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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríarñ)
APRESENTAQÁO
DAEDigÁOON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaleca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevio Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
I Mcñad I
ANO XlÍN? 119 NOVEMBRO 19
índice

Precarios como somtis ..


i¡>7

I. CIENCIA E RELIGIAO

1) "'2.001. Urna odisséia no cspaco'. Filme de fiveau e ;»r»s-


pectivn, que delira qucslües ahertas.
Que se pode dizer a resucito ?" , .¡,

II. BIBLIA SAGRADA

2) "Jesús estai-n rivo «o ser retirado da Cruz. A sita alivi-


ttade cardiaca continuo» mesmo no sepulcro, de modo que Cristo
nao ,-essuscttou, mas apenas se curoit das sitas chayas e contnsóe*
Que dizer a respeito tiesta noticia recém-propalada ?" ><;>

III. DOUTRIN'A

■1) "O 'Nóro Cutfcistiw Ifttlinidvx'.. . Que actmlcccu tlcp,,¡s


que fot examinado por unía Ciwiixsi'to de Cardeaix {
Foram e.rccutadas as motlificacoes indicarlas?" /;•/

IV. MORAL

i) "Por que a Igreja conserva o preceito da Missa dominical?


A do poderia permitir que cada fiel escolha o dio. da semana
que mais lite convenha para participar da S. Missa ?" $87

V. DIREITO CANÓNICO

ñ) "Que c o cliamado '/iririli'nio pclrino' !. . . Forma dissi-


imilada de dirórcio na l¡/reju f" nm

VI. HISTORIA DO CRISTIANISMO

<•) "Que I/ti com o hispo Matías Defre;/ger, auxiliar de Mu-


inque (Alemanha), acusado de ter ordenado terrivel matanza de
inocentes na segunda guerra mundial ?" j^s

CORRESPONDENCIA MICHA r.o.i

RESENHA DE LIVROS rm

COM Al'ROVACAO ECLESIÁSTICA


PRECARIOS COMO

No vocabulario cotidiano dos homens ocorre uma palavra


altamente significativa: PRECARIO.
Que quer dizer?

Resposta obvia: precario é o frágil, inconsistente, inse


guro. . .

Todavía quem consultar um dicionário, verificará que


«precario» vem de «prece». Precario é aquilo que existe por
efeito de prece ou a pedido de...; é algo que em si mesmo
nao tem sua razáo de ser, mas subsiste porque alguém quer
atender aos rogos ou as preces de outrem.
Ora diz-se muitas vézes que o próprio homem é um ser
precario; «vivemos em condicóes precarias». Talvez nao seja
patente a todos o alcance profundo destas expressóes.
Dizendo que o homem é uma criatura precaria, dizemos,
em última análise, que ele vive da prece ou que ele é susten
tado pela prece. Homem algum é senhor de sua vida. Foi
Deus quem nos criou; é Deus quem nos conserva a cada ins
tante, ... e nos conserva nao sámente mediante a sua onipo-
téncia, mas também em vista da nossa prece.
Em outros termos: Deus houve por bem incluir no seu
plano de beneficiar os homens o instrumento da nossa oracáo.
Aquéle que nos criou, nao nos abandona neste mundo; Ele
nos quer dar tudo aquilo que concorre realmente para o nosso
bem. Mas Ele o quer dar levando em conta os pedidos do
homem. Ele mesmo o disse no Evangelho: «Redi e recebereis;
procurai e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á» (Le 11,9).
A prece ou a oracáo é como a respiracáo da alma. Assim
como é impossível viver sem respirar, assim nao podemos viver
em sentido pleno sem orar: «a vida das almas está suspensa
ao fio da oracáo como a vida dos corpos aos raios do sol».
Consciente disto, o bom cristáo ora regularmente, ... to
dos os dias, mais de uma vez por dia. Ouve o apelo que a
S. Igreja lhe tem dirigido com especial instancia nos últimos
tempos, para que reze, ... reze pessoalmente, com assiduidade,
compenetrado do misterio da presenca de Deus. A Providencia
Divina se compraz em colocar-nos, nao raro, em situacóes
(humanamente falando) difíceis, desesperadoras; os problemas
parecem multiplicar-se, sem que para éles se vejam solucóee

— 457 —
(e esta a impressáo que muitos de nossos contemporáneos res-
sentem ao observar a vida civil e eclesiástica de nossos dias).
Sentimos assim a nossa precariedade. Deus quer que a sinta
mos, ... nao para nos abatermos ou nos debíannos ficar per-
plexos, mas para que, entre outras coisas, experimentemos a
necessidade de orar; tomemos consciéncia de que é preciso
pedir a Deus que Ele construa a cidade, porque, se Ele nao a
construir, em váo trabalharáo aqueles que tentam eonstrui-la
(cf. SI 126,1),
Nao sómente os cristáos fervorosos devem orar. Também
aqueles que dizem nao ter muita fé ou que se sentem afastados
de Deus pela fraqueza da carne, orem, orem.. . Para orar,
nao é necessário ter méritos; basta ter desejos, basta ter
amor ao Bem. Mesmo quem se senté mísero ou atolado, vi-
vendo^ indisciplinadamente, pode e deve orar, para que Deus
Ihe dé a graca de urna fé viva e de urna caridade ardente.
A oragáo é a indispensável alavanca pela qual cometamos a
ressurgir do nosso abismo, qualquer que seja ele, ... moral
ou material.

Mais ainda: até o incrédulo, o ateu, pode orar, pois ele


também é precario (em todos os sentidos da palavra)... Sim,
o incrédulo pode dizer sem compromisso nem contradicáo:
«Senhor, se Tu existes, dá-Te a conhecer a mim!» Que nosso
irmáo qUe se ¿qz ateu, nao hesite em pronunciar tais palavras!
Repita-as freqüentemente e com sinceridade. Nada Ihe custam;
e, por certo, nao se arrependerá de as ter proferido secreta
mente, no mais íntimo de si mesmo.
A guisa de conclusáo, ressoe aqui a prece de um grande
orante:

«Senhor, dá-me
prudencia nos meus empreendimentos,
coragem nos perigos,
paciencia ñas adversidades,
humildade na prosperidade.

Faze-me ver
quáo pequeñas sao as coisas da térra,
quáo grande o que é de Deus,
quáo breve o tempo,
quáo dilatada a eternidade!»

(Clemente XI, Papa, 1721)

E.B.

— 458 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano X — N? 119 — Novembro de 1969

I. CIENCIA E RELIGIÁO

1) «'2.001. Urna Odisséia no espago'. Filme de ficcáo e


prospectiva, que deixa questdes abertas.
Que se pode dizer a respeito?»

Resumo da resposta: O filme «2.001...* constituí um eiisaio de


prospectiva propondo o homem em viagens espaciáis a Marte, a Júpi-

Do ponto de vista filosófico e religioso, é assaz positivo pois póe


em realce o senso religioso da humanidade e a inevitável presenca de
Deus em todas as fases e circunstancias da historia humana. Des
talle evidencia que Religiáo nao é produto de ignorancia e de médo
do homem, mas, antes, urna das características que diierenciam o
ser humano, inteligente, dos seres irradonais. O filme alude também
a sobrevivencia da alma após a morte do composto humano.
No tocante ás relacoes entre o homem e a máquina, a película
deixa lugar á ambigüidade, sugerindo que os computadores c cerebros
eletronicos possam conceber afetos (simpatía e raiva). Na verdade,
os autómatas sao mera criacáo do homem, executores dos planos que
o homem traca e Ihes incute; sao incapazes de apreender os «porqués»
e os objetivos de sua acáo; dai também nao poderem conceber afetos.
Em suma, o filme, além de ser impresionante pela esmerada
apresentacáo técnica, constituí um testemunho positivo corajosamente
dado a certos valores que hoje em dia sao fácilmente menosprezados

Resposta:. O filme «2.001. Urna Odisséia no espago»


(2.001. A Spaee Odyssey) aparece sob a direcáo de Stanley
Kubrick, com Keir Dulles, Garry Lockwood, William Sylvester
e Dan Ditcher. Nao apresenta um enredo propriamente dito,
mas ensaios ficticios de viagens a Marte, Júpiter e além
Assim sugere o que possa ser a exploracáo espacial dentro
de alguns decenios. Como se compreende, é impossivel abordar
tal assunto sem que na mente do homem se ponham algumas
perguntas de índole filosófico-religiosa. O filme as lanca insi
nuando certas respostas em termos discretos; nem tudo nessa
película pode ser claramente interpretado; a ambigüidade é
por vézes, intencional.

— 459 —
4 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969. qu. 1

Quatro parecem ser as principáis questóes encaininhadas


pelo filme: a da origem do homem, a do sentido da Religiáo,
a das relagóes entre o homem e a máquina, a da realidade
subseqüente 'á morte. Abordá-las-emos sucessivamente abaixo.

1. Aurora do homem

O filme aprésente em suas primeiras cenas um grupo de


macacos... Estes sao atacados pelos tigres, que os amedron-
tam. Um belo dia, porém, os macacos se defrontam com um
grande bloco de pedra preta talhada, cujo aspecto é miste
rioso.

Tal bloco, na intencáo do produtor do filme, simboliza


evidentemente Deus ou, em termos mais genéricos, a realidade
religiosa, sagrada. Os macacos véem néle algo de fascinante
e, ao mesmo tempo, tremendo; desejam aproximar-se do Sa
grado e o tocar, mas sentem-se como que ineptos e repelidos;
aos poucos, porém, conseguem manifestar sua estima a Di-
vindade, osculando-a. «Ser atraente e simultáneamente set
terrível», eis as notas que os homens sempre atribuiram ao
Sagrado e Divino.
Pouco depois désse encontró com a Divindade, os homens
descobrem que podem utilizar ossos de animáis como instru
mentos e armas; assim conseguem defender-se dos tigres e
impor-se ás feras que os cercam. Entáo na tela um osso de
animal atirado aos ares por um homem primitivo transforma-
-se lentamente em nave espacial, e o filme comeea a apre-
sentar cenas da era da astronáutica.

Tal episodio é muito belo, pois significa que a inteligencia do


homem primitivo já continha toda a potencialidade da inteligencia
moderna; o «homo íaber» (trabalhador manual) e o «homo sapiens»
(estudioso) constituem urna única linhagem.

O que importa nessa primeira parte do filme, é verificar


a associagáo désses tres elementos: origem do homem, pre-
senga de Deus e senso religioso.
Deve-se notar que a sá filosofía (e, com ela, a Biblia
Sagrada) nao se opóe ao evolucionismo ou á tese que admite
a origem do corpo humano a partir de um primata inferior;
o Criador da materia terá dado a esta as leis de sua evolu-
gáo para que atingisse o grau de organizacáo próprio do corpo
humano. O homem, porém, nao é materia apenas; nao é sim-
plesmente um macaco aperfeicoado; ele possui algo que o dis-

— 460 —
jgA_OgISSÉIA NO ESPACO»

tingue específicamente do macaco; e éste «algo» é o espirito


ou a alma humana. Esta nao se origina da materia, mas é
criada diretamente por Deus. É a alma espiritual ou o espi
rito do homem que o leva a reconhecer o Criador e a prestar-
-Lhe a reverencia devida; é também o espirito que faz seja
o homem inteligente e, por isto, capaz de confeccionar ins
trumentos para dominar as feras e, depois, .. a natureza
os espagos...

o ™£0de"se dizer que teis verdades sao insinuadas pelo filme


«2.001...». A película ao menos dá a ver que a aurora do
homem está intimamente associada a especial presenca ou
intervengáo de Deus na historia dos viventes.

2. O monolito sagrado

A grande pedra simbólica acompanha o homem desde a


sua origem até a morte.

Descendo em Marte e Júpiter, os astronautas se depa-


ram com o mesmo monolito; sentem-se por ele foríomento
atraídos, mas nao o conseguem fotografar (como desejaram).
Viajando pelo espago além de Júpiter, o homem vé sempre
o mesmo monolito, nao raro reluzente por reflexo da luz do
sol. Por último, descendo a térra, o principal dos astronau
tas, Dave, muito envelhecido, morre em presenga do monolito
«Deus». Ora a persistencia da presenga de Deus ñas variadas
fases da existencia do homem é um dos tragos mais notáveis
e positivos do filme. De resto, ficgáo e realidade, no caso,
convergiram, pois, em verdade, o cosmonauta Aldrin, ao des-
cer. na Lúa, fez um ato profundamente religioso, comungando
do seu pao simbólico, como se na Lúa tivosse encontrado novo
sinal da presenga de Deus no universo.
O filme assim apresenta o senso religioso como algo de
característicamente humano. Ó homem primitivo manifesta
sua diferenga em relagáo aos outros viventes pelo fato de
reconhecer a presenga de Deus; o homem culto, na era da
automagáo, continua a reverenciar o Senhor Todo-Poderoso,
que Ihe dá sempre sinais de sua onipresenga. — Destarte
«2.0001...» vem a ser 'a recusa da tese que identifica a Re-
ligiáo com produto da ignorancia e da covardia do homem;
segundo tal modo de pensar, o senso religioso, sendo mani-
festagio da inferioridade do homem, deveria extinguir-se no
decorrer da historia; «o futuro de urna ilusáo» (a Religiáo)

— 461 —
6 PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969. qu. 1

seria o desaparecimento completo dessa «ilusáo», conforme


Freud. Ora tais idéias sao contraditadas pelo filme em foco.

3. Computador e ser humano

Grande parte da película versa sobre as relacóes entre o


homem e a máquina ou, mais própriamente, o computador
ou cerebro eletrónico. Éste, como se sabe, é urna criagáo do
homem, que realiza de maneira automática, precisa e extra
ordinariamente rápida, as operacSes que o homem outrora
devia efetuar por si mesmo; facilitou ¡mensamente a conquista
do espago. Os computadores calculam, traduzem, dirigem veí-
cutos no espaco, de tal sorte que as vézes se pergunta se nao
raciocinam ou se nao se destinam a ultrapassar a inteligencia
e a sagacidade do homem.

O filme «2.000...» atende a tal dúvida, apresentando diá


logos entre o homem e o computador. Éste chega a conceber
afetos (simpatía, tristeza, espirito de vinganga.. .); pune o
homem, subtraindo-lhe a sua colaboracáo, pois o homem des
confia das informacóes que a máquina lhe fornece; por último,
vé-se o homem impelido a destruir o computador, que pro
testa e se lamenta, enquanto vai sendo desmontado peca por
pega... Homem e computador seriam rivais, por assim dizer,
no mesmo plano.

