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Orçamento

Mendes, M. 2008. Sistema orçamentário brasileiro: planejamento, equílibrio fiscal


e qualidade do gasto público, Texto para Discussão, Consultoria Legislativa do
Senado
Organização geral para o processo
orçamentário
Hierarquia de três leis ordinárias:

1) Lei do Plano Plurianual (PPA)

2) Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)

3) Lei Orçamentária Anual (LOA)


PPA
 Mais abrangente
 Duração de quatro anos
 Tem por função principal fixar diretrizes,
objetivos e metas para as despesas de
capital (investimentos públicos) e para as
despesas de duração continuada
Instrumento de planejamento de longo
prazo
LDO
 Não pode conter dispositivos que contrariem o
PPA
 Tem por função principal fixar os parâmetros
gerais para orientação do orçamento do ano
seguinte, estabelecendo suas metas e
prioridades
 Tem validade de um ano
LOA
 Não pode conter dispositivos que
contrariem o PPA e a LDO
 Tem vigência anual
 Tem por função principal estimar a receita
pública e fixar a despesa para o exercício
financeiro
Característica importante do modelo
A vigência do PPA não é coincidente com o período de
mandato presidencial (ele cobre o período de quatro
anos que vai do segundo ano de mandato do
Presidente da República até o primeiro ano de
mandato do próximo Presidente)

Objetivo implícito: induzir uma continuidade no


processo de planejamento do setor público
LRF: introduziu progressos importantes no
processo orçamentário
1) Reforçou o papel da LDO como instrumento de imposição de
equilíbrio fiscal :
 Determinou que a LDO deve dispor sobre o equilíbrio de
receitas e despesas
 Determinou que a LDO deveria conter anexos de metas e
riscos fiscais
2) Estabeleceu que o Poder Executivo deve, a partir da aprovação
da LOA, estabelecer uma programação financeira e um
cronograma mensal de desembolso
Execução de receitas e despesas incompatível com o
cumprimento das metas de resultado primário e nominal,
abre a possibilidade de contingenciamento do orçamento
Avaliação do sistema orçamentário
1) Realidade política contraria a sistemática de
executar PPA de Governo anterior
Prática tem mostrado que os PPA são
ignorados como instrumentos de transição
2) Sistema político faz com que a prioridade seja
a LOA
Avaliação do sistema orçamentário
3) Inconsistência nos prazos de tramitação que ocorre nos anos
de aprovação de um novo PPA
2007:
Projeto da LDO tem que ser encaminhada ao Congresso até 15 de
abril e ser aprovada até 30 de junho
Projeto do PPA e da LOA devem ser encaminhados ao
Congresso até 31 de agosto
Resultado: no primeiro ano de vigência do PPA, a LDO precede
o PPA o que inverte a lógica do processo
LOA: elaboração e execução

Três principais fases do processo


orçamentário:
1) Elaboração pelo Poder Executivo
2) Alteração pelo Poder Legislativo
3) Execução pelo Poder Executivo
Elaboração pelo Poder Executivo
1) Ministério do Planejamento: Da estimativa de receitas
desconta os valores a serem empregados em despesas
obrigatórias e o valor fixado na LDO para o resultado
primário. O que sobre é destinado às despesas não
obrigatórias de custeio e investimento
2) Ministério do Planejamento : De posse deste valor fixa cota
de despesa para cada ministério. Cada ministério aloca
internamente os recursos e enviam suas propostas de volta
ao Ministério do Planejamento que as consolida e repassa
um proposta de orçamento ao Presidente da República para
envio ao Congresso
Alteração pelo Poder Legislativo
 Parlamentares têm forte incentivo para aumentar a despesa prevista no
orçamento para atender seus interesses eleitorais e de grupos de pressão
 Montante total de recursos disponível para as emendas provém de duas
fontes: elevação de receita ou corte de algumas categorias de despesa
 Ponto fundamental da tramitação do orçamento: reestimativa das receitas.
Assim que inicia a tramitação do projeto da LOA, um relator é nomeado
para checar a estimativa de receitas feita pelo poder executivo
 Congresso sempre considera que o Executivo subestimou a receita e a
reestima para cima, abrindo espaço para que os parlamentares introduzam
no orçamento mais despesa, via emendas.
 Processo decisório do orçamento:
jogo cujo processo central envolve a
fixação da receita pelo Executivo e
sua reestimativa pelo Legislativo
Resultado da reestimação das receitas
pelo Legislativo:
1) Sabendo que o Legislativo vai reestimar para cima a receita, o
Executivo tem incentivos para enviar ao Congresso uma receita
subestimada.
2) Principal objetivo dos parlamentares ao reestimar a receita é dispor de
recursos para aumentar a despesa de investimentos, quase sempre
aqueles de interesse das suas bases eleitorais ou de seus financiadores de
campanha
Executivo envia um orçamento ao Congresso com poucos
investimentos, pois sabe que o Legislativo vai ampliá-los. O Executivo,
então, faz o contingenciamento dos recursos a fim de controlar a base de
apoio e manter o equilíbrio fiscal, mas executa parcialmente as
demandas do Legislativo.
 Principal ação do Congresso na
transformação do orçamento proposto
pelo Executivo: elevar a receita estimada
e utilizar esses recursos adicionais para
introduzir, via emendas, mais despesas de
investimento.
Execução pelo Poder Executivo
 Aprovada a LOA pelo Congresso, ela deve ser sancionada
pelo Presidente da República
 Vetos ocorrem, mas o que afeta de forma significativa o
orçamento é o contingenciamento (“limitação de empenho
e movimentação financeira”).
 Publica-se um decreto do Presidente impondo limites à
despesa e na medida em que a receita vai entrando no
cofre do Tesouro as verbas vão sendo liberadas.
Execução pelo Poder Executivo
 Existência do contigenciamento faz surgir o debate
sobre o “orçamento obrigatório”
 “Orçamento obrigatório”: consiste em proibir o Poder
Executivo de contingenciar a liberação das verbas;
100% dos recursos previstos devem ser liberados para
gastos
 Forma heterodoxa de execução do orçamento:
contingenciamento
 Reforça os poderes do Executivo para atingir os seus
objetivos principais: cumprir as metas fiscais e
controlar o voto dos parlamentares
Mecanismo utilizado: “Restos a pagar”
 Despesa pública se faz em três estágios: “empenho”,
“liquidação” e “pagamento”

