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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LIME

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questoes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortaieca
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicacáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga


depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
SUMARIO

Mae de Deus, Máe dos Homens

"Antropología do Prazer"

Vida Crista e Penitencia

"Em nome do Diabo"

As Frustracdes do Aborto

José Moscati, o Médico Santo

Notas

ANO XXIX AGOSTO 1988 315


PERGUNTE E RESPONDEREMOS
AGOSTO - 1988
Pubjicapao mensal N9315

Oiretor-Responsável: SUMARIO
Estéváo Bettencourt OSB Máe de Deus, Má"e dos Homens 337
Autor e Redator de toda a materia
publicada nesie periódico Em foco:

"Antropología do Prazer" 338


Diretor-Administrador:
Prazer ou Perfeicao?
0. Hildebrando P. Martins OSB
Vida Crista e Penitencia 353
Administracáo e distribuicáo: Tese-antítese:
Edicóes Lumen Christi "Em Nome do Diabo" 361
Oom Gerardo, 40 - 5" andar S/501
Fala a experiencia:
Tel.: (021)291-7122
Caixa Postal 2666 As Frustra poes do Aborto 367
20001 - Pió de Janeiro - RJ
Um Santo leigo em nosso século:
José Moscati, o Médico Santo 377
Notas 383
"MARQUES-SARAJVA"
aúneos e cdijorcs s*

iSSINATURA: Cz$ 2.000,00


NO PRÓXIMO NÚMERO:
i partir de 15 de agosto)
úmero avulso: Cz$ 200,00 316 -Setembro- 1988

agamento {¿ escolha). Deus Existe? - A Religiao na URSS. - O ca


so Lefebvre. - A "Biblia de Jerusalém": Sim
. VALE POSTAL a Agencia Central dus ou Nao? - "Como se faz um Padre Celiba-
Correios do Rio de Janeiro. tário" (G. de Moura)
I. CHEQUE BANCÁRIO
1. No Banco do Brasil, pata crédito na Cun
ta Corrente n?0031. 304 1 em nome do
MosteirodeS. Bentodo Rio de Janeiro, pa-
gável na Agencia da Praca Mauá (n°0435). COM APROVAQÁO ECLESIÁSTICA

RENOVÉ QUANTO ANTES COMUNIQUE NOS OUALOUER


A SUA ASSINATURA MUDANCA DE ENDE.RECO
¡-V»' A
Máe de Deus, Máe dos Homéñs

O mes de agosto, no calendario católico, é marcado pela Assuncao de


Mari a, que encerra o Ano Mariano.

A Assuncao é o desfecho da vida terrestre daquela que foi a Máe por


excelencia. Já as primeiras páginas da Biblia falam de urna mulher, chama
da Eva, ou seja, Máe da Vida (cf. Gn 3,20}. Esta teria urna descendencia (ou,
melhor, segundo o hebraico, um descendente) que esmagaria a cabeca da
Serpente (cf. Gn 3,15). Assim o papel de Eva se tornou pleno em Maria, a
nova Eva, cujo Filho, Jesús Cristo, esmagou o Maligno.
No Evangelho, Jesús duas vezes chama sua Máe "Mulher" (cf. Jo 2,3;
19,26). Este apelativo, estranho á primeira vista, é altamente honroso para
Maria; há de ser entendido como alusáo ao texto de Gn 3,15, que menciona
a Mulher,... a Mulher que daria á luz o Vencedor da Serpente. Maria assim é
apresentada por Jesús como a Mulher por excelencia,... dignificada pela sua
típica funcao de Mae.
Jesús quis ainda estender a Matemidade de Maria a todos os homens...
Sim; pendente da Cruz, disse a Maria, aludindo a Joáo: "Mulher, eis o teu fi
lho" e a Joao: "Eis a tua Mae" (Jo 19,25-27).
Por fim, no último livro da Biblia, ou seja, no Apocalipse, capítulo 12,
retorna a imagem da Mulher-Máe, fazendo eco ao Génesis. Com efeito; apa
rece urna Mulher misteriosa: é revestida de luz, mas ao mesmo tempo sofre
as dores do parto; finalmente dá á luz um Filho, que é evidentemente o
Messias; este vence a sanha do Dragao e é arrebatado aos céus. A Mulher as
sim descrita é a Filha de Sion (cf. Sf 3,14; Zc 2,14); é a Mulher do Génesis,
que se torna plena em Maria, a Mae do Salvador. Enquanto este entra triun
fante na gloria do céu, a Muiher-Mae permanece na térra, perseguida pelo
Maligno e defendida por Deus; ela tem outros filhos, que o Dragao quer arre
batar para o Mal. Bem se vé ai a Maternidade de Maria a se prolongar na San
ta Máe Igreja; os filhos da Igreja sao filhos de Maria, que assim continua a
exercer a sua Maternidade até o fim dos sáculos.
Este breve percurso bíblico mostra como está gravada no Livro Santo
a figura da Muiher-Mae,... Máe da Vida; sim, a primeira Eva já é esboco da
segunda Eva, Maria SS., a Máe da Vida por excelencia, que apareceu na ple-
nitude dos tempos e consuma a sua missao através da Maternidade da Igreja.
É por isto que na piedade católica nao pode faltar o amor á Mae da
Vida, Máe que, compreensiva, intercede pelos filhos quando Ihes falta vinho
ou quando Ihes faltam os subsidios para chegarem a plenitude da Vida!

"Á vossa protecao recorremos, Santa Mae de Deus..."


E.B.

337
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XXIX -- N? 315 - Agosto de 1988

Em foco:

"Antropología do Prazer"

por Hubert Lepargneur

Em síntese: O Pe. Lepargneur percorre algumas escolas que se manifes-


taram sobre o sentido do prazer, desde a antigüidade até os nossos dias. De-
tém-se tongamente sobre o pensamento católico, que ele critica por ter sido,
durante séculos, pessimista em relacao ao prazer (conforme Lepargneur}.
Concluí insinuando que a doutrina da Igreja e a estima do prazer se vio
aproximando mutuamente nos últimos tempos. Contudo o livro é, por ve-
zes, obscuro; nao apresenta urna tese claramente definida.

Na verdade, a Igreja distingue entre o prazer sensi'vel lou mesmo sen


sual) e o prazer espiritual. Este é parte integrante da formaqao de urna perso-
nalidade e da vocacao que o Criador deu a todo ser humano; este foi feito
para a vida (cf. Sb 2,23s). — Quanto ao prazer sensível, nao é mau, desde
que subordinado a urna finalidade ulterior; o prazer pelo prazer redunda em
hedonismo total, que nunca satisfaz ao homem e, deixando-o insaciado,
pode suscitar o uso de drogas (fuga da realidade) e a conseqüente criminali-
dade.- O homem há de se reger nao pelo "principio do prazer", mas pelo da
auto-realizacao ou perfeicao, que incluí necessariamente certas renuncias e
privacoes, indispenséveis para que a pessoa cresca harmoniosamente e des
cubra cada vez mais a verdadeira alegría.

Após escrever a "Antropología do Sofrimento" (cf. PR 289/1986, pp.


252-261), o Pe. Hubert Lepargneur escreveu a "Antropología do Prazer",1

1 Ed. Papirus, Campiñas 1985, 135 x 210 mm, 185 pp.

338
"ANTROPOLOGÍA DO PRAZER'

livro que suscita problemas, deixando o leitor sujeito a interrogacóes. Na


verdade, o assunto está muito em foco na filosofía contemporánea, especial
mente por causa da "revolucáo sexual", que i rrom peu nos últimos decenios.
Sis a razáo pela qual abordaremos o conteúdo do livro e Ihe teceremos
alguns comentarios.

1. Linhas principáis do livro

1.1. Que diz o autor?

0 Pe. Lepargneur apresenta a posicao de varios pensadores e escolas


em relagáo ao prazer e ao desejo (desejo que se deve entender como "dtsejo
sensi'vel" ou "da sensibilidade" no contexto do livro}: os estoicos, os antigos
escritores da Igreja, a teología medieval, Lutero e os reformadores do sáculo
XVI, a Psicanálise moderna, o Estruturalismo de Michel Foucault... saopas-
sados em revista. É enfatizada, de modo especial, a severidade com que os
mestres cristaos dos primeiros sáculos consideraran^ o uso da genitalidade
mesmo entre cónjuges. Á p. 27 Lepargneur propoe evolucao das idéias no
campo católico:

"Simplificando muito, vamos distinguir tres fases: urna primeira domi


nada pelo pessimismo e a grande figura de Santo Agostinho; urna segunda,
que principia com a voz mais otimista de Sao Tomás de Aquino, mas que
nunca se impós completamente neste particular, na prútica eclesial, a que
vira mais nítidamente ao pessimismo entre o sáculo XIV (Guilherme de
Occam) e o II Concilio do Vaticano (década de 1960); a fase atual, a partir
dos meados do sáculo XX, caracterizase pela contestacao, a indecisao, os
conflitos de consciéncia e de coswmes, as releituras, os cortes epistemológi
cos, isto é, nos motiva a rever de perto os problemas" (pp. 27s).

Para apoiar suas afirmacoes, H. Lepargneur se refere a livros de histo


ria ou a autores "de segunda mao", nem sempre católicos, que ele cita com
certa freqüéncia como pontos de apoio de seus dizeres: M.-O. Métral
(p. 27), Georges Duby (pp. 27ss), J. Nooman (pp.34-36), L. Flandrin (p.37),
Jacques Doyon (p. 33), J.-M. Pohier (p. 115, autor cujas posicoes liberáis
foram censuradas pelo magisterio da Igreja), G. W. Forell (p. 117, protestan
te). Melhor teria sido que Lepargneur recorresse menos aos julgamentos pro
feridos por tais autores, nao raro unilateral; pode ría ter sido mais indepen
den te no seu modo de analisar o passado. Leva em conta muito mais os
traeos negativos do que os positivos de maneira um tanto preconcebida;
nem parece interessado em entender os antigos dentro do seu respectivo
contexto.

339
4 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

Quem acaba de ler o livro em foco, nao percebe claramente o que o


autor quer dizer ou qual a tese final da sua obra: certamente mostra nao
seguir a orientapao de S. Gregorio de Nissa (T394), S. Agostinho (t430), S.
Cesário de Arles (t542), S. Gregorio Magno (t604). Mas também nao mani-
festa a sua posicáo diante da questao: o prazer, como prazer, é lícito ao cris-
tao?... ao ser humano digno e honesto? — 0 leitor se vé interpelado por
grande número de sentenpas de filósofos, teólogos, psicólogos (nem sempre
expostas com clareza; ver pp. 38,40); encontra também criticas á doutrina
católica e a outras escolas..., mas em vao procuraría saber para onde caminha
o pensamento do autor. Eis os parágrafos fináis do livro:

"Por enquanto, seguimos o conselho que deu, há mais de um decenio,


o psicanalista Jean Bergeret, já que concordamos sobre a relevancia atual de
suas observacoes: 'Seria desejável que a psiquiatría, a filosofía e a teología ¡n-
terrogassem aínda mais a psicanálise com vistas a esclarecer, no quadro de
cada indivídualidade, urna melhor elaboracao estruturante do prazer, sem
impor, através de interditos ou idéias tao rígidos quanto infundados, regras
ou códigos éticos demais rígidos e irrealistas. Sendo essencialmente varia-
veis os graus de maturacao..., os modelos éticos só podem se conceber como
tao específicamente personalizados quanto os modelos hedónicos'. E aínda
esta assertiva final do mesmo artigo de J. Bergeret: 'Que caminho sobra
para os teólogos percorrerem, nao apenas ñas re/acóes de troca de informa-
coes com os outros pesquisadores, mas sobretudo no interior deles mesmos,
para tentar ¡r aínda mais longe?'

Prazer, fim ou combusti'vel do desejo? Esta e outras perguntas, nunca


totalmente respondidas, nao significam para nos qualquer ¡ndevida relativi-
zaqao da moral. Duas imagens, para finalizar. 'Gosto muito de Yacatan, o
país dos Mayas: ai vivi tres días de felicidade, ñas chopas dos camponeses,
os únicos tres dias de felicidade de minha vida.' Quem fez esta recente decía-
racao? O maior romancista contemporáneo da Italia. Sic transit gloria mundi.
'Sobre a tela de Molenaer de Haarlem (comeco do sáculo XVIII), vé-se urna
jovem senhora sendo perneada por urna velha servidora diante dum garoto
que brinca: o pé da senhora repousa sobre urna caveíra, o garoto faz borbu-
Ihas de sabio'.' 'E ninguém vos tirará a vossa alegría' (Jo 16,22)" (pp. 184s).

1.2. A Igreja no livro


No tocante á Igreja Católica, o autor nem sempre é fiel e reverente
porta-voz: julga que, "como a URSS, a Igreja romana é urna gerontocracia

1 Em nota o autor observa que a citacao é de André Chastel em Le Monde,


21/11/1984, e acrescenta: "Tratase evidentemente da 'Senhora Mundo', ale
goría da Vaidade Universal. O prazer-vaidade nem dura tanto quanto esta
tela holandesa, o tempo duma borbulha de sabSo."

340
•antropología do prazer"

¡nevitavelmente conservadora" (p. 42). Estes dizeres comparam indevida-


mente Igreja (Corpo de Cristo Místico) e URSS (Estado ateu e materialista);
além do qué. pecam por insinuar que a fidelidade ao passado é própria dos
velhos, ao passo que a juventude seria típicamente ¡novadora. Ora a Igreja,
ao professar o seu Credo, nao se pode reger por criterios meramente huma
nos ou pela evolupáo de culturas e mentalidades; ela tem que ser o eco vivo
da Palavra de Deus, que por vezes "é loucura e escándalo" (1Cor 1,23).

Á p. 42 aínda, o autor escreve: "De 1909 a 1940 o Tribunal da Rota


anulou 40 casamentos por exclusao do bem da prole". - Ora um erudito
pensador como'H. Lepargneur bem sabe que a Igreja nao anula (nao torna
nulo o casamento válido), mas declara nulos os casamentos que sempre fo-
ram nulos, mas paree i am válidos no foro externo.

Á p. 75, Lepargneur apresenta urna versao da doutrina do pecado


original que é caricatura, apoíando-se para tanto nos escritos de J.-M.
Pohíer. — É de crer que Lepargneur, como amigo professor de Teología, te-
nha consciéncía de que a versao assim apresentada e criticada nao correspon
de ao que a Igreja ensína.2

2 Eis o que se lé ás pp. 75s do livro em foco:


"Na opiniao do Pe. Pohier... acreditar que o homem é ¡mortal por na-
tureza, que ele se tornou mortal em decorréncia duma culpa que Ihe feria
merecido a retracto do privilegio da imortalidade, por parte daquele que ¡he
teña outorgado... Acreditar que o homem pode recuperar este privilegio
com a condicao de morrer para si mesmo e aniquilarse na obediencia..., eis
que se parece... com os votos mais típicos da fase crítica do complexo de
Édipo " (os grifos sao nossos).
Este texto merece reparos:
1) Natureza... privilegio... Se o homem era ¡mortal por natureza, ele
nao o era por privilegio. Na terminología usada pelo autor, há, portanto,
urna contradicao:privilegio é o que vem acrescentado a natureza.
2) Na verdade, o homem tem urna alma ¡mortal por sua própria natu
reza (pois é espiritual). Mas o homem nao é só alma; é também corpo unido
a alma; este composto tende a se decompor pelo desgaste dos órgaos cor
póreos. Ora rio estado original Deus concedeu ao homem (como composto
de corpo e alma) o privilegio de nao se decompor ou nao morrer (cf. Gn
2,17; 3,19). Este privilegio foi perdido pelo pecado dos prime/ros país (cf.
Rm 5,12-17). Pois bem: Cristo nao nos redlmiu da mortalidade do homem
ou do composto (mortalidade do homem que nao impede a ¡mortalidade da
alma), mas prometeu-nos a ressurreicao após a morte, á semelhanca do que
aconteceu com o próprio Jesús. — Nisto nio há resquicio do complexo de
Édipo.

341
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

Além do mais, o autor se refere freqüentemente a "Igreja romana",


teminologia esta pouco usual na bibliografía católica e costumeira em livros
de nao-católicos; cf. pp. 112.115.117.179... A única Igreja fundada por
Cristo (cf. Mt 16,16-19; Jo 21,15-17) é católica (= universal), apostólica
(= fundada sobre e por Cristo, mediante os Apostólos) e romana, porque Pe
dro, o chefe dos Apostólos e seus sucessores tiveram e tém sede em Roma.

O livro de Lepargneur, assim sumariamente apresentado, sugere

2. Reflexoes

Á guisa de comentarios da obra, proporemos quatro pontos:

2.1. Prazer sensível e prazer espiritual

Para dissertar com clareza sobre o tema "prazer", é indispensável dis


tinguir "prazer sensi'vel" e "prazer espiritual".

