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UM OLHAR FILOSÓFICO

SOBRE OS DIREITOS HUMANOS


Prof. Ms. Rafael Mallmann
KEVIN CARTER
“Um homem ajustando suas lentes
para tirar o melhor enquadramento
do sofrimento da criança, talvez
também seja um predador, um outro
urubu na cena.”
Foto recebeu o Prêmio Pulitzer de 1994, em Nova York e foi tirada em 1993 no Sudão.
BANALIDADE DO MAL
DA BANALIDADE DO MAL
Todos nós somos espectadores de uma
experiência cotidiana empobrecedora, que melhor
se conceitua como guerra, fome, miséria, repressão
e barbárie.  No mundo moderno, o mal se tornou
comum.  O mal se banalizou. Nos tornamos
insensíveis a desgraça alheia.
Carter, como fotógrafo, acostumou-se a captar o
frívolo em suas fotografias; acostumou-se a
experimentar o mal. Mas, quando refletiu sobre a
cena,  sentiu náusea,  culpa,  remorso; suicidou-se. 
Foi o preço que ele pagou por sua falta de piedade.
Segundo ROUSSEAU, o que diferencia
o homem do animal é o fato de ele ser
um “agente livre”.  Assim, o homem é
um ser moral, dotado de vontade e de
livre-arbítrio.    
Outra característica que diferencia o homem
do animal, ainda segundo Rousseau,  e que foi
responsável  por  torná-lo  bom e sociável,  é a
“piedade”, entendida como:    
“repugnância inata de ver sofrer seu
semelhante”.
DO CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS
• É o conjunto de princípios e de normas fundamentadas
no reconhecimento da dignidade inerente a todos os
seres humanos e que visam assegurar o seu respeito
universal e efetivo.
• Deriva da expressão “direitos naturais do homem”;
abrangendo essencialmente “as liberdades”, estendendo-
se progressivamente seu campo a prerrogativas de ordem
social e de alcance coletivo.
• Tais direitos não resultam de uma concessão da
sociedade política, mas são direitos que a sociedade
política tem o dever de consagrar e garantir, como um
mínimo de direitos para a existência digna do ser
humano.
DO CONCEITO DE DIGNIDADE
A origem etimológica do termo dignidade é a
expressão latina dignitas, que significa
“respeitabilidade”, “prestígio”, “consideração”,
“estima”; ou seja, provém do adjetivo latino dignus,
que é “ aquele que merece estima e honra, aquele
que é importante, que tem prestígio, aquele que é
valioso por si mesmo”.

AS COISAS/OBJETOS TÊM PREÇO VALOR RELATIVO

O SER HUMANO TEM DIGNIDADE VALOR ABSOLUTO


DAS CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

• ROBERT ALEXY, entende que os direitos humanos podem


ser definidos a partir de cinco características, a saber: “a
universalidade, a fundamentalidade, a abstratividade, a
moralidade e a prioridade” (2007, p. 94).

• Para FLAVIA PIOVESAN, o conceito de direitos humanos é


dotado de universalidade, pois possui extensão universal,
pois basta possuir condição de humano para ser titular
de direitos.
PROBLEMA DA LEGITIMAÇÃO DOS D.H.

O problema da legitimação encontra-se sustentado através da


teoria política, principalmente da conceituação de democracia
(soberania popular), que legitimaria a atividade-fim da política;
e da constitucionalização de direitos, que criaria um sistema
(inclusive internacional) de direitos programáticos a serem
garantidos e protegidos.

Nesse ínterim, questiona HABERMAS: Quais são os direitos


fundamentais que cidadãos livres e iguais devem outorgar-se
reciprocamente se querem regular legitimamente sua vida em
comum através do direito positivo?
UM POUCO DE HISTÓRIA DO CONCEITO
• PERÍODO AXIAL (entre 800 e 200 a.C.):
Para o filósofo KARL JASPERS, “é neste período
que surgiu o homem como o conhecemos hoje,
considerado em sua igualdade essencial, como
ser dotado de liberdade e de razão; não obstante
as múltiplas diferenças de sexo, raça, religião,
costumes.
Para NORBERTO BOBBIO, o sujeito individual é
formado neste contexto: “o individualismo é a
base filosófica da ideia de democracia: uma
cabeça, um voto.”
• IDADE MÉDIA:

A MAGNA CHARTA LIBERTATUM, outorgada pelo rei inglês


João-Sem-Terra, em 1215, é o prenúncio de uma luta contra o
abuso do poder, pois limitava o poder do soberano, ficando a
vontade deste sujeita à lei.

