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Autor: Ìyálórìsà Jurema Oliveira da Òsun


PORQUE SE INICIAR OU NÃO NO CANDOMBLÉ

A finalidade deste texto é orientar as pessoas que não conhecem o candomblé.

A iniciação:

Com a globalização que aí está e a Internet, vai ser muito dificil esconder
segredos guardados a sete chaves como vinha sendo feito há uma centena de anos
pelos antigos do candomblé.
A finalidade de se guardar esses segredos era justamente para que não caíssem
em mãos erradas e fossem usados para fins inescrupulosos, como já está
acontecendo.
O candomblé é uma religião iniciática mas nem todos nasceram para ser
sacerdotes, gostaria de salientar que essa iniciação só deve ser feita em última
instância, só em caso de extrema necessidade, quando não tiver outra alternativa.
A iniciação no candomblé não é uma coisa que se faça levianamente sem
observar as consequências provenientes de erros, caso o pai ou mãe de santo não
estejam preparados devidamente para isto.
Por que iniciar uma pessoa que não precisa ser iniciada? Só pelo dinheiro? Tem
muita gente fazendo isso sem nenhum escrúpulo. São os mercenários de nossa
religião que não tem o menor respeito pelo Orixá que dirá pelas pessoas
desavisadas que caem em suas mãos.
Sempre que for fazer uma consulta em qualquer casa de candomblé, fique
atento, não dê dinheiro algum sem antes confirmar em outros lugares se é isso
mesmo que estão dizendo. Se disserem que tem que fazer um ebó, borí,
ou iniciação, vá jogar em outros lugares para confirmar a resposta do jogo, se for
igual em pelo menos tres lugares diferentes então faça. Caso contrário não faça
nada, não gaste seu dinheiro sem saber se é realmente necessário.
Muitas pessoas pensam que é só fazer o santo e já pode ser pai ou mãe de
santo, a coisa não é bem assim... Não é porque a pessoa se iniciou, que
obrigatoriamente terá que abrir casa ao completar sua iniciação na obrigação de
sete anos.
Não são todos filhos de santo que tem cargo para ser um sacerdote. O sacerdote
já nasce com essa missão e em proporção seria 1 em cada 1000 que deveria se
preparar para essa árdua tarefa.
O que está acontecendo no candomblé é uma distorção grave, quando se pensa
que todo iaô tem que abrir casa. Um absurdo. Muitos não tem nem fibra e nem
capacidade para ser um lider, abrem suas casas e depois de um tempo despacham
tudo no rio e vão para as igrejas de crentes como se isso resolvesse o problema. E
os culpados disso são os pais e mães de santo que inventaram essa nova
modalidade de ganhar dinheiro, pois cada iaô que o incompetente for tirar, terá que
chamar o pai ou a mãe para raspar porque ele não sabe. Pois não conviveu o
tempo suficiente na roça para aprender o mínimo necessário e já abriu uma casa.
Mesmo com pais ou mães de santo competentes, é preciso saber que candomblé
não se resume às festas de barracão, a festa é só a ponta do iceberg, não é só
chegar na hora da festa para dançar, candomblé não é só isso.
O candomblé propriamente dito começa uma semana antes de cada festa, com
muita gente na casa lavando, passando, cozinhando, limpando e enfeitando,
quando você entra no barracão e vê as bandeirinhas no teto da cor do Orixá que
está sendo homenageado, alguém teve que comprar, cortar e colar as bandeirinhas
e colocá-las no lugar para que o barracão fique bonito.
As anáguas, toalhas brancas, ojás precisam ser engomadas e passadas,
(detalhe na maioria das roças é no tanque por não ter máquina de lavar, e se tiver
não é usada porque gasta muita luz) isso normalmente é feito pelas ekedis ou
pessoas que moram na casa de candomblé, mas e as suas anáguas quem vai
engomar? Quem vai passar? É durante o período de abian que muita gente vai
aprender a lavar suas roupas, engomar e passar para poder usar na festa.
Se você não sabe lavar roupa ou nunca lavou vai ter que aprender ou pagar para
que alguém faça para você. Na maioria das vezes é do que vivem as pessoas
que moram dentro de uma casa de candomblé, lavam e passam as roupas dos que
não sabem ou não tem tempo para fazer.
Durante a semana diversas obrigações são feitas, de acordo com a determinação
do jogo de búzios, Exús, Eguns e os Orixás homenageados. Os bichos tem que ser
limpos por alguém e tratados pois será servido uma parte para os Orixás e outra
parte para todos os presentes na festa. Você já limpou uma galinha, um pato, um
pombo ou um cabrito? Ah! tem dó?!!!, Tem nojo? ah bom!!! Então pode ir
pensando no assunto, na hora de tirar as penas todo mundo tem que ajudar não
importa cargo, é uma das coisas que os abians e iaôs podem fazer.
Alguém precisa limpar a casa e deixar impecável para que ninguém saia falando.
Isso os abians e iaôs também podem fazer sem problemas, se você nunca varreu
sua casa, vai aprender a varrer barracão e quintal que normalmente são enormes.
A comida precisa ser preparada e estar pronta antes de começar a festa para
que as pessoas que estavam no fogão possam tomar banho e se arrumar para a
dita festa.
Quando chegar num candomblé e notar algumas pessoas com cara de cansadas
e cochilando em alguma cadeira, não repare essa pessoa deve estar com todos os
ossos do corpo doendo de uma semana de trabalho duro para que você possa ver
uma festa bonita.