Prazer sensível é o que toca á sensibilidade, aos sentidos externos e in


ternos do ser humano, podendo tornarse sensual (erótico, lúbrico, lascivo).
Prazer espiritual é o que tem sede no plano espiritual; é motivado por valo
res espirituais ou transcendentais (Deus, a uniao com Deus, a perspectiva
da bem-aventuranpa definitiva, etc.).

2.1.1. Prazer espiritual

O prazer ou gozo espiritual paira no horizonte dos fiéis como grande


dom de Deus, Pode-se dizer que todo homem foi feito e chamado para usu-
fruir de tal prazer. Assim diz o Senhor no Evangelho ao servo fiel: "Entra na
alegria do teu Senhor" (Mt 25,12-23). O Apocalipse, em seus dois últimos
capítulos (21 e 22), apresenta as nupcias do Cordeiro com a Igreja como
ponto final de toda a historia da salvacao. Esta implica a fruipao "daquilo
que o olho nao viu, o ouvido nao ouviu, o coracáo do homem jamáis perce-
beu"(1Cor2,9).

Na vida presente a alegria espiritual resulta da uniao com o Senhor ou


da fidelidade a vontade de Deus; vem a ser tanto mais significativa quanto
mais generoso for o cristao em sua resposta a Deus. É o antegozo da bem-
aventuranca celeste, que muitos amigos de Deus experimentaram no decorrer
da sua peregrinado terrestre. Situado no plano espiritual, este prazer é com-
patível com a tribulagao no plano corporal, como atesta Sao Paulo: prisio-
neiro em Roma, o Apostólo escreveu a carta aos Filipenses, que é um convi
te á alegria (cf. 2,2; 4,4.10). Aos corintios declara o Apostólo: "Estou cheio

342
"ANTROPOLOGÍA DO PRAZER'

de consolo; transbordo de alegría em toda a minha tribulagao" (7,4). Aos


Romanos: "Nos nos gloriamos ñas tribulacoes, sabendo que a tribulacáo
produz a perseveranca, a perseveranca urna virtude comprovada" (5,3s).

Por ¡sto o cristao exercita a alegría como virtude e como dom do Espi
rito Santo (cf. Gl 5,22), a ponto de se dizer que "um santo triste é um triste
santo". Urna das expressoes de tal alegría, entre outras, é o cultivo do teatro
religioso, dos autos paralitúrgicos, dos jogos, das festas de familia nos ám
bitos católicos desde a Idade Media até os nossos dias (coisa que Lepargneur
reconhece á p. 64). - Donde se vé que o prazer espiritual nao "destrona
Deus nem faz de Deus um meio para f¡ns humanos", como afirma Lepagneur,
citando o autor protestante G.W. Forell (pp. 125s). De resto, sao insepará-
veis um do outro o amor de Deus e o gozo pessoal do cristao que ama; dan
do gloria a Deus, o cristao nao se aniquila, mas, ao contrario, se auto-realiza.

2.1.2. Prazer sensível

O prazer sensível ou decorrente da vida sensitiva nao é mau em si. O


Cristianismo nao é dualista, ou seja, nao ensina que só o espirito é bom e a
carne é má; ele sabe, ao contrario, que carne e espirito no plano ontológico
sao criaturas do único Deus, que as fez para se completarem mutuamente.
— Acontece, porém, que no plano ético as tendencias da carne nao raro se
antecipam ao ditame da razao e o sobrepujam. Já Sao Paulo reconhecia: "O
querer o bem está ao meu alcance, nac, porém, o praticá-lo. Com efeito, nao
faco o bem que eu quero, mas cometo o mal que nao quero" (Rm 7,18s). E
aos Gálatas: "A carne tem aspíracoes contrarías ao espirito, e o espirito con
trarias á carne" (Gl 5,17).

Disto se segué que a indiscriminada satisfacao dos desejos sensi'veis do


homem alimenta paixoes que ameacam sufocar os anseíos do espirito; estes
afetos podem tornar-se veementes a ponto mesmo de desfigurar a personali-
dade humana (cf. 1Cor 6,9-11).

Os antigos tinham viva consciéncia do ardor dos impulsos da carne.


Daí a severidade com que consideravam todas as concessoes feitas á natureza
sensível. Muito estímavam a ascese sistemática, á qual exorta o próprio
Apostólo:

"Nao sabéis que aqueles que correm no estadio, correm todos, mas um
só ganha o premio? Correi, portanto, de maneira a consegui-lo. Os atletas
se abstém de tudo; eles, para ganhar urna coma perecível; nos, porém, para
ganhar urna coroa imperecível. Quanto a mim, é assim que corro, nao ao in-
certo; é assim que pratico o pugilato, mas nao como quem fere o ar. Trato
duramente o meu corpo e reduzo-o á servidio, a fim de que nao aconteca

343
8 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

que, tendo proclamado a mensagem aos outros, venha eu mesmo a ser repro-
vado" (1 Cor 9,24-27).

Visto que na cópula sexual os impulsos naturais sao excitados ao


máximo para se obter a finalidade do respectivo ato, varios mestres cristaos
antigose medievais recomendavam aos cónjuges extrema cautela a fim de nao
cairem em atitudes meramente sensuais ou contrarias a dignidade racional
do ser humano. Sao estas recomendacoes que muitos historiadores citam e
criticam, escarnecendo a mentalidade dos antigos. A propósito observamos:

A excessiva prudencia da parte de escritores antigos nao significa que


condenassem o matrimonio. Já Sao Paulo se insurgía contra aqueles que
proibiam o casamento (1Tm 4,3) e recomendava as nupcias a quem tivesse
vocacao matrimonial (cf. ITm 5,14; 1Cor 7,9); descreveu mesmo o matri
monio como "o grande sacramento relacionado com a uniao de Cristo com a
sua Igreja" (Ef 5,32). - Ocorre, porém, que certas prescricóes legáis do
Antigo Testamento sugeriam aos cristaos reservas no tocante ao uso do ma
trimonio (cf. Lv 15,1-33).

Tal modo de ver era condicionado por fatores contingentes, e nao pe


las premissas doutrinárias do próprio Cristianismo; com o tempo, cedeu a
concepcoes menos pessimistas.

Os mestres contemporáneos preferem ser mais sobrios no concernente


ás cautelas necessárias para evitar os desmandos dos afetos; cada cristao faca
seu programa de vida harmoniosa e bela, na qual a carne deve corresponder
ao ideal de vida concebido pela razao e pela fé. Continua válida a meta: nao
permitir que os afetos sensuais sobrepujem as aspiragóes da mente, mas os
meios recomendados sao mais freqüentementé deixados a criterio de cada
qual dos interessados.

Com outras palavras: pode-se reconhecer o valor do prazer sensível,


contanto que seja subordinado ao espi'rito. Alias, tudo o que o homem,
como homem reto e digno, faz, traz o cunho do espi'rito ou da espiritualida-
de; o ser humano é, em todas as suas expressoes, psicossomático, de modo
que até as funcoes que Ihe sao comuns com os animáis inferiores, trazem sua
marca própria, derivada da espiritualidade da alma humana.

Verdade é que o Papa Inocencio XI em 1679 condenou a proposigao


seguinte: "Nao é pecado comer, beber ou fazer uso do matrimonio única
mente por prazer sensual" (Ver Oenzinger-Schonmetzer, Enquin'dio dos
Símbolos e Defini^des nP 2108s [1158]). Tal condenacao nao significa que
ao cristao nao seja lícito desejar o prazer sensual, mas quer dizer que o pra
zer sensual lícito (o de um bom prato para quem precisa de alimento, oda

344
'ANTROPOLOGÍA DO PRAZER"

relagao conjugal entre esposo e esposa...) deve ser regido e dimensionado


pela razao; esta tem que saber colocar esses prazeres dentro da ordem har-
moniosa da vida de alguém que mais e mais procura chegar a Deus; o prazer
tem que estar em sintonía com a orapao e o trabalho, nao pode ser uma ilha
ou um bloco independente, quase subtrai'do a Deus, mas há de ser a exprés-
sao de alguém que pertence ao Senhor tanto por sua alma como por sua
constituicao corpórea. — Deus quis anexar o prazer a certos atos destinados
á conservacao do ¡ndivi'duo (a alimentacáo) e á conservacao da especie (o
ato sexual), a fim de estimular a pessoa á prática desses atos. Isto significa
que tal prazer é licito (pois Deus o propicia); é lícito, porém, nao como fi-
nalidade em si, mas como meio associado a determinado fim; na medida em
que o prazer serve á conservacao do individuo ou a conservacao da especie,
é válido e pode ser procurado. Notemos que a cópula conjugal é I ícita tam-
bém nos dias esteréis da mulher, pois é a própria natureza quem proporcio
na esses períodos de pausa. Em conseqüéncia, o homem nao fere a natureza
ou a lei de Deus quando realiza o ato sexual em tais condicoes.

Os prazeres de uma recreacáo, de um passeio, de um concertó, do cul


tivo da arte... sao justificados desde que isto implique — como geralmente
acontece — distensao, restauracao do físico e do psíquico desgastados... Ao
contrario, o prazer sensível pelo prazer apenas, sem finalidade ulterior ou su
perior, pode escravizar o homem e desfigurá-lo, jogando-o abaixo de sua dig-
nidade; é o que ocorre quando se procura a comida pelo bom gosto da comi
da apenas, o sexo tao somente por causa do deleite do sexo, a bebida apenas
pela euforia que ela provoca...

2.2. Amor e prazer

2.2.1. O "principio do prazer"

É freqüente associar entre si amor e prazer, como se todo amor deves-


se acarretar uma compensacao ou um deleite sensível paraquem ama. Prin
cipalmente na idade juvenil amor e prazer podem parecer inseparáveis um do
outro.

De modo geral, é lícito dizer que a sociedade moderna tem por normal
o gozo e o prazer, ao passo que foge indistintamente do sofrímento, do
sacrificio, da renuncia..., como se fossem formas de castracao, ¡ncompreen-
síveis num programa de auto-realizacao. Principalmente Sigmund Freud, o
pai da Psicanálise materialista, disseminou a concepcao de que a felicidade
consiste no prazer. Eis o que tal mestre diz, após perguntar qual o objetivo
da vida:

345
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

"A resposta difícilmente pode errar; os homens tendem á felicidade,


querem tornarse felizes e permanecer assim. Esta tendencia tem dois aspec
tos: um positivo e outro negativo. De um lado, quer-se a ausencia de dor e
desprazer; do outro. a experiencia de fortes sensacoes de prazer. No sentido
mais estrito, a felicidade só se refere á última... Como se vé, é simplesmente
o programa do principio do prazer que estabelece o alvo da vida" f Das un-
bflhagen in der Kultur, pp. 433s).

Notemos que, para Freud, o prazer tem sempre um cunho sexual; é


satisfazlo orgánica ou fi'sica, á qual serve o Eros ou a Libido. Ora Freud re-
conheceu que o prazer assim entendido nao tem continuidade ou é passagei-
ro. Por isto tambérn julga que o homem jamáis pode ser feliz; na melhor das
hipóteses, poderia gozar "moderadamente"...

O "principio do prazer", atrás exposto, só pode levar á amargura da


desilusao ou da resignacáo "moderada" de Freud. Muitos daqueles que ¡den-
tificam prazer e felicidade, caem no hedonismo desenfreado: procuram
acumular prazeres, fazendo de todo momento a ocasiao de novo prazer...
Daí resultam fácilmente a depravacao moral e a decadencia social.

Alias, no livro mesmo de H. Lepargneur, é citado o pensamento de


Alexander Lowen, partidario da libertacao do prazer sensorial: o homem
teria que reencontrar as sensacoes perdidas ou as de Adao no Éden. Todavia
o próprio Lowen confessou:

"Nem o antigo código moral nem o novo código amoral, a ética do di-
vertimento, traz uma resposta significativa ao problema do comportamento
sexual no mundo atual. Obviamente nao há resposta... Embora eu tenha en-
fatizado o prazer, nao posso admitir que a sua busca exclusiva se/a o objeti
vo da vida. Por sua própria natureza, quanto mais o procuramos, mais se es
quiva... Há uma antírese entre prazer e realizacio, oriunda do fato da reali-
zagao exigir autodisciplina. O compromisso com o objetivo ou uma tarefa
envolve necessariamente o sacrificio de alguns prazeres ¡mediatos. Se a
pessoa é incapaz de adiar a gratificaqao ¡mediata de seus desejos, será como
uma crianca cujas realizacoes nada sao e cujos prazeres só tém sentido para
si, como crianca" (A. Lowen, Prazer. Uma abordagem criativa da vida, Sao
Paulo 1984. citado as pp. 5Js de Lepargneur, obra em foco).

O fracasso do princi'pio do prazer ou do hedonismo total leva-nos a


procurar outro caminho para a descoberta da felicidade. Tal será

2.2.2. 0 "principio da auto-realizapao"

0 ser humano foi feito por Deus para a vida e a vida plena. Tal é o oti-
mismo cristao.

346
"ANTROPOLOGÍA DO PRAZER" U.

Esta plena auto-relizacao só pode ser obtida mediante a subordinado


dos impulsos instintivos ao ideal concebido pela razáo (que a fé, no cristao,
ilumina). - Ora tal subordinacao implica renuncia, indispensável na evolucao
normal da crianca e do adulto.

Para ilustrá-lo, transcrevemos aqui urna passagem do livro "Prazer ou


Amor?" de D. Valfredo Tepe, bispo de llhéus, livro que é a auténtica respos-
ta crista ao problema levantado por H. Lepargneur:

"Já no plano natural vemos como a mortificacao está a servido da vi


da, da realizacao. Os seres vivos unicelulares sao potencialmente ¡moríais,
com a condicao da renuncia. A medida que crescem, perde-se o equilibrio
entre superficie e volume. Ou acabam morrendo, esclerosados, ou renun-
ciam á sua existencia anterior, dividindose em dois, para retomar o processo
de crescimento. A divisSo é um truque da na tureza que Ihes permite a con-
tinuacao da vida. Partindo desta idéia, um dentista conseguiu, num expe
rimento de laboratorio, manter amebas em vida durante cento e trinta días,
sem divisio, praticando apenas nelas urna amputacao cada día. Oeste modo
os protozoários podiam continuar o processo de assimilacao e crescimento.
Normalmente, as amebas se dividem em duas de dois em dois días. As ame
bas que sofreram amputacao tornaram-se, pois, 65 vezes mais velhas que
suas irmas. A amputacao transformou-se em meio poderoso de rejuvenesci-
mentó.

Na vida humana observamos algo semelhante. A dieta tem cunho de


mortificacao. mas serve á vida; alivia o coracio sobrecarregado pela tarefa de
impelir o sangue por um organismo inchado pela gordura. No plano espiri
tual tornase fatal a inchacao do homem que segué desenfreadamente o
principio do prazer. Ele se enche de bens, de satisfacoes, de conhecimentos
e de glorias; julgase engrandecido e nao percebe que esté ficando imobiliza-
do e asfixiado. O re/uvenescimento está na mortificacao; amputando o que é
excessivo, renunciando ao crescimento demasiado de suas tendencias instin
tivas, o homem ganha nova vida" (pp. 126s).

A esta altura dirá alguém: a nfo-satisfacao de um desejo é frustracao e


gera neurose... — Deve-se responder distinguindo entre frustrapao e privacao:
nenhuma auténtica renuncia é frustradlo. É privacao, sim; nao raro dolorosa
e difícil: "A renuncia dói, é-certo — mas com bisturí esterilizado; a ferida lo
go cicatriza, sem inflamapáo nem supurapao. Urna privapáo só se torna frus
tracao supurante, quando nela nao há nem conformidade nem compensa-
cao. Renuncia é aceitacao ativa e consciente de urna privacao por motivo su
perior como, por exemplo, o amor a um grande ideal ou o amor a Deus"
(Valfredo Tepe, ob. cit., p. 127).

347
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

"O cristao, cujo lema de vida é o principio da realizacao, a procura da


perfeicao, soluciona o confuto entre o Eu e o Id pela renuncia consciente as
exigencias descabidas dos instintos. Contra a tríplice concupiscencia que
reina no mundo, isto é, dentro de cada um, a cobica dos olhos, a cobica da
carne e a soberba da vida, armase o cristao pela esmofa, pelo jejum e pela
oracao. 'Boa é a oracao acompanhada de jejum; e dar esmola vafe mais do
que juntar tesouros de ouro' (Tb 12,8). No termo técnico 'esmola'resume a
Ascética todo o esforco para debelar a exagerada tendencia á posse de bens
materiais. A palavra 'jejum' designa os meios estratégicos para fazer frente
aos desejos da carne, tanto no terreno da volúpia como no da gula. A 'ora-
cao', enfim, é a melhor arma para manter o homem 'no seu lugar': criatura
de Deus que nao tem motivo de vangloriar-se como se nao houvesse recebi-
do tudo de Outrem (cf. I Cor 4,7).

