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CAPÍTULO 5 • PLANEJAMENTO E DIDÁTICA

Seleção de conteúdos

Introdução
A seleção de conteúdos escolares, seja para o Ensino Fundamental ou Médio,
sempre foi uma das grandes questões educacionais. A escolha dos conteúdos que
o professor trabalhará ao longo do ano letivo é uma das tarefas mais importantes
do planejamento, pois os conteúdos são a base do processo de ensino e aprendi-
zagem. Durante muito tempo, como um reflexo dos anos tecnicistas, a escolha de
conteúdos se dava com base nos índices dos livros didáticos, a seleção dos conte-
údos ficava, assim, a cargo das editoras. Outro grande equívoco é a escolha
dos conteúdos antecedendo a determinação de objetivos, que, como vimos no
capítulo 4, não pode acontecer. Embora posturas assim ainda se manifestem em
algumas escolas, o entendimento atual é que os conteúdos são elementos que
contribuem para a concretização dos objetivos de aprendizagem.
Para você reconhecer o papel dos conteúdos no planejamento do ensino e iden-
tificar critérios para a seleção e a ordenação dos conteúdos, é importante que leia
o artigo “Conteúdos escolares: simplificação ou construção do conceito”, de Araci
Hack Catapan. Nesse artigo, ela faz uma análise da relação entre a produção
do conhecimento histórico e a produção do conhecimento escolar, questão funda-
mental para a discussão sobre seleção de conteúdos que faremos a seguir. O artigo
está disponível no sítio <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/
article/viewPDFInterstitial/10079/9304>. Leia-o com bastante atenção!
Neste capítulo, veremos que os conteúdos devem ser acessíveis e didatica-
mente organizados, sem perder de vista o caráter científico e sistematizado. Essa
organização garante uma assimilação sólida e possibilita ao aluno a utilização
desses conhecimentos ao longo da vida. Vamos começar?

5.1 Caracterização dos conteúdos


A seleção e a ordenação de conteúdos de uma determinada matéria para
um ano escolar específico não é uma tarefa trivial, nem pode ser encarada como
uma atividade apenas burocrática. Assim precisamos, inicialmente, definir conte-
údos de ensino. Libâneo (2008, p. 128) expõe que
Conteúdos de ensino são o conjunto de conhecimentos, habili-
dades, hábitos, modos valorativos e atitudinais de atuação social,
organizados pedagógica e didaticamente, tendo em vista a assi-
milação ativa e aplicação pelos alunos na sua prática de vida.

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Englobam, portanto: conceitos, ideias, fatos, processos, princí-


pios, leis científicas, regras; habilidades cognoscitivas, modos
de atividades, métodos de compreensão e aplicação, hábitos de
estudo, de trabalho e de convivência social; valores, convicções,
atitudes. São expressos nos programas oficiais, nos livros didá-
ticos, nos planos de ensino e de aula, nas aulas, nas atitudes e
convicções do professor, nos exercícios, nos métodos e formas de
organização do ensino.

Percebemos que os conteúdos abarcam o todo e não apenas o estudo teórico.


Em função disso, na seleção dos conteúdos, o professor deve levar em conside-
ração as orientações dos organismos oficiais, como também deve considerar
a herança cultural e a experiência de prática social vivenciada pelos alunos,
considerando sempre uma perspectiva de futuro.
A seleção e a organização dos conteúdos exigem do professor o conheci-
mento profundo da matéria e a consideração das peculiaridades dos grupos
de alunos para os quais oferecerá os conteúdos, bem como as possibilidades
e os limites para seu alcance e ainda a flexibilidade para alteração (seja dos
próprios conteúdos ou da ordem deles) em função da resposta dos alunos a eles.
De acordo com Sant’Anna e outros (1995, p. 234), “o tratamento dispensado
pelo mestre ao conteúdo é um dos mais evidentes indicadores do seu grau de
atualização, criatividade, iniciativa e sistematização”.
Os conteúdos são compostos por quatro elementos, que expomos a seguir.
t Conhecimentos sistematizados – são os termos fundamentais e os
conceitos científicos. São considerados conhecimentos sistematizados:
leis fundamentais que dão explicações sobre as relações e as proprie-
dades dos objetos e dos fenômenos naturais e sociais; os fatos e os
fenômenos tanto da ciência quanto da atividade humana cotidiana; a
história da ciência e de seus métodos já utilizados e em utilização; e os
contextos econômico, político, cultural e social da atualidade que são,
na verdade, os problemas existentes na prática social diária que se rela-
cionam com a disciplina.
t Habilidades e hábitos – muitas vezes relacionamos essa parte dos conte-
údos com as fases mais iniciais da formação do indivíduo, Educação
Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. No entanto a formação
de habilidades e hábitos se dá ao longo da vida do aluno, portanto os
professores dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio
também devem se preocupar com esse aspecto. As habilidades são
as qualidades intelectuais indispensáveis para a atividade mental no
processo de aquisição de conhecimentos. Já os hábitos são as maneiras
de agir “automaticamente”, que interferem no processo de aprendi-
zagem. Por exemplo, um aluno do nono ano que tem a habilidade de
ler, mas não tem o hábito de ler pode ser capaz de interpretar e resolver