Na verdade, existe urna diferenga radical entre o homem


e o computador. Éste é incapaz de conceber algum projeto,
pois. isto suporia a faculdade de apreender um objetivo, de
perceber os meios que levam a tal fim, de aquilatar relagóes,
proporgóes, formular nogóes abstratas, definigóes, lidar com
valores numéricos gerais (a, b, c, ... n. ... x, y, z).Éo
homem quem deve fazer toda a programagáo de qualquer
tarefa que ele deseje, pondo em acáo a sua inteligencia; o
computador recebe os dados minuciosamente concebidos pelo
operador humano, apenas executa mecánica e cegamente as
atividades que o trabalhador lhe impóe. Se o homem falha,
o computador nao o corrige, pois a máquina nao sabe «por
que» nem «para que» está agindo. Oompreende-se entáo que
a máquina nao possa atualmente, nem no futuro, conversar
com o homem, acompanhando os rasgos da inteligencia; o
computador apenas pode fazer ouvir palavras, ordens e res-
postas que o homem néle haja anteriormente gravado. Se o
computador «joga xadrez», fá-Io porque o homem lhe incutiu
os lances oportunos para cada possível confíguragáo do ta-

— 462 —
«2.001. UMA ODISSÉIA NO ESPACO» 7

Wado. É certo também que o cerebro eletrónico está incapa


citado de conceber afetos (simpatía, odio, tristeza...), pois
estes supóem sensibilidade e inteligencia. O computador será
sempre inferior ao homem, porque é produto do homem. Alias,
é isto o que «2.001...» insinúa quando mostra o cosmonauta
com soberanía absoluta a destruir o cerebro eletrónico.
Acontece, porém, que o computador, sendo automático,
é geralmente certeiro e sempre muito mais veloz do que o
homem. Por isto, quando um homem falha ou se descuida
ao acionar um autómato, pode experimentar terrível vinganca
da parte déste; o computador que erre, porque o homem
errou, provoca tremenda desordem ou desgraca para o homem.
Isto pode amedrentar o grande público. Basta, porém, lemb.tir
que o homem é o senfaor e fabricante da máquina, e nao
vice-versa. Por conseguirte, enquanto o ser humano se souber
manter fiel aos seus deveres cívicos e moráis (os quais sao
inconcebiveis sem a crenca em Deus), ele conseguirá bene-
ficiar-se da máquina (tanto quanto isto é possível na presente
vida, vida peregrina que aínda nao é plenitude nem consu-
macáo).

4. Vrda postuma

Outro tema lancado pelo filme «2.001...» é o da sobre


vivencia após esta vida. O autor teve em mira insinuar que
a morte física nao é o fim do homem. Com efeito, ao apre-
sentar o desenlace do grande cosmonauta Dave, a película dá
a ver um feto humano. Mais ainda: ela se encerra com a
figura de urna criencinha sorridente. Tais imagens sugerem,
sem dúvida, a sobrevivencia. Resta, porém, definir o sentido
dessa sobrevivencia: reencarnacáo ou ressurreicáo?
É muito provável que o produtor do filme se tenha es
quivado conscientemente a incutír qualquer precisáo: a ética
norte-americana, no caso, é liberal! Como quer que seja, a
tese da reencarnacáo fica sendo algo de ilógico e anticristáo.
Nao há argumento que a prove; as pretensas experiencias de
reencarnacáo até hoje sempre foram explicáveis pela parapsi
cología; sao produtos da excitacáo da fantasía e da memoria
de pacientes que, postes em estado de transe, combinam e
exprimem dados colhidos na vida presente mesma. De resto,
ninguém saberia dizer por que faltas outrora cometidas se
acha atualmente neste mundo; ora urna pena cuja razáo de
ser é ignorada, deixa de ser medicinal.

— 463 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 119/1969, qu. 2

A única interpretagáo de vida postuma (de corno e alma)


plausivel aos olhos do Cristianismo é a da ressurreicáo da
carne no fim dos tempos. Na perspectiva do Evangelho, a
morte nao é senáo a transicáo para a vida definitiva vida
definitiva em que o homem se encontrará em sua integridade
psíquica e somática.
Em suma, o filme «2.001...» apresenta-se assaz positivo
do ponto de vista da filosofía e da Religiáo: desenvolve urna
prospectiva marcadamente alheia ao materialismo e respeitosa
dos valores sagrados, sem os quais, na verdade, a vida do
homem jamáis poderá ser explicada.

Sobre evolucáo e origem do hornera, vejanvse:


«P.R.» 29/1960, pp. 179-187; 13/1959, pp. 3-9; 52/1962, pp. 154-161.
Sobre Religiáo e cultura humana, cf. «P.R.> 19/1959, pp. 267-277.
Sobre «robos» (cerebro eletrdnico) e inteligencia humana cí
«P.R.» 15/1959, pp. 95-101; 78/1964, pp. 243-247.
Sobre reencarnacáo e ressurreicáo, cf. «P.R.> 3/1957, pp. 15-21;
26/1960, pp. 57-61.

II. BIBLIA SAGRADA

2) «Jesús estava vivo ao ser retirado da Cruz. A sua


atíyidade cardíaca continuou mesmo no sepulcro, de modo que
Cristo náoi ressuscitou, mas apenas se curou das suas chagas
e contusóes.
Que dizer a respeito desta noticia rocóm-propalada?»

Resumo da resposta: O Prof. Kurt Berna lancou recentemente a


tese ácima, baseando-se em pesquisas feitas no santo sudario (mor-
talha) de Turim. Ora esta peca é de autenticidade controvertida; o
seu histórico é obscuro e acidentado; todavía os exames de labora
torio, principalmente de medicina, favorecem poderosamente a genui-
nidade désse paño. Como quer que seja, tal documento é base precaria
para estabelecer conclusSes seguras.
Suposta, porém, a autenticidade da mortalha, deve-se recordar,
com o Dr. Pierre Barbet e outros estudiosos, que o sangue perma
nece liquido ñas velas do cadáver, mesmo multo tempo após a morte
do individuo; na Rússia, fazem-se até transfus&es de sangue de um
cadáver humano para um vívente. Ora também em Jesús morto o
sangue terá flcado fluido; quando o Senhor fol descido da cruz e seu
corpo mudou de posicao (da vertical passou para a horizontal), o

— 464 —
CRISTO FOI SEPULTADO VIVO?

sangue deve ter jorrado pelas chagas do coracáo e dos pés- assim
a mortalha que o envolveu, fol manchada de sangue fresco Por con-
seguinte as observacdes do Dr. Berna nao provam que Jesús tenha
descido vivo da cruz. Ademáis os relatos do Evangelho sao suficientes
para fundar a certeza de que Jesús morreu na cruz. Antes de o en
tregar a José de Arimatéia, um dos soldados, vendo-o já morto in-
fligm-lhe um golpe de lanca regulamentar; tal golpe, desferido geral-
mente no coracao do condenado, devla assegurar peremptóriamente a
morte do supliciado ou, caso fósse necessário, devia provocá-la defini
tivamente.

X -

Besposta: Como referiu a imprensa, o Professor suigo


Kurt Berna entregou ao Vaticano um documento de vinte
páginas, oom varias fotografías anexas, em que pretende pro-
var que Jesús estava vivo quando o baixaram da Cruz.
A nova tese baseia-se na análise da mortalha (ou do
sudario) guardada em Turim, mortalha em que, segundo a
opiniáo de muitos estudiosos, Cristo foi envolvido após ter
sido tirado da Cruz (os Evangelhos, de fato, mencionam tal
mortalha; cf. Mt 27,59; Me 15,46; Le 23,53; Jo 20,6s). Cer
tas manchas do sudario teráo sido ocasionadas por sangue
fresco; em conseqüéncia, diz o Prof. Berna, «a atividade car
diaca continuava no corpo de Cristo durante sua descida da
cruz e quando era retirado do local». Sendo assim, Jesús nao
morreu na cruz, mas apenas recuperou-se de suas feridas
(cf. «O Globo» de 29/7/69, p. 10; «Jornal do Brasil» de
9/8/69, 1» cad., p. 11);

Em 20 de junho passado, o Subsecretario da Congrega-


Cáo dos Ritos do Vaticano, Mons. Annibale Bugnini, afirmou
que os argumentos de Berna careciam de base. Como quer
que seja, a Santa Sé nomeou urna comissáo de cientistas para
cstudar o sudario.

Diante de tais noticias, proporemos abaixo alguns dados


sobre o sudario de Turim e a Paixáo do Senhor Jesús Cristo.

1. O sudario de Turim

O sudario conservado em Turim como propriedade da


Casa de Savoia tomou-se a fonte da argumentacáo do Pro
fessor Kurt Berna.
Ora, antes de se discutir a tese do referido mestre, é pre
ciso observar que tal sudario constítui base um tanto precaria

— 465 —
10 *PERGUNTC E RESPONDEREMOS> 119/1969, qu. 2

para estudos referentes a Cristo, pois a autentácidade dessa


pega é controvertida.
Examinemos sumariamente os argumentos da controversia.

a) Contra a autenKridade

Ha, sim, entre os estudiosos nao poucos que julgam tratar-


-se de um lencol espurio oriundo nos sáculos XÜI/XIV; re-
produz um Cristo estilizado, obtido por decalque ou, antes,
por contato com um baixo-relévo de madeira. Os que negam
a genuinidade da mortalha, apelam geralmente para o histó
rico lacunoso e obscuro dessa pega. Levem-se em conta, por
exemplo, os dados seguintes:
Antes do sáculo VII, nao há noticia alguma do sudario.
Sómente em 640, o bispo francés Arculfo, tendo estado na
Térra Santa, disse lá ter visto e osculado «o sudario do Senhor
que no sepulcro estivera sobre a sua cabega» (Adamnan,
«Sobre os santos lugares», séc. m, c. X, ed. Mabillon, em «Acta
SS. Ordinis Benedictini»).
O testemunho seguinte data de 1204! Deve-se a Roberto
de Clary, cavaleiro da Picardía e cruzado, que atestava a pre-
senga do santo sudario na cápela imperial de Santa Maria dos
«Blachernes» em Constantinopla.

De 1204 a 1349, as crónicas de novo guardam silencio


sobre o assunta. Em 1349, a mortalha já se achava em Be-
sangon na Franga (passara do Oriente para o Ocidente, talvez
por obra dos cruzados). Houve nesse ano um incendio na
catedral de Besangon, após o qual se encontrou vazio o reli
cario do paño sagrado. Presume-se que a mortalha tenha sido
roubada, pois reaparece oito anos mais tarde, em 1357: per-
tence, desta vez, ao conde Godofredo de Charny, a quem o
rei Filipe VT a terá dado como presente; supóe-se que haja
sido p próprio ladráo (um tal Vergy?) quem a consignou pre
viamente ao monarca.

Charny colocou a reliquia em Lirey (diocese de Troyes),


onde passou a ser publicamente venerada. De Lirev, por mo
tivo de guerras, a veneranda mortalha foi transferida para
varias localidades, até finalmente fixar-se em Chambéry como
propriedade da Casa de Savoia (1453). Em 1532 um incendio
na cápela fez que uma gota de prata derretida queimasse um
canto do tecido dobrado em seu relicario, deixando-lhe duas
series de furos, que as Clarissas de Chambéry consertaram
da melhor maneira possível. Depois de algumas viagens devi-

— 466 —
CRISTO FOI SEPULTADO VIVO?

das a vicissitudes políticas, finalmente foi o s. sudario trans


portado para Turim (1578), onde se conserva até hoje em
cápela monumental. É raramente exposto ao público, pois para
isto se requer a «cenca previa da Casa de Savoia, muito par-
cimoniosa ñas suas concess5es.
Ao considerar essa trama da historia do s. sudario, certos
autores se mostram oéticos sobre a autenticidade da pega;
as lacunas no curso da historia e dois incendios lhes parecem
diminuir considerávelmente ou mesmo cancelar o crédito que
outros estudiosos querem dar á mortalha de Turim.
E quais seriam as razóes em favor da autenticidade de
tal reliquia?

b) Em prol da genuinidade

A análise de laboratorio leva muitos homens de ciencia


a admitir a autenticidade da sagrada mortalha.
1. No inicio do sáculo XX, o rei Humberto I da Italia
mandou tirar as primeiras fotografías do Santo Sudario.
Grande surprésa apoderou-se entáo do fotógrafo: ao revelar
a película, notou que sobre a chapa fotográfica aparecía nao
a imagem negativa que seria de esperar, mas a efigie positiva
de um homem deitado com as máos sobre o peito e de sem
blante majestoso. Impunha-se entáo a conclusáo: o sudario
mesmo já é um negativo, pois sómente éste poderia dar ima
gem positiva na chapa fotográfica. — Alguns pintores, entre
os quais Reffo, tentaram reconstituir o negativo da fotogra
fía artificialmente, mas com resultados pouco felizes, pois os
tragos claro-escuros do sudario sao de perfeicáo tal, táo na
tural, que pintor algum os consegue reproduzir. Ademáis ve-
rificaram que a imagem do sudario nao apresenta vestigio
aJgum de tinta, lápis, pincel ou de máo de artista falsificador.
2. Podendo observar melhor a anatomía e a plástica
da imagem, os estudiosos nelas verificaran! características de
evidente fidelidade ao ser vivo real: os tragos do eorpo ro
busto revelam a personalidade e a raca de auténtico semita.
Quanto as múltiplas manchas de sangue do sudario, apre-
sentam bordos nítidos e reproduzem com exatidáo a forma
dos coágulos que se constituem naturalmente sobre a pele
humana. Dáo a ver, como observa o famoso médico Dr. Barbet,
que um cadáver coberto de chagas permaneceu durante urnas
tantas horas nessa mortalha. Nada, porém, explica como déla
saiu, deixando intatas e belas as impressóes de seu corpo e

— 467 —
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969, qu. 2

os vestigios de sangue derramado. Com efeito, adverte Barbet,


quando se aplica um corpo ensangüentado a um paño, e, em
seguida, se descola, sámente urna parte de cada coágulo for
mado permanece fixada sobre o paño, a outra fiea sobre o
corpo que tocou o paño; haverá, portanto, necessáriamente
furos e falhas ñas imagens dos coágulos sobre o paño. Ora
os decalques que fícaram no santo sudario estáo inteiros, inta-
tos, reproduzindo a familiar imagem de um coágulo normal.
«No estado atual de nossos conhecimentos (nao quero julgar
o futuro), diz Barbet, isto é científicamente inexplicável».
O sabio cirurgiáo lembra entáo que o enigma pode constituir
urna alusáo tácita á ressurreigáo de Cristo; a ciencia por si
so nao chegaria a concluir éste milagre, mas póe o observa
dor na via para tanto; o corpo glorioso de Jesús, que podia
entrar no cenáculo, estando as portas fechadas, bem podia
libertar-se da mortalha sem a dilacerar ou desfigurar (cf. P.
Barbet, «A Paixáo de Jesús Cristo segundo o cirurgiáo». Edi-
g5es Loyola, Sao Paulo 1966, pp. 38-53).
3. Estas averiguacóes parecem a muitos dentistas deci
sivas para se remover a hipótese de que o sudario nao seja
senáo urna tela pintada no séc. XIV (quando apareceu a mor
talha em Lirey) a reproduzir artificialmente os tragos de um
cadáver.
Sem dúvida, dizem-nos tais estudiosos, urna imagem
negativa era coisa inconcebível antes da descoberta relativa
mente recente da técnica fotográfica. Perguntam outrossim:
como teria podido um pintor imaginar no séc. XIV, sem co-
nhecer a moderna fisiología do sangue, coágulos táo verídicos?
Todos os artistas unánimemente pintam fluxos de sangue ñas
imagens do Senhor padecente, mas nenhum teve jamáis a
idéia de pintar coágulos; reproducóes de coágulos como as do
sudario, nao podem ser executadas com corante algum. Ade
máis os pormenores de anatomía pressupostos pela imagem
da mortalha eram estranhos á ciencia medieval (cf. Barbet,
ob. cit, pp. 47-49).