 Valor empenhado é o valor que o Estado reservou para


efetuar um pagamento planejado. O empenho ocorre, por
exemplo, após a assinatura de um contrato para prestação
de serviço. Neste caso, quando o serviço for executado, o
valor é liquidado e, quando o prestador do serviço de fato
receber o valor, ele é considerado valor pago
Avaliação do processo orçamentário
 Sucesso do ponto de vista do cumprimento das
metas de superávit primário.
 Processo de liberação de recursos degenerou
para um mecanismo direto de suborno de
congressistas e para o uso de emendas
parlamentares como instrumento de desvio de
recursos.
Avaliação do processo orçamentário
 Impacto negativo sobre os preços dos produtos por causa da
incerteza dos fornecedores do Governo quanto ao momento do
pagamento.
 Elevado custo de transação. Lobistas de empresas, assessores
parlamentares e beneficiários de programas públicos
pressionam pelo empenho e liquidação da despesa e depois
pelo pagamento de restos a pagar. Oportunidades de corrupção.
 Dificuldade de administração dos programas devido à falta de
regularidade e previsibilidade na liberação de recursos.
 Uso da liberação de recursos de emendas parlamentares como
instrumento de cooptação política faz com que os recursos
sejam liberados sem análise adequada da qualidade dos
projetos financiados.
Conclusão
O sistema orçamentário brasileiro é dominado por ações de
curto prazo
Não existe de fato um sistema de planejamento de médio e
longo prazo
O sistema de planejamento baseado no PPA é simplesmente
uma formalidade burocrática, conduzida a reboque da
execução cotidiana do orçamento
Pré-condição para acabar com o regime de
contingenciamento, sem comprometer o equilíbrio
fiscal: conter a rigidez e o ritmo de crescimento da
despesa.
Foco no curto prazo:

Decorrente de um sistema fiscal baseado em despesas


obrigatórias e quase-obrigatórias rígidas e crescentes
Histórico
Constituição de 1988
 Descentralização de recursos, através do aumento das
transferências obrigatórias para estados e municípios
 Vinculação de receitas de alguns tributos e contribuições a
despesas de alguns setores
 Fixação de despesas obrigatórias em algumas áreas (saúde,
previdência, etc...)
Resultado: orçamento rígido (previamente alocado por
determinações constitucionais e legais) e com despesas
crescentes
Forma disponível para lidar com o desequilíbrio fiscal
crônico
1) Contingenciamento de despesas
2) Expansão da receita fiscal
2.1) Elevação de impostos apresenta dois problemas:
i) os principais impostos são partilhados com
estados e municípios; ii) a Constituição estabelece
que 20% da arrecadação de qualquer imposto novo
criado pela União deve ser partilhado com estados e
municípios.
2.2) Criação e elevação de alíquotas de contribuições sociais e
econômicas
Vantagem: não compartilhamento e não sujeição ao princípio da
anualidade
Desvantagem: contribuições são, por definição, vinculadas às
ações para as quais foram criadas
Todas as contribuições sociais sobre a folha de pagamentos,
receita, lucro ou faturamento de empresas devem ser
destinadas ao custeio de ações da seguridade social
CIDE: recursos devem ser destinados a financiar programas de
infra-estrutura de transportes, projetos ambientais e subsídios
aos preços de transportes de combustíveis
Despesas obrigatórias : aquelas que a União é obrigada a fazer por
determinação da Constituição ou de leis e que não podem ser
contingenciadas

