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Modernismo

O romance de 30
2ª geração- Prosa

“Porque naquelas casas, se o acolhiam, se lhe davam comida e dormida, era


como cumprindo uma obrigação fastidiosa. Os donos da casa evitavam se
aproximar dele, e o deixavam na sua sujeira, nunca tinham uma palavra boa
para ele. (...) Mas desta vez estava sendo diferente. Desta vez não o deixaram
na cozinha com seus molambos, não o puseram a dormir no quintal. Deram-lhe
roupa, um quarto, comida na sala de jantar. (...) Então os lábios de Sem-
Pernas se descerraram e ele soluçou, chorou muito encostado ao peito de sua
mãe. E enquanto a abraçava e se deixava beijar, soluçava porque a ia
abandonar e, mais que isso, a ia roubar. E ela talvez nunca soubesse que o
Sem-Pernas sentia que ia furtar a si próprio também.”
Jorge Amado- Capitães de Areia 
Profa.Karla Faria
MODERNISMO
2a Geração (1930 – 1945) – PROSA

CARACTERÍSTICAS GERAIS

• Romance regionalista e social


• Destino do homem
• Prosa regionalista
• Prosa urbana
• Prosa psicológica ou intimista
Amadurecimento do Modernismo

Alguns intelectuais de várias regiões começaram a manifestar-


se ao longo da década de 20 : a verdadeira arte moderna devia
retratar criticamente um Brasil mais abrangente, que mal se
conhecia, cujas desigualdades sociais fossem retratadas com
vigor num realismo próprio do século 20.
A arte literária, segundo vários intelectuais, devia sair dos
"salões aristocráticos de São Paulo", quer dizer, devia
abandonar o contato apenas com o urbano, influenciado pelas
vanguardas européias.
Romance de 30
Em 1926, ocorre um congresso em Recife e nele se encontram
escritores do Nordeste; estes se dispõem, aos poucos, a fazer uma
prosa regional consistente e participativa. É dessas primeiras
manifestações que surgirá um dos momentos mais autênticos da
literatura brasileira, o Romance de 30. 

A data de 1930 é marcante porque consolida a renovação do


gênero romance no Brasil, ou seja, traz novos rumos à prosa.
Depois de tanta arruaça intelectual dos primeiros modernistas no
Sudeste do país, procura-se atingir equilíbrio e estabilidade, que,
aos poucos, vai aparecendo em obras e mais obras: O quinze, de 
Rachel de Queiroz (1930); O país do Carnaval, de Jorge Amado
(1931); Menino de engenho, de José Lins do Rego (1932); 
São Bernardo, deGraciliano Ramos (1934); e Capitães da areia,
de Jorge Amado (1937).
A consciência crítica
 Neste momento se consolidaram em suas obras questões
sociais bastante graves: a desigualdade social, a vida cruel
dos retirantes, os resquícios de escravidão, o coronelismo,
apoiado na posse das terras - todos problemas sociopolíticos
que se sobreporiam ao lado pitoresco das várias regiões
retratadas.
 Esses romances foram fundamentais para o amadurecimento
da consciência crítica e social do leitor brasileiro. Com eles,
encontramos formas de compreensão do homem em várias
faixas da sociedade brasileira e do determinismo que o
persegue em situações adversas. É injusto pensarmos que
esses romances mostraram apenas as "mulatas gabrielas" para
o mundo exterior. As formas de narrar o cotidiano ficaram
mais complexas e tensas. 
A importância
Mas o fato é que sem os modernistas de 1922 (1ª geração),
dificilmente os modernistas de 1930 (2ª geração) teriam
conseguido o feito literário e social que obtiveram, porque aqueles
foram os primeiros que provocaram a atualização da "inteligência"
brasileira, foram eles que trouxeram para a literatura o fato não-
literário e a oralidade, que tanto beneficiou o realismo seco dos
escritores regionalistas, dando-lhes maior autenticidade.

Por outro lado, mesmo com os romances mais pitorescos e menos


brutais, os leitores aprenderam, como nos ensina Alfredo Bosi
(História concisa da literatura brasileira), que o velho mundo dos
homens poderosos não acaba tão facilmente: as estruturas das
oligarquias regionais se mantêm através do poder e da força, e é
contra eles que se tem de lutar. 
Graciliano Ramos

Homem/meio natural, homem/meio social, o mundo interior do


personagem, autobiografia, ausência de sentimentalismo,
brevidade, concisão (só diz o que é necessário).