Com outras palavras: a finalidade do ser humano nao é a satisfacáo,


mas a perfeicao. Quando o homem se aposenta na satisfacáo — e ai está o
perigo da apregoada 'vida boa' —, ele nao se realiza, f/'ca descontente, doen-
te. O enfado, o tedio pode até parausar a vontade de viver e levar ao suici
dio. Jogar fora todas as riquezas, como o fez S. Francisco, pode assumir o
aspecto de verdadeira libertario e renascimento. A alma, desimpedida,
comeca a correr o seu caminho como um gigante: o caminho da perfeicao,
a plena realizacao, impelida pela esperanza, essa energía dinámica que jamáis
permite ao homem acomodarse em acampamentos provisorios" fValfredo
Tepe, ob. cit., pp. 130s).

Continua o autor desta obra:

"Um médico observou: 'Nao raro experimentamos o seguinte: vém a


nos pacientes, homens e mulheres, falando-nos do tempo difícil que tiveram
de atravessar, dos esforcos penosos que tiveram de fazer para alcanzar deter
minado alvo, e, depois que alcancaram esta meta e julgavam poder gozar sua
vida sossegadamente, nesse momento adoeceram. Mais:existem até observa-
(des de individuos que passaram por provacoes gravissimas, e, quando tal
fase terminou e eles voltaram a viver em abastanza e sossego, pensando to
dos que entSo poderiam realmente gozar a vida e ser felizes, nesse momento
cometeram suicidio... Opulencia, portanto. causa realmente doencas, e isso
porque seduz o homem a tomar o caminho da comodidade, a permanecer
preferentemente na passividade ou a deixar atrofiadas muitas das suas capa
cidades e posibilidades, por causa de sua atividade unilateral, é um erro
substancial, infelizmente muito disseminado, pensar que nada seria mais fa-
vorável para a saúde do que o nao fazer nada e a preguica. O contrario é que
é verdade. O individuo a quem se fazem exigencias, o homem que se subor
dina a um fim maior e mais elevado, o homem que experimenta possuir urna
vida plena de sentido, este homem é sao" (p. 117).

348
"ANTROPOLOGÍA DO PRAZER" 13

Ainda a respeito da cobica nao mortificada pode-se citar urna página


de Jorge Amado, que observa como os crimes tém pavimentado as estradas
que levam ás, minas do ouro metálico; vicios e sangue derramado tém adu-
bado as térras do 'cacau dourado':

"Os trabalhadores na ropa tinham o visgo do cacau mole preso aos pés,
virava urna casca grossa que nenhuma agua lavava ¡amáis. E eles todos, tra
balhadores, jaguncos, coronéis, adyogados, médicos, comerciantes e exporta
dores, tinham o visgo do cacau preso na alma, lá dentro no mais profundo
do coracao. Nao havia educacio, cultura e sentimento que o lavassem. Cacau
era dinheiro, era poder, era a vida toda, estava lá dentro deles, nao apenas
plantado sobre a térra negra e poderosa deseiva. Nascia dentro de cada um,
lanqava sobre cada um urna sombra má, apagava os bons sentimentos" (Tér
ras do Sem Fim, 1957, p. 245).

2.3. Amor e Sofrimento

Vimos quanto é ilusorio crer que amor é apenas prazer ou que alguém
possa chegar á auto-realizacao evitando o sofrimento. Acrescentemos que,
muito paradoxalmente, o sofrimento está ligado á grandeza ou á perfeicao
do ser humano.

Com efeito. Observe-se que os seres inanimados (minerais), quando


percutidos ou lesados, nao reagem; nada sentem; sao os mais imperfeitos dos
seres, pois nao tém vida. Passando para o m'vel dos seres vivos vegetativos,
verificamos que, quando um vegetal ou urna planta é maltratada ou mutila
da, ela tende a se restaurar reagindo contra a lesao infligida; dir-se-ia que nao
é impassi'vel como os minerais. Subindo ao degrau dos animáis irracionais,
percebemos que reagem muito sensivelmente aos golpes dolorosos; gemem,
rugem, fogem, contra-atacam. .. Elevando-nos ainda na escala dos seres, che-
gamos ao homem, que certamente sofre mais do que os restantes seres visí-
veis, porque, além de sofrer físicamente, ele sabe que sofre (tem consciéncia
psicológica); o homem reflete sobre o seu sofrimento, comparando-o com o
seu ideal e verificando que este é, nao raro, truncado ou prejudicado pelas
adversidades da caminhada: um pai ou urna máe de familia atingidos em sua
saúde fi'sica quando tém filhos pequeños, sentem, além do incómodo fisico,
a dor de nao poderem desempenhar devidamente a sua tarefa de educado
res. .. Diremos mesmo: quanto mais um ser humano i nobre e profundo
(no plano moral), tanto mais sofre; quanto menos alguém tem ideal ou vive
como criatura inteligente, tanto menos sofre; diz-se que a máfe desnaturada é
aqueta que nao se sensibiliza pela dor dos filhos.

Eis em que termos o sofrimento é essencial ao homem e característi


co da sua transcendencia: ele decorre da dignidade mesma da natureza hu-

349
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

mana, que aspira legítimamente a realizacóes prejudicadas pelos golpes da


vida. Ele decorre, com outras palavras, da nobreza intelectual (e espiritual)
do ser humano, que nio só conhece, mas sabe que conhece ou reflete sobre
si mesmo (coisa que os animáis inferiores nao realizam).

Compreendem-se entáo as palavras do S. Padre Joao Paulo II:

"Aínda que os sofrimemos do mundo dos animáis sejam bem conhe-


cidos e estejam próximos ao homem, aquilo que nos exprimimos com a pa-
lavra 'sofrimento' parece ser algo particularmente essencial á natureza huma
na. .. 0 sofrimento parece pertencer á transcendencia do homem" (Carta
Salvifici Doloris s>?2¿

Está claro, porém, que urna pessoa de fé sabe superar a dor natural
que a afeta, olhando para o modelo do Cristo Jesús; Este, diante da perspec
tiva da sua Paixlo e Morte, orava: "Pai, se possível, que este cálice passe sem
que eu o beba; faca-se, porém, a tua vontade e nao a minha" (Mt 26,39).
Ácima de tudo, importa ao cristáo identificar-se com o designio do Pai,
que certamente é mais sabio que os planos dos homens.

2.4. As "raíles pagas" da Moral católica

1. Á p. 72, H. Lepargneur, criticando a Moral católica, sugere que "ela


tem raízes no pensamento pagao"; cita, em apoio seu, os nomes de Michel
Foucault ("filósofo e pesquisador da historia, mas nao cristao") e J.-M.
Pohier, professor de Moral censurado pelo magisterio da Igreja.

Antes do mais, notemos: é estranho que Lepargneur, em seu livro, pro


cure fundamentar-se em autores que ou nao sao cristaos ou sao dissidentes
da reta doutrina católica.

Pergunta-se agora: como a Moral crista tem raízes no pensamento


pagao?

— é. certo que a cosmovisao crista, monoteísta como é, difere radi


calmente da cosmovisao paga, que era politeísta (mitológica) ou panteísta
(estoica) ou dualista (pitagorismo, orfismo...). É certo também que o Evan-
gelho dignificou enormemente a pessoa humana (a mulher, as enancas, os
enfermos e carentes...); enobreceu a familia... É o que se depreende da leitu-
ra dos documentos amigos, entre os quais sobressai a Epístola a Oiogneto,
joia da literatura dos sáculos I l/l 11.

Se há pontos de contato entre a Moral crista e a Moral grega pré-crista,


sao pontos acidentais (é certo que o ideal da Patria dos estoicos muito signi-

350
"ANTROPOLOGÍA DO PRAZER" 15

ficou para os cristaos) ou, aínda, pontos que a lei natural, incutida a todo
homem pelo Criador, recomendava tanto a pagaos como a cristaos; neste rol
estáo os que M. Foucault menciona: "a monogamia procriadora, a condena-
pao das relacoes homossexuais, a exaltacio da continencia". Assim há, por
vezes, semelhancas entre Cristianismo e correntes nao cristas, semelhancas
que nao sao devidas a algum empréstimo, mas simplesmente decorrem do
fato de que a natureza humana é a mesma em todos os individuos, ccm suas
aspiracoes éticas e religiosas congénitas.

2. Á p. 117 Lepargneur, ao falar de María SS., afirma que "a figura da


Virgem-Mae nao é própria do Cristianismo, bem assentada na mitología".
- Nao nos deteremos na refutacáo desta sentenca, visto que o tema já foi
longamente abordado em PR 294/1986, pp. 510-521.

3. De modo especial, a vida una (celibato ou virgindade) é menospre-


zada por muitos pensadores contemporáneos; Lepargneur alude ao celibato
sacerdotal "institucionalizado por volta do sáculo XI" (p. 117).

Na verdade, o celibato sacerdotal tem sua origem na mais pura concep-


cao de vida crista, apresentada por S. Paulo em 1Cor 7,25-35: o Apostólo ai
observa que os valores definitivos entraram neste mundo desde a vinda de
Cristo; por conseguinte, "o tempo se fez breve" (ICor 7,29); o cristao tem
interesse em concentrar todo o seu tempo, suas ocupacoes e preocupacoes
no servipo ou no desenvolví mentó do Reino de Deus já iniciado; daí a esti
ma da vocapáo a vida una ou indivisa; esta permite dedicapao mais livre e in
tegral á causa do Reino: "Quem tem esposa, cuida das coisas do mundo e do
modo de agradar á esposa, e fica dividido" (1Cor 7,33). Aqui está a raíz do
celibato abrapado por amor a Cristo. Parece que desde os tempos de Sao
Paulo já era cultivado na Igreja, como a resposta mais espontánea e auténtica
que o cristao podía (e pode) dar ao anuncio do Reino; o celibato sacerdotal,
inspirado por tal convicpao, foi-se tornando prática sempre mais usual, que
os Concilios regionais foram sancionando desde o de Elvira (Espanha) em
306 (?).

Sobre a penitencia crista, que alguns querem assemelhar a práticas en-


cratistas ou dualistas nao auténticamente cristas, veja-se o artigo respectivo
ás pp. 353-360 deste fascículo.

Poder-se-iam fazer ainda algumas observapoes sobre a forma literaria


do livro, no qual muitos galicismos se encontram.

3. Conclusáo

O prazer integra o desenvolvimiento e a plena realizacfo da pessoa hu


mana. Ninguém pode renunciar a todo prazer sem correr o risco da deforma-

351
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

cao psicológica. Esta verdade nao é nova no Catolicismo, pois já foi vivencia-
da pelo Apostólo Sao Paulo e os primeiros cristaos. Todavía o ponto nevrál-
gico da questao consiste em definir o que é o prazer integrante da grandeza
humana: será o prazer no sentido freudiano (erotizante, sexual) ou o prazer
em acepcao mais elevada? - O que diferencia o cristao do hedonismo
moderno, é a opcáo por este segundo sentido de prazer: é subordinado á ple
na realizacao e á perfeicao do homem, a qual nao pode deixar de incluir pri
va pao e renuncia assumidas em vista de urna finalidade superior.

Nao há, pois, dilema entre Deus e o prazer. Ao contrario, a glorifica-


cao do Criador implica inevitavelmente o engrandecimento e a feücidade da
criatura, ainda que esta nao se preocupe com sua bem-aventuranca.

Infelizmente os princi'pios da filosofía de Sigmund Freud tém influ


enciado autores cristaos que, por sua vez, ¡nduzem sutilmente os fiéis a ce
der ao princi'pio do prazer; donde resulta freqüentemente o hedonismo ja
máis satisfeito, e propenso ás drogas e ao crime.

Para dissipar idéias tao erróneas, muito se recomenda o livro de D. Val-


fredo Tepe: "Prazer ou Amor?", Ed. Mensageiro da Fé, Salvador. O autor,
com grande sabedoria psicológica e teológica, evidencia que o amor, perfei
cao de todo homem, tonge de excluir certas renuncias, as exige e aceita com
alegría, pois sao condigao de servípo a Deus e grandeza da criatura.

Muito úteis também sao

VIKTOR FRANKL, Psicoterapia e Sentido da Vida. Ed. Quadrante,


Rúa Iperoig, 604 - VALFREDO TEPE, 05016 Sao Paulo (SP).

VALFREDO TEPE, O Sentido da Vida, Ed. Vozes, Petrópolis (RJ).

352
Prazer ou Perfeipüo?

Vida Crista e Penitencia

Em síntese: A vida crístS nSo pode dispensara renuncia e a mortifica-


cao, visto que dentro da natureza humana existen» tendencias desregradas, as
quais nao se harmonizam com o ideal que a razao eafé concebem, É neces-
serio, pois, vencer ou extirpar a desorden) interior. Isto se pode obter
mediante a aceitacSo paciente e amorosa das tríbulacoes desta vida, que a
Providencia Divina sabiamente dispensa aos homens; mas requer-se outros-
sim que o cristSo {com a graca divina) saiba empreender renuncias espontá
neas até mesmo a coisas lícitas (monificacoes ou penitencias), pois estes
exercicios fortafecem a vontade do homem e a habilitam a resistir mais te
nazmente ás tentacdes e más inclinacoes.

Os exercicios de penitencia nSo sao fins, mas sao meios. Sao meios
que outrora assumiam características lioje talvez menos praticáveis (severos
jejuns, tongas vigilias noturnas, peregrinacdes a pé...); mas, como quer que
se/a, hSo de ser exercicios significativos e eficazes, aptos a corroborar a von
tade na demanda da virtude e na fuga do pecado. — Aséese significa origina
riamente o treinamento que o atleta espontáneamente empreendia (mesmo
sem ter adversario) para que, no día da competicio, pudesse estar adestrado
e vencer o pareo. Sem treinamento previo e habitual, nio pode haver espe-
ranca de vitaría no estadio. Assim também, sem aséese ou penitencia nao
pode haver progresso na vida espiritual do cristao.

Tendo em vista as condipoes de vida dos homens de nossos tempos, a


Igreja reformulou as suas normas relativas á prática da virtude da penitencia.
Esta reforma suscitou certa hesitacáo em muitos fiéis, os quais as vezes pas-
saram a crer queja nao se podenem devepraticar a penitencia; esta f icaria re
servada para certas vocacSes especiáis na Igreja ou estaria ligada a tipos de
cultura que hoje nao mais existem.

Ora estas concepcoes tém graves conseqüéncias na vida crista... Na ver-


dade, as normas da Igreja sSo claras e aptas a promover a santificapao dos

353
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

fiéis que Ihes queiram dar atencao. Eis por que, neste artigo, consideraremos
a Constituicao Apostólica Paenitemini de Paulo VI, emanada logo após o
Concilio do Vaticano II (17/02/66) e assumida pelo atual Código de Oireito
Canónico, além de alguns documentos congéneres da Igreja que orientam o
povo de Deus em materia penitencial.1 Para facilitar a exposicáo do assunto,
procederemos por perguntas e respostas.

1. A doutrina da Igreja

P. - Afinal que se entende por penitencia?

R. - Responde o S. Padre Paulo VI no seu sermao de Quarta-feira de


Cinzasde 1967:

"A penitencia é um corretivo da nossa maneíra de viver. Bem o sabe


mos: nossa natureza nao é perfeita. Nao funciona bem. Traz em si profunda
desordem interna, á qual se deve dar remedio. Eis por que todos quantos en-
toam a apología... da substancial bondade da vida humana, safo profetas de
ilusoes e, muitas vezes, de desilusoes, pois nossa vida, em seu desenvolvimen-
to e em seu funcionamento, abandonada a si própria, sem esses corretivos e
sem tal disciplina que redimensionam... a expressao de toda a nossa ativida-
de, a vida nao seria boa e, por isto, nao seria nem mesmo realmente feliz".

Como se vé, penitencia vem a ser a purif ¡cacao e o burilamento da na


tureza humana desregrada e incoerente. Quem nao aceita essa disciplina e
diz Sim a todos os seus impulsos, nao se comporta á altura de sua vocacáo
de filho de Deus; conseqüentemente nao pode ser feliz, pois é constante
mente humilhado e trai'do por seus afetos desregrados, como nota o Apostó
lo:

"Nao consigo entender o quefaco, pois nao pratico o que quero e facó
o que detesto... O querer o bem está ao meu alcance, nao, porém, o praticá-
lo... Eu me comprazo na lei de Deus segundo o homem interior, mas peres-
bo outra lei nos meus membros, que peleja contra a lei da minha razSo e me
acorrenta á lei do pecado, que existe em meus membros. Infeliz de mim!"
(Rm 7,15-24). Ver também Gl 5,16-26.

