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O Bloco no seu labirinto

Com o alinhar do atual PS, cada vez mais às teorias “neo-liberais” (a definir
em próximo post) da direita e com o estranho anquilosamento do PCP,
arreigando-se cada vez mais a um centralismo estalinista extemporâneo,
torna-se dificil a quem ainda se revê politicamente nas teses da esquerda
socialista-comunista-anarquista, encontrar espaço político para continuar
a exercer a sua cidadania politicamente participativa.

O aparecimento do Bloco de Esquerda constituiu essa janela de


oportunidade pela qual toda essa gente, órfãos de uma esquerda que
trairia os seus mais básicos valores, aguardava ansiosamente para
continuar a sua luta.

E o Bloco foi um rio que foi crescendo e aglutinando cada vez mais
vontades e ideologias políticas de esquerda. No entanto, a meu ver, o
Bloco chegou a um ponto de impasse em que está a ser dificil
entendermos a sua linha de ação, chegou a um labirinto perante o qual os
seus principais dirigentes têm dificuldade em escolher o rumo.

Ninguém terá dúvidas da utilidade que constituiu o aparecimento do


Bloco no desbloquear da esquerda portuguesa, pela primeira vez provava-
se que alianças alargadas no campo da esquerda não eram impossíveis e
por outro lado, pelo menos em aparência, algumas tendências mais
dogmáticas da esquerda souberam pendurar o seu dogmatismo no cabide
da História em nome de uma esquerda renovada e da construção do
socialismo-comunismo-anarquia em liberdade e democracia, guardando
no armário das coisas velhas e inúteis a tese da ditadura do proletariado,
o que não era dificil sabendo-se hoje quais os resultados esmagadores que
na prática essa tese conseguiu.

De facto o dificil é construir o socialismo-comunismo-anarquia em


liberdade e democracia, enfrentando a participação e as críticas dos
cidadãos. Com uma suspensão, mesmo temporária, da democracia é pelos
vistos fácil, até pôr em prática as estranhas teses do PPD/PSD.
É insofismavel a importância do contributo que o Bloco trouxe à vida
democrática portuguesa, ajudando a desbloquear algumas das mais
arreigadas ideias do nosso provincianismo lusitano, como sejam, o
reconhecimento à liberdade de opção/tendência sexual e de género, a
paridade entre sexos, leis contra o racismo e a xenofobia, integração e
aceitação de estrangeiros, maiores apoios sociais, defesa do setor público,
mais marcada na defesa do acesso de todos à justiça, saúde e educação,
alerta e mobilização para a defesa do bem-estar animal, necessidade de
preservar o património natural ou construido.

Mas se em todas essas causas, conhecidas por causas fraturantes, o Bloco


foi útil e conseguiu alterar o estado das coisas e com isso foi ganhando
simpatias e apoios de tal modo que em pouco mais de 10 anos cresceu de
5% para 10% e de 2 deputados tem hoje 16. Este rapido crescimento,
talvez inesperado pelos próprios dirigentes, ironicamente também
conduziu a organização ao tal labirinto, perante o qual eu penso
encontrar-se atualmente o Bloco.

Se a ação e mobilização do Bloco foi determinante para uma mudança


legislativa e até de mentalidades nas chamadas causas fraturantes, já
perante o mundo do trabalho, autárquico e uma política claramente
ecológica, o Bloco encontrou o seu labirinto.

Para este labirinto muito terá contribuido o precipitado apoio à


candidatura presidencial de Manuel Alegre, mas este assunto vou deixá-lo
para futuras núpcias.

No que diz respeito a uma política de forte componente ecológica,


agregando a defesa dos direitos dos animais, da preservação do
património natural e construído, tem o Bloco de facto empenhado-se
nessas batalhas, no entanto tem sido um trabalho que apesar de todo o
empenho de alguns militantes e deputados, trabalho extenuante, não tem
tido a devida divulgação fora do âmbito do Bloco, militantes e leitores do
Esquerda.net Há toda uma muralha à informação que o Bloco terá que
saber derrubar para fazer chegar a sua mensagem ecológica ao geral da
população.
Quanto à política de trabalho e emprego, apesar de saber que o grupo
parlamentar tem sido inexcedível em trabalho, questionar, apresentar
requerimentos, projetos lei, etc. Todo esse enorme trabalho se tem
revelado pouco profícuo e sobretudo são iniciativas que enfrentam a
mesma muralha de silêncio informativo, uma muralha ainda maior que
aquela que cala as ações ecológicas.

Neste setor, enfrenta o Bloco um enorme desafio, a CGTP alinhada


(controlada) pelo PCP e a UGT pelo PS e PSD. É complicado um partido de
esquerda fazer valer as suas teses sociais sem um apoio entre as
organizações de trabalhadores, os sindicatos. Note-se que esse apoio terá
que ser completamente diferente do atual controlo que os partidos
políticos tradicionais exercem sobre os sindicatos e que tão prejudicial
tem sido aos próprios trabalhadores mas que apesar do definhamento das
centrais sindicais com enormes perdas no número de sindicalizados tem
feito inverter essa tendência controleira dos partidos sobre os sindicatos.

É uma luta paulatina e demorada a que o Bloco tem que desenvolver para
virar a situação sindical a seu favor, para além dos trabalhadores afetos ao
Bloco nos vários setores de trabalho se organizarem e começarem a
disputar as direções sindicais ao atual “status quo” é também uma luta
que tem que passar pelas ruas, inexoravelmente.

Na atual situação vivida pela classe trabalhadora portuguesa, sofrendo


ataques de toda a ordem aos seus direitos conquistados, o golpe final que
se prepara no setor público com a privatização dos últimos setores
lucrativos do Estado, com empresas recorrendo sistematicamente ao
trabalho temporário, precário e sem direitos, perante a generalização dos
“recibos verdes”, o encerramento de cada vez mais postos de trabalho, o
alastrar da praga dos salários em atraso, o desespero do alargar trágico do
desemprego, a todas estas situações urge dar resposta a contento. A
resposta a esses problemas, empenhada é certo, que tem sido feita na
Assembleia da República, não chega e tem-se revelado pouco eficaz. É
necessária maior contundência a este respeito nas intervenções que os
deputados tomam na AR, é imprescindivel que não se deixem enrodilhar
em comissões de trabalho que apenas servem para desviar as atenções
dos problemas reais do país e centrar o debate na defesa dos
trabalhadores, suas condições de vida, situação sócio-económica, direitos
e deveres, horário de trabalho, anos de serviço para a reforma, criação de
emprego, combate ao desemprego, trabalho precário e sem direitos.

Além dessa tribuna combativa na AR é necessário ir para junto dos


trabalhadores, ouvir o que eles têm a dizer, apoiá-los nas suas lutas,
informá-los. É necessário agitar este país da sonolência em que caiu,
inclusive o Bloco. Neste aspeto, defesa dos postos de trabalho, luta contra
as privatizações, contra o desemprego, tem lutado mais um pequeno
partido como o POUS que o Bloco no alto do seu explendor de 10% e 16
deputados. Agir é preciso! Agitar imprescindivel!

Outro campo onde tem sido dificil ao Bloco afirmar-se é o domínio


autárquico, mas a esse tema voltarei noutra altura dado que este post já
vai longo.

Temos pois o Bloco perante o seu labirinto: ou age e põe este país a gritar
a sua sede de justiça, liberdade e democracia, de trabalho com direitos e
futuro, ou arrisca-se a morrer, mas de morte lenta.

Jaime Crespo

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