No século XIII, surge SANTO TOMÁS DE AQUINO, que


condenou as violências e discriminações, dizendo que o ser
humano tem direitos naturais que devem ser sempre
respeitados, pois foi criado segundo a vontade de Deus como
ser livre e único (digno).
“RECONHEÇA NO TEU PRÓXIMO A MESMA HUMANIDADE
(QUOTA DIVINA) QUE HÁ EM VOCÊ E RESPEITE-A!”
• MODERNIDADE:
4 Diretrizes para os Direitos Humanos:
- Petition of Rights, de 1628: Foi um pedido do
parlamento inglês ao rei Carlos I, pelo
reconhecimento da existência de direitos
fundamentais dos cidadãos ingleses, como a
proteção da liberdade pessoal contra a prisão
arbitrária e o direito de propriedade.
- Habeas Corpus Act, de 1679: Remédio jurídico
contra os abusos do poder real, impedindo a
prisão arbitrária de opositores políticos sem o
devido processo legal.
- Bill of Rights, de 1689: Declarou como
fundamentais o direito de liberdade de palavra,
de imprensa e de reunião, o direito à vida, à
liberdade física e à propriedade.
Foi crucial na separação dos poderes,
impedindo que o rei revogasse leis feitas pelo
parlamento.
- Declaração de Virgínia, de 1776: expressa com
nitidez os fundamentos democráticos,
reconhece de direitos natos de toda a pessoa
humana, os quais não podem ser alienados ou
suprimidos por uma decisão política.
- Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789: Consagração dos direitos
humanos a partir do desenvolvimento no séc.
XVII e XVIII, das teorias contratualistas (HOBBES,
LOCKE E ROUSSEAU), da laicidade do direito
natural, e da ideia de dignidade humana
(IMMANUEL KANT).
Sobre a dignidade, KANT conceitua como sendo
a qualidade daquilo que não tem preço e a sua
atribuição ao ser humano, justamente porque não
é instrumento, senão um fim em si mesmo.
• CONTEMPORANEIDADE:
- Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
1948: Carta composta de 30 artigos, aprovada
unanimemente pela Assembleia da ONU,
afirmando em seu Artigo 1º que “todos os
homens nascem iguais em dignidade e direitos”.
Para FLÁVIA PIOVESAN, a Declaração de 1948
acaba por inovar o conceito de direitos humanos, ao
introduzir a chamada concepção contemporânea
que é uma “unidade indivisível, interdependente e
inter-relacionada, na qual os valores da igualdade e
liberdade se conjugam e se completam”.
Segundo, NORBERTO BOBBIO,
“O início da era dos direitos é reconhecido com o pós-
guerra, já que somente depois da 2ª Guerra Mundial é
que esse problema passou da esfera nacional para a
internacional, envolvendo – pela primeira vez na
história – todos os povos da Terra”.
No mesmo contexto, FLÁVIA PIOVESAN defende a
força jurídica da Declaração de 1948:
“(...) a Declaração Universal de 1948, ainda que não
assuma a força de tratado internacional, apresenta
força jurídica obrigatória e vinculante na medida em
que constitui a interpretação autorizada da expressão
direitos humanos constante dos arts. 1º e 55 da Carta
das Nações Unidas”.
DIREITOS MORAIS E DIREITOS HUMANOS
O tema dos Direitos Humanos tornou-se preocupação
comum dos Estados na atualidade, forçando-os a fazer
com que o respeito aos direitos humanos encontrasse
efetiva proteção, ou seja, para que os Estados Nacionais
"ajam" de forma ética, rompendo com a “tradição
maquiavélica” da separação entre moral e política.
Diante da "negação do valor da pessoa humana como
valor-fonte do direito", passou a emergir "a necessidade
de reconstrução dos direitos humanos, como referencial e
paradigma ético que aproxime o Direito da Moral"
(PIOVESAN)
