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Epístola às mamalhudas

Ao contrário da maioria dos meus concidadãos não estou grandemente preocupado com

a definição de uma estratégia que permita à nossa selecção vencer em todos os torneios;

não me interessa, tampouco, por me parecer redundância exorbitante, possuir

conhecimentos de mecânica automóvel num país onde noventa por cento dos

condutores do sexo masculino são peritos na matéria, facto que, suponho, estará

directamente relacionado com as nossas taxas de sinistralidade e, finalmente, também

nada invisto no enriquecimento da minha cultura política…

Ora, como passa o seu tempo um funcionário público que não lê jornais desportivos,

não discute política nem argumenta as vantagens dos audi sobre os saab ou vice-versa?

Pois bem. Geralmente – e devo confessar-vos que já fui assíduo praticante deste

passatempo – tira macacos do nariz e cola-os na face inferior do assento da cadeira ou

então, em dias de disposição mais atlética, enrola-os demoradamente entre o polegar e o

indicador e, dispensando-lhe um derradeiro olhar de simiesco desprezo, arremessa-os

sub-repticiamente, com um piparote, para longe da secretária.

Devo admitir, sem falsas modéstias, que fui dos melhores praticantes da modalidade

mas, com o passar dos anos, o catarro persistente da alma despertou-me para a

vacuidade da minha existência pelo que decidi dar novo rumo à minha vida.

Foi assim que inaugurei aquilo a que depois viria a chamar de Método Um Pensamento

por Semana. Sim, um pensamento por semana porque, afinal, não devemos exagerar:

dois pensamentos seriam cefaleia certa e três, então, provocar-me-iam, de imediato, um

colapso de consequências imprevisíveis…

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Ainda me lembro do meu primeiro pensamento por semana: Que rumo para a educação

dos nossos filhos?

Foi um desafio do caraças! Iam-se-me queimando as sinapses todas! Tanto assim que

resolvi não pensar mais nesse pensamento ainda a semana ia a meio, pese embora a

questão formulada ter ficado sem resposta.

O segundo pensamento por semana foi: As asas do avião que se precipitou contra o

Pentágono no naine ilevan. Pior ainda!...Pensei o pensamento no domingo à noite e na

segunda às duas da tarde já estava completamente esgotado.

Confrontado com estes fracassos considerei, então, a hipótese de abandonar o projecto e

voltar ao lançamento do burrié mas, depois de muito ponderar o sucedido, concluí

tratar-se de uma questão de princípio e não de método: pecava eu, na minha

inexperiência de pensar, por uma inadequada selecção dos temas de reflexão e

reformulei todo o programa, doravante alinhado por uma perspectiva eminentemente

pragmática.

E foi assim que dei comigo a interrogar-me sobre questões que podereis rotular de

comezinhas mas que, na verdade, continuavam a constituir grandes escolhos no mar da

nossa ilusão de conhecer. Definido o novo rumo, propus-me fazer algo de útil, algo de

mais imediatamente palpável, susceptível de poder vir a contribuir, de modo inovador,

para a eliminação de algumas das traças que devoram o nosso tecido social, ao invés de

persistir na minha prévia atitude nefelibata.

Por isso aqui estou hoje, de coração nas mãos, ó mamalhudas do meu país!: jovens

citadinas de impetuosos seios impossivelmente erectos, desflorando as costuras das t-

shirts de marca mal o verão espreita; moçoilas casadoiras das aldeias, de férteis seios

paleolíticos; respeitáveis matronas de graves seios, fecundos ornatos de estáveis

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matrimónios: a todas vós me dirijo, vítimas injustas da tirania da estética anoréctica;

ovelhas apartadas do rebanho da alegria de viver pela estandardização das medidas,

alvos fáceis das brejeirices de mau gosto.

E se assim procedo é porque me assistem duas ordens de razões: primo, porque as

mamas grandes são um factor de risco sempre desprezado; secundo, porque as mamas

grandes são de uma importância estratégica vital para a independência da nação, como

de seguida, por esta mesma ordem, demonstrarei.

