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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


: ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRÁTICA
REGISTRADO(A) SOB N°

ACÓRDÃO IIIIIIIIIIHKIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIM
*03250343*
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Agravo de Instrumento n° 990.10.343219-3, da Comarca
de São Paulo, em que é agravante DAVID ANTÔNIO
SALOMÃO sendo agravado COOPERATIVA HABITACIONAL DOS
BANCÁRIOS DE SÃO PAULO BANCOOP.

ACORDAM, em 3 a Câmara de Direito Privado do


Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de
conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos


Desembargadores BERETTA DA SILVEIRA (Presidente),
ADILSON DE ANDRADE E EGIDIO GIACOIA.

São Paulo, 19 de outubro de 2010.

BERETTA DA SILVEIRA
PRESIDENTE E RELATOR
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO N°: 21.878


AGRAVO DE INSTRUMENTO N°: 990.10.343219-3
COMARCA: SÃO PAULO - 10a VC
AGRA VANTE: DA VID ANTÔNIO SALOMÃO
AGRAVADA: COOPERATIVA HABITACIONAL DOS BANCÁRIOS DE
SÃO PAULO (BANCOOP)

* Agravo —Desconsideração da personalidade jurídica -


Falsa cooperativa e relação de consumo reconhecidas
em acórdão irrecorrível - Aplicação da Teoria menor da
desconsideração da personalidade jurídica, prevista no
art 28, § 5o, CDC - A inexistência de valores nas contas
da agravada traz a certeza quanto a sua insolvência, o
que permite a conclusão pelo abuso do direito, visto que
tendente a frustrar o crédito a que tem direito o
consumidor - Penhora de bens dos sócios-gestores
admitida, sem necessidade de sua inclusão no pólo
passivo — Recurso provido. *

Trata-se de agravo de instrumento tirado contra a r. decisão em


que o Juízo da 10a Vara Cível da Comarca da Capital indeferiu o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica da agravada, formulado em sede
de cumprimento de sentença.
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Alega o agravante, em resumo, ser bastante para a


desconsideração da personalidade jurídica, nas relações de consumo, por
força do art. 28, § 5o, CDC a prova da insolvência da pessoa jurídica
devedora. Subsidiariamente, aduz que tal medida também deveria ser
decretada porque a agravada teria sido utilizada, por seus representantes, com
o objetivo de fraudar credores, assim como evidenciam as notícias,
disponíveis em jornais, revistas e sítios da Internet, acerca (ias irregularidades
administrativas e financeiras havidas na gestão da recorrida.

Prestadas as informações pelo n. magistrado a quo (fls. 151).

Contraminuta apresentada às fls. 153/166.

E o relatório.

Inicialmente, cumpre frisar dois pontos do acórdão ora levado à


fase de cumprimento, a fim de orientar a análise do mérito do presente
recurso.

Em primeiro lugar, conforme ressaltado ao ensejo do


julgamento da Apelação n° 552.789.4/5-00, a ora agravada não constitui uma
"verdadeira cooperativa", mas "um tipo de associação que muito mais se
aproxima dos consórcios do que propriamente de cooperativa, até porque,
via de regra, nem sempre é o efetivo espírito cooperativo que predomina
nessas entidades". Isso porque "o associado que a ela adere apenas para o
efeito de conseguir a aquisição de casa própria, dela se desligq.^e^se

AGRA VO DE INSTRUMENTO N": 990.10.343219-3 - SAO PAULO - 10a,^6^VOTO N": 21.878


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desvincula uma vez consumada a construção" (TJ/SP - 3a Câmara de Direito


Privado - AC n° 166.154 - Rei. Des. OLAVO SILVEIRA).

Nesse contexto, não haveria falar-se que, em caso de


desconsideração da personalidade jurídica da recorrida, seriam atingidos os
patrimônios de todos os "cooperados". Em verdade, apenas poderiam ver-se
alcançados os bens das pessoas responsáveis pela gestão da referida pessoa
jurídica.

Em segundo lugar, muito menos se poderia aceitar a afirmação


de que, in casu, seria inaplicável o Código de Defesa do Consumidor.

E isso se deve ao fato de que, naquele mesmo acórdão - a este


instante, irrecorrível, pois improvido, com trânsito em julgado, o agravo de
instrumento interposto contra a r. decisão denegatória de Recurso Especial -,
ficou expressamente assentada que a relação veiculada no feito originário era,
realmente, de consumo.

Isto posto, mister passar à análise da existência (ou não) de


elementos a permitir a adoção da medida ora almejada.

Pleiteia-se, em essência, aplicação à espécie da moderna teoria


do disregard ofthe legal entity ou pierce the veil ou, ainda, lift the courtain.
É a chamada disregard doctrine ou, doutrina da desconsideração de pessoa
jurídica.

AGRA VO DE INSTRUMENTO N": 990.10.343219-3 - SÃO PAULO - 10a VC- VOTO N": 21.878
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Trata-se de uma desconsideração puramente jurídica. O Estado-


Juiz sem que se cuide de nulidade ou anulação do contrato social,
desconsidera, para fins daquela execução judicial in concreto, a
personalidade jurídica da sociedade distinta da dos sócios. Ele fura a máscara
{pierce the veil), levanta a cortina (lift the courtain) e vai buscar no
patrimônio dos sócios os bens necessários à execução contra a sociedade
insolvente.