P. - Em que consiste a penitencia?

Responde Paulo VI no mesmo serma*o:

"Se perguntássemos aos estudiosos em que é que consiste, ouviríamos


responder que o primeiro elemento é a metánoia, ¡sto é, urna mudanca inte-

Tal documentafao está reunida no fascículo: "Penitencia", n9 173 da se


rie "Documentos Pontificios"da Ed. Vozes.

354
VIDA CRISTA E PENITENCIA 19

rior. Que é mais fácil: mudanca interior ou mudanca exterior? é mais fácil,
por exemplo, renunciar a alguma coisa que de fora cerca a nossa vida ou
transformar o coracao, nossos pensamentos, instintos, idéias, aquele tesouro
de interioridade que todos obstinadamente guardam no íntimo, dizendo:
'Eu sou assim; safo estes os meus principios, o meu modo de pensar, a mi-
nha educacao e - a grande palavra - a minha personalidade'?"

0 apelo á metánoia ou á mudanza de mente, a conversao interior, está


na primeira pregagáo de Jesús: "O Reino de Deusestá próximo. Metanoeite
(convertei-vos) e crede no Evangelho" (Me 1, 15). É, pois, no Cntimo de
cada um de nos que comeca a tarefa de purificacao; o comportamento ex
terior decorrerá do nosso modo de pensar e de amar. A metánoia é algo de
mais exigente e difícil do que doar os bens que nos sao extrínsecos (dinhei-
ro, vestes, comida...); alguém pode praticar muitas obras de caridade sem ter
realizado urna profunda e seria mudanca interior.

Continua o S. Padre:

"A Igreja, pronta e solícitamente, nos admoesta: é para a metánoia


que deves dirigir a tua atencáo e os teus esforcos. É necessário deveras reno
var o espirito. A penitencia ná"o significa um regresso na vida e na pedagogía
moderna; realiza, antes, um progresso, visto que torna o homem mais inte
rior, e é mais exigente quanto a... tornar a personalidade tal qual deve ser:
crista*... Importa morrer interiormente, se queremos renascer. É necessário
ter a coragem... da acusacfo de si e nao dos outros. Devemos reconhecer ple
namente: sou fraco, sou ilógico, fui mau e cometí a falta que devo deplorar
na consciéncia... dizendo sinceramente mea culpa".

Por conseguinte, a penitencia nada tem que ver com masoquismo ou


morbidez psíquica; ao contrario, é a atitude heroica e magnánima de quem
deseja libertar sua personalidade de qualquer forma de escravidao interior.
Dizer Pequei e tirar daí as conseqüéncias é muito mais nobre e belo do que
por máscaras que me facam passar por algo que nao sou.

P. - A penitencia é apenas interior ou espiritual?

R. - "Em tempo algum pode a verdadeira penitencia prescindir de


urna ascese também física. .Com efeito; todo o nosso ser, alma e corpo...
deve participar ativamente deste ato religioso, com que a criatura reconhece
a santidade e majestade divina.

A necessidade da mortif¡cacao do corpo aparece claramente se se consi


dera a fragilidade da nossa natureza, na qual, a pos o pecado de Ada"o, a car-

355
20 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

ne e o espirito tém desejos contrarios entre si. Tal exercícto de mortif icacffo
do corpo — bem longe de qualquer forma de estoicismo - nao implica urna
condenacio da carne, carne que o Filho de Deus se dignou de assumir; an
tes, a mortrficapao visa á libertacao do homem, que, em razao da concupis
cencia, freqüentemente se acha como que agrilhoado pela parte sensitiva do
seu ser; através do jejum corporal, o homem readquire vigor, e o ferimento
infligido pela intemperanpa á dignidade da nossa natureza ó curado pela me
dicina de urna salutar abstinencia" (Const. Paenitemini n° 20).

Na verdade, somos psicossomáticos, de modo que tudo o que é autén


ticamente humano se traduz sempre em expressoes corpóreas e sensfveis.
Daí a necessidade de que a conversao interior assuma formas exteriores; o
próprio Deus se encarrega de nos enviar ocasioes de renuncia corpórea (mo
lestias físicas, flagelos naturais, penuria material...), mas, como se dirá mais
adiante, é oportuno que o próprio cristáo empreenda espontáneamente exer-
cicios de penitencia física, como o jejum, a abstinencia, a vigilia noturna...
pois tais práticas treinam e fortalecem a vontade, habilitando-a a dizer Sim
ou Nao decididos no momento da tentapao ou de urna encruzilhada.

Sabemos que o jogador de futebol treina seus músculos, mesmo que


nao tenha adversario, para poder jogar em competicáo no dia previsto; se
ele nao treina espontáneamente, pode perder a esperanca de vencer na dispu
ta do torneio. Assim também o soldado faz exercícios de tiro, de marcha, de
acampamento... mesmo que nao esteja em guerra, porque, se nao os praticar,
nao poderá enfrentar o adversario em campo de batalha. — Ora o cristao é
um atleta e um soldado de Cristo (cf. ICor 9,24-27; 2Tm 2,3-5); por isto
também deve tremar espontáneamente a sua vontade, com a grapa de Deus,
dizendo Nao (a um prazer supérfluo) quando Ihe seria lícito dizer Sim, a
fim de fortalecer a vontade, adestrando-a a resistir aos assaltos das tentapoes.

Os antigos cristaos realizaram a ascese (tal é o nome grego desse trei-


namento) com grande coragem, entregando-se.a prolongadas práticas de je
jum e vigilias. Em nossos dias, as condigóes gerais de saúde nao permitem
ir tao longe, pois é necessário ter farpas físicas e psíquicas capazes de enfren
tar o desgaste do trabalho e dos incómodos de cada dia. Todavía nem por
isto está abolida a penitencia na Igreja (nem o podería estar). Eis o que ob
serva a Constituido Paenitemini:

"O caráter preeminentemente interior... da penitencia... nao excluí


nem atenúa... a prática exterior de tal virtude, antes evoca com particular ur
gencia a necessidade desta, e induz a Igreja — sempre atenta aos sinais dos
tempos — a buscar, alóm da abstinencia e do jejum, expressoes novas, mais
aptas a realizar, segundo a índole das diversas épocas, o próprio fim da peni
tencia" (n° 18).

356
VIDA CRISTA E PENITENCIA

Assim quem nao pode jejuar rigorosamente, fapa um jejum mitigado;


abstenha-se de alimentos supérfluos; adié a hora de satisf azer a justos dése-
jos; reze um pouco mais no cometo ou no fim do dia...

P. - A penitencia assim entendida constituiría urna entre outras cor-


rentes de vida crista? Seria algo deixado a escolha de cada um?

R. - Nao. A Constituicáo é milito enfática a tal propósito: "Por leí di


vina, todos os fiéis sao obrigados a fazer penitencia" {n° 35 § 1°).

Por lei divina... Isto quer dizer, que se trata de um preceito do pro-
prio Deus. Com efeito; somos todos chamados, antes do mais, a ver Deus
face-a-face; esta é a razao pela qual fomos criados. Devemos, pois, prepa
rar-nos a esse encontró final e supremo com o Senhor Deus. Ora ninguém
pode ver a Deus face-a-face se traz em si resquicios de pecado (Deus é tres
vezes santo; cf. Is 6,3). Daí o imperativo — decorrente da nossa vocapao
mais fundamental - de nos corrigirmos ou de nos libertarmos das sombras
do pecado para poder ver a Deus. E — notemos bem — a ocasiao normal de
realizarmos essa purificacao é a vida presente, e nao o purgatorio postumo
(este é urna concessao extraordinaria de Deus feita á fragilidade das criatu
ras).

Todos os fiéis... — Por conseguinte, clérigos. Religiosos ou leigos, to


dos, sem excecao, estao obrigados á prática da penitencia. Nao há vida cris
ta que nao seja penitente; seria despropositado julgar que no sáculo XX, tao
marcado pelo humanismo, se possa pensar num ideal de vida crista isento
de penitencia. O que pode mudar, sao as formas de mortificacáo, e nao a
realidade desta.

P. — Como satisfazer ao preceito divino da penitencia?

R. — Eis a resposta da Constituicao Paenitemini:

"A Igreja convida todos a fazerem acompanhar a eonversáo interior do


espirito com o exercício voluntario de atos exteriores de penitencia:

a) Insiste, antes de tudo, em que se exerca a virtude da penitencia na


fidelidade perseverante aos deveres do próprio estado, na aceitacao das drfi-
culdades provenientes do próprio trabalho e da convivencia humana, na pa
ciente suportacfo das provacóss da vida terrena e da profunda inseguranca
que a permeia.

b) Aqueles membros da Igreja que sao atingidos pelas enfermedades,


pelas doencas, pela pobreza, pela desventura, ou que sao perseguidos por

357
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

amor da justica, sao convidados a unir suas dores ao sofrimento de Cristo,


de modo a poderem nao somante satisfacer mais intensamente o preceito
da penitencia, mas também obter para seus irritóos a vida da graca e para si
mesmos aquela bem-aventuranca que no Evangalho é prometida aos que
sofrem" ( n<?*23-25).

Ao abordar o modo de fazer penitencia, verifica-se que a Igreja apon-


ta, em primeiro lugar, a aceitacao generosa da dureza da vida cotidiana, da
qual ninguém está isento (trabalho, convivio com o próximo, doencas, po
breza...). A Providencia Divina se encarrega de oferecer-nos tais oportunida
des de santif ¡cacao. Importa, pois, aceitá-las nao em atitude meramente "re
signada e cabisbaixa", mas com o coracao dilatado, porque se trata de gracas
de Deus... O texto indica dois tipos de fecundidade de tais provacoes:

1) configuram o paciente a Cristo, dando-lhe o penhor de partid pacao


mais íntima na Páscoa do Senhor; quem padece com Cristo, ressuscitará e
triunfará com Ele;

2) tornam o cristáo corredentor com Cristo ("obtém para seus irmlos


a vida da graca", diz a Constituicao); habilitam-no a atender a irmaos afas
tados da vida reta, imersos no pecado e impermeáveis á Palavra de Deus; nao
falanso, mas configurando-se a Cristo Crucificado, o cristáo pode ser mis-
sionário junto a essas pessoas; sabemos que a Providencia Divina quer salvar
a uns mediante outros, servindo-se especialmente da rede de vasos comu
nicantes que é a Comunhao dos Santos.

Acrescenta o texto da Constituicao:

"Afora as renuncias impostas pelo peso da vida cotidiana, a Igreja


convida todos os cristaos indistintamente a corresponderem ao preceito divi
no da penitencia por atos voluntarios" (n° 27).

Tais atos voluntarios ou espontáneos nao de ser programados por cada


fiel de acordó com o seu quadro próprio de vida espiritual: casa qual deve fa
zer o diagnóstico do seu relacionamento com Deus e o próximo; deve colo
car o dedo em suas chagas ou em seus pontos nevrálgicos e procurar conse-
qüentemente o remedio adequado ou o antídoto: a inclinacao ao abuso da
palavra exigirá mais rigorosa prática do silencio, a tendencia a impaciencia
suscitará especial atencao ao próximo, a intemperanca levará a abstinencia
em pontos bem definidos, etc.1 Além do mais, o jejum, a sobriedade, a vigí-

1 No plano da saúde física, qualquer dor ou síntoma de desequilibrio pro


voca logo a procura de diagnóstico e do tratamento adequado. — Somente
na vida espiritual é que haveria displicencia?

358
VIDA CRISTA E PENITENCIA 23

lia noturna, a privacáo de prazeres (especialmente quando isto redunda em


ajuda ao próximo)... sao sempre recomendáveis, qualquer que seja a proble
mática pessoal de cada cristao. Diz o texto da Constituicao:

"Conservando - onde quer que ele pos» ser oportunamente mam ¡do
- o costume (observado por tantos séculos com normas canónicas) de exer-
cer a penitencia mediante a abstinencia de carne e o jejum, a Igreja tenciona
corroborar também, com suas prescricoes, os outros modos de fazer peniten
cia" (n°32).

P. — No plano estritamente jurídico, quais sao as normas da Igreja ati


nentes á penitencia?

R. — A Constituicao Paenitemini responde nos seguintes termos (que


foram confirmados pelo Código de Direito Canónico):

"379 O tempo da Quaresma conserva seu caráter penitencial.

38? Os días de penitencia a ser obrigatoriamente observados em toda


a Igreja sao todas as sextas-feiras do ano e a quarta-feirá de Cinzas.

399 Salvas as dispensas previstas pelo Direito, deve-se observar absti


nencia em todas as sextas-feiras do ano que nao caiam em festa de preceito,
ao passo que a abstinencia e o jejum se observa rao na quarta-f eirá de Cinzas...
e na sexta-feira da Paixáo e Morte do Senhor.

40° A lei da abstinencia proíbe o uso de carne, mas nao o uso de


ovos, de laticínios e de qualquer condimento mesmo de gordura animal.

41° A Lei de jejum obriga a fazer urna única refeicao durante o dia,
mas nao proibe tomar um pouco de alimento pela manha e á noite, atendo-
se _ no qUe respeita á quantidade e a qualidade — aos costumes locáis apro-
vados.

42? Á lei da abstinencia estSo obrigados os que completaram quator-


ze anos. Á lei do jejum estao obrigados todos os fiéis, dos vinte e um anos
completos ao sessenta comecados.

43? No tocante aos de idade inferior, apliquem-se os pastores de almas


e os pais, com particular cuidado, a educá-los no verdadeiro sentido da peni
tencia".

No Brasil, a Conferencia Nacional dos Bispos, usando de faculdade


concedida pela Santa Sé e tendo em vista as circunstancias de vida da popu
ladlo local, houve por bem determinar:

359
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

"Ñas sextas-feiras do ano (inclusive as da Quaresma, excetuada a sex-


ta-feira Santa) fica a abstinencia comutada em outras formas de penitencia,
principalmente em obras de caridade e exercicios de piedade".

Podemos agora passar a urna

2. Conclusáo

De quanto foi explanado na leitura dos documentos da Igreja, pode


mos reter o seguinte:

1) A penitencia — corretivo da nossa vida — é ¡nerente e obrigatória á


existencia do cristao. Nao há vocacao crista que nao inclua a prática da peni
tencia, pois somos todos chamados a ver a Deus face-a-face, o que nao é pos-
si'vel a quem traga tendencias desordenadas.

2) Embora a penitencia seja, antes do mais, conversao interior, ela nao


dispensa expressdes corpóreas, dado que o ser humano só se realiza plena
mente nesta vida dentro de formas corpóreas.

3) Dessas maneiras corpóreas de fazer penitencia, muitas nos sao im


postas pela Providencia Oivina, que assim nos estimula a fazer o que a nossa
natureza lerda nao teria coragem de praticar (infelizmente, porém, nem sem-
pre o cristao está alerta para tais "visitas do Senhor" e fecha-se a elas). Toda-
via a Igreja julga necessário que cada cristao empreenda obras espontáneas
de penitencia; a própria Igreja, alias, impoe levíssima prática de jejum e abs
tinencia e deixa á consciéncia de cada um fazer o diagnóstico de sua vida es
piritual a fim de aplicar-lhe os remedios necessários. Este dever pessoal —
que é urna lei de vida - deve estar bem presente ao espirito de cada fiel, e
merecerá ser levado muito a serio, pois se trata da Grande Tarefa da vida
crista (preparar a veste nupcial para a ceia da vida eterna).

4) Nesse contexto, caso se pergunte se a vida do cristao leigo no mun


do é vida de penitencia, compreende-se que nao há outra resposta senao a
positiva. Quanto mais o cristaoqueira vivera "conversao dos seus costumes",
tanto mais há de se empenhar por praticar a morte ao velho homem, sem a
qual é ¡mpossível a formacáo da nova criatura ou do Cristo Jesús em nos. Se
os documentos jurídicos atualmente pouco falam de penitencia, nao deixa
de ser imperiosa a necessidade de purificacao interior, mediante práticas ade-
guadas, que cada irmao e irma deve assumir em consciéncia diante de Deus.

360
Tese-antítese:

Em Nome do Diabo"

por Víctor Willi

Em síntese: David Yallop, no livro "Em Nome de Deus", defendeu a


tese de que o Papa Joao Paulo I foi assassinado aos 29/09/78. Esta sensacio
nal noticia é contraditada pelo ¡orna/ista Víctor Willi, após críteríosa pesqui
sa, no livro Im Ñamen des Teufels (Em Nome do Diabo, Chrístiana Verlag).
V. Willi mostra que D. Yallop se inspirou em preconceitos, que o levaram a
cometer erros de historiografía e crónica — o que desacredita ahipótese de
seu livro.

Positivamente, o jornalista sui'co julga que Joao Paulo I faleceu de


disstress, ou seja, de enfarte decorrente da angustia que o acometía no exer-
ci'cio das suas pesadas funcóes de Sumo Pontífice.

