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TRATADO DE DIREITO PRIVADO

PARTE ESPECIAL TOMO XXI

Direito das Coisas: Penhor rural. Penhor industrial.


Penhor mercantil. Anticrese.
Cédulas rurais pignorarias , hipotecárias e mistas. Transmissões em garantia

CAPITULO VII

PENHOR RURAL

§ 2.591. Conceito e espécies.

1. Penhor rural, conceito.


2. Espécies de penhor rural.
3. Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de1957

§ 2.592. Constituição do penhor rural.

1. Acordo de constituição e registro.


2. Direito e ação.
3. Penhor rural e hipoteca do prédio.
4. Cédula rural pignoratícia. cédula rural hipotecária e cédula rural mista segundo a Lei n. 3.253, de 27 de agôs-
to de 1957.

5. Legitimação para tomador de cédula de crédito real rural

§ 2.593. Quem pode outorgar penhor rural.

1. Poder de dispor.
2.Não-dono ou pessoa sem poder de dispor
3. Penhor agrícola: locatário, arrendatário, colono ou qualquer prestador de serviço.
4. Objeto do penhor agrícola.
5. Penhor pecuário.
6. Penhor pecuário: legitimação para empenhar.
7.Caracterização insuficiente e ineficácia.
8. Devedor e terceiro doador.
9. Remissão.
10. Penhor rural segundo a Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957

§ 2.594. Registro do penhor agricola e do pecuario.

1. Uniformização dos registros.


2. Certidão e cédula

§ 2.595. Cédula rural pignoraticia.


1 - Conceito.
2. Livro – talão de cédulas rurais.
3. Transferência da cédula rural pignoratícia.
4. Registro do endosso.
5. Pluralidade de cédulas rurais pignoratícias.
6. Inconstringibilidade dos bens empenhados em penhor rural (agrícola e pecuário).
7. Cédula rural pignoraticia segundo a Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957.
8. Conceito da cédula rural pignoraticia segundo a Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957.
9. Cláusulas de destinação da prestação feita ao emitente da cédula rural pignoratícia segundo a Lei n. 3.253. io.
Quantia destinada à aquisição de bens. li. Pluralidade de penhôres e cédula rural pignoratícia -

~ 2.596. Satisfação da cédula rural pignoratícia

1i. Resgate.
2. Solução da dívida após vencimento

2.597.Desvio e alienação clandestina de bens.

2.598.
1. Depositairio e dono dos bens empenhados.
2. “Sequestro”, a. Alienação dos animais e mais objetos empenhadOs

2.599.Extinção do penhor rural. 1


1. Causas de extinção.
2. Retificação do registro

2.600.Ação executiva pignoratícia, no penhor rural, se não se expediu cédula rural pignoraticia.
1. Ação executiva pignoratícia.
2. Procedimento
2.600. Ação executiva pignoraticia, no penhor rural, se foi expedida cédula rural pignoratieja. 1. Apresentação da
cédula rural pignoraticia. 2. Procedimento. 3. Execução do penhor rural. 4. Endossantes

PENHOR INDUSTRIAL

2.601. Conceito e espécies. 1. Penhôres industriais. 2. Espécies. 3. Legislação comum


2.602. Posse no penhor industrial. 1. Empenhante e titular do direito de penhor industrial. 2. Proteção possessória ....
2.603. Constituição do penhor industrial. 1. Regra jurídica geral 2. Prorrogação do penhor industrial
2.604. Conteúdo do penhor industrial. 1. Remissão. 2. Denunciabilidade do acordo de constituição. 3. Transmissão
forçada a posse imediata. 4. Alienação pelo dono

CAPITULO IX

PENHOR MERCANTIL

2.605. Distinção reminiscente. 1. Penhor civil e penhor mercantil. 2.objeto do penhor mercantil. 3. Diferenciação
transitó ria do penhor mercantil ....
2 606. Constituição do penhor mercantil. 1. Código Comercial, art. 272. 2. Forma do acordo de constituição. 3.
Indicações necessárias. 4. Entrega da posse. 5. Penhor mercantil de produtos agrícolas. 6. Identificabílídade e não-
identificabilidade do penhor segundo a Lei n. 2.666, de 6 de dezembro de 1955. 7. Legislação especial e penhor
mercantil de produtos agrícolas. 8. Sub-rogação real. 9. Possuidores imediatos, compossuídores usufrutuário e
fiduciário. 10. Pro-. priedades inalienáveis e impenhoráveis e penhor mercantil de produtos agrícolas

2.607. Conteúdo e extinção penhor mercantil. 1. Regras jurídicas comuns. 2. Extinção

CAPITULO X

PLURALIDADE DE PENHORES

2608. Posse. • penhores. 1. Penhôres sobre o mesmo objeto. 2. Princípio da pluriempenhabilidade se há mais de
uma posse. 3. Penhor legal e outros penhôres. 4. Pluralidade de penhôres sobre o mesmo crédito. 5. Pluralidade de
penh6res rurais. 6. Concurso e pluralidade de penhôres.
2609. Penhor cumulativo. i. Penhor simples ou singular e penhor cumulativo ou solidário. 2. Solidariedade
2610. Parte, ideais e gravação de penhor. 1. Penhor de partes Ideais. 2. Pretensão à divisão

CAPITULO XI

EXTINÇÃO DO PENHOR
~ 2.611. Extinção do penhor. 1. Causas de extinção. 2. Renúncia ao
direito de penhor. 3. Penhor rural. 4. Cancelamento do registro
2.612.Penhor de proprietário. 1. Penhor e titularidade do domínio. 2. Penhôres rurais e industriais

CAPÍTULO XII

AÇÕES ORIUNDAS DO DIREITO DE PENHOR

2.613. Ações do titular do direito de penhor. 1. Ações concernentes ao direito real. 2. Ação declaratória. 3. Ação
condenatória. 4• Ação de preceito cominatório. 5. Medidas cautelares. 6. Ações possessórias. 7. Ação pelos danos
causados pelo bem empenhado

2.614. Ação de vindicação e ação confessória. 1. Vindicação do penhor. 2. Penhor e ação confessória
2.615. Ação executiva pignoratícia. 1. Garantia real e ação. 2. Alinhamento de execução. 3. Defesa do proprietário
do bem ou do possuidor próprio. 4. Ação emanada do crédito e ação executiva pignoratícia. 5. Eficácia da penhora na
ação executiva pignoratícia
2.616. Ações do dono do bem empenhado. 1. Ações declaratória, condenatória, reivindicatória e de preceito. Ações
possessórias

PARTE XII

Anticrese

CAPITULO 1

CONCEITO E NATUREZA DA ANTICRESE

§ 2.617. § 2.618.
Conceito. 1. Direito romano. 2. Direito luso-brasileiro. Distinções e definição. 1. Hipoteca, penhor e anticrese.
2. Definição. 3. Distinções. 4. Transmissibilidade do direito
CAPITULO II

OBJETO DA ANTICRESE

§ 2.619.Problema do direito real. 1. Precisões. 2 Direito romano. 3. Direito brasileiro


§ 2.620.Partes ideais e partes divisas. 1. Anticrese em parte ideal. 2. Partes divisas

CAPITULO III

CONSTITUIÇÂO DA ANTICRESE

§ 2.621. Quem pode constituir antierese. 1. Precisões. 2. Legitimação do outorgante


2622. Elementos do suporte fáctico da anticrese . 1 . Três elementos. 2. Acordo de constituição e disposição de
última vontade. 3. Posse, elemento do suporte fáctico. 4. Registro.
2623. Anticrese legal. 1. Possibilidade técnica. 2. Regras comuns
2624 . Anticrese judicial. 1. Função do juiz. 2. Posse e direito à posse
2625. Anticrese e hipoteca. 1. Constituições simultâneas ou sucessívas . 2. Execução hipotecária

CAPITULO IV

CONTEÚDO DA ANTICRESE

2626.Direito real típico. 1. Fruição e valor. 2 Retenção.


2627.Direitos do anticresista. 1. Posse e fruição2. Percepção e imputação. 3. Execução forçada e direito de
anticrese.4. Poder de disposição quanto à anticrese5. Imputação automática. 6. Imputação parcial. 7. Se é possível
pré-excluir-se a automaticidade

2628.Deveres do anticresista 1. Conservação do bem imóvel.2. Encargos reais. 3 Prestação de contas.


4. Restituição

CAPITULO V

EXTINÇÃO DA ANTICRESE

2629. Causa de extinção. 1. Classificação das causas de extinção.2 Extinção do crédito. 3. Duração, prazo e
condição.4. Renúncia. 5. Perecimento do bem imóvel. 6. Eficácia da extinção. 7. Usucapião do prédio gravado
2630. Sub-rogação e anticrese. 1. Objeto gravado e indenização.3. Desapropriação. 3. Adjudicação e
arrematação.... 1

CAPITULO VI

AÇÕES ORIUNDAS DO DIREITO DE ANTICRESE

2631. Ações do titular do direito de anticrese. 1. Ação declaratória. 2. Ação condenatória. 3. Ação de preceito coma-
tório e ações cautelares. 4. Ação confessória. 5. Anticresista titular de direito de hipoteca
2632. Ações do dono ou enfiteuta do bem gravado de anticrese. 1.Ações declaratória, condenatória, reivindicatória
e de preceito. 2. Ações possessorías
PARTE XIII

Celulas rurais de garantia real (ditas cédulas de crédito rural)

CAPITULO 1

PRINCIPIOS COMUNS ÀS CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL

2633. Terminologia e lei especial. 1. Promessa de pagamento, penhor e hipoteca. 2. Negócio jurídico subjacente e
cédulas de crédito rural
§ 2.634. Cédulas dc crédito rural. 1. Espécies de cédulas. 2. Inscrição das cédulas de crédito rural e cancelamento.
3. Correição obrigatória dos livros. 4. Multa legal. 5. Princípios comuns
§ 2.635. Vencimento das cédulas. 1. Inadimplemento e vencimento antecipado. 2. Remição da cédula rural,
pignoratícia, hipotecária ou mista
§ 2.636. Impenhorabilidade dos bens gravados cedularmente. 1. Lein. 492, de 30 de agôsto de 1937, art. 18, § 2.~.
2Penhora e Lei n. 3.253, de 27 de agõsto de 1957, art. 29. 3 Decreto-lei n. 1.003, de 29 de dezembro de 1938 21f3
§ 2.637. Alienação dos bens gravados cedularmente. 1. Venda pelo dono dos bens cedularmente gravados. 2. Venda
judicial de bens cedularmente gravados
§ 2.638. Terceiro dador do direito de penhor, ou dc hipoteca, a ser incorporado. 1. Dono dos bens e dívida. 2.
Conteudo do art. 28 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957
§ 2.639. Seguro dos bens cedularmente empenhados ou hipotecados. 1.Direitos reais de garantia e seguro.
2Cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas
§ 2.640. Inscrição das cédulas rurais pignoraticias, hipotecárias e mistas. 1. Penhor ou hipoteca e inscrição. 2.
Eficácia da inscrição. 3. Registro Torrens e cédulas rurais. 4. Modelos
§ 2.641. Endósso das cédulas rurais pignoraticias, hipotecárias e mistas.1.Amortizabilidade e endosso. 2. Eficácia
do endosso. 3. Averbação do endosso

CAPITULO II

CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA

§ 2.642. Conceito e natureza. 1. Traços comuns às cédulas rurais regidas pela Lei n. 3.253, de 27 de agôsto
de 1957. 2. Traços distintivos em relação às cédulas rurais pignoratícias regidas pela Lei n. 492, de 30 de agôsto de
1937, e às letras hipotecárias conforme o Decreto n. 169A, de 19 de janeiro de 1890, art. 13, § 1.~

~ 2.643. Pressupostos da cédula rural pignoratícia. 1. Texto da lei.2. Data do pagamento. 3. Denominação “cédula
rural pignoratícia”. 4. Nome do tomador e cláusula à ordem. 5. Indicação da soma a ser prestada em dinheiro. 6. Fim
da prestação e forma de inversão. 7. Descrição dos bens gravados. 8. Taxa do desconto ou dos juros a pagar.
9. Taxa da comissão de fiscalização. 10. Lugar de pagamento. 11. Data e lugar da criação. 12. Assinatura do
próprio punho do criador da cédula rural pignoratícia ou de procurador especial

2643§ 2.644. Bens empenháveis cedularmente. 1. Remissão à Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, arts. 6.u e 10. 2.
Bens que hão de ser adquiridos

§ 2.645. Pluralidade de penhôres incorporados. 1. Objeto e empenhamentos. 2. Pluralidade de criações e emissões


e extensão do prometido. 3. Penhôres segundo a Lei ii. 3.253, de 27 de agôsto de 1957, penhôres segundo a Lei n.
492, de 30 de agôsto de 1937, e penhôres segundo a Lei n. 2.666, de .6 de dezembro de 1955
Prazo das cédulas rurais pignoratícias. 1. Prazo, pressuposto essencial. 2. Prazo máximo e prorrogação. 3. Reno
vação e nova inscrição

2646.Liquidez e certeza das cédulas. 1Título civil, líquido e certo. 2. Liquidez


2647Substituição de objeto. 1. Objeto e cédula rural pignoraticia. 2. Penhor pecuária
2648Ações do portador (tomador ou endossatário) da cédula rural pignoratícia. 1. Ações declaratórias e
condenatórias. 2. Ação executiva. 3. Procedimento executivo

2649 Depósito judicial ou sequestro dos bens empenhados cedularmente. 1. Remissão à Lei n. 492, de 30 de agôsto
de 1937, art. 20. 2. Conceitos precisos

2652 Regras jurídicas comuns aos penhores rurais. 1. Conteúdo do art. 5? da Lei n. 492, de 30 de agõsto de 1937. 2.
Objeto do penhor e prazo (ainda a remissão à Lei n. 492>. 3. Pacto de remessa de frutos e produtos. 4.
Resgatabilidade. 5. Outras regras jurídicas a que se remete

CAPÍTULO XII

CÉDULA RURAL HIPOTECARIA

2653Conceito e constituição da garantia real. 1. Hipoteca e títulos incorporantes de direito de hipoteca. 2. Requisitos
da cédula rural hipotecária. 3. Navios e aeronaves. 4. Assentimento da mulher casada

Endosso das cédulas rurais hipotecárias. 1. Alienação da


propriedade e gravame das cédulas rurais hipotecárias. 2. Endosso-penhor e endosso-procuração. 3. Inscrição....

2661 Ações do portador (tomador ou endossatário) dla cédula rural hipotecária. 1. Ações declaratórias e
condenatórias. 2. Ação
executiva. 3 Exceções oponíveis pelo tomador. 4Açõespossessorías

CAPITULO IV

CÉDULA RURAL MISTA

Cédulas r-urais pignoratícia e hipotecária e cédula rural mista.


1. Conceitos. 2. Duplicidade de incorporação de direitos. 271 Ações do portador (tomador ou endossatário) da
cédula ,rural pignoraticia e hipotecária. 1. Ações declaratórias e ações condenatórias. 2. Ação executiva. Ações
possessórias. 4. Modelos das cédulas rurais (Lei n. 3.253 e Lei n. 492).

CAPITULO V

E DESTRUIÇÃO DAS CÉDULAS RURAIS PIGNORATICIAS , HIPOTECÁRIAS E MISTAS


PARTE XIV

“Warrants” e conhecimentos de transporte

CAPITULO 1

CONCEITO E NATUREZA DOS “WARRANTS”


Posse e “warrants”. 1. Análise dos fatos para precisão do conceito. 2. Título incorporante de direito de penhor. 291
Função do “‘warrant”. 1. Disposição sem custódia. 2. Circulabilidade e satisfação do quanto prometido 293
CAPITULO XI

CONHECIMENTO DE TRANSPORTE

2.661. Conceito e natureza do conhecimento de transporte. 1. Conceito. 2. Natureza do conhecimento de transporte


3. Direito intertemporal
2.662.Conceito e natureza da nota de bagagem. 1Conceito. 2.Natureza

2.663. Pressupostos de criação do conhecimento de transporte.


1.Legitimação para subscrição e emissão. 2. Requisitos do conhecimento de transporte. 3. Original e outras vias.

2.664. Circulabilidade dos conhecimentos de transporte. 1. Endosso e cláusula ao portador. 2. Endosso~procuração.


3. Endossopenhor. 4. Outros endossos. 5. Restrições e modificações ao endosso. 6. Cancelamento do endosso 1

§ 2.665. Direitos do endossatário. 1. Domínio e posse do título e titularidade do direito incorporado. 2. Mercadorias
em trânsito

2.666. Fatos da vida jurídica do título. 1. Medidas constritivas. 2. Perda, extravio e deterioração ou
destruição. 3 Retirada das mercadorias

2.667. Ações dos portadores de conhecimentos de transporte. 1. Conhecimentos de transporte nominativos não à
ordem, à ordem e ao portador. 2. Endossatário pignoratício ou titular do direito de penhor do título ao portador

PARTE XV

Transmissão da propriedade em garantia

CAPITULO 1

CONCEITO E NATUREZA DA TRANSMISSÃO EM GARANTIA

§ 2.668. § 2.669.Ação de amortização ou substituição de títulos endossáveis.1. Principio da substituibilidade


material. 2 Pressuposto objetivo. 3. Legitimação ativa
Eficácia sentencia.l. 1. Ação e sentença dê amortização. 2. Nova cártula e cártula amortizada
Alienação e gravame. 1. Dilema conceptual. 2Propriedade e posse
Função e eficácia. 1. Função da transmissão da propriedade em garantia. 2. Garantia sem acessoriedade. 3. “Lex
commissoria”. 4. Concurso de credores. 5. Transmissão d& propriedade em segurança e venda com reserva de do-
mínio
Transmissão da propriedade em segurança com transmissão da posse imediata. 1. Propriedade e posse. 2. Poderes
do adquirente com posse imediata

missão da propriedade em segurança sem transmissão 1possessório. 2. Transmissão da propriedade em seguranç o.


permissão ao transmitente-possuidor para alienar. 3 Validade l,~a transmissão da propriedade em segurança. 1. Po-
sição dos problemas. 2. Nulidade e anulabilidade e”Praeter legem” ou “contra legem”i’ 1. Posição do problema.
2. “Praeter legem
CAPITULO II

CONTEÚDO DA TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE EM SEGURANÇA


t

Preliminar. 1. Precisões conceptuais. 2. Eficácia entre figurantes e eficácia “erga omnes”


Pretensões e ações do dador da segurança. 1. Declaração e condenação. 2. Restituição e embargos de terceiro. 3.
Credores e transmissão da propriedade em segurança

Eficácia em relação a terceiros. 1. Duplo negócio jurídico. 2. Propriedade imobiliária. 3. Propriedade


mobiliária.

Título III, Partes XI-XV

CAPÍTULO XII

CONSTITUIÇÕES DE DIREITOS REAIS LIMITADOS EM GARANTIA

Figuras jurídicas de dação em segurança. 1. Direitos reais de garantia e direitos em garantia. 2. Direitos reais de
garantia sobre títulos incorporantes e transferência, em segurança, da propriedade dos títulos
CONSTITUIÇÃO o de direitos reais em segurança. 1.Usufruto em segurança. 2. Uso e habitação. 3. Cessão de
direitos pessoais em segurança

PENHOR RURAL

§ 2.591. Conceito e espécies

1. PENHOR RURAL, CONCEITO. — Penhor rural foi, desde o inicio, o penhor de máquinas e instrumentos e de
locomoção (por extensão, de instrumentos de semeadura e de pesagem), colheitas pendentes, ou em via de formação
no ano do negócio jurídico, quer resultem de prévia cultura quer de produção espontânea do solo, frutos, lenha e
animais de serviço (penhor agrícola) e animais e objetos da indústria pecuária (penhor pecuário). Posteriormente,
caracterizou-se a distinção entre ele e o penhor industrial.
O penhor rural e o penhor industrial não são hipoteca com outro nome; nem é penhor com outro nome a hipoteca de
navios ou de aeronaves. O sistema jurídico brasileiro concebeu-os com os nomes apropriados: o titular do direito de
hipoteca sobre navios ou sobre aeronaves não tem qualquer posse, ao passo que o titular do direito de penhor rural
ou industrial recebe a posse, pelo constituto possessório. Aquele nada possui; esse é possuidor mediato.
Se o dono do bem, que ficou com a posse imediata. dá o bem a. outrem, em depósito, ou em diferente relação
jurídica, mediatiza-se a sua posse. Se, ao constituir o penhor, já o bem se achava em mãos de outrem, como possuidor
imediato, a posse com que ele ficou foi a posse mediata. Em tudo isso, é preciso que não se perca de vista o que se
expôs sobre o constituto possessório.
A posse que tem o empenhante, no penhor rural e no Denhor industrial, é posse imediata de depositário. A
distribuição das posses, nas espécies mais simples, é a seguinte:

1) mediata de dono (posse própria) 2> mediata de titular do direito~ de penhor (posse mediata imprópria>
3> mediata imprópria mediata de titular
de direito de penhor Arrendatário
4) posse imediata de locatário <posse imediata
imprópria)
ESPÉCIES DE PENHOR RURAL. — O Código Civil fala do agrícola e do penhor pecuário (e. g., art. 769).
art. 1.0, parágrafo único, da Lei n. 492, de 30 de te 1937, diz-se: “O penhor rural compreende o penhor e o penhor
pecuário, conforme a natureza da coisa ri garantia”. O objeto — em sua função principal determina a espécie.
art. 11, a Lei n. 492 estatui: “É o penhor pecuário 21 independentemente do penhor agrícola; nada, porém, a que se
celebre conjuntamente com ele, para a garantia divida, ficando, neste caso, subordinado à disciplina LO qual se
integra”. O penhor pecuário constituído consente com o penhor agrícola é penhor agrícola com ~o do objeto. É assaz
importante observar-se que os ~ e 8.0 regem esse penhor conjunto. O ad. 7•0, in fine, as as consequências.
tabelece o art. 7•O da Lei n. 492: “O prazo do penhor i não ‘excederá de dois anos, prorrogável por mais dois,
devendo ser mencionada, no contrato, a época da colheita da cultura apenhada e, embora vencido, subsiste a garantia
enquanto subsistirem os bens que a constituem”. Conforme ressalta, o legislador frisou que vencimento e extinção
são fatos distintos: vencido o penhor, nasce-lhe a ação executiva e outros efeitos exsurgem; o direito de penhor
continua.
Diz o art. 7~O, § 4~O, da Lei n. 492: “A prorrogação do prazo de vencimento da dívida garantida por penhor
agrícola se efetua por simples escrito, assinado pelas partes e averbado à margem da transcrição respectiva
Não é o objeto conter animais que diferencia os dois penhôres rurais: animais podem conter-se no objeto do penhor
agrícola. O que faz traço característico do penhor pecuário é que os animais vêm em primeira plana no objeto e os
meios de exploração passam a ser objetos secundários, como pertenças.
A erítica que se fêz ao Código Civil de só se referir ao penhor pecuário como penhor de “animais de serviço
ordinário de estabelecimento agrícola” (art. 781) foi sem razão de sei. O penhor de animais estava, separadamente,
no art. 784: “No penhor de animais, sob pena de nulidade, o instrumento designá-los-á com a maior precisão,
particularizando o lugar onde se achem, e o destino, que tiverem
A princípio, confundiam o penhor agrícola de animais com o penhor pecuário; mas cedo se repeliu a má interpretação
do Código Civil, arts. 769, 788 e 784. Porém é preciso que os animais sejam partte integrante de indústria pastoril,
agrícola, ou de laticínios, ou pertenças da indústria rural. Sem razão, a Câmara Cível do Tribunal de Relação de
Minas Gerais, a 28 de março de 1928 (A. J., VI, 351), para a qual se poderiam empenhar, com a cláusula constituti,
quaisquer animais, estivessem ou não ligados a estabelecimentos rurais. Sempre que a lei permite, no plano do direito
civil, o penhor com a cláusula constituti, exige o registro constitutivo, como pias (cf. 2•a Câmara Cível do Tribunal
de Apelação de Minas Gerais, 14 de abril de 1941, R. F., 89, 509).
No sistema jurídico brasileiro, temos, hoje, duas espécies de cédulas rurais pignoraticias: a das cédulas rurais
pignoraticias regidas pela Lei n. 492; a das cédulas rurais pignoratícias e hipotecárias, ditas mistas) segundo a Lei 8,
de 27 de agôsto de 1957.

LEI N. 3.253, DE 27 DE AGÔSTO DE 1957. — A Lei n. 3.253,


de agôsto de 1957, que estabeleceu a emissibilidade das 5 de crédito rural e deu outras providências, em verdade
•u as categorias das letras hipotecárias e das cédulas pignoraticias, sem se falar da nota promissória, à vida jica
normal das emprêsas agrícolas e pecuárias. Cada um us artigos merece exame atento, porém exame que faça em no
sistema jurídico brasileiro as regras jurídicas que ~s contêm.
ad. 1.0 da Lei n. 3.253, a despeito do teor inovador, lhe possa descobrir, apenas facilitou o crédito rural por ear o
papel do titular do direito real de penhor rural ~ir ou não a expedição da cédula rural pignoratícia e ao tempo, com a
explicitação do art. 2.0, veio tornar-se reI aos agricultores e pecuaristas a subscrição e emissão nulas hipotecárias.
PolIticamente, houve evolução no sense deixar ao alcance dos que exercem atividades agricopecuárias a declaração
unilateral de vontade que há em Lnçamento de títulos negociáveis. JurIdicamente, ganhou nica o sistema jurídico.
primeiro problema que surge é o de se saber se, com julgação da Lei n. 3.253, se derrogou ou ab-rogou a Lei de 30 de
agôsto de 1937, ou qualquer das outras leis riam o penhor agrícola e o penhor pecuário. A resposta
ê negativa, porque a própria cédula rural pignoratícia segundo a Lei n. 492 não é a cédula rural pignoratícia da Lei n.
3.253 e o ad. 5~0 da Lei n. 3.253 estatuíu: “1. Continuam em vigor as disposições da Lei n. 492, de 30 de agôsto ee
1937, relativas ao penhor rural, no que não colidirem com a presente lei”. Pode-se constituir o penhor rural, sem se
extrair a cédula rural pignoratícia de que cogitam os arts. 14-21 da Lei n. 492.
O art. 1.0 da Lei n. 3.253 fala de “empréstimos bancários”, como se o negócio jurídico subjacente às constituições de
cédulas de crédito rural, sejam cédulas rurais pignoraticias, sejam cédulas rurais hipotecárias, sejam simples notas de
crédito rural, tivesse de ser, necessàriamente, mútuo. Essa interpretação desatenderia às regras jurídicas de
interpretação das leis, além de olvidar que se conceberam tais títulos como títulos circulantes, cambiariformes, e pois
a abstratividade deles. Quaisquer das quatro cédulas de crédito real rural é título abstrato, sendo títulos de
incorporação de direito real limitado os títulos do art. 2.0, 1, II e III, da Lei n. 3.253 (cédula rural pignoratícia, cédula
rural hipotecária, cédula rural pignoratícia e hipotecária).
Qualquer dívida a banco pode ser garantida pela constituição de cédula de crédito real rural.
No ad. 2.0, a Lei n. 3.253 procurou esclarecer: “A cédula de crédito rural é uma promessa de pagamento em dinheiro,
com ou sem garantia real, sob os seguintes tipos e denominações ~:
1. Cédula rural pignoratícia. II. Cédula rural hipotecária.
III. Cédula rural pignoratícia e hipotecária. IV. Nota de crédito rural”. Logo se nota que no rol não figura a nota
promissória do comprador (Lei n. 3.253, arts. 15-18) e a razão é óbvia:
a nota promissória de comprador é instrumento para crédito dos adquirentes de gêneros agrícolas e pecuários, e não
para crédito dos agricultores e pecuaristas. Advirta-se, porém, em que a nota promissória de comprador de certo
modo serve a atividade econômica dos vendedores.
Na exposição do direito de crédito rural, conforme a Lei n. 3.253, é da maior relevância notar-se:
(a) Os títulos de crédito de que trata a Lei n. 3.253 cabem em três classes: a) as cédulas de crédito real rural (art.
2.0. 1-111), que são as cédulas rurais pignoratícias, as cédulas rurais e as cédulas rurais mistas (pignoratícias e hipo)
a nota de crédito rural (art. 2.0, IV), que não crédito real rural, mas sim de crédito pessoal rural (art. 9.0); c) a nota
promissória dos arts. 15-18253, que corresponderia à duplicata mercantil dos e industriais (Lei n. 187, de 15 de
janeiro de 1936,Esse subscrita e emitida pelo vendedor, como o é a mercantil, porém o é pelo comprador, o que a
torna comprador, com as consequências que dai tocante à determinação do momento em que se abstratividade.
facilitaria a exposição da matéria chamar às cédulas , hipotecária e pignoratícia-hipotecária céduto real rural; e às
outras, notas (ou cédulas) de a,l rural.
5 notas de crédito rural são títulos cambiariformes, à nota promissória, só emissíveis até um milhão ~, não podendo
ter prazo de mais de cinco anos os de seis meses. Têm a vantagem, em relação àscessórias do direito comum, do
privilégio do art. 1.663 civil (Lei n. 3.253, art. 9~O, § 1.0) e da facilitação .0 art. 3•0, §§ 2.0, 3~0 e 4~0, que —
relativos a notas de direito comum — somente poderiam ter eficácia entre figurantes do titulo cambiário, como
figurando jurídico subjacente ou sobrejacente.
(nota) promissória rural de comprador (Lei ;s. 15-18) é título de solução de divida oriunda de rida ou de outro
negócio jurídico de aquisição agrícolas ou pecuários. O comprador ou adquirente título. Desde o momento em que o
vendedor recebe que consta o seu nome como tomador, e não só desde íe endossa o título do comprador de gêneros
agricultor começa a abstração da nota promissória rural. evitam-se confusões chamando-se à nota de crédito e
cogitam os arts. 2.0, IV, e 9~0 da Lei n. 3.253, a rural de agricultor ou de pecuarista, ou sim9ta promissória de
agricultor ou de pecuarista, e dos arts. 15-18 nota promissória rural de (ou adquirente). Aquela é subscrita e emitida
pelo agricultor ou pelo pecuarista, a favor de banco ou de cooperativa; essa, por adquirente de gêneros agrícolas ou
pecuários, ~ favor do agricultor ou do pecuarista.
As declarações cambiárias originárias são, na letra de câmbio, a declaração do sacador, que é o criador da letra de
câmbio ainda que a meio-caminho, se a cria em branco, e, na nota promissória, na nota de crédito rural (nota
promissória de agricultor ou pecuarista) e na nota promissória rural de comprador, a do emitente, que é o criador
dela, ainda que, se a cria em branco, também a meio-caminho. Na duplicata mercantil, a declaração originária é a do
vendedor, que é o criador do título, ainda que o crie em branco. Porém, enquanto o criador da letra de câmbio, ou da
duplicata mercantil, é promitente indireto, pois que promete ato de terceiro, o criador da nota promissória ou da nota
de crédito rural ou da nota promissoria rural de comprador é promitente direto. De jeito que, nas letras de câmbio e
na duplicata mercantil, quem as cria não se obriga diretamente, mas indiretamente, sendo obrigado direto, eventual, o
aceitante e, nas notas promissórias, de direito comum ou de direito rural, criação e assunção da obrigação direta são
simultâneas, — o obrigado originário é obrigado direto. Por isso, seria possível definirem-se a letra de câmbio e a
duplicata mercantil como os títulos, cambiário e cambiariforme, respectiva-mente, em que se separam obrigação
originária e obrigação direta, e a nota promissória, de direito comum ou de direito rural, como o título cambiário em
que se juntam, na mesma pessoa, a obrigação originária e a obrigação direta, sendo, assim, o obrigado originário
obrigado direto, e a sua obrigação, originária e direta.
Direta e não-originária também é a obrigação cambiária do avalista do emitente das notas promissórias, quer de
direito comum quer de direito rural.
(f) Não há aceitação cambiariforme da nota promissória rural, do agricultor ou pecuarista, como também não há a
aceitação cambiária de qualquer nota promissória de direito comum. Há tomada de posse do título emitido a favor do
banco ou da cooperativa. Aí, patenteia-se a semelhança entre a nota promissória do agricultor ou do pecuarista e a
nota promissória comum, e a diferença entre a nota promissória rural do comprador e a duplicata mercantil. Há
aceite da duplicata mercantil; não há aceite da nota promissória rural do comprador. Porque, na duplicata mercantil,
o devedor ainda tem de declarar que está de acordo; na nota promissória rural de comprador, já aceitou o negócio
jurídico básico e apenas, com a entrega da nota promissória, solve.
(g) A nota promissória do agricultor, ou do pecuarista, como a nota promissória rural do comprador, é título ?formaí.
A literalidade é-lhe essencial. Também o é a completitude de dizeres. O exclusivismo formal que se proclamou, a
respeito da letra de câmbio e da nota promissória, também se observa quanto à nota promissória do agricultor, ou do
pecuarista, como quanto à nota promissória rural do comprador. Quod non est in titulo non est in mundo. Tudo que é
indispensável para que o título seja tido como nota promissória do agricultor, ou do pecuarista, ou nota promissória
rural do comprador, há de estar na nota promissória do agricultor, ou do pecuarista, ou em nota promissória rural do
comprador, pôsto que nem tudo que nela se ache tenha efeitos peculiares à nota promissória do agricultor, ou do
pecuarista, ou à nota promissória rural do comprador.
Sem a forma, não surge a obrigação cambiariforme, originária, nem surgem as obrigações cambiariformes
sucessivas. O que o emitente prometeu está no título; somente prometeu isso, e não prometeu mais do que isso. A sua
promessa é incondicionada. Criada a nota promissória do agricultor, ou do pecuarista, ou a nota promissória rural do
comprador, e posta em contacto com a generalidade (não se confunda esse contacto com a emissão, de que não se
cogita), surge-lhe a obrigação. A responsabilidade dele é em virtude do regresso, perante o obrigado de regresso, que
pagou, ou perante o avalista. A responsabilidade entre co-emitentes é estranha ao direito cambiariforme.
As declarações superfluas têm-se como não-escritas.
Título formal, qualquer dos dois o é, porque a lei, acevituando a literalidade exigida, só admite vontade
cambiariforme que se expresse no título, as obrigações e direitos resultam imediatamente da incidência do texto de
direito cambiariforme. Tudo que há de cambiariforme está no título, se bem que tudo
que pode estar no titulo não seja cambiariforme. A lei intervém para dizer qual a forma, que ela reputa segura para a
expressão da vontade, sem tornar cego, inconsequente, esse formalismo, feito para servir, tão-só, à circulação, aos
possuidores de boa fé, e não para lhes causar prejuízos. Esse é um ponto digno de tôda a atenção: a forma protege; a
política jurídica, que se leva a cabo, com o formalismo, é a de proteção; por isso mesmo não se há de apegar o juiz à
exigência da forma além do que foi tido, pela lei, como suficiente à tutela do interesse, a que ela serve.
(h) A nota promissória rural de comprador é titulo abstrato. A abstração, que é um dos seus caracteres, deriva da lei,
e não da vontade dos figurantes. Quando um tribunal diz que, estando a nota promissória rural de comprador ligada a
contrato subjacente, perde o caráter de divida líquida e certa, e só por processo competente, não-cambiário, podem
ser verificadas a liquidez e a certeza da obrigação, incorre em heresia jurídica. Tais heresias jurídicas são
encontradiças ainda em juizes que se crêem a par dos princípios de direito cambiário e cambiariforme. O título é
abstrato, ou não é abstrato. O titulo é certo e líquido, ou não no é. A nota promissória rural de comprador “solve”;
mas há momento em que a sua abstração se patenteia, com tôdas as consequências da teoria dos negócios jurídicos
abstratos e é aquele em que se recebe o título como pagamento. A nota promissória rural de comprador, a que se
refere um contrato, não perde o seu caráter de título abstrato, porque esse caráter independe da vontade privada. A
abstração dá ao título um bastar-se por si, que não têm as outras obrigações não-
-abstratas. Junto à formalidade, fá-lo não atingível pelas provas fora dele e fá-lo independente de fatos ou
circunstâncias.
A inversão de declarantes — vendedor, na duplicata mercantil, comprador, na nota promissória rural de comprador
—determina-lhes particularidades dignas de atenção: a) Na duplicata mercantil, até o aceite, ou até o endosso pelo
criador do titulo, não há relação jurídica oriunda da duplicata mercantil, como título cambiariforme; ela apenas
duplica a fatura, que é o documento, unilateral mas bilateralizável, da compra-e-venda. Lá está, até o aceite, ou antes
do aceite, prova, reproduzida, do contrato de compra-e-venda, que entrou no mundo jurídico, e nele jaz. Também
antes do aceite da letra de câmbio, nenhuma relação jurídica existe entre sacador e sacado, que seja cambiária; pode
existir outra relaçâo jurídica, inclusive cambiária. A relação jurfdica cambiariforme, nas duplicatas mercantis, surge,
com o aceite, entre o vendedor-emitente, e o comprador-aceitante, au entre aquele e o primeiro endossatário. A
diferença está, portanto, em que a abstração da letra de cámbio é aparente, peculiar à sua forma; ao passo que a
abstração da duplicata mercantil somente se pode dar por esvaziamento, com o endosso, ou com o aceite, a despeito
da aparência de concreção . A letra de câmbio já vai ôca, abstrata, para o tomador, ou o aceitante; a duplicata
mercantil, não:
parte cheia, concreta, mas esvaziável. 10 Na nota promissória rural de comprador, tudo se passa como a respeito da
nota promissória comum, desde que o vendedor a receba (receber é menos que aceitar, porque se recebe posse>
aceitação já houve quando se alienou a prazo, o que é um dos pressupostos para se emitir a nota promissória rural de
comprador (Lei n. 3.258, art. 15: “As vendas a prazo de quaisquer bens de natureza agrícola ou pastorial, quando
efetuadas diretamente por produtores ou proprietários rurais, serão documentadas pela promissória rural, nos térmos
desta lei”).
O tratamento das notas de crédito rural ou notas promissórias da agricultor ou do pecuarista e o das notas
promissõrias rurais do comprador não caberiam neste Tomo XXI: não pertencem ao direito das coisas, nem, a
fortiori, se lhes pode ver elemento real; são títulos em que se fêz declaração unilateral de vontade, com eficácia
pessoal cambiariforme. O lugar para deles cogitarmos é após a nota promissória e a duplicata mercantil.

