particular
(Princípios) (casos específicos)
Ligado ao Dogmatismo Ligado ao Relativismo,
(certeza) Subjetivismo e Ceticismo
“Segurança” Jurídica “Insegurança” Jurídica
Métodos Específicos:

3) Método Positivista - Características Gerais:


- consequência do movimento iluminista;
- contexto – sociedade marcada:
- solidificação do capitalismo
- revolução industrial
- revolução francesa
- forte antropocentrismo
- cientificismo

Cientificismo:
a) convalidação do pensamento racional por meio da experiência
factual;
b) as ciências naturais como modelo de certeza e exatidão;
c) progresso dependente do modelo científico.
Nestes termos, é proposto que:
a) a sociedade é regulada por leis semelhantes às leis da natureza;
b) os métodos e procedimentos para conhecer a sociedade devem ser os
mesmos utilizados nas ciências naturais;
c) a sociologia opera de modo neutro e objetivo.

Augusto Comte (1798 – 1857) e o conceito positivista de sociedade


- Chave: lei dos três estados
“Em outros termos, o espírito humano, por sua natureza, emprega
sucessivamente em cada uma de suas investigações três métodos de filosofar,
cujo caráter é essencialmente diferente e mesmo radicalmente oposto:
primeiro, o método teológico, em seguida, o método metafísico, e finalmente,
o método positivo [...]” (COMTE, Curso de filosofia positiva, p.125-126).
- Tese: o desenvolvimento da história humana (incluindo o social) se realiza
através de três estados:
- teológico ou religioso
- metafísico ou filosófico
- positivo
Teológico
- caracteriza-se por tentar explicar os fenômenos naturais recorrendo a
causas ou forças sobrenaturais;
- é um tipo de investigação pré-racional, primitiva, em que se buscaria a
natureza essencial das coisas, em busca das causas primeiras e finais.

Metafísico
- Explica aos fenômenos naturais recorrendo a entidades ou princípios
abstratos;
- Despersonaliza as forças sobrenaturais.

Positivo
- Explicação científica dos fenômenos naturais;
- investigação humana parte da razão, em busca dos “porquês” e do “como”.

Tal desenvolvimento é semelhante ao desenvolvimento do ser humano:


Teológico = infância;
Metafísico = adolescência;
Positivo = adulto.
Estágio Forma de Processo de Tipo de
Conhecimento conhecimento conhecimento

Infância Mito/Religião Dogma Teológico

Adolescência Filosofia Lógica Especulativo

Adulto Ciência Experiência Empírico


Teoria do Estado
- Em sua teoria sociológica, Comte propõe uma divisão “lógica” entre a
Sociologia Estática e a Sociologia Dinâmica.

Sociologia Estática
- Afirma e analisa os elementos permanentes (que preservam e
conservam) da sociedade humana, ou seja, aquelas instituições
existentes em todas as sociedades.
- Tais elementos consistem nos elementos de “ordem”, e são:
- a religião
- governo (direito)
- linguagem (cultura)
- a família (unidade fundamental; célula social)
- a propriedade

Sociologia Dinâmica
- concentra-se nas formas como as sociedades evoluem, ou seja, com
os cinco elementos da Sociologia Estática desenvolvem-se.
Visão positivista do direito

- O direito é assumido como um elemento ordenador, organizador.


- Deste ponto de vista, o direito é autossuficiente, isto é, não depende
de nenhuma instância fora dele mesmo.
- Ele depende apenas do conjunto de normas cuja validade é
determinada pelas disposições jurídicas fundamentais vigentes.

Neste caso, as normas tornam-se matéria exclusiva do Direito e das


ciências jurídicas.

Função do direito:
lidar com as formas de organização e regulação de legislação e
execução, isto é, à ele pertence o dever de não só criar como também
aplicar as leis, independente de seus conteúdos.

Papel do jurista:
não valorar, mas apenas atestar a validade formal das normas e leis
positivas do ordenamento jurídico vigente. Desempenharia, assim, um
papel meramente descritivo, e nunca prescritivo ou valorativo.
Consequências imediatas:
1) Separação entre a ética e o direito;

- a ligação entre Ética e Direito nem sempre foi admitida ou


assumida pacificamente;
- uma forte tradição político-filosófica que se fundamenta na
necessária demarcação entre os limites da Ética e do Direito;

- Três ideias basilares:


a) uma diferença substantiva entre a Ética e o Direito no que diz
respeito aos aspectos subjetivos e objetivos.
Ética = domínio da pura subjetividade, esfera da interioridade
autônoma da consciência;
Direito = caráter fundamentalmente objetivo, a partir do qual
regeria, no âmbito da convivência social, todos os
comportamentos exteriores por meio de deveres e obrigações
concretos e positivos.
b) o padrão de referência que legitima os âmbitos da Ética e do
Direito.
Ética = porque associada à consciência individual subjetiva, ela
tem em si mesma o seu fundamento, não recorrendo a nada
além da autonomia individual do agente, que é derivada do seu
caráter interno essencial.
Direito = a garantia e o fundamento do Direito depende do
conjunto de normas objetivas e positivas, necessariamente
externas ao agente.