Nem a hipótese de que urna estatua tenha sido aplicada


á mortalha e lhe tenha gravado os sinais que nela se encon-
tram, é suficiente para explicar os pormenores de anatomía
e fisiología que o santo sudario registra. Requer-se inelutável-
mente a presenca de auténtico cadáver dentro do paño.
Em conseqüéncia, a única hipótese científica que ainda
se poderia conceber, é a de que um falsario medieval tenha
assassinado alguém, recorrendo a processo muito violento e

— 468 —
CRISTO FOI SEPULTADO VIVO? 13

complexo e, a seguir, haja aplicado o cadáver á mortalha, com


o intuito de obter urna pseudo-relíquia de Cristo.
Contudo é muito inverossímil que um assassino tenha
conseguido infligir á sua vítima, antes de a matar, tantos
maus tratos que lembram a Paixáo de Cristo e que estáo re-
produzidos na imagem do sudario: flagelacáo, coroacáo de
espinhos, chagas de cravos ñas máos e nos pés, além da chaga
do flanco devida ao ferimento de lanca no coracáo.
4. Em conclusáo, deve-se dizer que o exame médico-
-legal concorre notavelmente para desfazer as impressóes des-
favoráveis á autenticidade do sudario. Encontram-se hoje em
dia obras de médicos e outros estudiosos (assinalados na bi
bliografía final déste artigo) que reconhecem nos traeos da
figura impressa sobre o santo sudario os auténticos vestigios
da Paixáo de Cristo. Tais estudiosos durante anos instituiram
pesquisas anatómicas sobre individuos vivos e defuntos; che-
garam assim á conclusáo de que as linhas da imagem do santo
sudario só se podem explicar caso se admita que nesta mor
talha estéve um morto que padeceu o que os Evangelhos atri-
buem a Jesús Cristo.

Como quer que seja, a autenticidade do santo sudario nao


se impóe com toda a evidencia a um observador prudente.
Nem a autoridade da Igreja a propugna ou declara; deixa,
ao contrario, ao criterio de cada interessado o julgamento
do assunto.

Admitamos, porém, que o sudario de Turim seja a ge-


nuina mortalha onde Jesús Cristo foi envolvido, e examinemos
a objecáo contra a morte de Cristo levantada pelo Prof. Kurt
Berna.

2. Sudario e atividade cardíaca

Examinando as manchas do sudario, o Prof. Berna julga


que foram ocasionadas por sangue fresco — o que lhe parece
supor atividade cardíaca no Senhor Jesús descido da cruz.
Em resposta a tal tese, deve-se reconhecer que o santo
sudario aprésente, de fato, as marcas de veios de sangue aínda
fresco. — Quer isto dizer que Jesús ainda estava vivo quando
o envolveram no sudario?
— Nao necesariamente. O Dr. Barbet, a propósito, es-
creve o seguinte:

— 469 —
14 <PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969. qu. 2

«Devo recordar algumas nocoes elementares de fisiología... Veri


fique! multas vézes que eram mal conhecldas até por parte de pessoas
eruditas» (obra citada na bibliografía déste artigo, p. 166).

Entre essas nocóes recordadas por Barbet, a mais impor


tante é a seguinte:
O sangne permanece sempre liquido, e nao se coagula
jamáis nnm vaso (veía) intato de cadáver... Continua fluido
quaee indefinidamente, até a putrefacao ou dessecacáo do
cadáver.
Um coágulo nunca se forma dentro das veias; nestas o
sangue fica sempre líquido, mesmo que se trate de um ca
dáver. O trombo que se forma ñas veias atingidas de fletóte,
é anatómicamente diverso; além disto, nao se produz a nao
ser em veias doentes (o que nao era o caso de Jesús).

Já que o sangue fica vivo ñas veias, já foram feitas na Rússia


transfusOes de sangue de cadáver humano para vívente humano. Para
proceder a tal operacáo, é necessário escolher pessoas sadias, das
quais se tenha antecipadamente verificado o grupo sanguíneo; a marte
de tais homens há de ser provocada por um golpe que poupe a massa
sanguínea (tiro na nuca, por exemplo, infligido a eertos condenados
á morte).
Quando o sangue sai das veias de um cadáver por um ferimento,
corre liquido sobre a pele. Parte cai no chao; outra parte, gracas á
viscosidade de que é dotado o sangue, fica adérente á pele e se coagula
progresivamente, isto é, condensa-se em urna especie de geléia ver-
melha que se chama «coágulo» ou «grumo». Éste coagulo resulta da
transformacao do fibrinogénio, que é urna substancia dissolvida no
sangue, em outra substancia sólida, a fibrina, que encerra os glóbulos
sanguíneos. A coagulacao se produz em tempo multo breve, que nao
passa de poucos minutos. O coágulo aos pouoos elimina sua parte
liquida (o serum ou sdro), que se espalha em volta déle; finalmente
o coágulo seca. Coágulo e serum podem manchar os tecidos aplicados
sobre a pele.

Tais nocóes de fisiología sao de importancia capital para


se julgarem as marcas de sangue fresco que a mortalha de
Turim apresenta.
Supondo-se Jesús morto por ocasiáo da descida da cruz
(como o ensinam o Evangelho e todos os escritos do Novo
Testamento), deve-se admitir que o seu cadáver tenha sofrido
hemorragias quando foi envolvido na respectiva mortalha e
transportado da cruz para o túmulo. De modo especial, é de
supor que através das chagas dos pés e da chaga do peito
(aberto pelo golpe de langa) tenha jorrado notável quantidade
de sangue.

— 470 —
CRISTO FOI SEPULTADO VIVO? 15

... Das chagas dos pés ... Com efeito, o sangue do


cadáver deve ter, em parte, escapado por estas, coagulando-
-se ñas plantas dos pés. Os coágulos assim resultantes deixa-
ram sua marca na mortalha quando aínda recentes.
Também a chaga do lado de Jesús, aberta pela langa do
soldado, deixou jorrar apredável quantidade de sangue. Com
efeito. As marcas da mortalha revelam que o golpe do soldado
foi desferido contra o lado direito de Jesús (quando os sol
dados romanos deviam entregar o cadáver de um crucificado
aos seus familiares ou amigos, feriam-no previamente com
um golpe clássico ou regulamentár). O lancaco atingiu a
aurícula direita do coragáo de Jesús. Esta aurícula, prolon
gada em cima pela veía cava superior e em babeo pela veía
cava inferior, esta sempre no cadáver cheia de sangue Kquido.
Compreende-se entáo que do lado de Jesús (morto como
estava; cf. Jo 19,33s) tenha jorrado sangue (sangue líquido,
fresco...!). Sim; no momento do langago, o cadáver, pregado
á cruz, estava em posicáo vertical. A aurícula direita do co
ragáo pode entáo esvaáar-se; esvaziou-se também a veia cava
superior, que lhe está ácima, com seus afluentes (as veias
da cabega e dos bracos). — A veia cava inferior, porém, ficou
cheia. É comprida e larga (quando cortada em autopsia,
provoca logo urna verdadeira inundagáo de sangue no ventre
do cadáver).
Todavía José de Arimatéia e sua comitiva, desejosos de
sepultar o cadáver de Jesús, despregaram os pés do Senhor,
desengancharan! a trave horizontal da cruz, e transportaram
o cadáver com a trave em posigáo horizontal até o túmulo.
Entáo o sangue da veia cava inferior pode refluir até a aurí
cula direita e escorrer para fora pela chaga do lado, que
continuava aberta \ O sangue fluiu pelo flanco direito do
tórax (que estava em posicáo horizontal); parte perdeu-se no
chao; parte ficou sobre a pele. Quando o corpo foi colocado
dentro da mortalha para ser sepultado, o paño recebeu as
marcas do sangue que jorrara recentemente da chaga do lado,
assim como das feridas dos pés de Jesús.
Tais consideragóes explicam muito bem que o sudario de
Turim possa apresentar marcas de sangue fresco e de coágu-

i Os magarefes dos matadouros sabem que, por ocasiáo da linv


peza de um boi morto, quando retiram o figado do animal, o necessa-
rio corte da veia cava inferior faz jorrar urna onda de sangue negro
(observacüo do Dr. Barbet, livro citado, p. 176).

— 471 —
16 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969, gu. 2

los recentes, sem que por isto se deva dizer que Jesús foi
sepultado vivo.

De resto, o fato de que Jesús realmente morreu na cruz


é assegurado pela análise da historia da Paixáo, como rápida
mente se verá abaixo.

3. Jesús morreu na cruz

Diz o texto do Evangelho que os soldados romanos ave-


riguaram a morte de Jesús. Por isto nao lhe quebraram as
pernas, como fizeram aos malfeitores que haviam sido cruci
ficados com o Senhor (ésse crurifrágio tinha por efeito acele
rar a morte do condenado, pois impedia que éste se soerguesse
sobre os pés e assim detivesse um pouco o processo de asfixia
e de tetania progressivas). A Jesús deram um golpe de langa
gesto regulamentar que os soldados, conforme a lei romana,
deviam cumprir antes de entregar o cadáver a quem o quisesse
sepultar.

Em geral, os cadáveres ficavam na cruz para servir de


pasto as aves e aos animáis selvagens. Podiam, porém, ser
solicitados pelas familias que Ihes quisessem proporcionar urna
sepultura decente. Desde que o juiz concedesse a autorizagáo
para tanto, cabia aos algozes desferir o «golpe de misericor
dia», ou seja, um golpe que fósse suficiente para dissipar toda
e qualquer possível dúvida a respeito da morte do supliciado.
Tal golpe consistía em ferir o coragáo com urna langa ou um
dardo. Era bem estudado e conhecido como infaüyelmente
mortal, na esgrima dos exércitos romanos. Dava, pois, plena
certeza da morte do condenado ou, se fósse o caso, a provo
caría.

O fato de que Jesús tenha tido urna agonía de tres horas


apenas sobre a cruz, explica-se em grande parte pelos tor
mentos que Jesús padeceu durante toda a noite anterior á
sua morte: assim, a agonía no horto das Oliveiras, com o
suor de sangue, a subseqüente flagelagáo, a coroagáo de espi-
nhos, o transporte da cruz... Isso tudo fez que Cristo per-
desse grande quantidade de sangue e se enfraquecesse consi-
deravelmente; foi preciso mesmo que Simáo carregasse a cruz
do Senhor, tal era a debilidade física do Divino Mestre.
Por tais motivos a agonía do Senhor na cruz rtáo podia
ser muito prolongada, de mais a mais que Jesús nao fdra

— 472 —
CRISTO FOI SEPULTADO VIVO? 17

crucificado com cordas (como outros tantos, que sobreviviam


muito tempo após a crucificacáo), mas, sim, com pregos (o
que é muito mais doloroso e extenuante).
Os condenados fixos á cruz morriam geralmente de asfi
xia. Com efeito, o respectivo corpo, com todo o seu peso,
pendía entáo das máos; em breve (após urna hora de sus-
pensáo), os músculos do corpo se contraíam violentamente,
entrando em rigidez ou estado de cáimbra. Em conseqüéncia,
os pulmóes se enchiam de ar, mas difícilmente conseguiam
esvaziar-se. Daí a asfixia progressiva. Mais aínda: a oxigena-
gao normal do sangue nao podía mais ocorrer; dava-se a into-
xicacáo dos músculos e dos centros nervosos do organismo
ou a tetania. O crucificado entáo se debatía, procurando
soerguer-se sobre os pés a fím de descontrair um pouco os
músculos do tórax; mas nessa hita cansava-se rápidamente e
devia deixar-se recair, pendendo totalmente das máos.
Percebe-se assim que um homem esgotado, como estava
Jesús, nao poderia prolongar essa peleja por muito tempo;
tres horas foram suficientes para que fósse vencido pela dor
e a morte.

Nao resta dúvida, portante, sobre a morte de Jesús na


cruz. Os argumentos aduzidos pelo Prof. Kurt Berna sao pre
carios por se basearem no controvertido sudario de Turim
mais do que no texto do Evangelho; além do que, sao dissi-
pados por criteriosa ciencia médica.

A propósito, podem-se recomendar


1) em favor do sudario:
P. Barbet, «A pabc&o de Cristo segundo o cirurgiáo», em 2* edicáo.
EdicOes Loyola. Sao Paulo 1966.
R. W. Hynek. *A Paixáo de Cristo». Petrópolis 1958.
P. de Gail, «Le vrai visage de Jésus-Chrit». em «Ecclesia» n* 241.
abril 1969, pp. 51-60.

2) contra o sudario:
H. Leclercq, «Suaires, em «Dictionnaire d'Archóologie chrétienne
et de Liturgie» XV 2. Paris 1953, pp. 1718-24.
F. M. Braun, «Le linceul de Turin et l'Évangile de Saint Jean».
Tournai 1939.

3) sobre a Paixáo de Jesús:


P. Benoit, «Passione e Resurrezione del Signore». Torino 1967.
Daniel-Rops, «Jesús no seu tempo». Lisboa 1950.
P.-R. Bernard, «Le mystóre de Jésus», 2 vols. Mulhouse 1959
Unmbém em traducáo portuguesa 1.

— 473 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969, qu. 3

III. DOUTRINA

3) «O 'Novo Catecismo Holandés'... Que acontecen de-


pois que foi examinado por ama Comissao de Caldeáis?
Foram executadas as modificacoes indicadas?»

Resump da íesposta: O «Novo Catecismo Holandés» apareceu em


1966 como compendio da íé católica para adultos. Reoorrendo a lin-
guagem clara e muito acessivel ao homem moderno, logrou sucesso
internacional. Todavía em certos pontos debca a desejar, porque si
lencia ou nao pSe em devido relevo certos traeos da doutrina católica
que direta ou indiretamente pertenoem ao Credo. Em conseqüéncia, o
Catecismo íoi examinado por urna comissao de Cardeais de diversas
nacionalidades nomeados pela Santa Sé, os quais indicaram urna serie
de modificacoes a ser feitas no texto do Catecismo para que cor
responda exatamente & sua missáo de apresentar fielmente a doutrina
católica.
Tais indicaedes nao foram bem aceitas pelos autores do Cate
cismo, que sao professóres do Instituto Catequético de Nimega. Toda
vía o episcopado holandés se empenhou pela execucáo de tais retoques
e complementacdes, de sorte que urna comissao de tres teólogos, no-
meados parte por Roma, parte pelo episcopado holandés, elaborou as
modificacoes desejadas. Estas foram publicadas em Apéndice, que se
deverá juntar ao texto do Catecismo em qualquer futura edicao do
mesmo; as autoridades de Roma consentiram em que nao se tocasse
diretamente no texto do Catecismo.
A edicao italiana do «Novo Catecismo Holandés», que é a mais
recente das que se fizeram no estrangeiro, contení o corpo do Cate
cismo, a Declaracáo dos Cardeais referente ao mesmo e o texto do
Apéndice, num volunte de apresentacáo esmerada. Os lugares do texto
do Catecismo que foram retocados, sao assinalados oom um asterisco,
que envía o leitor ao Apéndice.
Está assim oficialmente encerrada a questáo concernente ao «Ca
tecismo Holandés»: o episcopado dos Países-Baixos e a Santa Sé con-
cordaram em urna fórmula que preserva a integridade da fé.

Besposta: O «Novo Catecismo Holandés» é um volume


editado em 1966 no intuito de apresentar ao homem de hoje,
em linguagem clara e viva, a fé católica. Logrou surpreen-
dente sucesso, de sorte que foi sendo publicado em traducóes
diversas: inglesa, francesa, alema, brasileira, italiana. Todavía
o respectivo texto exigía certas modificacoes, como indicou
urna comissao de Cardeais que o examinou em 1968; vejam-
-se o texto e o comentario da Declaracáo da comissao
cardinalícia em «P.R.» ,113/1969, pp. 205-214; 114/1969,
pp. 240-252.

— 474 —
«CATECISMO HOLANDÉS* OOM SUPLEMENTO 19

Em «P.R.» 96/1967, pp. 515-527 foi publicada urna expo-


sicáo dos pontos controvertidos do «Novo Catecismo» e dos
primeiros debates que suscitaram. Acrescentaremos abaixo
ulteriores noticias referentes ao assunto.