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um problema matemático, porém terá dificuldade na leitura e na interpre-


tação de uma obra literária. Algumas habilidades e alguns hábitos são
essenciais às diversas disciplinas dessa fase de formação, como: estabe-
lecer relações, realizar sínteses, traçar esquemas ou mapas conceituais,
destacar propriedades essenciais de fenômenos ou objetos, organizar o
trabalho escolar, etc.
t Atitudes e convicções – referem-se aos modos de sentir, posicionar-se
e agir perante a vida social e são totalmente dependentes do conheci-
mento que o indivíduo tem.
t Capacidades cognoscitivas – são os processos psíquicos da atividade
mental humana. Se as atitudes e as convicções dependem dessa capaci-
dade que o indivíduo tem de aprender, compreender, assimilar e aplicar;
também essa capacidade cognoscitiva supõe as habilidades, as capaci-
dades individuais, inclusive de trabalhar em grupo, e as convicções que
determinam as atitudes.
Depois vermos a importância da caracterização dos conteúdos, passemos
para a análise de como se dá seleção deles.

5.2 Seleção de conteúdos: tarefa do professor


A escolha e definição dos conteúdos é tarefa intrínseca à profissão docente.
Para isso, o professor deve recorrer a três fontes: indicação oficial, conteúdos
básicos da ciência da sua matéria e exigências práticas e teóricas impostas pela
vida dos alunos.
A primeira fonte, que é a oficial, é representada pelas diretrizes de orien-
tação geral. No Brasil, atualmente, são os parâmetros e as diretrizes curriculares
nacionais, estaduais e municipais e o plano nacional de educação, que todo
professor deve conhecer, especialmente no que se refere às orientações especí-
ficas de sua matéria.
A segunda fonte é composta pela base das ciências, da técnica e da arte.
Os conhecimentos escolares se baseiam em conteúdos científicos. É fundamental
que o professor domine – com segurança – o conteúdo científico básico e atual
da matéria que leciona, para poder selecionar o que é realmente relevante para
ser ensinado aos seus alunos. Se você leu o artigo sugerido nos pré-requisitos já
está ciente disso.
A terceira fonte a que o professor deve recorrer na seleção dos conteúdos é a
experiência da prática de vida dos alunos, por isso é importante que ele conheça
a comunidade onde o aluno está inserido. Também deve considerar as tarefas
culturais, políticas, sociais e profissionais da realidade. Essa fonte é fundamental
para a perspectiva de tornar cada indivíduo como um agente social ativo. É
tarefa de o professor transformar os conteúdos científicos relevantes em conteúdos

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significativos e vivos para a vida cotidiana do aluno. Os conteúdos devem ser


significativos para os alunos, relacionados às experiências pessoais deles.
Libâneo (2008, p. 135) completa ensinando que “a escolha de conteúdos
vai além, portanto, dos programas oficiais e da simples organização lógica da
matéria, ligando-se às exigências teóricas e práticas da vida social”. Se o professor
conhece bem a estrutura da matéria, com certeza tem uma visão das noções
básicas que devem ser trabalhadas em cada ano, facilitando o aprendizado do
aluno. Essa capacidade de seleção das noções básicas da disciplina e de estrutu-
rá-las logicamente garante a aprendizagem profunda e sólida dos conteúdos.
O tempo que o professor tem com os alunos deve ser sempre considerado.
Não adianta prevermos uma quantidade enorme de conteúdos se não tivermos
tempo disponível para trabalhá-los com profundidade. Portanto, na hora da
seleção, o professor deve considerar todo o tempo que despenderá com cada
conteúdo, não só com a parte teórica, mas também com as atividades de compre-
ensão e fixação, com a avaliação, etc. Outro item importante é a prontidão dos
alunos, como já conversamos no capítulo sobre os objetivos. Nesse ponto, não
adianta ficar culpando os professores anteriores pela não-prontidão, mas traçar
um plano de resgate dessa prontidão para poder deslanchar suas aulas.

