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• Ver conteúdos das aulas (música, mundos da música,


Etnomusicologia, Musicologia comparada [ou comparativa], Folclore,
comparação intercultural, musicologia étnica, musicking,
categorização/classificação, estruturalismo, performance de
apresentação e performance participada, improvisação, nacionalismo,
etnicidade, Guido Adler, John Blacking, Antony Seeger, Cristopher
Small, Béla Bartók, Cecil Sharp, Maud Karpeles, Percy Grainger)
Definições de ‘música’
• The New Grove Dictionary of Music and Musicians: “aquilo de que o dicionário trata”.
• “Arte que combina os sons enquadrada por uma perspetiva de beleza da forma e da
expressão do pensamento ou sentimento” (Oxford English Dictionary)
• “A arte de combinar os sons de modo a que soem agradáveis, expressivos ou
inteligíveis” (Webster Intermediate Dictionary).

• John Blacking propõe a seguinte definição de música ‘sons humanamente organizados’.

• Na cultura ‘ocidental’ a música é entendida como estando ligada aos sons, à expressão
e à inteligibilidade. Bruno Nettl pergunta se será assim em todas as culturas. “Aqui a
música é frequentemente entendida como sendo algo bom. Está também associada a
certos contextos (sala de concerto). Na valorização do que é a música, tendemos a
considerar a que é escrita (composição) mais ‘nobre’ do que a é criada em tempo real
(improvisação)” (Nettl 2005).
As músicas no século XXI
• Esta diversidade de designações corresponde à
• Clássica (erudita, culta, artística) diversidade de “mundos da música”
• Folclórica - sistemas estabelecidos onde certas convenções
• Popular interrelacionadas são tomadas como naturais e
• Étnica modelam os modos de prática, performance e o
• “Ocidental” (ou “Não-ocidental”) comportamento das audiências, têm alcance nas
• Acústica noções de composição e de originalidade; definem
• Eletrónica os modos de recrutamento e de aprendizagem, os
• Do mundo (world music) locais de encontro, as condições e audiências; o
• Antiga significado relativo de formas escritas e não
• Contemporânea escritas; as expectativas dos indivíduos (Becker
• ..... 2008, 180).
• Pode ser praticada por profissionais ou por As convenções de um ‘mundo’ não funcionam
amadores
exatamente do mesmo modo noutros mundos.
Devemos falar de música ou de músicas?
Processos geradores de mundos da música
• “Todo o trabalho artístico, tal como toda a atividade humana, envolve
a atividade conjugada de um determinado número, normalmente um
grande número, de pessoas. É devido à cooperação entre estas
pessoas que a obra de arte que observamos ou escutamos acontece e
continua a existir. As marcas dessa cooperação encontram-se sempre
presentes na obra. As formas de cooperação podem ser efémeras,
mas na maioria dos casos transformam-se em rotinas e dão origem a
padrões de atividade coletiva aos quais podemos chamar mundos da
arte” (Becker 27).
Mundos da arte: definição

• “Rede estabelecida de cadeias cooperativas que ligam os


participantes entre si” (p. 54) ou rede de indivíduos cuja atividade
cooperativa, coordenada graças a um conhecimento partilhado dos
meios convencionais de trabalho, produz o tipo de obras que
estabelece precisamente a notoriedade do mundo da arte.
Atividade conjugada: cooperação

• “Todo o trabalho artístico, tal como toda a atividade humana, envolve


a atividade conjugada de um determinado número, normalmente um
grande número, de pessoas. É devido à cooperação entre estas
pessoas que a obra de arte que observamos ou escutamos acontece e
continua a existir. As marcas dessa cooperação encontram-se sempre
presentes na obra. As formas de cooperação podem ser efémeras,
mas na maioria dos casos transformam-se em rotinas e dão origem a
padrões de atividade coletiva aos quais podemos chamar mundos da
arte” (p. 27).
Participantes
• A noção de participante no mundo da arte integra os criadores, os
fabricantes de instrumentos (e afinadores!), os patrocinadores, os públicos,
etc, todos os que têm conhecimento das convenções em vigor nesse
mundo. Os juízos estéticos são fenómenos da atividade coletiva.

