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O estatuto pedagógico da
mídia
FISCHER, Rosa Maria Bueno. O estatuto pedagógico da mídia: questões de análise.
Educação & Realidade. V.22, n.2., 1997. P.59-80.
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71363

FISCHER, Rosa Maria Bueno. O estatuto pedagógico da mídia: modos de educar na (e


pela) TV. Educação e Pesquisa, São Paulo, USP, vol. 28, n.1, 2002. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/ep/article/view/27882

COSTA DA SILVA , T.; SALAZAR GUIZZO, B. Infância e consumo no YouTube. Revista


Educação em Questão, [S. l.], v. 60, n. 65, 2022. Disponível em:
https://periodicos.ufrn.br/educacaoemquestao/article/view/28934/16187

ARAÚJO, M. B. PEDAGOGIA CULTURAL DA PUBLICIDADE DO NOVO POLO: o que


acontece quando o protagonista é gay?. Communitas, [S. l.], v. 6, n. 13, p. 154–169,
2022. Disponível em:
https://periodicos.ufac.br/index.php/COMMUNITAS/article/view/6127
Dispositivo pedagógico da mídia - modo muito
concreto de formar, de constituir sujeitos sociais,
através da prática cotidiana de produzir e consumir
produtos midiáticos.
Dispositivo pedagógico da mídia - os meios de informação e comunicação constroem significados e atuam
decisivamente na formação dos sujeitos sociais, ensinando-lhes modos de ser e estar na cultura em que vivem. [...] as
diversas modalidades enunciativas (tipos e gêneros específicos de enunciação audiovisual) dos diferentes meios e
produtos de comunicação e informação - televisão, jornal, revistas, peças publicitárias - parecem afirmar em nosso
tempo o estatuto da mídia não só como veiculadora mas também como produtora de saberes e formas especializadas
de comunicar e de produzir sujeitos, assumindo nesse sentido uma função nitidamente pedagógica.
O próprio sentido do que seja educação amplia-se em direção ao entendimento de– para os diferentes grupos sociais,
particularmente para as populações mais jovens – se fazem que os aprendizados sobre modos de existência, sobre
modos de comportar-se, sobre modos de constituir a si mesmo com a contribuição inegável dos meios de
comunicação. Estes não constituiriam apenas uma das fontes básicas de informação e lazer: trata-se bem mais de um
lugar extremamente poderoso no que tange à produção e à circulação de uma série de valores, concepções,
representações – relacionadas a um aprendizado cotidiano sobre quem nós somos, o que devemos fazer.
[...] na construção da linguagem de peças audiovisuais, delineiam-se diferentes estratégias comunicativas de formar e
simultaneamente informar. Ou seja, cada produto - um vídeo, um capítulo de telenovela, um filme, um desenho
animado, uma entrevista ou uma reportagem de TV, um documentário, um comercial - é uma materialidade discursiva,
geradora e veiculadora de discursos, e como tecnologia de comunicação e informação, constituidora de sujeitos sociais.
Descobre-se a complexidade não só dos produtos culturais (uma telenovela não seria apenas fonte de alienação, mas
igualmente locus de constituição de identidades sociais e culturais, bem como de subjetividades), mas do próprio
sujeito-receptor (que deixa de ser visto apenas como consumidor, para ser percebido como ator num espaço de
produção cultural).
Pedagogização da mídia - num tempo em que estaríamos vivendo o deslocamento de algumas funções básicas, como a
política e a pedagógica, que gradativamente deixam seus lugares de origem - os espaços institucionais da escola, da família
e dos partidos políticos -, para serem exercidas de um outro modo, através da ação permanente dos meios de
comunicação.
[...] grande parte das instituições que se ocupam da educação não só têm ficado à margem do avanço das tecnologias de
comunicação e informação, como têm mostrado uma extrema dificuldade em compreender esse novo estado da cultura,
caracterizado sobretudo por uma ampliação dos lugares em que nos informamos, em que de alguma forma aprendemos a
viver, a sentir e a pensar sobre nós mesmos.
Estamos imersos no universo audiovisual. Giroux afirma que, "as imagens eletronicamente mediadas, especialmente a
televisão e o filme, representam uma das armas mais potentes da hegemonia cultural no século XX“. Aquilo que não passa
pela mídia eletrônica cada vez mais vai-se tomando estranho aos modos de conhecer, aprender e sentir do homem
contemporâneo [...]
[...] se buscam delinear aqui modelos de construção de linguagem, na mídia eletrônica, de tal forma que seja possível
descrever como se constrói a comunicação didática com o sujeito-receptor, através de uma certa sintaxe - estruturação
de texto, seleção e encadeamento de imagens, sons, pausas, palavras, trilha sonora e assim por diante.
[...] há um "dispositivo pedagógico" na mídia, o qual se constrói através da linguagem mesma de seus produtos; há uma
lógica discursiva nesses materiais, que opera em direção à produção de sentidos e de sujeitos sociais; há uma mediação,