§ 2.592. Constituição do penhor rural

1. CONSTITUIÇÃO E REGISTRO. — No penhor rural sio pressupostos do seu nascimento o acórdo de


constituição e o registro. O regista é, pois, constitutivo. Em se tratando de penhor rural, não há o princípio da
tradição chamada efetiva, que deixa de fora o constituto possessório, pré-eliminando, portanto, a constituXbilidade
pela transmissão da posse mediata ao credor, ficando ao empenhante a posse imediata. Tal partícularidade passou a
ser, para o penhor rural, típica (Código Civil, art. 769) Basta a posse mediata pela cláusula constituti.
No art. 1?, a Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, Li explícita: “Constitui-se o penhor rural pelo vínculo real,
resultante do registro, por via do qual agricultores e criadores sujeitam suas culturas ou animais ao cumprimento de
obrigações, ficando como depositários daquelas ou dêstes”. No art. 1.0, parágrafo único: “O penhor rural
compreende o penhor agrícola e o penhor pecuário, conforme a natureza da coisa dada em garantia”. NAo se deve
interpretar o art. 1.0 da Lei n. 492 como se houvesse limitado às culturas e aos animais o objeto do penhor. O que é
necessário às culturas e à criação também pode entrar na enumeração do que se empenha.
Lê-se no art. 2.0 da Lei n. 492: “Contrata-se o penhor rural por escritura pública ou por escritura particular, transcrita
no registro imobiliário da comarca em que estiverem situados os bens ou animais empenhados, para valimento contra
terceiros”. A falta de terminologia científica é chocante. À forma do acordo de constituíçAo do penhor rural é exigida
a escrita: pode ser feito por escritura pública, ou particular. O registro é constitutivo; não há eficácia real antes do
registro. A escritura pública há de satisfazer o que se lhe impôe em geral. Adi3nte, o art. 2.0, § 19, da Lei xx. 492
repete o princípio geral quanto aos escritas particulares (cf. Código Civil, ad. 135)
“A escritura particular pode ser feita e assinada, ou somente assinada pelos contratantes, sendo subscrita por duas
testemunhas”.
O art. 2.0, § 29, da Lei xi. 492 cogita das indicação que há de conter o acordo de constituição: “A
escritura deve declarar: 1, os nomes, prenomes, estado, nacionalidade, profissão e domicilio dos contratantes; II, o
total da divida ou sua estiminação; III, o prazo fixado para o pagamento; IV, a taxa das juras, se houver; V, as coisas
ou animais dados em garantia. com as suas .especificações , de molde a individualizá-los; VI, a denominação,
confrontação e situação da propriedade agrícola onde se encontrem as coisas ou animais empenhados, bem assim a
data da escritura de sua aquisição ou arrendamento, e número de sua transcrição imobiliária; VII, as demais estipu.
lações usuais no contrata de mútua”. A alusão a mútuo não significa que sé se possa constituir penhor rural em
garantia de divida oriunda de mútuo: qualquer dívida pode ser garantida pelo penhor rural, inclusive dívida de
outrem.
(1) Nenhum penhor agrícola pode ser por prazo superior a dois anos (Código Civil, art. 782, derro gado: “O penhor
agrícola só se pode convencionar pelo prazo de um ano, ulteriormente prorrogável por seis meses”). O art. 782 não
proibia o penhor agrícola de menor prazo; altetou-o a Lei n. 492, de 40 de agôsto de 1937, art. 1.0, e o Decreto-lei n.
4.360, de 5 de junho de 1942, art. 1.0, deu-lhe nova redação: “O prazo do penhor agrícola não excederá de dois anos,
prorrogável por mais dois, devendo ser mencionada, no contrato, a época da colheita apenhada e, embora vencido,
subsiste a garantia enquanto subsistirem os bens que a constituem”.
Devido ao art. 72, última parte, da Lei n. 492, surge a questão de se saber se, vencida a dívida, e não feita a
apresentação e o protesto segundo o art. 22, a ação executiva real persiste e se pode ser feita a prisão civil do
empenhante, sem ser em ação de depósito segundo o art. 866 do Código de Processo Civil. A resposta é negativa, O
art1º, última parte, só se refere ao direito de penhor; o art. 22 regula — cambiaríformemente — a ação executiva real.
<2) Quanto ao penhor pecuário ou de animais, dizia o Código Civil, art. 788 (derrogado) “O penhor de animais não
admite prazo maior de dois anos, mas pode ser prorrogado por igual período, averbando-se a prorrogação do título
respectivo”. Parágrafo único: “Vencida a prorrogação, o penhor será excutido, quando nâo seja reconstituido”.
Também lhe foi dada nova redação pelo art. 13 da Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, e depois pelo Decreto-lei n.
4.360, de 5 de junho de 1942, art. 2.0:
“O penhor pecuário não admite prazo maior de três anos, mas pode ser prorrogado por igual período, averbando-se a
prorrogação na transcrição respectiva”. Prorrogação, entenda-se~ e não renovação. É preciso, portanto, que se faça
antes do vencimento. Nada se prorroga depois de esgotado o prazo. No parágrafo único do art. 13, a Lei n. 492, de 30
de agâsto de 1987, enuncia que, “vencida a prorrogação, deve o penhor ser reconstituido, se não executado”, o que
está de acordo com os princípios: vencido o prazo, sem que tenha havido a prorrogação, ou o titular do direito de
penhor o executa, ou sobrevém renovação do penhor, que é outro penhor, pôsto que em ligação com o que se
vencera.
A superveniência de moratória legal, ou de prazo de espera, ou de pactum de non petendo, ou outro semelhante, não
faz persistir a ação executiva real, porém o penhor não se extingue com o vencimento sem protesto.
Há certa confusão nos expositores. Penhor vencido não épenhor inexistente. Hipoteca vencida nâo é hipoteca extinta.
Quando se diz que o prazo do penhor pode ser prorrogado, não se diz que pode ser prorrogado o penhor, porque,
vencido, se extingue. A relação jurídica de penhor só se extingue quando alguma das causas mencionadas no art. 802
do Código Civil ocorre. Vencimento não é extinção.

2. DIREITO E AÇÃO. — t de notar-se que a Lei n. 492 deu feição especial à execução pignoratícia, em se tratando
de penhor rural: há o prazo preclusivo de três dias para a apresentação, pelo portador, da cédula pígnoratícia, que é
título• sujeito a protesto (cambiariforme), para que o devedor pague; se não há pagamento, corre-lhe outro prazo de
três dias, para o protesto, com as formalidades do protesto cambiário; a falta do protesto desonera os endossantes da
responsabilidade peio pagamento da cédula pignoratícia (art. 22 e §§ 1.o~4.o). A ação executiva real preclui. O
direito de penhor não se extinguiu, em relação ao devedor. Mas, por não ter sido renovado, nem ter Sido feito o
protesto, a ação executiva real é afastada, podendo o titular do direito de penhor apenas alegar a prioridade e
pocioridade do seu direito em concurso.
Se o penhor se vence, sem ter havido prorrogação, o dilema está no art. 22 da Lei n. 492. Se houve prorrogação e se
vence o nôvo prazo, lê-se, claramente, no parágrafo único do art. 18 da Lei n. 492: “Vencida a prorrogação” —
entenda-se o prazo da prorrogação — “deve o penhor ser reconstituido, se não executado”. Ou há a execução, ou a
renovação, ou ocorre a preclusão da ação executiva real. Se o título da divida garantida é executivo, pode o credor
executá-lo; se sobrevémenton concurso, invoca o penhor.
A ação contra o empenhante como depositário infiel, ação criminal, não preclui; mas a prisão civil, de que se cogita
no art. 23, § 32, da Lei n. 492, essa depende da ação executiva real, ou da ação de depósito. Se a ação executiva real
não mais pode ser intentada, por se não haver observado o art. 22, o titular do direito de penhor tem a ação do art.
366 do Código de Processo Civil (verbis “ou pessoa que lhe seja equiparada”).
No art. 79, 23 parte, a Lei n. 492 é explícita: “. . . embora vencido, subsiste a garantia, enquanto subsistem os bens
que fazem objeto desta”. O art. 79, 23 parte, que se refere ao penhor agrícola, é princípio geral de direito; o penhor
pecuário ou de animais está sujeito ao art. iS, parágrafo único. O Supremo Tribunal Federal, a 11 de junho de 1947,
negou, injustamente, habeas-corpus a pecuarista contra o qual se expedira ordem de prisão, por se verificar falta de
gado, sem se ter observado o art. 22 da Lei n. 492, nem se haver proposto a ação do art. 866 do Código de Processo
Civil.
No ad. 32, § 12, a Lei n. 492 cogitou da remoção dos bens empenhados para o poder de outrem, a quem se atribui a
posse imediata (de depositário) . O texto, em má linguagem (confunde “empenhante” com “penhorante”, portanto pe-
nhor com penhora), enuncia (art. 8.0, § 19>: “No caso de falecimento do devedor ou do terceiro penhorante (2!>,
depositário das coisas ou animais empenhados, pode o credor requete.’ ao juiz competente a sua imediata remoção,
para o poder do depositário que nomear”. Raciocinemos, porque o legislador não o fêz suficientemente. Falecendo o
devedor e sendo terceiro dador do penhor, nenhuma alteração sofreu a relação jurídica real, nem a responsabilidade
de depositário se modificou. Não cabe invocar-se o art. 89, § 1.0. Se faleceu o devedor empenhante, deixando
herdeiros, o bem transferiu-se e com ele os objetos do penhor passaram a quem sucede em tôdas as relações jurídicas
reais, e pessoais. Não cabe invocar-se o art. 39, § 1.0, salvo se há ausência ou descuido dos herdeiros ou do herdeiro.
Se morreu o dador do penhor, devedor ou terceiro, sem deixar herdeiros, o caso é de arrecadação, e o art. 82, § 1.0,
contém providência salutar. Seja como fôr, o juiz tem de examinar a espécie, que é de medida cautelar. Não há
pretensão à remoção, ipso iure; há a pretensão ao depósito cautelar.
Aliás, no art. 32, § 22, a Lei n. 492 refere-se ao direito de vigilância ou de inspecção: “Assiste ao credor ou endossa-
tário da cédula pignoraticia direito para, sempre que lhe convier, verificar o estado das coisas ou animais dados em
garantia, inspeccionando-os onde se acharem, por si ou por interposta pessoa, e de solicitar a respeito informações
escritas do devedor”. No § 82, acrescentou-se: “A provada resistência ou recusa dêste ou de quem ofereceu a garantia
no cumprimento do disposto no parágrafo anterior, importa, se ao credor convier, no vencimento da dívida e sua
immediata exigibilidade”. A declaração de vontade (verbis “se ao credor convier”) faz-se perante o juiz, feita a prova
de resistência não-
-justificada, ou de recusa sem fundamento, e depende de decisão declarativa, que tem efeito de preceito, para que o
depositário permita o exame ou inspecção, ou sofra o vencimento.
No art. 3,0, § 4,0, a Lei n. 492 estabelece: “Em caso de abandono das coisas ou dos animais empenhados pode o cre-
dor, autorizando o juiz competente, encarregar-se de os guardar, administrar e conservar”. A medida cautelar depende
de decisão mandamental. O titular do direito de penhor rural passa a ser o depositário.

3. PENHOR RURAL E HIPOTECA . — Se há hipoteca do prédio, o titular do direito de hipoteca tem de assentir
na constituição do penhor rural (Código Civil, art. 783: “Se o prédio estiver hipotecado, não se pode, sob pena de
nulidade, sóbre ele constituir penhor agrícola, sem anuência do credor hipotecário, por êste dada no próprio
instrumento de constituição do penhor”). A sanção é a ineficácia relativa. Assim já era, a despeito da jurisprudência
obtusa que se atinha ao têrmo “nulidade” do art. 7Sg do Código Civil (e. g., 43 Càmara Civil do Tribunal de Justiça
de São Paulo, 3 de março de 1932, 1?. dos T., 82, 287). O art. 42 da Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, a despeito
de também niáo ter expresso, com técnica, o que se tinha de dizer, explicitou: “Independe o penhor rural do
consentimento do credor hipotecário, mas não lhe prejudica o direito de prelação, nem restringe a extensão da
hipoteca, ao ser executada”. A hipoteca tem, ex kypothesi, a prioridade:
portanto, a pocioridade. O penhor, posteriormente constituído, não lhe tira eficácia, nem tem eficácia contra ela. Os
frutos podem ser percebidos; pelo pacto anticrético adjecto ao penhor, ou como partes integrantes separadas sobre as
quais continua o penhor (cf. 3.~ Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São Paulo, 21 de agôsto de 1946, R. dos
7%, 164, 282), até que, vencida a hipoteca, se faça a penhora nos frutos.

4. CÉDULA RURAL PIGNORATICIA, CÉDULA HIPOTECÁRIA E CÉDULA MISTA SEGUNDO Á Lzí N.


3.253, DE 27 DE AGOSTO DE 1957.
— Na concepção do titulo de crédito real rural regido pela Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957, de iure coridenda
poderia o legislador a.) permitir a subscrição e a emissão do titulo sem preceder acordo de constituição do direito real
limitado, b) não permitir a subscrição e a emissão sem ser bilateralmente (acordo de constituição, elemento essencial
do suporte fáctico da cédula). A solução que se adotou foi a solução b), pois o ad. 32, III, referente à cédula rural
pignoratícia, exige a inserção do nome do credor no contexto da cédula, e o mesmo fazem, em virtude de remissão ao
art. 39, III, o art. 62, relativo à cédula rural hipotecária, e o art. 8.0, que diz respeito à cédula rural mista (pignoraticia
e hipotecária).
Todavia, é ineliminável a natureza de negócio jurídico abstrato que tem a constituição de cédula rural pignoraticia,
hipotecária ou mista, regida pela Lei n. 3.253. Ainda que não tenha havido o acordo de constituição, o endossatário
tem tutela jurídica segundo o teor do titulo endossado.
A cédula rural pigporatícia e a cédula rural hipotecária. como a cédula rural mista (pignoratícia e hipotecária), não
podem ser ao portador. A inserção da cláusula “ao portador” torna-as negócios jurídicos nulos. Podem apenas servir
como comêço de prova por escrito para que se cobre o crédito do negócio jurídico subjacente, ou sobrejacente, ou
para que se exerça a ação de enriquecimento injustificado, se se prova a situação subjetiva do portador.
Nada obsta a que o fazendeiro, ou proprietário rural, que também é banqueiro, individualmente, conceba a cédula de
crédito real rural como emitida por ele e por ele aceita no acordo de constituição, uma vez que o negócio jurídico
subjacente ou sobrejacente possa ser concluído pelo declarante como negócio jurídico consigo mesmo. Aliás, a
alegação de não poder ser, in cm ou na espécie, negócio jurídico consigo mesmo o negócio jurídico subjacente ou
sobrejacente, somente pode ser feita entre constituinte e tomador da cédula, e não entre constituinte ou endossantes e
endossatários.
5. LEGITIMAÇÃO PARA TOMADOR DE CÉDULA DE CRÉDITO REAL RURAL. — As cédulas de crédito
real rural sómente podem ser tomadas por banco ou casa bancária, ou pela cooperativa de produção ou venda de
gêneros de origem agrícola ou pecuária de que faça parte o emitente. É o que resulta do art. 19 da Lei ti. 3.253,
verbis “empréstimos bancários”, e do parágrafo único do mesmo art. 1.0, que diz: “É facultado o uso da cédula para
os empréstimos em dinheiro, efetuados aos seus cooperados pelas cooperativas de produção ou venda de gêneros de
origem agrícola ou pecuária”. Pondo-se de lado a terminologia acientifica, às vêzes ridícula, da Lei n. 3.253, o que se
enuncia no ad. 1.0, parágrafo único, é que “é permitido às cooperativas de produção e de venda de gêneros agrícolas
e pecuários tomar cédulas de crédito real rural que os seus membros constituam”.
Lê-se no ad. 29, § 1.”, da Lei n. 3.253: “Para a constituição da garantia real, por meio das cédulas mencionadas no~
incisos 1, II e III dêste artigo, é dispensada a outorga uxória, não se exigindo também esta para a circulação da
cédula”.
O ad. 2.0, § 19, somente se poderia entender no que concerne à outorga uxória, ou, melhor, ao assentimento da
mulher à constituição da garantia real hipotecária em cédulas rurais hipotecárias se o bem é particular do cônjuge. Se
o bem imóvel é comum, qualquer regra legal que permitisse ao marido hipotecar (emitir cédulas rurais hipotecárias é
hipotecar> ofenderia o ad. 141, § 16, da Constituição de 1946, porque facultaria a desapropriação da propriedade sem
consentimento do dono. Em conseqUência disso, ineficaz seria a emissão, por ser ato de disposição de bem alheio, e
apenas dependeria do julgamento da questão prévia de inconstitucionalidade da lei (Lei n. 3.258. ad. 29, § 19) a
declaração da ineficácia.
Sempre que o objeto empenhado é parte integrante do bem imóvel e o empenho depende, ainda só conceptualmente,
de inde pendentização, o consentimento do outro cônjuge é de mister, porque tôda desimobilização atinge, aí, o que
não pode ser alienado sem o consenso do comuneiro.
§ t593. Quem pode outorgar penhor rural

1. PODER DE DISPOR. — Pode empenhar quem pode dispor. O poder de dispor pode ser poder de dispor do bem
próprio nu de dispor do bem alheio. Pode dar-se que o empenhante tenha recebido poder de empenhar, e não tenha o
de alienar.
Se o bem é comum, o condômino pode empenhar a parte ideal <Código Civil, art. 623, III>. Não precisa, para isso,
de consentimento dos demais. Dois o art. 683 do Código Civil que se invoca para tal exigência ~ó alude à posse
imediata. (art. 633:
“Nenhum condômino pode, sem previo consentimento dos outros, dar posse, uso ou gôzo da propriedade a
estranhos”; sem razão, CAMILo NOGUEIRA DA GAMA, Penhor rural, 2.8 ed., 20). Pode empenhar a parte
indivisa como pode aliená-la.
No art. 11, parágrafo único, estabelece a Lei n. 492: “Como o agrícola, o penhor pecuário independe de outorga
uxória”.
O art. 11, parágrafo único, tem de ser entendido como só referente ao penhor agrícola ou pecuário em que os objetos
sejam bens particulares do chefe da sociedade conjugal. Se são bens particulares da mulher, somente ela pode
consentir (ser figurante do acordo de constituição), sem precisar que assinta na constituição do penhor o marido. Se
os bens são comuns, não há outorga uxória, mas consentimento (cf. Código Civil, arts. 43, 1, 44, 1, e 235, 1>. O que
a Lei n. 492 dispensou foi a exigência do assentimento do outro cônjuge. A Lei n. 492 não revogou os arts. 43, 1, e
44, 1, do Código Civil; apenas derrogou, no tocante ao assentimento, a exigência desse em se tratando de bens
particulares;

2. NÃO-DONO 013 PESSOA SEM PODER DE DISPOR. — O objeto do penhor agrícola ou de animais é bem
móvel ou parte integrante separável do imóvel em que se exerce a agricultura, ou a criação. O que não pode ser
despregado do imóvel não pode ser objeto de penhor agrícola, ou de animal.
Se o objeto empenhado não é do empenhante, trate-se de pertenças, ou de frutos, ou de partes integrantes separáveis,
o penhor é ineficaz, como seria a alienação. A aquisição da propriedade ou do poder de dispor da coisa alheia pelo
empenhante pós-eficaciza o negócio jurídico e o próprio registro, segundo os princípios (Código Civil, art. 622).
Todavia, quem adquire segundo o registro o penhor tem por si a fé pública do registro e a aquisição é eficaz, como se
passa com a aquisição da hipoteca de bem alheio constante do registro.
Se após o registro do penhor há reivindicação do imóvel com o que foi empenhado, as relações, de acordo com os
princípias, somente podem ser: a.) quem acordou com o não-dono ou sem poder de dispor se expôs à reivindicaçk,
como se exporia quem adquirisse a. non domino, que não constasse do registro como dono; b) quem acordou com o
não-dono que do registro constava como dono adquiriu o direito real de penhor como adquiriria a propriedade, se ele
lhe houvesse outorgado dom!nio; c) quem adquiriu o penhor rural a titular de direito de penhor rural (portanto já
registado o acordo com esse) tem por si a fé pública do registro.

3. PENHOR AGRÍCOLA: LOCATÁRIO, ARRENDATÁRIO, COLONO OU PRESTADOR DE SERVIÇO. — Se


o dono ou pessoa que tem poder de dispor dos objetos a serem empenhados não é o dono do imóvel, precisa do
assentimento do dono do imóvel ou de quem do imóvel pode dispor para a constituição do penhor rural. É assim que
se há de entender a Lei n. 492, art. 9.0: “Não vale o contrato de penhor agrícola celebrado pelo locatário, arrenda-
tário, colono ou qualquer prestador de serviços, sem o consentimente expresso do proprietário agrícola, dado
prêviamente ou no ato da constituição ão penhor”. Leia-se: “antes ou no acordo de constituição do penhor”. Não
basta que seja dado ao oficial do registro, se não se integra no acordo de constituição. Se algum dos objetos é de
propriedade do dono do imóvel, o caso é de consentimento, e não de assentimento. Então, o registro é ineficaz como
o de todo penhor de coisa alheia, ou sobre a qual não tem o empenhante o poder de dispor.
Tratando-se de assentimento, que se fazia mister, há anulabilidade do acordo de constituição, podendo ser pedido,
com a sentença que a decrete, o cancelamento (cf. Código Civil, arts. 152 e 132). Seria absurdo deixar-se a qualquer
interessado alegar tal invalidade. Dai a importância da distinção entre necessidade de assentimento e necessidade de
consentimento.
O assentimento à empenhabilidade pode constar do próprio contrato de locação ou de outro que dê posse ao
outorgado. Para o consentimento, é preciso que se atendam as exigências de forma (e. g.,
Código Civil, arts. 134, II, 1.289, §§ 3? e 4.0).
A parceria agrícola ou pecuária estabelece comunhão de produtos e frutos (Código Civil, arte. 1.410-1.415, 1.416-
1.423), de jeito que o caso é de consentimento, e não de assentimento. O registro da parceria não é constitutivo, é
apenas para efeitos erga. omnes (cf. Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 134, a), V). Pode existir
parceria por negócio jurídico verbal (8. Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul, 20 de abril de 1944, ,T., 25,
394). Apenas há de ser atendido o art. 141 e parágrafo único do Código Civil (cf. Lei n. 1.768, de 18 de dezembro de
1952, art. 1.~). Se houve registro do acordo de constituição, com assentimento ou consentimento de quem consta do
registro como dono ou pessoa com poder de dispor, é eficaz erga. omites o penhor.
A Lei n. 492, na esteira dos princípios, estabelece (art. 9?, parágrafo único) “Na parceria rural, o penhor somente
pode ajustar-se com o consentimento do outro parceiro e recai sõmente sobre os animais do devedor, salvo
estipulação diversa”. A regra jurídica é jus dispositivum. Somente escapam ao penhor rural os animais do parceiro
que não é o devedor. Para que os animais do parceiro não devedor fiquem empenhados é de mister que deles se faça
menção no acordo de constituição. O penhor rural recai sobre o que é comum e vai ser dividido. Todavia pode ser
feito penhor com explicitação da quota que tem o parceiro nos bens da parceria. Nada obsta a que se determine parte
real nos bens da parceria (e. g., “a plantação entre o rio e a estrada de rodagem, que pertence ao parceiro A”).
É de observar-se que, sendo comuns os bens empenhados de parceria, depositários são os dois parceiros; se houve
delimitação especial da quota (parte real), o parceiro não empenhante somente não responde como co-depositário se,
no espaço que se apontou, foi dada posse imediata exclusiva ao empenhante e isso’ consta do acordo de constituição.
A regra é, por conseguinte, a responsabilidade de ambos.
4. OBJETO DO PENHOR AGRÍCOLA. — Lê-se no Código Civil, art. 781: “Podem ser objeto de penhor agrícola:
1. Máquinas e instrumentos aratórios, ou de locomoção. II. Colheitas pendentes, ou em via de formação no ano do
contrato, quer resultem de prévia cultura, quer de produção espontânea do solo. III. Frutos armazenados, em ser, ou
beneficiados e acondicionados para a venda. IV. Lenha cortada ou madeira das matas, preparada para o corte. V.
Animais do serviço ordinário de. estabelecimento agrícola”.
Na L. 15, pr., D., de pignoribus et hvpotheci~ et qualiter ea contra.hantur a de pactis eorum, 20, 1, GAIO disse: “Et
quae nondum sunt, futura tamen sunt, hypothecae dari possunt, ut fructus pendentes, partus ancillae, fetus pecorum et
ea quae nascuntur sint hypothecae obligata”. Bens futuros, como frutos pendentes, o parto da escrava, o feto do gado
e o que nasce, podiam ser hipotecados.
No direito luso-brasileiro, sempre se admitiu o penhor de frutos pendentes. A legislação brasileira alargou o objeto do
penhor agrícola (Lei n. 3.272, de 5 de outubro de 1885, art. 10:
Decreto n. 9.549, de 28 de janeiro de 1886, art. 107; Decreto n. 169, de 19 de janeiro de 1890; Decreto n. 370, de 2
de maio de 1890, art. 862: “Podem ser objeto de penhor agrícola:
a.) máquinas e instrumentos aratórios; lO animais de qualquer espécie e outrem objetos ligados ao serviço de
situação rural, ainda como imóveis por destino; c) frutos colhidos no ano ou no ano anterior; á) frutos armazenados,
em ser, ou beneficiados e acondicionados para se venderem; e) frutos pendentes pelas raízes ou pelos ramos; f)
colheita futura de certo e deter. minado ano; g) lenha cortada ou madeira das matas preparada para o corte; Ii)
capitais agrícolas em via de produção; i) outros quaisquer acessórios da cultura não compreendidos na escritura de
hipoteca, ou separados dela, depois de compreendidos, com assentimento do credor hipotecário”; Decreto n. 2.415.
de 28 de junho de 1911, que mencionou a goma-elástica, a piaçava, a castanha, o cacau e a erva-mate).
O Código Civil foi o ponto mais alto, pela abrangência.
A Lei n. 492, de 80 de agôsto de 1937, teve mais intuito de especializar e atender a interesses de bancos do que
refazer o regime do instituto.
Lê-se no art. 6? da Lei n. 492: “Podem ser objeto de penhor agrícola: 1. colheitas pendentes ou em via de formação,
quer resultem de prévia cultura quer de produção espontânea do solo; II. frutos armazenados, em ser, ou beneficiados
e acontece único: “Deve a escritura, sob pena de nulidade, designar os animais com a maior precisão, indicando o
lugar onde se encontrem e o destino que têm, mencionando de cada um a espécie. denominação comum ou científica,
raça, grau de mestiçagem, marca, sinal, nome, se tiver, e todos os característicos por que se identifique”.