• Todavia, nem sempre tomamos consciência da pluralidade de papeis, de


participações, que o fazer música compreende e tendemos a valorizar
apenas as que são imediatamente visíveis. As audiências (os públicos) são
uma parte muito importante na produção concertística. Contudo, o seu
papel é na maior parte das vezes condicionado.

• Como explicam que as salas de concerto não tenham públicos assíduos e


exigentes?
O que é a Etnomusicologia?
• No século XX, grande parte dos Etnomusicólogos estudaram música
fora do âmbito da música Ocidental, centrando a sua atenção em
expressões musicais transmitidas oralmente.
• No século XXI, os etnomusicólogos estudam todos os fenómenos
musicais, independentemente do lugar em que ocorrem. Cada vez há
mais etnomusicólogos a estudar o seu meio musical.
As raízes da Etnomusicologia e da Musicologia
Guido Adler (n. Morávia, 1855)
1885 : “Umfang, Methode und Ziel du Musikwissenschaft” (Âmbito, Método e Finalidades da
Musicologia Comparada)

Dividiu os estudos musicológicos em dois ramos: o histórico (literalmente,


a história da música); e o sistemático, subdividido em 4 partes das quais,
a última (a musicologia comparada ou comparativa) se refere à
“comparação das canções populares dos povos da terra com finalidades
etnológicas e à sua classificação segundo diferentes categorias”.
A análise e classificação destas “canções populares” far-se-ia à imagem das
ciências naturais, num laboratório, fora do seu contexto social ou histórico.
Procuravam as ‘leis fixas’, as recorrências da música
Propõe a comparação intercultural: comparação de uma característica
(musical) e a observação da sua presença em diferentes partes do mundo,
em diferentes níveis de desenvolvimento.
Comparação intercultural vs. Estudos de Folclore Musical
(música ‘nativa’, ‘exótica´) (música nacional)
• (1885) Guido Adler “Ufang, Methode und Ziel der • Em finais do século XIX, os movimentos
Musikwissenschaft”: “A musicologia comparativa tem nacionalistas geraram um interesse particular pela
como meta a comparação das obras musicais – canção folclórica. Correlaciona-se com o desejo de
especialmente as canções nativas- dos vários povos da
definir o idioma musical nacional. Compositores e
terra e a sua classificação segundo várias formas” (Adler
1885: 14). colectores transcreveram música da tradição oral
dos seus países. Por toda a Europa foram
publicadas colecções de harmonizações ou
• Pretendiam criar grupos com elementos musicais transcrições de música folclórica. A investigação
recorrentes, unidades que pudessem classificar. sistematica começou no século XX. Na Hungria,
Bela Vikár (1859-1945) começou a fazer gravações
• Investigação científica segundo três ramos principais: sonoras em 1896. Béla Bartók (1881-1945)
teoria da música, estética e psicologia da música.
transcreveu a primeira canção folclórica em 1904 e
no ano seguinte começou a sua colaboração com
• “Escola de Berlim” do Arquivo Fonográfico do Zoltán Kodály (1882-1967). Em Inglaterra, Cecil
Departamento de Psicologia da Universidade de Berlim Sharp (1859-1924) iniciou o estudo da canção
na Alemanha (1900-). folclórica inglesa nos primeiros anos do século XX.
Momentos chave na história da Etnomusicologia
• 1885: Musicologia Comparativa (Guido Adler) (estudo sistemático e comparado)
• 1890: Walter Fewkes grava num cilindro de cera os índios Passamaquoddy no Maine.
• 1899-1901: Fundação dos dois primeiros arquivos sonoros (Arquivo sonoro da Academia das Ciências,
Áustia; Arquivo sonoro de Berlim, Alemanha)
• 1904: Béla Bartók inicia o trabalho de campo na europa oriental
• 1916-18 – Cecil Sharp e Maud Karpeles gravam baladas inglesas que continuavam a ser transmitidas
oralmente nos EUA
• 1928: Arquivo da Canção Folk na Biblioteca do Congresso (USA)
• 1931-34: John Avery Lomax e o seu filho Alan Lomax iniciam a gravação de blues nos sul dos EUA
• 1939-40: primeiro levantamento sonoro da música folclórica em Portugal (continente)
• 1947: Fundação do ICTM (na altura International Council for Traditional Music)
• 1950: O holandês Jaap Kunst propõe a designação Etno-musicologia (disciplina)
• 1952: Fundação da Society for Ethnomusicology nos EUA
• 1959: Fundação da Comissão de Etno-Musicologia na FCG, Lisboa (LG; AS; MD; JD)
• 1960: Mantle Hood defende a bimusicalidade
• 1964: Alan Meriam publica The Anthropology of Music
• 1981: Criação do curso de Ciências Musicais na UNL
As classificações que utilizamos refletem a
pluralidade da criatividade musical ou reforçam as
divisões sociais?

