Você está na página 1de 142
GUSTAVO BARROSO GUSTAVO BARROSO HISTORIA SECRETA DO BRASIL VOLUME 5 12 REEDICAO 1993 Conferindo e Divulgando a Historia Caixa Postal 10466 90001 — Porto Alegre-RS “Amagonaria 6 ré de lesa-patria. Cada santificagao que parte de seus grémios representa nada mais, nada menos que um declinio no prestigio augusto da Raga. Nos judeus, defende uma ética inimiga contra a integridade precaria da Grei. Nos jesuitas, ataca a Unica organizagao que ainda lhe mete receias. No livre-pensamento, entra- quece a disciplina catdlica, que , e foi sempre, a melhor garantia da unidade moral da Nagao. Nas lutas intestinas que ateia e alimenta, é a anulagdo da idéia nacional que tende empenhadamente para que mais um passo se avance no caminho que leva 4 Cidade-Futura, em que nao haverd nem deuses, nem chefes.” ANTONIO SARDINHA "© Territério.e a Raga”, pg. 20 “Esta escrito (e ninguém o poderd apagar) que todo Império dividido ha de perecer: (M)Omne regnum in se jpsum divisum desola- bitur; eo parlameniarismo que divide os 4nimos e os inquieta; que poe em dispersao todas as jerarquias, que divide a sociedade em cem partidos; e que, nao contente com a diviséo natural do poder ja estabelecida, quer ainda levar essa divisdo ao seio do poder centrali- zador e unitivo, 0 poder Real ou Moderador; — o parlamentarismo, que € a divisdo no todo e em todas as partes, nas allas regides, nas regides médias e nas regides baixas, no poder, na sociedade e no homem, nao pode subtrair-se, nem se subtrairé jamais ao império dessa lei inexoravelmente soberana. Sim, o parlameniarismo morre- ra..." BRAZ FLORENTINO “© Poder Moderador’, pg. 536 INDICE Volume 5. I. O Ministro que durou nove horas . 1 ll. O Rei, o Vice-Rei, o Magico e os Patriarcas Invisiveis 17 Ill. Orabe do foguete ... 29 IV. A guerra civil das matas - 46 V. O Tigre de Palermo e o Carnaval Financeiro .... 57 Vi. Arealeza econOmica ............00ceeeseeee 71 Vil, Apatadoleopardo .... 81 Vill. O pomo da discordia . 95 IX. O Império e os dois galos de 107 ‘Capitulo! © MINISTRO QUE DUROU NOVE HORAS A salvacao do Brasil estava nas mAos débeis de um rapaz de quatorze anos, rebento de Bragangas, Bourbons e Habsburgos, nas- cido na nossa terra. Principe Brasileiro. Orfao que ficara quase como um refém da politica magénica ou magonizada, quando o pai abdicara na triste madrugada de sete de abril. Flor da estufa de Sao Cristovam, criara-se no convivio das livros e de mestres rigidos, sabios ou freires, sem um sorriso de m&e, sem um carinhe de pai, ameldando o carater germanico no estudo, na meditagao, no siléncio e na melancolia dos vastos salées desertos. Quase nao brincava. Quase nao corria. Nunca fizera uma garotada. Haviam-no preparado para reinar como um rei habil, constitucional e brando do século XIX. Assim reinaria, mas com sua vontade sempre alerta e o lapis fatidico com que marcava os canalhas sempre pronto, E reinaria quarenta e nove anos! Por que reinaria tao largo tempo? Por que levariam as forcas ocultas meio centenario para destruir o Império e levantar em seu lugar a sonhada Republica desde os prodromos da Independéncia? Porque, independendo da vontade magénica, se criara no povo brasileiro, ao sopro dos vendavais de anarquia do periodo regencial, uma verdadeira mistica do trono. Com o tempo, essa mistica se transportou para a propria pessoa do imperante, gracas as suas qualidades pessoais, Essa mistica* chegava ao ponto de um chefe magénico da felpa de Tedtilo Ottoni declarar o Imperador instrumen- to providencial € querer, “por acordo universal” dos partidos e fac- g6es, o suprimento de idade para o fim da tutela. Como muito bem diz Otavio Tarquinio de Souza, biogratande Bernardo Pereira de Vascon- celos, “o trono continuava a ser o grande principio da unidade nacio- nal (1)". Concordavam nesse ponto até os politicos mais contrarios a idéia da realeza. Tao forte essa mistica que péde durar até a Republica. Veio mesmo aos nossos dias, mau grado todas as propagandas positivis- 1 tas. Os préprios homens que derrubaram a monarquia sofriam a sua influéncia. Como os barbaros nérdicos que destruiam cheios de as- sombro a civilizagao romana e procuravam imita-la, depois. A Republi- ca botou abaixo o Império 6, para ter paz, recorreu a presidentes que haviam sido conselheiros do Império. Quintino Bocaitiva, de sangue platino, veneravel da magonaria, um dos fundadores da Republica de 1889, exclamava: — “O Império foi a Paz!" Dai a forea que conseguiu ter logo de inicio o rapazinho de quatorze anos, assentado no trono gragas ao golpe branco da Maiori- dade, unindo e salvando o Brasil. “Quando outros sao criangas, era um homem (2)."” Conheciam-lhe as qualidades de homem os que privavam no paco e muitos dos personagens mais influentes da pr ca nacional. Desde certo tempo se esbogava nos bastidores o movi- mento que devia produzir a Maioridade. Os partidarios desta, chama- dos maioristas, surgiam por toda a parte. Alguns eram movides pela ambigao de obter proventos de uma mudanga radical de regime para a qual tivessem contribuido. A eterna alegagao dos servigos presta- dos. Muitos sentiam mesmo a necessidade natural de uma centraliza- ao do poder ante o panorama desolador da anarquia nacional. A magonaria iria agir, tirando o melhor partido possivel dessa corrente. O jovem principe desejava o trona, cansado de regéncias e tutelas, aconselhado pelos seus intimos, e mantinha comunicagées misterio- sas com os maioristas, iludindo o Regente do Império (3) Contudo, a margem da "'Biografia do Conselheiro Furtado” de Tito Franco de Almeida, Sua Majestade o sr. D. Pedro Il escreveu uma feita com 0 prdéprio punho esta glosa: “Eu nao tinha a ambigdo de governar; sem a influéncia da gente que me cercava, teria recusado.” Diria a verdade? O visconde de Sabdia refuta quaisquer influéncias ocultas no Animo do Imperador menor (4). Houve quem se pronun- ciasse da seguinte forma a seu respeito, vendo-o agir no momento da Maioridade: — “Nao ha divida, 6 Braganga, 0 menino tem ronhal” D. Pedro Il nunca foi magon, nunca teve a menor ligagao com sociedades secretas, As influéncias ocultas que o visconde de Sa- béia nega haverem atuado no seu animo e as quais ele afirma, na glosa, ter cbedecido, sé podiam ser mesmo as da gente que o rodea- va. Em primeiro lugar, o futuro visconde de Sepetiba, Aureliano Couti- nho, cujos filhos eram dos rarissimos companheiros dos rarissimos folguedos infantis do Imperador, Brincavam, as vezes, com ele de soldado (5). Depois, Luiz Pedreira do Couto Ferraz, visconde do Bom Retiro. Joaquim Nabuco afirma que o Imperador ‘tinha fascinagao” por Aureliano Coutinho e acha que a “influéncia pessoal” deste, entre 2 1840 e 1848, a Maioridade e a Revolugao Praieira, 6 um dos “enigmas de nossa histéria constitucional (6)". A isto aduz Otavio Tarquinio: “o certo 6 que nenhum homem, nenhum politico, em todo o Segundo Reinado, teve maior ascendéncia, maior forga do que Aureliano Cou- tinho. Sem diivida, o Imperador nao se deixou manobrar por ele; o menino do “quero ja" tinha vontade e teve-a durante os cinglienta anos de trono, mau grado a falsa opiniao que se formou a seu respeito; mas o futuro visconde de Sepetiba, com as suas ligagdes palacianas e os seus contatos com 0 corrilho da Joana, nas célebres reunides em casa do mordomo imperial Paulo Barbosa, derribou sem dificuldades 9 gabinete de 24 de julho de 1840." Como ministro da Justiga, Aureliano Coutinho dissolvera, em 1834, os clubes e socieda- des magénicos. Mais tarde, expulsara José Bonifacio da tutoria impe- rial e seus aderentes do pago, processando-os como réus de traigdo. Fez tutor seu amigo, o marqués de Itanhaen, preceptor seu amigo frei Pedro de Santa Mariana, bispo de Anemtlia, mordomo seu amigo Paulo Barbosa, Os Andradas odiavam-no (7) Apesar do que escrevera a margem da “‘Biografia do Conselheiro Furtado”, estando presente 4 leitura, no Instituto Histérico, da “Memé- ria” de Trist&éo de Alencar Araripe sobre a Maioridade, D. Pedro || declarou que "nao se recordava de ter sido jamais procurado por pessoa alguma do pago para enunciar-se acerca da projetada decla- ragdo da Maioridade (8)." Lapso verdadeiramente espantoso em quem, como o Imperador, possuia admiravel meméria, capaz de guar- dar o nome de pessoas remotas que Ihe eram apresentadas pela primeira vez, Anos apés, se as encontrava, os repetia. A famosa meméria dos Bourbons, cujo sangue Ihe vinha da avé paterna, de Espanha. A Maioridade nao foi unicamente produto da vontade do érfao imperial, nem da camarilha palaciana, nem destes ou daqueles, des- tas ou daqueélas forgas; mas uma resultante de varios fatores. Langa- da a idéia, quando mais convulsos e perigosos eram os estertores da Regéncia, sua elaboragdo se produziu em duas faces: a dos atos secretos € a dos fatos notérios (9). Os moderados ou conservadores achavam-se no poder, Os liberais estavam de baixo. Estes queriam subir, derrubando aqueles, Tamanha paixdo partidaria os cegava que se mostravam os mais entusiasmados e estrénuos defensores do principio monarquico, quando sua doutrina politica era a que mais dele se afastava, beirando a republica, e quando condenavam sem remis- s4o as doutrinas que bebiam, mais do que quaisquer outros, no seio das magonarias e das buchas. Atitude paradoxal dos politicos demo- 3

Você também pode gostar