Caetés; São Bernardo; Angústia; Memórias do Cárcere; Vidas


Secas;

José Lins do Rego

Romance autobiográficos, cana-de-açúcar, cangaço, misticismo;

Menino de Engenho; Fogo Morto; Doidinho; Pedra Bonita;


Riacho Doce;
Jorge Amado

Problemas sociais (idealismo partidário); lendas, crenças, tipos


humanos, realidade e sonho; ciclo do cacau.

O país do carnaval; Cacau; Capitães de Areia; Terras do Sem


Fim; Gabriela, cravo e canela; Dona Flor e seus dois maridos;
Tenda dos Milagres; Tieta do Agreste;

Rachel de Queiroz

A temática da seca no Ceará, linguagem simples, social, conflitos


psicológicos.

O Quinze; João Miguel; Caminho de Pedras; As Três Marias;


Dora Doralina;
Érico Veríssimo

Linguagem simples, direta, beirando o lugar comum, porém, de


grande valor a um contador de histórias.
1o Ciclo: Romances Urbanos: Porto Alegre; problemas morais e
espirituais; conflitos existenciais; aspectos sociais: ricos X pobres.
Imigrantes. Guerra Espanhola. Morte (suicídio).

-Clarissa; Um lugar ao sol; Saga; O resto é silêncio;


2o Ciclo: Romances Históricos: investigação do passado histórico
do Rio Grande do Sul. Guerras na fronteira; missões jesuíticas,
estâncias, colonos, espanhóis. Federalistas X Republicanos.
Coragem, lealdade, tradição.
-O Tempo e o Vento: O Continente, O Retrato, O arquipélago;
A trilogia O Tempo e o Vento é a grande obra de Erico Verissimo e
uma das mais importantes da segunda fase modernista.