• As classificações ‘música clássica’, música popular’, ‘música de massas” ou


‘música étnica’ são divisões arbitrárias e etnocêntricas.

• “Acredito que a etnomusicologia deva ser mais do que um ramo da musicologia


ortodoxa que se ocupa de música "exótica" ou "folclórica": pode ser a pioneira na
exploração de novas formas de analisar a música e a história da música. Divisões
actualmente reconhecidas entre a música erudita e a música popular são
insuficientes e enganosas como ferramentas conceptuais. Não são significativas
nem exatas como indices de diferença musical. No máximo, limitam-se a redefinir
os interesses e as atividades de diferentes grupos sociais” (Blacking 2000).
John Blacking
• Fez trabalho de campo na Malásia (tendo aprendido
malaio), na China, na Índia, no Uganda e África do
Sul.
• Venda children’s songs: A Study in
Ethnomusicological Analysis, 1967. Estudo do
repertório das crianças Venda no seu contexto de
emergência.
• O seu estudo sobre os rituais de iniciação dos venda,
publicado em 1971 com o título How musical is
man?, continua a ser, nos dias de hoje, uma referência
sobre as relações entre música e cultura.
John Blacking: How Musical is Man?, 1971.
Venda, África do Sul
• A experiência alcançada por Blacking junto dos Venda levou-o a reformular os seus juízos sobre
a sua própria cultura: “a música não é uma coisa em si”, só tem significado num quadro de
relações sociais

• e a sustentar a importância da musicalidade, relativamente a aspetos de ordem técnica “A minha


sociedade afirma que só alguns estão dotados de sentido musical, mas depois comporta-se como
se todos possuíssem o requisito fundamental sem o qual nenhuma tradição musical poderia
existir: a capacidade de escutar e perceber estruturas musicais”

• “Amaioria das pessoas de uma sociedade terá de tornar-se "não-


musical" para que uns poucos possam ser mais "musicais"?
Relação entre os determinantes comuns à
humanidade (universais) e os determinantes
específicos de cada cultura
• Blacking visa conhecer a relação entre determinantes universais e determinantes
culturais.
• “As formas artísticas”, escreveu, “são produzidas por uma síntese de sistemas
universais dados, de operações, e pela aquisição cultural de modelos de
expressão”. As frequentes referências de Blacking ao fenómeno “contextual” e
“não-musical” não significa uma teoria do determinismo cultural; expressam, em
vez disso, a convicção de que os princípios musicais de organização são os
mesmos princípios de organização de outras áreas. Porque o processo musical
numa cultura replica outros processos não especificamente musicais. Assim a
ênfase de Blacking na cultura é estruturalista; ele está interessado não só em
identificar as regras sociais sobre a música mas em conhecer as “relações entre as
regras de sistemas musicais e as regras da comunicação social”.
• John Blacking descobriu que a música contém uma síntese da
atividade estruturante imanente,
• Blacking enriqueceu o pensamento estruturalista com uma nova
formulação do conceito de “transformação”, sugerindo que as
transformações musicais revelam as conexões precisas entre
processos universais e os processos específicos culturais. As
transformações musicais ocorrem, argumenta Blacking, em relação
com a experiência social: a capacidade para a transformação pode ser
universal; mas apenas é ativada sob o estímulo do fenómeno social.
Blacking acredita que “Através da observação de modelos de
interação social os quais medeiam entre a estrutura inata da mente e
as suas extensões na cultura, a etnomusicologia pode demonstrar as
bases afetivas, sociais das transformações musicais”.
Estruturalismo
• Tal como as modernas ciências sociais, começa pelo exame do fenómeno
cultural;
• tal como as ciências naturais modernas, isola conjuntos de fenómenos com
finalidades de estudo;
• mas no seu último objectivo – a formulação de universais cognitivos – está
próximo da herança da filosofia racionalista. Desta herança tomou a
assumpção básica de uma estrutura mental inerente que determina a
experiência e o conhecimento. Mas partilha com o pensamento moderno
social, científico, uma consciência do importante papel da cultura na
determinação de conhecimento e experiências específicos, e assim postula
universais muito mais abstratos, menos presos a conceitos específicos, do
que aqueles do racionalismo filosófico (Tunstall 1979).
• Cristopher Small (1998) propõe a substituição do substantivo ‘música’
pelo verbo ‘musicking’ (no gerúndio). Defende que a música é uma
ação, seja performando, ouvindo ou dançando.

