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Assim na terra como

embaixo da terra
Ana Paula Maia
Pouco havia restado, fossem homens ou animais. Enxadas e foices
permanecem largadas nos cantos das plantações ressequidas pela falta de
chuva. Um córrego estreito e malcheiroso fornece água, porém mingua
visivelmente dia após dia, sugado pelo calor intenso que o evapora e deixa
o ar úmido e pesado. Ainda há movimentação no galinheiro e alguns
grunhidos na pocilga, o que garante carne na panela para os próximos dias;
no mais, a escassez preocupa. Aguardam uma ordem, um comboio que virá
buscá-los e levá-los a outra parte, mas a consternação aumenta desde que
a comunicação com o lado de fora dos muros silenciou. As linhas
telefônicas estão interrompidas há dias, e a última notícia que tiveram é
que um oficial há de chegar ao local para uma inspeção final e os conduzirá
ao destino seguinte. De acordo com os cálculos, o oficial está atrasado em
pelo menos sete dias, e isso aumenta vertiginosamente o sentimento de
angústia. Tudo o que fazem é aguardar.
[...]
[...]
Ao terminar de falar, fez sinal para que os homens caminhassem em fila, à sua
frente. Em passadas comedidas, eles percorreram alguns metros até a entrada do
pavilhão oeste, local em que permaneceriam alojados. Taborda, com a ajuda de
uma lanterna, retirou as algemas dos homens, que se mantiveram aguardando
novas ordens. A um simples gesto de Taborda, os homens avançaram para dentro
do alojamento. Quatro lampiões iluminavam o local, e um cheiro azedo de suor
misturado a café velho impregnava o ar. O agente indicou dois beliches vazios e
apontou para um grande armário de aço com dezenas de portas pequenas.
Caminharam até o armário e ouviram atentos as instruções. Receberam cada um
uma chave, e seus pertences deveriam caber naquele espaço espremido. Os
homens não levavam muita coisa, somente algum dinheiro, cigarros e pinga em
garrafas plásticas. Alguns presos estavam espalhados pelo local e observavam a
movimentação dos novos companheiros. Bronco Gil, sem dizer uma palavra
sequer, impôs respeito pelo porte físico, pelo olho de vidro e pelas marcas de
facada pelo corpo. Evidentemente, ninguém iria procurar problemas com ele.[...]
[...]
Bronco Gil abre o olho lentamente. Tem um gosto ruim na boca. Senta-
se na beira da cama com a sensação de ressaca. Vai até o banheiro e
enfia a cabeça embaixo da torneira da pia. Com a concha da mão, bebe
água. Esvazia a bexiga na privada e pisa numa barata atordoada que sai
dos esgotos e passa por cima do seu pé.
Do lado de fora do alojamento, busca por alguém. Não encontra
vivalma. Vai até a cozinha e não encontra Valdênio. Debaixo da
amendoeira não encontra Taborda. Não há sinal dos homens. Repara
que o jipe não está estacionado no local de costume. Bronco chama por
Valdênio. Caminha mais apressado, e aquele raro sentimento de horror
o assola.
[...]

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