6. PENHOR PECUÁRIO: LEGITIMAÇÃO PARA EMPENHAR. —O art. 9•0 da Lei n. 492 não pode ser
estendido ao penhor pecuário. Nesse, o art. 10 exige que se designem os animais. Se há parceria, ou o penhor é dos
animais pertencentes aos parceiros, ou houve discriminação prévia, o que exige consentimento do parceiro que não é
o empenhante, devido à comunhão pro diviso que se fêz suceder à comunhão pro indiviso.

7. CARACTERIZAÇÃO INSUFICIENTE E INEFICÁCIA. — A respeito da “nulidade” a que se refere o art. 10,


parágrafo único, da Lei n. 492 e já se referia o art. 784 do Código Civil, há questões da máxima importância. Não se
trataria de nulidade por defeito de forma, mas de “nulidade” por falta na designação e descrição dos animais.
Entenda-se: por ambigUidade ou equivocidade quanto ao objeto empenhado. Em verdade, não se trata de nulidade,
mas de ineficácia: se acordo de constituição houve, e se houve o registro, a falta de identificação é concernente
àtransmissão da posse mediata ao titular do direito de penhor. Tanto mais quanto a falta de identificabilidade pode só
se referir a um ou alguns dos animais. Seria absurdo que por falta de informe sobre o touro a se tivesse por nulo ou
ineficaz todo o acordo de constituição seguido de registro.
Por outro lado, a lei não foi taxativa na alusão aos traços característicos (espécie, raça, grau de mestiçagem, nome).
O que importa é que se mencione o lugar em que se exerce a indústria pecuária, o destino que têm os antmats e se
dêem os dados para a. sua identificabilidade. O inidentificável é inempenhável.
A referência ao lugar é relevante. Lá estão os animais empenhados; e o registro publica o penhor, com atinência aos
animais que no lugar estão. Os terceiros ficam advertidos. Por outro lado, o depositário há de estar em lugar certo e o
titular do direito de penhor é que há de assentir em que se mudem de sitio os animais empenhados.
A declaração do destino dos animais pode ser implícita (CAMILO NOGUEIRA DA GAMA, Penhor rural, 211).
8. DEVEDOR E TERCEIRO DADOR. —A Lei n. 492, nos arts.3,0 e 23, § 2.~, e noutros lugares supõe a
constituição do penhor rural por terceiro. POsto que, freqílentemente, a Lei n. 492 fale de “devedor”, não há relação
jurídica pessoal, no penhor rural, como não há em qualquer direito real limitado. A execução pignoraticia dirige-se
contra o proprietário, enfiteuta, ou arrendatário, ou possuidor do bem imóvel, em que se acham os bens empenhados,
porque lá estão depositados e porque algum deles é o dono dos bens empenhados e, pois, interessado na ex-
• tração do valor dos bens empenhados. Sujeitos passivos, na relação jurídica do penhor real, são todos. O que
dissemos a respeito do penhor em geral tem, aqui, completa aplicação.
Se quem constituiu o penhor foi terceiro, a ação vai contra ele, como interessado; iria contra seu sucessor, se
houvesse• alienado os bens empenhados, legalmente. Contra ele e o pretenso sucessor, se a alienação foi ineficaz.
É preciso não se confundir com a ação executiva real, que se dirige contra o proprietário dos bens empenhados, a
ação contra o devedor, que pode ser executiva, ou não, e quase sempre é pessoal. Se houve devedor e terceiro dador
do penhor, a ação contra os dois é, em verdade, cumulação de ações: na executiva real é demandado o terceiro dador,
ou seu sucessor:na outra, o terceiro dador não é parte.

10. PENHOR RURAL SEGUNDO A LEI N. 3.253, DE 27 DE AGOSTO DE 1957. — O penhor rural segundo a Lei
n. 3.253, arte. 1.0, 2.0, 1 e fl~, 3,0..5•0, e 89, só se permite incorporado eni cédula rural pignoraticia. O penhor rural
sem cédula rural pignoratícia, em que, desde o início, se incorpore, só se rege pela Lei n. 492, de 30 de agôsto de
1937, ainda que venha o titular do direito de penhor exigir que se expeça a cédula rural pignoraticia (Lei n. 492, art.
16, verbia “Be o credor lhe solicitar”). Portanto, no que tange ao regime da Lei n. 3.263. somente há titulo
incorporante de penhor, não há penhor que preexista e seja incorporável, depois, em cédula.
É de suma relevância dizer-se que o direito real de penhor se incorpora na cédula rural pignoraticia e, eventualmente,
no orçamento. Quem é tomador de cédula rural pignoraticia fêz-se, no negócio jurídico subjacente (ou, raramente,
sobrejacente, porque a sobrejacência suporia menção, segundo o art. 3•O, ~ IV, V e VI, da Lei n. 3.253, de negócio
jurídico ainda não concluído), credor com garantia pignoraticia, porém o fato da incorporação do direito de penhor
na cédula rural pignoraticia torna o tomador dono da cédula rural pignoraticia, que passa a ser tratada como bem
corpóreo. A cédula é empenhável, como étransferivel por endosso; então, sim, exaurge a figura do titular do direito
de penhor sobre a cédula rural pignoraticla, de propriedade do tomador ou de alguém a quem Ole a endossou.
§ 2.594. Registro do penhor agrícola e do pecuário

1. UNIFORMIzÁÇão Dos REGISTROS. — Antes da Lei n. 492, o registro do penhor agrícola fazia-se no Registro
de Imóveis e o do pennor de animais no Registro de Títulos e Documentos (Lei n. 4.827, de 7 de fevereiro de 1924,
arts. 49, aj,IV, e 5.o, b) XII)). A Lei n. 492, art. 14, uniformizou o direito registário, nesse ponto: “A escritura, pública
ou particular, de penhor ru. ral deve ser apresentada ao oficial do registro imobiliário da circunscrição ou comarca em
que estiver situada a propriedade agrícola em que se encontrem os bens ou animais dados em garantia, a fim de ser
transcrito no livro e pela forma por que se transcreve o penhor agrícola”. No art. 14, parágrafo único, acrescentou:
“Quando contraído por escritura particular, dela se tiram tantas vias quantas julgadas convenientes, de modo a ficar
uma, com as firmas reconhecidas, arquivada no cartório do registro imobiliário”. Com tantas palavras, apenas disse
que o penhor agrícola ou o pecuário há de ser inscrito no Registro de Imóveis, sendo arquivada uma das vias do
instrumento do acordo de constituição, se particular, com as firmas reconhecidas (Decreto n. 4.857, de 9 de
novembro de 1989, art. 178, a) : “a inscrição: XIII — do contrato de penhor rural”)
Se o empenhante não é o dono do imóvel, o oficial do registro há de exigir o assentimento ou o consentimento do
proprietino, conforme os princípios.
As procurações refenida~ ficam arquivadas no cartório.

2. CERTiDÃO E CÉDULÁ. — No art. 15, estabelece a Lei n. 492: “Feita a transcrição da escritura de penhor rural,
em qualquer de suas modalidades, pode o oficial do registro imobiliário, se o credor lho solicitar, expedir em seu
favor, averbando—a à margem da respectiva transcrição, e entregar-lhe, mediante recibo, uma cédula rural
pignoratícia. destacando-a, depois de preenchida e por ambos assinada, do livro próprio”.
A expedição da cédula. rural pignoratícia é facultativa. Pode o titular do direito de penhor satisfazer-se com a
certidão do registro e a parte destacável do extrato do ato de registro a que se refere o art. 226 do Decreto n. 4.857,
de 9 de novembro de 1939.
No acordo de constituição pode ser pré-excluida a expedição de cédula rural pignoratícia.
O oficial do registro de imóveis é responsável pela recusa contra direito e pela demora quanto aos registros
concernentes ao penhor e quanto à expedição da cédula rural pignoratícia (Lei n. 492, art. 34, parágrafo único).

§ 2.595. Cédula rural pignoratícia

1. CONCEITO. — Já vimos que se pode exigir, se o contrário não se dispôs no acordo de constituição de penhor
(ser em ato adicional, posterior, que se averbe), a expedição de cédula rural pignoratícia.
A cédula rural pignoratícia é título incorporante do direito real de penhor. O regime de transferência do titulo de
penhor muda. A cédula rural pignoratícia substitui a certidão que era apenas pertença do direito. Qualquer certidão
que se dê com data posterior à expedição há de mencionar a expedição da cédula rural pignoratícia e se torna
pertença da. cédula. O direito de penhor passou a ser direito incorporado, como acontece com as letras hipotecárias.

2. LIVRO-TALÃO DE CÉDULAS 4tURAIS. — Lê-se na Lei n. 492, art. 15, § 1.0: “Haverá em cada cartório de
registro imobiliário um livro-talão, de cédulas rurais pignoraticias, de fôlhas duplas e de igual conteúdo, do modêlo
anexo, numerado e rubricado pela autoridade judiciária competente, contendo cada uma:
1, a designação do Estado, comarca, Município, distrito ou circunscrição; II, o número e data da emissão; III, os
nomes do devedor e do credor; IV, a importância da dívida, seus juros e data do vencimento; V, a denominação e
individualização da propriedade agrícola em que se acham os bens ou animais empenhados, indicando a data e
tabelião em que se passou a escritura de aquisição ou arrendamento daquela ou o titulo por que se operou, número da
transcrição respectiva, data, livro e página em que esta se efetuou; IV, a identificação e a quantidade dos bens e dos
animais empenhados; VII, a data e o número da transcrição do penhor rural; VIII, as assinaturas, do próprio punho,
nas duas fôlhas, do oficial e do credor; ík, qualquer compromisso anterior nos casos dos arts. 4•0, § 1.0, e 69, 1”. No
art. 15, § 2Y: “Se o credor pignoraticio não souber ou não puder assinar, será o titulo assinado por procurador, com
podâres especiais, ficando a procuração, por instrumento público, arquivada em cartório”. A remissão que se faz no
art. 15, § 19, é ao art. 79, § 19, e não ao art. 6.0, 1, como bem observou, desde cedo, CAMILO NoonEutÁ DA
GAMA (Penhor rural. 253). O art. 15, § 1.0, V, subentende que, ao ser apresentado o acordo de constituição de
penhor, o oficial do registro verifique se o outorgante tem legitimação para empenhar. Dai, ao ser enchido o livro-
talão, ter o oficial do registro de mencionar a escritura de aquisição da propriedade ou do arrendamento. Para a
assinatura pelo credor é de exigir-se poder especial e expresso.

3. TRANSFERÊNCIA DA CÉDULA RURAL PIGNORATICIA. —À diferença da letra hipotecária, a cédula rural


pignoratícia não pode ser ao portador. A transmissão somente se faz por endosso em prêto, com exigência formais
rigorosas. O endosso em branco seria ineficaz, pôsto que, cheio, se eficacizasse. Port outro lado, não se admite
qualquer determinação mexa ou anexa. Qualquer cláusula restringente seria tida por não-escrita. Nem
se admite o endosso parcial. Lê-se no art. 16 da Lei n. 492:
“A cédula rural pignoratícia é transferível, sucessivamente, por endosso em prêto, em que à ordem de pagamento se
acrescente o nome ou firma do endossante, seu domicílio, a data e a assi~ natura do endossante. O primeiro
endossante somente pode ser o credor pignoratício”.
“O endosso parcial é nulo” (Lei n. 492, art. 16, §2.0).
No art. 16, in fine, da Lei n. 492 está escrito que “o primeiro endossante só pode ser o credor pignoratício”. Entenda-
se, porém, que pode ter morrido o titular do direito de penhor, o primeiro portador da cédula rural pignoratícia, e o
primeiro endosso será do inventariante, ou do herdeiro, a quem coube, segundo os princípios que se expôem a
respeito dos títulos cainbiários e cambiariformes à ordem.
Reputa-se não-escrita qualquer cláusula que faça condicional, ou a têrmo, ou restrinja a eficácia do endosso.
Pergunta-sr ~depois da Lei n. 492 ficou vedado o endosso-penhor? O Decreto n. 24.778, de 14 de julho de 1984, art.
1.0, disse que “podem ser objeto de penhor os créditos garantidos por hipoteca ou penhor”, os quais, para esse efeito,
se consideram bens móveis. Também na Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, art. 44, IV, se disse que, para os
efeitos cambiários, &e considera não~ escrita “a cláusula excludente ou restritiva da responsabilidade e qualquer
outra, beneficiando o devedor ou credor, além dos limites fixados por esta lei”. O endosso não pode ser condicional
ou a têrmo, não pode restringir responsabilidade. O endosso-penhor é modo de constituição de penhor e seria absurdo
ter-se por vedado o penhor de cédulas rurais pignoraticias. Tal penhor ou se faz por transmissão fiduciária da
propriedade, ou nelo endosso-penhor.
Também é permitido o endosso-mandato, ou endosso-procuração.
O endosso da cédula rural pignoratícia se os titulares do direito de penhor são dois ou mais só se pode fazer com a
assinatura de todos.
O cancelamento do endosso restaura a propriedade do endossatário anterior, ou do titular inicial do direito de
penhor, se fôra o endossante (Lei n. 492, art. 16, § 3~: “O endosso cancelado é inexistente, mas hábil para justificar a
série das transmissões do título”). A série dos endossos era a, b, o, d; cancelou-se b: a série é a, (b), e, d.
Diz o art. 33 da Lei n. 492: “A garantia subsidiária de penhor para a cédula rural ou título cujo devedor, aceitante ou
emitente, exerça a sua atividade na agricultura ou pecuária ou em indústrias derivadas ou conexas, e cujo endossante
seja firma bancária idônea, confere-lhe o direito de redesconto, sem outro limite, em importância ou garantia, que o
estabelecido pelo Conselho da Carteira de Redesconto para as cooperativas e, em um máximo de 50% dos capitais e
fundos de reservas, para cada Banco”. A ignorância de ciência do direito por parte dos elaboradores da Lei n. 492
grita a cada momento. Ai, chega-se a chamar <‘garantia subsidiária” à cédula rural pignoratida, em que apenas o
direito de penhor rural se incorpora. Exprobrou-o, com tôda a razão, CAMilo NOGUEIRA DA GAMA (Penhor
rural, 392).

4. REGISTRO DO ENDÓSSO. — A Lei n. 492. no art. 17, cheio de erros de redação (aliás, a Lei n. 492 é uma das
mais mal redigidas do período 1934-1937), diz que, “expedindo a cédula rural pignoraticia, dá o oficial,
imediatamente, por carta, mediante recibo, aviso ao devedor” (lá está credor) “pignoratício, e os endossatários devem
apresentar-lhe para que, averbando o endosso à margem da transcrição, nela o anote”. O endossatário pode apresentar
a cédula rural pignoraticia, a fim de que o oficial do registro o averbe à margem do registro do penhor.
Se, ao ser apresentada a cédula rural pignoratícia para a averbação de que se fala no art. 17 da Lei n. 492, o oficial
do registro nela encontra endossos anteriores, averba-os a todos.
É assim que se há de entender o art. 17, parágrafo único: “Ao averbar o endosso , o oficial averbará os anteriores
ainda não anotados”.
A averbação do endosso de modo nenhum é elemento necessário à eficácia do endosso. Trata-se, apenas, de refôrço
de prova, tal como se alguém faz registar no Registro de Títulos e Documentos a letra de câmbio, ou a nota
promissória. em qualquer titulo cambiariforme.
O aviso ao devedor tem por finalidade informá-lo da expedição da cédula rural pignoraticia e, pois, da circulabilidade
cambiariforme do título incorporante. Antes desse aviso, ignora ele a incorporação do direito de penhor, com a
conseqUente endossabilidade do titulo.
Estatui o art. 18 da Lei n. 492: “Emitida a cédula rural pignoratícia, passa a escritura de penhor a fazer parte dela, de
modo que os direitos do credor se exercem pelo endossatário, em cujo poder se encontre, e é inválido o pagamento
porventura efetuado pelo devedor sem que o título lhe seja restituido ou sem que nele registe o endossatário o
pagamento parcial realizado, dando recibo em separado, para o mesmo efeito”. O pagamento, ato-fato jurídico, é
ineficaz, e não inválido.
A escritura de penhor rural, após a expedição da cédula rural pignoratícia, é pertença da cédula rural pignoratícia. O
titular do direito de penhor, seja o credor seja o endossatário, tem as ações de reivindicação e de posse para havê-la
de quem ilegitimamente a tenha. O “faz parte dela”, no art. 18, é impropriedade de linguagem.
Diz o art. 16, § 4•O, da Lei n. 492: “O endossante responde pela legitimidade da cédula pignoratícia e da existência
das coisas e animais empenhados”. O direito de penhor incorporou-se na cédula rural pignoratícia. O objeto do
penhor ficou depositado em poder do devedor. O endossante afirma que esses objetos existem e foram empenhados.
A responsabilidade é semelhante à do endossante. déwarrant.
O art. 16, § 4•0, é ius cogens (sem razão, CAMILO NOGUEIRA DA GAMA, Penhor rural, 257).

5. PLURALIDADE DE CÉDULAS RURAIS PIGNORATTCIAS.


Lê-se no art. 18, § 1.0, da Lei n. 492: “Quando o empréstimo estabelecido na escritura de penhor rural fôr entregue
em parcelas periódicas, ao devedor será permitida a expedição de várias cédulas pignoratícias, conforme as quantias
e prazos acordados, devendo, porém, constar nas respectivas cédulas o mínimo da transcrição da escritura e a quantia
total do penhor contratado”, É a pluralidade de cédulas rurais pignoratícias, só permitida internamente, isto é, como
cédulas correspondentes As parcelas periódicas. Divide-se, então, o penhor. quem ,pede (pedido-exigênci.) a
expediçãô da cédula rural pignoratícia é o credor, não o devedor. No art. 17, a Lei n. 492 trocou devedor”
por”credor”; aqui, troca “credor” por “devedor”. Credor é que é. Cada cédula rural pignoratícia incorpora um direito
real de penhor.

6. INCONSTRIGIBILIDADE DOS BENS EMPENHADOS EM PENHOR RURAL (AGRÍCOLA E


PECUÁRIO). — Os objetos do penhor agrícola ou do pecuário são inconstringíveis: não podem ser penhorados, nem
arrestados, nem seqUestrados, nem atingidos por outra qualquer medida constritiva, salvo as medidas decretadas a
pedido do devedor-depositário, ou do titular do direito de penhor, como tutela jurídica a seu direito, e. g., apreensão
em mãos do ladrão, ou de quem se apropriou indêbitamente, ou adquiriu ao dono sem ter precedido assentimento do
titular do direito de penhor. Assim se há de ler o art. 18, § 29, da Lei n. 492: “Não podem os bens nem os animais
empenhados ser objeto de penhor, arresto, seqúestro ou outra medida judicial, desde que expedida a cédula rural
pignoratícia, obrigado o devedor, sob pena de responder pelos prejuízos resultantes, a denunciar aos oficiais
incumbidos da diligência, para que não a efetuem, - ou ao juiz da causa, a existência do título, juntando o aviso
recebido ao tempo de sua expedição’.
Os bens objeto de penhor rural não são impenhoraveis. A penhora pode fazer-se, mas o depositário é o devedor,
entendendo-se que só se constringe o valor que reste, satisfeito o penhor rural. Todavia, se foi expedida a cédula rural
pignoratícia, a impenhorabilidade, a inarrestabilidade, a inseqúestrabi lidade, ou, em geral, a inconstringibilidade se
inicia. Inicia-se com a expedição; a responsabilidade do devedor, a respeito da “denúncia” de que trata o art. 18, §
2.0, sómente começa com o aviso de que cogita o art 17. A “denúncia” do art. 18, §. 2.0, é comunicação de
conhecimento.
O devedor junta o aviso, que recebeu, ou a pública-forma.

7. CÉDULA RURAL PIGNORATICIA SEGUNDO A LEI N. 3.253, DE 27 DE AGÔSTO DE 1957. — Ao


invés de cédula rural em que se vem a incorporar o penhor (zz de penhor que passa a incorporar-se em título ou
cártula, a que a Lei n. 492, de 30 (lo agôsto de 1937, arts. 14-21, chamou “cédula rural pignoraticia”), a cédula rural
pignoratícia, segundo a Lei n. 3.253, de-27 de agôsto de 1957, já nasce, por si, título incorporante de penhore criado
simultáneamente com o titulo. Não penhor que preceda e possa existir por si.
Os interessados na constituição de cédulas rurais pignoratícias têm de escolher uma das duas figuras legais: ou a
cédula rural pignoraticia regulada pela Lei n. 492, arts. 14-21, ou a cédula rural pignoratícia da Lei n. 3.253, arts. 2.0,
1, e 3~0.5~O, ou a cédula rural mista conforme os arts. 29, III, e 89 da Lei n. 3.253. Não há confusão possível,
porque as cédulas rurais regidas pela Lei n. 3.253 não vêm após a constituição do penhor rural, o que teria de
acontecer se se disciplinasse pela Lei n. 492.

8. CONCEITO DA CÉDULA RURAL PIGNORATICIA SEGUNDO A LEI N. 3.253, DE 27 DE AGÔSTO DE


1957.— A cédula rural pignoraticia segundo a Lei n. 3.253 é titulo de direito real, ou —melhor — título incorporante
de direito de penhor, constituido pelo próprio titulo incorporante, formal e abstrato, negociável cambiariformemente,
e suscetível das cláusulas a que se refere o art. 39, §§ 29, 3•0, 4•o e 5?. A lei permitiu que se inserissem cláusulas de
destinação do valor prestado pelo titular do direito de penhor incorporado no título (Lei n. 3.258, art. 3.~, § 2/9, de
levantamento parcelado, ou em movimentação bancária, de acOrdo com orçamento da inversão a que se destina o
que se creditopu ao emitente da cédula rural pignoratícia (art. 39, § 3.0).
Após a subscrição e emissão da cédula rural pignoratícia, o tomador faz-se dono de bem corpóreo, e não credor rural
pignoraticio.~. Se transfere a propriedade da cédula rural pignoraticia, transfere domínio. Se a empenha, constitui
penhor da cédula rural pignoratícia. Na cédula rural pignoratícia incorporou-se o direito real de penhor.
Aí está um dos pontos em que mais se precisa prestar atenção: o portador da cédula rural pignoratícia, quer se trate
da cédula rural pignoratícia regida pela Lei n. 492 quer de cédula rural pignoratícia regida pela Lei n. 3.253, é
proprietário do bem corpóreo, que é a cédula, e titular do direito real de penhor que se incorporou no título. O direito
real de garantia recai nos bens que foram gravados com o penhor rural. Diferente é o que se passa com o título
representativo, como o conhecimento de depósito dos armazéns gerais: nesses, o dono da cédula, do conhecimento de
depósito, é dono do conhecimento de depósito e dono das mercadorias. No warrant, o dono da cártula é dono dela
mas titular do direito de penhor sobre as mercadorias.
O tomador, regularmente, presta ao subscritor e emitente o valor que se menciona na cédula rural pignoraticia. A
prestação pode ser em dinheiro, ou em instrumentos, máquinas, ou matérias-primas ou bens, estimados, para que se
satisfaça um dos requisitos da cédula rural pignoratícia, que é a liquidez. Também pode ser por abertura de conta,
depósito para provisão de cheque ou de recibos, ou remessa a fornecedores. Pôsto que no art. 39, § 3~0, da Lei n.
3.258 se fale de abertura de conta (verbis “abrirá com o valor emprestado uma contaespecial”), de modo nenhum se
pode pensar em abertura de crédito. A alusão a empréstimo e a mútuo, rio art. 1?, faz pressuposto necessário a
tradição ou cessão da prestação de que resulta a constituição de penhor a favor do crédito de quem prestou.
Quando se fala em tradição da prestação de que resulta a constituição de penhor entende-se que se transferiu, pelo
menos, a posse mediata própria. O que se prestou prestou-se para que se tornasse do domínio do empenhante. O
banco que depositou na conta do empenhante a quantia a que se refere a cédula rural pignoratícia transferiu
propriedade e posse mediata do dinheiro ao empenhante e ficou com a posse imediata de depositário.
Isso não quer dizer que se não possa constituir penhor rural, de cujo registro se extraia cédula rural pignoraticia
segundo a Lei n. 492 ou segundo a Lei n. 8.253, se, em vez de se entregarem notas de papel moeda, ou moedas
metálicas, ou maquinarias ou outros bens corpúreos, se cedem direitos (bens incorpóreos), como se, para a aquisição
de máquinas ou outros instrumentos, o banco cede ao empenhante crédito contra o fornecedor das máquinas ou
outros instrumentos. O que importa é que o que foi prometido tenha sido pôsto em pecúnia, determinada e
precisamente (Lei n. 492, art. 2.~, § 29, II: “o total da divida ou sua estimação”; Lei n. 8.253, art. 39, IV: “Á soma a
pagar em dinheiro”). Tudo que não é o “total da dívida ou sua estimação”, ou a “soma a pagar em dinheiro”, somente
pode estar no negócio juridico subjacente, de que se abstrai.
Todavia, se o banco não faz tradição de bem corpóreo ou incorpóreo, nem cessão de bem incorpóreo, mas há a
declaração
do valor a ser pago, divida há e o penhor garante o pagamento, sem que se haja de desçer ao negócio jurídico
subjacente. A oposição das exceções fica subordinada aos princípios que as seguem em direito cambiário e
cambiariforme.
As cédulas rurais pignoratícias podem ser singulares ou plurais. Se a cédula rural pignoratícia abrange todo o valor a
ser prestado pelo subscritor e emitente, claro é que somente há uma cédula rural pignoratícia (cédula rural
pignoratícia singular). Se, em vez, disso, se disse qual a soma a ser paga
e se referiram os números das cédulas e o valor fracionário de cada cédula, há pluralidade de cédulas rurais
pignoraticias.
Se há pluralidade de cédulas rurais pignoratícias, cada cédula é independente da outra. Circula e sofre a incidência
das regras jurídicas, sobre existência, validade e eficácia, separada-mente.

