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Mídia, Poder e Prostituição

Tempos atrás, criou-se uma grande polêmica em torno da legalização dos bingos no
Brasil. Pendenga essa que já teve em outros presidentes da república no Brasil, como Jânio
da Silva Quadros, momentos de glória, nos serve neste momento apenas como ponto de
partida para algumas reflexões.
O presidente Lula, usando de uma admirável retórica, disse que se legalizasse os
bingos, alguém poderia, no futuro, pedir-lhe que autorizasse, também, o trabalho infantil e a
prostituição. Suas palavras, naquele contexto, tiveram o objetivo de refrear os ânimos dos
sindicalistas e dos trabalhadores que saíram pelas ruas em defesa do restabelecimento das
atividades da jogatina.
Deixemos na linha de espera a apreciação do mérito da questão sociológica de Lula,
bem como a necessidade geral de sobrevivência dos empregados do setor e os interesses
classistas dos sindicatos, e focalizemos a lição que sobrou daquele episódio, que viu,
tempos depois, inúmeras liminares pipocarem pelo país, autorizando o funcionamento dos
bingos. A Justiça, em certas situações, nem sempre age corretamente, mas de acordo com a
lei, e a lei não é moral nem imoral, mas amoral.
De alguma maneira, o ressentimento político que experimentamos é o de que, apesar
de toda filosofia, nossos representantes parecem ser meio cúmplices de determinadas
práticas questionáveis. Já que o funcionamento dos bingos tem a aparência virtuosa de
gerar empregos, não importa à comunidade se neles se pratiquem a lavagem de dinheiro.
Lavagem de dinheiro não é o tipo de violação da norma que nos ameace pontualmente na
sala de estar. Mesmo porque, as pessoas estão acostumadas a fazer as refeições vendo
programas de televisão que transformam a tragédia humana diária em notícia de pasquim.
Alguns matracas, seja na mídia impressa, no rádio ou na televisão, vivem de perto o
paradoxo da moral, desencadeado pelo que chamaremos aqui de “o dilema de Lula”. De um
lado, eles precisam vender seus espaços publicitários, para que continuem imprimindo suas
páginas ou indo ao ar. De outro lado, sabem que a maior parte das inserções publicitárias
não oferecem nada realmente útil para o progresso da humanidade. Noutros termos, o que
se tem na imprensa, é algo parecido com o “dilema de Lula”: se o presidente legalizasse o
bingo, teria de fazer vista grossa com outras falcatruas. No espaço midiático, essa
corrupção é menos visível do que no ambiente da coisa pública, e nem por isso mais
aceitável. Se, no Palácio do Planalto, a essência da questão está na esfera das causas
nacionais e pode, sem esforço, reduzir-se à simples opção entre a popularidade ou a
impopularidade da medida impeditiva, na seara das informações, a charada da mídia, num
contraponto com o “dilema de Lula”, particulariza a “banalização do nonsense urbano”.
Assim, tanto nos bastidores do poder quanto nos proscênios da notícia, a
prostituição é rechaçada pelo discurso, mas a rotina a releva e consente. Nem a perspicácia
de Lula, nem a força histórica e revolucionária da mídia brasileira conseguem delimitar e
fazer valer as fronteiras da moral. No caso de Lula, as letras da lei e as canetadas jurídicas
contribuíram para que a sociedade se tornasse co-autora do próprio suicídio. Em se tratando
dos comunicadores sociais, quando têm de escolher entre divulgar os males do álcool, do
tabaco, do açúcar, da farinha de trigo, e embolsar enormes quantias para vendê-los, calam a
voz da razão e apegam-se às razões da conta bancária. Parte da mídia e do establishment,
portanto, tem ligações íntimas com a prostituição: organizam a bacanal social e
tiram as roupas do pudor pelo preço que nossa vergonha política puder suportar.

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