1) Benefícios previdenciários
2) Benefícios concedidos pela Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS)
3) Abono salarial e seguro desemprego
4) Gasto em ações e serviços públicos de saúde
5) Despesa do Judiciário, do Legislativo (inclusive o
Tribunal de Contas da União) e do Ministério
Público
Problema
 Todos esses gastos crescem de forma acelerada
Benefícios da LOAS e abono salarial : indexados ao salário-
mínimo
Benefícios previdenciários : influenciados pelo valor do salário
mínimo
Valor do seguro-desemprego: não está legalmente vinculado ao
salário-mínimo, mas recebe sua influência
Ampliação dos beneficiários também faz com que essas
despesas se acelerem
Despesas “quase obrigatórias”

 Despesa de pessoal e encargos sociais


 Bolsa Família
 Subsídios creditícios e apoio financeiro à agricultura
 Educação (programas federais de merenda escolar,
apoio ao transporte escolar, complementação da
União a verbas do Fundeb)
Vinculação de receitas
Receita vinculada é aquela proveniente de
tributo ou contribuição cujos valores
arrecadados são direcionados, por lei ou pela
Constituição, a uma determinada despesa.

Por definição todas as contribuições são


vinculadas a algum tipo de despesa.

Constituição também prevê a vinculação de


impostos e taxas.
Principais vinculações do orçamento federal
 18% da receita de impostos da União devem ser aplicadas
na manutenção e desenvolvimento do ensino
 CSLL (contribuição social sobre o lucro líquido) e
COFINS (contribuição para financiamento da seguridade
social): financiam a seguridade social
 PIS (contribuição para o Programa de Integração Social) e
PASEP (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor
Público): 60% para o FAT (Fundo de Apoio ao
Trabalhador) para custear o seguro-desemprego, o abano
salarial e programas como treinamento e requalificação da
mão-de-obra e 40% repassados ao BNDES para financiar
programas de desenvolvimento econômico
 CIDE (Contribuição de intervenção no domínio
econômico): vinculada à aplicação em pagamento de
subsídios a preços ou transporte de álcool combustível,
gás natural e seus derivados e derivados de petróleo;
financiamento de projetos ambientais relacionados com a
indústria de petróleo e gás; financiamento de programas
de infra-estrutura de transportes
Vinculação de receitas
Problema: a princípio a vinculação de uma receita a
uma despesa tornaria essa despesa tão rígida quanto
uma despesa obrigatória. Se o governo é obrigado a
aplicar x% de um imposto em um dado gasto e se a
arrecadação de tal imposto cresce, o gasto ao qual o
imposto está vinculado também crescerá.
Isso é verdade somente no caso de vinculações de
receitas tributárias a transferências constitucionais e
legais.
No caso de vinculações de receitas a órgãos, fundos e
despesas do próprio Governo Federal, as receitas
vinculadas podem ser contingenciadas.
 Podendo haver o contingenciamento, a vinculação de
receitas não gera, automaticamente, despesa. Assim,
em termos de rigidez da despesa, as receitas
vinculadas representam um problema menor que as
despesas obrigatórias e semi-obrigatórias.
 Parte das receitas vinculadas foi de fato jogada para
restos a pagar.
Problema
 Se não for gasta na finalidade à qual está vinculada, a
receita vinculada não pode ser empregada em
nenhuma outra despesa. Este é um problema se o
objetivo da geração de superávits é o pagamento dos
juros da dívida.
 Vale a pena contingenciar os recursos, ainda que eles
não possam ser usados para pagar os juros da dívida:
os recursos em caixa, por consistirem um ativo do
Tesouro reduzirão a dívida líquida do setor público.
Solução parcial para o problema
 Desvinculação das Receitas da União (DRU), que
também já foi chamada de Fundo Social de
Emergência (FSE) e de Fundo de Estabilização Fiscal
 Principal função da DRU: permitir o livre uso de
recursos arrecadados por contribuições sociais (seja
para finaciar despesas primárias ou o pagamento de
juros da dívida pública)
 Desvinculação permite que pelo menos os 20% que a
DRU desvincula da finalidade original sejam
livremente utilizados para o pagamento de juros.
Conclusão
Principais ingredientes da política de execução
orçamentária:
 Elevação da carga tributária através do aumento de
contribuições sociais.
 Contingenciamento de gastos, em especial de
investimentos
Resultado: Sucesso no cumprimento de metas fiscais,
mas ausência de preocupação com a qualidade do
gasto e a relação custo-benefício dos programas
públicos.
Novo regime fiscal
 Deve estancar o crescimento da despesa obrigatória e quase-obrigatória
92% da despesa primária total é obrigatória ou quase obrigatória , o que
implica um alto grau de rigidez do orçamento e a impossibilidade de
grandes ajustes orçamentários no curto prazo
Controlar as despesas obrigatórias e quase-obrigatórias implica um alto custo
político
Exemplo:conceder reajustes menos generosos para o salário mínimo,
desvincular os benefícios previdenciários do salário mínino, adequar os
parâmetros de concessão de benefícios previdenciários às mudanças
demográficas, flexibilizar a regra de gasto mínimo em saúde e de
transferências a estados e municípios, impor limite à autonomia dos poderes
autônomos, investir em uma política de pessoal racional com perspectiva de
longo prazo.

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