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omo sei que esta revista é lida ( por jovens executivos, de- sejo adverti-los a respeito do grosso, estranho ramo da espécie humana, que ultimamente vem se alastrando. 14 vi um grosso brasileiro jantando com 0 vice-ministro da Cultura—De Gaulle. Logo de cara, botou 0 guar- danapo no pescoso, ali no lugar da gravata. Repetiu cinco vezes cada Prato. Bebeu 0 Mouton, Rotschild pelo gargalo. Cogouacabeca como farfo. A sobremesa, sewise: de chantilly com a mao. Fez um co- mentério sobre o aroma do Roque- fort. Depois de bem lambuzado, es- fregou as maos na alva toalha de li- nho. Aproveitou-se daqueles pauzi- nhos que servem para manter a pres- so do champanha e limpou 0s ou- vidos. Assoou o nariz como guarda- napo. Ao fazé-lo, produziu tal es- trondo, que o Servico de Seguranca do ministro invadiu © Maxim's, ccrente da iminéncia de um ataque terrorista. O grosso esmurrou o pré- prio ventre e exclamou: ~Tirei a barriga da miséria! E artotou. E pedi desculpas pelo arroto. Requereu um sal de frutas, Fez questéo de conhecer 0 cozi- nheiro: um senegalés, famoso por 6 ¢ REVISTA VIAJE BEM seus finissimos molhos. O.grosso abraga 0 pasmado afticano: ~ Eu sabia! Com esse tempero, s6 podia ser baiano! E espalhava perdigotos por todos 0 lados. (Atengao: 0 grosso & pré- digo em perdigotos. Se a amavel lei- torinha se vir forcada a conversar com um, convém usar uma som- brinha.) Se 0 grosso entra numa boate da moda, zurra: ~Oi, macacad: E se contempla a suave silhueta de Vanessa de Oliveira, a tnica galanteria que encontra é beliscar a moga, e ladrarlhe, através de seu mau hélito: = Boazuda! © grosso nao acredita em trauma psiquico. Se vai ensinar o filho a na- dar, escolhe um dia de ressaca vio- lenta eo ponto da praia onde o peri- 0 € maior. Impavido colosso, atira a crianga de trés anos contra a furia do Oceano Atlantico. No que todos mergulham para salvar o afogadi- ‘nho, ruge o grosso: ~Tira a pata, tira a pata! € meu fi- Iho, é macho! Quando o salva-vidas Ihe apre- senta 0 menino — nessa altura jé ago para toda a vida —0 grosso Ihe aplica uma cacholeta. (O gross aprecia 0 vocabulo “cacholeta’’) E ribomba: = Leva esse cascudo pra deixar de ser besta! Em casa, arremessa o trémulo garotinho a grossa da sua mulher, € troveja: Toma que ofilho é seu! Comes- se eu ndo quero nada! £ fresco! ‘A grossa nem se abala. A grossa est pensativa, de bobs no cabelo € roendo a unha do dedao do pé. De- pois, palita os dentes. Levanta-se e veste seu tafetd cor-de-rosa. Bota as meias. E as sandBlias (grossa usa san- dalias com meias). ‘Além da grossa, a Gnica mulher que suporta 0 grosso é a ninfomana. Conheco um grosso que teve um caso com uma. Um dia, ela pediu: “Me bate! Me bate!” © grosso aplicou-lhe um murro no olho. A mosa esté cega. ‘Aos domingos, pela manha, o rosso se compraz numa pelada de baitro. Vai de chinelo, calca de pi- jama listrada, ca Joga na “bequeira”, como diz. Todo domingo manda um colega pro hor- pital. — Eu entro de sola! Comigo é na botina! E, rosnando, conclui que futebol € pra macho. Grosso tem obsessao pela palavra macho. A/, vai pra casa @ espera o grosso de seu amigo, que ver “‘pegar a béia” com ele (grosso chama almoso de “béia”). Ficam 14, 0s dois, de camiseta, 0s pelinhos do peito & mostra. Grosso é maluco por camiseta —Como tu come, hein?—relincha © grosso anfitriao. ~ Pudera, € gratis! — iva em res- posta 0 grosso convidado, com a boca chela. A farinha se’ espalha pela mesa. Em Sao Paulo, 0 grosso chama a av6 de nona. Nao que seja italiano 6 que o grosso gosta de chamar a v6 dessa forma. € curioso: de todo idioma de Dante, 0 grosso fixou-se nna palavra nona, Chama a mulher de patroa. As vezes, almoga fora com a familia, Escolhe uma dessas moderas manjedouras que a socie- dade de consumo construiu: imen- sas churrascarias, enormes piz- arias. Pede ufsque nacional. Nao por economia, € que o grosso adora ufsque nacional. A fruta que mais Ihe sabe € 0 abacaxi. Segura pelo cabo e come com casca e tudo, De- pois, vai passear no aeroporto. E ld 58 e REVISTA VIAJE BEM ficam, felizes, 0 grosso, a grossa, os grossinhos, vendo 0s avies. Na porta da casa do grosso, hé um capacho com a inscrigao: “Seja bem-vindo, mas limpe os pés”. Dentro, dizeres espalhados pelas paredes: “S€ como 0 sindalo; per- fuma o machado que te fere”. Gros- so adora literatura de azulejo. * Se morre o melhor amigo do gros- so, ele chega ofegante ao velério, € late a vidva: ~Cheguel a tempo? Olu o Peixoto jdesté fedendo? No cemitério, empurra todos e grunhe: = Sai pra ld, sai pra la que essa alca é minha! E faz discurso. Grosso tem fascf- nio por discurso. Em cemitério, en- tio, nem se fala. E principia, indig- nado: ~ Sempre te chamaram de ca- nalhat E prossegue, revelando a aténita platéia todas as falcatruas em que o falecido se envolveu, numa vida teira dedicada a fraude. Termina 0 discurso aos berros, crente que é latinista emérito: —Requeija-te em paz! ‘Coma fragrancia peculiar aos que no usam desodorante, abraca a fi- tha do amigo, esmagando a frégil mocinha de quinze anos e troveja: = Seja macho, minha filha, seja macho! grosso homem organizado, de forma que ao voltar & casa, grita 3 grossa (0 grosso esté sempre gri- tando} ~ © Fulana, pega ocaderninho de enderegos e risca 0 nome do Pei- xoto! Concurso € coisa que grosso adora. De Miss Brasil, nao perde um, Vai munido de grande quanti- dade de apitos, confetes e serpenti- nas, e atira tudo em cima da inde- fesa jovem que representa seu es- tado. = Requebra! Requebra que eu quero ver! —estimula 0 grosso. Sea moca é desclassificada, in- sulta o presidente do jari — Efedapé! Nao viu os peitos dela, nao! rosso chega em casa, com du- zentas e cingiienta gramas de queijo prato, um jornal desses que quando & espremido sai sangue, bota uma calca velha, chinelo, e vé televisdo. Destes € 0 reino dos céus.

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