1. O fim de urna situando tesa

Os teólogos holandeses filiados ao Instituto Catequético


de Nimega relutaram para aceitar as observacóes feitas ao
livro pela Santa Sé. Julgavam que, se retocassem o texto do
Catecismo, atendendo as indicacóes de Roma, quebrariam a
unidade de estilo da obra. Todavía o episcopado holandés em-
penhou-se para que fósse feita a revisáo dos pontos assina-
lados por Roma, de tal sorte que tres teólogos — os Padres
Dhanis S. J., Visser C. SS. R. (nomeados por Roma) e
Fortmann (delegado pelo episcopado holandés) 1 — redigiram
um pequeño livro em que sao esclarecidos e completados os
temas controvertidos do «Catecismo Holandés».
Os Srs. Bispos da Holanda e a Santa Sé, depois de haver
estudado atentamente toda a questáo, resolveram tomar as
seguintes dedsóes concernentes as novas edicóes do «Catecis
mo Holandés»:
1) O episcopado holandés declarou publicamente que de-
sejava mandar imprimir o texto das modificacóes decorrentes
do relatório elaborado pela comissáo cardinalícia.
2) A Santa Sé, atendendo a um pedido do episcopado
holandés, concedeu que as modificacóes em foco sejam publi
cadas em Apéndice ao Catecismo ou em fascículo a parte
(isto, no caso de que o Catecismo ja tenha sido publicado
em determinado idioma sem as respectivas modificaqóes).
3) As Casas Editoras fora da Holanda que desejem
publicar alguma tradugáo do «Catecismo Holandés», mas nao
possuam o texto das modificagóes, poderáo dirigir-se á Con
ferencia dos Bispos de seu respectivo país. Esta pedirá o fas
cículo das modificacóes ao Eminentíssimo Sr. Cardeal Ber-

i Por parte do episcopado holandés, íoi nomcado para tal comis-


sao tambera o P. G. Mulders S.J., o qual, porém, renunciou ao en
cargo, declarando pelo radio que «em consciéncia nao pedia subscrever
ás modificacóes desejadas pela comissáo cardinalicia».

— 475 —
20 PERGUNTE E RESPONDEREMOS; 119/1969, qu. 3

nardo Alfrink, de Utrecht, e nao ao Instituto Catequético de


Nimega.

4) Os Bispos em cuja diocese seja editado o «Novo Ca


tecismo», devem declarar que os pontos de doutrina contro
vertidos nessa obra háo de ser entendidos no sentido das
modifícagóes elaboradas segundo as normas da comissáo car-
dinalícia.
, Na Holanda o Apéndice ao «Novo Catecismo» foi publi
cado com o título «Aanvulling bij de Nieuwe Katechismus op
last van de Kardinalcommissie, samengesteld door Ed. Dhanis
S.J., en J. Visser C.SS.R.», Hilversum, Paúl Brand, Romen
& Zonen, 1969, 92 (obra de 92 páginas!).
A edicáo italiana do «Novo Catecismo» — a última das
tradugóes publicadas (junho de 1969) — apresenta num só
volume o corpo da obra e — em Apéndice — a Declaracáo da
Comissáo Cardinalicia e o texto das modificacóes l. Éste ocupa
cérea de 80 páginas; é apresentado pelo Cardeal-arcebispo
Miguel Pellegrino de Turim, com as seguintes palavras:

«Em conseqüéncia do acordó entre o episcopado holandés e a


Santa Sé. ao NOVO CATECISMO HOLANDÉS é agora acrescentado,
em apéndice ou em fascículo á parte, um SUPLEMENTO, que contém
as modificacóes redigidas segundo as indicaeñes da comissáo cardina
licia encarregada do exame da obra.
Os pontos doutrinais do Ndvo Catecismo postos em discussáo
seráo, por conseguinte, interpretados segundo o sentido estipulado
neste SUPLEMENTO.
Turim, 31 de malo de 1969.
Miguel, Card. Pellegrino*

No texto antigo do Catecismo foi colocado um asterisco


á margem das passagens que merecem ser lidas e entendidas
á luz do Apéndice; assim, quando necessário, o leitor é ¡me
diatamente advertido de que nao se deve deter simplesmente
nos dizeres do corpo do livro.

Destarte parece ter sido colocado o ponto final na emba-


racosa situacáo criada pela publicacáo do «Novo Catecismo

1 «II Nuovo Catechismo Olandese. Annuncio della fede agli


uomini di oggi. Con la Dichiarazione della Commisslone Cardinalizia
del 15 ottobre 1968 e il Supplemento al Nuovo Catechismo». Torino
Leumann. Elle Di Ci. 1969, 8». XX-620. 99. — A traducáo deve-se ao
«Centro Catechistico Salesiano» de Turim.

— 476 —
«CATECISMO HOLANDÉS» COM SUPLEMENTO 21

Holandés» '. Os bispos dos Países-Baixos cuidaram de que


fóssem respeitadas as observagóes feitas por Roma. Verdade
é que se podía desejar fósse modificado o texto mesmo do
Catecismo, fazendo-se néle os devidos retoques. Tal solugáo,
entre outros títulos de apréco, teria facilitado ao leitor o uso
da obra; todavia, tendo-se em vista a situacáo tesa e delicada
que se criara na Holanda e em outros países entre amigos e
adversarios do «Novo Catecismo», pode-se dizer que a acei-
tagáo das modifícagóes em Apéndice sob o patrocinio do epis
copado holandés significa algo de muito positivo; é sinal de
que o episcopado da Holanda nao pretende derrogar á fé cató
lica nem romper a comunháo com a Igreja universal; embora
os holandeses aspirem a dar notas características ao catoli
cismo de sua patria, nao intencionan! violar a unidade, sem
a qual nao fariam a obra de Cristo neste mundo.
É para desejar que no Brasil se edite sem demora o Apén
dice, que completará o texto brasileiro do «Novo Catecismo».
Enquanto isto nao se dá, váo abaixo publicadas algumas das
principáis modificagóes que fazem parte désse Apéndice.

2. O novo texto

Salientaremos os pontos que mais possam interessar ao


grande público.

1) A existencia dos anjos e demonios

Texto a n<:go, pp. 553s da edigáo brasileira do «Novo Ca


tecismo» :
«A Sagrada Escritura fala, muitas vézes, em semelhantes
criaturas: os anjos. Sao mensageiros ou virtudes que provém
de Deus, 'espíritos servidores' (Hebr 1,14), freqüentemente
representados, na Biblia, em forma humana. Dáo forma k
bondade de Deus e constítuem as grandes virtudes boas que
colaboram conosco nesta criagáo. Seria a existencia déles

1 Eis o que se 16 no jornal «Avvenire*. de 15/6/69:


«Consiste justamente na publicacáo do 'Suplemento' a original!-
dado da traducáo italiana, que (como eremos) constituí também u
último capítulo do caso criado... O 'Suplemento', que aparece como
acréscimo oficial ao 'Catecismo Holandés', foi redigido pelos teólogos
Dhanis. Visser e Fortmann. encarrogados pela comissüo cardinalícia
que preparou a Declaracáo de 15 de outubro de 1968 >.

477
22 <;PERGUNTE E RESPONDEREMOS' 119/1969, qu. 3

hipótese pertencente á concepgáo do mundo que reina na


Sagrada Escritura? Ou faz esta existencia parte integrante
da revelagáo de Deus? Seja qual fór a resposta a esta per-
gunta, a Biblia nó-los apresenta como humanamente relacio
nados com a nossa historia de salvacáo em Cristo. E tudo o
■que se diz a respeito déles anuncia a verdade benfazeja: Deus
ocupa-se conosco de mil maneiras. Indicam-no os nomes angé
licos. 'Gabriel' significa: o forte de Deus; 'Rafael': cura de
Deus; 'Miguel': quem é como Deus? De 'Satanaz' pode-se dizer
a mesma coisa, mas em direcáo oposta: é ele a fórca reacio-
nária. Nao em pé de iguaidade, nao táo original nem táo
poderoso quanto Deus, como bem nos revela, expressamente,
a Escritura. É ele a malicia tremenda que vemos agir, eficaz
mente, na humanidade. Ultrapassa de táo longe a malicia
individual, que nos perguntamos: qual é a fórca que está agin-
do aqui? Urna fórca meramente humana?»

Novo texto., p. fl7]s da edicáo italiana do Apéndice (em


negrito, as frases resultantes das modificaqóes):
«A Escritura fala freqüentemente de tais seres: os anjos.
Sao mensageiros, fórcas que provém de Deus, 'espirites en-
carregados do ministerio' (Hebr 1,14), muitas vézes represen
tados, na Biblia, com aspecto humano. Éles dáo forma á bon-
dade de Deus. Foram criados por essa bondade, como seres espi-
rituais e benéficos que colaboram conosco. Os exegetas e teó
logos nao tenninaram suas pesquisas sobre as questoes rela
tivas ao papel que os anjos desempenham progresivamente
nos livros do Antigo Testamento ou sobre a historia e o nlt<v
rior desenvolvimento da doutrina dos anjos. A sua existencia,
como também a dos anjos maus, é, nao obstante, urna verdade
da doutrína católica, da qual faz mencao, por exemplo, o IV
Concilio do Latráo. Ésses seres misteriosos nos aparecem
sempre em relacáo com a historia da nossa salvacáo em
Cristo. E tudo que a respeito déles se afirma enuncia a mara-
vilhosa verdade: Deus ocupa-se conosco de mil maneiras.
Indicam-no os nomes dos anjos: Gabriel quer dizer 'Fórca de
Deus'; Rafael, 'Cura de Deus'; Miguel, 'Quem é como Deus?1
Entrevemos aqui a misteriosa solidariedade que liga entre
éles os diversos níveis da criacao. O que sabemos a respeito
de Satanás e dos demonios — que foram criados por Deus
em santidade, mas infelizmente se rebelanam contra Ele —
atesta também essa solidariedade, mas em sentido inverso;
a rebeliao dos espiritos maus torna-se urna fonte de males
para o nosso mundo humano. O mal terrível que vemos muitas
vézes desencadear-se no mundo, urna maldade, urna malicia

— 478 —
23

que supera as posibilidades individuáis, levam-nos a pergun-


tar-nos: Qual a fórga que está aqui em agáo? Será urna fórga
meramente humana?»

2} A conversáo eucarísKca

Texto antigo, pp. 398s da edigáo brasileira do «Novo Ca


tecismo»:
«O mesmo acontece hoje, quando a Igreja se reúne: per
manece aquela coisa peculiar e benéfica, aquela presenga uni
tiva que existía, quando os apóstalos tomayam as refeigoes
em conjunto com Jesús, na Galiléia e na Judéia. Essa presenga
está ligada com o pao. Anuncia-o a sua palavra: 'feto é o
meu corpo'. Também o próprio pao manifesta-o. Próximo e
vivificador como alimento, em sua presenga. O pao vem a ser,
pois, o símbolo em que Ele está presente entre nos. O pao
comum tornou-se o nosso pao para a vida eterna: Cristo. Mas
que acontece, entáo, com éste pao? Continua tendo a mesma
forma exterior e o mesmo gósto. Sem isso, desaparecería
simplesmente o sinal sob o qual Ele quer estar conosco. Mas
que diferenga há, entáo, entre éste pao e o pao comum? Antes
da Idade Media, nao se refletiu, especialmente, sobre éste
assunto. Parecía obvio que neste sinal (= o pao) consistía a
realidade da presenga de Jesús. Na Idade Media, comegou-se
estudo mais aprofundado. A consciéncia da fé chegou, entáo,
a esta formulagáo do misterio: permanecem os 'acidentes',
isto é, o aspecto exterior, a cor, o gósto, etc. do pao, mas nao
permanece a sua 'substancia', isto é, o próprio ou a sua
esséncia: esta se torna o próprio Cristo. Fala-se entáo em
'transubstanciagáo1.
Prosseguindo a reflexáo, em nosso modo de pensar de
hoje, poderíamos formulá-lo desta maneira: o próprio, o ser
íntimo das coisas materiais é aquilo que elas sao para o
homem, cada urna a seu próprio modo. O ser íntimo de pao
é assim: ser alimento terrestre para o homem. Ora na Santa
Missa éste ser íntimo do pao vem a ser fundamentalmente
outro: torna-se o Corpo de Jesús, como alimento para a vida
eterna. 'Corpo1 indica, na mentalidade hebraica, a pessoa em
sua totalidade. Quer dizer que o pao tornou-se toda a pessoa
de Jesús. Presenga cheia de misterio! Nao ajuda aqui a ima-
ginagáo! Nao devemos, por exemplo, imaginar-nos que, por
assim dizer, o Corpo de Cristo entra, em medida extrema
mente pequeña, em nossa boca, como Ele entrava em Nazaré,

— 479 —
24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969, qu. 3

em casa de María, em suas dimensóes naturais. Por outro


lado, devemos guardar-nos do contrario, isto é, de expücacáo
meramente simbólica, como se Jesús nao estivesse 'realmente'
presente. Melhor vale dizer: o pao é realmente retirado de
seu uso humano normal e torna-se o pao que o Pai nos dá:
o próprio Jesús».

Novo texto, p. [58]s da edigáo italiana do Apéndice:


«Que mudanca é efetuada no pao? Já dissemos que a
realidade sensivel do pao (a que vemos e tocamos, a que o
físico e o químico estudam) fica sendo amesma. Também já
dissemos que, através da mediacáo do sacerdote que consa
gra, Jesús mesmo faz que aquilo que era pao se torne o seu
corpo. Poder-se-á dizer algo mais a respeito dessa misteriosa
mudanga?
Antes da Idade Media, falava-se déla, mas scm procurar
determinar pormenorizadamente a natureza de tal mudanca.
Na Idade Media, os teólogos aprofondaram-se na pesquisa e
na explicacao. O Concilio de Trento retomou o núcleo central
dessas explicacoes, núcleo que faz parte do misterio, da nossa
fé (quanto as realidades significadas, se nao quanto as fórmu
las utilizadas) '. Os nossos sentidos nao atingeni a csséncia
íntima das realidades corpóreas. Na realidade sensivel, mate
ou menos mutável, do pao e do vinho, exprimc-.se urna reali
dade mais profunda, mais estável, e a nossa inteligencia a
entende, a atinge ao menos confusamente, quando diante dos
elementos sensíveis dizemos: 'Isto é pao'.
Essa realidade mais profunda — nao aparente apenas —
do pao e do. vinho dá lugar, em virtude das palavras de Cristo
pronunciadas pelo sacerdote, a realidade mesura da humani-
dade de Cristo (á realidade profunda do seu corpo e do seu
singue).
Entao dizemos oom veracidade: 'Eis o Cordciro de Deus'
e 'O Corpo de Cristo'. A realidade profunda de que talamos
(a do pao e do vinho, e a do corpo e do sangue de Jesús),^ o
Concilio de Trento a chama 'substancia'. Por conseguinte, ele
da a conversao. eucarístioa o nome de 'transubstanciacao*, c
diz que permanecem apenas as 'aparéncras' do pao e do vinho.

1 Esta frase quer dizer: a doutrina ensinada pelo Concilio de


Trento (conversao da substancia do pao em substancia do corpo de
Cristo) é de fé; todavía a linguagem utilizada pelo texto do Concilio
pode ser substituida por outra. que lhe seja estritamente equivalente
iNota do tradutort.

— 480 —
«CATECISMO HOLANDÉS» OOM SUPLEMENTO 25

O que dissemos nao explica o misterio, mas em parte


define o sea sentido. O misterio nao pode ser eliminado; Deus
é maior do que a nossa inteligencia. Más é importante saber
qne se trata de um misterio de amor. Por meio deste, em
toda, parte onde naja comunidades de fiéis, a Igreja pode
unir-se ao sacrificio do seu Senhor perpetuado para sempre
na térra. Por meio désse misterio podemos receber o Senhor,
nutrimento de nossas almas, no rito tao humano de um ban
quete. Deus escolheu essa maneira comovente de dizer-nos o
seu amor.