5.3 A neutralidade dos conteúdos


Podemos pensar que, já que existe um saber objetivo, universal e científico
que compõe a base dos conteúdos de ensino, os conteúdos selecionados pelo
professor são neutros, isto é, não estão nem a serviço da manutenção da ordem
social atual nem a serviço de sua transformação. Se pensarmos assim, estamos
completamente enganados!
Os conteúdos, mesmo científicos e objetivos, refletem os valores e as inter-
pretações de grupos e classes sociais, geralmente detentores do poder econô-
mico e político. Esse é um dos grandes problemas do professor optar pelo índice
dos livros didáticos como única fonte de seleção de conteúdos, ou até mesmo
do professor ficar restrito à indicação oficial de conteúdos. Sobre isso, Libâneo
(2008, p. 137) expõe que
Os conteúdos escolares não são informações, fatos, conceitos,
ideias etc. que sempre existiram na sua forma atual, registrada
nos livros didáticos, nem são estáticos e definitivos. Os conteúdos
vão sendo elaborados e reelaborados conforme as necessidades
práticas de cada época histórica e os interesses sociais vigentes
em cada organização social.

Assim o professor deve não só selecionar criticamente os conteúdos, mas


ensinar a pensar criticamente, pois esse estudo ativo e crítico é estudo científico
da realidade que deve incluir a atividade própria do aluno de reelaboração
desse conhecimento.

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5.4 Livros didáticos


Os livros didáticos são, sem sombra de dúvida, uma forma de divulgação e
democratização dos conhecimentos científicos, bem como importantes fontes de
apoio didático ao professor. A grande crítica que se faz é que o livro didático
não pode ser a única fonte de conteúdos de determinada matéria.
Outro ponto a ser observado é que, desde a década de 1980, inúmeros
estudos têm demonstrado equívocos sérios nos livros didáticos, tanto em termos
de erros científicos, como em termos de divulgação de preconceitos e de manu-
tenção de interesses econômicos e sociais dominantes.
Ao mesmo tempo em que os livros didáticos servem para sistematizar e
difundir conhecimentos, prestam-se para encobrir ou empalmar aspectos da
realidade. Para se decidir sobre um livro didático, já que isso muitas vezes é
obrigatório, o professor deve analisar os textos, verificar como são enfocados
os temas, comparar as datas, os fatos, as fórmulas e os conceitos expressos. Se
o professor tem o domínio da matéria, com certeza terá também sensibilidade
crítica na hora da escolha.
Já na hora da utilização do livro, o professor não deve ficar engessado,
deve sempre enriquecer o conteúdo apresentado pelo livro com sua própria
contribuição e com a colaboração dos alunos que devem ser estimulados a
buscar novos textos ou até mesmo a criar textos e demais itens para o enriqueci-
mento do livro e, consequentemente, da aula.
Conclui-se, assim, que a definição de conteúdos, de uma forma geral, norteia
a ação do professor e, se forem selecionados e ordenados com critério, serão
válidos não só para o momento em que foram ministrados, mas também para
outros momentos da vida dos alunos, contribuindo para que eles possam vislum-
brar perspectivas em suas vidas e identificar possibilidades.
Já sabemos que o processo de ensino e aprendizagem é caracterizado por
uma combinação de atividades do professor e dos alunos. O trabalho sistemati-
zado do professor é que rege esse processo e, para isso, ele precisa de métodos
de ensino que veremos no próximo capítulo.

Resumo
A seleção e a ordenação dos conteúdos escolares de determinada matéria
são uma atribuição do professor e se constituem em uma atividade complexa,
tendo em vista que os conteúdos são compostos de conhecimentos sistemati-
zados, habilidades e hábitos, atitudes e convicções e capacidades cognoscitivas.
Para fazer a seleção, o professor deve utilizar três fontes: as diretrizes oficiais,
a ciência e as experiências cotidianas do grupo de alunos ou da comunidade
escolar. Os conteúdos não são neutros. O livro didático pode ser utilizado, mas
não como única fonte de referência.