na relação complexa entre os produtores, criadores e emissores, de um lado, e os receptores e consumidores, de outro.
[...] a mídia, em nossa época, estaria funcionando como um lugar privilegiado de superposição de "verdades", um lugar
por excelência de produção, circulação e veiculação de enunciados de múltiplas fontes, [...] é passível de ter sua força de
efeito ampliada, de uma forma radicalmente diferente do que sucede a um discurso que, por exemplo, opera através das
páginas de um livro didático ou de um regulamento disciplinar escolar.
Larrosa diz que a produção do sujeito pedagógico está necessariamente relacionada a "modos de subjetivação", isto é, a
práticas que constituem e mediam certas relações da pessoa consigo mesma.
Modos de subjetivação na/pela TV - todas as formas de se produzir, na TV, uma “volta sobre si mesmo”.
[...] ao lado de uma função objetiva de informar e divertir espectadores, por exemplo, haveria na mídia uma função
explícita e implícita de 'formá-los', e isso em nossos dias não escapa à produção e veiculação de técnicas e procedimentos
voltados para a relação dos indivíduos consigo mesmos, matéria-prima de grande parte dos produtos televisivos e das
matérias de jornais e revistas.
[...] na atuação "pedagógica" da mídia com o público adolescente -, animadores de programas, protagonistas de seriados,
conselheiros, colunistas de revistas e jornais, especialistas do corpo e da sexualidade jovem -realizam, de forma
semelhante ao que ocorre nas práticas da pedagogia escolar, uma sofisticada mediação das relações dos jovens consigo
mesmos. É o "governo de si" mediado de modo muito específico pelo "governo do outro", no caso, os "pedagogos" da
mídia.
Aqui poderíamos citar inúmeras técnicas de exposição dos sujeitos: na TV, intermitentemente, confessa-se a intimidade,
confessam-se erros, desejos, mínimos detalhes de nossa sexualidade. Da mesma forma é nesse lugar que somos
convidados a expor nossas culpas, a recebermos dos apresentadores ou dos locutores verdadeiras “lições de moral”,
exemplos de vida, da reflexão sobre o vivido, da autoavaliação, da auto decifração, da autotransformação.
[...] uma investigação sobre a temática da pedagogia da mídia, a partir do estudo da linguagem dos materiais veiculados
pelos meios de comunicação, toma possível compreender mais amplamente o "estado da cultura" hoje, em relação ao
campo específico da educação, uma vez que já não há garantias de que os métodos e técnicas de aprendizagem
desenvolvidos na e pela escola possam responder às transformações que atingem o homem no seu cotidiano e que
operam fundamentalmente na constituição de sua subjetividade, em níveis ainda pouco conhecidos.
[...] no processo de "bem-estar" do público com o que consome, está em jogo a erosão das legitimidades tradicionais ou,
como quer Jurandir Freire Costa, o enfraquecimento dos "meios tradicionais de doação de identidade" - família, partidos
políticos, religião, pertencimento nacional, escola, entre outros mais específicos, como regras mais definidas de pudor
moral, por exemplo.
[...] a TV e cada um de seus materiais como artefatos culturais e históricos: nenhum deles é analisado isolada e
idealmente. É a partir desse pressuposto que se pode pensar o que chamamos de "dispositivo pedagógico da mídia",
considerando algumas categorias da teoria de Foucault sobre os modos de produzir subjetividades na cultura
contemporânea - basicamente, as "técnicas de si”.
Característica da “televisibilidade” (Sarlo) - Mostrar-se “pedagógica”, isto é, pertinente a técnicas de subjetivação.
[mídias, como] uma linguagem que nos constitui, que se faz pedagógica exatamente na medida em que estabelece uma
mediação entre o dito-mostrado e os sujeitos-espectadores, de modo que estes não só pensem a si mesmos, como
constituam verdades para si mesmos e sobre si mesmos, a partir das enunciações produzidas nesse espaço fundamental
da cultura.
Se atentarmos bem para o modo como são elaborados inúmeros produtos midiáticos, há um sem-número de técnicas
através das quais se propõe a todos nós que façamos minuciosas operações sobre nosso corpo, sobre nossos modos de ser,
sobre as atitudes a assumir. Estamos falando aqui do governo de si pelo governo dos outros– tema exaustivamente
tratado por Foucault.
Vídeos do canal do youtuber Luccas Neto destinados ao público infantil.
Podemos perceber o quanto a construção da imagem do youtuber é importante para defini-lo como um produto, em
razão de todo o arsenal de mercadorias e tipos de entretenimentos que oferece, como shows, vídeos, brinquedos,
roupas, além de outros produtos. Todos aqueles artefatos ligados à personalidade do youtuber colaboram para a
criação da sua própria marca.
Infâncias contemporâneas - geração marcada pelos processos culturais na esfera digital. [...] a inserção das crianças no