Se você é leigo no assunto, procure conhecer um pouco mais antes de


fazer qualquer coisa.

1. Não deve se iniciar só porque acha bonito, porque gosta das roupas, porque
gosta do ritmo envolvente sem pensar nas responsabilidades e
consequências da iniciação.
2. Não se inicia para depois de um ano chegar a conclusão que não era bem
isso que se queria.
Quando você se inicia no candomblé você está criando um vínculo com o seu
Orixá, com a casa, com o pai ou mãe de santo, você passa a fazer parte de
uma comunidade, por isso deve escolher bem a casa.
3. Antes de qualquer coisa, acho que a pessoa precisa consultar vários jogos
de búzios para saber se todas as respostas de jogo são iguais, não se deve
confiar cegamente em ninguém.
4. Depois de consultar vários jogos já dá para saber se precisa realmente ser
iniciado ou não, aí a pessoa precisa escolher a casa e o pai ou mãe de santo
que mais lhe inspire confiança, procurar saber quem são seus ancestrais,
em que casa ele foi feito, tudo isso para não ter surpresas e aborrecimentos
no futuro. Estou dizendo isto porque existem muitas pessoas com casa
aberta e nem são iniciados no candomblé e dizem que são. Estou falando de
Candomblé !!!
5. Uma pessoa que não foi iniciada, não pode iniciar outras pessoas, porque
não recebeu o Axé de ninguém. E pelo que me consta ninguém pode dar
aquilo que não tem.
6. Mesmo que lhe digam que precisa ser iniciado (fazer o santo), tenha calma e
não vá fazendo no primeiro lugar que lhe disseram, procure outros lugares,
se informe, o santo não vai te matar se você não fizer imediatamente, se ele
é seu Orixá ele quer o melhor para você.
7. Por isso mesmo existem os abians nas casas de candomblé, são pessoas que
participam das festas e algumas obrigações na casa sem a responsabilidade
de ser um iniciado.
Para fazer parte do candomblé não pode ser preguiçoso, se está pensando
que vai chegar numa roça de candomblé e ficar encostado olhando os outros
trabalharem, esqueça, todos trabalham por igual em pról da comunidade, se
é uma casa prá todos os filhos, todos os filhos tem que ajudar. E não é ao
pai ou mãe de santo que estão ajudando. Quando limpar a roça pense que
alguém está fazendo a comida que você vai comer e o que você está
fazendo se reverterá em benefício de todos e para que todos tenham um
lugar agradável e limpo para ficar.
8. Durante o período de abian é que você aprende a dançar no barracão,
aprende as cantigas, convive com todos da roça e tem a possibilidade de
conhecer um por um, nesse período é que você vai descobrir se está no
lugar certo, caso não seja poderá ir para outra casa pois ainda não tem
vínculo nenhum com o pai ou mãe de santo e nem com a casa.
9. O Axé é transmitido do pai ou mãe de santo para o iniciado de diversas
formas, uma delas é na iniciação através do Adoshu que é colocado na parte
superior da cabeça, onde penetrará o Axé ali depositado.
10. O Axé vai sendo transmitido aos poucos, através das rezas, cantigas,
banhos, boris, na feitura, na obrigação de 1 ano, 3 anos, (em algumas
nações tem a de 5 anos), 7 anos, 14 anos, 21 anos de santo, daí em diante
enquanto o pai ou mãe for vivo.
11. O certo é permanecer na casa onde se foi iniciado, mas em decorrência de
muitos desentendimentos entre pais e filhos de santo tem havido uma
constante mudança de casa. Para os que não sabem...você nunca vai ser
tratado em outras casas, como na casa onde você foi iniciado, existe uma
diferença, ou seja (você não é do meu Axé), pode ser muito bem camuflado
mas que esse sentimento existe, existe...
Na primeira discussão você pode ouvir isso, não digo do pai de santo, mas
dos outros filhos da casa com certeza.
Depois da morte:

Quando um iniciado morre esse Axé depositado precisa ser retirado antes do
enterro através de uma outra cerimônia e dependendo do tempo de iniciação a
cerimônia do Axexê vária de 1 a 7 dias.
Então quando uma pessoa pretende se iniciar no candomblé, já deve estar ciente
que sua família terá que arcar com as despesas da cerimônia do Axexê após sua
morte, caso não tenha deixado dinheiro para esse fim. São cerimônias caríssimas
tanto a iniciação como o Axexê, lógico que as despesas terão que ser custeadas
pelo iniciado ou por sua família. Se você não tem o dinheiro o Orixá sabe disso e
não vai pedir aquilo que você não pode dar. Normalmente ele espera o tempo que
for necessário, desde que ele veja que você está guardando nem que seja um
centavo por mês.
O que acontece com mais frequência é a pessoa se iniciar (fazer o santo) sem
saber desses detalhes e só depois de alguns anos de feito é que vai descobrir que
quando morrer estará deixando um compromisso para a família que muitas vezes
nem sabe do que se trata. Quando o iniciado não fez a obrigação de 7 anos ou seja
ainda é um iaô, na maioria das vezes nem é feito o axexê individual, só é feita a
primeira cerimônia, isso se a família permitir que se faça. E muitos, mesmo tendo
obrigação de 7 anos a família que não faz parte do candomblé não permite que se
faça as cerimônias necessárias.
Esse é um dos maiores problemas que os pais e mães de santo enfrentam
quando morre algum filho de santo, ter que fazer as cerimônias e encontram
obstáculos em virtude da família do filho de santo não conhecer a religião e não
permitir e nem arcar com as despesas das mesmas.
Outro caso, esta semana recebi uma mensagem de uma pessoa que tendo um
parente falecido há uma semana, e que era feito no santo. Ele não sabia o que
fazer com os assentamentos que estavam em um quarto dos fundos da casa onde
mora. Segundo a pessoa, já tinha ido procurar um pai de santo e este cobrou R$
14.000,00 para ir despachar os assentamentos, o triste é que a família não tem
nenhum dinheiro. E agora José?
A parte que se refere a casa de santo, o pais e mães de santo fazem, jogam os
búzios e o que for determinado será feito com relação ao Orixá do filho de santo,
será despachado ou ficará na casa. Para os filhos de santo nessas situações são
feitos axexês coletivos sem a ajuda da família, cumprindo a obrigação da casa
reverenciando todos os que já morreram.

Quando o falecimento é de um pai ou mãe de santo é muito mais


complicado.

Todos os filhos da casa se reúnem e chamam um outro pai ou mãe de santo


mais velho que saiba fazer a cerimônia do axexê. Logicamente esse pai ou mãe de
santo cobrará por seus serviços. Normalmente os pais de santo já deixam um
dinheiro reservado para essa finalidade. Caso não tenha deixado, as despesas com
os materiais, bichos, bem como o serviço do pai ou mãe de santo contratado terão
que ser pagos pelos filhos de santo da casa.
É uma cerimônia trabalhosa e cansativa que dura 7 dias e quem estiver no
primeiro dia não poderá sair da roça até que termine tudo. E não termina por aí...
tem o axexê de mês, de 3 meses, 6 meses, 1 ano e daí por diante... Além disso,
todos os filhos da casa terão que tirar a mão do pai de santo falecido, seja com a
pessoa que herdar a casa ou com outro pai ou mãe de santo de sua escolha.

Por isso antes de pensar em fazer o santo, pense bem, mas pense mesmo em
tudo o que escrevi acima. Só se inicie no candomblé em caso de extrema
necessidade, deixo bem claro que esta é a minha opinião.

Cada um deve saber onde amarrar seu burro, o ditado é velho mas ainda é válido.

Jurema Oliveira da Oxum

Bibliografia Consultada:
A Morte do Pai-de-Santo:
Implicações e Dificuldades para a continuidade dos terreiros de candomblé
Rita Amaral

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