9. CLÁUSULAS tE DESTINAÇÃO DA PRESTAÇÃO FEITA AO EMITENTE DA CÉDULA RURAL


PIGNORATÍCIA SEGUNDO A LEI 74. 3.253. — A cláusula de destinação não é de direito cogente. O negócio
jurídico subjacente pode prevê-la, ou pode constar do acordo de constituição para a emissão da cédula rural pigno-
ratícia. Numa e noutra espécie, os figurantes do negócio jurídico básico ou do acordo de constituição ficam
vinculados, pessoalmente. A inserção na cédula rural pignoratícia ou significa que se cumpriu o prometido, ou que se
concebeu a clausulação
como integrada no teor da cédula rural pignoratícia, o que —no tocante à própria cédula — é indiferente, uma vez
que a declaração nela contida é literal, formal e abstrata. Não há constituição prévia de penhor; a fortiori, no plano do
direito das Coisas, clausulação. O orçamento mesmo, a cuja realização se destina a prestação, é parte integrante da
cédula, de modo que o direito de penhor se incorpora no título e no orçamento. Lê-se no art. 39, § 2.0, da Lei n.
3.253: “A aplicação do valor emprestado poderá ser ajustada em orçamento assinado, pelo emitente da cédula e que
esta se integrará em uma só via, rubricada pelo credor, da qual deverá constar, também por escrito, qualquer alteração
posterior que mutuante e mutuário porventura admitirem” Deveria ter dito: “A aplicação do valor emprestado poderá
ser ajustada em orçamento assinado, pelo emitente da cédula e (disposto poderá ser) que esta se integrará
só via, rubricada pelo credor, da qual deverá constar, por escrito, qualquer alteração posterior que mutuante rio
porventura admitirem”. O que está em letra grifa nós para que o ar~ ~. <‘ 2.0, possa ser entendido, tão é a redação da
lei desgraçadamente reveladora dessa ia da cultura na leitura das leis, que desde 1930 se aos olhos do povo. Não só
se percebe a falta minologia científica; vê-se a deficiência do ensino da das regras de estilo.
rt. 3,0, § 2.0, da Lei n. 3.253 e rico de conseqúências. complexo em seu próprio conteúdo.
a) O orçamento é parte integrante da cédula rural; e não pertença. Quem tem a posse da cédula tem mento: quem
é dono daquela é dono desse. O orçamento , por meio de declaração de vontade do portador a e do obrigado direto,
que é o emitente.
b) A prestação material, pela tradição da posse imediata, pode ser em parcelas, com permissão de movimento
segundo gráfico simples, com têrmos e épocas fixados no orçamento de que acima se falou (Lei n. 3.253, art. 3•O, §
3.0: “Se o empréstimo fôr concedido para utilização parcelada, o banco ou a cooperativa mutuante abrirá com o valor
emprestado uma conta especial, vinculada ao título, que o emitente movimentará, em forma gráfica simples, por meio
de cheques ou recibo de sua assinatura nos têrmos e épocas fixados no orçamento a que se refere ‘o parágrafo
anterior”). A obrigação do banco, da casa bancária ou da cooperativa é adimplida na data em que recebe a cédula
rural pignoratícia. A quantia passa a pertencer ao subscritor e emitente desde o momento em que se dá a cédula rural
pignoratícia ao seu tomador. A abertura da conta em movimento é depósito bancário ou bancariforme a favor do
subscritor e emitente, como solução técnica para que a prestação material. pela posse imediata das parcelas, possa ser
espaçada no tempo. Tôda a importância do que se atribuiu ao subscritor e emitente já lhe pertence, desde que foi
entregue ao tomador a cédula rural pignoratícia. Se o tomador se fêz representar na aquisição da posse da cédula rural
pignoratícia, ou se pôs servi-Io a posse para poder adquiri-la, é indiferente: o que importa é que a tradição simples,
brevi inanu ou longa man?’. ou pelo constituto possessório, tenha existido. Pré-excluir-se-ia o constituto Possessório,
porque a cédula rural pignoratícia é bem corpóreo se o dono da cédula rural pignoratícia a empenhasse; nao, se ainda
se trata de aquisição da cédula mesma.
O art. 30 ~ 3,0, da Lei n. 3.253, com o art. 3,0, § 2.0, ~dispositivum, e nao direito cogente. Inclusive pode ser
estabelecído que a movimentação é por máximos em cada período, ou com aviso para que se possam verificar as
inversões feitas ou o estado da cultura ou da indústria, com ou sem o gráfico a que alude o ad. 3?, § 30
As próprias alteraçôes de que cogita o art. 3•O, § 2.0, da Lei n. 3.253 podem ser previstas com a estrutura jurídica de
upçôes a favor do subscritor e emitente. Tem-se, ai, a favor do subscritor e emitente, direito formativo modificativo.
(b) O senso prático do legislador introduziu no art. 30, § 4~O, da Lei n. 3.258 regra jurídica sobre exceçAo dilatória a
favor do banco, casa bancária, ou cooperativa, que tem em depósito a prestação feita ao subscritor e emitente da
cédula rural pignoratícia. A exceção não se dirige contra o subscritor e emitente como criador da cédula rural
pignoraticia, porque, se assim fôsse, teria de partir de quem fôsse no momento o dono ou possuidor da cédula rural
pignoratícia (toinador ou endossatário). Dirige-se contra o depositante, figurante do negócio jurídico subjacente de
abertura de conta movimentável por cheque eu recibo. Lê-se no art. 3•O, § 4•O, da Lei n. 3.253: “Sempre que fôr
estabelecida a utilização parcelada prevista no parágrafo anterior, é ressalvado ao credor o direito de recusar a
entrega de qualquer prestação se, ao seu tempo, houver o devedor falta-do ao cumprimenta do disposto no orçamento
de aplicaçAo ou nesta lei”. N~o se trata de alteração de orçamento, ou cláusula, em que houvesse de consentir o
endossatário; mas de infração do negócio jurídico de depósito, que aí se mescla de Iigaçâo à inversão e ao modo de
aplicação das prestações pagas.
Para bem vermos que a exceção toca ao banco, à casa bancária, ou à cooperativa como depositante, e não como
tomador, basta que imaginemos ter sido tomadora a cooperativa e ter depositado o quanto em banco ou casa bancária,
ou que o banco ou casa bancária, tomador da cédula, tenha achado conveniente depositar noutro banco ou casa
bancária a quantia. Como o orçamento é só numa via (Lei n. 3.253, art. 3•O, § 2.0), parte integrante da cédula rural
pignoratícia, tem de ficar com o possuidor da cédula e, pois, não pode só constar do arquivo do banco. Por ocasião do
depósito bancário, a cópia ou extrato do orçamento é elemento indispensável do próprio negócio jurídico da
provisão. -
A relação juridica é entre o depositário e o depositante, portanto bilateral. A exceção é a exceção de nio-
adimplemento ou de adimplemento não-satisfatório, a exceptio non adimpleti contractus, que nenhuma pertinência
teria quanto aos endossatários, nem contra a tomador que não 4, também, depositário.
Ao banco, casa bancária ou cooperativa depositária sõmente se permite negar-se à entrega da prestação enquanto o
subscritor e emitente da cédula rural pignoratícia não satisfaz a exigência de aplicação, quer se trate de inversão que
de certo modo faculte ou facilite a solução da dívida, quer se trate de inversão que haja de aumentar o objeto do
gravame pignoraticio.
10. QUANTIA DESTINADA À AQUISIÇÃO DE BENS. — A destinação da quantia à aquisição de bens é espécie
que entra no ~j4• 3•O, § 29, da Lei ri. 3.258. Cumpre, porém, observar-se que

e) os bens a serem adquiridos podem já ser decritos conforme o que se prevê no art. 3•O, V, e então a quantia está
destinada à dquisição deles, ou lO os bens a serem adquiridos não terem sido descritos conforme se prevê no art.
3•O, v, caso em que não ficam, entrando no patrimônio do agricultor ou do pecuarista, gravados de penhor rural.
O direito real limitado sobre os bens adquiridos ou a) resulta da inscrição, se ésses bens futuros foram descritos no
contexto da cédula rural pignoratoria, ou lO da averbação, se constavam do orçamento e de menção na cédula (ad.
3•O, § 5.0)~
A distinção é digna de atenção. Diz o art. 3~O, § 5•O, da Lei n. 3.258: “Se o empréstimo fôr destinado à aquisição d’
bens, que devem integrar a garantia, lavrar-se-á menção adicional à cédula, para efeito de averbação no registro”. Ou
se descrevem desde logo os bens que hão de ser adquiridos; ou se acrescenta, por anotação na cédula, como parte de
orçamento (tE art. 3.~, § 2.~), a destinação da prestação feita, como integração do objeto da garantia. O fato de se
anotar o orçamento, ou de constar do orçamento a destinação, não basta para se entender que os bens a serem
adquiridos integrarão a garantia. Se não disse que se daria tal integração, foi estabelecida a destinaçâo,’ mas sem a
integração: há dever de inversão do dinheiro em tais bens, porém tais bens não passam a ser objeto da garantia.
AUter, se foram descritas, conforme o art. 3.o, ~,pôsto que bens ainda a serem adquiridos, ou se foi estipulada a
integração e anotada na cédula (art. 3~O, § 5•O, verbis “menção adicional”).
11. PLURALIDADE DE PENHORES E CÉDULA RURAL PIGNORATIdA. — Os bens empenhados podem ser
novamente empenhados, com emissão de duas ou mais séries de cédulas rurais pignoratícias em que se mencione a
gradação. Há tantos gravames quantas as séries de cédulas rurais pignoratícias. Todavia, se os figurantes das cédulas
rurais pignoratícias posteriores forem os mesmos da cédula rural pignoratícia que primeiro se emitiu, é possível
estender-se o negócio jurídico de penhor, reputando-se um só penhor com cédulas rurais pignoraticias distintas. Ê
assim que se há ue interpretar o art. 39, § 6.0, da Lei ri. 8.253, que diz: “Em caso de mais de um empréstimo, sempre
que forem os mesmos o credor, o devedor e os bens apenhados, a vinculaçâo se fará por simples extensio no texto
destas do penhor já constituído, sem prejuízo de outras garantias”. O art. 39, § 6.0. sómente incide: a) se a cédula
rural pignoratícia ou as cédulas rurais pignoratícias ainda não foram endossadas (= ainda se acham com o tomador) ;
b) se não houve gravação ou medida constritíva entre a emissão da primeira cédula rural pignoratida e a emissão da
cédula rural pígnoratícia posterior ou das cédulas rurais pignoratícias posteriores.
Já se havia dito no ad. 42 da Lei n. 492: “Independe o penhor rural do consentimento do credor hipotecário, mas não
lhe prejudica o direito de prelação, nem restringe a extensão da hipoteca, ao ser executada”. No § 1.0: “Pode o
devedor, independentemente de consentimento do credor, constituir nôvo penhor rural se o valor dos bens ou• dos
animais exceder ao da dívida anterior, ressalvada para esta a prioridade de pagamento”. No § 22: “Paga uma das
dividas, subsiste a garantia para a outra, em sua totalidade”. No § 3.0: “As coisas e animais dados em penhor
garantem ao credor, em privilégio especial, a importância da dívida, os juros, as despesas e as demais obrigações
constantes da escritura”.

§ 2.596. Satisfação da cédula rural pignoraticia

1. RESGATE. — A cédula rural pignoratícia é resgatável a qualquer tempo. Título de reembôlso, o devedor pode
exigir que,
prestado o quanto devido mais os juros até ao dia da satisfação, se lhe entregue a cédula rural pignoraticia. Lê-se no
art. 19 da Lei n. 492: “É a cédula rural pignoraticia resgatável a qualquer tempo, desde que se efetue o pagamento de
sua importância, inala os juros devidos até ao dia da liquidação; e, em caso de recusa por parte do endossatário
constante do registro, pode o devedor fazer a consignaçAo judicial da importância total da divida, capital e juros até
o dia do depósito, citado aquele e notificado o oficial do registro imobiliário competente para cancelamento da
transenção e anotação no verso da fôlha do talão, arquivando a respectiva contrafé, de que constará o teor do têrmo
de depósito”. No art. 19, parágrafo único, expliciteu-se: “A consignação judicial libera os bens ou animais empe-
nhados, sub-rogando-se o vinculo real pignoratício na quantia depositada”. A sub-rogaçAo real opera-se com a
consignação judicial; a extinção do penhor somente ocorre com o levantamento da quantia.
De início, observemos que o art. 19 e parágrafo único da Lei n. 492 são jus cogens. Em virtude do art. 5•O da Lei n.
3.253, a cédula rural pignoratícia regida por essa lei é resgatável a qualquer tempo.
A resgatabilídade, em matéria de penhor rural, rege-se por princípios próprios. É livre o resgate, desde todo o início.
Pode resgatar o subscritor e emitente ou o terceiro dador do penhor, devendo-se entender que esse se sub-roga,
pessoahnente, ao titular do direito de penhor. Se foi extraída cédula rural pignoraticia segundo a Lei n. 492, o
tomador ou endossatário, que dá quitação, entrega a cédula. Se o resgatante é o terceiro dador, podem ser canceladas
a averbação da expedição da cédula e a inscriçào do penhor, mas o terceiro dador se sub-roga, pessoal-mente, na
relação jurídica garantida.
A cédula rural pignoratícia, se foi endossada, pertence ao endossatário. Se foi averbado o último endosso, nenhuma
dúvida surge. Esse endossatário pode contestar (Código de Processo Civil, art. 316), ou receber o depósito (art. 317).
Se a cédula rural pignoratícia foi endossada e não houve averbação, o primeiro endossante (primeiro titular do direito
de penhor) é citado e tem o dever de declarar a quem endossou. Se não se pode determinar o último endossatário, a
citação há de ser por edital.

Todavia, a liberação começa com o depósito, correndo ao juiz o dever de verificar se foram depositados capital e
juros.
Se fór julgada a ação de consignação favoravelmente contestação, não houve satisfação e retifica-se o cancelamento
do registro.
O fôro competente para o depósito em consignação é ~o da situação do imóvel.
O fato de não ser constitutivo o título nas cédulas rurais pignoratícias regidas pela Lei n. 492, art. 15, suscita alguns
problemas delicados:
(a) A posse da cédula é necessária para o exercício do direito incorporado. Todavia, ~ pode o outorgado do penhor ou
o endossatário que conste do registro (Lei n. 492, art. 17), propor a ação pignoratícia se não exibe a cédula? Há os
arts. 22-25 da Lei n. 492, que exigem protesto cambiariforme. Quem perdeu ou foi desapossado da cédula tem de
ingressa? em juízo, a tempo, para a substituição e protestar, depois do ingresso e com a medida judicial que supra a
falta da posse necessária ao protesto.
(b> Se não houve o protesto segundo dissemos em <a> e o ~tutor da ação de substituição da cártula propõe a ação
executiva pignoratícia, dá-se a desoneração dos endossantes.
(c) Se não houve propositura da ação de substituição da cártula e quem se diz endossatário propõe a ação executiva
pignoratícia, o demandado tem a exceção dilatória de não ter sido apresentada a cédula rural pignoratícia.
A cédula rural pignoraticia, a cédula rural hipotecária e a cédula rural mista, segundo a Lei n. 3.253, são titulas
canstitu(luas. Teremos ensejo de versar o assunto.

2. SOLUÇÃO DA DIVIDA APÓS VENCIMENTO. — Vencida a divida, o outorgado do penhor, ou último


endossatário, se houve endosso, tem de apresentar o título para receber a quantia devida.
O fôro competente para a cobrança executiva é o da situação da coisa, pois aí é que há de responder o devedor-
depositário. Não se trata de fôro contratual; mas de fôro para ações pignoratícias que se dirigem contra quem tem o
dever de não mudar a situação da coisa. Não há penhor agrícola ou pecuário sem ser sobre bens que se liguem a
imóvel.
§ 2.597. Desvio e alienação clandestina de bens

1. DEPOSITÁRIO E DONO DOS BENS EMPENHADOS. — O dono dos bens empenhados, ou alguém, a quem
se entregaram em depósito os bens empenhados, responde como depositário. Tal responsabilidade deriva de ser o
empenhante, ou seu sucessor, possuidor imediato, ou mediatizado, sendo mediato impróprio o titular do direito de
penhor rural. Não importa se foi expedida, ou não, cédula pignoratícia. Basta a tentativa de desvio, ou de alienação
dos bens, para que possa o titular pedir o depósito judicial dos bens empenhados. Se o desvio ou a alienação já se
operou, cabe o seqUestro. O terceiro depositário é o depositário público, ou, se não o há, ou se seria inconveniente in
casu, terceira pessoa, que o juiz nomeia. As custas e despesas correm por conta do devedor. Lê-se no art. 20 da Lei n.
492: “Tentando o devedor ou o terceiro, como depositário legal, desviar, no todo ou em parte, ou vender, sem
consentimento do credor pignoratício ou do endossatário da cédula rural pignoratícia os bens ou animais
empenhados, tem êste direito para requerer ao juiz que os remova para o poder do depositário público, se houver, ou
particular, que nomear, correndo tâdas as custas por conta do devedor”. E parágrafo único:
“Desviados ou vendidos, com infração do disposto neste artigo, pode o juiz determinar-lhes o seqUestro, cuja
concessão importa no vencimento da divida e sua exigibilidade”.

2. “SEQUESTRO”. — O “seqUestro” de que fala o art. 20, parágrafo único, não é mais do que apreensão e depósito
dos bens empenhados, por ter havido ofensa ao direito de penhor, apreensêo e depósito dos bens como execução da
ação de vindicação do penhor ou da ação possess6ria do titular do penhor. Ali, alega-se o direito de penhor e a
retirada da posse mediata imprópria ao titular do direito de penhor. Aqui, o esbulho da posse mediata imprópria. A
ação possessória tem a vantagem da presteza. A ação de vindicação é ordinária, pôsto que se possa preparatôriamente
(não cautelarmente) requerer, desde logo, o “seqUestro”, que será, então, como depósito segundo o art. 689 do
Código de Processo Civil, processo preparatório porém não preventivo. Os arts. 676 e 685 do Código de Processo
Civil não são invocáveis.

Feito o depósito (dito, no ad. 20, “sequestro”), tem de ser proposta a ação de cobrança, porque se afirma, com o defe-
rimente da medida, que se venceu, antecipadamente, a divida, ou o vencimento coincidiu ou precedeu ao desvio ou à
alienação. Na ação de cobrança — necessâriamente a executiva real —pode alegar o devedor o que entender ser de
seu direito. Se fôr julgada improcedente a ação, o depósito será desconstituído, com eficácia, contra ele, ex tune,
inclusive quanto ao vencimento antecipado do penhor, salvo a coisa julgada na ação de vindicação.
O depósito não pode ser requerido na própria petição inicial da ação executiva real; ter-se-ia de entender que o
pedido de depósito é anterior, porque a ação executiva real somente nasce com o exame dos fatos que dão a
pretensão ao depósito. O juiz, depois. de deferir o depósito, dito seqUestro, é que pode ter a cognição incompleta da
ação do art. 298, VIII, do Código de Processo Civil. Tudo aconselha a que se separem as ações — a de víndicação,
ou a possessória, a que o seqUestro se prende, e a executiva real. Se o vencimento já se dera, então a ação executiva
real apanha os bens desviados ou alienados, porque o foram em fraude de execução (Código de Processo Civil, ad.
888, V).

3. ALIENAÇÃO DOS ANIMAIS E MAIS OBJETOS EMPENHADOS


— Os objetos empenhados não podem ser alienados, mas, por serem animais, havia a lei de admitir que o sejam se
consente o titular do direito de penhor pecuário. Dai o art. 12 da Lei n. 492: “Não pode o devedor vender o gado,
nem qualquer dos animais empenhados, sem prévio consentimento do credor”; e § 1.0: “Quando o devedor pretenda
vendê-los, ou, por negligente, ameace prejudicar o credor, pode êste requerer se depositem os animais sob a guarda
de terceiros ou exigir que incontinenti se lhe pague a divida”. As alienações sem o consentimento do titular do direito
de penhor não têm eficácia. Tudo se passa como se fôssem alienações de coisa alheia. Daí a vindicabilidade pelo
titular do direito de penhor, sem necessidade de qualquer ação.
A tutela do direito de penhor, então, compreende: a) a ação cautela> de depósito, em caso de intenção de alienar, ou
de ameaça de prejuízo ao titular do direito de penhor, por ne
gligência, com a alternativa de pagamento imediato da dívida; ii) a ação de vindicação pignoratícia contra o
outorgado da alienação, por fôrça do art. 622 do Código Civil e art. 12 da Lei n. 492; e) a ação possessória do titular
do penhor, por ser-lhe ofendida, com a posse por terceiro, a posse mediata de titular do direito de penhor.
(Assim já o dissera o Código Civil, art. 786: “Quando o devedor pretenda vender o gado empenhado, ou, por negli-
gente, ameace prejudicar o credor, poderá êste requerer se depositem os animais sob a guarda de terceiros, ou exigir
que se lhe pague a dívida incontinenti”.)

§ 2.598. Extinção do penhor rural

1. CAUSAS DE EXTINÇÃO. — As causas de extinção do penhor rural são as mesmas do penhor de bens corpóreos,
das quais se falará no capítulo próprio (cf. Código Civil, art. 802)t A Lei n. 492, art. 21, cogita de causas de
cancelamento que pareceram especiais, sem que em verdade o sejam.
Estatui o art. 21 da Lei n. 492: “Cancela-se a transcrição do penhor rural: 1, a requerimento do credor e do devedor,
conjuntamente, se não expedida a cédula rural pignoraticia; II, pela apresentação da cédula rural pignoratícia, caso
em que o oficial, depois de lançar, no verso da primeira via, no livro-talão, o cancelamento, a devolverá ao
apresentante com anotação idêntica; III, pela consignação judicial da importância total da dívida, capital e juros, até
ao dia do depósito; IV, por sentença judicial”.
Se se extingue o crédito garantido, extingue-se o penhor. Se perecem todos os objetos empenhados, extingue-se o
penhor, salvo se nasceu pretensão ã indenização ou contra o devedor-
-depositário ou contra terceiro, casos em que se dá sub-rogação real. A destruição ou perda em parte não implica
extinção do penhor. Se o perecimento foi seguido de replantio, dentro do tempo em que há de ser eficaz o penhor, há
sub-rogação real. Bem assim, se o que foi cortado, queimado ou por outro modo destruído, brota de nôvo, ou de nôvo
esgalha e favorece. A transformação ou a mudança de destino dos bens empenhados não éperecimento. Se há
especilização ou comistão, confusão ou adjunção, perecimento somente há se nenhuma pretensão há contra o
especificador, nem seja caso de redução (cf. Código Civil, arts. 611-614, 615-617). As afirmações de AFONSO
FRAGA (Direitos reais de garantia, 272), que estão seguidas em CAMILO NOGUEIRA DA GAMA (Penhor rural,
282), são insustentáveis Se sem culpa do depositário houve a perda da propriedade e não há pretensão contra outrem,
o perecimento do bem determina a extinção do penhor.
Se o titular do direito de penhor renuncia ao direito que tem e há cancelamento, extingue-se o penhor, ainda que o
credor não haja renunciado ao direito garantido, ou não haja remitido o crédito garantido. A adjudicação, a remição e
a venda amigável permitida extinguem o penhor, segundo os principios que serão expostos a seu tempo.
Quanto à confusão (reUnião das titularidades na mesma pessoa), passa-se com o penhor rural o que se passa com a
hipoteca: a extinção só se opera com o cancelamento.
Se há reivindicação dos bens empenhados, o direito de propriedade, que se afirmou, não existia, de modo que o
acordo de constituifição do penhor foi ineficaz. Não se trata de caso de extinção (sem razão, CAMILO NOGUEIRA
DA GAMA, Penhor rural, 287). Também não lhe assiste razão em dizer que, prescrita a dívida, se extingue o penhor:
o que prescreve é a ação de condenação, ou, se é o caso, a ação executiva ligada ao crédito (provàvelmente, ação
executiva pessoal) ; não, evidentemente, a ação executiva real. Prescrição encobre eficácia; nao extingue direito,
pretensão, ou ação. O que os extingue e o prazo preclusivo. Aliás, a ação contra o dono, depositário, que e,~ não
prescreve.
O prazo e a condição concernem ao vencimento, não àexistência do direito (cf. Lei n. 492, art. 7,0).
As causas de extinção de regta são causas de se ter a pretensão ao cancelamento dõ penhór. O ato cancelativo é que
extingue.

2. RETIFICAÇÃO DO REGISTRO. — Se o cancelamento foi inexato, isto é, se, por exemplo, se reputou solvida
a divida e solução não houve, inclusive se houve datio in solutzm e ocorreu evicção, o titular do direito de penhor
tem ação de retificação do registro e retifica-se, com a sentença, o cancelamento.

§ 2.599. Ação executiva pignoraticia, no penhor rural, se não se expediu cédula rural pignoratícia

1. AçÃo EXECUTIVA PIGNORATICIA. — A ação executiva pignoratícia, em qualquer espécie de penhor, é ação
executiva real, que nada tem com a ação executiva pessoal que acaso tenha o crédito garantido, ou com a ação
executiva real que a esse toque.
No penhor rural, devido a poder-se expedir cédula rural pignoratícia, a Lei n. 492 entendeu distinguir, natural e pes
soalmente, as duas ações executivas, a do penhor rural em que não houve expedição de cédula rural pignoraticia e a
em que houve tal expedição.

2. PROCEDIMENTO. — Estabelece o art. 24 da Lei n. 492:


“O credor pignoraticio, quando não expedida a cédula rural, juntando uma das vias da escritura particular ou certidão
da pública, pode praticar as diligências constantes do ad. 23 e parágrafos, independente de protesto”. Não há
qualquer prazo para apresentação ou para protesto, porque, se o direito de penhor rural foi transmitido, a operação
para a transmissão foi a cessão de direitos, regida pelo art. 1.078 do Código Civil. As diligências do ad. 2S e
parágrafos são processuais. A petição inicial há de ser acompanhada de certidão da escritura pública, ou de uma das
vias do instrumento particular, citado o devedor, com o prazo de vinte e quatro horas (cf. Código de Processo Civil,
art. 299, que derrogou o art. 23 da Lei n. 492, ad. 23, pr., conforme estabelecem os arts. 1.0 e 1.052). O Código de
Processo Civil, art. 298, VIII, regulou o processo das ações executivas pignoratícias, quer haja tradição dita efetiva
quer não (“do credor pignoratício, mediante depósito prévio da coisa empenhada, salvo a hipótese de não ter havido
tradição”). Não se regulou a ação executiva das cédulas rurais pignoratícias, à diferença do que se fêz às letras
hipotecárias (Código de Processo Civil, art. 298, VII, 2~a parte), mas regem os arts. 299-301 do Código de Processo
Civil as ações executivas pignortícias, ainda se referentes a cédulas.
Os arts. 26 e 27, pr. e § 1.~, concernem à ação executiva se havia ou se não havia cédula rural pignoratícia. O § 2.0 só
à ação executiva se há cédula rural pignoratícia endossada.

§§ 2.599 E 2.600. AÇÃO EXECUTIVA PIGNORATICIA

Diz o art. 26 da Lei n. 492: “Se tiver sido ajustada a venda amigável, esta se fará nos têrmos convencionados e
sempre que posível por corretor oficial”. E o parágrafo único:
“A venda judicial se realizará em leilão público, por leiloeiro, ou, onde não existir, pelo porteiro dos auditórios ou
quem suas vêzes fizer”. O ad. 26 continua em vigor. Bem assim o art. 27, que é regra jurídica de direito material:
apenas se permite que prossiga a ação executiva sem ter o caráter de ação real.
Lê-se no ad. ~7 da Lei n. 492: “No caso de venda amigável, se o resultado se mostrar insuficiente para o pagamento
integral da dívida, assiste ao credor o direito de prosseguir na excussão, penhorando tantos dos bens do devedor,
quantos bastarem, seguinto-se como na ação executiva”. E no § 19:
“Procede-se, nesse caso, ao cancelamento da transcrição, por mandado judicial”.
A solução do ad. 27 é perfeitamente acorde com os princípios. Mas essa ação executiva pessoal, em que se
prossegue, no é a mesma ação que se iniciou e em que se insistiu até que se
-verificasse a insuficiência dos bens gravados, para a satisfação do crédito. A lei atendeu a que a divida garantida
oferece, ex kyyotkesi, os requisitos de divida certa e liquida, de jeito que se permite vir à tona a sçk executiva com
que se tutela o direito emanado do negócio jurídico subjacente. Por isso mesmo, as exceções podem ser exceções a
que estaria forrado o endossatário, demandado na ação executiva real pela cédula.
Disse o § 2.0 do ad. 27: “Se a excussão tiver sido de cédula pignoraticia, o endossante prestará, em juízo, contas de
-execução, citando a todos os coobrigados para a impugnarem, se quiserem, por embargos, que serão processados
como na ação de prestação de contas”. A parte final está derrogada:
não há mais embargos em ação de prestação de contas; regem os arts. 307, 309 e 310 do Código de Processo Civil.
Se o endossante não presta contas, cabe a ação do art. 308 do Código de Processo Civil.
Estabelece o art. 28 da Lei n. 492: “No caso de venda judidai, o preço será depositado em juízo e levantado pelo
exeqílente, depois de efetuado o pagamento: 1, das custas e despesas judiciais; II, dos impostos devidos”. E o § IY:
“O saldo, se
houver, se restitui ao devedor”. Lê-se no § 2.0: “Pela importância que faltar para o pagamento integral da divida, seus
juros, despesas, custas, tem o endossatário ação executiva contra o devedor pignoratício e os endossantes, avalistas
ou coobrigados, todos solidàriamente responsáveis: a ação pode ser proposta contra todos conjuntamente ou contra
um ou alguns separada-mente, como lhes convier”. Acrescenta o § 3.0: “Cada endossatário tem direito de reaver do
seu endossante, por ação executiva, a importância que pagar”. E o § 49: “Se os bens, em leilão público, não
encontrarem licitantes, é permitido ao credor requerer-lhes a adjudicação, pela avaliação constante do contrato ou
pela que em juízo se fizer, prosseguindo na ação pelo saldo crediticio”.
O ad 28 da Lei n. 492 é pertinente às duas ações.
(No ad. 28, § 19, diz-se que “o saldo, se houver, se restitui ao credor”. Ao credor, não; ao devedor. O tomador ou
endossatário exerceu a ação executiva real. Houve a venda amigável de que trata a lei. Ou o resultado basta ao
pagamento do penhor ou da cédula, ou não basta. Se não basta, não há pensar-se em saldo. Se basta, saldo pode haver
e “entrega-se” ao devedor, isto é, pode ser por Me levantado, porque lhe pertence. Se a ação executiva pessoal se
iniciou, por serem insuficientes os bens gravados, de que se extraiu o valor, ou há saldo, ou não há.
Se não há, nada há a restituir-se. Se há, solvida está a divida, e o saldo há de ser levantado pelo devedor, isto é, em
melhor terminologia, pelo empenhante, que pode não ser — se o saldo é do que se extraiu aos bens gravados — o
devedor, mas terceiro. A ação executiva pessoal, essa, por sua natureza, não pode ir contra o terceiro dador da
garantia real.)
Diz o sri 30 da Lei n. 492: “Não se suspende a execução do penhor pela morte ou pela falência do devedor,
prosseguindo contra os herdeiros e o síndico ou liquidatário”. A regra jurí~ dia é comum às duas ações executivas e
apenas traduz princípio geral de direito processual civiL
Todavia, cumpre observar-se que a ação executiva real pode ser contra terceiro dador do penhor, e então é contra os
herdeiros, ou o síndico da falência, ou os sucessores entre vivos da emprêsa empenhante que continua a ação
executiva real. Se sobrevelo a ação executiva pessoal, por insuficiência do valor extraído aos bens gravados, para
satisfação do titular do direito de penhor, a ação executiva real prossegue contra os herdeiros, o síndico da falência,
ou os sucessores entre vivos tia emprêsa empenhante, e a ação executiva pessoal contra os herdeiros, o síndico da
falência ou os sucessores da emprêsa devedora.
Estabelece o art. 35 da Lei n. 492: “O devedor, ou o terceiro que der os seus bens ou animais em garantia da divida,
<iue os desviar, abandonar ou permitir que se depreciem ou venham a perecer, fica sujeito às penas de depositário
infiel”. E o paràgrafo único: “Pratica o crime de estelionato e fica sujeito às penas do art. 338 da Consolidação das
Leis Penais aquele que fizer declarações falsas acêrca da quantidade, da qualidade e dos característicos dos bens ou
animais empenhados ou omitir, na escritura, a declaração de estarem eles já sujeitos a vínculo de outro penhor”. O
crime é o do art. 171, ~II, III e IV, do Código Penal.

§ 2.600. Ação executiva pignoratícia, no penhor rural, se foi expedida cédula rural pignoratícia

11. APRESENTAÇÃO DA CEDULA RURAL PIGNORATICIA. —A cédula rural pignoratícia tem de ser
apresentada ao devedor dentro de três dias seguintes ao em que se deu o vencimento (normal).
O Código de Processo Civil não se referiu especialmente àação executiva que cabe ao portador da cédula rural
pignoratícia. Os arta. 22 e 23 da Lei n. 492 continuam em vigor, em parte, pôsto que tenha sofrido derrogação o art.
24, concernente à ação executiva pignoratícia se se expediu ou se não se expediu cédula rural pignoratícia.

2. PROCEDIMENTO. — Diz o art. 22 da Lei n. 492: “Vencida e não paga a cédula rural pignoratícia o seu portador
como endossatário, deve apresentá-la ao devedor, nos três dias seguintes, a fim de ser resgatada”. E o § 1.0: “A
apresentação pode ser feita por via do oficial de protestos, pessoalmente ao devedor, ou por carta, mediante recibo,
em que lhe dê o aviso de achar-se em seu cartório, a fim de ser resgatada, sob pena de protesto”. No § 29: “Findo o
prazo de três dias, sem pagamento,
o oficial tirará, nos três dias seguintes, o instrumento do protesto, com as formalidades do protesto cambial, uando
dele aviso a todos os endossantes, naquele prazo, por carta registada, na impossibilidade ou dificuldade de fazer a
notificação pessoal”. Ainda o § 39: “Se o devedor pignoratício, por não encontrado, tiver de ser citado por edital,
neste não se mencionarão os nomes dos endossantes”. Diz o § 4.0: “A falta de interposição do protesto desonera os
endossantes de qualquer responsabilidade pelo pagamento da cédula rural pignoratícia”.
A circulação à ordem faz a responsabilidade dos endossantes reger-se pelos princípios cambiários. Quem endossa
assume responsabilidade regressiva; o protesto é pressuposto para início da ação e perduração dessa. Se não se tirou,
não é de exercer-se a ação regressiva, nem há, sequer, ação. A preclusão da ação ocorreu.
Está no art. 23 da Lei n. 492: “Tirado o protesto, o (levedo t citado para, no prazo de quarenta e oito horas, que
correrá em cartório, a contar do momento da entrega, neste, (la fé de citação, efetuar o pagamento, ou depositar, em
juízo, as coisas ou animais empenhados”. E § 1.0: “A petição inicial éinstruída com a cédula rural pignoratícia e
instrumento de protesto”; § 2.0: “Quando o penhor tiver sido dado por terceiro, será êste o citado para efetuar o
depósito, em prazo igual, se não tiver sido o pagamento efetuado”; § 8.0: “Não realizado o depósito, pode o credor
requerer o seqUestro dos bens ou animais empenhados, dando-se-lhes depositário judicial”; § 42:
“Efetuada a prisão preventiva, o juiz determina ao e~crivào tire, em cinco dias, traslado, dos autos e imediatamente o
encaminhe ao juiz criminal competente, se também ele não tiver jurisdição criminal e competência para o processo,
caso em que o instaurará”; § 5.~: “Recebido e autuado o traslado no juiz criminal, o promotor público oferece a
denúncia para o devido processo, na forma da lei”; § 6.0: “O credor pignoratício ou o endossatário pode apresentar
queixa, antes de dada a denúncia, e o promotor público aditá-la e promover as diligências que julgar necessárias, sem
prejuízo das de iniciativa do queixoso”; § 7.0: “Se o querelante não der andamento ao processo, incumbe ao
promotor público dar-lhe movimento”.
A petição inicial é instruída com a cédula rural pignoraticia. Se empenhante foi terceiro, — ou o devedor foi
figurante, ou não foi (pode-se dar penhor ou hipoteca por divida de outrem, sem que se precise de declaração de
vontade do devedor), de jeito que, na primeira espécie, se citam os dois, o devedor e o terceiro, e, na segunda
espécie, só o terceiro.
Se o depósito não se realiza, o empenhante responde como depositário, que é. A medida para se prosseguir na
execução é medida executiva; portanto, penhora, e não seqUestro. As medidas contra a pessoa do depositante já se
passam em processo penal.