Em PR 276/1984, pp. 398-402 e 278/1985, pp. 57-60 foi comentado


o livro "Em Nome de Deus" de David Yallop, escritor inglés, que tenta per
suadir o público de que a morte brusca do Papa Joao Paulo I (29/09/78) foi
devida a um assassínio. Tal livro encontrou enorme repercussao, traduzido
que foi para onze li'nguas. — Acontece, porém, que o jornalista su ico Víctor
Willi, após minuciosa pesquisa, redigiu um desmentido da tese de Yallop,
intitulado "Em Nome do Diabo" (Im Ñamen des Teufels). — A revista 30
Giorni, em sua edicao brasileira de novembro 1987, publicou urna resenha
de tal obra, da pena de Tommaso Ricci.

Torna-se muito oportuno que o público brasileiro tome conhecimento


do conteúdo do livro de V. Willi, publicado na Europa (Christiana Verlag,
Editora Christiana) em 1987. Eis por que transcrevemos em PR as páginas
do "Anti-Yallop" de Tommaso Ricci.

1. Por que "Nao" a David Yallop?

A "sabia" mistura de fatos e suposicoes, de banalidades e absurdos,


de erros e boatos servida aos leitores pelo escritor inglés David Yallop em

361
26 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

seu livro "Em Nome de Deus" (1984) comeca a ficar indigesta. As vítimas
do venenoso coquetel sao muitas, pois a inverosst'mil historia do assassinato
de Joao Paulo I já foi traduzida em 11 línguas e ainda hoje se encontra ñas
listas de livros mais vendidos. A revista alema Der Spiegel de 5 de outubro
deste ano coloca-o em nono lugar entre os best-sallers.

Tres anos depois, aparece no mercado editorial urna nova obra sobre
esse tema. Traz o título bastante polémico de "Im Ñamen des Teufels"
(Em nome do diabo) e seu autor, o jornalista suíco Víctor Willi, correspon
dente da Radio Suíca em Roma desde 1967, a apresenta como "a primeira
tomada de posicao indireta do Vaticano" sobre o delicado assunto, urna vez
que "esta exposiclo foi apresentada ao Vaticano em novembro de 1986 pa
ra urna veríficacáo e obteve, algumas semanas depois, a aprovapao da Sala
de Imprensa do Vaticano através de seu diretor, Joaquim Navarro", é a pri
meira vez — constata Willi — que a Santa Sé entra no mérito da questao do
suposto envenenamento do Papa Joao Paulo I e adverte, um pouco miste
riosamente, que a suatese é num certo sentido "mais grave" que a de Yailop,
que, como se sabe, atribuí a paternidade do compló a seis personagens: o
arcebíspo Paúl Marcinkus, o entao Secretario de Estado Jean Villot, o
ex-cardeal de Chicago John Cody, os falecidos banqueiros M¡chele Sindona e
Roberto Calvi e o "empresario" Licio Gelli.

Willi observa inicialmente que o sucesso de "Em Nome de Deus" foi


obtido apesar dos juízos negativos da crítica. "Urna historia de terror para
se ler na praia", sentenciou o Frankfurter Allgemeine Zeitung. "Depois de
450 páginas, a tese do assassinato continua nao provada e nao verificável
como antes, além de altamente improvável", na opiniao do Neue Züricher
Zeitung. "Eu o considero como pura fantasía" (Peter Hebbletwaite, "The
Tablet"); "Se Yailop tivesse só urna pálida idéia da real problemática vatica
na, teria chegado a urna conclusao muito mais simples e nao tío sensaciona-
lista" (Hans Jakob Stehle, "Die Zeit"). Mas a apressada condenacao por
parte dos especialistas nao desencorajou os leitores, observou Willi. Entáo,
como se explica o sucesso? Willi, sociólogo de formacao, afirma que Yailop,
na falta de provas concretas, apostou no "complexo anti-romano" e nos sen-
timentos "farisaísticos" particularmente presentes no mundo anglo-saxao.
De fato, boa parte do livro de Willi é dedicada á total incompreensáo da
específica mentalidade católica demonstrada por Yailop (o inglés nao conhe-
ce a li'ngua italiana e precisou de servir-se de terceiros para realizar muitas
das pesquisas ligadas ao seu livro). Porém, Yailop conhece muito bem um
aspecto do Vaticano: "Ele estava certo de que o Vaticano nao reagina ao seu
livro". Reforcado por esta conviccao, o escritor inglés pode rechear o seu
livro com urna enorme quantidade de calúnias e insinuacoes contra o Vatica
no e a Curia Romana, retratados segundo estereotipos renasce/itistas, onde
a intriga aparece como o principal método de trabalho. Segundo Willi, aqui

362
"EM NOME DO DIABO" 27

também aparece o típico modo protestante de considerar Roma. Yallop,


longe de proceder segundo o antigo principio jurídico do "in dubio pro reo",
adotou o criterio segundo o qual "o acusado deve provar a sua inocencia".
Mas, nos países de língua alema, esse principio nao vale: até prova em con
trario, todos sao inocentes. Valeu mais o preconceito: "até prova em contra
rio, quem cai em desgrapa, é um bandido".
Um outro erro metodológico atribuido a Yallop diz respeito á perver
sa confusao entre moventes e provas.

"Se o intefesse de certas pessoas na morte de Joao Paulo I é fácilmen


te demonstrável, isso nao serve para provar o crime". Esta é urna considera-
pao obvia para os modernos procedimientos de busca da verdade. Mas o livro
em questao, aproveitando-se do forcoso silencio da parte caluniada, faz o
papel de um advogado que lé a sentenpa sem conhecer a acusacao. A esse
respeito, Willi cita alguns exemplos do modo de proceder de Yallop, no qual
pequeños indicios de verdade sao acintosamente utilizados para confirmar a
tese pré-constituída do assassinsto e os particulares que nao se adaptam á
conclusao toreada sao alegremente deixados de lado. O primeiro exemplo
apresentado por Willi concerne ao relacionamento entre o novo Papa e o car-
deal Villot, Secretario de Estado. Tres anos antes da publicapao de "Em No-
me de Deus", o ministro das Relacóes Exteriores da Italia, Giulio Andreotti,
tinha publicado um testemunho digno de nota em seu livro "In ogni morte
di Papa" ("Sempre que morre um Papa"): "O cardeal (Viliot) me disseque
esse mes foi muito edificante para ele. No trigésimo dia ele teria dito ao
Papa que nao Ihe daria mais conselhos e ¡ndicaedes, desculpando-se por ter
que fazé-lo; a resposta, porém, foi de gratidáo e simpatía". Na pretensiosa
pesquisa de Yallop nao há trapo desse relato. Outro exemplo: urna das pro-
vas "indiscutíveis" contra Paúl Marcinkus seria constituida pelo fato de que
naquela manha de 29 de setembro ele teria chegado muito cedo ao Vatica
no, "o local do crime", ao contrario dos seus hábitos. Neste caso, Yallop
|cita a sua fonte: o sargento Giovanni Roegen, da Guarda Suípa. Interrogad^
por Willi, o sargento desmentiu categóricamente ter dado essa informapao,
confirmando também que Marcinkus costuma dirigir-se ao trabalho pouco
depois do amanhecer. Um outro motivo dominante na obra de Yallop diz
respeito á saúde do Papa Luciani. O inglés acredita com absoluta certeza
que o Papa esbanjava saúde, mas Willi demonstra que cinco anos antes Lu
ciani havia pedido a Paulo VI que nao o nomeasse Patriarca de Veneza: "Sin-
to muito, Santidade, mas nao creio ser o mais indicado para isso. A minha
voz está cada vez mais fraca e a minha saúde inspira cuidados". Dois meses
depois da morte do Papa, o sacerdote suípo Aloys von Euw, autor de urna
biografía de Albino Luciani, conversoucom Edoardo, irmSo do Papa, que de-
clarou: "Meu irmao nao tinha boa saúde". Por esse motivo, um dos seus so-
brinhos tinha dito antes do Conclave de agosto: "Esperamos que nao seja
eleito Papa". Existem numerosos testemunhos sobre a saúde precaria do Pa-

363
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

pa Luciani. Um deles é do arcebispo de Trento, Alessandro María Gottardi.


"Quando os peregrinos de Veneza foram recebidos em audiencia no dia 4 de
setembro de 1978, a mínha alegria diminuiu. Fiquei muito triste ao ver o as
pecto fi'sico do Papa e disse isso aos sacerdotes que estavam ao meu redor.
Parecía que Joao Paulo I estava oprimido por um peso que ultrapassava mui
to as suas torcas. Fui atravessado por um pensamento, um pensamento que
logo afastei. . . Depois, aconteceu o que aconteceu". E mais ainda. No dia
23 de setembro de 1978, cinco días antes da sua morte, o Papa tomou posse
da Basílica do Latrao. Estava presente o cónego Joseph Geraud, procurador
geral da Congregacao dos Sulpicianos, médico profissional antes de entrar na
Ordem. Depois da cerimónia, ele disse: "Se eu fosse o médico do Papa, eu
Ihe diría que fosse para a cama ¡mediatamente". Na mesma ocasiao, Giulio
Andreotti escreveu: "O seu aspecto me impressionou. Estava quase desfeito,
muito diferente do sorridente otimista da semana anterior. . . Durante a
Missa, notamos a palidez crescente e o suor que continuamente brilhava em
sua testa". Esses testemunhos tornariam mais provável urna morte natural e,
por isto, Yallop nao os leva em conslderacao, inteiramente decidido a de
monstrar o homicidio. Recentemente o ex-secretário de Joao Paulo I, Die
go Lorenzi, declarou em um programa de te levi sao, levado ao ar na Italia no
dia 2 de outubro passado, que na noite de 28 de setembro o Papa se queixou
de fortes dores no peito.

Willi ataca ainda um outro pilar sustentador da trama de Yallop: a


imagem de um Papa progressista, contrario á Humanas Vitae1 e partidario
da teología da libertacáo. Numerosas páginas de "Im Ñamen des Teufels"
sao dedicadas a esse assunto; délas emerge um Papa que nunca tomou atitu-
des contestadoras diante da famosa Encíclica de Paulo VI (o que nao quer
dizer que, como bom pastor, nao estivesse consciente das dificuldades que
os casáis católicos encontravam para entender as razoes profundas da
Humanae Vitae). Existe sobre este ponto um outro testemunho que desmen
te o quadro fornecido por Yallop. É de Giovanni Gennari, especialista em
assuntos religiosos do jornal italiano Paese Sera, de tendencia comunista.
Durante muitos anos, Gennari foi professor de Teología Moral no Seminario
Diocesano de Roma, e teve a ocasiao de conhecer Albino Luciani, que se
hospedava ali sempre que ia a Roma. Nos numerosos encontros que teve
com o prelado veneziano, Gennari jamáis teve a sensacao de estar diante de
um Luciani "de esquerda". Gennari recorda aínda que Luciani ¡mpos ao edi
tor de seu livro "Catequese em Migalhas" a publicacao em apéndice do Cate
cismo de Sao Pió X. Em Veneza. tinha fechado a FUCI (Federacao dos Uni
versitarios Católicos Italianos) por causa de suas posturas excessivamente
abertas; as vezes, assistindo aos exames oráis de Teología Ecuménica, per-

1 Humanaa Vitae é a Encíclica de Pauto VI que aceita a limitaeao da prole


pelo recurso aos métodos naturais apenas. {Nota da RedacSo).

364
"EM NOME DO DIABO" 29

guntava aos estudantes onde eles tinham lido aquetas "heresias" ("ñas apos-
tilas", respondiam os estupefatos alunos). Além do mais, nao seria lícito
falar em "reorganizacao em estilo progressista" a propósito das nomeacoes
que o Papa Luciani desejava fazer, entre as quais se destacava a do Cardeal
Benelli como Secretario de Estado. Gennari, que aparece na lista das pessoas
a quem Yallop agradece pela colaborado ("de fato, Yallop me procurou di-
zendo que queria escrever urna biografía de Joao Paulo I e eu infelizmente
confiei e contei-lhe o que sabia"), elaborou urna minuciosa análise textual
da edicao italiana de "Em Nome de Deus", encontrando urna quantidade ¡n-
crível de erros. Por exemplo: Giovanni Benelli é apresentado como Vice
secretario de Estado (cargo que nao existe) e como Secretario de Estado
(cargo que nunca ocupou); "depois da Humarme Vitae nao foram publica
das outras Encíclicas papáis" (ora vejam-se Octogésima Adveniens, Marialis
Cultus, Quinqué iam annos); na página 163, lé-se que com a e leí cao de Lu
ciani "toda a Curia teria sofrido urna derrota", ao passo que um pouco mais
adiante sustenta que Luciani "tinha provavelmente menos ¡nimigos na Curia
que qualquer outro Cardeal". O cárdeal Hamer é definido como "Prefeito"
da Congregapao para a Doutrina da Fé (nunca o foi): "pela primeira vez um
Papa (Joao Paulo I, ndr) falava ao povo de um modo e como um estilo que
todos compreendiam" (o que foi feito de Joao XXIII?); "Um dos novos tí
tulos que Luciani tinha adquirido, era o de bispo de Roma. Antes a cidade
nao tinha um bispo, ao contrario de Milao, Florenca, Veneza e Ñapóles, des
de um século" (como esquecer o relacionamento de Pió XII com Roma?).
Yallop elenca entre os gestos "revolucionarios" de Joao Paulo I a abolicao
da tiara (já estabelecida por Paulo VI); "como decano do Sacro Colegio, Fe-
lici conheciaas tramas da Curia melhor do que qualquer um" (o decano era
Confalonieri). Erros como estes, que denotam um desleixo e umadesinfor-
macao notáveis, existem as dezenas no livro.

2. A tese de V. Wlli

Mas qual é a tese proposta pelo livro de Willi em relacao a rnorte de


Joao Paulo I? Willi considera muito mais racional a tese da morte natural
provocada por stress. Eis o que diz a respe i to um professor de medicina Psi-
cossocial de Zurique entrevistado por Willi: "Extistem hoje estudos muito
acurados sobre a relacao entre o stress e o enfarte (que foi a causa mortis de
terminada pelos médicos vaticanos, ndr). Nao é tanto o volume de trabaIho
como tal que tem importancia decisiva, mes o chamado dis-stress. Estamos
diante de um dis-stress quando o paciente está submetido a um peso que
considera excessivo, que nao está em condicoes de controlar e influenciar,
que Ihe tira a liberdade de decidir segundo suas próprias conviccóes, que o
faz sentir-se obrigado a agir contra as suas conviccóes profundas. Era em
urna situacao desse género, segundo a descricao de Willi, que se encontrava

365
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

Joáo Paulo I..." Naturalmente, como explica mais adiante o professor, a re-
lapao stress-enfarte nao é obrigatória.

Willi concluí o seu tivro com observacoes de caráter geral sobre o


pontificado de Joáo Paulo I, negando que a sua brevidade seja sinónimo de
irrealizacao "A humanidade tem necessidade de Papas fortes, de diplomatas
espertos, de políticos habéis, de oradores poderosos e de muito dinheiro. So
assim a Igreja pode manter-se ácima do turbilhao das potencias mundiais".
Para o jornalista suíqo, a questáo fundamental sobre a figura dos Papas é se
eles, para poderem sobreviver, sao obrigados a parecer "grandes" ou se tém
liberdade para ser como Luciani, simples, modestos e f ráeos. "Mas a humani
dade está em condicóes de acolher um verdadeiro Santo Padre santo?" A
resposta de Willi é nao, "a humanidade ainda nao está madura para um santo
Santo Padre". Neste sentido, a tese de "Im Ñamen des Teufels" é "mais gra
ve" que a de "Em Nome de Deus": neste, os responsáveis pela morte de
Joáo Paulo I seriam seis pessoas; naquele, toda a humanidade. Todavía, Joao
Paulo I foi um grande sínal, "cuja importancia é inversamente proporcional
á duracáo de seu servico na sede de Sao Pedro", como disse Joao Paulo II re
cordando o seu predecessor um ano depois da sua morte. "Numa época em
que muitos no Vaticano consideram o seu pontificado como um acídente de
trabalho da Igreja ou até a prova de que o Espirito Santo se pode engañar",
o fato de que a lembranpa do pontificado de Joao Paulo I continué tao pre
sente no espirito de tantos fiéis constituí para Willi a prova de que o seu
pontificado foi de fato um sinal claro e perfeito.

(continuacáo da pág. 48)

dade, o Ir. Roger, ao Concilio do Vaticano II na qualidade de observadores.


É autor de obras sobre María, a Confissáo, a Eucaristía, o casamento, o celi
bato. Durante estes últimos anos, esteve em Genebra como colaborador ati-
vo no Conselho Ecuménico das Igrejas".