Na teología recente, fala-se freqüentemente de urna mu


danca de significado e de destino realizada no pao e no vinho
consagrados. A encíclica «Mysterium fidei» admite essa dupla
mudanca. Mas considera-a como conseqüéncia da conversao
pela qual o pao e o vinho se tornam o corpo e o sangue de
Cristo. Em virtude dessa conversao, os sinais eucarístícos
contém Jesús, o Pao da vida. E por isto éles significam (mu
danca de significado) e causam (mudanca de destino) o nosso
nutrimento espiritual (cf. Paulo VI, ene. 'Mysterium fidei',
A.A.S. 57 [1965] 766);»
Como se vé, o «Novo Catecismo» assim reafirma a dou-
trina da «transubstanciacáo» (a qual nao está necessáriamente
ligada á filosofía de Aristóteles); alude á tese da «transfinali-
zacáo» langada por teólogos holandeses e válida na medida
em que nao exclui a «transubstanciagáo». A propósito de
«transignificagáo» e «transfinalizagáo», veja-se «P.R.» 89/1967,
pp. 206-216.

3) A durajño da real presenta

Texto antigo, pp. 400s da edicáo brasileira do «Novo Ca


tecismo»:

«Há ainda urna pequeña questáo. Quando termina a pre-


senca eucarística de Jesús? — Desde o momento em que já
nao existe a especie de pao. A questáo nao é: até quando pode
algo ser chamado 'pao', física e químicamente, pois pode per-
guntar-se se pao é conceito físico. Sem dúvida, houve tempo
em que se procurou a resposta nessa direcáo, e julgou-se entáo
que a pi-esenca eucaristica cessava uns quinze minutos depois
da comunháo. Mas hoje dá-se solucáo mais simples e mais
humana: pao é algo que se come. Urna vez comido, já ninguém
o chama de pao. A especie de pao cessa no momento de se
consumir a hostia. Já nao é, entáo, algo que serve para

— 481 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969, qu. 3

comer: já é coisa manducada. Da mesma forma, ránguém


chama de pao as pequeninas migalhas. Pedacinhos de hostia
que fícaram sobre o altar nao sao, pois, presenga de Jesús.
Trata-se disto: o que se chama pao, segundo o simples bom
senso? Enquanto houver pao, neste sentido, Cristo permanece
presente. Em suma: 'pao' nao deve ser tomado como conceito
físico, e, sim, como conceito antropológico. Desde que rece
bemos o Oorpo de Cristo, a presenca eucarística transforma-se
naquilo que ela quer efetuar: presenga mais intensa de Jesús
em nos pelo seu Espirito».

Novo texto, pp. [59]s da edigáo italiana do Apéndice:


«Seja-nos lícito agora tratar de um problema de impor
tancia secundaria, a respeito do qual ha certa divergencia de
ophúaes. Quando cessa a presenga eucarística de Jesús? Quando
a realidade sensível, as 'aparéncias' do pao desapareceram.
Esta afinnacáo foi por vézes entendida do ponto de vista da
realidade química que a ciencia pode averiguar. Mas essas
'aparéncias' devem ser entendidas de maneira táo científica?
Nao será melhor perguntarmo-nos: que é que pode ser tído
como, nao, do ponto de vista do senso comum e a» nivel da
experiencia cotidiana? Segundo tal criterio é que se julgará
a duracáo da presenca eucarístíca, Qualquer que seja o juízo
sobre esta opiniáo ou outras, nos recebemos o Corpo de Cristo,
a fim de que ésse 'comer* sacramental Caca crescer a habi-
tacáo do Senhor em nos e a wossa uniáo a fue no amor».
Sobre o mesmo assunto note-se ainda a seguinte modi-
ficacáo:

Texto antigo, pp. 401 da edigáo brasileira do «Novo Ca


tecismo»:
«O Corpo de Cristo é conservado com profundo respeito,
também depois da celebragáo eucarística. Assim pode ser dado,
a todo momento, aos doentes. O lugar de conservagáo é o
'sacrário' ou 'tabernáculo', colocado geralmente sobre um al
tar, no presbiterio da igreja. Desta maneira, o Senhor perma
nece também conosco, fora da Santa Missa. Tudo quanto ácima
dissemos a respeito de sua esperanca 1 vale igualmente para
esta sua presenca continuada: é ela o sinal sensível de que
o Senhor está táo pessoalmente presente em sua Igreja de hoje

i O texto brasileiro diz verbalmente «esperanca», quando deveria


trazer «presenca>.

— 482 —
«CATECISMO HOLANDÉS> COM SUPLEMENTO 27

quanto no meio dos apostólos, durante a sua vida terrestre.


Continuemos tendo consciéntía grata e respeitosa dessa pre-
senga, cada vez que entrarmos numa igreja. Mostremo-lo por
urna genuflexáo atenciosa, ao entrarmos e ao sairmos. A cor
tesía existe também para Nosso Senhor! A veneragáo de Jesús
no Santíssimo Sacramento pode tomar varias formas: alguns
minutos de oragáo em silencio (urna dona de casa foi fazer
suas compras e aproveita essa oportunidade para ir rezar, su
plicando ou agradecendo pelo marido e pelos fflhos), ou ora-
cóes públicas (Béncáo do Santissimo, Procissáo...).»

Novo texto, p. [60] da edicáo italiana do Apéndice:


«O Corpo de Cristo é conservado com reverencia, mesmo
depois da celebragáo. Assim é sempre possível levá-lo aos
enfermos. O lugar de conservagáo, o 'tabernáculo', é colocado
geralmente sobre um altar, no presbiterio da igreja. Desta
maneira, mesmo fora da Missa o Senhor permanece conosco
nesse sinaL Tudo quanto ácima dissemos a respeito da sua
presenga, vale igualmente a propósito dessa sua presenga con
tinuada: é unía, presenta misteriosa e oculta da própria huma
nidad* de Cristo. Procuremos estar conscientes dessa presenca,
com respeito e gratidáo todas as vézes que entramos numa
igreja. O nosso comportamentoi seja sinal de respeito para com
essa presenca adorável; um venerável costume nos pede faga
mos genuflexáo ao entrar e sair. A oracáo silenciosa (por
exemplo, a de urna dona de casa que vai fazer suas compras
e encontra cinco minutos para ir rezar, implorar ou agradecer
ao Senhor por seu marido ou seus filhos) ou ainda urna fungáo
pública (adoragáo e béncáo eucaristicas, procissáo) honram
Jesús nessa sua presenca permanente».

4) A conceisóo virginal

Texto antígo, pp. 92s da edigáo brasileira do «Novo Ca


tecismo»:
«De todos os filhos de promessa que assim nasceram em
Israel, Jesús é o apogeu. Mais do que ninguém é Ele 'filho de
súplica': o fruto de oracáo de todo o povo. Mais do que nin
guém é Ele 'filho de promessa': o Prometido por toda a his
toria do povo. Mais do que ninguém é Ele 'filho de desejo': o
Desejo mais profundo de toda a humanidade. Mais do que
ninguém é Ele 'recebido': fruto de pura graca e promessa
divina, 'recebido do Espirito Santo'. Jesús é 'O1 presente de
Deus a humanidade.
28 «PEKGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969. qu. 3

É isto o que os evangelistas Mateus e Lucas pretendem


anunciar, quando proclamam que Jesús nao nasceu pela von-
tade de um homem. Procuram deixar bem claro que o nasci-
mento de Jesús, ainda infinitamente mais do que o de qualquer
filho de homem, ultrapassa a tudo quanto os homens podem
pelas próprías fórcas.
É ésse o sentido profundo do artigo de fé: 'Nascido da
Virgem Maria'. No seio da humanidade e na fecundidade hu
mana, nada há que seja capaz de produzir Aquéle de quem
depende toda a fecundidade humana e toda a génese de nossa
raga. Pois 'néle tudo foi criado1. Em última análise, a huma
nidade deve éste Prometido exclusivamente ao Espirito de
Deus. 'Ele nao nasceu do sangue, nem da vontade da carne,
nem da vontade do homem, mas sim de Deus' (Joáo 1, 13) >-
Novo texto, pp. [43] s da edicáo italiana do Apéndice:
«De tantos filhos de promessa em Israel, Jesús é o mais
elevado. Quando veio ao mundo, havia sido implorado por todo
um povo, prometido por toda urna historia. Foi filho da pro
messa mais do que nenhum mitro. O mais profundo anelo da
humanidade encontra néle a sua resposta. Eis por que, muito
mais do que o nascimento de algum outro filho do homem,
o nascimento de Jesús supera toda possibilidade humana. Nada
existe no género humano, nada existe da fecundidade humana
que o possa gerar. É déle que depende toda fecundidade hu
mana, depende toda a formagáo do nosso género humano; em
verdade, néle tudo é criado.
O misterio do dom supremo gratuitamente concedido, por
Deus aos homens, podemos vé-Io como que sugerido no lato
(também misterioso) da conceicáo virginal de Jesús, afir-
mada por Mateus o Lucas no seu Evangelho. Jesús nao foi
gorado por interferencia de um homem, mas foi concebido
do Espirito Santo, nasceu de urna jovem, cheia de gra£a>
escolhida por Deus para ser a santa Máe do seu Filho. Este
ensinamento do Evangelho é repetido por todos os antigos
símbolos da fé, pela tradicáo constante dos Padres da Igreja
e pelo magisterio, sob a guia do qual confessamos que Jesús
'foi concebido do. Espirito Santo' e 'nasceu de Maria Virgem.
A partícipacáo singular da Mác de Jesús no misterio
da Encarnacáo explica o papel também singular que Ela
deseanpenhou, em dependencia de seu Filho, na obra da nossa
Redencáo.
Quando meditamos sobre a conceicáo virginal de Jesús,
estojamos atentos a nao. perder de vista a linha diretiva dos

— 484 —
CATECISMO HOLANDÉS» COM SUPLEMENTO _ 29

Evangelhos, que anunciam o misterio da salvacáo. Considere


mos a oonceicáo virginal do Senhor no sea significado sempre
atual de salvacao. Era altamente conveniente que o FUhQ do
hoxnem, vindo a éste mondo, aqui fosse recebido através do
humilde 'fíat' de urna mae cojo coracáo fosse virginalmente
entregue a Deus. Também era conveniente que aquéte que,
desde tóda a eternidade, é o FUho único do Pal, e que, mesmo
como homem, devia estar unido filialmente ao Pai como ne-
niium homem jamáis o será, nao tívessc no pleno sentido da
palavra outro pai que nao Deus. Para quem eré no FUho de
Deus feito homem, torna-se também digno de crédito que o
ingresso do Emanuel na historia tenha sido acompanhado de
um acontecimento extraordinario «m harmonía com ésse mis
terio divino.

Ja houve quem observasse que a conceicáo virginal só é


oxpressamente afirmada duas vézes no Novo Testamento, en-
quanto a morte e a ressurreicáo. de Jesús, por exemplo, ai se
encontram anunciadas em cada pagina. — Respondemos em
primeir» lugar que, por certo, a morte e a ressurreicáo do
Senhor constituem a Boa-Nova por excelencia. É em funcao
desta. mensagem central que, como vimos, o Novo Testamento
narra a infancia de Jesús. É preciso, porém, também notar
que os dois únicos textos da Escritura que narram a infancia,
referem a conceicáo virginal do Senhor; esta é como que o
centro dos relatos evangélicos da infancia».

5) A propósito da perpetua virgindade de María

Texto antigo, p. 96 da edicáo brasileira do «Novo Cate


cismo»:
«O texto de Jo 19, 27 ... por si só já tira tóda probabi-
lidadc de María ter tido mais filhos».

O Apéndice aqui acrescenta, p. [44ls:


«A virgindade perpetua de María é confirmada pela Tra-
dicáo da Igreja, e o magisterio a propóe á fó dos fiéis».

3. Observacáo complementar

A título de informagáo, devemos aqui acrescentar quanto


segué:

— 485 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969, qu. 3

O Instituto Catequético de Nimega, que elaborou o texto


antigo do «Catecismo», nao se deu por satisfeito com as
modiñcacóes feitas 6 margem do texto pela comissáo de teó
logos patrocinados por Roma e pelo episcopado holandés. Por
isto, o P. W. Bless S. J., ex-diretor do Instituto, escreveu, a
mandato do Instituto mesmo de Nimega, o livro publicado ha
poucos meses com o título «Witboek over de Nieuwe Kate-
chismus, in opdracht von het Hoger Katechetisch Instituut,
samengesteld door Dr. W. Bless S. J.». Amboboeken-Utrecht
1969, 375, ou seja, «Livro branco sobre o Novo Catecismo...».
O livro traz sobre a capa o rótulo: «Porque sao inaceitá-
veis as corregóes do Novo Catecismo prescritas por Roma».
Quem percorre ésse volume de 375 páginas, verifica que
o motivo da nio-aceitacáo é simplesmente o seguinte: os estu
diosos de Nimega julgam estar em plena consonancia com a
ortodoxia ou a reta doutrina da fé católica; apenas, dizem,
recorreram a outra maneira de formular a mensagem. Os
teólogos designados por Roma estariam apenas fazendo exi
gencias de escola, ou seja, pedindo a formulacáo das verdades
da fé em termos inspirados por uma cultura ultrapassada ou
pela cultura teológica romana. Ora os holandeses de Nimega
afirmam que tal exigencia deve ceder a um sadio pluralismo
de expressóes dentro da unidade da mesma doutrina.
Infelizmente, porém, parece que a questáo é mais grave.
O que Roma pede, nao é apenas terminología ou linguagem,
mas conteúdo claro e explícito, ou seja, profissáo integral e
lúcida de todas as verdades da fé: conceicáo virginal de Mana,
entendida nao em sentido meramente simbólico, mas no plano
biológico mesmo; existencia real dos anjos (tema que no
«Novo Catecismo» é marcado por uma interrogacao); afirma-
cáo de que a autoridade na Igreja provém de Deus Paipor
meio de Cristo, e nao simplesmente do povo de Deus.._. Para
professar tais verdades da fé, Roma lembra dedanuoes dos
Concilios do Latráo IV (1215), de Trente (1545-1563), do
Vaticano I (1870), e do Vaticano H (1962-1965). Ora tais
dedaracoes, apresentadas no Apéndice ao «Novo Catecismo»,
sao expressóes do magisterio ordinario e extraordinario da
Igreja; nao podem, por isto, ser tidas como documentos de
uma cultura contingente ou de uma fase da historia ultra
passada.
Eis por que nao parecem ter razáo os que propugnam
o «Livro branco sobre o Novo Catecismo». Note-se tambem
que se opóem nao sámente ao alvitre de Roma, mas tambem

— 486 —
MISSA AOS DOMINGOS? 31

ao do episcopado holandés, que entrou em plena consonancia


com a comissáo cardinalícia e a autoridade suprema da Igreja.
É de crer que a atitude magnánima e corajosa dos Srs. Bis-
pos da Holanda, constantemente reafirmada, sirva de exemplo
a todo o povo católico daquela benemérita nagáo.
A propósito, podem-se consultar:
G. Caprile, «n 'Catechismo Olandese' in italiano», em «La Civiltá
Cattolica», 5/7/1969, pp. 70-72.
G. de Rosa, «Un livro blanco sul Nuovo Catechismo Olandese», em
<La Civiltá Cattolica>, 2 e 16/8/1969, pp. 258-265.
G. de Rosa, «La Dichiarazione della Commissione Cardinalizia sui
'Nuovo Catechismo' Olandese», em «La Civiltá Cattolica> 1968, IV 421-
-435; 550-569.