c) há uma distinção do princípio de avaliação do Direito e da


Ética.
Ética = no domínio da interioridade, a avaliação da Ética seria
inominável. Ninguém, além do agente, seria capaz de tanger o
seu conteúdo.
Direito = enquanto âmbito objetivo, admitiria avaliações públicas
de seu conteúdo, a ponto inclusive de permitir alterações e
mudanças dependendo das condições políticas vigentes.
Dois importantes desenvolvimentos:
1) o formalismo kantiano ;
2) o positivismo jurídico de Hans Kelsen.

I. Kant (1724 – 1804)


Aspectos filosóficos: criticismo
Obras: Epistemologia (Crítica da Razão Pura)
Moral (Crítica da Razão Prática; Fund. Met. Dos Costumes)
Direito (À paz perpétua; Teoria e Prática; Met. Dos
Costumes)
Religião ( A religião dentro dos limites da simples razão)
Estética (Crítica do Juízo; Obs. Sobre o Belo e o Sublime)

Kant defende que o homem não é somente cognição, e que a


personalidade humana se manifesta no agir
Há dois tipos de razão:

- A razão teórica (faculdade racional dirigida ao conhecimento)


- A razão prática (faculdade racional dirigida à ação)

A razão prática dispõe de um dado a priori, de um valor absoluto


impossível de negar a existência do DEVER, que é o imperativo
categórico:

“Age apenas segundo uma MÁXIMA tal que possas ao mesmo


tempo querer que ela se torne lei universal”.

Esse imperativo categórico é um imperativo MORAL.


Agir por puro dever é agir moralmente.
O imperativo categórico é um imperativo formal: prescreve a
FORMA, não o CONTEÚDO.

Forma = agir por respeito ao dever.

A condição que torna factível a moralidade assim definida é a


autonomia da razão prática: para que a vontade queira por puro
dever é necessário que seja livre, não submetida a uma lei
“estranha”, mas que seja legisladora de si mesma.

Ela só obedecerá à própria Lei, que é Lei Universal.


Da autonomia da vontade provêm:

A legislação moral – o móbil da ação é o DEVER;


A legislação jurídica – o móbil da ação não é o DEVER.
Assim, ética e Direito se distingue uma da outra:

Ética Direito
Ocupa-se com os deveres Ocupa-se da legislação prática
morais de uma pessoa em relação à
outra
Intimamente ligada ao espaço Nada tem a ver com o espaço
insondável da lei Moral insondável da Lei Moral

Campo da Moralidade, isto é, Campo da Legalidade, isto é,


requer o cumprimento da basta a obediência à lei,
ação pelo DEVER. independente da ação moral.

Subjetiva/Interioridade Intersubjetiva/Exterioridade

É universalizável Não é universalizável


Resumindo, Kant admite que

“a validade de uma ordem jurídica positiva é


independente da sua correspondência, ou da sua
falta de correspondência, com um certo sistema
moral” (Kant, fundamentação da metafísica dos
costumes, p. 47-48).
Hans Kelsen (1881 – 1973)
- herda os postulados do neokantismo;
- assume alguns dos postulados defendidos pelo Círculo de
Viena;
- tem uma visão positiva quanto à necessária isenção da ciência
de toda a influência da metafísica, da Ética, da filosofia.

Quanto ao Direito, Kelsen propõe:


- que o Direito fosse considerado como um campo
autossuficiente;
- que o Direito é uma área privilegiada, hierarquicamente
independente de outras áreas;
- que o Direito depende apenas do conjunto de normas cuja
validade é determinada por aquilo que se nomeia Grundnorm,
ou seja, pelas disposições jurídicas fundamentais vigentes;
- que é dever do Direito lidar com as formas de organização e
regulação de legislação e execução, isto é, dever de não só criar
como também aplicar as leis, independente de seus conteúdos.

- Assim, o Direito desempenharia um papel meramente


descritivo, e nunca prescritivo ou valorativo, dado que “a
validade de uma ordem jurídica positiva é independente da sua
correspondência, ou da sua falta de correspondência, com um
certo sistema moral”.

Resumo – Método Positivista da SJ

busca descrever objetivamente a realidade social. Pressupõe a


exatidão do conhecimento sociológico, bem como a neutralidade
valorativa e axiológica, e tal pressuposto se aplica também ao
Direito.

Você também pode gostar