• A música não é uma coisa mas uma atividade, é algo que as pessoas
fazem.

• Fazer música não é um assunto individual; e compor, interpretar e


ouvir não ocorrem num vazio social.
A música não é uma coisa, mas uma
actividade, algo que as pessoas fazem.
• A coisa aparente chamada ‘música’ é uma ficção, uma abstracção da acção,
cuja realidade desaparece logo que a examinamos proximamente. Este
hábito em pensar em abstracções, em tomar de uma acção aquilo que
parece ser a sua essência e de dar um nome a essa essência, é
provavelmente tão antiga quanto a própria linguagem; é útil na
conceptualização do nosso mundo mas tem os seus perigos. É muito fácil
começar a pensar sobre a abstracção como mais real do que a realidade a
representa, para pensar por exemplo em abstracções como o amor, o ódio,
o bem e o mal, como tendo uma existência fora dos actos de amar, odiar,
fazer bem ou fazer mal, e inclusive em pensar nelas como sendo de algum
modo mais reais do que os actos em si, um tipo de universal ou ideal que
liga acções. Esta é a armadilha da reificação, e tem sido uma besetting fault
do pensamento ocidental desde Platão. (p. 2).
obra vs. performance
• Small defende que na nossa sociedade, há quem acredite que a
performance é uma aproximação imperfeita à obra em si.
• Nessa perspetiva, o sentido profundo da música nunca pode ser
completamente alcançado numa performance. Nessa linha, defendem
que o sentido de uma obra apenas pode ser descoberto por aqueles leem
e estudam a partitura. Esta aceção justifica que Brahms tenha recusado
um convite para assistir a uma performance do Don Giovanni de Mozart
sustentando que em breve a leria em casa. A propósito deste caso, Small
perguntou: “O que é que Mozart, o supremo músico prático, diria sobre
isto? Apenas aqueles que sabem ler a partitura têm acesso aos mais
profundos significados da música?”
• E vocês o que dizem sobre este argumento?
Permorfer
• No que respeita aos performers, ouvimos muito pouco sobre eles, pelo
menos enquanto criadores de sentido musical. Parece que eles podem
clarificar ou obscurecer uma obra, apresentá-la adequadamente ou não, mas
eles não têm nada para contribuir para ela; o seu sentido foi completamente
determinado antes de o performer ler com os seus olhos a partitura. Os
compositores, especialmente no século XX, têm-se posicionado contra as
‘liberdades’ tomadas por intérpretes Igor Stravinsky foi particularmente
veemente a este respeito, condenando a interpretação em termos que
parecem tão morais quanto puramente estéticos e exigindo do performer
uma abordagem rigidamente objectiva chamada por ele ‘execução’, a qual
ele caracteriza como “o estrito pôr em efeito de um desejo explícito que não
contem nada para lá do que está especificamente comandado”.
• Na vossa opinião, o performer é ou pode ser um criador? Em que medida?
O ouvinte
• Pensa-se também que a performance musical é um sistema com
apenas um sentido de comunicação, decorrendo do compositor para
o indivíduo através do meio que é o performer. Isto é, talvez, mais um
modo de sustentar que a tarefa do ouvinte consiste simplesmente em
contemplar a obra, em procurar compreendê-la e responder-lhe,
partindo do pressuposto de que ele ou ela não têm nada para
contribuir para o seu sentido. Isto é assunto dos compositores. Isto
sugere também que a música é um assunto individual, que compor,
interpretar e ouvir toma lugar num vazio social (Small 1998).
• Na vossa perspetiva, qual é o papel do ouvinte?
• Acredita-se que a música é autónoma, existe para lá das forças sociais, a
ocasião em que emerge. É puramente dada à “contemplação
desinteressada” (Emanuel Kant). Inclusive obras que foram compostas
para serem integradas num ritual, como por exemplo a Paixão Segundo
São Mateus de Bach, que foi pensada como parte das exéquias da
Quinta-feira Santa da Igreja Luterana, é hoje interpretada em salas de
concerto como uma obra de arte de direito próprio, cujas qualidades e
sentido para um ouvinte moderno é suposto dependerem somente das
suas qualidades ‘como música’ e não tendo nada a ver com as crenças
religiosas que Bach tinha incorporado nela.
• Small defende que a música é tomar parte, seja performando ou ouvindo
ou dançando. Cria o termo musicking (verbo no gerúndio, para expressar
a continuidade da acção, no tempo)
Performance de apresentação
• Espera-se que o público aprecie e dê atenção aos detalhes.
• 2 momentos: preparação; apresentação.
• O programa é preparado, é um todo constituído por partes
independentes – obras - que se seguem rapidamente.
• O público está atento aos detalhes;
• Forma e repetição: na música clássica e popular, na sua maior parte
são fixas (oscila entre secções contrastantes e repetidas). A forma
está escrita. Forma com princípio, meio e fim (há uma retórica para o
início e outra para o final, o desenvolvimento no classicismo foi um
tipo de ‘meio’ muito utilizado)
• Forma e repetição: na música clássica e popular, na sua maior parte
são fixas (oscila entre secções contrastantes e repetidas). A forma
está escrita. Forma fechada, com princípio, meio e fim (há uma
retórica para o início e outra para o final, o desenvolvimento no
classicismo foi ‘um tipo de meio’ muito utilizado).
Performance participada
• Não existe separação entre executante e audiência. São situações sociais
interactivas. As pessoas acorrem a estas situações porque querem fazer
música ou dançar.