IV. MORAL

—^...
4) «Por que a Igneja conserva o preceito da Missa
dominical?
Nao poderia permitir que cada fíel escolna ó dia da
semana que mais Ihe oonvenha para, participar da S. Missa?»
Resumo da resposta: A Igreja nao pode dispensar os liéis cató
licos do repouso e da santiíicacáo do domingo, pois éste íoi insUtuido
pelo próprio Deus (cf. Éx 20, 9s). Ela poderia, porém, deixar que cada
fiel escolhesseo seu dia de Missa semanal. Neste caso, perguntar-
•se-ia- seria isso vantajoso para a piedade dos íiéis? Parece que se
dissolveria paulatinamente a consciencia comunitaria do povo de Deus.

Resposta: Ao abordar o assunto ácima, convém fazer a


distincáo entre observancia do dia do Senhor (domingo) e
freqüentacáo da Missa no domingo.

1. O dia do Senhor

A observancia do dia do Senhor foi instituida pelo próprio


Deus já no Antigo Testamento; cf. Éx 20,9s: «Recorda-te do
sábado para o santificar. Trabalharas durante seis dias e le-

— 487 —
32 iPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 119/1969, qu. 4

varas a cabo todas as tuas tarefas. Mas o sétimo dia é dia


de descanso, consagrado ao Senhor teu Deus».
A palavra hebraica shabbat vem da raíz sfa b t, que
significa «cessacáo, repouso» e tarabém «sete>. Sábado, por-
tanto, segundo a etimología hebraica, é o sétimo dia da se
mana, consagrado ao repouso a fim de se honrar o Senhor.
Os cristáos, tendo em vista a ressurreicáo de Cristo (que ocor-
reu no dia após o sábado), celebram o sétimo dia da semana
após o sábado dos judeus. Cumprem desta forma a lei de
Deus: em cada sétimo dia, o crista» repousa de seu trabalho
e, de modo especial, dirige o seu pensamento a Deus, cele
brando com júbilo a ressurreicáo do Senhor. Cada domingo é
urna pequeña Páscoa ou urna comemoracáo festiva da vitória
de Cristo sobre a morte.
Já que a observancia do dia do Senhor é de instituiQáo
divina, a Igreja nao a pode abolir; Ela nao pode abrir rnáo
da santificacáo do domingo; de resto, desde os primeiros
decenios do Cristianismo, os cristáos consagraram o domingo
á comemoracáo da ressurreicáo de Cristo; cf. 1 Cor 16,2;
At 20,7.
Recentemente, o Concilio do Vaticano n declarou que a
Igreja está disposta a aceitar urna reforma do calendario que
torne fíxas as festas movéis do ano; Páscoa, Pentecostés e
outras solenidades teriam sua data fixa como o Natal; cada
dia do mes cairia sempre no mesmo dia da semana. Todavía
o Concilio acrescentou que os católicos nao poderiam abrir
máo do ritmo da semana, ou seja, da consagracáo de cada
sétimo dia ao repouso e ao culto divino. E5s <o texto do
Concilio:

«Dos varios sistemas que se excogitarem para estabelecer um


calendario perpetuo e introduzi-lo na sociedade civil, a Igreja só nao
se opora aqueles que conservarem e guardarem a semana de sete dias
com o domingo, nao intercalando dia algum fora da semana, de forma
que se deixe intacta a sucessáo das semanas, a nao ser que se apre-
sentem gravíssimas razSes, sujeitas á consideracáo da Sé Apostólica>
(Const. sobre a Sagrada Liturgia, apéndice).

2. A Missa no domingo

Desde os primordios do Cristianismo, tomou-se obvio para


os cristáos que a maneira mais apta de santificar o domingo
implicava a celebracáo da Eucaristía; esta é o ato central do

— 488 —
MJSSA AOS DOMINGOS? 33

culto cristáo; é também o ponto alto da vida dos discípulos


de Cristo, porque os póe em contato com a obra da Redengáo
e com a fonte de toda santidade; o cristáo nao pode viver
sem a S. Eucaristía.
Já que a freqüentagáo da S. Missa aos domingos se tor
nara praxe comum dos cristáos, os Concilios regionais desde
o sáculo IV a reconheceram e corroboraram com a fórca da
lei; estabeleceu-se assim o preceito da Missa dominical, que
nao é senáo o reflexo de uma praxe dos cristSos muito antiga
e espontánea.
A rigor, poderia a Igreja manter o preceito divino do
repouso dominical, dispensando, porém, os fiéis de assistir á
S. Missa no domingo; apenas pediría que cada um escolhesse
outro dia da semana para freqüentar a Eucaristía.
Seria, porém, tal dispensa oportuna? Levaría ela os fiéis
a uma vivencia mais profunda e seria do Cristianismo?
Talvez naja motivos para responder afirmativamente. Pa
rece, porém, que preponderariam as razóes para a negativa.
Com efeito, em dia de semana as celebragóes eucarísti-
cas nao poderiam reunir a familia de Deus em uma Liturgia
marcadamente comunitaria e fraterna; apenas fiéis isolados
ou pequeños grupos conseguem ir á Missa nos dias úteis. É no
domingo, quando todos os cristáos (com algumas excegóes)
estáo livres do trabalho, que se pode congregar o povo de
Deus como tal. Ora é necessário que a consciéncia do povo ou
da familia de Deus nao se dissolva nos fiéis, mas mantenha
suas expressóes características.
Também se deve levar em conta que é no domingo que
os sacerdotes podem oferecer aos fiéis uma Liturgia deyida-
mente desdobrada e significativa, visto que nos dias úteis,
por um motivo ou por outro, há sempre certa preméncia de
tempo. Pergunta-se entáo: os fiéis que já se sentem pouco
motivados para ir á Missa no domingo, estariam mais atraí
dos por uma Missa em dia útil? Talvez um ou outro, sim;
parece, porém, que, na maioria dos casos, nao; os fiéis em
geral deixariam mais e mais de freqüentar a S. Missa. Esta
entáo ainda seria participada por grupos seletos, e quase só-
mente por tais grupos. Em conseqüéncia, ter-se-ia pulveriza-
gáo de valores, em vez de incremento e aprofundamento dos
mesmos.

A propósito observa muito bem o «Catecismo Holandés»


em uma de suas belas seccóes:

— 489 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1989, qu. 5

«Desde os primeiros tempos do Novo Testamento, os cris-


táos escolheram o dia da Ressurreicáo de Cristo como día
do Senhor. O dia depois do sábado tornou-se assim o seu
dia de reuniáo, de celebracáo da Eucaristía e, mais tarde, do
descanso festivo...
Por isto o católico reserva urna hora livre para a cele
bracáo eucarística como centro do domingo. Éste valor foi
fixado num mandamento da Igreja, do qual muitos reconhe-
ceráo com gratidáo que ele os levou a cumprir fielmente ésse
gesto táo natural para com Deus. Urna hora por semana nao
é muita coisa para quem eré que a sua vida e a sua felici-
dade profluem das máos do Senhor. O fato de que existe um
preceito para tornar obligatoria a freqüéncia á S. Missa do
minical nao quer dizer que nao se vá á Missa com amor e
por amor. O mandamento é muitas vézes garantía contra a
nossa negligencia e imprevidéncia. Liberta o cristáo para que
cumpra um ato no qual, em verdade, ele encontrará a paz..
Dessa maneira, o domingo pode vir a ser o dia em que se
aprofundam a vida e a alegría» (pp. 372-74).

V. DIREITO CANÓNICO

5) «Que é o chamado 'privilegio petrino'? ... Forma


dissimulada de divorcio na Igreja?»

Resumo da resposfca: Se a Igreja. só reconheoe como absoluta


mente indissolúvel o matrimonio válido e consumado de duas pessoas
batizadas entende-se que ela admita, em casos a ser devldamente
estudados, a dissolubilidade do matrimdnio sacramental válido, mas
nao consumado pela cópula carnal. É, sim, a cópula carnal que faz
ísejam dois numa só carne», realizando no pleno sentido da palavra a
instituicao matrimonial. Enquanto nao se di a cópula, o matrimdnio
íica carecendo de sua definitiva afirmacáo.
Cabe ao Sumo Pontífice diretamente proferir a dispensa do ma
trimonio nao consumado, desde que fique provada por processo legal
a nao consumacSo. Dado que os cónjuges hajam coabitado após a
celebracüo das nupcias, o Direito sup6e a consumacáo; o contrario é
que deve ser provado. Proferihdo a dispensa nos casos devidos, o Papa
usa das faculdades especiáis que Cristo concedeu a Pedro e seus su-
cessores, ou seja, usa do «privilegio petrino».
Nótense também que o Direito Canónico declara dissolvido o
matrimonio sacramental nao consumado desde que um dos cónjuges

_ 490 —
PRIVILEGIO PETRINO 35

emita proíissáo religiosa em um Mosteiro ou Convento. Tal caso,


porém, difícilmente se poderá realizar em nossos días, era virtude
de certas exigencias de outra Índole impostas pelo próprio Direito
Canónico.

Resposta: O privilegio «petrino» ou «de Pedro» é o di


reito que assiste ao Sumo Pontífice, sucessor de Pedro, de
dispensar os conjuges de um matrimonio sacramental válida
mente contraído, mas ainda nao consumado.
Segundo o canon 1118 do Código de Direito Canónico,
que exprime o ensinamento das fontes da Tradigáo crista, o
matrimonio, para gozar de absoluta indissolubilidade, deve
preencher as condicóes de sacramento válido e consumado.
Na falta de urna ou outra destas características, nao há indis
solubilidade absoluta. Donde se segué a possibilidade de que
o Vigário de Cristo dissolva o vínculo de um casamento nao
consumado, desde que urna das compartes, ou ambas estejam
sujeitas 'á jurisdicáo da Igreja.
Abaixo examinaremos o histórico do
as condicóes em que é aplicado.

1. Histórico do privilegio pe

Com o decorrer dos tempos, os teólogos e ju


mais e mais tomando consciéncia do significado do matrimo
nio cristáo e da casuística que em torno déle pode ocorrer;
a historia, com seus novos e novos acontecimentos, estimula
os homens a pensar, deduzindo de seus principios novas e
novas conseqüéncias.
Ora nos sáculos DC-XII os canonistas voltaram a sua
atencáo para a possibilidade de se dissolver um matrimonio
sacramental nao consumado. A escola de Paris, seguindo
Ulpiano (jurista romano do séc. HE d. O, ensinava que o
matrimonio se efetua nao pela cópula, mas pelo consenti-
mento dos nubentes. Por isto julgava indissolúvel o matri
monio sacramental antes mesmo de consumado. — Ao con
trario, os juristas de Bolonha afirmavam que sementé o
consentimento nao basta para constituir o vínculo matrimo
nial, mas, para tanto, deve-se-lhe seguir necessáriamente a
cópula. Por conseguinte, os juristas de Bolonha admitiam a
dissolubilidade do matrimonio já iniciado pelo consentimento,
mas ainda nao consumado pela cópula; afirmavam mesmo que

491 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> U9/1969, qu. 5

o vínculo do matrimonio iniciado pelo consentimento, mas nao


consumado pela cópula, se dissolvia por cópula de um dos
cónjuges com um terceiro.
O Papa Alexandre m (1159-1181), mestre da escola de
Bolonha antes de ser eleito Sumo Pontífice, dirimiu a contro
versia, asseverando que o sacramento do matrimonio se cons
tituí desde que haja o consentimento dos nubentes; a absoluta
indissolubilidade, porém, só se verifica em conseqüéncia da
cópula carnal. O Pontífice assim mostrou que considerava o
matrimonio nao consumado como passivo de revisáo por
parte da autoridade competente, ou seja, por intervencáo da
autoridade da Igreja. A mesma doutrina foi proposta por dois
Papas posteriores: Urbano ni (1185-1187) e Inocencio m
(1198-1216) nos seus Decretáis (14, X, II, 32; c. 3. Comp. I
4,8; 3, X, IV, 8). Todavía nenhum désses Pontífices atribuiu
ao Papa o poder de dissolver o matrimonio nao consumado
em casos particulares.
Os canonistas, porém, foram sustentando e desenvolvendo
a sentenga de Alexandre m, de tal sorte que no sáculo XV
os Papas comecaram a fazer uso da faculdade de dispensar
o matrimonio sacramental nao consumado; assim procederam
Martinho V (1417-1431) e Eugenio IV (1431-1447), como
atesta S. Antonino de Florenca, que viu as respectivas bulas
pontificias (cf. «Suma Teológica», parte III, tít. I, cap. 21,3).
Os Pontífices posteriores adotaram a praxe.
No sáculo XVI aínda havia teólogos e juristas que duvi-
davam da liceidade de tal dispensa. Apelavam para o fato de
que o proceder fóra inédito até Martinho V; contavam tam-
bém com a autoridade de grandes teólogos, como S. Boaven-
tura (f 1274), Duns Escoto (t 1308), Reiffenstuel (f 1703),
Billuart (t 1757). Os defensores, porém, da nova praxe apoia-
vam-se, e puderam mais e mais apoiar-se, também na sen-
tenga de eminentes teólogos, como S. Antonino (t 1459),
Caetano (t 1534), Azpilcueta (f 1586), Sánchez (t 1610),
Suárez (t 1617), Schmalzgrueber (t 1735), Bento XIV
(t 1758), Ballerini (f 1769); além do que, podiam apelar
para o procedimento dos Papas durante mais de um sáculo.
O Papa Clemente VIH mandou examinar as dúvidas por uma
comissáo de canonistas e teólogos, que aos 16 de julho de 1599
se exprimiu favoravelmente ao privilegio petrino. Assim dis-
siparam-se as hesitacóes na Igreja e a nova praxe se foi tor
nando relativamente freqüente.
Hoje em día o direito papal de dissolver o matrimonio
sacramental nao consumado faz parte dos ensinamentos

— 492 —
PRIVILEGIO PETRINO 37

da Igreja; está sancionado pelo Código de Direito Canónico


(can 249, § 3» e can. 1119), assim como por um decreto da
S. Congregacáo dos Sacramentos datado de 7 de maio de 1923
(cf. «Acta Apostolicae Sedis» 15 [1929] pp. 389s).

2. Ámbito e sentido do privilegio petrino

1. Ao dispensar o matrimonio sacramental nao consu


mado, o Papa age em nome de Cristo, e por efeito das facili
dades ministeriais que o Senhor concedeu a Pedro (cf. Mt
16,19).
O Direito eclesiástico atual reserva ao Sumo Pontífice a
faculdade de conferir tal dispensa; é, portante, o Papa quem
diretamente a concede. Ao Papa compete também instaurar
o processo necessário para a outorga da dispensa; geralmente,
porém, o Sumo Pontífice delega aos Bispos diocesanos a facul
dade de instituir tal processo.
2. Quanto ao ámbito a que se estende a faculdade pon
tificia, o canon 1119 reza o seguinte:
«O matrimonio nao consumado entre cónjuges bauza-
dos ou entre um cónjuge batizado e outro nao batizado dis-
solve-se...»
Donde se concluí que é solúvel o matrimonio nao con
sumado:
— entre dois consortes batizados na Igreja Católica;
— entre um consorte batizado no Catolicismo e outro no
protestantismo ou em rito oriental cismático;
— entre dois cónjuges nao batizados que tenham consu
mado seu matrimonio e depois hajam (ambos) recebido o
Batismo. Entáo o matrimonio legitimo (nao sacramental) so
torna sacramental. Caso nao seja consumado após o sacra
mento, toma-se solúvel;
— entre um cónjuge católico e outro nao cristáo;

— entre um cónjuge protestante ou oriental cismático e


um cónjuge nao cristáo, em determinadas circunstancias, a
saber: caso ésse protestante ou oriental cismático queira casar-
-se com um fiel católico (com a dispensa de «mista religiáo»),
poderá e deverá obter a dispensa de seu matrimonio anterior
nao consumado (pois o novo matrimonio se realizará com um
fiel católico).