3. Execução DO PENHOR RURAL. — Nas execuções pignoraticias de que trata a Lei n. 492, de 30 de agôsto de
1937, diz o ad. 23, § 39, que, “não realizado o depósito, pode o credor requerer o sequestro dos bens ou animais
empenhados, dando-se-lhes depositário judicial”, e o ad. 25 acrescenta: “Feito o depósito ou o seqUestro, tem o
devedor o prazo de seis dias para defender-se por via de embargos” e (§ l.~), “sendo êstes irrelevantes, pode o juiz
desprezá-los, condenando o devedor ao pagamento pedido, despesas judiciais e custas”, ou, “sendo relevantes, pode
recebê-los e mandar contestar, dando ao processo e curso sumário”. A venda, em caso de condenação, é imediata (ad.
25, § 39). O nome “sequestro” foi impróprio. Trata-se de medida constritiva executiva; portanto, de penhora, e não de
seqUestro. Penhora é o que se dá quando se executa divida pignoratícia (Código de Processo Civil, ad. 298, VIII: “do
credQr pignoratício, mediante depósito prévio da coisa apenhada, salvo a hipótese de não ter havido tradição”), o~
divida hipotecária (ad. 298, VI) ou a dívida proveniente de warrants (ad. 298, XV). A penhora, estatui o ad. 300, far-
se-á de acordo com o que se estabelece no Livro III, Titulo III, Capitulo III; e “feita a penhora”, o réu tem o prazo do
ad. 301. Quanto aos penhôres rurais, o devedor era citado para, no prazo de quarenta e oito horas, pagar ou depositar
em juízo as coisas ou animais empenhados (Lei n. 492, ad. 23). Se o penhor foi dado por terceiro, a citação a esse é
para que efetue o depósito se não tiver sido pago o débito. Não realizado o depósito, faz-se a penhora, deúositando-se
os bens empenhados (ad. 23, 3/’). Tem-se, ai, ação
executiva, como executiva era a ação que se regulou nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Titulo 56, pr., 2/’ parte, e §
1.<’, e Livro III, Título 78, § 7. MANUEL GONÇALVES DA SILvA (Commentaria, III, 170 s.) não falou de
sequestro. Nem de seqüestro falou, antes, MANUEL MENDES DE CASTRa (Practica Lusitano, II, 21), que da
ação executiva pignoratícia tratou junto da ação executiva hipotecária.
Nenhuma função tinha o sequester na actio Serviana, nem a tem na execução contemporânea do penhor sem posse
imediata (mercantil ou rural ou industrial). Para que se possa pensar em sequestro, é preciso que haja dúvida quanto
ao direito a respeito da coisa sequestrada e isso não ocorre em ações que executam e tiram, de início, pela constrição
executiva em adiantamento, a posse.
A ação executiva que se concebe, hoje, para o penhor civil e o mercantil (sem posse imediata pelo credor) ou o rural
(sem posse imediata pelo credor) prende-se à técnica da adio Serviana, ação pretória, com que se pôde obter a posse
da coisa empenhada, por não ter havido a entrega ao credor. A adio Serviarta passou a ser a ação reipersecutória,
ação pignoraticia real, donde, às vêzes, a denominação “vindicatio pignoris”. Com a adio Serviana, adquiria o credor
a posse. A solução de hoje é a entrega da posse imediata a depositário judicial, sendo o Estado possux’dor mediato e
o devedor possuidor mediato de grau superior (Tomo X, § 1.092, 4).
(Cumpre térmos sempre em vista que o sistema jurídico brasileiro, superior a muitos outros, é superior a qualquer
um, em matéria de posse. Não podemos deixar que a limpidez do sistema jurídico brasileiro se tolde com leituras e
influências de sistemas jurídicos, nos quais, como acontece com os sistemas jurídicos francês e italiano e as dezenas
de outros que reproduziram ou imitaram aquele, ainda não se assimilou teoria científica da posse.)
À penhora, imprôpriamente chamada, na Lei n. 492, arts. 23 e 25, sequestro, — o que, em tOda exposição do direito
processual brasileiro, máxime após o Código de Processo Civil, se há de corrigir, — inicia a execução. Por isso
mesmo, não há invocar-se o ad. 842, III, do Código de Processo Civil (acertadamente, a 3/’ Câmara Civil do Tribunal
de Justiça de São Paulo, a 18 de setembro de 1947, 1?. dos T., 171, 289), nem o art. 851, que se referem a medidas,
ali preparatórias e aqui preventivas.
O lugar em que se há de protestar é o da situação do imóvel. No art. 2.0, § 2.0, a Lei n. 492 pôs em evidência a
“situação da propriedade agrícola onde se encontrem as coisas e animais empenhados, bem assim a data da escritura
de sua aquisição, ou arrendamento e o número de sua transcrição imobiliária”. Tão importante é a situação que,
falecendo o devédor ou o terceiro, depositário dos bens ou animais empenhados, pode o titular do direito de penhor
requerer ao juiz a imediata remoção — portanto dentro da jurisdição do juiz — para o poder do depositário que
nomeie (Lei n. 492, art. 82, § 1.~). O titular do direito de penhor tem o direito de inspeccán e para o exercer há de
saber onde se acham os bens empenhados (art. 32, § 2.0). Seria absurdo que o portador de título de direito real
estivesse a procurar o devedor, que mudou de domicilio, talvez intencionalmente. A carta, de que fala o art. 22, §
tem o fito de desprender do fêro do domicílio do devedor a cobrança da cédula rural pignoratícia.
No sistema jurídico brasileiro, há possibilidade de dois ou mais domicílios, de modo que os legisladores quase
sempre têm por domicílio, ou, pelo menos, por um deles o lugar em que estão os objetos empenháveis, se a emprêsa
os tem em agricultura, ou indústria, ou comércio. Mas a alusão das leis ao domicílio. sem atender a esses dados de
fixação, tem inconvenientes que boa exegese das leis há de afastar.
(Observemos, de passagem, que a nomeação de depositário, em caso de morte do empenhante, a fim de que os bens
sejam removidos da posse imediata dos herdeiros, não é medida que independa de exame do juiz: a posse transmite-
se aos herdeiros com os caracteres que tem, conforme os arts. 1.572 e 495, bem assim aos legatários, art. 495. Os
herdeiros que entram na posse imediata da herança têm a responsabilidade do decujo. Todavia, o legislador teme que
os herdeiros ou legatários não mereçam a confiança que o decujo merecia e deixa à apreciação do juiz cada caso, se
algum interessado o requere. O interessado é o titular do direito de penhor, mas pode ser o usufrutuário da
cédula rural pignoratícia e o titular do direito de penhor sobre a própria cédula.)
Se o portador é o próprio credor, por não ter havido protesto, ou por lhe ter volvido às mãos a cédula, pode preferir
propor, desde logo, a ação executiva pignoratícia do ad. 298, VIII, do Código de Processo Civil. A essa solução nos
leva só haver, no art. 22 da Lei n. 492, referência ao endossatário.
A falta de protesto exonera de responsabilidade os endossantes (Lei n. 492, art. 22, § 4.0) e seus avalistas.
Feito o protesto, há o prazo de quinze dias para a propositura da ação executiva real ou retrato da cédula real pigno-
raticia (Lei n. 492, art. 29). O prazo é preclusivo.
Estatula o art. 25 da Lei n. 492: “Feito o depósito ou o seqUestro, tem o devedor o prazo de seis dias para defender-se
por via de embargos”. E o § 19: “Sendo êstes irrelevantes, pode o juiz desprezá-los, condenando o devedor ao
pagamento pedido, despesas judiciais e custas”. Acrescentava o § 2.0: “Sendo relevantes pode recebê-los e mandar
contestar, dando ao processo o curso sumário”. E o § 3.0: “Nas hipóteses dos parágrafos anteriores, mandará o juiz
expedir, incontinenti, alvará para a venda dos bens ou animais empenhados indispensável sob qualquer pretexto ou
por qualquer recurso, respondendo. ele e o escrivão, solidâriamente, pelo retardamento”. Finalmente, o § 49:
“Provado, documentalmente, o pagamento, o.juiz,.julgando extinta a ação, mandará cancelar a transcrição do penhor,
condenando o autor nas despesas judiciais e custas”.
As regras jurídicas do art. 25 da Lei n. 492 estão der-rogadas. O prazo para a contestação é o de dez dias, segundo o
Código de Processo Civil, art. 801, devendo o devedor ou o terceiro dador do penhor pagar ou depositar os bens
empenhados, sobre os quais recai a penhora. Não há embargos. Há contestação.
O acórdão da 33 Câmara Civil do Tribunal de Apelação de .São Paulo, a 12 de agôsto de 1942 (R. dos 7’., 140, 159),
desatendeu ao Código de Processo Civil e admitiu a incidência do art. 25, § 39, da Lei n. 492, por se tratar de lei
especial, mas o Código de Processo Civil somente não apanha “os feitos por Me não regulados, que constituem
objeto de lei especial”, e o penhor, com tradição efetiva ou sem ela, foi objeto do art. 298, VIII, do Código de
Processo Civil.
O art. 298, VIII, do Código de Processo Civil, abrange tOdas as espécies de penhOres. Fica de fora, apenas, o direito
material.

4. ENDOSSANTES. — Expedida a cédula rural pignoratida, nela incorporado está o direito de penhor. Se o credor a
endossa, fica responsável como endossante. Não só o titular do direito, a favor do qual se fêz constituir a relação
jurídica real sObre os bens empenhados, é obrigado pelo negócio jurídico da transmissão e responde,
cambiariformemente, como alienante do título incorporante. Não há qualquer diferença entre ele e o alienante de
qualquer bem móvel, salvo no que a aquisição por terceiro se rege pelo direito cambiário, e não pelo Código Civil,
devido ao endOsso cambiariforme.
A respeito do endOsso convém que frisemos algumas proposiçôes, para que se evitem frequentes erros da doutrina e
das decisões judiciais:
a) A cédula rural pignoratícia segundo a Lei n. 492 e — à mesma feição — as. cédulas rurais pignoraticias, hipotecá-
rias e mistas, segundo a Lei n. 3.253, de 27 de agOsto de 1957, são títulos incorporantes .
b) Transmitindo a propriedade da cédula, o endossante transfere ao outorgante do endOsso o domínio da cédula, em
que está incorporado o direito de penhor. Não seria rigorosa-mente exato e destoaria da precisão científica dizer-se
que, transferindo o domínio da cédula, transfere o direito real de penhor. Não transfere o direito real de penhor: o que
o eridossatário adquire é o domínio da cédula, e na cédula está incorporado o direito de penhor. Por isso é que a
aquisição da cédula é derivativa, e originária a aquisição do direito de penhor.
c) Se o endossante não adquiriria o direito de penhor.
porque não adquirira o domínio, o que é possível dar-se, — o endossatário, pelo endOsso mais posse de boa fé,
adquire.cambiariformemente, domínio, e direito real de penhor: não adquiriria aquele nem esse se não fOsse aquele
adquirível a nos domino originâriamente adquirivel.
.Estatui o ad. 29 da Lei n. 492: “Perde o direito e ação contra os co-obrigados no pagamento da cédula rural pignora-
ticia por efeito de endOsso ou de aval, o endossatário último. se não praticar as diligências do ad. 23 e seguintes,
dentro em quinze dias depois de tirado o instrumento do protesto”. Deve ler-se, hoje: se não propuser a ação
executiva real, dentro dos quinze dias após a tirada do instrumento de protesto. A regra jurídica é de direito material.
A cédula rural pignoratícia, como a duplicata mercantil, o cheque, o warrant e a letra hipotecária, é titulo
cambiariforme. Dai a brecha que se abre ao regime jurídico dos bens móveis corpóreos, especialmente no que
concerne ao endOsso e à sua eficácia jurídica. Também são cambiariformes as cédulas rurais pignoratícias,
hipotecárias e mistas de que se falou nos §§ 2.594, 2, 2.595-2.597, e são objeto da Parte XIII <§§ 2.633-2.658).
A propósito das cédulas rurais pignoraticias, hipotecárias e mistas, convém advertir-se em que se dispensou o
protesta em relação aos endossatários, para a não-preclusão da ação regressiva. A regra jurídica é especialíssima e de
certo modo dinamita princípios.
O endOsso-domínio e o endosso-penhor regem-se pelos princípios do direito cambiário, inclusive no que tange à
possível cancelação, a líbito do endossatário possuidor do título.
As obrigações são independentes, com a regressividade típica das pretensões e ações do direito cambiário.
Por ocasião de tratarmos do endOsso cambiário melhor exporemos o que é comum a todos os endOssos e o que é
comum aos endOssos cambiários e cambiariformes.
A respeito de cédulas em que se incorpora direito de penhor, o que inala importa frisar-se é que:
a) O endOsso pelo dono ou possuidor próprio transfere ao endossatário, que recebe a posse, a propriedade da cédula,
nascendo ao endossatário o direito de penhor, porque está incorporado na cédula.
A posse do endossatário é posse própria da cédula e posse pignoratícia dos bens sObre que recai o penhor, porque
essa era a posse do tomador da cédula.
b) Não há diferença entre o que se passa com a cédula rural pignoraticia e o que ocorre com o warrant. Mas os fatos
são diferentes em se tratando de títulos em que se incorpora domínio, e não direito de penhor, como é o caso dos
conhecimentos de transporte.

CAPITULO Viii

PENHOR INDUSTRIAL

§ 21601. Conceito e espécies

1.PENHÔRES INDUSTRIAIS. — O penhor rural, agrícola ou pecuátio, considera o objeto do penhor, cultura da
terra ou pecuária, em seu estado de pré-destinação industrial ou de consumo. O penhor industrial já atende a que se
estão a industrializar, ou já se acham industrializados os produtos. A linha que se pretendeu traçar é um tanto
artificial, anacrOnica até certo ponto; porque a agricultura de hoje é profundamente industrializada e as indústrias
não raro produzem as suas matérias-
-primas. O que o caracteriza é o ser utilizado na indústria o objeto empenhado. Daí, poderem ser constituídos pelo
mesmo devedor, ou pelo mesmo terceiro dador de penhor, penhor rural e penhor industrial, ainda no mesmo
instrumento. Porém não há a respeito deles a regra jurídica da absorção jurídica de um pôr outro, corno a propósito
do penhor agrícola e do penhor pecuário (Lei n. 492, de 30 de agOsto de 1937, art. 11, 2,~ parte).
Assim, há o penhor rural, o penhor industrial e o penhor mercantil. O penhor rural não se mercantiliza; o penhor
industrial é espécie em que a mercantilidade se insinua ou se afirma em tOda a extensão. O trato do penhor rural e do
penhor industrial antes do trato do penhor mercantil prepara-nos para questões que as leis especiais sObre penhOres
sem posse imediata
pelo titular do direito de penhor podem suscitar. Convém desde
logo salientar-se que o próprio Decreto-lei n. 1.271, de 16 de maio de 1939, ad. 7~O, remeteu ao Código Civil e ao
Código Comercial, como fontes.

2.EspÉcies . — As leis que se referem ao penhor indus. trial ora consideram a maquinaria e os aparelhos ora os pro
dutos em sua formação e estado de acabamento. O Decreto-lei n. 1.271, de 16 de maio de 1939, art. 1.0, enunciou
que “as máquinas e aparelhos utilizados na indústria, instalados e em funcionamento, com ou sem os respectivos
pertences, podem ser objeto de penhor”. No sistema jurídico brasileiro, tal penhor, ainda sem a regra jurídica do art.
1.0 do Decreto-lei n. 1.271, seria constituivel, uma vez que partes integrantes separdveú ou pertenças as maquinarias
e aparelhos. O alcance do Decreto-lei ii 1.271 foi, exatamente, permitir que tal penhor se estabelecesse com a
tradição por meio de constituto possessório. No fundo, apenas se edictou regra jurídica que se resumiria em
acréscimo ao ad. 769, que então teria de dizer: “Só se pode constituir o penhor com a posse da coisa móvel pelo
credor, salvo no caso do penhor agrícola ou pecuário, ou de maquinarias e aparelhos utilizados na indústrt em que os
objetos continuam em poder do devedor, por efeito da cláusula constituti”. Outros acréscimos, como esse que
pusemos em letra grifa, foram feitos para outras espécies de penhores industriais.
Estamos no centro de sistema jurídico em que as próprias leis inspiradas em soluções alienígenas se dissolvem no
sistema e se encaixam com as outras leis. O intérprete, que tem em sua mente o sistema jurídico brasileiro, percebe
que, ainda nos mais broncos legisladores, a sabedoria jurídica luso-brasileira, aprimorada no Brasil, se matula e evita
que Me importe os erros técnicos e de ciência, qUe afelam sistemas jurídicos estrangeiros.
Nenhuma lei brasileira diz, por exemplo, que o penhor rural, o penhor industrial ou o penhor mercantil se pode
constituir sem atribuição de posse pelo empenhante. Apenas o empenhante fica com a posse imediata, O titular do
direito de penhor rural, industrial ou mercantil é titular de direito real e possuidor mediato. Por isso mesmo, pode
exercer ações possessórias contra terceiros, em se tratando de bens empenhados. De certo modo. as leis sObre
penhOres conservam a concepção que sempre foi a do sistema jurídico brasileiro e as põem ao nível da teoria da
posse, que se cristalizou com o Código Civil.
Quando o legislador brasileiro pretendeu ser conveniente, de jure condendo, pré-excluir a posse (qualquer posse> na
constituição do direito real de garantia sObre navios e sObre aeronaves, não concebeu penhor com posse sOmente
mediata:
concebeu hipoteca. Hipoteca é que se constitui sem posse. Não, penhor.
O Decreto-lei n. 1.697, de 23 de outubro de 1939, art. 1.0, estendeu aos produtos de suinocultura, banha, carnes de
porco salgadas, ou congeladas, fiambres, presuntos e outros derivados,
o Decreto-lei n. 1.271, de 16 de maio de 1939, e o mesmo fêz, em relação “aos animais adquiridos pelos
estabelecimentos que exploram a indústria dos suínos” e “aos materiais por eles adquiridos para essa industrialização,
tais como condimentos, sal, ágar-ágar, e à embalagem dos respectivos produtos, tais como fôlhas-de-fland?es, papel
apropriado e caixas”, o Decreto-lei ii. 2.064, de 7 de março de 1940, art. 1.0.
O Decreto n. 3.169, de 2 de abril de 1941, art. 1.0, estabeleceu: “Pode ser objeto de penhor, independentemente da
tradição efetiva, àe o devedor fOr salineiro: 1, o sal que ainda estiver na salina, mesmo em via de cristalização, quer a
salina seja do devedor, quer a possua como arrendatário, ou a outro titulo; 11. as máquinas, instrumentos, utensílios,
animais, veículos terrestres e pequenas embarcações (Código Comercial, ad. 118), quando servirem à exploração da
salina”. A inovação foi apenas a de permitir o constituto possessório. No ad. 2.0 o Decreto-lei n. 3.160 disse: “Ao
penhor que tiver por objeto uma ou mais coisas das enumeradas no art 1.0, sendo depositário o próprio devedor,
aplicam-se as leis que regem o penhor agrícola”. A remissão é ao penhor rural, e não à espécie de penhor industrial
de que cogitou o Decreto-lei n. 1.271, de 16 de maio de 1939.
Por serem demasiado restritos os Decretos-lei n. 1 .69?, de 23 de outubro de 1939, ad. 1.0, e n. 2.064, de 7 de março
de 1940, ad. 1.0, o Decreto-lei n. 4.312, de 20 de maio de 1942, ad. 1.0, estendeu o Decreto-lei n. 1.271 a tOda a
indústria de carnes: “Ficam extensivas as disposições do Decreto-lei n. 1.271. de 16 de maio de 1939, no que forem
aplicáveis, ao penhor de animais para industrialização de carnes, de produtos e subprodutos, tais como carnes
congeladas, resfriadas, curadas ou em conserva, sebo e graxas”. No ad. 2.0, acrescentou: “São suscetíveis de penhor,
nos têrmos déste decreto-lei, os materiais utilizados na industrialização de carnes e derivados, tais como
condimentos, sal, fôlha-de-flandres, caixas, papel e sacos de qualquer tecido”.
Dificilmente se conceberia o penhor de bens de estabelecimento de ensino como penhor industrial.

3. LEGISLAÇÃO COMUM. — Na legislação sobre penhor industrial, o que logo se percebe é que se evitou a
referência àLei n. 492, de 30 de agôsto de 1937. O Decreto-lei n. 1.271, no art. 79, estatuiu: “Aplica-se ao penhor
regulado nesta lei, no que couber, o que sobre o assunto dispõem o Código Civil e o Código Comercial, revogadas as
disposições em contrário”.
O Decreto-lei n. 1.697, de 23 de outubro de 1939, art. 19, jp fine, mandou que incidisse o Decreto-lei n. 1.271. O
DecretoJei n. 2.064, de 7 de março de 1940, art, 1.0, fêz extensivo ao penhcr de que cogitou o Decreto-lei n. 1 .697.
O Decreto-lei n. 3.169, de 2 de abril de 1941, referiu-se a “leis que regem o penhor agrícola”, o que bem mostra não
haver atendido especialmente à Lei n. 492. O Decreto-lei n. 4 .312, de 20 de maio de 1942, art. 1.0. estendeu aos
penhôres sobre que versou o Decreto-lei n. 1.271. Aos Decretos-lei n. 1.271 e n. 4.191, de 18 de março de 1942,
alude o Decreto-lei n. 7.780. Todos temeram a lei pretensiosa, mal feita, que foi a Lei n. 492.
Em consequência, não há pensar-se em invocação da Lei n. 492, em muitos pontos derrogada pelo Código de
Processo Cvil, não se tratando de penhor estritamente agricola e rural.
Todavia, devido ao registro no cartório de imóveis (Decreto-lei n. 1.271, art. 29; Decreto-lei n. 1.697, art. 1.0;
Decreto-
-lei n. 2.064, art. 1.0; Decreto-lei n. 3.169. art. 2.0; Decreto-lei ii. 4.312, art. 1.0), e aos princípios do sistema jurídico
brasibi, nada impede que se expeça cédula industrial pignaraticia, incidindo as regras jurídicas da Lei n. 492, por
analogia.
Diz-se industrial todo penhor sobre máquinas e aparelhos utilizados na indústria e em funcionamento, com ou sem as
pertenças (Decreto-lei n. 1.271, de 16 de maio de 1939, art. 19), sal e bens destinados à exploração das salinas
(Decreto-lei n. 3.169, de 2 de abril de 1941, art. 1.0), produtos de suinocultura, animais, materiais e instrumentos
necessários à indústria (Decreto-lei n. 2.064, de 7 de março de 1940, art. 1.0), animais.
carnes e derivados (Decreto-lei n. 4.321, de 20 de maio de 1942, art. 1.0), desde que a posse imediata não vá ao
titular do direito de penhor.
Qualquer bem móvel, suscetível de ser objeto de penhor industrial, sem que o empenhante transfira a posse imediata,
pode ser objeto de penhor comum, civil ou mercantil, segundo os princípios respectivos, sem invocação da lei
especial.
O Decreto-lei n. 7.780, de 26 de julho de 1945, que permitiu empréstimos de dinheiro mediante garantia de penhor,
pelas Caixas Econômicas, estatuiu no art. 1.0, parágrafo único:
“Estendem-se às operações realizadas na forma do presente artigo as disposições dos Decretos-leis n. 1.271, de 16 de
maio de 1939, e n. 4.191, de 18 de março de 1942, desde que a detenção e utilização das coisas empenhadas, a juízo
da emprestadora, sejam indispensáveis às atividades normais do estabelecimento beneficiado”. No art. 62, foi dito:
“Se não existir caixa econômica federal na unidade federativa em que estiver situado o estabelecimento beneficiado,
os empréstimos poderão ser concedidos por instituição congênere da unidade federativa mais próxima, ouvido o
Conselho Superior das Caixas Econômicas Federais a que se refere o art. 39 do Decreto n. 24.427, de 19 de junho de
1934”. No art. 1.0 já explicitara: “As Caixas Econômicas federais poderão operar em empréstimos de dinheiro
mediante garantia de penhor, em beneficioo dos estabelecimentos particulares de ensino, reconhecidos pelo Govêrno
Federal”. No art. 2.0 aludiu à finalidade dos empréstimos: “Os empréstimos terão por fim proporcionar aos
estabelecimentos particulares de ensino recursos financeiros que lhes permitam não somente renovar, melhorar ou
ampliar o seu equipamento pedagógico, mas também atenuar ou remover conseqúências de eventuais dificuldades
financeiras”. Finalidade-condição, e a fiança, a mais; tanto que no art. 39 se previu: “A operação far-se-á indepen-
dentemente da condição de que trata o artigo seguinte, se o prazo do empréstimo não exceder de seis meses, sendo
todavia permitida a renovação”. O artigo seguinte estabeleceu: “Se o prazo do empréstimo exceder de seis meses, a
emprestadora, além de tomar as medidas de prudência a que devem subordinar-se as suas operações, em geral,
poderá exigir subsidiáriamente a garantia fidejussória de pessoa natural ou jurídica”. E o paragrafo único do art. 49:
“Os juros dos empréstimos de que trata o presente Decreto-lei sofrerão, em relação à taxa fixada pelo Decreto-lei n. 1
.113, de 22 de fevereiro de 1939, a redução de três por cento no mínimo”. A falta de técnica e a própria linguagem
revela a mediocridade assaltante dos fazedores de leis de 1930 em diante. Não há pretensão a empréstimo, que as
Caixas Econômicas tivessem• de respeitar. Só se pensou no empréstimo por elas, ou por entidades congêneres, na
falta de caixa econômica federal, para cujo ato teria de preceder a audiência de que se fala no art. 6.0.
Donde perguntar-se: se alguém, que não seja caixa econômica federal; quer acordar em penhor por estabelecimento
de ensino, j.pode fazê-lo empregando o constituto possessório? A resposta é negativa, diante da letra do Decreto-lei
n. 7.780, de 26 de julho de 1945, o que é;de jure condendo, reprovável, se foi permitido às caixas econômicas.

§ 2.602. Posse no penhor industrial

1. EMPENHANTE E TITULAR DO DIREITO DE PENHOR INDUSTRIAL. — O empenhante, devedor ou


terceiro dador do penhor, fica com a posse imediata (ou mediatizada, e. g., se deu depositário dos bens, ou se
arrendou a indústria) e ao titular do direito de penhor cabe a posse mediata imprópria. Donde, como a respeito do
penhor rural, pelo menos três posses (mediata do dono, mediata do titular do direito de penhor, imediata do dono ou
de alguém por ele).
Nos sistemas jurídicos que não alcançaram a altura técnica do Código Civil alemão ou do Código Civil suíço, menos
ainda a do Código Civil brasileiro, fala-se de constituição de penhor sem transferência de posse (= “sans dé
possession”), mas em verdade em tais sistemas jurídicos ainda se discute se o locatário, o comodatário e o procurador
têm posse, ainda não se tem o conceito preciso de posse imediata e os juristas apenas engatinham em teoria científica
da posse.

2. PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. — Empenhante ou sucessor tem proteção possessória concernente à sua posse
própria e à sua posse imprópria; o titular do direito de penhor, a proteção da posse mediata imprópria.
“O devedor, que continuará ~ba posse e utilização das coisas empenhadas, é equiparado ao depositário, para todos os
efeitos legais, e não poderá delas dispor, alterá-las ou mudar-lhes a situação, ainda que no mesmo estabelecimento
onde se acharem, sem consentimento por escrito do credor” (Decreto-lei n. 1.271, art. 3.0). Depositário é o devedor,
ou seu sucessor, ou o terceiro dador de penhor, ou seu sucessor.
O art. 39 do Decreto-lei n. 1.271 deixa bem claro que a posse do empenhante, seja o próprio devedor, ou seja
terceiro, é posse imediata, posse de depositário, posse oriunda, portanto, da posse mediata, imprópria, do titular do
direito de penhor. As três posses se estendem de cima para baixo: a) posse própria
do empenhante; lO posse imprópria, mediata, do titular do direito de penhor; o) posse do empenhante como
depositário (posse imprópria, imediata). Não é da posse a) que deriva a posse o), e sim da posse 6). A posse 6) foi
atribuida a outrem, ao titular do direito de penhor, pelo titular da posse a).

§ 2.603. Constituição do penhor industrial

1. REGRA JURÍDICA anui. — O art. 29 do Decreto-lei ii. 1.271, de 16 de maio de 1939, é de alta importância,
porque rege — por fOrça dos decretos-leis posteriores, que criaram outros penhôres industriais — todos os penhOres
industriais:
“O penhor de bens referidos no artigo antecedente constitui-se por instrumento, público ou particular, sendo êste
subscrito por duas testemunhas ou em três vias, pelo menos, devendo uma delas, autenticadas as firmas de todos os
signatários, Ser transcrita e arquivada no registro de imóveis da comarca onde os bens se encontrarem”. O registro é
constitutivo. A propósito do conteúdo do acordo de constituição, disse o § 19: “O instrumento do contrato, além das
estipulações peculiares ao negócio, deverá conter: 1. Os nomes, prenomes, estado civil, nacionalidade, profissão e
domicilio doa contraentes. II. O total da divida ou sua estimação.. III. O prazo fixado para o seu pagamento.
IV. A taxa de juros, se houver. V. As máquinas e aparelhos, objeto do contrato, com as especificações que se fizerem
necesmArias para sua individuação, bem como a data, forma e condição de sua aquisição. VI. A denominação,
confrontação e situação do estabelecimento onde se encontram os bens empenhados, e ~bem assim a data de sua
locação ou aquisição e o número da transcrição do respectivo instrumento no registro de imóveis”. É o § 29 dizia: “O
locador do imóvel onde estiverem situados os bens empenhados deverá dar o seu consentimento por escrito no
próprio instrumento de constituição do penhor, sob pena de nulidade”. O Decreto-lei ii. 4.191, de 18 de março de
1942, veio derrogar o art. 29, § 2.0, do Decreto-lei n. 1.271. Lê-se no art. 1.0 do Decreto-lei n. 4.191: “O penhor
industrial regulado no Decreto-lei n. 1.271, de 16 de maio de 1939, não tem preferência sObre o penhor legal do
locador do imóvel em que estiverem situados as máquinas e os aparelhos empenhados, salvo se o locador houver
consentido expressamente na sua constituição”.
“O consentimento do locador deverá constar de escritura pública ou de instrumento particular e pode ser dado no
próprio ato da constituição do penhor ou posteriormente” (Decreto-lei n. 4.191, art. 1.0, parágrafo único). Trata-se de
assentimento. e não de consentimento. O penhor que tem o locador ainda não se constituiu. Talvez nunca se
constitua.
“Se o locador não houver dado o seu consentimento, o patrimônio industrial empenhado a terceiro pelo locatário, ou
sub-locatário, só poderá ser vendido em execução, depois de judicialmente vendidos os outros bens do penhor legal e
as cauções especiais anteriormente constituídas em favor do mesmo locador” (Decreto-lei n. 4.191, art. 2.0).
“Havendo cauções em dinheiro ou em títulos, ou qualquer outra garantia real constituida pelo locatário em favor do
locador, e em razão da locação, a execução versará em primeiro lugar sObre tais bens” (Decreto-lei n. 4.191, art. 2.0,
§ 1.0).
“O credor garantido pelo penhor industrial poderá, verificada a impontualidade do seu devedor em relação ao
locador, pagar os aluguéis vencidos, sub-rogando-se em todos os direitos do mesmo locador” (Decreto-lei n. 4.191,
art. 29, § 2.~).
“É licito ao credor garantido pelo penhor industrial sem o consentimento do locador dá-lo como rescindido e exigir
1mediatamente a divida, desde que o devedor não mantenha em dia os compromissos resultantes da locação”

(Decreto-lei n. 4.191, art. 29, § 3.0).