Como adverte o Juiz SANBORN da Suprema Corte Norte-


Americana, citado no original por Fábio Konder Comparato: "Quando a
noção da pessoa jurídica é usada para frustrar o interesse público, justificar
o errado, proteger a fraude ou defender o crime, a lei considerará a pessoa
jurídica como uma associação de pessoas" ("when the notion of legal entity
is used to defeat public convenience, justify wrong, protect fraud, or defend
crime, the law will regard the corporation as an association ofpersons" - ob.
cit., p. 274, nota de rodapé 58).

Na espécie, versa-se sobre relação de consumo. Deverá,


portanto, ser observada a norma especial do art. 28, CDC, a qual estatui que:
"O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando,
em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder,
infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato
social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência,
estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração". ^^"^

AGRA VO DE INSTRUMENTO N°: 990.10.343219-3 - SÃO PAULO - 10" VC- VOTO N": 21.878
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A complementar o enunciado do caput, do referido dispositivo,


tem-se seu § 5 o , in verbis: "Também poderá ser desconsiderada a pessoa
jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".

Tal preceito, denominado no âmbito da jurisprudência do STJ


como Teoria Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica - em
justa contraposição à ordinária Teoria Maior (inscrita no art. 50 do CC) - ,
viu-se acolhido residualmente em nosso ordenamento jurídico, mais
especificamente quanto à tutela dos direitos ambiental e do consumidor, e
tem aplicação com "[...] a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para
o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência do desvio
de finalidade ou de confusão patrimonial" (STJ - 3 a Turma - REsp n°
279.273/SP - Rei. Min. ARI PARGENDLER-j. em 04.12.2003).

No caso vertente, assim como preliminarmente afirmado, o


acórdão desta Corte que trouxe contornos finais à fase de conhecimento
reconheceu, expressamente, que a relação veiculada naquele procedimento -
e ora trazida à fase de cumprimento de sentença - é qualificada como
consumerista. Por isso, encontra-se afeta às diretrizes da legislação
específica.

Cumpre, assim, examinar se houve, propriamente, demonstração


clara da insolvência da agravada no processo originário.

AGRAVO DE INSTRUMENTO N": 990.10.343219-3 - SÃO PAULO -10" VC- VOTO N": 21.878
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Examinadas as cópias que instruem o presente recurso (fls.


109/143), notadamente aquelas acostadas às fls. 119/135, apura-se que,
tentada a localização de valores nas contas geridas pela recorrida, restou tal
busca infrutífera.

Essa situação, como bem sustenta o agravante, basta, nos termos


do art. 28, § 5o, CDC, à finalidade de tornar flagrante a insolvência da
agravada - a qual, conquanto pessoalmente intimada a cumprir com o débito
apontado em decisão irrecorrível, não revelou tendência alguma de
pagamento da quantia devida.

Em caso semelhante, proposto em face da mesma recorrida, já


decidiu esta Corte que:

'DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA


Pretensão do credor. Indeferimento judicial. Ausência de recursos em
bloqueios on line. Relação de consumo. Requisito suficiente para
incidência do art. 28, §5°, do CDC. Agravo provido. [...] dentre as
obrigações das pessoas, merece especial destaque o pagamento dos débitos
em aberto, não podendo a personalidade jurídica servir de tabu ou
substitutivo de entrave à ação do órgão judicante, cf. lição de OSVALDO
ARANHA BANDEIRA DE MELLO (Apel. Cível 105.835 ou RT 343/181).
Importa modalidade de abuso da personalidade jurídica simplesmente
afirmar-se que a empresa não dispõe, ainda que momentaneamente, de
recursos para fazer frente aos seus encargos, enquanto os sócios passam
incólumes, não condizendo com a melhor hermenêutica a imunidade

AGRAVO DE INSTRUMENTO N": 990.10.343219-3-SÃO PAULO-10" VC- VÔTVN^21.878


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absoluta reclamada pelas pessoas naturais que fazem parte dos quadros da
devedora" (TJ/SP - 6a Câmara de Direito Privado - AI n° 990.10.069378-6 -
Rei. Des. ROBERTO SOLIMENE - j . em 27.05.2010 - V.U.).

Destarte, diante da insolvência da sociedade devedora, ora


agravada (situação essa legalmente equiparada a ato abusivo de direito), tudo
faz recomendar a aplicação da referida Teoria menor para o fim de se buscar
a penhora em bens de seus gestores - e não de seus "cooperados", como
pretendeu fazer entender a própria recorrida em sua contraminuta.

Por fim, insta tão-só anotar que, do ponto de vista processual,


não se mostra necessária a inclusão dos sócios-gestores no pólo passivo da
demanda para que se proceda à penhora de seus bens.

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, a fim de


determinar-se a desconsideração da personalidade jurídica da agravada.

VEIRA
Relator

AGRA VO DE INSTRUMENTO N°: 990.10.343219-3 - SÃO PAULO - 10a VC- VOTO N": 21.878

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