O fato da ordenacáo é muito alvissareiro para o movimento ecuméni


co. Nao pode deixar de suscitar em todos os cristáos os anseios de que mais
e mais se dissipem os obstáculos á almejada unidade.

E.B.

366
Fala a experiencia:

As Frustrares do Aborto

Em síntese: A legalizacao do aborto em alguns países tem provocado


reacoes negativas da parte tanto do grande público como dos médicos: per-
cebem quanto de desumano há nesta prática, e quanto os interesses espurios
(comerciáis) influem sobre a mesma. A própría mulher, submetida a tai
intervencao, ainda que a peca espontáneamente, nao deixa de ser profunda
mente atingida no seu natural instinto de manternidade, propenso ao cari-
nho e a defesa da vida.

Estas afirmacoes sao ilustradas por depoimentos e episodios coletados


ñas páginas seguintes.

0 aborto, legalizado em muitos pai'ses após enérgicas campanhas que


o postulavam como solucao de grave problemática, tem causado dissabores e
decepcoes, que a imprensa vem registrando.

No Brasil, a questao, deixada em aberto pela nova Constituicáo, esta


muito em foco. Há grupos que pleiteiam a legalizacao do aborto como pre
tensa resposta para urna questáo social. Diante disto, parece oportuno dar a
conhecer a experiencia de povos qué já liberaram o aborto e atualmente co-
Ihem os frutos da sua legislacao. Por conseguinte, examinaremos, a seguir, al
guns tópicos da situacáo na Franca, na Italia, na Inglaterra e nos Estados
Unidos da América.

1. Na Franca

Ao se celebrar o décimo aniversario da legalizado do aborto, milha-


res de manifestantes pediram eloqüentemente ao Governo Francés que res-
taurasse algumas medidas de defesa das enancas ainda nao nascidas e impe
dí sse que oRU. 486, fármaco abortivo, seja vendido como qualquer outro
produto farmacéutico.

367
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

A propósito desta recente pflula abortiva, o CLER (Centra de Liaisons


des Equipes de Recherche) dirigiu a Sra. Barzach, Ministra Delegada para os
Setores da Familia e da Saúde, a seguinte carta datada de 31/01/88:

"Sra. Ministra,

No momento em que V. Exda. esté para tomar urna decisao sobre a


autorizafio de venda, no comercio, do RU. 486, os membros da CLER
fazem questSo de reafirmar sua estima pelo respeito á vida humana desde a
conceicio..

Jádiziamosem 1979:

'Como confirma a ciencia genética moderna, no embriao tem inicio


urna vida que nao é nem a da mié nem a do pai, mas a de um novo ser
humano que se vai desenvolvendo por si mesmo. A este titulo, merece prote-
ció' /'Supplément d'Amour et de Famille n° 118).

No caso do RU.486, a decisao será tomada numa fase em que a


mulher se defronta com muitos fatores que a debilitam.

Como indican) as ponderacoes do Comité Nacional de Ética, a difusao


do RU.486 acarretaria inevitavelmente a banalizacao do aborto e, por con-
seguinte, a burla da lei.

Podemos, pois, evitar que o uso do RU.486 se torne urna prática con
traceptiva e contribua um pouco mais para a anestesia das consciéncias?
Multas pessoas perguntam: 'Um pequeño atraso das regras... que importa
isto?'

Julgamos que o respeito á criatura humana deve ser favorecido em to


das as suas dimensSes - física, psicológica e espiritual -, qualquer que seja
o estágio do desenvolvimento dessa criatura.

0 CLER assim se associa aqueles que desejam que a política da Fa


milia em nosso país caminhe no sentido de acolhera enanca e respeitara vi
da humana.

Queira, Sra. Ministra, aceitar a expressio da nossa elevada considera-


cao".

2. Na Italia

Na Italia, a lei n° 194, que permitiu o aborto, completou dez anos em


22/05/88. Ñas proximidades desta data, a Igreja convidou a populacáo a re-

368
AS FRUSTRACOES DO ABORTO 33

fletir sobre o valor da vida humana, lembrando a mensagem de Isabel e


María SS.: "Bendito é o fruto do teu ventre!" Além da Igreja, certos grupos
civis se movimentaram em Roma e em Millo no intuito de enfatizar todos
os efeitos desastrosos de urna lei que permitiu dois milhoes de abortos.

Mesmo alguns expoentes dos Partidos políticos abortistas declararan-i-


se favoráveis a urna revisáo dos efeitos da lei n° 194. Certos deputados de
Partidos "leigos" denunciaram "os exi'guos recursos financeiros e científicos
que atualmente sao postos á disposicao da maternidade responsável" (o Es
tado nao ajuda adequadamente as maes que queiram gerar e educar seus fi-
Ihos com responsabilidade).

Há também na Italia um Movimento "Pró-Vida", que apresentou ao


Parlamento ó seu quarto Relatório. Em 1987, sondou as causas que levam
ao aborto voluntario. Em 1988, a Equipe "Pró-Vida" procurou investigar a
atitude dos médicos perante a lei n° 194: na verdade, estes tém refletido so
bre as conseqüéncias de tal norma, a ponto que varios já nao Ihe sao favorá
veis. Com efeito, em 1986 os ginecologías que faziam objecao de conscién-
cía1 contra a lei, eram 59,5% (mais da metadeH, com leve aumento sobre o
percentual de 1985; o mesmo se verificou entre os anestesistas e o pessoal da
saúde em geral.

2.1. Urna entrevista

0 Dr. Salvatore Garsia, ginecología da Clínica Mangiagalli de Milao


desde 1971, é um daqueles que submeteram sua opíníao a urna reconsidera-
cao. Durante cinco anos, ou seja, desde o comeco da vigencia da lei nV 194
até 1983, praticou abortamentos. Depois passou a exercer a objepcao de
consciéncia. — O repórter R.M. da revista Famiglia Cristiana2 foi entrevísta
lo a respeito, obtendo as seguintes explicacoes:

R.M.: "Doutor Garsia, por que nao quis continuar a realizar aborta
mentos?"

Dr. Garsia: "Urna atitude como a que tomei, é algo de muito pessoal.
Diversos motivos podem influir, prevalecendo uns ou outros segundo os in-

' "Ob/ecao de consciéncia" é a recusa de obedecer a alguma lei motivada


por razoes éticas pessoas (-de consciéncia). A legislacao italiana reconhece
a objecao de consciéncia ao se tratar de abortamentos.

2 Vern? 6/1988, datado de JO/02/88.

369
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

A propósito desta recente pt'lula abortiva, o CLER (Centre de Liaisons


des Equipe* de Recherche) dirigiu á Sra. Barzach, Ministra Delegada para os
Setores da Fami'lia e da Saúde, a seguinte carta datada de 31/01/88:

"Sra. Ministra,

No momento em que V. Excia. está para tomar urna decisao sobre a


autorizacao de venda, no comercio, do RU. 486, os membros da CLER
fazem questao de reafirmar sua estima pelo respeito á vida humana desde a
conceicao..

Já dinamos em 1979:

'Como confirma a ciencia genética moderna, no embriSo tem inicio


urna vida que nao é nem a da mae nem a do pai, mas a de um novo ser
humano que se vai desenvolvendo por si mesmo. A este titulo, merece prote-
cao' fSupplément d'Amour et de Familia n° 118).

No caso do RU.486, a decisao será tomada numa fase em que a


mulher se defronta com muitos fatores que a debilitam.

Como indicam as ponderacoes do Comité Nacional de Ética, a difusao


do RU.486 acarretaría inevitavelmente a banalizacSo do aborto e, por con-
seguinte, a burla da leí.

Podemos, pois, evitar que o uso do RU.486 se torne urna plática con
traceptiva e contribua um pouco mais para a anestesia das consciéncias?
Multas pessoas perguntam: 'Um pequeño atraso das regras... que importa
isto?'

Julgamos que o respeito á criatura humana deve ser favorecido em to


das as suas dimensoes - física, psicológica e espiritual -, qualquer que seja
o estágio do desenvolvimento dessa criatura.

0 CLER assim se associa aqueles que dese/am que a política da Fa


milia em nosso país caminhe no sentido de acolhera enanca e respeitar a vi
da humana.

Queira, Sra. Ministra, aceitar a expressSo da nossa elevada considera-


cao".

2. Na Italia

Na Italia, a lei n° 194, que permitiu o aborto, completou dez anos em


22/05/88. Ñas proximidades desta data, a Igreja convidou a populacáo a re-

368
AS FRUSTRAQOES DO ABORTO 33

fletir sobre o valor da vida humana, lembrando a mensagem de Isabel e


María SS.: "Bendito é o fruto do teu ventre!" Além da Igreja, certos grupos
civis se movimentaram em Roma e em Milao no intuito de enfatizar todos
os efeitos desastrosos de urna lei que permitiu dois milhoes de abortos.

Mesmo alguns expoentes dos Partidos políticos abortistas declararam-


se favoráveis a urna revisáo dos efeitos da lei n° 194. Certos deputados de
Partidos "leigos" denunciaram "os exiguos recursos financeiros e científicos
que atualmente sao postos á disposicao da maternidade responsável" (o Es
tado nao ajuda adequadamente as maes que queiram gerar e educar seus fi-
Ihos com responsabilidade).

Há também na Italia um Movimento "Pró-Vida", que apresentou ao


Parlamento o seu quarto Relatório. Em 1987, sondou as causas que levam
ao aborto voluntario. Em 1988, a Equipe "Pró-Vida" procurou investigar a
atitude dos médicos perante a lei n° 194: na verdade, estes tém refletido so
bre as conseqüéncias de tal norma, a ponto que varios já nao Ihe sao favorá
veis. Com efeito, em 1986 os ginecologistas que faziam objepáo de conscién-
cia1 contra a lei, eram 59,5% (mais da metadeH, com leve aumento sobre o
percentual de 1985; o mesmo se verificou entre os anestesistas e o pessoal da
saúde em geral.

2.1. Urna entrevista

0 Dr. Salvatore Garsia, ginecologista da Clínica Mangiagalli de Milao


desde 1971, é um daqueles que submeteram sua opiniao a urna reconsidera-
cao. Durante cinco anos, ou seja, desde o comeco da vigencia da lei nu 194
até 1983, praticou abortamentos. Depois passou a exercer a objecpáo de
consciéncia. - O repórter R.M. da revista Famiglia Cristiana2 foi entrevísta
lo a respeito, obtendo as seguintes explicacoes:

R.M.: "Doutor Garsia, por que nao quis continuar a realizar aborta
mentos?"

Dr. Garsia: "Urna atitude como a que tomei, é algo de muito pessoal.
Diversos motivos podem influir, prevatecendo uns ou outros segundo os in-

1 "Objecao de consciéncia" é a recusa de obedecer a alguma lei motivada


por razoes éticas pessoas (-de consciéncia). A legislacao italiana reconhece
a objecao de consciéncia ao se tratar de abortamentos.

2 Ver n? 6/1988, datado de 10/02/88.

369
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

divi'duos. Vém ao caso tres fatores principáis: emotividade. as conviccóes re


ligiosas e algo que eu chamaría 'clínico, técnico e legislativo'".

R.M.: "Pode explicar melhor este terceiro elemento?

Dr. G.: "Quero dizer que em alguns colegas meus, mais do que em
mim mesmo, houve o desejo de contestar uma leí que foi mal elaborada, mal
aplicada e também desfigurada, pois, do conceito de extrema solucao de um
mal extremo, passaram a consideré-la como instrumento acessível a todos,
mesmo em casos que nao sempre ou quase nunca sao dramáticos. O aborto
tornou-se um meto anticoncepcional como é o DIU, que, segundo bem sabe
mos, provoca miniabortos".

R.M.: "0 Sr. disse que nSo foi a desilusao decorrente da apiicacao da
leí que o levou a mudar de atitude. Também nao creio que aquilo que o Sr.
chama 'conviccao religiosa'possa originarse repentinamente...".

Dr.G.: "Nao, nao é verdade. A fé pode amadurecer dentro de uma pes-


soa. Também certos fatos, como a vivencia da prática do aborto, podem
concorrer para uma mudanca de atitude: o médico que se torna responsável
por uma interrupcao de gravidez, vive uma situacao altamente emotiva,
como é a de um soldado que em guerra mata um inimigo. É obrigado a fazé-
lo porque veste uma farda, mas nao creio que tenha prazer ao matar outra
pessoa. Análogamente, quem pratica dez abortamentos numa só manha, po
de experimentar semelhante recusa".

R.M.: "Mas entao o médico que deixa de realizar abortamentos, é sim-


plesmente vitima de uma rotina nao gratificante?

Dr.G: "Nao, nao creio que seja assim. Com efeito; quem traba/ha de
tal maneira num Hospital tem sempre uma tarefa pesada".
R.M.: "O Sr. deu o exemplo do soldado que mata um inimigo, isto é,
um ser humano. Os médicos que praticam o aborto, como era o Sr., diriam
que nao se trata de uma pessoa, mas de um aglomerado de células".

Dr.G.: "NSo contemos lorotas; quando se provoca a interrupcao da


gravidez na décima semana aproximadamente, nao se trata de um aglomera
do de células. Além do mais, nos realizávamos abortamentos até em época
mais adiantada, ou porque nos, médicos, nao conseguíamos efetuá-los ante
riormente, ou porque as próprias mies se apresentavam com atraso e havia
certa liberdade para aceité-las".

R.M.: "Lembra-se de algum episodio daqueles anos que q tenha especi


almente impressionado?"

370
AS F RUSTRAgOES DO ABORTO 35

Dr. G.: "Nao esquecerei, por ceno, os semblantes das numerosas moci-
nhas que se apresentavam para abortar, sendo para algumas a segunda ou a
terceira vez..."

R.M.: "Dr. Garsia, com que se ocupa agora?"

Dr. G.: "Cada um de nos, ginecologistas da Clínica Mangiagalli, se


ocupa com tudo, desde o ambulatorio até as salas de parto, mas eu me dedi
co com mais afinco á Oncología".

R.M.: "Fez urna mudanca considerável".

2.2. E no caso de AIDS?

Na Italia a LILA (Liga Italiana Lotta all'AIDS), em margo de 1987,


sob o patrocinio do Ministerio da Saúde, publicou um documento em que
afirmava:

"A transmissao da infeccao da AIDS da mié atetada ao fitho está am~


píamente demonstrada. Todavía conhecem-se medidas eficazes para impedir
antecipadamente a transmissao da doenca da mae ao fílho, como também
existem medidas assistenciais que podem atenuar este risco, mesmo ñas mu-
Iheres já grávidas".

0 mesmo documento avalia em 35% o risco de transmissao da AIDS


da mae para a crianpa.

Fo¡ entrevistado, a respeito do problema, o Prof. Nicola Natale, gine-


cologista e presidente da Associacfo dos Portadores de Objecao de Conscién-
cia no campo da Medicina. Declarou que se pode mesmo avaliar em 40% a
probabilidade de contagio do filho por parte da mae aidética. .

Tal contagio se realiza principalmente durante a gravidez e, muito ra


ramente, por ocasiáo do parto. Sabemos também que o virus passa para o
leite materno, mas ainda nao é claro se e como afeta a enanca. Ademáis é
preciso observar que 70% dos bebés que nascem com o vfrus aidético, cos-
tumam perdé-lo durante os seis primeiros meses de vida; os restantes 30%
geralmente morrem.

Perguntou entSo o repórter: "Do ponto de vista médico, haveráalgu-


ma indicacao de aborto para urna muther aidética?"

Respondeu o Dr. Natale: "Nao. Poderia responder também com urna


pergunta: por que motivo essa mulher deveria abortar? Se quisermos refletir

371
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

co'm seriedade, pederemos apontar apenas duas razoes: grave daño para a
crianza recám-nascida ou grave daño para a mié. Examinemos o primeiro
caso, fazendo urna observafio previa:

Na Italia, a AIDS atinge geralmente as mulheres dependentes de tó


xicos ou unidas a um companheiro tóxicodependente. Estes sao casáis que,
por causa do abuso da droga, geralmente tém baixa fertilidade e tSm alto
percentual de abortamentos voluntarios e aínda mais alta incidencia de abor-
tamentos espontáneos. Podemos dizer que, de cem mulheres dependentes de
tóxicos, apenas trinta ou menos chegam ao parto. Os 30% desses 30%, isto é,
os 10% das enancas nascidas de mulheres aidéticas correm o risco de contrair
a AIDS.

Fagamos agora urna ponderacio fundamental: nos todos, desde que


fomos concebidos no seio materno, estamos destinados a morrer antes ou
depois de nascer. EntSo por que anteapar a mortePSe a alternativa é ou eli
minar logo urna enanca' ou deixá-la correr o risco da AIDS, prefiro deixá-la
correr o risco".

Repórter: "E quanto aos riscos que pode sofrer a mié?"