Se há a destinação ou pertinencialização das máquinas e aparelhos, embora, no momento, não estejam em
funcionamento, pode-se constituir o penhor industrial (Supremo Tribunal Federal, 18 de janeiro de 1947, R. dos T.,
175, 831; o Decreto--lei n. 1.271, art. 19, fala de “máquinas e aparelhos utilizados na indústria, instalados e em
funcionamento”).

2. PRORROGAÇÃO DO PENHOR INDUSTRIAL. — O penhor industrial é prorrogável. Lê-se no art. 2.0, § 39,
do Decreto-lei n. 1.271: “A prorrogação do contrato de penhor far-se-á por averbação no registro de imóveis,
observado o disposto no parágrafo anterior, se fOr o caso”.

§ 2.604. Conteúdo do penhor industrial

1. REMIssÃO. — O conteúdo do penhor industrial é semeIbante ao conteúdo do direito rural. Tem o titular do direito
de penhor os mesmos direitos, com as pequenas diferenças derivadas da natureza do objete a que a lei atendeu.
2. DENUNCIABILIDADE DO ACORDO DE CONSTITUIÇAO. — Diz o Decreto-lei n. 1.271, no art. 49: “O
credor poderá verificar sempre, por si ou por pessoa que designar, a situação e o estado dos bens empenhados. A
recusa por parte do devedor importará em rescisão do contrato, se assim o entender o credor”. A recusa é causa de
denunciabilidade do acOrdo de constituição, a favor do titular do direito de penhor. Tem ele pretensão a isso, que se
exerce ou pela ação cominatória, ou desde logo pela ação constitutiva negativa, a que o legislador, na sua meia-
ciência, chamou de “rescisão”. A denúncia dirige-se contra quem é, no momento, o dono dos bens empenhados e
depositário deles, eu quem é o dono e quem é o depositário. A pretensão está ligada a direito de inspecção. Cp. Lei n.
492, de 30 de agOsto de 1937, art. 39, § 2.0.

3. TRANSMISSÃO FORÇADA DA POSSE IMEDIATA. — ‘Quando se verificar a morte, insolvência ou falência


do devedor, ou rescisão do contrato por inadimplemento dêste, o credor poderá requerer ao juiz competente para
tomar conhecimento da causa Principal, que os bens, objeto do contrato, passem para sua Posse ou de depositário por
ele indicado” (Decreto-lei n. 1.271.

art. 6.~). Em vez de rescisão, leia-se resolução ou denúncia do acordo de constituição. As posses passam a ser: posse
mediata própria do dono, posse mediata imprópria do titular do direito de penhor, posse imediata imprópria desse ou
do depositário.
Também a respeito do penhor industrial cumpre advertir-se em que: a) não há direito do titular do direito de penhor à
nomeação de depositário e remoção dos bens empenhados pelo simples fato da morte, insolvência ou falência do
empenhante, — o que há é pretensão à medida cautelar de depósito, e o juiz atenderá ao pedido se os pressupostos se
satisfazem, sendo de notar-se que a morte é pressuposto necessário porém não suficiente; b) o próprio titular do
direito de penhor pode ser nomeado depositário.
Se houve morte, ocorre o que dissemos no § 2.592, 2. A medida é cautelar. O Decreto-lei n. 1.271 encambulha morte,
insolvência e falência, sem atender a que a morte não repercute no penhor como a insolvência e a falência, que
podem fazer vencer-se o crédito.
Diz o art. 79 do Decreto-lei n. 1.271: “Aplica-se ao penhor regulado nesta lei, no que couber, o que sObre o assunto
dispõem
o Código Civil e o Código Comercial, revogadas as disposições em contrário”. Veja-se o que se escreveu no § 2.592,
1.

4. ALIENAÇÃO PELO DONO. — Lê-se no art. 39 do Decreto--lei n. 1.271 que se não pode dispor dos bens
empenhados sem consentimento por escrito do titular do direito de penhor. Repete-o o Decreto-lei n. 1.697, de 23 de
outubro de 1939, art. 29:
“O devedor não poderá vender os produtos empenhados, salvo se, com o consentimento escrito do credor, repuser, no
lugar deles, outros produtos da mesma natureza, que ficarão sub--rogados no penhor”.

CAPÍTULO IX

PENHOR MERCANTIL

§ 2.605. Distinção reminiscente

1. PENHOR CIVIL E PENHOR MERCANTIL. — A distinção entre penhor civil e penhor mercantil tornou-se
obsoleta, e só tem a reminiscência resultante do nome, porque outros penhOres passaram a ser constituiveis com a
tradição pelo constitutivo possessório. Por outro lado, quanto ao penhor industrial, não se sabe, a priori, onde deixa
de ser civil e se faz comercial. O conceito persiste, mas assaz reduzido, porque os próprios penhOres industriais
foram postos fora da classe dos penhOres mercantis. Penhor mercantil é o penhor em garantia de divido mercantil (§
2.575), e tão-só esse; mas, se penhor industrial, segundo o conceito das leges speciales, não se rege pelo Código
Comercial (~ não é penhor mercantil).
Já vimos o que diz o Código Comercial, art. 271: “O contrato de penhor, pelo qual o devedor ou um terceiro por ele,
entrega ao credor uma coisa móvel em segurança e garantia de obrigação comercial, só pode provar-se por escrito
assinado por quem recebe o penhor”. No art. 272 cogitou-se do instrumento do penhor mercantil.
Os figurantes do acOrdo de constituição do penhor não podem dar-lhe a natureza de penhor mercantil, ou de penhor
civil, se outra a tem ele.
No acOrdo de constituição de penhor, não há elemento real. Os figurantes acordam em constituir o penhor, sem que
os terceiros tenham parte na constituição ou no próprio acOrdo para isso. A posse, pelo outorgado, publica o acOrdo
de transmissão da posse, que toma o caráter de posse de titular do penhor,dita, vulgarmente, posse de credor
pignoratício. Os efeitos da posse, no que respeita a terceiros, são os efeitos de tOda posse, porque posse nada mais é
que poder fáctico. A oponibilidade do acordo de constituição, no tocante a terceiros, já é outro tema, que se não
confunde com o da eficácia da posse. Ainda no terreno dos fatos, compreende-se que se atribua à posse publicar a sua
espécie, particularmente a sua imediatidade (posse imediata do titular do direito de penhor comum). Se se admite que
o penhor se possa constituir com a posse mediata (e. g., pelo constituto possessório), já a publicidade da posse
mediata não é, psicolôgicamente, tão eficiente. Daí a exigência de registro que se concebeu para certos penhOres.
Tudo se torna de fácil análise se partimos do enunciado científico de que, no chamado penhor sem posse, ou penhor
sem desapossamento, “gage sans dépossession”, o que em verdade existe é penhor com transmissão apenas da posse
mediata. LeVOU a erros sem conta o não se haverem estudado a fundo, como era de mister, os institutos do
constituto possessório e da transmissao em separado da posse mediata.
Devemos ter todo cuidado na leitura de livros estrangeiros. correspondentes a povos cuja cultura está secularmente
atrasada em relação ao sistema jurídico brasileiro. Frases como “se se permite ao devedor ficar com a posse do bem
empenhado, é preciso que se crie obrigação pessoal do empenhante perante o titular do direito de penhor” são de
repelir-se. Porque a posse. que ao empenhante fica, é a posse imediata, de depositário, e a responsabilidade dele, aí,
não deriva de dever e obrigação pessoais, mas sim está inserta no próprio conteúdo do direito real de penhor.
O acOrdo de constituição é consensual; a posse é elemento do suporte fáctico que a essoutro elemento se junta para
que se constitua o penhor. Quando se exige registro constitutivo (penhor rural, penhor industrial, penhor de crédito
hipotecário), são três os elementos: o acOrdo de constituição, a posso e o registro. Daí ser fora da ciência do direito
dizer-se, como fêz J. X. CARVALHO DE MENIYONÇA <Tratado de Direito comereia!, VI, Livro IV, Parte II,
634), que “o contrato de penhor é essencialmente real”. De direito das coisas, sim; porém não, de modo nenhum,
real.
Quaisquer direitos mercantis podem ser garantidos por penhor mercantil, ainda que esteja prescrita a pretensão ou a
ação.
Quanto à posse, nem todo direito de penhor mercantil supõe ter havido constituto possessório, ou ter o empenhante
transferido ao titular do direito de penhor, por outro meio, sOmente a posse mediata. Penhor mercantil também há
com a transmissão da posse imediata ao outorgado.
Todo o objeto é gravado pelo penhor; mas a parte ideal pode ser gravada pelo titular da parte condominical, tal como
ocorre com o penhor civil: o que é indispensável é que o outorgante receba a composse imediata, ou a pgsse mediata,
correspondente à quota na composse imediata. Se é possível transferência de composse, o próprio dono exclusivo
pode empenhar parte ideal.

2. OBJETO DO PENHOR MERCANTIL. — Os bens móveis suscetíveis de alienação podem ser mercantilmente
empenhados. A alienação de bens alheios é ineficaz; tal o penhor de bens alheios. Pode dar-se a pós-eficacização.
Quem empenhou não pode alegar a falta de poder de dispor, não por ser o autor do vício (fundamento, que o Tribunal
de Justiça de São Paulo, a 21 de agOsto de 1912, a 15 de julho de 1913 e a 2 de junho de 1914, 11. dos T., III, 187,
VI, 380, e 10, 124, admitiu), mas sim porque há entre os figurantes eficácia. O domínio superveniente pós-eficaciza
o penhor de bem alheio.
Se o bem só é empenhável como penhor rural, ou como penhor industrial, submete-se à legislação comercial e à
legislação especial se o crédito garantido é mercantil.
Os livros dos comerciantes não se podem empenhar (Tribunal de Justiça de São Paulo, 8 de janeiro de 1898, Revista
Mensal, VIII, 80, e O D., 78, 542), salvo se, já sem importância para prova, têm algum valor como documento
histórico ou como documento de família.
Lê-se no art. 273, alíneas 1.8 e 2.8, do Código Comercial:
“Podem dar-se em penhor bens móveis, mercadorias e quaisquer outros efeitos, títulos da Divida Pública, ações de
companhias ou emprêsas, e em geral quaisquer papéis de crédito negociáveis em comércio. Não podem, porém, dar-
se em penhor comercial
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escravos, ; nem semoventes”. A alusão a escravos foi tornada sem razão de ser, com a abolição da escravatura.
A que se fazia a semoventes já o fôra pela Lei n. 1.237, de 24 de setembro de 1864, art. 2.0, § 12 (cf. Decreto n.
169 A, de 19 de janeiro de 1890, art. 2.0, § 11).
Tudo que pode ser objeto de penhor civil pode ser objeto de penhor mercantil (bens corpóreos, bens incorpóreos
dominicais, créditos hipotecários e pignoratícios, créditos quirografrios, títulos ainda não integrados, ações de
sociedades, bens fungiveis, pretensões e ações alienáveis separadamente dos créditos ou direitos). Pôsto que, de
regra, o impenhorável não seja empenhável, espécies há em que o não-penhorável é empenhável, conforme já se
expôs (sêm razão, J. X. CARvALHO DE MENDDONÇÂ, Tratado de Direito comercial, VI, Livro IV, Parte II, 645).
As sociedades por ações não podem ser titulares de direito de penhor sobre as próprias ações (Decreto-lei n. 2.627,
de 26 de setembro de 1940, art. 28, parágrafo único: “É proibido àsociedade anônima aceitar as próprias ações em
caução ou penhor, salvo para garantia da gestão de seus diretores”). Mas podem empenhar as obrigações ao portador
(debêntures) que tenham em carteira, por falta de subscritores, ou por outra causa. É conveniente que a assembléia
geral dê poderes expressos para isso, para o caso de serem vendidas por preço inferior ao nominal. Os títulos ainda
não foram lançados em circulação, por ato de transferência da posse própria, mas a entrega ao titular do direito de
penhor é ato de disposição, que inicia a vida circulatória do título sem se precisar de supor que há mandato para as
alienar. Quem transfere posse imediata imprópria emite. A chamada teoria do mandato ao outorgante do penhor é
superfectação, que se há de repelir.
Estatui o Código Comercial, art. 277: “Se a coisa empenhada consistir em títulos de crédito, o credor que os tiver em
penhor entende-se sub-rogado pelo devedor para praticar todos os atos que sejam necessários para conservar a
validade dos mesmos títulos, e os direitos do devedor, ao qual ficará responsável por qualquer omissão que possa ter
nesta parte. O credor pignoraticio é igualmente competente para cobrar o principal e réditos do título ou papel de
crédito empenhado na sua mão, sem ser necessário que apresente poderes gerais ou especiais do
devedor (artigo 387)”. A figura dos poderes do credor não é a do mandato: todos os poderes de que fala o a* 277
resultam do direito de penhor, são conteúdo legal do direito de penhor.

3. DIFERENCIAÇÂO TRANSITÓRIA DO PENHOR MERCANTIL. —No penhor mercantil, como nos outros
penhôres e na hipoteca (aliter, na anticrese), garante-se o crédito com o valor extraível do bem gravado. O nome e o
conceito de penhor mercantil provieram da necessidade de adaptação das regras jurídicas do direito comum aos
interesses comerciais. Se esse ajustamento do direito aos fatos se tivesse operado em tôda a extensão, ter-se-ia dado
passo além na evolução do direito privado sem a linha de cisão entre o penhor civil e o penhor mercantil, fruto do
século XIX, tão beneficiado e tão atormentado pela industrialização e a intensificação dos negócios jurídicos sobre
bens móveis. Para isso, teria sido preciso edificar-se teoria da posse transmissível para penhor, o que — dadas as
dificuldades ainda existentes na doutrina — seria de difícil obtenção. Dai ter-se preferido distinguir do penhor
comum, que continuou com a exigência da transmissão da posse imediata, o penhor mercantil, que passaria a
dispensá-la.
Mas jque foi que se dispensou?
A principio, pensou-se que se havia concebido penhor sem posse: dispensar-se-ia qualquer posse. Ainda hoje, juristas
há— e, em alguns países, quase todos — que falam de penhor sem desapoasamento pelo empenhante. Pergunta-se: ~
sem dezapossamento significa sem transmissão da posse imediata, ou sem transmissão de qualquer posse? A
ambiguidade de-nunca-se.

Não é excessivo insistirmos em sublinhar que o problema não se podia pôr na doutrina brasileira, cujos melhores
elementos estavam a par do que se discutia a respeito do conceito de posse e da natureza da posse, na Alemanha, na
Áustria e na Suiça, como se pôs em França e nos países influenciados ou copiantes do Código Civil francês. O que se
passou na alta investigação européia refletiu-se cedo, às vêzes imediatamente, no Brasil.
O Código Comercial, que foi promulgado em 1850 (Lei n. 556, de 25 de junho de 1950), de modo nenhum se presta
a que se veja no penhor mercantil penhor sem posse (= penhor sem desapossamento = penhor sem dação de posse). O
art. 274 do Código Comercial refere-se à “entrega do penhor”, que “pode ser real ou simbólica, e pelos mesmos odos
por que pode fazer-se a tradição da coisa vendida (art. 199) “.
O constituinte do penhor que tem a posse mediata das mercadorias, por estar com a posse imediata qualquer transpor-
tador, pode transferir essa posse mediata por simples acórdo (Código Civil, art. 493, III), ainda que o transportador
haja de entregá-las ao constituinte do penhor, porque só lhe transfere a posse imediata. No acordo de constituição
pode prever-se que o constituinte receberá a posse imediata como depositário (Código Comercial, art. 281) e o
negócio jurídico de depósito fica perfeito com a tradição pelo transportador e recibo assinado pelo constituinte do
penhor.
Para constituir direito de penhor sobre mercadorias em transporte, precisa a pessoa, que outorga o direito de penhor,
ter poder de disposição, ainda que somente de gravasão, e ter a posse das mercadorias. Se não tem poder de
disposição, a constituição do penhor é ineficaz, por ser gravame de coisa alheia. Se ainda pode dispor das
mercadorias, depende de ser dono e não ter deixado de o ser. O contrato de compra-e-venda por si só não transfere a
propriedade. É preciso que tenha havido o acordo de transmissão da propriedade e a tradição (Código Civil, arts. 620
e 622; Código Comercial, arts. 199, 200 e 206).
O conhecimento de transporte marítimo pode ter endosso
-penhor, tratando-se de título à ordem (Código Comércial, art. 587). Idem os conhecimentos de estradas de ferro (cp
Decreto n. 15.678, de 7 de setembro de 1922, arts. 111, 122 e 123) e de aeronaves (Decreto-lei n. 483, de 8 de junho
de 1938, arts. 74-82, que não se referem à lei de circulação do conhecimento aeronáutico, mas havemos de recorrer à
analogia com o art. 587 do Código Comercial, aliter quanto à nota de bagagem, que é título nominativo). Aqui surge
questão que se deve àsuperveniência do Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1980, art. 1.0, alínea 3~8, onde se
diz que o conhecimento original, emitido por emprêsas de transporte por água, terra ou ar, “é título à ordem, salvo
cláusula ao portador, lançada no contexto”. &Está derrogado o Código Comercial, art. 587? Sim, no que poderia
vedar a cláusula ao portador.
Se o conhecimento de mercadorias, transportadas por água, terra ou ar contém a cláusula ao portador, a sua
circulação é ao portador. A alteração sofrida pelo art. 587 do Código Comercial refletiu-se no direito concernente aos
conhecimentos de transporte por terra e por ar. O Decreto n. 15.673, de 7 de setembro de 1922, arts. 111, 122 e 128,
esse, foi revogado.
Se o remetente das mercadorias já recebeu, ou não, o preço, não importa, salvo se somente são entregáveis no
momento de ser satisfeita a prestação que incumbe ao comprador. A respeito dos bens móveis, simplifica-se o
problema, porque, se não houve tradição, não houve transmissão da propriedade. Tradição não é só transferência da
posse imediata: pode o vendedor já não ter a posse imediata, ou ficar com ela, em virtude do constituto possessório.
Para se obviar aos inconvenientes da transmissão da propriedade ao comprador, pode o vendedor fazer-se titular
pignoraticio quanto às próprias mercadorias vendidas, cuja propriedade se transferiu. Ésse título de penhor pode
servir de garantia ao que o vendedor passou a dever ao banco que lhe “adianta” quanto do pagamento que o
comprador tem de fazer (=lhe empresta, diante dos documentos do negócio jurídico, inclusive do acordo de
constituição de penhor e posse pelo constituto possessório>.
Nos negócios jurídicos sobre mercadorias embarcadas por mar, de regra a posse mediata não se transfere e entende-
se que a entrega da posse é à chegada. Em todo caso, tudo depende da vontade dos figurantes.
Grave êrro seria ver-se no penhor por meio de títulos, conhecimentos de transportes e outros instrumentos que atri-
buam posse imediata ao transportador, ou o façam servidor da posse, penhor de crédito. Alguns juristas francêses o
cometem, como G. RIPERT e L. JOSSERAND, sem se falar de JosEPH HÉMARD, cujo escrito (Du Gage
commercial constitué par l’intermédiaire d’un tiers, Annales de Droit commercial, 1902, 101 s.) revelou quanto se
achava em atraso, irreparado até hoje, a teoria da posse no direito francês.

Quando se dá para transporte a coisa, ou se faz possuidor imediato o transportador, ou o transportador é simples
servidor da posse, ou se entrega a posse mediata para transporte àemprêsa de transportes e a posse imediata ao
transportador, ou a emprêsa de transportes recebe a posse imediata e mediatiza-a, entregando a posse imediata à
emprêsa dos veículos. Em sistema jurídico que abstraiu do animas e do corpus — e foi o que, em boa hora,
aconteceu ao sistema jurídico brasileiro, fácil é atender-se à realidade de vida econômica e às exigências das técnicas
comercial e jurídica.

§ 2.606. Constituição do penhor mercantil

.1. COMERCIAL, ART. 272. — Estatui o art. 272 do Código Comercial: “0 escrito deve enunciar com tôda a clareza
a quantia certa da dívida, a causa de que procede, e o tempo do pagamento, a qualidade do penhor, e o seu valor real
ou aqufile em que fOr estimado; não se declarando o valor, se estará, no caso do credor deixar de restituir ou de
apresentar o penhor quando fOr requerido, pela declaração jurada do devedor”. O dador da garantia pode ser o
devedor, ou terceiro. À estrutura do penhor é indiferente quem seja o empenhante; porque não há relação jurídica
entre quem empenha ou seu sucessor e o titular do direito de penhor.
(“Jurada”, diz-se no art. 272 do Código Comercial. Hoje, conforme os arts. 229, § 2.0, e 244 do Código de Processo
Civil, a declaração que o empenhante haja de prestar é apenas apos promessa feita ao juiz de dizer a verdade. Não há
o juramento, cue a Constituição de 1891 abolira.)
A mulher casada comerciante e o menor comerciante são capazes: aquela, porque é capaz, ainda se comerciante não é
e, como comerciante, apenas deixa de precisar do assentimento do marido para os atos do comércio; esse, porque,
com o exercí<cic da profissão, com economia própria, se. torna capaz (Código Civil, art. 9/’, § 1/’, V). Todavia, é
preciso advertir-se em que o penhor só é mercantil se garante crédito mercantil.
Qualquer mulher casada pode aceitar penhor mercantil; bem assim o menor relativamente incapaz, ou qualquer outra
§ t606. CONSTITUTÇÁO DO PENHOR MERCANTIL
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pessoa relativamente incapaz. Nada obsta a que a mulher casada aceite penhor em garantia de crédito seu ou comum.

2.. FORMA DO ACÓRDO DE CONSTITÚÍÇÂO. — Se o penhor émercantil, dispensa-se a exigência do art. 771
do Código Civil (ser lavrado em duplicata). A transcrição sôrnente serviria para firmar, perante terceiros, a datação,
como, aliás, ocorre com o penhor civil.
A oferta e a aceitação podem ser simultáneas, ou separadas. A oferta pode partir do devedor ou do credor. Nada obsta
que se contenham em missivas, o que, acertadamente. TEInIRÁ DE FREITAS (Aditamentos ao Código de
C<nnêrcio, 634), frisara, exprobrando acórdão da Relação da COrte, a 28 de maio de 1866 (cf. J. X. CARVALHO
DE MENDONÇA, Tratado de Direito comercial, VI, Livro IV, Parte II, 652).
Se o penhor é dado por terceiro, figurantes do acordo são o dador do penhor e o outorgado. A presença do devedor é
elemento a mais, que de modo nenhum se introduz na relação jurídica real do penhor.

3. INDICAÇOES NECESSARIAS. — A forma escrita 4 essendai e há de o acOrdo de constituição conter a


indicação: a) do crédito garantido, com a quantia certa, ou a estimação, ou, em se tratando de abertura de crédito, ou
de conta-corrente, o limite que foi estabelecido; b) da taxa de juros, se há; c) do prazo para o pagamento da divida; d)
do bem dado em penhor, com as especificações, natureza, espécie, qualidade, ou, se é o caso, o pêso e a medida,
valor real ou estimado (Código Comercial, arte. 272, e Código Civil, art. 761).
Se o objeto do penhor é bem fungível, basta que se declarem a qualidade e a quantidade (Código Civil, art. 770, 2.~
alínea). O penhor de bem fungivel, que se deixa na posse imediata do empenhante, é penhor exposto, fAcilmente, a
que o empenhante o aliene. Os perigos são menores, no direito brasileiro, do que naqueles sistemas jurídicos em que
há a regra jurídica “*En fait de meubles possession vaut titre”; mas alguns há, devido a inidentificabilidade para se
poder deferir o pedido de vindicação. A indiferençabilidade dos bens está à base da fungibilidade. O que é fungível
pode ter por outro preenchida a sua função liberatória; mas também se torna indiscernível

se não mais está em determinado lugar, nem tem marcas que o acompanhem. Se é certo que a fungibilidade pode
provir de convenção, bens há que por sua natureza são fungiveis.
Se a posse imediata do bem fungível foi ao outorgado do direito de penhor, a alienação por ele é crime, porque aliena
o que não é seu. Daí o art. 279 do Código Comercial, que tanto se refere ao penhor de bens infungíveis quanto ao de
bens fungíveis.
Se o bem fungivel ficou sob a posse imediata do empenhante, alienando-o esse, o direito que pode ser ofendido é o
direito de posse-mediata do titular do direito de penhor.
O art. 761 do Código Civil é invocável.
O art. 272, in fine, do Código Comercial aludia ao juramento in litem (“declaração jurada do devedor”), para o caso
de deixar o instrumento de conter os dados identificativos do bem empenhado, se o titular do direito de penhor não o
restitui ou não o aponta. Hoje, o ônus da prova de que o objeto não é o que o devedor descreve, com os elementos do
instrumento e os que faltaram, toca ao titular do direito de penhor, se foi constituído com a entrega da posse imediata
ao outorgado.
Donde ter sido preciso, nas leis especiais, exigir-se que o titular do direito de penhor consinta, antes, na alienação.
Não só: para se admitirem a eficácia do direito de penhor e a oponibilidade da posse mediata a terceiros, teve-se de
reforçar a publicidade do fato da posse pelo registro. Não se fêz o registro pressuposto necessário, a priori, da
constituição de penhor se a posse imediata está com o empenhante, ou terceiro, que dele a houvesse, mas, em certos
penhôres em que tal ocorre. a lei o elevou à categoria de pressuposto necessário.
No Código Comercial, como lei geral que é, admitiu-se a constituição de penhor sem que se transmita ao outorgado
a posse imediata, e nada se disse sobre ser preciso, em tal caso, para a eficácia real, o registro. Tem-se, assim, que o
registro não é exigido a priori, e só as leges speciales o podem impor como
pressuposto necessário.

4. ENTREGA DA POSSE. — A posse é elemento indispensávell: ou se transfere a posse imediata, ou só se


transfere a posse mediata (constituto possessório), ou se transfere a posse dos documentos, pertenças do crédito
(Código Civil, arte. 791’t -

Não se adquire o direito de penhor sem que a posse passe ao outorgado. Se houve o acordo de constituição e não se
deu a transferência da posse, conforme as espécies acima mencionadas, há acordo de constituição vinculativo, cuja
infração pode dar ensejo a indenização, porém não direito de penhor. O acordo , por si só, não confere prioridade.
(Nos sistemas jurídicos sem teoria científica da posse, ainda tacteantes na fixação dos conceitos de posse mediata e
de posse imediata, chega-se ao absurdo de se falar de constituição de penhor sob condição suspensiva, e. .q.,
MICHEL CABRILLAC, La, Protection du Créancier sur les súretés mobjilêres, 271. Tudo isso porque não se dão
conta os juristas desses países de que a constituição do penhor tem por elementos do suporte fáctico o acordo de
constituição e a posse, ou, algumas vêzes, o acordo de constituição, a posse e o registro.)
A posse imediata publica. Na sua falta, exige-se o registro. Mas a publicidade não é a única função da posse, na
constituição do penhor. O ter posse é de certo modo garantir-se. Aí está a razão por que, ainda quando se faz
elemento essencial o registro (= elemento necessário do suporte fáctico da relação jurídica real de penhor), a posse
continua de ser exigida (Código Comercial, art. 274; Código Civil, arte. 769 e 791). Está no art. 274 do Código
Comercial: “A entrega do penhor pode ser real ou simbólica, e pelos mesmos modos por que pode fazer-se a tradição
da coisa vendida (art. 199) “.
Não tínhamos a teoria da posse que hoje temos e é a mais perfeita dentre tôdas as que foram arquitetadas pelos
legisladores da Europa e da América. Mas o sistema jurídico anterior a ela, incluindo-se o Código Comercial, não se
prestavam àconfusão encontradiça nos outros sistemas jurídicos entre transmissão da posse mediata e não-
transmissão da posse. A posse mediata é posse e o art. 274 do Código Comercial, que remete ao art. 199, de modo
nenhum permite que, sem entrega de qualquer posse, se constitua penhor.
Nenhum prazo existe para que, havendo o acordo de constituição, se complete, com a posse, o suporte fáctico da
relação jurídica real. Se o objeto é composto de objetos, ou peças, ou partes, a relação jurídica real nasce, para o que
foi entregue, a cada tradição, ou constituto possessório.

