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O Livro de Artista: da Ilustração ao Objeto

Annateresa Fabris
• Produção típica dos anos 60, que não se esgota;

• Numa primeira significação, que terá seu ponto inicial em William Blake, ilustrador
dos próprios poemas (Songs of innocence, 1789 e Songs of Experience, 1794) ‑ e
de Night Thougths (1797) de Edward Young, o livro de artista definir‑se‑á como
ponto de encontro entre arte e literatura.

Fonte:

http://www.tate.org.uk/art/a
rtists/william-blake-
39/blakes-songs-innocence-
experience

William Blake Songs of William Blake Songs of


Experience title page 1794 Innocence title page 1789
Copy F, plate 33 Copy F, plate 2
© Yale Center for British © Yale Center for British Art,
Art, Paul Mellon Collection Paul Mellon Collection
Blake, William. [Winged Time] in Edward Young. The Complaint, and the Consolation, or, Night Thoughts.
London: R. Noble for R. Edwards, 1797. Hand-colored engraving. Rosenwald Collection, Rare Book and Special
Collections Division, Library of Congress. Fonte: https://primarysourcenexus.org/2014/04/featured-image-
winged-time/
• Dois tipos de expressão se encontram para constituir a “arquitetura” do livro;

• No processo de afirmação do livro de artista, alguns elementos devem ser levados em


conta:

• 1 ‑ a renovação da concepção de livro em geral quando da fundação da Kelmscott


Press em 1890. Para William Morris, o livro era uma arquitetura, na qual cada
elemento – papel, tinta, tipos, espaçamento, margens, ilustrações ‑ devia ser
considerado em si e em suas relações recíprocas com o conjunto. Com isso, Morris
objetivava criar no leitor um prazer sensual que, aliado à concepção intelectual do livro
como “estrutura controlada”, permitisse uma fruição integral;

• 2 ‑ o papel das vanguardas históricas que, ao produto anônimo da indústria editorial,


opõe “criações pessoais”, Fruto do trabalho conjunto de artista, escritor, diagramador;

• 3 ‑ o surgimento de editoras especializadas ‑ Vollard, Kahnweiler, Cranach Press


(fundada em Weimar em 1913, de acordo com os princípios da tradição gráfica inglesa
de fins do século XIX), Skira, The Limited Editions Club, cuja publicação mais ambiciosa
é Ulisses de Joyce/Matisse, datada de 1935.
• Num primeiro momento, o livro de artista interessa mais de perto aos bibliófilos, os quais,
entre as técnicas de reprodução, privilegiam a xilogravura, sem que isso impeça,
entretanto, experiências bem sucedidas com a litografia ou a água-forte. Nas décadas de 40
‑ 50, com o predomínio da impressão a cores, o livro de artista acaba por impor‑se no
mercado de arte em geral. Este interesse mais amplo transformará o livro de artista em
objeto raro, propiciando o desenvolvimento da edição de luxo, do livro‑objeto, do livro
único, criado freqüentemente para um colecionador, das encadernações artísticas, através
das quais se pretende estabelecer uma relação ativa entre capa e texto, um continuum
entre exterior e interior;

• É contra essa tendência exclusivista, que vê no livro um objeto de contemplação, que irão
reagir os artistas das décadas de 60‑70. Apoiados no conceito de arte “não objetual” e
enfatizando o processo de comunicação, ampliam a concepção de livro de artista, que se
torna prevalentemente o suporte de uma “documentação” peculiar, posto que seus
objetos/eventos só podem existir sob a forma de material verbo‑visual. Neste momento, o
livro tout‑court, isto é, como produto serial, como seqüência espacial‑cinética que
determina uma informação intrínseca ao próprio processo artístico;

• De diálogo com a literatura, o livro de artista transforma‑se numa estrutura intelectual, que
revela a pesquisa inerente às operações artísticas, que enfatiza o processo de leitura em
detrimento da percepção, o conceito em detrimento da contemplação;
• A mostra de Leverkusen (“Conceptual art, no‑object”, 1969) é um exemplo
significativo desta atitude: existiu apenas no catálogo, onde cada artista teve à
disposição cinco folhas que pode aproveitar livremente. O catálogo enquanto
exposição só é possível porque o tema da mostra conceitual é a arte que se
apresenta como totalidade. A obra e o artista não tem caráter individual, mas se
equivalem pelo sentido comum de sua participação;

• Outras vezes, o catálogo pode constituir uma exposição paralela, elaborada com
material original, não apresentado na “mostra física”;

• A conversão da forma em informação radicaliza, nos anos 70, o alcance e a


multiplicação das experiências com livros de artista;

• Se o livro de artista se torna um veículo dominante entre nós nos anos 70‑80, não
se pode esquecer que ele vem precedido, da década de 50, pela experiência do
livro‑poema, oriunda da práxis neoconcreta;
• O livro A Ave (1956), de Wlademir Dias Pino, inova em vários níveis. A estrutura
física do livro é parte integrante do poema, pois ele só existe a partir da
manipulação criadora do fruidor, que determina o ritmo de leitura, suas
possibilidades de decodificação, as relações espaciais entre página e página, a
separação, desejada pelo autor, entre a escrita e a leitura. A fusão de gráficos,
palavras, transparências, perfurações, cria um código espacial, no qual as
informações se superpõem e se particularizam num jogo de remissões que
multiplica os significados verbais e visuais, que transforma o poema numa
estrutura perceptiva constantemente ressemantizada numa “armadilha visual”,
que obedece a uma lógica interna, auto‑referencial.

Wlademir Dias-Pino, A Ave (1956)


Courtesy: the artist
Fonte: http://www.oei.nu/w/2.html
• Lygia Pape (Livro da Criação, 1959):
• As tendências atuais do livro de artista, ao postularem o objeto sensual,
novamente rebuscado, ‑que, à dimensão semiótica do momento conceitual,
contrapõe a busca intensa da cor, de formatos inusitados, o uso de técnicas como
a colagem, o recorte, o relevo, apontam claramente para a retomada da tradição
dos anos 40‑50;

• Renovação da prática do livro artesanal (Hélio Fervenza);

• As várias vertentes pelas quais o livro de artista se explicitou no nosso século


parecem constituir uma clara demonstração de que ele representa uma expressão
visual autônoma que pode injetar no livro tradicional uma relação mais
estimulante entre texto e imagem.
• Série de livros de artista produzidos pela artista Guita Soifer;

• Artur Barrio
Livro de carne, 1978-1979
 

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