A minha tia Ofélia a quem a natureza tinha dotado com um formidável par de airbags

foi um dia numa excursão da junta de freguesia à Batalha e à Nazaré. Depois da

sardinhada, ei-la na Pederneira, a debruçar-se para ver a marca da ferradura do cavalo

do D.Fuas Roupinho. Subitamente, quiçá incomodados pela azia que começava a

atazanar o estômago, transbordam-lhe os seios das copas do soutien e a energia cinética

assim libertada, vencendo a inércia do corpo apoiado no muro do miradouro, precipitou-

a no abismo. Infelizmente para ela o milagre não se repetiu. A santinha devia ter tirado o

dia ou coisa assim e a pobre esborrachou-se que nem um ovo. O tio Salema ainda se

lançou para a frente, em jeito de guarda-redes, para a segurar. Porém, tudo o que

conseguiu foi ficar-lhe com os sapatos nas mãos, seguros pelos saltos. Foi uma pena,

toda a família o reconheceu, pois era um belo par de sapatos de salto alto que acabaram

por ir para o lixo porque o meu tio nunca os quis usar, por ser homem muito avesso a

modernices.

Outro caso bem demonstrativo dos perigos da hipertrofia mamária, mesmo para

terceiros, foi o do Silveirinha Barbeiro a que os jornais deram farta cobertura: homem

de minguada estatura, o senhor Silveirinha tinha, no entanto, um estômago de abade e

um fígado cardinalício aos quais dava muito uso. Certa noite, bem comido e melhor

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bebido, penetra no calor do tálamo e cai imediatamente num profundo sono fadista

acompanhado por desmesurados roncos e bronquíticos apitos. Incomodada, a D. Letícia,

sua esposa, meio a dormir, meio acordada, faz uma brusca meia-volta entre os lençóis e

arremessa-lhe com os alforges de Vénus para cima das trombas.

Na manhã seguinte estranhou-lhe aquela coloração arroxeada mas atribuiu-a qualquer

mixórdia que ele tivesse ingerido e só ficou viúva por volta do meio-dia quando foi dar

com o gato a mordiscar-lhe as orelhas…

Mais não direi. Os perigos foram ilustrados. Compete agora às autoridades decidir o que

fazer com essas infelizes criaturas: coagi-las a usar ao pescoço um sinal que poderá ser

um híbrido dos nossos sinais de lomba ou valeta e do de perigos vários ou então,

solução que julgo ser mais curial, instar as seguradoras a criar uma linha de produtos

mamas/acidente.

Quanto ao segundo ponto, fia mais fino. É por demais evidente que a nossa dependência

energética é dramática: não temos petróleo, não temos carvão, os nossos ventos são

anémicos, os nossos rios muito enfezados, enfim, um cenário energeticamente

desolador. Assim é, de facto. Mas, em compensação, temos muitos pares de mamas

grandes que abanam, que saltitam, que sacolejam, que se contraem e distendem sem

qualquer mais valia para a nação. Ora, era aqui que eu queria chegar.

Imaginem os leitores um soutien cujas alças, em material elástico de comprovada

resistência, accionassem um pequeno dínamo acoplado a um acumulador, conjunto que

poderia ser usado por qualquer senhora num daquelas bolsas de cintura, sem incómodo

de maior.

Imaginem agora os meses de maior stress hídrico: a partir de Maio, digamos, período

esse que coincide exactamente com o do pânico das senhoras frente ao espelho, em

virtude da proximidade da época balnear. Em consequência, ei-las que se entregam a

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tirânicas dietas, a mortificações das carnes, a exageros de jogging, a sovas de footing, a

inquisitoriais sessões de stepping e as maminhas sempre em movimento de cá para lá,

de cima para baixo, da esquerda para a direita, como o nosso eleitorado.

E já se vê: durante três ou quatro meses, os dínamos zuniriam ao rubro, transferindo

para as baterias a energia inutilmente esbanjada pelas penitentes, com alívio notório da

nossa balança comercial! Mas há mais.

Mesmo à escala modesta das vidas privadas a adopção desta tecnologia poderia via a

constituir um excelente instrumento de contenção das despesas orçamentais. Senão,

vejamos: É dia de final da taça. Pai e filhos assanhados frente ao pequeno ecrã. O jogo

chega ao fim dos noventa minutos empatado três a três. Vai haver recurso a penalties.

Estão todos numa pilha de nervos. De repente, falta a luz. Em vez de sair de casa a

correr para se enfiar no bar mais próximo, o chefe de família chamaria a sub-chefe de

família, ligava o televisor à bolsinha dela e dizia: dá aí uns pulinhos, querida. E assim se

evitariam os gastos supérfluos de uma noite de deboche com os amigos…

Mas, muito mais importante que isto, seria a dignidade readquirida, o fim dos risos

escarninhos, a reabilitação de uma nobilíssima fatia da anatomia do mistério feminino e

vós, ó mamalhudas, ascenderíeis num firmamento onde os homens, ao ver-vos passar,

não diriam, gulosamente: esta gaja é boa como o milho mas, sim, com grata reverência:

Deus abençoe esta mulher de cem amperes!

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