 
3o Ciclo: Romances Sociais: discriminação racial, ditadura,
perseguição política, autodeterminação; capitalismo X comunismo.
-O Senhor Embaixador; O Prisioneiro; Incidente em Antares;
O tempo e o vento
Se uma das características da epopéia é narrar a história de um povo, a
obra O Tempo e o Vento, escrita por Erico Verissimo, certamente possui esse
traço épico. Ela foi publicada em três romances:  O Continente, O Retrato e O
Arquipélago – os dois primeiros possuem dois volumes, enquanto o terceiro
foi dividido em três. A trilogia narra o processo de formação do estado do Rio
Grande do Sul, misturando ao elemento ficcional, preponderante em toda a
obra, dados e personalidades históricos. Os romances acabam por recriar 200
anos da história gaúcha, de 1745 a 1945, tempos marcados pelo poder das
oligarquias, por guerras internas e guerras de fronteira. O espaço em que a
narrativa se desenvolve é a cidade fictícia de Santa Fé. 
“Em relação a seu momento histórico, tem o diferencial de tratar de temas
sobre o sul do país, divulgando costumes e tradições de uma região até então
abandonada pelos enredos dos escritores regionalistas mais conhecidos, que,
em sua imensa maioria, construíram narrativas sobre a Região Nordeste.” 
ANA TERRA
“Mal raiou o dia, Ana ouviu um longo mugido. Teve um estremecimento, voltou a
cabeça para todos os lados, procurando, e finalmente avistou uma das
vacas leiteiras da estância, que subia a coxilha na direção do rancho. A Mimosa! —
reconheceu. Correu ao encontro da vaca, enlaçou-lhe o pescoço com os braços,
ficou por algum tempo a sentir contra o rosto o calor bom do animal e a acariciar-lhe
o pêlo do pescoço. Leite pras crianças — pensou. O dia afinal de contas começava
bem. Apanhou do meio dos destroços do rancho um balde amassado, acocorou-se
ao pé da vaca e começou a ordenhá-la. E assim, quando Eulália, Pedrinho e Rosa
acordaram, Ana pôde oferecer a cada um deles um caneco de leite.
— Sabe quem voltou, meu filho? A Mimosa.
O menino olhou para o animal com olhos alegres.
— Fugiu dos bandidos! — exclamou ele.
Bebeu o leite morno, aproximou-se da vaca e passou-lhe a mão pelo lombo,
dizendo: — Mimosa velha... Mimosa valente...
O animal parecia olhar com seus olhos remelentos e tristonhos para as sepulturas.
Pedro então perguntou:
— E as cruzes, mãe?
— É verdade. Precisamos fazer umas cruzes.
Com pedaços de taquara amarrados com cipós, mãe e fi lho fi zeram quatro cruzes,
que cravaram nas quatro sepulturas. Enquanto faziam isso, Eulália, que desde o
despertar não dissera uma única palavra, continuava sentada no chão a embalar a
filha nos braços, os olhos voltados fixamente para as bandas do Rio Pardo.
No momento em que cravara a última cruz, Ana teve uma dúvida que a
deixou apreensiva. Só agora lhe ocorria que não tinha escutado o coração
dum dos escravos. O mais magro deles estava com a cabeça decepada —
isso ela não podia esquecer...
Mas e o outro? Ela estava tão cansada, tão tonta e confusa que nem tivera
a idéia de verificar se o pobre do negro estava morto ou não. Tinham
empurrado o corpo para dentro da cova e atirado terra em cima... Ana
olhava, sombria, para as sepulturas.
Fosse como fosse, agora era tarde demais. “Deus me perdoe” —
murmurou ela. E não se preocupou mais com aquilo, pois tinha muitas
outras coisas em que pensar.
Começou a catar em meio dos destroços do rancho as coisas que os
castelhanos haviam deixado intatas: a roca, o crucifi xo, a tesoura grande
de podar — que servira para cortar o umbigo de Pedrinho e de Rosa —,
algumas roupas e dois pratos de pedra.
Amontoou tudo isso e mais o cofre em cima dum cobertor e fez uma trouxa.
Naquele dia alimentaram-se de pêssegos e dos lambaris que Pedrinho
pescou no poço. E mais uma noite desceu — clara, morna, pontilhada de
vagalumes e dos gemidos dos urutaus. Pela madrugada Ana acordou e
ouviu o choro da cunhada. Aproximou-se dela e tocou-lhe o ombro com a
ponta dos dedos.
— Não há de ser nada, Eulália...
Parada junto de Pedro e Rosa, como um vagalume pousado a luciluzir
entre os chifres, a vaca parecia velar o sono das crianças, como um anjo
da guarda.
— Que vai ser de nós agora? — choramingou Eulália.
— Vamos embora daqui.
— Mas pra onde?
— Pra qualquer lugar. O mundo é grande.
Ana sentia-se animada, com vontade de viver.
Sabia que, por piores que fossem as coisas que estavam por vir, não
podiam ser tão horríveis como as que já tinha sofrido. Esse pensamento
dava-lhe uma grande coragem. E ali deitada no chão a olhar para as
estrelas, ela se sentia agora tomada por uma resignação que chegava
quase a ser indiferença.
Tinha dentro de si uma espécie de vazio: sabia que nunca mais teria
vontade de rir nem de chorar. Queria viver, isso queria, e em grande parte
por causa de Pedrinho, que afi nal de contas não tinha pedido a ninguém
para vir ao mundo. Mas queria viver também de raiva, de birra.
A sorte andava sempre
virada contra ela. Pois Ana estava agora decidida a contrariar o destino.
Ficara louca de pesar no dia em que deixara Sorocaba para vir morar no
Continente. Vezes sem conta tinha chorado de tristeza e de saudade
naqueles cafundós.
Vivia com medo no coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a
menor alegria, trabalhando como uma negra, e passando frio e desconforto... Tudo
isso por quê? Porque era a sua sina. Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que
tem.
Pode e deve. E agora ela tinha enterrado o pai e o irmão e ali estava, sem casa,
sem amigos, sem ilusões, sem nada, mas teimando em viver. Sim, era pura
teimosia. Chamava-se Ana Terra. Tinha herdado do pai o gênio de mula.”
(O continente. São Paulo, Cia. das Letras, 2004.)
Um certo Capitão Rodrigo

“Toda a gente tinha achado estranha a maneira como o capitão Rodrigo


Cambará entrara na vida de Santa Fé. Um dia chegou a cavalo, vindo
ninguém sabia de onde, com o chapéu de barbicacho puxado para a nuca, a
bela cabeça de macho altivamente erguida, e aquele seu olhar de gavião que
irritava e ao mesmo tempo fascinava as pessoas. Devia andar lá pelo meio da
casa dos trinta, montava um alazão, trazia bombachas claras, botas com
chilenas de prata e o busto musculoso apertado num dólmã militar azul, com
gola vermelha e botões de metal. 
Tinha um violão a tiracolo; sua espada, apresilhada aos arreios, rebrilhava ao
sol daquela tarde de outubro de 1828 e o lenço encarnado que trazia ao
pescoço esvoaçava no ar como uma bandeira. Apeou na frente da venda do
Nicolau, amarrou o alazão no tronco dum cinamomo, entrou arrastando as
esporas, batendo na coxa direita com o rebenque, e foi logo gritando, assim
com ar de velho conhecido: 
– Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de
talho! 
– Pois dê” 

http://www.youtube.com/watch?v=SrMsWLnZKtI

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