É assim que os principais filósofos políticos do
século 20 - HABERMAS, ALEXY, DWORKING,
RAWLS, TUGENDHAT, BOBBIO - realizam essa
reflexão, tendo como "fio de Ariadne" o sistema
filosófico de IMMANUEL KANT.
Tal escolha teórica não é por mero acaso, pois o
pensamento do filósofo alemão está incluído no
projeto “Iluminista” de fundamentação da moral e
do direito. Tudo isso nos possibilita sustentar,
como hipótese inicial, que os direitos humanos
são direitos de "natureza moral".
Para HABERMAS,
“Normas jurídicas devem ser feitas de tal modo que
possam ser vistas ao mesmo tempo, como leis coativas
e como leis da liberdade. Deve ser no mínimo possível
seguir normas jurídicas não porque elas coagem, mas
sim porque são legítimas”.
Para o filósofo alemão, através dos componentes de
legitimidade da validade jurídica, o direito adquire uma
relação com a moral.
Lemos a mesma sugestão em ROBERT ALEXY:
"direitos humanos são direitos morais".
Bem como sustenta CARLOS NINO: "os direitos
humanos são direitos estabelecidos por princípios
morais".
O discurso jurídico dos direitos humanos mostra
sua verdadeira face como direitos morais,
principalmente nas controvérsias constitucionais,
quando reivindica um discurso justificatório mais
amplo, aberto às razões de ordem pragmática e
ética.
Para TUGENDHAT, a "fundamentação" filosófica
dos direitos humanos é uma "fundamentação"
moral, assegurando o que ele denomina de
"justificação moral do estado" em contraposição
à "justificação contratualista clássica“.
O PARADIGMA MORAL KANTIANO
De acordo com HÖFFE, o filósofo de Königsberg já
havia estabelecido para a "ideia moderna dos Direitos
Humanos o mais elevado padrão de medida". Ou seja, a
"ideia de razão prática kantiana" é fundamental para as
tentativas contemporâneas de legitimação dos direitos
humanos.
Na recente discussão sobre a justificação de juízos
morais, Kant opõe-se aos princípios utilitaristas, ao
relativismo, ao ceticismo e ao dogmatismo na ética.
Para o filósofo alemão, a razão prática não é simples
instrumento para administrar interesses, tendo-se em
conta as necessidades sensíveis e vitais.
• O KANTISMO:
Foi na obra Fundamentação da
Metafísica dos Costumes que Kant, em
1785, reassentou a moralidade em novas
bases, resumidas, no que ele denominou
“imperativo categórico”.
O imperativo categórico, em termos gerais, é uma
obrigação incondicional que temos independentemente
da inclinação da nossa vontade ou desejos. Tal
imperativo é imposto pela Razão Prática e expresso na
seguinte fórmula, que deve ser norteadora das
condutas:
“Age de tal modo que a máxima da tua ação possa
se tornar princípio de uma legislação universal”
Na filosofia kantiana, os homens não são seres
restritivamente morais, mas seres submetidos à
causalidade necessária da natureza, ou seja, são
estimulados por uma gama de móbiles oriundos de
desejos, paixões, emoções, motivos particulares; e isso
acaba desviando-os da conduta moral.
Deste modo, a Razão deve assumir a forma de um
Dever. Significando com isso que, o homem deve fazer
somente aquilo que também seja possível ser feito pelas
demais pessoas, sem prejuízo da humanidade.
Essa lei universal tem em sua origem uma prioridade:
o dever de valer para todo o ser racional em geral,
devendo todos serem considerados entes de valor
absoluto, pois são insubstituíveis.
Além daquela fórmula geral do Imperativo Categórico,
Kant extrai uma segunda formulação. Esta sim, núcleo
central dos estudos ético-jurídicos sobre o tema:

“Age de tal forma que uses a humanidade, tanto


na tua pessoa, como na pessoa de qualquer
outro, sempre e ao mesmo tempo como fim e
nunca simplesmente como meio”.
Tratar as pessoas como fins em si mesmas implica não
só o DEVER NEGATIVO de não prejudicar ninguém, mas
também o DEVER POSITIVO de agir no sentido de
favorecer a felicidade e o reconhecimento de direitos e
liberdades individuais em cada ser humano.
Kant contribuiu de forma muito valiosa para a
construção de um ideal humanitário. De sua obra
pode-se extrair que a noção de dignidade é de
imensa relevância axiológica.
Do imperativo categórico de Kant fica a noção
de que a dignidade é intrínseca ao homem, sendo
esta impossível de relativização por parte do
Estado ou da sociedade.
Todo ser humano tem um "valor absoluto“
porque é capaz de "boa vontade", isto é, porque
pode colocar seu agir sob o ditame da razão
prática. Isto o torna um sujeito autônomo.
Se a razão é incondicionalmente legisladora,
então, nenhuma regra de decisão da razão
instrumental, estratégica ou prudencial,
nenhuma racionalidade "meios-fins", poderá
substituir os papéis absolutamente inalienáveis
da razão.
Nós nos distinguimos de todos os outros
seres por meio da capacidade de escolha
racional de nossas ações. Portanto, a condição
para a ação moral é a "autonomia" - a
capacidade que cada um de nós tem de impor
restrições morais a nós mesmos.
Assim, quando nossas ações refletem
somente nossos desejos e inclinações
(imperativos hipotéticos), elas não são livres
e, consequentemente, não têm valor moral,
uma vez que a moralidade exige a liberdade.
Existe, segundo Kant, um princípio moral,
objetivamente válido e universalmente
vinculante, acessível ao conhecimento
humano, que estabelece uma linha divisória
inalterável entre o moral e o imoral, o justo e
o injusto.
Podemos afirmar então, que o conceito-
chave do pensamento kantiano, que permite
a passagem da moral para o direito, será o
conceito de liberdade, ou seja, de razão
autônoma, de vontade livre.
Uma vez que o sistema de direito começa
com um único direito inato que todo ser
humano tem em virtude de sua humanidade
ou natureza racional - o direito à liberdade
ou a independência de não ser coagido pela
vontade arbitrária de outro
A liberdade, utilizada por Kant como
fundamento da moralidade, não se restringe à
sua conduta subjetiva do indivíduo , mas é
também liberdade partilhada.
O problema central da vida política está,
pois, na administração legal da liberdade, já
que todos os seres humanos são igualmente
livres. Esse problema da comunidade política
será resolvido pela proposta de uma ordem
legal (jurídica) que deverá estabelecer e
garantir a coexistência externa e pública das
liberdades.
A vida política não exige a obediência a
princípios subjetivos, mas só o cumprimento
público da lei que delimita o exercício externo
da liberdade.
A delimitação da liberdade é necessária
para a vida política. Com isso, Kant vai
conceituar o direito da seguinte forma:
"O direito é, portanto, o conjunto das
condições sob as quais o arbítrio de um
pode unir-se ao arbítrio de outro segundo
uma lei universal da liberdade."
E o "princípio universal do direito" é
definido como:

“Qualquer ação é justa se for capaz de


coexistir com a liberdade de todos de
acordo com uma lei universal, ou se na sua
máxima a liberdade de escolha de cada um
puder coexistir com a liberdade de todos de
acordo com uma lei universal”.
São as máximas da moralidade que
orientam e definem as ações que a liberdade
de arbítrio pode fazer (ou deve evitar), para
que a liberdade do próximo não seja violada.
Deste modo, sintetizando o conceito e o
princípio, Kant formula a "lei universal do
direito" de modo imperativo (uma ordem):
“age externamente de modo que o livre
uso de teu arbítrio possa coexistir com
a liberdade de todos de acordo com
uma lei universal.”
Pode-se dizer que a "lei universal do
direito" é o imperativo categórico da vida
social.
A liberdade é, segundo Kant, o supremo
direito humano, fundador de todos os
outros.
A liberdade compatibilizada com a
liberdade dos outros, é o único direito inato,
que precede toda a legislação positiva e que
serve de critério de sua legitimidade.
Enfim, Kant fundamenta o direito, o
Estado e a própria moral na razão prática.
O critério kantiano de direito implica um
critério pelo qual todas as leis positivas são
julgadas a respeito de sua legitimidade,
sendo legítimas apenas aquelas prescrições
jurídicas que garantem, conforme leis
estritamente universais, a compatibilidade
da liberdade de um com a liberdade de
todos os outros.
Na visão kantiana, os direitos humanos são
aqueles direitos que competem a todo ser
humano como tal, independentemente de
circunstâncias pessoais, de constelações
políticas e de condições históricas.
Como é juridicamente lícita toda ação que
seja compatível com a liberdade de todos os
outros, a liberdade acaba sendo o único
direito humano; ou, poder-se-ia dizer, que é
o único critério de todos os direitos
humanos.
Por fim, cabe, então, aos operadores do
Direito o papel de transformação da
realidade social, utilizando a DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA como
HERMENÊUTICA a partir da Constituição
Federal, objetivando sempre a ampliação
do princípio para além das fronteiras das
palavras, reconhecendo que só evoluiremos
se pudermos assumir um projeto de vida
que leve em consideração nossa essência:
seres LIVRES E SOCIAIS!!!

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