• A performance participada tem valores próprios tais como o grau e
intensidade da participação.

• Características formais. Forma aberta – aquilo que acontece depende das


contribuições individuais e das interacções de momento; pode decorrer ao
longo de um tempo imprevisível; formas ostinato cíclicas, nas quais uma
unidade melódica, harmónica e rítmica constitui a peça; pequenas secções
(AABB, AABBCC,...) repetidas vezes sem conta. O início e o fim das peças não
são bem definidos. Espaço para a realização de improvisações ou variações.
• A textura densa e o timbre são traços importantes neste tipo de música.
• Um efeito da performance participada é um conjunto de sons sobre o qual se
destaca um solo (uma voz, instrumento,...) como resultado da participação
individual, espontânea. Esses solos tendem a ser virtuosísticos.
• Estas participações podem ser sequenciadas ou simultâneas.
Estudos pioneiros sobre a improvisação
• Ernst Ferand (1887-1972) Die Improvisation in der Musik (1938).
• David Sudnow, Ways of the Hand, 1978, analisa a relação entre a intenção
consciente e a conduta musical na improvisação (jazz)
• Derek Nailey, Improvisation, 1992, analisa a relação entre a improvisação coletiva
na música contemporânea, o jazz, a música barroca e a música indiana.
• Paul Berliner, Thinking in Jazz, 1994, sobre como se aprende a improvisar em jazz
• Patrícia Campbell, Lessons from the World, 1992, retoma teses de Jaques-
Dalcroze e Kodaly para discutir a improvisação em contexto educativo.
• Albert Lord, The singer of Tales, 1965, defende que há uma forte relação entre a
improvisação e a transmissão oral.
• Lortat-Jacob, L’improvisation dans les musiques de tradition orale, 1987, diversos
autores analisam a improvisação em culturas de tradição oral em diferentes
lugares do planeta
Um paradoxo
• Segundo Nettl, no contexto da música clássica ‘ocidental’, “a noção
improvisação implica a ausência de planificação e disciplina” (Nettl
2004, 15): fantasia, fuga,... Já a música composta relaciona-se com
disciplina a arte pela arte, a formalidade e a previsão.
• O autor sustenta que tendemos a desvalorizar as culturas musicais
baseadas na improvisação.
• Derek Bailey argumenta que a improvisação está presente em todas
as culturas musicais e que “o conhecimento da música em toda a sua
amplitude depende de um conhecimento ao menos parcial da
improvisação” (cit. in Nettl 2004, 12).
A improvisação noutras culturas musicais
• No Irão, a música que mais se valoriza e aprecia é a improvisada.
Enquanto as peças pre-compostas são menos valorizadas. O radif é
um conjunto de músicas e conceitos memorizado que funciona como
um repertório fundamental e um corpus de material pedagógico, um
guia de técnicas de improvisação, padrões formais e estrutura das
performances. O radif é a base a partir da qual se pode improvisar:
contém temas ou melodias (correspondendo assim às ragas indianas
ou aos maqams árabes) e unidades pequenas como motivos.
• No Zimbawe, o repertório requerido para a improvisação dos Shona,
tocadores de mbira, compreende temas, interações rítimas, conceitos
e sequências.
Os prelúdios de Clara Schumann (1819-1896)
• Os prelúdios improvisados na juventude, muitos deles como introdução às peças
compostas, foram publicados no final da sua vida.
• O prelúdio era um meio para “testar o instrumento, fazer exercícios de
aquecimento e concentração, estabelecer a tonalidade e exibir qualidades
técnicas” (Goertzen 2004, 228). O pai de Clara (Friedrich Wieck) recomendava a
improvisação de prelúdios como meio de formação dos músicos. Nos estudos de
Wieck (1875) encontram-se curtos prelúdios destinados a introduções ou
transições entre as peças.