Dr N. Natale: "Nos bastidores da Medicina temos noticia de que a gra


videz pode comportar um agravamento da molestia, mas os dados por ora
sao escassos e todos devem ainda ser comprovados".

Repórter; "Por conseguinte, nenhuma razio médica recomenda de an-


temió o aborto. Mas para a mulher viciada em drogas e aidética, nao haveria
urna justificativa de ordem psicológica e social em favor do aborto?"

Or. N. Natale: "Está claro que um estado de psiquismo frágil e urna si-
tuagao de marginalizagio social sio traeos característicos dos toxicode-pen-
dentes; ninguém o pode negar. Mas o fato de que essas pessoas se acham
em tais condiedes n§o invalida o que dizia hápouco: sabemos que muitas de-
las querem abortar e levamos isto em consideracio, mas nem por isto deve-
mos consentir no aborto. A sotucao que se deve tentar com todo o afinco, é
a de procurar recuperar os dependentes de tóxicos".

Até aquí o Dr. N. Natale, que se revela milito sensível ao valor da vida
humana e reconhece que a Medicina existe para defendé-la e nunca para ex-
terminá-la.

1 que tafvez escape da AIDS (Nota do tradutor).

372
AS FRUSTRACOES DO ABORTO 37

3. Na Inglaterra

Já em PR 213/1977, pp. 377-390, foi apresentado o livro "Bebes para


queimar" (Babies for burning), dos jornalistas Michael Lichtfield e Susan
Kentish. Munidos de gravador e dissimulando-se como se fossem casados ou
namorados entre si, foram ter a diversas Clínicas e varios médicos, a firr de
pedir aconselhamento, pois "suspeitavam estar Susan' grávida". Puderam
entao perceber a trama existente a fim de orientar os clientes de tais casas
para a prática do aborto; embora Susan nao estivesse grávida, o laudo resul
tante do exame de urina era geralmente "Grávida" (mesmo quando em de
terminada ocasiao foi dada para exame a urina de Michael). A mentira e a
desonestidade eram evidentesl Mais: puderam os jornalistas averiguar que
mais de um médico vendia as crian cas extraídas do seio materno a fábricas
de sabao e cosméticos, visto que a gordura animal é a mais recomendada
para a confeccao de tais artigosl - No mesmo livro, os dois autores obser-
vam que nos Estados Unidos e na Holanda puderam averiguar procedimen-
tos semelhantes aos da Inglaterra.

Ora recentemente tornou-se clamoroso neste mesmo país um outro


episodio relacionado com o aborto. Passamos a relatá-lo depois de apresen-
tar o respectivo paño de fundo:

Na Inglaterra o aborto é um direito reconhecido a toda mulher que o


requeira; nenhuma formalidade ou condicao restritiva se impoe á candidata
desde que esteja dentro das primeiras vinte e oito semanas de gestacao, ou
dentro dos seus sete primeiros meses...

Recentemente o Deputado liberal David Aitón apresentou ao Parla


mento um projeto que restringe para dezoito meses o prazo de liceidade do
aborto. Já foi vitorioso na primeira etapa de tramitagao, mas encontra muí-
tos adversarios, entre os quais a própria Primeira Ministra Margaret That-
cher. é provável que se chegue a urna solucao de compromisso: nem 28 nem
18, mas 24 meses...

Entrementes ñas salas de cirurgia ocorrem realidades atrozes, guarda


das sob silencio. A sociedade permissiva, de um lado, as tolera, mas, de ou
tro lado, exige que nao sejam proclamadas. De vez em quándo, porém, dí-
se um "furo"; algumas das pessoas mesmas que trabalham na prática do
aborto, concebem horror diante de fatos mais estridentes; tém compaixSo
das vítimas, ouvem o bradó da consciéncia e já nao podem guardar o silen
cio...

Foi precisamente por este canal que se tornou conhecido um episodio


ocorrido há meses no Hospital Maior de Carlisle, no Norte da Inglaterra.

373
38 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

Urna menina de cinco meses, extraída abortivamente do seio mater


no, foi deixada com vida em cima de urna bandeja de metal sobre urna mesa
enquanto agonizava; morreu finalmente após duas horas (segundo o médico
responsável) ou após tres horas (segundo outros). Entao lancaram-na dentro
do incinerador.

O cirurgiSo responsável afirmou que a crianca tinha vinte e urna sema


nas de existencia e que, por conseguinte, podía ser legalmente eliminada do
seio materno. Quando retirada deste, a menina respirava e tinha oitenta pul-
sacóes cardíacas por minuto. "Que fazer com ela?", perguntava o pessoal de
enfermagem. O médico de planteo respondeu que nada havia a fazer: os
pulmóes, dizia, nao estavam suficientemente formados; além do qué, julgava
que havia deformacóes cerebrais causadas pela substancia abortiva ingerida
pela mae por ordem do médico, para que perdesse a enanca. Estes dois lau
dos, dos quais o segundo hipotético, equivaliam á sentenpa de morte decre
tada para a enanca.

Já que a menina continuava a respirar e gesticular, urna das tres enfer-


meiras assistentes houve por bem batizá-la. Foi este o único ato humanita
rio (e cristao) que se praticou em favor déla. Quando, após muito sofrer, a
enanca morreu, foi envolvida em urna sacóla de plástico e jogada no incine
rador; assim jamáis se poderia averiguar se era verídico ou nao o diagnóstico
do médico.

Nunca o público teria tomado conhecimento do episodio se asenfer-


meiras presentes, atormentadas em sua consciéncia, nao o tivessem contado
confidencialmente ao Pe. Peter Houghton. Este convenceu-as de que deviam
levar o fato ás autoridades judiciárias.

O Hospital, em conseqüéncia, esteve sob inquérito, por denuncia do


Movimento inglés "Pró-Vida". Todavia a East Cumbria Health Authority,
instituí cao sanitaria regional governamental, absorveu o Hospital, declaran
do no seu laudo oficial que aquela ¡nterrupcáb de gravidez, plenamente líci
ta, fora executada correctly and compassíonately, isto é, corretamente e
com a devida compaixao! - Se se requer um coracao de pedra para assistir
impassivelmente á morte de um inocente, supoe-se ánimo maligno ou sarcás-
tíco para escrever que a operacao atrás descrita foi praticada "com a devida
compaixao"!

O caso desta menina ó talvez um entre milhares de semelhantes, Igno


rados pelo público; vem a ser síntoma de mentalidade e situacSo pouco hon
rosas (ou mesmo desonrosas) para a sociedade humana. Atualmente, o Movi
mento inglés "Pró-Vida" pede que tais casos de nascimento e> morte sejam
oficialmente registrados.

374
AS FRUSTRACOES DO ABORTO 39

4. Nos Estados Unidos

Nos Estados Unidos a celebracao do 15? aniversario da legalizarlo do


aborto suscitou turbulentas manifestacoes em defesa da vida. Em Washing
ton 50.000 pessoas participaran! da iniciativa nacional, de que jomáis e re
vistas publicaram fotografías significativas: viam-se homens e mulheres, in
clusive jovens, ostentando faixas com os dizeres "March for Ufe", "The Gift
of Ufe", "God's Special Gift"... (Marcha em favor da Vida, O Dom da Vida,
Especial Dom de. Deus).

5. ConclusSo .

O aborto, além de ser um atentado á vida de urna enanca ¡nocente, é


também um trauma profundo infligido ao psiquismo'da mulher. Esta tem
congénito o instinto da matemidade, que comporta carinho e amor pela vida.
Eis alguns depoimentos de pessoas que fizeram a experiencia do aborto e re-
ve lam as impressoes que isto Ihes causou:

Urna estudante solteira, de 20 anos de idade, ao recordar o ambiente


em que certa vez sofreu o aborto, assim fala: "Péssima impressao de tumulto
e de desprezo por voces, médicos. Voces me causam nojol"

Outra estudante, com 22 anos, declara: "Jamáis esquecerei a sala cheia


de sangue e de indiferenca!"

Urna trabaIhadora, casada, com 25 anos, se disse desiludida pelo am


biente "nao hostil, mas frió, indiferente, como se nao estivessem tratando
com mulheres portadoras de tío serio problema".

Urna dona de casa com 35 anos de idade, casada: "Nao creio que cer
tas recordacóes se apaguem só porque o queremos. Parece-me ter perdido
urna crianca minha, destruindo-a com as minhas ma*os".

Urna trabalhadora, com 41 anos, casada: "Quando vejo urna crianca


que poderia ter a idade do meu filho, ou quando vejo urna mulher grávida,
experimento grande tristeza e um sehtimento de vazio".

Urna dona de casa, com vinte e sete anos de idade, casada: "Sinto raí-
va de mim, raiva também de quem nao me explicou suficientemente as coi
sas quando pedi o aborto. Eu devia saber melhor o que era, como o pratica-
vam e principalmente o ambiente no qual eu me encontraría!"

Outra dona de casa, com 35 anos de idade: "Sinto raiva de quem me


colocou na cabeca que eu era velha demais para ter um filho".

375
40 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

Urna estudante de 22 anos: "Jamáis poderei perdoar a mim mesma o


que fiz. Perdí a vontade e o entusiasmo de viver".

Estes testemunhos foram colhidos num inquérito realizado na Italia.1


Revelam o que alguns chamam a "síndrome pos-aborto". Este fere a mulher
no que ela tem de mais específico e caro; para a grande maioria, nao é um
dos muitos acontecimientos da vida, sujeitos a ser arquivados e esquecidos,
mas deixa marcas duradouras.

Eis as razoes por que a Moral católica se opoe ao abortamento: o pro-


prío bem da mulher, além do respeito á vida do filho, exigem a repulsa de
tal prática. Em vez de pensar em liberar ou facilitar o aborto, seria para dese-
jar que as autoridades públicas e particulares se preocupassem com o amparo
a gestante, a fim de que possa ter seu filho naturalmente e, caso necessário,
o entregue, depois de nascido, a quem o possa educar numa familia adotiva
ou em ¡nstituicoes do Estado ou particulares devidamente aparelhadas com
pessoal e instalacoes.
• • •

CURSOS POR CORRESPONDENCIA


Sao Pedro nos diz que todo cristao deve estar sempre pronto para res
ponder a quem Ihe pega razoes da sua esperanca (1Pd 3,15). Em vista disto,
a Escola "Mater Ecclesiae" oferece por correspondencia:
1. Curso Bíblico: Introducao Geral á Sagr. Escritura e a cada livro do
Antigo e do Novo Testamento; explicagao dos onze primeiros capítulos do
Génesis.
2. Curso de Iniciacao Teológica: estudo de todos os tratados da Teolo
gía desde a Teología Fundamental até a Escatologia ou Consumacao.
3. Curso de Teología Moral: nocoes básicas (ato humano, lei, conscién-
cia, pecado, virtudes...) e setores especiáis (Fé, Esperanca, Caridade, Justiga,
Religiao, Vida Humana, Matrimonio...).
4. Curso de Historia da Igreja: Historia Antiga, Medieval e Moderna.
5. Curso de Liturgia e Espiritualidade.
As inscricoes podem ser feitas em qualquer época do ano. A duragao
do curso está a criterio do aluno. Quem se matricular, receberá as primeiras
licóes em casa; após estudar, responderá ás perguntas respectivas; mandará
sua prova para a sede da Escola, que Ihe devolverá o trabalho corrigido jun
tamente com novas lígoes. Confere-se Certificado.
Inscricoes e pedidos de informacoes sejam dirigidos á Escola "Mater
Ecclesiae" Rúa Benjamín Constant, 23 - 39 andar, 20241 - RIO DE JA
NEIRO- RJ.

1 Ver "Famiglia Cristiana", n9 6 de 1988, JO/02, pp. 38s.

376
Um Santo leigo em nosso século:

José Moscati, o Médico Santo

Em síntese: Giuseppe Moscati foi um leigo, médico, professor universi


tario, pesquisador. que se tornou santo através do exercfcio mesmo da sua
profissao. Via os pacientes como irmSos que dele esperavam nao sonriente o
alivio do corpo, mas também o incentivo espiritual. Dedicava-se-lhes nos
Hospitais e em seu consultorio, procurando estar sempre em día com a
ciencia a fim de melhor servir aos enfermos. Desprendido de bens materiais e
de seus interesses particulares, nao raro dava também dinheiro aos clientes
mais necessitados, de modo que morreu pobre. Deixou Notas pessoais e
cartas varías, que revelam o segredo de sua nobreza de caráter ou a sua
profunda vida de oracio e uniao com Deus.

Beatificado por Paulo VI em 16/11/1975, foi canonizado em 25/10/


1987, por ocasiao do Sínodo Mundial dos Bispos referente aos Leigos. Sao
José Moscati é um testemunho de como, no mundo de ho/e e no exercfcio
de urna profissio de grande relevo, pode o crístao santificarse, tornándose
herói de virtudes, queem vidavalerama Moscati o titulo de "Médico santo".

* * *

A vida dos Santos é sempre um sinal que fala eloqüentemente á huma-


nidade, pois eles traduzem em termos concretos e vivenciais o que os livros
apresentam em teoría; assim mostrsm que os mais be los ideáis sao viáveis e
encontram, mesmo em época de materialismo, quem os ponha em prática
com a graca do Senhor Jesús. Por isto os mestres de espiritualidade reco-
mendam a todos os cristáos que periódicamente se voltem para a figura dos
Santos, a fim de aprender deles, de modo vivencial, a arte da perfeicao espi
ritual (que é também a plena humanizacao do individuo)-. Cada Santo tem
suas peculiaridades, evidenciando que, com qualquer temperamento e em
qualquer vocacao dados por Oeus, a pessoa pode chegar á plenitude das suas
virtualidades; na verdade, hinguém é chamado ao meio-termo ou á mediocri-
dade.

Tal foi.o caso, entre outros, de Giuseppe Moscati (1880-1927), médi


co, professor universitario e pesquisador, que o Papa Paulo VI proclamou

377
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

Bem-aventurado aos 16/11/1975 e Joao Paulo II canonizou aos 25/10/1987


(durante o Sínodo Mundial dos Bispos que tratava dos Leigos na Igreja).

Segue-se um perfil da vida e da personalidade deste Santo.

1. Dados biográficos

Giuseppe Moscati nasceu aos 25/07/1880 em Benevento (Italia), de


familia íntegra; o pa¡, Francesco Moscati, era jurista, que chegou a ser Pre
sidente do Tribunal de Benevento e Conselheiro do Tribunal de Recursos
de Ñapóles. A Sra. Rosa De Luca Moscati era, no dizer do filho Giuseppe, a
mulher forte de que fala a S. Escritura em Proverbios 31,10-31.

Desde 1884 a familia morón em Ñapóles, onde também Giuseppe vi-


veu e morreu. Fez os estudos de Humanidades em Ñapóles, onde entrou pa
ra a Facutdade de Medicina em outubro de 1897, com dezessete anos de
idade.

Dedicou-se ardorosamente ao estudo e a prática da Medicina, pro


curando sempre atualizar os seus conhecimentos. Conseguiu o Doutorado
em Medicina aos 4/08/1903. Poucos meses depois, prestou concurso para
trabalhar nos Hospitais de Ñapóles; já o seu saber científico surpreendia os
examinadores.

Em 1908 foi nomeado Assistente Ordinario no Instituto de Química


Fisiológica. Conseguiu a Livre Docencia desta materia em 1911, e a de Clí
nica Médica Geral em 1921. Em 1919 foi promovido a Diretor de Sala nos
Hospitais Reunidos de Ñapóles.

Dedicou-se á pesquisa, em laboratorio, sobre a acao dos amidos e da


glicose no organismo humano. Publicou os resultados destes estudos em cer
ca de trinta relatórios e comunicacdes editados na Italia e no estrangeiro. Es
tes trabalhos o tornaram famoso e estimado tanto na sua patria como fora
desta. A convite do Governo italiano, viajou para diversos países da Europa
a fim de participar de Congressos: em 1911, por exemplo, esteve em Viena
(Austria) como membro do Congresso Internacional de Fisiologia; em 1923,
foi a Edimburgo (Escocia), tomando parte no Congresso Internacional de
Fisiopatologia.

Morreu com a fama de sabio e santo aos 12/04/1927. Com efeito;


aos 12 de abril de 1927, após a S. Missa e a Comunhao, o Prof. Moscati vol-
tou á casa e preparou-se para seguir para o Hospital. Depois de fatigosa ma-
nha de trabalho, dispds-se a enfrentar a habitual fila de clientes em seu am-

378
JOSÉ MOSCATI, O MÉDICO SANTO 43

bulatório. Mas as 15 horas retirou-se para um quarto, dizendo: "Estou-me


sentindo mal". Sentou-se numa poltrona, cruzou os bracos sobre o peito,
reclinou a cabeca, e, sem urna palavra, expirou. Tinha 47 anos de idade.

