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“O feminino e a professora: a mulher e o trabalho docente.

"

OS FIOS DIALÓGICOS DA LINGUAGEM COTIDIANA


TECENDO A DOCÊNCIA DO UNIVERSO FEMININO

Gláuci Helena Mora Dias


Mestre pela Faculdade de Educação da (FE-USP) Professora da Veris
Faculdades e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre
Alfabetização e Letramento (GEAL-USP)
Aparição de um rosto e de uma fruteira na
praia (1938), de Salvador Dali
LINGUAGEM DO COTIDIANO
Apropriamo-nos da concepção dialógica de linguagem
de Bakhtin, na qual a comunicação verbal não pode ser
compreendida fora de sua ligação com uma situação
concreta, numa perspectiva de totalidade, integrada à
vida humana.

A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico


(semiótico) e, consequentemente, somente no processo de interação social. (Bakhtin,
2006:34)

A lógica da consciência é a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um


grupo social. (Bakhtin, 2006:36)

(...) o estudo das ideologias não dependem em nada da psicologia e não tem
nenhuma necessidade dela. (Bakhtin, 2006:36)
Se privarmos a consciência de seu
conteúdo semiótico e ideológico, não
sobra nada. A imagem, a palavra, o
gesto significante, etc. constituem o
abrigo da consciência.
Fora desse material, há apenas o simples
ato fisiológico, não esclarecido pela
consciência, desprovido do sentido que
os signos lhe conferem. (Bakhtin,
2006:36)
“Percebam como muitas vezes dizemos coisas das quais nos
arrependemos, sobretudo quando tomamos consciência de que
estamos apenas dando prosseguimento a conceitos alheios,
quando não aos mais arraigados preconceitos, a idéias que
circulam pela sociedade e as quais assumimos como se fossem
carregadas da mais completa originalidade. Em quantas
discussões nos envolvemos, defendendo ou criticando temas
como a prática do aborto, a pena de morte, o parlamentarismo,
o presidencialismo e outros, sem nos darmos conta de que sobre
eles pouco pensamos e , menos ainda, amadurecemos pontos de
vista. Por estas constatações dá para entender por que é
necessário existir uma relação menos ingênua, mais crítica, com
os discursos.”

• CITELLI, Adilson.(1994). O Texto Argumentativo. São Paulo: Scipione


sexismo da linguagem:
- palavra homenagem;
- concordâncias;
- Adjetivos pejorativos (biscate, cachorra, vagabunda
etc.);
 Deus e Alá (substantivos concretos??) – “ Mentiras
que parecem verdades”, de Umberto Eco e Marisa
Bonazzi;
 a palavra velho - “Contra o Consenso: cultura
escrita e participação social, de Luiz Percival Leme
Britto;
 mongoloide/ portador de necessidade especial.
Todos os diversos campos da atividade
humana estão ligados ao uso multiforme e
complexo da linguagem, o que explica ainda
mais o poder desta. (Bakhtin, 2003)

A vida cotidiana é, sobretudo, a vida com a


linguagem. É pela linguagem que participamos
com o outro, que coexistimos, que podemos
transcender o plano da realidade e do cotidiano
para vivenciarmos a literatura, o sonho, o
devaneio, aquilo que compartilhamos, aquilo em
que acreditamos, o que conhecemos e que
poderemos conhecer.
Conhecer e dominar as nuanças da linguagem
humana significa, pelo menos em princípio, ter
autonomia e acesso livre ao conhecimento e à
lei da convivência em sociedade; é poder evitar
a manipulação de um sistema social alienante.

É também dominar o jogo da linguagem para


impressionar, para mudar comportamentos,
para atuar sobre o outro, visando sempre a
uma intenção, com atitudes ativas e
reflexivas.
 Para se refletir sobre construção da
imagem da mulher no trabalho docente
ou, mais especificamente do modo
como a docência se alimenta dos
discursos do cotidiano, é necessário
problematizar os fios dialógicos das
leituras e das imagens, linguagem
cotidiana, tramados pelo universo
social e escolar.
Autores e artistas escrevem,
desenham, descrevem, e o modo de
ler-e-ver de muitos é entrelaçado por
interpretações que constituem modos
femininos para a docência.
TRAMA DOS FIOS DIALÓGICOS...
Com licença poética
Quando nasci um anjo esbelto, Adélia Prado
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada. O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode, Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
•    De
 De Alguma poesia (1930) Carlos
(1930) Carlos Drummond de Andrade
As três graças, Rubens 1640
A MODELO DE 2010...
Padrão de beleza do século XXI
EMÍLIA FERREIRO
Candido Portinari. Mulheres no Campo. 1938.
Pintura a aquarela e guache/papel-36 x 36cm. Coleção
particular, Rio de Janeiro,RJ
"Mulher e criança”, de Candido
Portinari
MULHER PAISAGEM, Dalí
ROSTO DEITADO, Dalí
Valsinha, Chico Buarque
A Princesa... Será?
• “MAS DEVEMOS DEFENDER-NOS DE
TODA PALAVRA, TODA LINGUAGEM
QUE NOS DESFIGURE O MUNDO, QUE
NOS SEPARE DAS CRIATURAS
HUMANAS, QUE NOS AFASTE DAS
RAÍZES DA VIDA.”
(Érico Veríssimo)
 
XLVI - Deste Modo ou Daquele Modo
•  
 
Procuro despir-me do que aprendi.
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me
ensinaram,
e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar minhas emoções verdadeiras.
Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro,
mas um animal humano que a natureza produziu.
Mas isso (triste de nós que trazemos a alma vestida!),
isso exige um estudo profundo,
uma aprendizagem de desaprender...
Alberto Caeiro
•     
Assim...
Importa despir as vestes com que pintaram os sentidos do
feminino na educação para que se possibilitem novos
olhares. Olhares que construam o autoconhecimento e
autolapidação do ser docente para uma consciência do seu
estar no mundo e ser desprovido da tinta social, que sufoca,
oprime e pintou os sentidos de um viver irreal.
Com uma reflexão contextualizada e sentida sobre os
fatores interferentes na profissão docente, principalmente no
que tange à insatisfação, amplia-se a compreensão sobre a
condição de ser professora, redimensionando o seu papel na
busca de um ensino de qualidade em uma escola real com
seus conflitos e significados.
Dessa maneira, em processo de
refutação do estabelecido, o ser
humano docente poderá
constituir-se como sujeito do
próprio fazer pedagógico.
Pixinguinha por Marisa Monte:
A Rosa
REFERÊNCIAS
• BAKHTIN, M. Estética da criação verbal.São Paulo: Martins Fontes, 2003
• _________.Marxismo e filosofia da lingagem. São Paulo: Editora Hucitec,
2006.
• BARTHES, Roland. O rumor da língua.Tradução Mario Laranjeira, São
Paulo:Editora Brasiliense, 1988.
• ________. A aula.Tradução Leyla Perrone – Moisés.São Paulo: Cultrix,
2004.
• ________. O prazer do texto.Tradução J. Guinsburg. São Paulo:
Perspectiva, 2006.
• KRAMER, S. Leitura e escrita como experiência – notas sobre seu papel
na formação.In ZACCUR, E. A magia da linguagem. Rio de Janeiro,
2000.
• PERISSÉ, Gabriel. Filosofia, ética e literatura: uma proposta pedagógica.
São Paulo: Manole, 2004.

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