• Clara iniciou a aprendizagem oralmente e de memória, sem apoio da leitura,


aprendendo a “tocar progressões cadenciais em todas as tonalidades, a transpor
e a improvisar. Foi uma das melhores improvisadoras da época.
• Clara apresentou-se em palcos de diferentes na Alemanha, França e Áustria.
O que é a performance musical?
• A etnomusicologia estuda a performance musical como um evento e como um
processo, integrando o contexto e o som, um início e um fim, um programa
organizado de atividade, comportamentos altamente formalizados, um conjunto
de performers, uma audiência, um lugar e uma ocasião. É um modo de
comunicação e expressão altamente codificado.
• Inclui os concertos e audições e também os rituais e cerimónias, os festivais.
• As performances são “encapsulações da sua cultura” (Singer 1955, cit in Béhague
1984, 4).
• O estudo da performance deve integrar os comportamentos musicais e extra-
musicais. , a integração social, o significado dessa integração e as regras e os
códigos.
• O sentido da performance musical não deriva de uma única fonte. Há diferentes
percepções da situação performativa.
Século XIX: música folclórica e identidade
nacional
Johann Gottfried von Herder coligiu contos e melodias populares na Letónia,
publicados em Alte Volkslieder [canções do povo antigas] em 1773-75 e as
Volkslieder em 1778-79.
William John Thoms, numa carta enviada à revista The Atheneum em 1846, com o
pseudónimo de Ambroise Merton, propôs a palavra folk-lore aplicada ao estudo
das tradições populares antigas;
Fundação de sociedades como a Folk-lore Society, em Londres, em 1878 e a Folk-
Song Society, em 1898 (Cecil Sharp integrou esta sociedade);

Em Portugal o termo folk-lore musical foi usado em 1882 pelo crítico de arte
Manuel Ramos para referir a música que se fazia nos contextos rurais.
• Segundo Oskár ELSCHEK, “o século XX, especialmente o
período depois da I Grande Guerra, pode ser caracterizado por novas
aproximações individuais e institucionais, associadas particularmente
aos nomes de B. Bartok, C. Brailoiu, […], as quais integravam os
princípios da “Escola de Berlim’ da musicologia comparada e a
pesquisa na música folclórica tradicional. Alem de coligirem e
gravarem música folclórica, esses académicos deram atenção a
problemas teóricos e métodos de campo […]. A principal
preocupação foi a evolução da música, a origem da música, e a
construção de uma tradição musical nacional. Os projectos de
pesquisa foram tipicamente restringidos ao limite nacional. Há
pouca cooperação internacional, prevalecendo pontos de vista
nacionais. Proclamou-se a autenticidade […]. O estudo comparativo
esteve subordinado à pesquisa de significado nacional” (1991 91).
Béla Bartók: um exemplo paradigmático

1896 – comemorou-se a presença milenar do povo magiar na Hungria. Gerou um nacionalismo em


torno da cultura magiar (por oposição à dominação política e cultural otomana).

