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Direito das Coisas- introdução sob a perspectiva

tradicional e conforme o direito civil constitucional


Caio Pires
Email: caior.pires@gmail.com
6° semestre- ISE Censa
(DireitosReais)
Programa da aula
O conceito de direitos reais (elemento objetivo
e subjetivo). Princípios norteadores da
disciplina (unidade das situações patrimoniais,
taxatividade, tipicidade e função social)
Bibliografia indicada

• TEPEDINO, Gustavo. RENTERIA, Pablo. MONTEIRO FILHO, Carlos


Edison do Rêgo Monteiro. Fundamentos do Direito Civil. Fundamentos
do Direito Civil – Direitos Reais - Vol. 2. Editora Forense. 2021.

• MONTEIRO, Washington Barros de. Curso de direto civil, volume 3:


direito das coisas. 44ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 13/25
Direito das coisas/direitos reais
• Complexo de normas que regula as relações jurídicas referentes às
coisas suscetíveis de apropriação pelo homem (atenção: amplitude
do conceito)
Vínculo

#
Pessoa Coisa Pessoa Pessoa
Direito das coisas # Direitos reais?
• Direito das coisas (mais abrangente, não trata só de um objeto.
Por outro lado, perde a noção do direito subjetivo sobre coisas)

• Direitos reais (perde a noção do objeto em estudo e parte para


noção do direito subjetivo sobre a coisa, constituição,
modificação e extinção das situações jurídicas reais)

• Importante: saber que nem tudo que se estuda é exatamente


direito real, principalmente, posse e conjugar efeitos
Elementos da relação jurídica real
• Coisa-Objeto

• Sujeito ativo

• Relação jurídica entre sujeito e coisa como junção dos elementos dos direitos reais=
inflexão imediata (poder imediato) do sujeito sobre a coisa (ponto de partida)
Inerência e funcionalidade (submissão das coisas as deliberações do titular)

• Teoria realista vs. teoria personalista (ponto de chegada dos elementos dos direitos
reais)
Coisa- aspectos centrais da definição
• Bem jurídico ou objeto de direito =termo geral
(inclusive os existenciais) # coisa, conceito específico
(que é o objeto, propriamente dito, da relação
jurídica real)
Coisa= objeto de direito que tenha expressão econômica
(direito patrimonial) e seja dotado de corporeidade
Aspecto mais óbvio: bens imateriais não são coisas
Exemplo: súmula 228-STJ
Coisa- aspectos centrais da definição e
intersecção com a relação jurídica real

Aspecto menos óbvio= se o sujeito precisa exercer poder


sobre a coisa, precisa haver a possibilidade dela ser objeto de
apropriação. E só o que tem expressão econômica deve ser
objeto de apropriação

• Ou seja, deve ser possível que o bem submeta-se a sujeição


plena do titular do direito para ser chamado de coisa
Então, importância da função e utilidade econômica
(conteúdo econômico e possibilidade de trocas)
Importância da função e utilidade econômica- o
regime apropriativo: afastamentos e
aproximações
• Bens não apropriáveis com características próximas das coisa
Consequência: não utiliza regime de direito das coisas, pois, não
entra no tráfego civil/empresarial (bens fora do comércio e bens
comuns, a ver)
Não é questão de não ser tutelado, só diferente tutela
Ex: # direitos ligados mais intrinsecamente à dignidade da pessoa
humana, exige mais cuidados com outros valores, tutelas (exemplo: o
cadáver)
 
• Função utilidade ou valor econômico- uma questão de historicidade
O caso das NFT’s, bitcoins, etc
Um breve parênteses: tratamento dos bens que
tem características para, a priori, serem
considerados coisas, mas não o são e o caso dos
bens comuns
As coisas e os bens comuns
• Parecem coisas? Sim, mas, várias características desafiam a ideia de apropriação como um
todo, não submissão plena
Está no patrimônio de alguém? Sim, poderia ter conteúdo econômico, ser apropriado, mas #

• Na verdade, é como se houvessem diversos feixes de poderes que a política pública


entrega, ou não, ao proprietário e aos seus credores

• Conceito Sociedade Bens


essenciais e garantia de acesso para todos, Bem

Então, superam-se certos (exclusividade, administração do titular, etc) requisitos da


propriedade como obstáculo de acesso aos direitos fundamentais.