— 493 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969. qu. 5

A dispensa há de ser solicitada por ambas as partes inte-


ressadas ou por urna só (mesmo que a outra seja contraria
á dispensa). Cf. can. 1119.
3. Para se obter a dispensa, requer-se, como se-compre-
ende bem, causa justa e proporcional, a fim de que se evitem
procedimentos levianos. Entre as causas reconheridas pela
praxe da Igreja, enumeram-se: comprovada incompatibilidade
de genios, perigo de escándalo público, de graves rixas, divor
cio já obtido no foro civil...
4. Em que consiste própriamente a náo-consumagáo?
— O matrimonio é dito «nao consumado» quando nao se
efetuou entre os cónjuges o ato marital. A casuística explícita
esta proposicáo nos seguintes termos:
Atos conjugáis incompletos nao consumam o matrimonio.
Nem o consumam os atos realizados contrariamente as leis
da natureza, como sejam o de onanismo ou o de fecundacáo
artificial. Donde se segué que, no foro externo e judicial, a
concepgáo de prole nao é sempre argumento peremptório e
decisivo em favor da consumagáo. A cópula praticada sob o
efeito de meios anticoncepcionais basta para a consumagáo
do matrimonio.
Para que o casamento seja tido como consumado, requer-
-se que a cópula ocorra depois, e nao antes da celebragáo do
casamento.

No Direito eclesiástico, presume-se consumado o matrimo


nio de cónjuges que, após a celebragáo do casamento, hajam
coabitado, a menos que se prove o contrario (cf. canon
1015 § 2*).
5. A verificagáo de náo-consumagáo em processo judi-
ciário faz-se por recurso a argumentos de índole moral e de
índole física.
Entre os primeiros, contam-se:
— o depoimento dos cónjuges prestado sob juramento; tal
depoimento serve apenas de inicio de base em favor da náo-
-consumacáo (cf. can. 1975 § 29);
— o depoimento de testemunhas, escolhidas geralmente
entre os consanguíneos e familiares dos cónjuges interessados
(se nao, entre vizinhos de boa fama e outras pessoas idó
neas). Essas testemunbas, na nomenclatura clássica, sao ditas
«septimae manus» (de sétima máo), porque sao normalmente

— 494 —
petrino39

sete de urna parte e sete de outra. Devem, na medida do pos-


sível, atestar a honestídade e a veracidade dos cónjuges;
— documentos auténticos (públicos ou particulares), mes-
mo náo-judiciários, que expliquem e confirmem os depoimentos
obtidos;
— indicios e presuncóes, que podem ser ou leves ou pon
derosos ou muito ponderosos.
O argumento de Índole física é o exame médico feito
por peritos de acordó com as normas emitidas nos cánones
1976-8L A inspec;áo deve ter em mira averiguar o estado
anatómico próprio de urna senhora que nao tenha tido cópula
carnal completa.
A pericia médica poderá estender-se também ao marido,
nos casos em que se suspeite impotencia.
O exame médico pode ser dispensado, desde que de ante-
máo se evidencie desnecessário.
Se os argumentos apresentados á Santa Sé em favor de
matrimonio nao consumado sao falsos, a dispensa dada sobre
tal base é nula; o matrimonio nao é dissolvido, e nulos tornam-
-se os casamentes que na base dessa falsa dispensa sejam con
traidos pelos interessados.
Eis, em grandes linhas, como se configura o privilegio dito
«petrino» concemente aos processos matrimoniáis.
A título de complemento, deve-se acrescentar algo sobre

3. Matrimonio nao consumado e profissáo solerte

Na historia da Igreja conta-se que pessoas piedosas é


santas, depois de ter celebrado suas nupcias e antes de as
consumar, deixaram a respectiva comparte para entrar num
mosteiro ou num convento e lá consagrar-se a Deus. Tal terá
sido o caso de Santa Odita e de Edildrida, rainhas da Ingla
terra. Nao se pode garantir a veracidade das narrativas res
pectivas, nem se sabe se nesses casos se tratava de nupcias
ou de mero noivado contraídos antes da entrada no convento.

Como quer que seja, o Código de Direito Canónico re-


conhece, hoje em dia, o seguinte: quem, após matrimonio nao
consumado, entre na vida claustral e ai emita profissáo solene
(isto é, determinada forma de profissáo perpetua de vida con
sagrada a Deus na virgindade), está pelo Direito mesmo dis-

— 495 —
40 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969, qu. 5

pensado de seu casamento, nao tendo que recorrer a Santa


Sé para pedir dispensa do matrimonio.
Tal caso é mais teórico que prático. Com efeito, para que
alguém emita profissáo solene, deve fazer ao menos um ano
de noviciado previo. Ora ninguém pode entrar num noviciado
de Ordem ou Congregado Religiosa se está ligado por vínculo
matrimonial; ao contrario, para que o faca, deve obter dis
pensa da Santa Sé. Esta dispensa deverá levar em conta o
matrimonio nao consumado, e, muito provavelmente, dispensa
do na maioria dos casos.
A próxima reforma do Direito Canónico reconsiderará
éste dispositivo da Iegislacáo presente, que outrora talvez
tivesse aplicacáo, mas hoje em día nao mais parece ter sig
nificado.

4. Reflexóo final

A legislagáo da Igreja referente ao matrimonio foi-se tor


nando cada vez mais minuciosa e precisa, pois o assunto é
inegavelmente complexo. Só paulatinamente os juristas ecle
siásticos chegaram á consciéncia de que o matrimonio sacra
mental válido e consumado — e sómente éste — é de todo
indissolúvel. A verificacáo déste fato nao quer dizer que a
Igreja esteja caminhando para abrir novas e novas brechas
na indissolubilidade do sacramento; a atual legislagáo matri
monial cristaliza de maneira definitiva o pensamento católico;
é por revelacáo divina, intocável aos homens, que a Igreja
ensina a indissolubilidade do matrimonio sacramental válido
e consumado.

A fim de defender tal doutrina, os Papas nao hesitaram


em se opor tenazmente a principes e reis, suportando as gra
ves conseqüéncias oriundas de suas firmes atitudes. Sejam,
por exemplo, recordados os seguintes casos:

o Papa Adriano I (772-95) colooou-se ao lado do Pa


triarca de Constantinopla e de Teodoro Estudita na oposicáo
ao Imperador Constantino VI, de Bizáncio, que pleiteava di-
vorciar-se de Maria Armena para contrair novas nupcias com
Teodora, dama da corte.
Nicolau I, Papa (858-67), reprovou firmemente em suas
cartas a intencáo de Lotário II, rei da Lotaríngia, que quería
repudiar a esposa Tietberga, da qual nao tinha filhos, para
unir-se a Valdrada. A luta continuou sob o pontificado de

— 496 —
PRIVILEGIO PETRINO 41

Adriano II (867-72); só se encerrou com a morte de Lotário


em 869.
Semelhantes protestos fizeram-se ouvir da parte do Papa
Inocencio II em relacáo a Raúl, conde de Vermandois, que
havia repudiado a esposa legitima para esposar a cunhada do
rei Luis VII da Franca.

Celestino II (1191-98) e Inocencio m (1198-1216) foram


inquebrantáveis diante das pretensóes de Filipe Augusto, rei
da Franca, que se separara de sua esposa Hdeburga e quería
casar-se com Inés de Meránia.
O Papa Clemente IV (1265-68) enfrentou destemidamente
o rei Jaime de Aragáo, que, alegando lepra em sua esposa
Tarásia, pedia divorcio com novas nupcias.
O rei Ladislau da Hungría rejeitara sua esposa Elisabete,
filha de Carlos de Anjou. Opuseram-se-lhe veementemente os
Pontífices Nicolau IH (1277-80), Martinho IV (1281-85), Ho
norio IV (1285-87) e Nicolau IV (1288-92).
Tornou-se particularmente famoso o litigio entre o Papa
Clemente VH e o rei Henrique VHI da Inglaterra, que soli-
citava divordar-se de sua legítima esposa Catarina de Aragáo.
Por nao conceder o divorcio, a Igreja Católica sofreu o dolo
roso dissldio do reino da Inglaterra.
Ao Imperador Napoleáo Bonaparte resistiu o Papa Pió
VII, exigindo que se casasse no foro religioso com sua esposa
civil Josefina Beauharnais. Posteriormente, recusou-se a reco-
nhecer a validade de novo matrimonio contraído por Napoleáo
com María Luisa.
Estes e outros episodios bem mostram que a Igreja sabe
manter suas posicóes, desde que urna verdade de fé ou de
moral esteja em jógo.
A respeito de famosos casos em que a Igreja parece ter
concedido ou reconhecido o divorcio, veja-se:
«P.R.» 11/1959, pp. 466-70 (Napoleáo Bonaparte);
«P.R.» 11/1958, pp. 470-473 (D. Pedro II de Portugal);
«P.R.» 60/1962, pp. 522-25 (Luís VII e Eleonora da
Aquitánia);
«P.R.» 60/1960, pp. 525-28 (Luís XH).
Deve-se, por fim, notar que a Igreja, visando o bem dos
homens e a ordem da sociedade, estabelece certos impedimen
tos á validade do matrimonio. Quem tenta (ainda que de boa

— 497 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 119/1369, qu. 6

fe) contrair casamento religioso com impedimento dirimente,


simplesmente nao contrai casamento. Por conseguirle, se, tem-
pos depois de unidos, os «esposos» podem provar que se casa-
ram com impedimento dirimente, a Igreja, após o processo
devido, declara a nulidade do casamento (nao houve enlace
matrimonial); nao anula, porém, o casamento, que na verdade
nao existiu.
A respeito de impedimentos para o matrimonio, cf. «P.R.»
11/1958, ppu 459-63.

VI. HISTORIA DO CRISTIANISMO

6) «Que há com b bispo Matías Defregger, auxiliar de


Munique (Alemanha), acusado de ter ordenado terrível ma-
tan$a de inocentes na segunda guerra madial?»

Resumo da resposta: A imprensa comentou calorosamente o íato


de que o atual bispo auxiliar de Munique, Matías Deíregger, em 1944
foi cúmplice de horrendo morticinio de reféns inocentes na Italia. Tal
fato, latente até os últimos meses, tomou-se de dominio público.
Em conseqüéncia, o Cardeal Doepfner, de Munique, houve por
bem prestar esclarecimentos ao público: o capitáo Matías Defregger
tudo fez para evitar o referido crime; tendo enviado recusas e contra-
propostas ao seu General, mandou finalmente dar exocugáo á ordem
inlqua por verificar que inútil seria toda e qualquer resistencia; era
impossivel salvar as vítimas.
Depois da guerra, em 1949, Deíregger foi ordenado sacerdote e
exerceu durante vinte anos zeloso ministerio pastoral, tornando-so
caro e prestimoso a todos quantos com ele privaram. Dai a nomeacáo
de Defregger para o episcopado, nomeagáo que o Cardeal Doepfner
diz ter ponderado atentamente a fim de se certificar de que nao re
dundaría em desdouro do nome cristüo c da causa de Cristo.
O artigo abaixo apresenta interessante documentacáo a propósito.

Resposta: No dia 6 de julho de 1969, o periódico alemáo


«Der Spiegel» publicou longo artigo sobre o bispo D. Matías
Defregger, auxiliar do Cardeal Doepfner, de Munique (Alema
nha). Denunciava-o como ex-ofícial da «Wehrmacht» (exérci-
to) alema, responsável pela execucáo de 17 reféns italianos
durante a noite de 6 a 7 de junho de 1944.

— 498 —
O CASO DO BISPO DEFREGGER 43

Alias, já em 1964 o caso fóra examinado por urna comis-


sáo de juristas de Francoforte (Alemanha). Esta comissáo
terminou seu relatório dizendo que Defregger se tornara real
mente cúmplice de homicidio; o caso, porém, a vinte anos de
distancia, estaría «prescrito» •— o que quer dizer: ter-se-ia
esgotado o prazo válido para se instaurar qualquer processo
contra Matías Defregger.

Eis, porém, que o jornal «Der Spiegel» contesta tal deci-


sáo de Francoforte e pede seja Defregger levado aos tribunais.
A imprensa tem divulgado amplamente as noticias e acusagoes
referentes ao assunto. A Procuradoria do Govérno alemáo
mandou efetuar inquérito sobre o caso Defregger; semelhante
inquérito foi aberto na Italia por parte dos magistrados a
quem a denuncia foi levada.

Abaixo será brevemente esbocado o ocorrido com Matías


Defregger em 1944, ao que se seguiráo alguns significativos
documentos atinentes ao tema.

1. Há 25 anos. ..

Em 1944 o jovem Matías Defregger era capitáo do exér-


cito alemáo, que ocupava a Italia. Havia interrompido os seus
estudos de teología; já entáo tencionava tornar-se sacerdote
(dizem algumas noticias da imprensa que recebera mesmo a
ordem de subdiácono). Por ocasiáo da retirada das tropas
alemas, quatro soldados da «Wehrmacht» foram mortos por
guerrilheiros italianos. Entáo o comandante da 114* divisáo
alpina deu ordem para que fósse extinta a populacáo mas
culina da aldeia de Viletto de Camarda nos Abruzos (prinvín-
cia de Áquila). O capitáo Defregger recusou executar tal
ordem. Sobreveio nova intimacáo, que mandava matar ao
menos os homens de 16 a 60 anos; Defregger também a re-
jeitou. Mas, já que a resistencia se evidenciava inútil, trans-
mitiu o mandamento a um tenente, o qual lhe deu a execucáo
¡mediata. Daí resultou em Viletto a morte de 17 homens ino
centes, vítimas que hoje em dia sao recordadas por um mo
desto monumento erguido na pequeña aldeia.
Terminada a guerra, Matías Defregger se encaminhou
para os estudos de Teología e foi finalmente ordenado sacer
dote em 1949. Desde entáo desenvolveu zeloso e fecundo mi
nisterio em favor das almas, levando sempre vida irrepreen-
sível. Em conseqüéncia, o Cardeal Doepfner, de Munique, quis

— 499 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969, qu. 6

té-lo como bispo auxiliar neste ano de 1969. Os Superiores


eclesiásticos na Alemanha bem conheciam o trágico episodio
de 1944, pois o P. Defregger o havia relatado a quem de
direito; julgavam, porém, que o papel assumido no homicidio
de Viletto por Defregger (gravemente culpado mi nao) estava
resgatado por vinte anos de abnegado trabalho sacerdotal.
Defregger se tornara estimado e benemérito na opiniáo pú
blica alema, que já nao pensava no capitáo da «Wehrmacht»,
mas considerava com carinho o sacerdote e pastor de almas.
— Interessante é notar que o Cardeal Confalonieri — o qual
em 1944 era arcebispo de Áquila — declarou publicamente
jamáis ter conhecido Defregger durante os anos de guerra.
Tais precedentes explicam tenha sido Matías Defregger
designado para ser bispo auxiliar do Cardeal Doepfner em
1969. A Santa Sé julgou poder anuir ao pedido do arcebispo
de Munique, que solicitava a nomeacjio de Defregger para a
funcáo episcopal.
Diante da celeuma movida pela imprensa a respeito do
caso Defregger, os interessados houveram por bem fazer de-
claragóes públicas, das quais váo abaixo transcritas as mais
importantes, pois projetam notável luz sobre as ocorréncias.