(Nunca é demais chamarmos a atenção para a estrutura do constituto possessório, cujas teorias analisamos nos Tomos
X,§§ 1.090, 1.091, 1.107 e 1.113, 4, XI, § 1.242, XV, §§ 1.746, 2,1.751, 2, e 1.756.)
(a) O titular do direito real de penhor que recebeu a posse imediata é depositário (Código Comercial, art. 276; Código
Civil, art. 774). Tal posse pode mediatizar-se, continuando responsável como depositário o titular do direito de
penhor, como se quem recebe a posse imediata é depositário escolhido pelos figurantes, ou pelo outorgado, ou se a
coisa há de ficar, por sua natureza, com outrem. O outorgado responde, sempre, como depositário; a outrã pessoa é
depositário de segundo grau, com posse imediata oriunda da posse mediata do titular do direito de penhor (cf.
Superior Tribunal de Justiça do Pará, 4 de outubro de 1924, R. de D., 74, 578 s.).
A posse imediata ou mediatizada há de continuar com o titular do direito de penhor enquanto haja direito de penhor.
Se ele restitui a posse imediata, que tem, ao dono do bem empenhado, ou a alguém que esteja em relação de origem
de posses com o dono do bem empenhado, entende-se ter renunciado ao direito de penhor (Código Civil, arts. 802,
III, e 803>. Se a posse, que ao dono do bem empenhado voltou, foi esbulhada, ou é vindicível, enquanto a sentença
favorável na ação de esbulho ou de vindicação da posse não se profere, com eficácia de coisa julgada, não há pensar-
se em não se ter extinguido o direito de penhor. Com o trânsito em julgado, fica decidido que não se extinguira.
No ad. 802, III, do Código Civil fala-se da renúncia do outorgado do direito de penhor como causa de extinção; no
art. 803 que se presume a renúncia quando restituir a posse do penLor ao outorgado. Não importa se a posse, que
recebeu, foi a posse imediata ou a mediata, para que a ela renuncie. Mas a renúncia à posse mediata menos
fácilmente se configura. Seja como fôr, o outorgado pode alegar e provar que não renunciou a posse de titular de
penhor, ainda que tenha dado em depósito ao outorgante a posse imediata.
O ônus de alegar e provar que houve entrega da posse ao outorgante (o ad. 803 do Código Civil fala de restituição
“ao devedor”, mas o penhor pode ter sido constituído por terceiro) compete a esse. Se outrem alega, como terceiro
interessado, tem o ônus da prova.
(b) Se o penhor se concebeu com a cláusula constituti, houve passagem da posse mediata ao titular do direito de
penhor. Também com essa posse mediata pode o outorgante, ou seu sucessor, interpor entre ela e a posse imediata do
outorgado outra posse mediata, portanto de grau inferior, como o outorgado pode mediatizar a sua posse. Também
aqui a entrega da posse mediata, pelo outorgado, ao outorgante, extingue o penhor (Código Civil, arts. 802, III, e
803>. O que se disse sob a), tem aqui aplicação, mutatis mutandis.
As mercadorias importadas, enquanto não se acham na alfândega, ou outro depósito, não passaram à posse imediata
pelo importador. É problema de interpretação do negócio jurídico entre quem remeteu e quem importa saber-se se a
posse mediata já se transferiu ao importador, ou não. Nenhum problema há se quem remeteu foi o próprio
importador. Seja como fOr, o titular da posse mediata própria tem poder de dispor
— pelo menos no plano do direito privado — do que lhe pertence. Se o conhecimento de frete foi passado à ordem
(Código Comerdai, ad. 587, alínea 2.a: “Sendo passado à ordem, é transferivel e negociável por via de endosso”),
nada obsta a que o endosse plenamente o -importador (endosso-propriedade) ou o endosse para empenhar as
mercadorias (endosso-penhor ou endosso pignoraticio). Se à base do endosso-propriedade está negócio jurídico de
penhor, há transmissão fiduciária da propriedade das mercadorias, O fato de poderem ser tirados dois ou mais
exemplares do conhecimento de frete não é argumento contra a endossabilidade dele, que a lei mesma prevê (Código
Comer-dai, ad. 587, alínea 2.~). O penhor de tais mercadorias também se pode fazer por averbação nos livros e
despachos da alfândega, ou depósito, segundo o ad. 200, V, do Código Comercial. Então, o conhecimento de frete o
mencionará. Se já foi expedido o Conhecimento de frete, não há pensar-se em averbação sem a apresentação do
conhecimento de frete em que se anote o que foi averbado.
O art. 577 do Código Comercial cogitou das vias que podem 8e1 tiradas e nada dizia quanto à negociabilidade. A
supervefunda do Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, ad. 1.0,parágrafo único, veio cortar cerce os
inconvenientes do direito anterior: só a primeira via do conhecimento de mercadorias pode circular.
No direito comercial, o constituto possessório é admitido para a constituição do penhor em garantia de créditos
mercantis (CARLOS DE CARVALHO, Nova Consolida<ão das Leis Civis, art. 674; sem razão, ainda depois do
Código Civil, ANDRADE
BEZERRA, Do Constituto possessório e das cláusulas de depósito no penhor mercantil, 1?. de D., 16, 323-344, e J.
X. CARVALHO DE MENDONÇA, Tratado de Direito comercial, VI, Livro IV. Parte II, 660 s.). Na jurisprudência,
insustentáveis foram os acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 13 de dezembro de 1918 (R. dos T., 28, 295),
a 28 de agôsto de 1919 (31, 346 s.), a 22 de abril de 1920 (34, 91), a 21 de outubro de 1920 (36, 283), e a 24 de
setembro de 1928 (49, 154). A atitude da Côrte de Apelação do Distrito Federal foi desde cedo a mai~ acertada,
distinguindo o penhor civil e o mercantil (2.8 Câmara Cível, 4 de outubro de 1921, e Câmaras Reúnidas, 20 de julho
de 1922, 1?. de D., 68, 544, e 69, 316 s.; 23 Câmara Cível, 15 dc setembro de 1922, 68, 541, 5•8 Câmara Cível, 15
de abril de 1924, 75, 128, Tribunal da Relação de Minas Gerais, 29 de novembro de 1922, R. F., 40, 380, e R. de D.,
68, 587, e Tribunal de Justiça do Pará, 15 de abril de 1925, 1?. de D. 77, 365-868).
Ainda entenderam que a cláusula constituti não cabe no acordo de constituição de penhor mercantil a 33 Câmara Civi
do Tribunal de Justiça de São Paulo, 20 de fevereiro de 1932 (R. dos T., 82, 90), e a 2.8 Câmara Civil, a 8 de abril de
1934 (A. 3%, 30. 588).
(e) Durante o transporte, o vendedor não pode entregar a posse imediata ao comprador, que se acha longe, se o
transportador não se pode considerar simples servidor da posse. Mas, se como tal se há de ter, nada obsta a que tal
posse se lhe transmita, sendo servidor da posse o transportador. Quanto à posse mediata, ou o transportador se tem
como possuidor imediato, e pode ser transmitida ao comprador, ou como servidor da posse imediata do vendedor, ou
da posse imediata, que o vendedor transferiu ao comprador. Tudo isso, que é claro para o direito alemão e para o
brasileiro, continua impenetrável para
os juristas francêses e — ainda depois da nova legislação —para os italianos. Dizendo “para os juristas :rancêses”,
entende-se para os juristas dos países que copiaram o Código Civil francês e não se libertaram da tutela da doutrina
francesa. Em vez de se analisar o que se passa, nos penhôres mercantil, industrial e rural, a propósito da posse,
tomam a estrada lateral e se distanciam do problema científico da constituição desses penhôres: em vez de verem o
que ocorre, em verdade, no tocante ao elemento da posse (posse mediata, posse imediata, serviço da posse), falam de
“cessão do crédito de entrega” (cession de la créance de livraison). Ora, o próprio Código Comercial frances, art. 92,
~ 2, só se preocupou com a posse: “Le créancier est réputé avoir les marchandises eu sa possession ~i avant qu’elles
soient arrivées, il en est saisi par un connaissement ou par une lettre de voiture”.
As distinções no que concerne à negociabilidade dos títulos (lei de circulação) somente interessam aos títulos e
predeterminam, se posse tem o transportador, como esse se há de considerar, durante o tempo do transporte, até que o
título lhe volte para a entrega das mercadorias. Ex h~pothesi, é ele possuidor imediato, sendo possuidor mediato o
remetente se do título não consta que transmitira a posse ao destinatário. Se transmitira a posse ao destinatário, só
esse pode empenhar as mercadorias. Se não transmitira, a posse é sua e dela pode dispor como de elemento para a
constituição do penhor, ou ficando com a posse imediata, atribuindo ao credor posse mediata, ou dando-lhe a posse
imediata, ou a mediata entre a sua e a posse imediata do transportador
Seja ao portador, ou à ordem, ou por cessão de direito, a aquisição do direito (incorporado no título, nas duas pri-
meiras espécies, ao passo que, na terceira, o documento é pertença do crédito), a posse mediata transfere-se conforme
a lei de circulação do domínio.
No Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, o art. 1.0, allnea 8.8, foi explícito, a respeito dos conhecimentos
de transportes de mercadorias por terra, água e ar: “É título à ordem~ Salvo cláusula ao portador, lançada no
contexto”. A exigência do lançamento no contexto é para se evitar a aposição posterior, manuscrita, impressa ou por
outro meio de escrita.

É necessário distinguir-se do conhecimento de mercadorias a nota de bagagem. A nota de bagagem é recibo a


determinada pessoa a respeito de bens transportados que não se destinam a ser alienados; de regra, trata-se de bens de
uso pessoal. A cláusula ao portador ou à ordem não teria razão de ser. A bagagem ou se transporta com o viajante, ou
antes, ou depois, mas sempre com alusão explícita à pessoa a quem se liga. Não só à pessoa a quem pertence. O
penhor de tais bens não poderia ser sem a transmissão da posse jmediata e só excepcionalmente se conceberia que se
garantissem dividas mercantis com bagagens, salvo dividas de transportes.
(d) Se o conhecimento de transporte, ou de depósito, é ao portador, quem apresenta o título recebe os bens
transportados, ou depositados. O penhor ‘tem de ser com a entrega do titulo, em que o direito e a posse se
incorporam. Quem é dono do título é dono dos bens transportados ou depositados; quem tem o penhor do titulo, que
é bem corpóreo, tem o penhor do que nele se incorporou. Com a posse própria do título, tem-se a posse própria dos
bens transportados ou depositados; com a ~tsse imprópria do titulo, como a do titular do direito de penhor, tem-se a
posse imprópria dos bens transportados ou depositados. Essa posse imprópria há de ser imediata ou mediata. Sendo
civil o penhor, a transmissão do título importa em transmissão da posse mediata logo acima da posse imediata do
transportador ou do depositário; pode ser transmissão da imediata dos bens se o transportador apenas é servidor da
posse. Se o penhor é mercantil, ou se a iex speciatis permitiu o constituto possessório, a posse imediata do
transportador ou do depositário pode ser derivada da posse mediata do expedidor, tendo o titular do penhor posse
mediata intercalar entre a posse mediata própria e a posse mediata imprópria do expedidor.
(Estamos a expor o que concerne ao título incorporante único em que o ser dono do titulo é ser possuidor próprio e o
ser titular do direito de penhor é ser possuidor impróprio. Se, em vez de se seguir o princípio da unicidade de titulo,
se preferiu a solução técnica que corresponde ao princípio da duplicidade de título, um incorporante do domínio e
outro incorporante do direito de penhor, quem é dono de um título é dono dos bens incorporados no titulo e quem é
dona do outro título é apenas titular do direito de penhor. No mundo fáctico, que é o da posse, o possuidor próprLo
do título incorporante do domínio é possuidor próprio dos bens cujo domínio se incorporou no título, quem é
possuidor próprio do outro título, em que se incorporou o direito de penhor, é possuidor impróprio dos bens cujo
direito de penhor se incorporou .no titulo.)
(e) Se o conhecimento de transporte, ou de depósito, é endossável, quem reclama a entrega dos bens transportados
ou depositados é o endossatário. O titular do penhor (= o portador do titulo com endosso-penhor) pode retirar as
mercadorias: a posse imediata passa a ele, se se tratava de bens depositados, ou se o transportador tinha a posse
imediata; se o transportador somente era servidor da posse, ou houve constituto possessório, ou a posse imediata já se
transferira ao endossatário.
O endosso em branco faz circulável ao portador o título. Mas, na ocasião da apresentação ao transportador, ou ao
depositário, há de enchê-lo quem reclama as mercadorias.
Temos de atender a que ao Código Comercial, art. 587, alínea 23, dizia que o conhecimento de transporte marítimo,
“sendo passado à ordem, é transferivel e negociável por via de eúdôsso”, tendo-se interpretado estar pré-excluida a
clausula$0 ao portador, sucedeu o Decreto n. 19.478, de 10 de dezembro de 1930, art. 19, alínea 33, em que se
estabeleceu: “É título à ordem: salvo cláusula ao portador, lançada no contexto”. A regra jurídica do art. 587, alínea
23, do Código Comercial foi derrogada.

5. PENHOR MERCANTIL DE PRODUTOS AGRÍCOLAS. — Le-se no art. 1.~ da Lei n. 2.666, de 6 de


dezembro de 1955: “Independe de tradição efetiva o penhor mercantil dos produtos agrfcolas existentes em
estabelecimentos destinados ao seu benefício ou transformação”. O art. 1.0 da Lei n. 2.666 tem significação apenas
de explicitação, por atender à possibilidade de penhor mercantil sem entrega da posse imediata e por assentar que o
penhor de produtos agrícolas possa ser mercantil. Já vimos por que penhôres há que são mercantis, e não civis, e por
que o são. Se a dívida é mercantil, o penhor de produtos agrícolas pode não ser o penhor rural de que se cogita na
legislação especial, nem o penhor industrial não regido pela legislação especial.
A Lei n. 2.666 teve o grande alcance de pôr sob legislação própria o que a legislação especial sobre penhor industrial
fizera somente no que tange a indústrias de produtos animais.
Se a divida é civil, não se pode pensar em penhor mercantil em garantia de tal dívida. Portanto, não é de invocar-se a
Lei n. 2.666.

O fato de a Lei n. 2.666, art. 1.0, ~<3 se referir a produtos agrícolas que se acham em estabelecimento de
beneficiamento ou transformação de modo nenhum se há de interpretar no sentido de se pré-excluir a
empenhabilidade rocreantil de produtos agrícolas não em beneficiamento ou em transformação, nem após terem sido
beneficiados ou transformados, O penhor agrícola civil rege-se por seus princípios; a cédula rural pignoraticia
segundo a Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, ou segundo a Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957, pelos princípios
das duas legislações especiais. Mas pode ocorrer que se empenhem mercantilmente produtos agrícolas, isto é, que se
dêem em penhor produtos agrícolas, para garantia de dívida mercantil. As regras jurídicas que disciplinam o penhor
mercantil é que hão de ser invocadas, e nada obsta a que se atribua ao outorgado do penhor a posse mediata
(imprópria), ficando á posse imediata (imprópria) ao dono dos produtos agrícolas empenhados, que é posse de
depositário. Apenas, a analogia exige que se faça o registro conforme a Lei n. 492, a que faz remissao. a seu turno, a
Lei n. 2.666.
Por outro lado, o produto agrícola, como o produto animal, pode ser dado em penhor civil, isto é, em garantia de
divida civil. Em tal caso, não há pensar-se em incidência da Lei n. 2.666.
Os pressupostos para que se aplique à Lei n. 2.666 foram colocados em relêvo pelo art. 10:
a) Tratar-se de produto agrícola. Se o produto é animal, não há por onde trazer-se à tona a Lei n. 2.666, que só se
referiu a ‘produtos agrícolas”.
b) Estar o produto agrícola em estabelecimento destinado ao seu beneficio ou transformação. Não basta que esteja
em depósito, sendo dono do estabelecimento terceiro, ou o próprio empenhante, ou outorgado do penhor. É
pressuposto necessário que tenha entrado no estabelecimento de beneficiamento ou transformação para ser
beneficiado ou transformado. Esse elemento de industrialização, em senso restrito, é indispensável à composição do
suporte fáctico do penhor regido pela Lei n. 2.666.
c) Ser mercantil o crédito que se garante. Se não e mercantil, à Lei n. 2.666 não se pode atribuir o regramento do
penhor de produtos agrícolas ainda que em beneficiamento ou transformação alhures. Surge, ai, diferença de política
jurídica, no que concerne ao penhor industrial regido pelos Decretos-leis n. 1.271, de 16 de maio de 1939, n. 1.697,
de 23 de outubro de 1939, n. 2.064, de 7 de março de 1940, n. 3.169, de 2 de abril de 1941, e n. 4.312, de 20 de maio
de 1942: a respeito do penhor de produtos animais, máquinas utilizadas nas indústrias, sal e coisas destinadas às
salinas, ou produtos de suinocultura, a lex specialis incide, quer seja civil quer seja comercial o crédito garantido; no
que toca ao penhor de produtos agrícolas em beneficiamento ou transformação, é preciso que o crédito garantido seja
mercantil para se tornar invocável a lei especial.
Não seria possível ater-se o intérprete da lei ao objeto empenhado para determinar se o penhor é civil, ou mercantil.
O comerciante pode empenhar, civilmente, mercadoria. Nem o objeto nem a qualidade dos figurantes é pressuposto
suficiente, O dador do penhor pode não ser comerciante, ou, sendo
comerciante, constituir penhor civil.
Não seria de admitir-se que fôsse mercantil o penhor de produtos agrícolas em beneficiamento ou transformação se
em garantia de dívida civil somente porque estão sendo beneficiados ou transformados.
A Lei n. 2.666, de 6 de dezembro de 1955, art. 1.0, falou do penhor de produtos agrícolas existentes em
estabelecimentos destinados ao seu beneficio ou transformação. No art. 1.~, § 2.0, disse que a esse penhor se aplicam
“as disposições que regem o penhor rural, inclusive os atos de registro”. O penhor rural foi disciplinado pelo Código
Civil, arts. 134, 781-796, e pela Lei ii. 492, de 30 de agôsto de 1937. O art. 1.0, § 2.0, da Lei n. 2.666 remete,
evidentemente, a essas duas leis. Na Lei n. 492, o ad. 15 estatui: “Feita a transcrição da escritura de penhor rural, em
qualquer de suas modalidades, pode o oficial do registro imobiliário, se o credor lho solicitar, expedir em seu favor,
averbando-o à margem dê respectiva transcrição, e entregar-lhe, mediante recibo, uma cédula rural pignoratícia,
destacando-a, depois de preenchida e por ambos assinada, do livro próprio”. O art. 15 é invocável, de modo que a
cédula rural pignoratícia que se extrair não é título constitutivo de penhor: o penhor já fôra constituído e apenas se
cria a cédula rural em que ele se incorpore.
Há a questão de se saber se para o penhor segundo a Lei n. 2.666 se supõe que o estabelecimento em que se
beneficiam ou transformam os produtos agrícolas é pressuposto necessário pertencer a outrem que o empenhante o
estabelecimento. A resposta é negativa. Não é de exigir-se, sequer, que se trate de outro estabelecimento: a emprêsa
que empenha pode ser a mesma que beneficia ou transforma o produto agrícola.

6. IDÉNTIFICABILIDADE E NÂO-IDENTIFICABILIDADE DO PENHOR SEGUNDO A LEI N. 2.666, DE 6


DE DEZEMBRO DE 1955. —Estabelece o art. 1.0, § 1.0, da Lei n. 2.666: “Em caso de dúvida quanto à
identificação do produto apenhado em face de outros da mesma espécie existentes no local, o vinculo real incidirá
sobre a quantidade equivalente de bens da mesma natureza, de propriedade e em poder de estabelecimento que
responderá como fiel depositário sob as penas da lei”.
Aqui, o que se enuncia atende à especificabilidade do bem dado em garantia. Pode-se indicar apenas pela qualidade e
a quantidade. Para que o penhor recaia em parte ideal dos bens depositados para beneficiamento ou transformação,
basta que se dê a inidentificabilidade do que foi empenhado, em relação ao mais que se acha no estabelecimento. A
identificabilidade ou resulta de indicações precisas feitas pelo empenhante, se as pode fazer, por serem as que tem, no
estabelecimento, os produtos empenhados, ou de indicações precisas concernentes aos outros produtos que também
se acham no estabelecimento de beneficiamento ou transformação.
Se o produto agrícola que se vai beneficiar, ou transformar, é identificável, não há pensar-se em que recaia em quaU
tidade. Se o não é, sim. A identificabilidade pode resultar de serem identificados todos os outros produtos agrícolas
que no estabelecimento se acham para o beneficiamento, ou transformação. O produto em beneficiamento ou
transformação não foi identificado, só se lhe indicaram qualidade e quantidade, mas todos os outros o foram por
sinais inconfundíveis.
O estabelecimento responde como depositário. Dá-se aqui o mesmo que explicamos a propósito do penhor rural,
do penhor industrial e do penhor mercantil comum: o dono e possuidor próprio do produto agrícola continua
possuidor mediato próprio, mas transfere a posse mediata (imprópria) ao outorgado do penhor, ficando como
possuidor imediato (impróprio) o depositário, estabelecimento de heneficiamento ou transformação. Pode dar-se que
esse depositário seja o próprio empenhante e então temos: posse mediata (própria) do empenhante, posse mediata
(imprópria) do titular do direito de penhor. posse imediata (imprópria) do empenhante-depositário.

7. LEGISLAÇÃO ESPECIAL E PENHOR MERCANTIL DE PRODU‘ros AGRÍCOLAS. — Diz o art. 1.~, ~ 2.0,
da Lei n. 2.666, de 6 de dezembro de 1955: “Aplicam-se ao penhor constante dê.ste artigo as disposições que regem
o penhor rural, inclusive os atos de registro”.
A natureza do produto influiu para que se remetesse àlegislação sobre penhor rural. Portanto, ao Código Civil, à Lei
ii. 492, de 30 de agôsto de 1937, e ao Decreto-lei n. 2.612, de 20 de setembro de 1940.
(a) O acordo de constituição pode ser por escritura pública, ou por instrumento particular (Lei n. 492. art. 14). A
inscrição (Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, ad. 178, a), XIII) faz-se no Registro de Imóveis.
A Lei n. 492, art. 14, uniformizou o direito registário, nesse ponto: “A escritura, pública ou particular, de penhor rural
deve ser apresentada ao oficial do registro imobiliário da circunscrição ou comarca em que estiver situada a proprie-
dade agrícola em que se encontrem os bens ou animais dados em garantia, a fim de ser transcrito no livro e pela
forma por que se transcreve o penhor agrícola”. No art. 14, parágrafo único, acrescentou-se: “Quando contraído por
escritura particular, dela se tiram tantas vias quantas julgadas convenientes, de modo a ficar uma, com as firmas
reconhecidas, arquivada no cartório do registro imobiliário”.
Se o empenhante não é o dono do imóvel, o oficial do registro há de exigir o assentimento ou o consentimento do
proprietário, conforme os princípios.
As procurações referidas ficam arquivadas no cartório.
O oficial do registro de imóveis é responsável pela recusa contra direito e pela demora quanto aos registros
concernentes ao penhor (Lei n. 492, art. 34, parágrafo único).
(b) Os bens objeto de penhor rural não são impenhoráveis. A penhora vede fazer-se, mas o depositário é o devedor,
entendendo-se que só se constringe o valor que reste, satisfeito o penhor rural. Todavia, se foi expedida a cédula rural
pignoratícia, a impenhorabilidade, a inarrestabilidade, a inseqúestrabilidade, ou, em geral, a inconstringibilidade se
inicia. Inicia-se com a expedição; a responsabilidade do devedor, a respeito da “denúncia” de que trata o art. 18, §
2.0, da Lei n. 492, somente começa com o aviso de que cogita o art. 17.
O art. 18, § 2.0, da Lei n. 492 nada tem com o penhor mercantil de produtos agrícolas de que trata a Lei n. 2.666,
porque, no art. 18, § 2?, da Lei n. 492, se cogita da inconstrangibilidade após a expedição da cédula rural
pignoratícia, e não há pensar-se em expedição ou subscrição e emissão de cédula rural pignoratícia, tratando-se de
penhor regido pela Lei n. 2.666.
A ação executiva pignoratícia, em qualquer espécie de penhor, é ação executiva real, que nada tem com a ação
executiva pessoal ou real que acaso tenha o título do crédito garantido.
Estabelece o art. 24 da Lei n. 492: “O credor pignoratício, quando não expedida a cédula rural, juntando uma das vias
da escritura particular ou certidão da pública, pode praticar as diligências constantes do art. 23 e parágrafos,
independente de protesto”. Não há qualquer prazo para apresentação ou para protesto, porque, se o direito de penhor
rural foi transmitido, a operação para a transmissão foi a cessão de direitos, regida pelo art. 1.078 do Código Civil.
As diligências do art. 23 e parágrafos são processuais. A petição inicial há de ser acompanhada de certidão da
escritura pública, ou de uma das vias do instrumento particular, citado o devedor, com o prazo de vinte e quatro horas
(cf. Código de Processo Civil, art. 299, que derrogou o art. 23 da Lei n. 492, art. 23, pr., conforme estabelecem os
arts. 1.0 e 1.052). O Código de Processo Civil, art. 298, VIII, regulou o processo das ações executivas pignoratícias,
quer haja tradição dita efetiva quer não (“do credor pignoratício, mediante depósito prévio da coisa empenhada, salvo
a hipótese de não ter havido tradição”).
Diz o art. 26 da Lei n. 492: “Se tiver sido ajustada a venda umigável, esta se fará nos têrmos convencionados e
sempre que possível por corretor oficial”. E o parágrafo único: “A venda judicial se realizará em leilão público, por
leiloeiro, ou, onde não existir, pelo porteiro dos auditórios ou quem suas vêzes fizer”. O art. 26 continua em vigor.
Bem assim o art. 27, que é regra jurídica de direito material: apenas se permite que prossiga a ação executiva sem ter
o caráter de ação real.
Lê-se no art. 27 da Lei n. 492: “No caso de venda amigável, se o resultado se mostrar insuficiente para o pagamento
integral da dívida, assiste ao credor o direito de prosseguir na excussão, penhorando tantos dos bens do devedor,
quantos bastarem, seguindo-se como na ação executiva”. E no § 1.0:
“Procede-se, nesse caso, ao cancelamento da transcrição, por mandado judicial”.
Aqui, mais uma vez o sistema jurídico brasileiro parte da suposição de que se pediram, cumulativamente, a execução
real e a execução pessoal, sucessiva, de modo que, não bastando aquela, se pode prosseguir no exercício dessa. A
cumulação, que se subentende, é para se aquela não fôr suficiente. Tem-se ai o principio da cumulaçôio eventual de
execuções.
Estabelece o art. 28 da Lei n. 492: “No caso de venda judicial, o preço será depositado em juízo e levantado pelo
exeqúente, depois de efetuado o pagamento: 1, das custas e despesas judiciais; II, dos impostos devidos”. E o § 19:
“O sal— do, se houver, se restitui ao devedor
Diz o art. 30 da Lei n. 492: “Não se suspende a execução do penhor pela morte ou pela falência do devedor,
prosseguindo contra os herdeiros e o síndico ou liquidatário”. A regra jurídica é comum às ações executivas e apenas
traduz princípio geral de direito processual civil.

Estabelece o art. 35 da Lei n. 492: “O devedor, ou o terceiro que der os seus bens ou animais em garantia da dívida,
que os desviar, abandonar ou permitir que se depreciem ou venham a perecer, fica sujeito às penas de depositário
infiel”. E o parágrafo único: “Pratica o crime de estelionato e fica sujeito às penas do art. 838 da Consolidação das
Leis Penais aquele que fizer declarações falsas acêrca da quantidade, da qualidade e dos característicos dos bens ou
animais empenhados ou omitir, na escritura, a declaração de estarem eles já sujeitos a vínculo de outro penhor”. O
crime é o do art. 171, § 29, II, III e IV, do Código Penal.

8. SUB-ROGAÇÃO REAL. — Estatui o art. 2.0 da Lei n. 2.666:


~‘O benefício ou a transformação dos gêneros agrícolas, dados em penhor rural ou mercantil, não extinguem o
vinculo real que se transfere para os produtos e subprodutos resultantes de tais operações”. A transformação dos
produtos agrícolas pode ser radical, surgindo nova s-pecies (Código Civil, arts. 611-614), ou apenas confusão,
mistura ou adjunção (Código Civil, arts. 615-
-617). Em qualquer das hipóteses, o gravame subsiste, a despeito da transformação, devido à finalidade do
beneficiamento ou da transformação. De sub-rogação real só se há de falar se outra res se põe em lugar daquela de
que resultou. O ad. 615, § 19, do Código Civil rege, na ordinariedade dos casos.

9. PossUIDORES IMEDIATOS, COMPOSStJIDORES, USUFRUTUA1110 E rwucxÁiuo. — Está no ad. 39 da


Lei n. 2.666: “A validade do penhor celebrado pelo arrendatário, comodatário, parceiro agricultor, condômino,
usufrutuário ou fiduciário independe da anuência do proprietário, consorte, nu-proprietário ou fideicomissário do
imóvel de situação dos bens dados em garantia”.
a) O arrendatário da propriedade agrícola é possuidor imediato e, de regra, faz seus os produtos. Se os produtos são
seus, nada obsta a que mercantilmente os empenhe, antes ou após a destinação ao beneficiamento ou à
transformação. Antes, o penhor seria civil, o agrícola, ou o mercantil comum. Após, rege-se pela Lei n. 2.666, se não
se preferiu a incidência da Lei n. 492. O ad. 39 da Lei n. 2.666 supõe existir contrato de arrendamento, em que ao
arrendatário caibam os produtos, após a separação. Se os produtos são do dono da propriedade
agrícola, e não do arrendatário, o contrato há de dizê-lo e a entrega ao estabelecimento de beneficiamento ou
transformação há de ter sido em nome do dono dos produtos agrícolas. £sse arrendatário, empenhando os produtos
que não são seus, ou de que não tem parte, empenha bens alheios; portanto, ineficaz-mente. A pós-eficacização é
possível.
b) O comodatário tem o uso e a fruição do bem. Faz seus os produtos agrícolas da propriedade comodada, salvo se o
contrato dispôs diversamente (cf. Código Civil, art. 1.251:
não podendo usá-la senão de acordo com o contrato, ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos”).
c) O parceiro agricultor é condômino dos produtos agrícolas, na medida que o negócio jurídico fixou (Código Civil,
art. 1.410). Os herdeiros do parceiro agricultor podem empenhar os produtos agrícolas enquanto não se ultima a
colheita, por estarem adiantados, ao tempo da morte do parceiro agricultor, os trabalhos de cultura (Código Civil, ad.
1.413). É interessante observar-se que, tratando-se de produtos agrícolas ainda não repartidos entre o proprietário e
o parceiro, há, na Lei n. 2.666, atribuição legal de poder de gravação, por se não haver pré-elidido. Adiante, ad. 39, §
29.
d) Os condôminôs do prédio agrícola podem empenhar os produtos agrícolas sem neces?idade de consentimento dos
outros condôminos, salvo invocabilidade dos arta. 635, § 29, do Código Civil (existência de administrador
escolhido). O ad. 640 do Código Civil foi que sugeriu a referência do art. 39 da Lei n. 2.666 ao condômino. Adiante,
art. 39, § 39.
e) O usufrutuário e o fiduciário são donos dos frutos, e não se explicaria a exigência de assentimento do proprietário
ou do enfiteuta. Adiante, ad. 39, § 4?.
No ad. 39 da Lei n. 2.666, há alusão à “validade”, mas é de “eficácia” que se cogita.
Lê-se no art. 39, § 1.~, da Lei n. 2.666: “Em caso de arrendamento ou comodato, o prazo do penhor só poderá
ultrapassar o da locação se nisso aquiescer o locador ou comodante”. No comodato, o ad. 1.250 do Código Civil é de
tôda relevância; na locação, os arts. 1.212 e 1.213 exercem papel semelhante. Quanto ao usufruto, cf. art. 721 e
parágrafo único. Quanto ao fideicomisso, aí tudo se passa à semelhança do usufruto. Diga-se
o mesmo a respeito das transmissões da propriedade em segurança, bem como das transmissões de direitos reais
limitados em segurança.
Diz o art. 3?, ~ 2.0, da Lei n. 2.666: “O penhor outorgado pelo parceiro agricultor só incidirá sobre a parte dos frutos
ou bens que lhe couberem pelo contrato de parceria, admitida a sua constituição, apenas, quando não houver no
citado contrato expressa proibição à sua outorga, ou exigência de prévia anuência de parceiro proprietário”. O art. 30,
§ 2.0, é ius dispasitivum.
Estabelece o art. 39, § 3~0, da Lei n. 2.666: “Se o imóvel estiver indiviso, o penhor só incidirá sobre os bens
correspondentes à parte ideal do apenhante”. Salvo se há administrador escolhido, com poderes de gravação. O art.
3•Q, § 39, é ius dispositivum.
Está no art. 39, § 4~0, da Lei n. 2.666: “Se o usufruto ou fideicomisso cessar antes de paga a divida, existindo a
garantia, o nu proprietário ou fideicomissário só terão direito a esta se resgatarem a obrigação”. O nu proprietário e o
fideicomissário não sucedem na propriedade dos frutos e outros produtos agrícolas: não sucedem, aliás, ao
usufrutuário e ao fiduciário. A dívida é do usufrutuário ou do fiduciário e raramente poderia ter de dar garantia a
divida que tivesse de ser paga pelo dono do prédio ou pelo fideicomissário (cf. Código Civil, art. 782). Se a divida é
do usufrutuário ou do fiduciário, a conclução pelo nu proprietário ou pelo fideicomissário importaria sub-rogação
pessoal e o solvente teria de entregar ao usufrutuário ou fiduciário o que retirou à posse imediata do depositário.
Depositário tornar-se-ia. O art. 3•0, § 4•0, da Lei n. 2.666, tem o alcance de regular a legitimação do nu proprietário
ou do fideicomissário à solucão da dívida e retirada dos bens empenhados, não relações entre usufrutuário e nu
proprietário, ou fiduciário e fideicomissário.
10. PROPRIEDADES INALIENÁVEIS E IMPENHORÁXEIS E PENHOR MERCANTIL DE PRODUTOS
AGRÍCOLAS. — Estatui o art. 49 da Lei n. 2.666: “Os frutos pendentes, em formação ou percebidos de imóveis
clausulados de inalienabilidade ou impenhorabilidade, poderão ser dados em penhor rural”. Se os bens de que se
tiram os produtos agrícolas são inalienáveis e impenhoráveis, a inalienabilidade ou impenhorabilidade concerne a
eles, e não aos produtos, que deles se separem, ou se possam separar. Trata-se, aí, do principio da empenhabilidade
das partes inteprantos separáveis. Os frutos pendentes, ainda de bens inalienáveis, impenhoráveis e ingraváveis,
podem ser empenhados. A fortiori, os já separados e os em beneficiamento ou transformaçao.
A inalienabilidade do bem não importa inalienabilidade dos frutos, nem, sequer, impenhorabilidade. A
empenhabilidade segue-se à alienabilidade, lôgicamente.