• Acesso (categoria autônoma) vs. Direitos do proprietário (usar, fruir e gozar)


Embora a titularidade exista o bem fica disposto ao acesso de todos e poderá ser
administrado de modo distintos ao poder do proprietário
Bens comuns exemplos- questões práticas

• Desafetação de bens públicos


Praça em nova agência do INSS-lugar de acesso ao público, independentemente
de a população frequentar, garantir o acesso
STJ, 2ª T., REsp 1.135.807/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julg. 15.4.2010.

• A questão das águas

• O caso dos commons na internet


Sugestão de leitura

• CORTIANO, Eroulths Júnior; KANAYAMA, Rodrigo Luís. Notas sobre os bens comuns.
Constituição, Economia e Desenvolvimento: Revista Brasileira da Academia de Direito
Constitucional. Curitiba, 2016, vol. 8, n° 15, jul/dez, p. 480-491, disponível em: http://
abdconst.com.br/revista16/notasEroulths.pdf

• TEPEDINO, Gustavo José Mendes; Peçanha, Danielle Tavares; DANA, Simone Cohn. Os bens
comuns e o controle de desafetação de bens. Revista de direito da cidade. Volume 13, n° 1, p.
427/445, 2021, disponível em:
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/rdc/article/view/58570/37318
O sujeito ativo

• Sujeito ativo
Pessoa física, jurídica ou ente despersonalizado que é o
titular da coisa
É quem pode retirar da coisa suas utilidades, de modo
exclusivo e contra todos (Washington de Barros Monteiro)
A relação jurídica real

• Teorias das quais se originam a diferença dos direitos


Teoria realista- poder do indivíduo sobre a propriedade era predicado de sua personalidade,
extensão natural da personalidade humana, de suas liberdades individuais. O primado direito
subjetivo e da vontade. Desconstitui o papel dos demais sujeitos, relação jurídica entre titular e
objeto de direito. Único centro de interesse direcionar-se-ia ao objeto do direito, a coisa. 
VS.
•  Teoria personalista= ética kantiana...Toda relação é entre pessoas, ainda que indeterminadas.
Porém, no direito das coisas o sujeito com que se convive é a coletividade indeterminada
Mudança tímida mas um novo olhar que dá pista à crítica que se deve fazer ao conteúdo
tradicional dos direitos reais que será apresentado
Direitos reais- principais características
• Efeitos da titularidade de um direito real

• Conceituação por distinção (a base do direito patrimonial ao longo de anos)-


direitos Reais # Pessoais (de crédito)

• Distinção central a partir da estrutura do direito real e do direito pessoal


Incidência do poder do titular direta e imediata sobre a coisa (estrutura do poder) x
direitos de crédito poder mediato sobre a coisa, com intermediação do devedor que
deve entregá-la (direitos do sujeito da relação).
Poder exercido contra todos x poder exercido contra o devedor + adesão do vínculo à
coisa (vínculo)
Objeto coisa x Objeto prestação do devedor
Desta estrutura advém...
Direitos reais- A PRINCIPAL CARACTERÍSITCA

• Eficácia Absoluta (direito real) x Eficácia Relativa (direito


obrigacional)
exclusividade das situações patrimoniais na esfera jurídica de
uma pessoa, com abstenção de intromissão dos outros sobre ela

• Dever de não fazer (erga omnes) x dar, fazer e não fazer


Caráter absoluto, em face de toda a coletividade, que deverá
respeitar o aproveitamento econômico exercido pelo titular,
chamado de erga omnes
Outras características dos Direitos Reais

• Ambulatoriedade (ex. hipoteca)


O dever jurídico acompanha a coisa, e, logo, aplica-se a todos, todos que se relacionam com a coisa

• Direito de Sequela (consequência da ambulatoriedade) – “outro lado da moeda” da ambulatoriedade,


advindo da aderência
Perseguir a coisa nas mãos de quem ela estiver

• Publicidade (tradição e registro)


Segurança das relações reais
Sem ela seria frágil a oponibilidade erga omnes dos direitos reais
Conteúdo: divulgação dos atos de constituição, transferência e extinção dos direitos reais (conhecimento das relações
jurídicas)

• Especialidade x Obrigação de dar coisa incerta (p. ex.)