2. A figura do médico

Giuseppe Moscati era um apaixonado da Medicina; para ele, o contato


diario com os doentes era urna necessidade. Logo que se formou, comecou
a servir no Hospital dos Incuráveis, que ele nao deixou de freqüentar até o
fim da sua vida. Em suas Notas pessoais, encontra-se o seguinte depoimento:

"Quando rapaz, eu olhava com ¡nteresse para o Hospital dos Incurá


veis, que meu pai apontava á distancia, ou se/a, do terraco de casa; isto me
inspirava sentimentos de compaixao pela indizível dor dos enfermos, que na-
quele recinto procuravam alivio. Urna salutar perturbacao me acometía e eu
comecava a pensar na caducidade de todas as coisas e as ilusoes se dissipa-
vam, como cafam as flores dos laran/ais que me cercavam".

Como ás flores sucedem os frutos, assim também na vida de Moscati a


perda de ilusoes levou-o a um empenho realista e fecundo em favor dos seus
irmáos sofredores. 0 papel do médico, Moscati o descreveu em carta dirigida
a um seu aluno recém-formado:

"Lembra-te de que, segundo a Medicina, assumiste a responsabilidade


de urna sublime missSo. Persevera, com Deus no coracao..., com amor e
compaixao para com os que sio abandonados, com fé e entusiasmo, surdo
aos louvores e ás críticas, insensíveis á inveja, disposto únicamente á prática
do bem".

Vé-se que Moscati considerava o exerci'cio da sua profissao como a res-


posta a urna vocacao; ele quería dedicar-se a esta com fé e amor, inspirado
pelas mais puras ¡ntencSes. Passava longas horas do dia e da noite no labora
torio para descobrir as causas das doencas e definir os respectivos remedos;
quería assim servir,... e servir do melhor modo possível. A sua vida tor-
nou-se urna resposta a Deus, que o colocou no mundo para agir segundo os
planos do Criador; era também urna resposta ás necessidades e aos sofrimen-
tos dos homens. Assim escreveu ele num pedaco de papel encontrado entre
outros documentos:

"Seja a dor considerada nao como urna oscilacao ou urna contracSo


muscular, e'sim como o grito de urna alma, de um irmSo, ao qualoutro ir-
mao, o médico acode com o calor do amor ou a caridade".

379
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

Em carta escrita a um médico, seu ex-aluno, pode-se ler:

"Recorda-te de que te deves ocupar nSo apenas com o corpo, mas tam-
bém com as almas".

Com estas palavras, Moscati revelava seu zelo pela pessoa do enfermo,
que freqüentemente deseja encontrar no médico mais do que um profissio-
nal ou um técnico, e sim também um estímulo e reconforto. É o que apare
ce em outro escrito de Moscati:

"O médico acha-se em posicao privilegiada, pois freqüentemente está


diante de pessoas que, apesar dos seus erros passados, estéío dispostas a vol-
tar aos bons principios herdados de seus antepassados; estSo ansiosas por en
contrar apoio premidas pela dor. Feliz o médico que sabe compreender o
misterio desses coracoes e inflamá-los novamente \"

"Felizes nos, médicos, multas vezes incapazes de debelar urna doencal


Felizes nos, se nos lembramos de que, além dos corpos, temos diante de nos
almas imortais,... em relacao as quais urge o preceito evangélico de amá-tas
como a nos mesmos".

"Os doentes sao a imagem de Jesús Cristo e os atribulados sao os dile-


tos e preferidos de Deus".

0 seu amor pelos doentes nao Ihe deixava treguas: durante o dia estava
nos Hospitais, na cátedra universitaria, em visita aos doentes, especialmente
aos mais miseráveis; e de noite dedicava bom espapo de tempo ao estudo, a
f im de sempre oferecer aos pacientes e alunos o melhor que pudesse saber e
adquirir. Mesmo durante o dia, quando o Prof. Moscati voltava dos Hospitais
para casa, encontrava a sua residencia cheia de pacientes á espera.

3. O homem de Deus

Tal dedicacao nao era interesseira. Muito pelo contrario. Praticava o


desapego dos bens materiais. Quando julgava os emolumentos elevados de-
mais, restituía a metade, ou mais do que isto, aos seus clientes. Dos mais ne-
cessitados nao cobrava honorarios, dizendo que o importante era curá-los.
Na sala de espera do seu consultorio havia um cesto onde os clientes podiam
depositar o preco da consulta. Certo dia, pouco após a guerra de 1914-18,
apareceu-lhe um homem que estivera na frente de batalha. Após o atendí-
mentó, perguntou o paciente ao médico: "Quanto Ihe devo, professor?" O
doutor sorriu: "Pensa, antes do mais, em ficar bom. Se podes, coloca no ces
to o que queres, mas, se precisas, tira aquilo que te é necessário". Nao raro
era Moscati quem pagava aos seus doentes: alguns destes encontravam urna

380
JOSÉ MOSCATI, 0 MÉDICO SANTO 45

quantia em notas debaixo do travesseiro; outros, dentro do envelope porta


dor da receita... Eram proverbiáis as suas iniciativas neste particular, de
modo que Moscati morreu pobre.

Os seus costumes irrepreensíveis e a sua piedade valiam-lhe zombarías


de muí tos, que o acusavam de louco ou de "maníaco religioso", pois nao o
podiam atacar no plano científico e profesional. Moscati nao fazia caso
disso. Encontra-se mesmo em suas Notas particulares a seguinte norma:

"Ama a Verdade. Mostra-te como és, sem disfarces e sem fingimento.


E, se a Verdade te custar a perseguido, aceita-a; e, se te acarretar tormentos,
suporta-os. E, se por causa da Verdade tivesses que sacrificar a ti ea tua vi
da, sé forte no sacrificio " (17/10/1922).

Moscati conhecia as intrigas, as rivalidades, os comprometimentos


usuais entre colegas para chegar a posicdes vantajosas na car reirá médica.
Lutou, porém, para acabar com práticas e costumes pouco honestos nos
Hospitais, nao somente porque degradam a figura do médico, mas também
porque prejudicam a formacao dos estudantes, futuros médicos, e causam
danos aos próprios pacientes. Combatía, pois, o nepotismo, o proteccionis
mo e o favoritismo nos concursos e ñas promocoes de carreira, que muitas
vezes redundam em baixa de nivel profissional e, indiretamente, em detri
mento dos enfermos.

A essa retidao de costumes o médico e professor sabia associar profun


da humildade; dizia que "o Senhor Ihe concederá a grapa de compreender
que Ele é tudo e eu nada sou". Tinha consciéncia de sua absoluta dependen
cia em relacao ao Senhor da vida.

0 segredo dessa nobreza de caráter era a vida interior ou a uniao com


Oeus cultivadas por Moscati. Comecava o dia dirigindo-se, muito cedo, á
igreja do Gesü Nuovo, onde recebia a S. Eucaristía. As suas Notas pessoais
revelam que ele sabia falar a Cristo com a simplicidade de urna enanca,
exprimindo-lhe quanto experimentava em sua alma. Quando tinha um pouco
de lazer, passava muito tempo na igreja em oracao e adoracao.

Como se vé, Giuseppe Moscati abracou, a luz da fé, "a sublime pro-
fissáo de médico", que ele considerava um servico de amor apostólico e um
culto prestado a Deus na pessoa dos irmSos sofredores. Durante a sua breve
existencia terrestre, cuidou de milhares de pessoas, para as quais foi instru
mento de recuperacao da saúde; os seus contemporáneos pareciam entrever
em sua pessoa e em seu modo de agir um aceno a bondade do própno Deus.
Daí a palavra que de boca em boca se propagava, quando faleceu aos 47 anos
de idade: "Morreu o professor santo!"

381
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

Leigo médico, dentista e santo. Estas palavras resumem urna existen


cia, delineiam um ideal e abrem um caminho, suscitando a imitacao de quan-
tos se achem hoje em circunstancias de vida semelhantes.

A propósito pódese consultar o artigo "II Médico Santo: Giuseppe Mos-


cati", de Paolo Molinari S.J. em "La Civiltá Cattolica" n? 3297,07/11/87,
pp. 236-248. Destas páginas foram transcritos os textos de Moscati citados;
ñas mesmas é indicada ampia bibliografía.
Estéváfo Bettencourt O.S.B.

Correspondencia Miúda
"Sobre a encomendacao dos suicidas, sei que houve modif¡cacao...
Nada achei no novo Código de Direito Canónico... Que é permitido hoje?"
J.P. (RS)

A Igreja, até o novo Código de Direito Canónico, datado de 1983, fa-


zia restricoes a maneira de celebrar os sufragios pelos suicidas que morres-
sem sem sinal de arrependimento; evitava-se publicidade, nao, porém, a ora-
pío por esses irmaos falecidos. A razáo disto estava no desejo de diferenciar
o tipo de morte contraria á Le i de Deus do tipo de morte resignada e respei-
tosa da vontade do Senhor.
Ocorre, porém, que nos últimos tempos se tomou consciéncia mais ní
tida de que muitos suicidas cometem tal ato de revolta em estado de deses
pero alucinado, doentio, privados, em parte ao menos, de sua lucidez men
tal e responsabilidade moral. Além disto, observa-se que nunca se pode sa
ber o que acontece no íntimo de urna pessoa; pode arrepender-se de suas fal
tas, sem mesmo dar sinal disto.
Em conseqüéncia, o novo Código nSo prevé restricao alguma aos sufra
gios pelos suicidas e ao sepultamento eclesiástico dos mesmos. Eis o que di-
zem os cánones:
Canon 1184 — "§ 1. Devem ser privados das exequias eclesiásticas, a
nao ser que antes da morte tenham dado algum sinal de penitencia:
19 os apóstatas, hereges e cismáticos notorios;
29 os que tiverem escolhido a cremacSo do seu corpo por motivos con
trarios á fé crista-
jo outros pecadores manifestos, aos quais nao possam conceder exe
quias eclesiásticas sem escándalo público dos fiáis.
§ 2. Em caso de dúvida, seja consultado o Ordinario local, a cujo ¡ufzo
se deve obedecer.
Canon 1185 — A quem se negaram exequias eclesiásticas, deve-se tam-
bém negar qualquer Missa exequial".

382
NOTAS 47

Comenta o Pe. Jesús Hortal: "A exclusao é só da Missa exequial no


sentido estrito, nao da aplicacao particular da Missa".
Como se vé, nao há referencia aos suicidas nestes cánones restritivos.
Ver o propósito Dadeus Grings: A Ortopráxis da Igreja. Ed. Santuario
1986, pp. 152s:

E.B.

NOTAS
FILME SOBRE A VIDA SEXUAL DE JESÚS?

Há muito, e repetidamente, vem sendo divulgada a noticia de que urna


empresa norte-americana estaría preparando um filme blasfemo sobre a vida
sexual de Jesús. Numerosos protestos foram enviados ao respectivo endere-
co, combatendo tal idéia e pedindo a revogagáo do projeto.

A Santa Sé e muitos Bispos se interessaram por conhecer a fundamen-


tacáo de tal rumor, de modo que o Cardeal Joseph Bernardin, Arcebispo de
Chicago, devidamente interrogado, respondeu a Mons. Pió Laght, Pró-Nún-
cio Apostólico em Washington, nos seguintes termos:

"Prezado Monsenhor Laght,

A respeito do pedido de informacoes da Secretaria de Estado referente


a um filme que, como se diz, descreveria a vida sexual de Jesús, estou feliz
por comunicar a V. Excia. que nao há fundamento para apreensóes.

Já há varios anos que circulam rumores neste sentido e ninguém pare


ce saber quando e onde comecaram. Sempre se associou tal notfcia a Modera
People News, empresa que nao está registrada em Franklin Park, Illinois.
Certo é que muitas pessoas alarmadas pediram freqüentemente ao público
que protestasse junto a William J. Scott, Procurador Geral do Illinois. Ora o
Sr. Scott deixou o seu oficio em 1979. Apesar de tudo, os rumores persis-
tem. Espalharam-se para além das nossas fronteiras e voltam periódicamente
á tona para alarmar os fiéis e os demais homens que professam a religiao
católica.

Faco votos para que esta ¡nformacáo tranqüitize as pessoas inquietas e


evite ao Oficio do Procurador Geral um novo fluxo de peticoes bem inten
cionadas, mas totalmente desnecessárias. Estou feliz por ser útil a V. Excia."

Esta decía racao do Cardeal Bernardin vem a propósito também para o


Brasil, pois ente nos foram, sem dúvida, numerosos os oficios e cartas envía-

383
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 315/1988

dos aos Estados Unidos á guisa de protesto contra um projeto que na reali-
dade nao existia. A intencao de quem assim se empenhou em prol do respei-
to a Boa Causa, é louvável. Mas deve-se outrossim evitar exacerbar situapoes
que nao fundamentam alarme.

(0 texto do comunicado do Cardeal Bernardin foi traduzido a partir


da versao francesa do mesmo publicada em SNOP, Boletim do Secretariado
Geral do Episcopado Francés, edicao n?709, de 20/04/1988, p.8.

O IRMÁO MAX THURIAN ORDENADO PRESBÍTERO

É mundialmente conhecida a comunidade protestante de Taizé-Cluny


(Franca), que desde a década de 1940 faz reviver entre os Reformados a vida
monástica como seus tres votos típicos (inclusive o de castidade). Ponto de
convergencia de muitos cristaos, também católicos e ortodoxos, Taizé pro-
move encontros de jovens, retiros espirituais, sessoes de estudos, que tém
contribuido notavelmente para a reaproximacao dos discípulos de Cristo se
parados.

Entre os fundadores e dirigentes de tal comunidade, estao os Irs. Ro-


ger Schutz (muito chegado aos últimos Papas e aos grandes eventos do Cato
licismo) e Max Thurian. Ora a propósito deste último, sabe-se que recente-
mente se tornou católico e recebeu a ordenacao presbiteral, noticia esta
muito significativa, pois mostra como a grapa de Deus se faz presente nos
homens de boa vontade.

Eis o que se lé no Boletim BIP-SNOP-SOP, periódico hebdomadario e


ecuménico de ¡nformapóes, nPBSS 631, datado de 18/05/1988, pp. 5s:

"París, 18 de maio (BSD) — A comunidade ecuménica de Taizé anun


cia num de seus comunicados a ordenacao do Irmio protestante Max Thu-
rían. Ela define nessa ocasiao, a posicio da comunidade frente ao sacerdocio
católico.

Desde 1972, isto é, há dezesseis anos a comunidade de Taizé conta en


tre os seus membros sacerdotes católicos. Ser presbítero nSo modifica a sua
pertenca á comunidade. Eis que, há pouco mais de um ano, um dos mem
bros da comunidade, o Irmio Max Thurian, foi ordenado pelo antigo arce-
bispo de Ñapóles, o Cardeal Ursi.

Nascido em 1921, o Ir. Max Thurian emitiuseus compromissos vitali


cios na comunidade de Taizé em 1949. Acompanhou o fundador da comuni-

(continua na pág. 30)

384
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conceituado, autor de um tratado completo de Teologia Dog
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procurando mostrar que a discussSo no plano teológico perdeu
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. patavras do que sobre conceitos ou proposicdes — 380 páginas.
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apócrifos - 2. Somente a Escritura? - 3. Somente a fé? NSo as
obras? - 4. A SS. Trindade. Fórmula paga? - 5. O primado de
Pedro - 6. Eucaristía: Sacrificio e Sacramento — 7. A Confis-
sao dos pecados. - 8. O Purgatorio — 9. As indulgencias — 10.
Maria, Virgem e Mae -11. Jesús teve ¡rmffoí? 12. O Culto aos
Santos - 13. E as imagens sagrados? - 14. Alterado o Decálo
go? - 15. Sábado ou Domingo? - 16. 666 (Ap. 13.18) - 17.
Vocé sabe quando? - 18. Seita e Espirito sectario - 19.
Apéndice geral. - 304 págs Ci» 1.000.00

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Continuadora da REVISTA GREGORIANA, direcSo e redacao
de D. JoSo Evangelista Enout OSB. Há 35 anos sai regularmen
te. ..

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Páscoa, celebra?3o da Vida — A uncSo do Espirito — O pSo do
céu e a bebida de salvapSo — O sentido do Sagrado e á linga-
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se aos Oblatos e ás pessoas interessadas em assuntos de espiri-
tualidado monástica. Além da conferencia mensal de D. Esté-
váo Bettencourt para os Oblatos, contém traducfies de comen
tarios sobre a_regra beneditina e outros assuntos monásticos. —
Assinatura anual em 1988: Cz$ 800,00

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Paulinas (Espanha) CzS 14.500,00

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original latino com introdugáo e notas por Antonio
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Filosofía (Braga). 270p. 1986 CrS 2.000,00
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