Béla Bartók (1881-1945) Transcreveu a primeira canção folclórica húngara em 1904. Em 1905 iniciou
a sua colaboração com Zoltán Kodály. Em 1906 trabalhou com o fonógrafo na Hungria, Roménia e
Transilvânia.

Criou uma linguagem modernista – reconhecida como húngara - no meio dos campos polarizados
por Schoenberg/atonalismo de doze notas e Stravinsky/neoclassicimo.
Bartok: um exemplo paradigmático
• Procurou a ‘autêntica’ música húngara
com vista à suposta identificação do
idioma musical húngaro. “Descobriu”
a canção folclórica dos camponeses - a
única base da música nacional –
rejeita (nesta fase) a música dos
ciganos húngaros.
• Procurou também o idioma musical
anterior à “invasão” da música da
Europa central: a “descoberta” em
lugares remotos de modos, escalas
distintas da diatónica, ritmos
assimétricos, compassos quinários....
reforça a convicção do nivelamento
provocado pela harmonia funcional.
Bartók 1943
Audição de gravações do arquivo de Berlim
• Cecil Sharp (1859-1924) inglês, estuda e
compõe sobre música tradicional inglesa
na 1ª década do século XX. Vai aos EUA
com Maud Karpeles em busca de música
inglesa “pura” e classificam 1600
canções. Recolhem, transcrevem,
harmonizam, publicam e introduzem nas
escolas.
Percy Grainger (1882-1961),
australiano.
Fez recolha em Inglaterra
com o fonógrafo e editou em
1908 a primeira gravação
comercial de música
tradicional, em Londres
pela Gramophone
Company.
Os folcloristas procuravam um sistema musical
anterior à tonalidade/harmonia funcional
Harmonia funcional: um sistema no qual os tons estão organizados em torno de um centro (tom central);
cada um dos tons possui um lugar numa hierarquia;
Estruturas formais (sonata, canção, rondó) segundo uma hierarquia (as unidades mais pequenas combinam-se
de modo a produzirem unidades maiores, como as frases; as frases combinam-se para organizarem períodos; os
períodos organizam secções; e assim por diante até se criar um andamento completo, que se caracteriza por ser
a unidade indivisível que se mantém unida graças ao sistema dinâmico de relações que proporciona a tonalidade
funcional.
desenhos rítmicos simétricos
previsibilidade do devir
modulação (substituição temporária do centro tonal);
cromatismo e dissonância (elementos que produzem desequilíbrio e por isso são associados à expressividade).

Outros sistemas musicais anteriores:


modalismo
ritmos assimétricos
polifonias ‘primitivas’ (bordão, movimentos paralelos; intercâmbio de vozes, etc.)
O nacionalismo
• A nação (plano regional, com as suas especificidades) integrada no concerto das
nações (plano universal).
• Elites cosmopolitas importam o modelo nacionalista dos países da Europa central
(acredita-se que só assim, Portugal poderá enriquecer-se e dialogar com as outras
nações). Cada uma dessas figuras importa uma concepção diferente.
• O tema da portugalidade conquista centralidade (compositores, músicos...).
• Os músicos são chamados a participar no processo de construção da nação.

• Em Portugal, ao contrário de outros países europeus periféricos, não houve uma


‘contestação’ ao modelo tonal proposto pela Europa central, assente na sintaxe do
folclore (modos, ritmos assimétricos, ...).
• Processo de construção de uma identidade nacional através da música e com os
músicos.
O caso português.
• O nacionalismo é uma questão política: construção da nação através de uma suposta linhagem do
povo português, como alternativa à ordem monárquico-cristã.
• A comunidade imaginada: laços imaginários entre pessoas que não se conhecem; a imprensa
colabora nesse processo.

• Os músicos portugueses não conseguiram “construir uma imagem de identidade nacional” [...]
que fosse reconhecida como tal pelo grupo que a suscitou” (Ferreira de Castro, cit. Cascudo 2000:
182).
• Então, a principal característica portuguesa será a da “inconsistência” (Ibid.).
• O nacionalismo como uma forma de cosmopolitismo (Cascudo 2000).

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