Individuação do objeto de direito

• Preferência
• Creditícia e Temporal (registro anterior)
Os princípios diretivos dos direitos reais

• Taxatividade
Somente são direitos reais aquelas previstos enumerados em
lei(art.1225, mas, não só)
Não dá para exigir que pessoas criem e outras respeitem direitos. Logo,
por ser oponível erga omnes deve estar previsto em lei
# contratos podem ser inominados, atípicos, regra do art. 425, CC é
aceitar a atipicidade (consequentemente, idem obrigações)

• Tipicidade
Catálogo delimitado e rígido, ou seja, adotar a forma do direito real
prevista em lei
Outras características dos Direitos Reais- “salvam” a distinção?- perspectiva críticas
3 e talvez a chave

• Disposições Gerais
• Art. 1.225. São direitos reais:
• I - a propriedade;
• II - a superfície;
• III - as servidões;
• IV - o usufruto;
• V - o uso;
• VI - a habitação;
• VII - o direito do promitente comprador do imóvel;
• VIII - o penhor;
• IX - a hipoteca;
• X - a anticrese.
• XI - a concessão de uso especial para fins de moradia; (Incluído pela Lei nº 11.481, de 2007)
• XII - a concessão de direito real de uso; e (Redação dada pela Lei nº 13.465, de 2017)
A distinção entre direitos reais e direitos de
crédito-primeira visão crítica
A distinção entre direitos reais e direitos de
crédito- visão crítica

• Poder imediato existe na locação, comodato, contratos que transferem a


posse direta,
VS.
• Bem como não existe nas servidões negativas, hipotecas, direito de
promitente comprador (fazer, não fazer)...

• Por fim, oponibilidade é comum a ideia de não prejudicar a esfera jurídica


alheia, então...
Tutela externa de crédito e o caso Zeca Pagodinho (TJ SP, Ap n°9072385-
17.2005.8.26.0000, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Adilson
Andrade, disponível em: https://
www.migalhas.com.br/quentes/134987/tj-sp-condena-por-concorrencia-d
esleal-agencia-que-aliciou-zeca-pagodinho-a-estrelar-campanhas-da-brah
ma
• Ambulatoriedade e obrigação propter rem
Obriga o titular de direito real, ou possessório, a um comportamento diante de credor
determinado credor (titularidade como fundamento da obrigação propter rem)
“Fonte ambulatória” e o efeito liberatório

• Obrigações com eficácia erga omnes e a publicidade


Aquelas registradas para dar maior segurança
“Fenômeno apenas eficacial?” Questões muito mais funcional que estrutural alguns
efeitos da relação jurídica real, capazes de se alcançar nas relações obrigaconais
• Especialidade x Obrigação de dar coisa incerta (p. ex.)
Individuação do objeto de direito

• Preferência
Existe também entre créditos (trabalhistas e quirografários, por exemplo)

• Direito de Sequela (consequência da ambulatoriedade)


Contrato: perdas e danos vs. Prefência de execução específica (exigir que alguém
cumpra a prestação)- grande discussão (o caso da resilição contratual, por
exemplo)
• Taxatividade, tipicidade, caráter absoluto e aderência= as grandes chaves do que
concede uma distinção definitiva para o direito real? (legalidade em direitos reais)
A rigidez da taxatividade/tipicidade tem como contrapeso proteção mais forte (porque
ela é condição para o caráter absoluto/eficácia absoluta, características que dão força
jurídica à aderência)

• Problema existente
Isso afasta...Mas se as partes, ou uma delas, quiserem aproximar as características do
pessoal e real, podem? Sim, e até lei faz isso, a depender do caso
Exemplo: o registro dos contratos e as obrigações com eficácia erga omnes/escolha
entre constituir direito de crédito ou direito real
Então, tem força da lei para tornar um direito em real (mais forte), mas também tem
autonomia privada. E “essa força” é a distinção de função entre direitos
obrigacionais e reais
Desta maneira, começam a se mitigar distinções entre direitos reais e pessoais...
Assim... O caminho até o direito unitário das
situações jurídicas patrimoniais
• Situações subjetivas de crédito e situações subjetivas reais
Aproximação 1: ordenamento jurídico unitário e a Constituição da
República- mesma função regular as relações patrimoniais, vinculadas à
ordem econômica no direito privado. Maior das #’s é a situação
existencial.
Aproximação 2: Obrigação = processo polarizado ao adimplemento,
exigindo cooperação de ambas as partes para tanto (SILVA, Clóvis Couto
e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p. 20) também
nas relações jurídicas reais
A importância da aproximação 2 e uma volta as teorias personalista e
realista: a redefinição dos direitos reais a partir do conceito de situação
subjetiva complexa
Relação jurídica real
Relação real/ relação proprietária
Situação subjetiva (efeitos de exercício, transmissão, constituição e extinção de situações
jurídicas)