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Atividades
1. Os elementos dos conteúdos de ensino que representam os modos de agir,
de sentir e de se posicionar diante das tarefas da vida social denominam-se
a) habilidades.
b) conhecimentos sistematizados.
c) atitudes e convicções.
d) hábitos.

2. Na seleção de conteúdos, o professor deve basear-se em critérios que


orientem suas opções. Libâneo (2008) indica como critérios, exceto,
a) caráter científico e sistemático do conhecimento.
b) adequação dos conteúdos à sequência e à extensão contidas no livro
didático adotado.
c) correspondência entre objetivos gerais e conteúdos.
d) relevância social, acessibilidade e solidez dos conteúdos.

3. Uma vez selecionados criteriosamente os conteúdos, compete ao professor


a organização sequencial dos mesmos. São critérios para essa organi-
zação, exceto,
a) sequência lógica, coerente, com a estrutura e o objetivo da disciplina.
b) gradualidade na distribuição adequada, considerando a experiência
anterior do aluno.
c) continuidade para a articulação entre os conteúdos.
d) sequência e gradualidade contidas nos programas oficiais.

4. Em uma escola de Ensino Fundamental ou Médio, pesquise um plano de


ensino de um professor de português ou matemática. Opte por um ano
específico. Depois compare o plano de ensino com os conteúdos do livro
didático adotado. O que você percebeu? Conseguiu identificar as seme-
lhanças e as diferenças entre eles? Socialize com seus colegas de telessala
suas conclusões.

Comentário das atividades


Na atividade 1, você acertou se optou pela alternativa (c), pois as atitudes e
as convicções são diferentes formas e conceitos que os indivíduos desempenham
em seus papéis na sociedade. A alternativa (a) está errada porque os conheci-
mentos sistematizados são os termos fundamentais e os conceitos científicos. Já
as alternativas (b) e (d) estão equivocadas, pois as habilidades são as qualidades

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intelectuais indispensáveis para a atividade mental no processo de aquisição de


conhecimentos. Já os hábitos são as maneiras de agir “automaticamente”, que
interferem no processo de aprendizagem.
Na atividade 2, você deve ter percebido que as opções (a), (c) e (d) estão
incorretas com relação ao que foi pedido, pois os três são – de fato – critérios
que orientam o professor na seleção de conteúdos. Portanto, a opção (b) está
correta, pois o livro didático não deve ser considerado como um critério na hora
de selecionar os conteúdos; com isso não estamos afirmando que o professor
deve banir o uso do livro didático, mas sim que o mesmo não pode ser utilizado
como critério.
Na atividade 3, a única alternativa que não é um critério para a organi-
zação sequencial dos conteúdos é a (d), pois, como vimos, os programas oficiais
são indicações ou diretrizes que não devem ser vistos como um programa que
deve ser cumprido à risca. O professor deve sim considerá-lo na sequenciação
de seus conteúdos, mas não como critério. Já a sequência lógica, coerente,
com a estrutura e o objetivo da disciplina, a gradualidade na distribuição
adequada, considerando a experiência anterior do aluno e a continuidade
para a articulação entre os conteúdos, são de fato critérios para articular a
sequência de conteúdos.
Na atividade 4, você pode ter vivenciado duas situações. Uma na qual o
professor baseou seu planejamento e, consequentemente, a seleção de conte-
údos exclusivamente no livro didático. E outra na qual o professor de fato fez
uma seleção de conteúdos e utiliza o livro didático como um dos recursos para
o processo de ensino e aprendizagem. Essas duas realidades podem ser encon-
tradas em uma única escola, ou até mesmo em um único ano com professores de
uma mesma disciplina, pois todo esse trabalho, acreditar que essa seleção de
conteúdos faz diferença na formação dos indivíduos é uma opção e atitude do
docente. Por isso a formação docente em didática é fundamental!

Referências
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 2008.
SANT’ANNA, F. et al. Planejamento de ensino e avaliação. 11. ed. Porto Alegre:
Sagra: DC Luzzatto, 1995.

Anotações

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