mundo tecnológico, considerando-se a onipresença da internet na infância do século XXI, pois a busca e a oferta de
dados estão cada vez maiores, conferindo novas formas das crianças se relacionarem no e com o mundo. Elas não
precisam mais esperar para assistir a um desenho ou a um filme, elas escolhem o que e quando assistir. Isso em parte,
devido ao acesso facilitado aos dispositivos móveis, tablets e smartphones o que justifica, de certo modo, o consumo e
o sucesso dos vídeos ora analisados.
Práticas sociais midiáticas e de consumo são constituídas e constituintes de cultura - Em sua forma discursiva, mídia e
consumo operam de forma a criar sistemas de representação e identificação dos quais é difícil não participar. Mídia e
consumo produzem, em alguma medida, a cultura cotidiana da qual participamos e assim acabam por regular, de
alguma forma, nossas condutas, mídia e consumo fazem parte da nossa esfera cotidiana de negociação de
significados de tal modo que acabamos por constituir uma cultura midiática e de consumo (MOMO, 2007, p. 55). Nos
tempos atuais, podemos perceber como as crianças estão cada vez mais participativas na atividade de
consumo.
Sibilia (2016) escreve sobre a passagem do século XX para o século XXI, mostrando que surgiu na sociedade pós-
moderna um conjunto de novos hábitos com o aparecimento de canais que permitiram tornar públicos diversos
aspectos da vida, que até então eram considerados da intimidade privada de cada um. Ao longo dos anos,
temos nos familiarizado com esses veículos: reality-shows, blogs, redes sociais, vídeos, selfies, que inundaram a
internet. Para a autora, vivemos uma importante transformação histórica, que inclui diversos ingredientes, mas
sobretudo uma mutação das subjetividades.
Steinberg e Kincheloe (2001, p. 24) defendem que “[...] mensagens vêm sendo enviadas às nossas crianças com
a intenção de trazer à tona pontos de vista particulares e ações que são o maior interesse daqueles que o
produzem”. Assim, as corporações que desenvolvem propagandas de todo tipo de parafernália para as crianças
consumirem também produzem uma teologia de consumo, prometendo redenção e felicidade através do
ato de consumo visto como um ritual.
As infâncias contemporâneas são vividas por crianças mais ativas e participativas em relação aos conteúdos que
estão acessando e assistindo, são cada vez mais capturadas pela mídia para exercerem o ato de consumir, seja
para consumirem uma infinidade de produtos de marcas famosas ou para consumirem estilos de vida, formas de
ser criança e de viver a infância dos tempos atuais. Assim, fazendo uso dessas possibilidades virtuais interativas,
as crianças de hoje encontram novos modos de socializar e de produzir-se como sujeitos contemporâneos.
PEDAGOGIA CULTURAL DA PUBLICIDADE DO NOVO POLO: o que acontece quando o protagonista é gay? (pesquisa netnográfica)
As campanhas publicitárias, entre outros artefatos, se apresentam como possibilidades pedagógicas, tendo em vista que“[...]
funcionam como tecnologias culturais que estão implicadas na produção de significados que atuam na formação e regulação de
identidades e desejos dos sujeitos que com elas interagem”(WORTMANN et al, 2015, p. 13).
Nesse contexto, no ano de 2022, a VW lançou nos seus perfis nas redes sociais o anúncio do novo Polo, estrelada por atores
gays. Imediatamente após a publicação muitos internautas se juntaram, formando dois grupos distintos entre si (panelinhas),
ou seja, um a favor e outro contra o protagonismo homossexual na peça publicitária.
A prática de lacração na campanha publicitária do novo Polo - no cenário nacional, vale ressaltar que lacração tem um
significado fortemente pejorativo, uma vez que é, frequentemente utilizado nas redes sociais, como um modo de menosprezar,
ridicularizar e hostilizar o protagonismo de pobres, negros, mulheres e pertencentes a comunidade LGBTQIA+.
Um quantitativo de internautas manifestou de modo explícito apoio ao bolsonarismo, por causa, principalmente, do
protagonismo homossexual no anúncio da empresa. Aliás, no contexto da prática de lacração, na eleição de 2018, foi
constatado que “[...] parte da campanha desse presidenciável foi realizada tendo como base a luta contra o então chamado ‘kit
gay’, a ideologia de gênero e a defesa da família tradicional brasileira[...]”
Dentre as opiniões que foram publicadas na forma de comentários originais no Instagram da VW, um quantitativo de postagens
reivindicou o retorno do protagonismo do modelo cristão de família, composto por um homem, uma mulher e filhos.
Na outra margem da arena de produção de discurso, muitos seguidores da VW no Instagram aplaudiram a estratégia de
marketing da empresa, principalmente, no que diz respeito a diversidade e inclusão de grupos historicamente
subalternizados e estereotipados pela sociedade.

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