• Perfil estrutural
Não é só o sujeito indeterminado com quem se relaciona (teorias personalista), mas, centros
de interesse (interesse divergentes) de diversos sujeitos, os quais são antagônicos.
Comportamento/abstenção e cooperação (Entre titular de direito real e os demais)

• Perfil Funcional
Função do direito real existe entre proprietário e terceiro, proprietário e
vizinho, proprietário e Estado, proprietário e entes públicos.
Não subordinação, mas, cooperação
Uma volta as teorias personalista e realista: a redefinição dos
direitos reais a partir do conceito de situação subjetiva complexa

Ambiental

Tributário

Coisa Pessoa Vizinhos


O direito comum das situações patrimoniais

• Grande consequência
Os direitos reais também funcionam como
processo e envolvem muito mais do que o titular e
a coisa (crise das diferentes estruturas).
Uso da boa-fé objetiva nas relações reais
(jurisprudência STJ)
Revisitação das características dos direitos
reais
• Taxatividade e tipicidade
Taxatividade ou numerus clausulus = não posso opor erga omnes um arranjo que só eu e
um terceiro sabemos que existe e funciona...Reserva de lei como elemento de
segurança jurídica (mas e publicidade?)
Tipicidade # supressão da liberdade contratual no âmbito dos direitos reais (ou
autonomia privada) = modelar o conteúdo acessório flexível dos direitos reais

• Exemplos
Invenção modos e espécies de servidão
Conteúdo do usufruto, mantendo uso e gozo da coisa (divergência)
Propriedade edilícia e convenções condominiais (AIRBNB)

• Modo de transmissão contratual atípico e a interpretação do art.167, LRP


Revisitação das características dos direitos
reais- acenos à função social

• Poder absoluto do titular de situações jurídica real e direito civil constitucional


Uma nova visão da legalidade nos direitos reais (além da
taxatividade/tipicidade)- o respeito à Constituição da República e aos direitos
fundamentais
Poder imediato # poder absoluto e as situações jurídicas complexas
Vínculo mais forte (aderência+ poder) # ´”vínculo absoluto”

• O interesse público no Estado Social e os direitos reais (em especial a


propriedade)
Exemplos: as jazidas minerais, as águas, limitações ao direito de construir nas
cidades
Direito das coisas/direitos reais = distribuição e acesso
na legalidade constitucional
• Temas que acompanham a matéria segundo os princípios
constitucionais

Apropriação e utilização das coisas pelo homem de forma justa e


segura (respeito a lei e a Constituição da República). Ou seja, justiça
e segurança na distribuição dos bens corpóreos  (políticas públicas,
etc).

O desafio de construir acesso aos bens por meio dos direitos reais
(função deste de acordo com a Constituição da República)
Situações subjetiva
• Entende-se por situação subjetiva um conceito abrangente, o qual (i)
compõe-se dos efeitos que, de modo simples ou complexo, constituem,
modificam ou extinguem relações jurídicas, tais como o direito subjetivo, o
poder jurídico, o interesse legítimo, a obrigação, o ônus e assim por diante
e que (ii) pode ser visto a partir de diversos perfis (PERLINGIERI, Pietro.
Perfis de Direito Civil, 2002. p. 105). (...) Assim, o interesse resguardado
pela situação subjetiva patrimonial será vinculado ao patrimônio, à
propriedade ou ao trânsito das relações econômicas, sempre à luz do
direito vigente em determinado país. Então, conclui-se que tratar da
situação subjetiva patrimonial significa tratar de um interesse de caráter
econômico tutelado pelo ordenamento jurídico nos ditames de sua
legalidade constitucional (PERLINGIERI, Pietro, 2002. p. 105).

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