2. Alguns documentos

1) O Cardeal Doepfner, de Munique, publicou o seguinte


comunicado com a data de 8 de julho de 1969:
«No último número de um 'magazine' alemáo, Mons. Ma
tías Defregger, bispo auxiliar de Munique e vigário episcopal
para a regiáo sul da diocese, é censurado por haver partici
pado de urna execucáo de reféns durante a Segunda Guerra
Mundial. Na qualidade de arcebispo de Munique e Freising e
sob a responsabilidade que daí decorre, declaro o seguinte:

1. Mons. Defregger era capitáo numa divisáo que, por


ocasiáo do fim da guerra na Italia, teve que efetuar um movi-
mento de retirada em condigóes extremamente difíceis. Quatro
soldados da sua companhia foram mortos por civis. Em con
secuencia, o chefe da divisáo baixou ordem para que fósse
executada toda a populacáo masculina do lugar. Defregger
opós-se imediatamente a essa ordem. Entáo o chefe da divisáo
determinou mandar fuzilar todos os homens de dezesseis a
sessenta anos. Defregger de novo opós-se ao imperativo e fez
contrapropostas para salvar a vida désses homens. O chefe

— 500 —
O CASO DO BISPO DEFREGGER 45

da divisáo, porém, nao as aceitou, e reiterou sua ordem com


mais vigor; enviou mesmo dois oficiáis do seu Estado-Maior
para vigiarem a execucáo do imperativo por parte de De
fregger. Defregger ainda hesitou em transmitir a ordem a um
dos seus subalternos; pediu a um dos oficiáis enviados pelo
Estado-Maior assumisse ele mesmo a chefia da operaeáo. Isto
também lhe foi recusado. Vendo entáo que já nao havia meio
de escapar ao plano, Defregger transmitiu a ordem a um dos
tenentes da sua companhia. Nao participou da execucáo dos
dezessete homens da aldeia.
2. Defregger fez tudo que estava ao seu alcance para
amenizar a horrível sorte da populagáo. Mandou afastar as
mulheres e as criangas para poupar-lhes o horrendo espetáculo.
3. Antes que fósse nomeado bispo auxiliar, examinei
pessoalmente a fundo o caso, e cheguei á conclusáo de que
nao havia em seu oomportamento coisa alguma que caisse sob
os golpes da legislagáo internacional vigente em materia de
crimes de guerra.

4. Quem queira proferir um juizo de conjunto sobre a


questáo, deve levar em consideragáo cuidadosa o seguinte:
para nos, que nao conhecemos o que é urna guerra de resis
tencia, é piráticamente impossivel ter urna nogáo da mesma
(por exemplo, quando se trata de salvar os compatriotas e
proteger os elementos vitáis da divisáo). Nao podemos recusar
compreensáo humana a um homem que, como Mons. Defregger,
teve, em difícil crise de consciéncia, de tomar urna decisáo que
sempre o fez sofrer».

(Texto alemáo na edicáo alema de Klpa, de 8/7/69, e na «Mün-


chener katholische Kirchenzeitung» de 20/7/69. Tradu?áo francesa em
«La Documentation Catholique» t. LXVI, n' 1545, p. 741s).

2) O próprio bispo D. Matías Defregger dirigiu aos sa


cerdotes e aos fiéis da diocese de Munique a seguinte carta:
«Desde o dia 7 de julho de 1969, meu nome é entregue
aos comentarios da imprensa. Sabéis por que razáo. Tenho a
peito dirigir-me a vos como sendo eu um dos vossos.

Nao vos falarei do aspecto jurídico da questáo. Está


exposto ñas conclusóes oficiáis do inquérito. Também nao pro
curo defender-me. Mas é preciso saibais que o que agora é
levado ao conhecimento do público constituí para mim, há
vinte e cinco anos, urna longa provacáo interior, que pesa

— 501 —
46 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969. qu. 6

sobre a minha vida. Fazendo abstragáo de todas as leis da


guerra, volto scmpre a esta pergunta: depois de ter resistido
em váo, nao devia eu ir até o fim e, sem me preocupar com
as conseqüéncias extremas que daí decorreriam para minha
pessoa, nao tinha eu a obrigagáo de recusar transmitir a
ordem e de me opor á execugáo da mesma? Procurei salvar
o que podia ser salvo. Mas nao estava em meu poder impedir
por completo essa horrenda execugáo. Assim fioi-me imposta
urna prova, que eu mesmo nao sei dizer como atravessei. Ape
nas posso entregar-me ao tribunal de Deus.
Até o presente momento, fora algumas raras excecóes,
a ninguém falei dessa prova. Juigava que nao era de utilidade
descrever publicamente ésses horriveis acontecimentos e o
impasse a que fui submetido. Agora, quero pedir aos habitan
tes de Viletto compreensáo e perdáo por ter estado táo pouco
em condigoes de os ajudar. E a vos, católicos da nossa diocese,
pego-vos que deis provas de solidariedade com as vitimas.

Desde a minha ordenado sacerdotal, aos 29 de junho de


1949, os liames com meus irmáos sacerdotes e com os fiéis
de nossa diocese sempre foram para mim urna fonte de fórca
e de paz. É por isto que hoje vos peco e vos rogo que eu possa
permanecer unido a vos e as vossas comunidades, que vos
sentís táo dolorosamente afetados l.

(a) Matías Defregger»

(Texto alemáo na «Münchener katholische Kirchenzeitung», de


20/7/69, p. 3. Traducao francesa em «La Documentation Catholique»
n* citado, p. 742).

3) O cronista Otto Roegele publicou o seguinte comen


tario no «Rheinischer Merkur», de 18/7/69, p. 2:
«A campanha movida por certos jomáis mostra bem
claramente que o público está muito contente por haver fi
nalmente encontrado um bispo que, como se julga, pode ser
acusado de crime de guerra...

1 O Conselho presbiteral e o Conselho pastoral da dioceso de


Munique responderán* favorávelmente a ésse pedido de Mons. De-
Iregger; da mesma forma, o Movimento «Pax Christb da diocese de
Munique. Todavía ñas dioceses de Umburgo e Mogúncia os grupos,
de «Pax Christi» mostraram^se muito mais reservados.

— 502 —
O CASO DO BISPO DEFREGGER 47

daqueles que se achassem na situagáo déle. Quem viveu os


anos da guerra, deve reconhecé-lo. Aquéle que esteja certo
de que teria sacrificado sua própria vida para sustentar urna
recusa, a qual nao teria conseguido salvar a vida de alguém,
mas teria sido um gesto heroico, ... que ésse tal lance a pri-
meira pedra sobre Defregger!»

Como fontes válidas de informacóes a propósito, podemse citar,


entre outros periódicos:
«La Documentation Catholique» t. LXVI, 5-1? de agosto de 1969,
pp. 741s.
«L'Osservatore Romano» (ed. francesa), 22 de agosto de 1969, p. 3.
«Jornal do Brasil», 9/8^69, 1' caderno. p. 11.

Estóvao Bettencourt O.S.B.

CORRESPONDENCIA M1ÜDA

Leitor constante (Campos, KJ): «Sendo a Igreja de Cristo inte


grada por tres ordens de membros (clericato, monacato e laicato), a
qual délas pertencem os Religiosos nao clérigos e as Religiosas?»
De inicio devenios observar que só dois estados de vida na Igreja
Católica se distinguen! própriamente um do outro: o estado dos leigos,
que recebem os sacramentos do Batismo e da Crisma, e o dos clérigos,
que, além. déstes, recebem o sacramento da Ordem. Os Religiosos nao
constituem própriamente um tercetro estado ao lado dos dois mencio
nados, pois há Religiosos que sao clérigos e há Religiosos (ou Reli
giosas) que nao sao clérigos.
O que caracteriza o Religioso (ou a Religiosa) entre os demais
membros do povo de Deus, é a profissao de viver segundo os con-
selhos evangélicos (pobreza, castidade e obediencia) — o que signi
fica em última análise: viver o Batismo táo coerentemente quanto
possivel. Ora tal profissao é períeitamente compativel tanto com o
estado leigo como com o estado clerical.
Acontece, porém, o seguinte: a proíissáo dos conselhos evangé
licos, colocando os Religiosos (e as Religiosas) num quadro de vida
próprio, regido por urna Regra, justifica que se fale do estado reli
gioso na Igreja. É a ésse estado religioso que pertencem as Religiosas
o os Religiosos nao clérigos, como também os Religiosos clérigos.
— O monacato, a que V.S. alude, nao é scnao urna forma do estado
religioso: a frma mais antiga. que se conserva nos mosteiros (be-
neditinos, cistercienses, trapistas, olivetanos, valombrosanos, silves-
trinos...).

E.B.

— 503 —
48 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 119/1969

RESENHA DE LIVROS

A evohicSo hoje, por Vittorio Marcozzi; traducao do Cdn. Adelino


Días Coelho. — Edlcóes Paulinas, Sao Paulo 1969, 140x210 nun,
247 pp.
Éste livro veio preencher seria lactina em nossa bibliografía bra-
sileira. De maneira sucinta, clara e sólida, aborda o táo discutido tema
da evolucao.
O autor é professor da Universidade Gregoriana de Roma, famoso
por seus estudos de paleontología e biología. Comeca por apresentar
breve histórico da questáo citando os primeiros evolucionistas do
sáculo passado (Lamarck, Cuvier, Darwin, Haeckel...) e suas teorias.
Depois cataloga numerosos dados que atestam inegávelmente o fend-
meno «evolucjio» tanto ñas especies de vegetáis e animáis irracionais
quanto na estirpe humana; interessante é a explanacáo que faz dos
íósseis humanos. A seguir, Marcozzi mostra como a evolucáo é fina
lista, ou seja, orientada para determinados fins; a natureza nao evo
lui ao acaso, mas parece tender a tipos preconcebidos, apesar das
tentativas mal sucedidas e dos órgáos indiferentes ou supérfluos...
Ora tal evolucáo postula — ou mesmo exige — a existencia de Deus,
Inteligencia primeira que concebeu e vai atuando o vasto plano da
natureza. — O autor considera também as diferencas que distinguem
nítidamente dos animáis inferiores o ser humano; o instinto ou a
dita «inteligencia» dos animáis é específicamente diverso da inteli
gencia humana, pois os animáis nao se sabem servir de palavras,
nao progridem, nao sao capazes de amar; em suma, estáo imersos
na materia, ao passo que o homem, por suas facilidades caracterís
ticas, transcende a materia, ou seja, possui um principio vital que é
¡material ou espiritual. — O Jivro encerra-se com urna apreciacáo do
materialismo dialético e de teorías afins.
Recomenda-se calorosamente tal obra; servirá a estudantes de
nivel secundario e superior como também a todos os leitores que
desejem informacdes objetivas e sólidas sobre táo importante pro
blema.
«De onde vem o homem? — A questáo é de máxima importancia,
porque da sua solucáo depende a orientacáo da vida de cada um. Nao
pode.ter o mesmo conceito da vida, e táo pouco os mesmos ideáis,
quem se julga sómente um pouco superior aos animáis, provindo
déles por urna evolucáo casual, e quem se afirma termo de um plano
preestablecido pelo Criador» (p. 7).

100 Problemas de Fe, por P. C. Landucci. Trilogía da Fe n« 1;


traducáo de José J. Queiroz O. P. — EdicCes Paulinas, Sao Paulo 1969,
135x200 mm, 338 pp.
100 Problemas Bíblicos, por um grupo de especialistas. Trilogía
da Fé n' 2¡ traducáo de Tarclslo do Nascimento Teixeira. — Edicóes
Paulinas, Sao Paulo 1969, 135x200 mm, 490 pp.
100 Problemas de oonsciéncia, por um grupo de especialistas.
Trilogía da Fé n« 3; traducáo de José Wagner Leáo; adaptacao á
legislacao brasileira por José J. Queiroz. — Edicoes Paulinas, Sao
Paulo 1969, 135x200 mm, 393 pp.

— 504 —
Estes tres livros. que constituem uma colegáo homogénea, consi-
deram questóes e dúvidas suscitadas quando se trata de Religiáo era
conversas, circuios, aulas... Nem todas essas questóes tém a mesma
importancia. Quanto as respostas, sao sucintas (entre duas e quatro
páginas para cada uma). Como se compreende. nao estáo todas as
respostas á mesma altura — o que se explica pelo íato de que diversos
colaboradores (cada qual com s'ua índole próprial as redigem, como
também pela dificuldade de se explanar um tema, por vézes arduo,
om espaco muito limitado. Como quer que seja. pódese crer que os
tres livros seráo de grande utilidade a sacerdotes e leigos, pois a
doutrina que propóem é sólida e o estilo assaz acessivel. Muitos
leitores poderáo corroborar sua íé ao contato dessa pequeña biblioteca.

Perscrutanilo .as Escrituras VI. Sao Marcas (V), por írei Marti-
nho Penido Burnior O. P. - Editora Vozes, Petrópolis 1969, 158x227
mm. 174 pp.
No estilo dos volumes anteriores, éste novo tomo de Freí Marti-
nho íornece rico e válido material para a leitura da Biblia em circuios.
Abrange a seccáo de Me 10.113-37. O comentario visa satisfazer tanto
ao estudo quanto á piodade dos leitores. Cí. «P.R.» 114/1969. 3' capa;
118/1969. 3' capa.

A segunda episloLi aas Tessalonicenses, comentada por Hans


Andreas Egenolí; traducáo de José e Irene Khóh. Colecáo «Novo Tes
tamento. Comentario e mensagem» n* 14. Editora Vozes, Petrópolis
1969, 125x182 mm, 103 pp.
A Editora Vozes iniciou a publicacáo de um comentario completo
dos livros do Novo Testamento, redigido por especialistas alemaes.
Tem por íinalidade favorecer a leitura espiritual; por isto evita ques
tóes de mera erudicao e realca sempre o conteúdo doutrinário do
texto sagrado — o que é de grande valor para a meditagáo e a oragáo.
Neste comentario da segunda carta aos Tessalonicenses, apenas
se poderia desejar fdssem um pouco mais explanadas as questóes
atinentes ao Anticrislo e ao Obstáculo (cf. 2 Tes 2,1-8). Na verdade,
o problema nao admite solugáo dirimente; todavía o leitor se bene
ficiaría com informacóes mais explícitas sobre o assunto. Permita
Deus, se complete a publicacáo da serie de tño úteis volumes, publi-
cagao iniciada em 1966 com o comentario de Mt!
Millos da Luz. pela Irma Ana Agostinho Roy A. C. — Editora
Vozes, Petrópolis 1969, 125 x 180 mm, 32 pp.
Nos últimos tempos tem-se aprimorado a forma;áo crista dos
pais que apresentam seus filhinhos ao Batismo. Faltava, porém, um
roteiro de trabalho ou um pequeño manual que fornecesse subsidios
para palestras destinadas a tal auditorio. O livrinho ácima referido
satisfaz a tal necessidade. A autora especializou-se na catequese de
diversos graus de ouvintes; sabe expor com clareza e seguranca a
doutrina devida.

E.B.
NO PRÓXIMO NÚMERO :

Os «hippies» : sim ou nao ?


• ■■'. ' ■ '•
' : " ■ O .paraíso bíblico e as ciencias naturais

Oracáp : luta contra Deus ?

Cristo1 e Buda : historia e estória

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

porte comum NCr$ 17,00


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Número avulso de qualqucr mes e ano NCr$ 1,50

Número especial de abril de 1968 NCr$ 3,00

Volumes encadernados: 1957 a 1968 (preeo unitario). NCr$ 17,00

Índice Geral de 1957 a 1964 NCr$ 10,00


índice de qualquer ano NCr$ 1.00
Encíclica «Populorum Progressio> NCr$ 0,50

Encíclica «Humanae Vitae* (Regulacao da Natalidade) NCrS 0,70

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