§ 2.607. Conteúdo e extinção do penhor mercantil

1. REGRAS JURÍDICAS COMUNS. — O que se expôs quanto ao conteúdo do direito de penhor em geral tem plena
invocabilidade a propósito do penhor mercantil.
Estabelece o Código Comercial, art. 276: “O credor que • recebe do seu devedor alguma coisa em penhor ou
garantia,fica por esse fato considerado verdadeiro depositário da coisa recebida, sujeito a tôdas as obrigações e
responsabilidades declaradas no Título XIV — Do depósito mercantil”. No Código Civil, art. 774, diz-se que o
titular do direito de penhor responde como depositário. Numa e noutra espécie, supõe-se penhor em que se dá ao
titular do direito de penhor a posse imediata.
Diz o art. 275 do Código Comercial: “Vencida a divida a que o penhor serve de garantia, e não pagando-a o devedor,
é lícito ao credor pignoraticio requerer a venda judicial do mesmo penhor, se o devedor não convier em que se faça
de comum acordo”. No penhor civil, o poder de venda amigável foi previsto (Código Civil, art. 774, III). O Código
Comercial, art. 279, também a prevê, de modo que não há diferença entre os dois ramos do direito.
Se o titular do direito de penhor não providencia para a venda judicial ou amigável, não o pode constranger a isso o
dono do bem empenhado (Câmara Comercial do Distrito Federal, 3 de julho de 1891). Mas o dono do bem
empenhado pode requerê-la, judicialmente, ou de.acordo com o que fôra pactuado.
(a) Está no Código Comercial, art. 279: “O credor pignoratício, que por qualquer modo alhear ou negociar a coisa
dada em penhor ou garantia, sem para isso ser autorizado por condição ou consentimento por escrito do devedor,
incorrerá nas penas do crime de estelionato”. Na mesma pena incorrem os órgãos das pessoas jurídicas (Tribunal de
Justiça de São Paulo, 4 de novembro de 1892 e 14 de março de 1893, Gazeta Jurfilica, II, 269-271).
O endosso-penhor somente atribui o direito real de garantia; de modo que, em se tratando de título endossável, o
titular do penhor que recebe os bens a que se refere o título está sujeito ao art. 279 do Código Comercial.
Se o penhor foi feito, entregando o endossante ao endossatário o titulo, sem dele constar que se constituiu penhor, a
entrega da posse, após os outros requisitos da constituição, foi apenas como a titular de direito de penhor, de jeito que
o ad. 279 do Código Comercial incide. Apenas o meio excedeu o fim. A presunção, porém, é a de que tal endâsso
transferiu propriedade e posse. O endossatário é legitimado a receber os bens transportados ou depositados. Se se
recusa a restitui-los ao endossante, remido o penhor ou solvida a divida que o penhor garantira,’ tem o endossante o
ânua de provar o que alega. Se o endossatário é banco, ou casa bancária, a presunção fàcihnente se elide, porque a
função dos bancos não é a de comprar mercadorias, mas a de emprestar (JosEi’H HAMEL, Cours de Droit maritime,
440). Discute-se se o endosso-procuração basta para se considerar perfeita a constituição, concorrendo os outros
pressupostos. A questão não é tão simples quanto tem parecido. A procuração, no endosso-procuração, pode ser para
atos concernentes à propriedade, e a posse, que se exige para a constituição do penhor, não é a posse própria, mas a
imprópria, e procuradores e titulares de direito de penhor têm posses impróprias, embora diferentes. Seja como fôr, a
relação jurídica entre o endossante e o endossatário, no endosso-procuração, não aparece em seu conteúdo, devido à
abstração do endosso. A respeito de terceiros, a constituição do penhor precisa ter satisfeito as exigências de registro,
porém a endossabilidade do titulo pré-exclui que, ainda feito o registro, o endossatário posterior, de boa fé, seja
atingido por negócio jurídico subjacente.
Quanto à entrega dos bens empenhados, em se tratando de bens transportados ou depositados, cumpre pôr-se em
exame o que maiores dificuldades acarreta:
a) A técnica das vias múltiplas (e. g., tantas vias do conhecimento de transporte) atendeu à necessidade de se permitir
ao remetente o emprêgo das vias em diferentes negócios jurídicos com possiveis (e. g., alienação da mercadoria, com
grava-me pignoraticio). Numa via, o endosso simples; noutra, o endôsao penhor; noutra, o endosso-procuração, para
que o procurador pratique os atos sobre os quais foram dadas instruções.
No art. 577, 1.8 alínea, do Código Comercial diz-se que “o capitão é obrigado a assinar tôdas as vias de uni mesmo
conhecimento que o carregador exigir, devendo ser tâdas do mesmo teor e da~ mesma data, e conter o número da via.
Uma ficará em poder do capitão; as outras pertencem ao carregador”. No art. 577, 2Y alínea, acrescenta-se: “Se o
capitão fôr ao mesmo tempo o carregador, os conhecimentos respectivos serão assinados por duas pessoas da
tripulação a ele imediatas no comando do navio, e uma via será depositada nas mios do armador, ou do
consignatário”. Os inconvenientes da pluralidade de vias são evidentes. O carregador é quem diz quantas quer e tem
de dá-las o capitão. A eficácia das vias, para retirada das mercadorias, é a mesma; mas, “constando ao capitão que há
diversoa portadores das diferentes vias de um conhecimento das mesmas fazendas, ou tendo-se feito sequestro,
arresto ou penhora nelas, é obrigado a pedir depósito judicial, por conta de quem pertencer” (Código Comercial, art.
583).
Se o remetente ou adquirente das vias, o que só se pode dar por endosso, endossa pignoraticiamente duas ou mais
vias, ao que primeiro reclama as mercadorias hão de ser entregues. O portador das outras vias expôs-se a isso, porque
não exigiu que o endosso-penhor fôsse lançado em tôdas as vias. Dá-se o mesmo se numa das vias está endosso
simples a uma pessoa, e noutra, a outra pessoa, endosso-penhor.
Se se apresentam, ao mesmo tempo, dois ou mais pretendentes à entrega, o transportador tem de pedir o depósito
judicial, por conta de quem pertencer. Dá-se o mesmo se lhe consta que os há <Código Comercial, art. 583).
“Constando ao capitão”, diz a lei. Constar não está, ai, por ter notícia vaga:
Supõe certeza ou suficiente comunicação de conhecimento. Por outro lado, se o transportador pode verificar as vias
e reputar que somente o endosso-penhor ou o endosso simples, numa delas, é válido e eficaz, não há pensar-se na
invocação do art. 583 do Código Comercial.
O transportador não pode, sem se convencer da existência de dois ou mais portadores, em igualdade de legitimação,
requerer o depósito judicial, que só se lhe permite nas espécies dos arts. 583 e 585 do Código Comercial.
O conflito oriundo da existência de duas ou mais vias endossadas a pessoas diferentes tem de ser dirimido em justiça.
O endosso mais antigo prima, quer em se tratando de endosso simples, quer de endosso-penhor (Prior tem pore,
potior jure). Quem empenha depois de haver empenhado dispõe daquilo de qu~ não podia dispor, pois que antes já
dispusera. A posse imediata, que estava com o transportador, passa, com a apresentação do título, ao endossatário que
tem prioridade. Se endossatário por endosso posterior reclama as mercadorias, sem que o transportador saiba da
existência de outros endossos, nada se lhe pode exprobrar. Qualquêr questão, que surja, é entre endossante e
endossatários, ou entre endossatários.
Se não se pode estabelecer a prioridade dos endossos, por faltar-lhes, por exemplo, datas, o Onus da prova incumbe a
quem afirma a prioridade, pelo dia, ou pela hora, a despeito da falta de data.
Se um dos endossatários só o é por endosso-procuraçao, lançado pelo titular do direito de domínio, ao endossatário
pignoratício é que, reclamando ao mesmo tempo, se hão de entregar as mercadorias, porque o procurador não tem
poderes que o outorgante do endosso-procuração não mais tem.
Se uma das vias foi reendossada, por endosso-penhor, o que decide quanto à data, para a prioridade, é a primeira data
de endosso lançada pelo remetente. Remonta-se ao primeiro endôsao de cada via.
b) Se as mercadorias são entregues a quem não tinha o direito de exigi-las, mas apresentara, antes, a via
endossada.
tOda ação para se declarar o direito do endossatário com prioridade se exerce contra os figurantes dos endossos
(endossantes e endossatários), e não contra o transportador, se esse obrou de acordo com a lei do titulo, O que mais
importa frisar-se é que a posse mediata, acima da posse imediata do transportador e abaixo da posse mediata própria,
está com o primeiro endossatino. O endossatário sem prioridade recebeu a posse imediata, que estava com o
transportador, mas não tinha a posse mediata, como endossatário pignoraticio: pode ser que tal endossatário sem
prioridade estivesse de boa fé, e pode ser que estivesse de má fé; mas, num e noutro caso, tem de restituir a posse
imediata ao endossatário com prioridade. Tudo isso resulta de haver duas ou mais vias, tôdas suscetíveis de receber
endossos. Daí dever o endossatário pignoratício exigir que se aponha o seu nome em tOdas as vias, para que o
endossante possa endossar, em transferência da propriedade, outra via, sem criar dificuldades ao endossatário
pignoraticio. O art. 577 do Código Comercial estatui que se numerem as vias; não disse que de cada uma há de
constar o número das vias emitidas, mas essa menção deve ser feita, para que os endossatários, simples ou pignorati-
cios, mi exijam tôdas as vias ou o endOsso em tôdas. Aliás, foi o que se incluiu nas Regras e Usos Uniformes
relativos aos créditos documentais, adotados pela Câmara de Comércio Internacional, em Viena (1933) e em Lisboa
(11-16 de junho de 1951).
A prática da pluralidade de exemplares é a que corresponde ao tempo em que a técnica legislativa ainda não havia
distinguido e precisado as funções das vias, uma, relativa ao domínio, e outra, ao direito real de garantia. O
conhecimento e o warrant vieram dar ao direito a solução óbvia. Todavia, pode se chegar a isso, aproximadamente,
com a expedição de três vias, uma das quais contenha o endOsso-penhor, e a outra a menção de que foi entregue ao
endossatário pignoratício a via endossada, ficando a terceira com o transportador. Fora dai, tem o endossatário de
exigir tôdas as vias, ou, pelo menos, o endOsso em tOdas elas. De lege ferenda, a regra jurídica da só negociabilidade
da primeira via não seria superior à que desse a solução de que acima se falou.
(b) Em vez do que acima dissemos, expondo o Código Comercial, o Decreto n. 19.473, art. 1.~, parágrafo único,
alíneas e 2.~, permitiu as vias, mas só admitiu a circulabilidade da primeira: “Considera-se original o conhecimento
do qual não constar a declaração de segunda ou outra via. Tais vias não podem circular, sendo emitidas sêmente para
efeitos em face da emprêsa emissora”. Os inconvenientes da técnica da pluralidade de vias foram afastados,
radicalmente, no tocante à circulação, porém ainda perdura algo no que concerne à legitimação.
(c) O problema da remessa da posse nós já o versamos (Tomo X, § 1.090, 6, 7). No sistema jurídico brasileiro, com a
abstração do animu.s e do corpus, há precisões a que outros sistemas jurídicos não chegaram. Nas espécies em que
há o conhecimento de transporte ou a nota de bagagem, há distribuição das posses, de modo que as figuras vão da em
que o transporte em que o transportador é simples servidor da posse, seguida daquela em que representa o
destinatário, até aquela em que o remetente perde toda a posse e possuidor próprio passa a ser o destinatário,
possuidor impróprio imediato o transportador e sem qualquer posse o remetente. Ésse fica sem propriedade e sem
posse.
<d) O pacto comissório é proibido como em direito civil (2.~ Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito
Federal, 5 de dezembro de 1905, R. de D., III, 165-168).
(e) A ação executiva real é a mesma do Código de Processo Civil, art. 298, VIII.
Se o penhor é de crédito pessoal, que se haja de subordinar à cessão de créditos, é de mister a interpelação para
eficácia em relação ao devedor (Código Civil, arts. 792, II, e 794).
A substituição do objeto dado em penhor não importa novação da dívida, nem a extingue (Supremo Tribunal Federal,
28 de setembro de 1912, R. de D., 27, 540-544).

2. EXTINÇÃO. — Também a respeito da extinção do penhor mercantil cabem os princípios concernentes ao penhor
civil.
O art. 764 é ias dispositivum, razão por que usam os bancos o pacto de refôrço para os penhôres de títulos suscetíveis
de cotações na bôlsa.
Lê-se no Código Comercial, art. 278: “Oferecendo-se o devedor a remir o penhor, pagando a dívida ou consignando
o preço em juízo, o credor é obrigado à entrega imediata do mesmo penhor; pena de se proceder contra 4k como
depositário remisso
(ad. 284)”. Cf. Código Civil, art. 766, e o que foi dito sobre remição do penhor.
Já tivemos ensejo de frisar que as limitações à remibilidade, que se fazem em relação à hipoteca, não cabem em se
tratando de penhor. Quer se trate de penhor civil quer de penhor mercantil. Os arts. 814 e 815 nada têm com a
remição do penhor; só se entendem como referentes à hipoteca. Os próprios penhôres especiais ficam sob o princípio
da livre remibilidade. Cumpre, porém, observar-se, em quaisquer espécies, que a livre remibilidade depende de poder
ser solvida, antes do vencimento, a dívida que se garante com o penhor.
Todavia, a resgatabilidade pode ser em qualquer caso, pela consignação judicial do preço, com todos os interesses
que a divida produzirá até o vencimento, se não há prazo a favor do devedor. Sem esse prazo, o devedor não pode
solver a dívida antes do têrmo para o vencimento: o prazo é a favor do credor. A consignação judicial para a remição
ou resgate supõe que tudo se trate como se fôsse ao tempo em que se daria o vencimento. Então, desaparece o
penhor, direito real de garantia sem desaparecer o crédito garantido: o crédito subsiste; acaba, apenas, o gravame.
Algumas observações, de lege ferenda.
A solução técnica que admitisse a resgatabilidade do penhor e do crédito, qualquer que fôsse a natureza desse, teria
inconvenientes graves, porque faria o direito das coisas — por fato que lhe interessa — solapar princípios do direito
das obrigações. De certo modo, tiraria a vantagem das operações a prazo a favor do credor. em serem garantidas por
penhor. Acordar em garantia pignoratícia conteria acordo de alteração do crédito garantido, sempre que não pudesse
ser pago antes do vencimento, isto é, sempre que se não tratasse de prazo a favor do devedor.
Daí a explicação que se há de dar ao texto e a dupla atenção que se há de ter: ao penhor, quanto à remibilidade; e ao
crédito, quanto à sua extinção.
A concepção do prazo a favor do credor, por isso mesmo que não é a regra, corresponde a enunciados de fato, a
apreciação de circunstâncias, feita por ele, no momento em que se conclui o negócio jurídico. Não seria
recomendável, de lege ferenda, que o fato de acordar em garantia ao crédito fôsse interpretável como de renúncia a
esse benefício. Uma vez que a remibilidade é separável da extinção do crédito, a solução que expusemos impõe-se ao
intérprete.
CAPITULO X

PLURALIDADE DE PENHORES

§ 2.608. Posses e penhôres

1.PENHORES SOBRE O MESMO OBJETO. — Para dois ou mais penhôres a que se exija posse imediata pelo
outorgado, não seria possível conceber-se a pluralidade de penhôres. Porém isso não se dá se há um penhor a que se
exija a posse imediata pelo outorgado e outro ou outros a que não se exija.

2.PRINCIPIO DA PLURIEMPENHABILIDADE SE HÁ MAIS DE UMA POSSE. — O Decreto-lei n. 1.271, de 16


de maio de 1939.
ad. 5•0, estatuiu: “Os mesmos bens podem ser objeto de novo penhor em favor do credor originário, para garantia de
outra divida, mas a cessão de um crédito não se fará isoladamente enquanto não houver especificação de garantia”.
Aí está a permissão da pluralidade de penhOres, limitada quanto à titularidade. Surge. então, o problema: <; o art. 59
do Decreto-lei n. 1.271 é exceção a a> princípio da cinpenhabilidade do objeto empenhado se há duas ou mais
posses, ou a b) principio da im possibilidade da pluralidade de penhóre*? O princípio 19 não está no sistema
jurídico brasileiro. Os penhOres em que há dois ou mais titulares, todos com posse mediata, ou um com posse
imediata, são concebíveis no sistema jurídico brasileiro. O art. 5•O do Decreto--lei n. 1.271 abre exceção ao
principio.
Tanto há o princípio a), e não o principio lO, que a Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937 (penhor rural), o explícita,
com pequena atenuação (art. 49, § 1.0: “Pode o devedor, independentemente de consentimento do credor, constituir
nôvo penhor rural se o valor dos bens ou <los animais exceder ao da dívida anterior, ressalvada para esta a prioridade
de pagamento”.

3. PENHOR LEGAL E OUTROS PENHORES. — Também se dá pluralidade de penhOres se algum dos bens de
que trata o Código Civil, art. 776 (penhor legal) já estava empenhado; ou se o devedor contra o qual se constituiu o
penhor do art. 776, ou seu sucessor, empenhou algum dos bens arrolados.

4. PLURALIDADE DE PENHORES SOBRE O MESMO CRÉDITO. —Pode dar-se que sObre o mesmo crédito
recaiam dois ou mais direitos de penhor. Então, o que tem melhor direito, aquele a quem cabe a pocioridade, é que
pode cobrar o crédito. Aos titulares de direitos de penhor posteriores sOmente se permite que exijam do devedor
pagar ao titular do direito de penhor, que é o melhor em grau.
Se há pluralidade de penhOres sObre o mesmo crédito, direi. to de cobrar sOmente tem o titular do melhor direito
(princípio da pocioridade). Aos titulares posteriores só se deixa o poder de exigênciado devedor que preste ao titular
anterior.

5. PLURALIDADE DE PENHORES RURAIS. — O art. 4•O, § 1.~, da Lei n. 492, que permite a pluralidade de
penhOres rurais, sem se precisar de assentimento do titular do direito de penhor já existente, ou dos titulares dos
direitos de penhor já existentes, parece subordinar tal faculdade de nOvo empenhamento à importância do valor dos
bens empenhados (verbis “se o valor dos bens ou dos animais exceder ao da divida anterior”). A lei não fez dessa
referência ao valor suficiente pressuposto de eficácia, nem de validade. Tanto assim que se ressalvou a prioridade. A
verificação da suficiência do valor é mera recomendação. Se o valor é x e, após o primeiro penhor por metade de z,
se empenhar por metade + 1 de a,, apenas se há de primeiro satisfazer o primeiro direito de penhor, para se poder
entregar metade de x ao titular do segundo direito de penhor.

6. CONCURSO E PLURALIDADE DE PENHORES. — A pluralidade de penhOres não é praticável se se exige a


atribuição da posse imediata a dois titulares. Constituído, com a entrega da posse imediata, um penhor, não tem o
constituinte posse que baste para se constituir outro. Foi esse um dos inconvenientes que se encontraram no penhor
comum. Se o valor do bem excedia, de muito, o da divida que se garantiu, o resto do valor ficara inaproveitável para
outro penhor. Verdade é, porém, que, ainda a respeito de penhor a cuja constituição se dispensou o elemento da
entrega da posse imediata, as legislações não ousaram admitir, em principio, a pluralidade de penhOres. (De pas-
sagem, observemos que há regra jurídica absurda no Decreto--lei francês de 24 de junho de 1939, art. 4, na qual se
estatui que o valor se reparte entre os diferentes portadores de “warrant stocks” , proporcionalmente. A ofensa ao
princípio de prioridade é gritante.)
Os penhOres não entram no concurso. São direitos reais de garantia. Satisfazem-se, segundo o princípio de
prioridade.

§ 2.609. Penhor cumulativo

1. PENHOR SIMPLES OU SINGULAR E PENHOR CUMULATIVO OU SOLIDÁRIO. — Assim como há


hipoteca simples ou singular e hipoteca cumulativa ou solidária, há penhor simples ou singular e penhor cumulativo
ou solidário.
No penhor cumulativo, dois ou mais são os bens que se dão em penhor do mesmo crédito. Qualquer deles responde
pelo todo.
Se nada foi estabelecido em contrário, o titular do direito de penhor cumulativo pode escolher livremente sObre qual
dos bens empenhados há de exercer a pretensão à execução, desde .4ue não atinja mais bens do que aqueles que
bastariam para a satisfação do crédito. Note-se a diferença em relação à hipoteca, em que não há esse limite. Aqui, a
solidariedade faz-se mais acentuada e o titular do direito de penhor não pode distribuir o crédito pelos bens
empenhados.

2.SOLIDARIEDADE. — Lê-se no art. 1.493 do Código Civil:


“A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de titu-..,
lidariedade entre elas, se declaradamente não se reservaram o benefício da divisão”. No art. 1.493, parágrafo único:
“Estipulado êste benefício, cada fiador responde únicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no
pagamento”. No art. 1.494: “Pode também cada fiador taxar, no contrato, a parte da dívida que toma sob sua
responsabilidade e, neste caso, não será obrigado a mais”. Se não há a estipulação do art. 1.494, nem a do art. 1.493,
parágrafo único, incide o art. 1.493 (solidariedade dos fiadores). Se há solidariedade, o titular do direito de penhor
sObre os bens a, b e e, que foram prestados, em penhor cumulativo, por A, B e C, pode cobrar todo o crédito em a, ou
em a e b, ou em a e e, se a não basta, ou em a, à e e, se a e à não bastam, ou em qualquer combinação que seja
exaustiva do crédito, mais do que as outras combinações. Assim se a vale 10, 6, 5, e e, 4, e a dívida éde 10, sObre a é
que tem de recair a execução. Se a dívida é de 9, pode-se executar o, ou à e e. Se a dívida é de li, a execução pode
recair em a e b, ou em a e e.

§ 2.610. Partes ideais e gravação de penhor

1. PENHOR DE PARTES IDEAIS. — O condômino pode gravar a parte ideal (Código Civil, art. 628, III, 2A
parte). O próprio penhor legal do art. 776, II, do Código Civil, pode ser sObre parte ideal se o arrendatário põe na
casa objetos que são de compropriedade. Passa-se o mesmo se o hóspede, o freguês mi o cliente de hospedaria,
estalagem ou pousada ou albergue, ou restaurante, ou casa de pasto, ou de qualquer lugar em que se presta estada,
descanso ou alimento, leva a esses lugares bagagens, móveis, jóias ou dinheiros que só em parte ideal lhe pertencem
(art. 776, 1).
Resta saber se é possível o penhor sObre parte ideal de bem que é de exclusiva propriedade do empenhante (afirmati-
vamente: O. PLANCK, Kommentar, III, 1151; J. BIERMANN,. Sachenreeht, 695; negativamente, sem razão, W.
VON SEELER, Das Miteigentum, 71; E. ENDEMANN, Lehrbuch, III, § 135, nota 8). Tal penhor de parte ideal
somente não é possível se, para se constituir penhor, com inscrição, tivesse de ser transcrita,. antes, a quotização pro
indiviso. Certa mente, se o penhor se poderia constituir pelo constituto possessório, basta que o dono empenhante
transfira a composse mediata. Assim, supera-se a discordância entre MARTIN WOLFF (Lehrbuch, III, § 178, nota 5.
Der Mitbesitz, Jherings Jahrbiicher, 44, 201) e O. PLANCK (Kornmentar, III, 1259).
Se o penhor não depende, na espécie, de registro c= se o registro não é constitutivo, ou não se exige, sequer, registro),
e exige a posse, dita efetiva, tem-se de estabelecer a composse• imediata, conforme as quotas.
Também a comistão, a confusão e adjunção podem dar ensejo à garantia de penhor sObre parte (Código Civil, art.
615, § 1.0; O. PLANCK, Kornmentar, III, 1259).
Ainda recentemente, ao elaborar a Lei n. 2.666, de 6 de dezembro de 1955, teve o legislador brasileiro de redigir
regra juridica para o caso de não haver identificabilidade do produto agrícola em beneficiamento ou transformação,
em se tendo dado em penhor mercantil. Então, o gravame — “o vínculo real”, diz o art. 1.0, § 1.0, da Lei n. 2.666 —
incide sObre a quantidade equivalente. E no art. 2.0 ainda se previu: “O benefício ou a transformação dos géneros
agrícolas, dados em penhor rural ou mercantil, não extinguem o vínculo real que se transfere para os produtos e
subprodutos resultantes de tais operações”. Aí, a confusão, mistura, adjunção ou especificação éintencional e
resultante de acOrdo entre o depositante e o depositário, porém pode ser, noutras espécies, ocasional.
SObre os condôminos ‘e o penhor mercantil de produtos agrícolas em beneficiamento ou transformação, cf. art. 8.0 e
§ 39 da Lei n. 2.666 (antes, § 2.606, 9).
POsto que a confusão. ou mistura, ou adjunção, ou especificação estabeleça a comunhão se os gêneros agrícolas
dados em penhor correspondem a diferentes penhOres, o penhor passa a ser de bem fungível, e não de parte ideal. A
inidentificabilidade é que cria a situação de comunhão, mas essa comunhão não se impõe como tal, — apenas
exprime que os objetos se tornaram inidentificáveis e, pois, fungíveis.
A composse ocorre, porque a composse, como a posse, é poder fáctico. O titular do direito de penhor, que tem posse
mediata dos bens empenhados, tem, nas espécies semeIhantes às da Lei n. 2.666, art. 19, § 19, composse mediata.
Assim, há princípios da comunhão que não podem ser ínvocados, e outros há que incidem, se está em causa situação
prevista pelo art. 19, § 19, da Lei n. 2.666.

2. PRETENSÃOo. — A pretensão à divisão, que têm os condôminos (Código Civil, arts. 629 e 630), se
alguma quota foi empenhada, só se pode exercer com o assentimento do titular do direito de penhor sObre a parte
indivisa, ou com a citação dele na ação de divisão. Conjuntamente com o condômino, antes do vencimento, pode o
titular do direito de penhor pedir a dívísao; após o vencimento, o titular do direito de penhor pode pedir a divisão,
ainda que não assinta o condômino empenhante. Em vez de pedir a divisão, pode pedir a venda da quota.
Qualquer convenção entre os condôminos, após o penhor, sobre indivisão (art. 629, parágrafo único), ainda que se
registe, não se impõe ao titular do direito de penhor sobre a parte CAPITULO XI ideal.

EXTINÇÃO DO PENHOR

§ 2.611. Extinção do penhor

1.CAUSAS DE EXTINÇÃO. — O direito do penhor extingue-se:


a)Pela destruição da coisa (art. 802, II).
b)Pelo advento do têrmo firuil pactuado, ou pela realização da condição resolutiva (não se confunda com o térmo ou
condição para o vencimento).
c)Por haver terceiro adquirido, livre de penhor, a propriedade da coisa.
d)Pela extinção da obrigação (art. 802, II), de que é. acessório (adimplemento, dação em soluto, consignação, remis-
são ou confusão entre credor e devedor, compensação), salvo se do negócio jurídico resulta que outrem pode solver e
sub--rogar-se, ou há sub-rogação legal (art. 985, 1 e III) ou convencional (art. 986), e salvo se o registro foi
constitutivo, pois seria de mister o cancelamento.
Ainda que sujeito o crédito a exceção peremptória, o direito de penhor subsiste. O Código Civil (art. 802, 1) somente
disseque, extinguindo-se a obrigação, se extingue o penhor; não disse, como a respeito da hipoteca (art. 849, VI>, do
usufruto (art. 739, VI), do uso (art. 745) e da habitação (art. 748), que a prescrição acarreta a extinção do direito,
expediente técnico que se estudou a propósito do usufruto, nem, como acêrca da anticrese, que o direito se
extinguiria após quinze anos (art. 760, 2•a parte). Resta saber se a exceção contra o direito de crédito tem efeito
contra o direito real de penhor, isto é, se a exceção contra o crédito dá ensejo a pretensão à restituição do objeto
empenhado. Tal pretensão, se existe, aproveita ao empenhante e ao proprietário da coisa empenhada. O problema
resolve-se com o art. 1.502, concernente à fiança: “O fiador pode opor ao credor as exceçdes que lhe forem pessoais,
e as extintivas da obrigação que compitam ao devedor principal, se não provierem simplesmente de incapacidade
pessoal, salvo o caso do art. 1.259”. Aí estão compreendidas defesas (verbo “extintivas”) e exceções; no exato
sentido. No direito brasileiro, não se pode opor ao titular do direito real de garantia exceção de prescrição da devi—
da; pode-se opor a exceção de prescrição da ação real.
e) Pela renúncia do credor pignoratício (art. 802, III), sendo necessário o consentimento do terceiro, para eficácia
contra ele, se o penhor mesmo está sujeito a direito dele. No direito brasileiro, a restituição do objeto empenhado não
extingue, de si só, o direito- real de penhor. Quer, se trate de restituição ao dono, quer ao empenhante. Adotou-sé,
apanas, presunçdo.de renúncia (art. 803, 2.8 parte): “Presume-se a renúncia do credor.., quando restitui a sua posse
(do penhor) ao devedor’~. Devedor: ou dono da coisa, ou terceiro, que empenhou.
A restituição pressupõe a perda da posse imediata. Preciso é, portanto, que se haja estabelecido a posse pelo dono da
coisa~ Não basta haver emprestado, ou consentido em uso por algum tempo. No direito brasileiro (aUter, no alemão,
§ 1.253), é preciso que a restituição tenha sido com a vontade de renunciar; não basta a vontade de transferir a posse.
Se houve a vontade de renunciar, ainda que só se haja, para o provar, a presunção do art. 803, 23 parte, o direito de
penhor extingue-se: há, então, negocio jurídico extintivo; se não na houve, trata-se de ato jurídico stricto sensu. Se o
empenhante (devedor, ou não) substitui a coisa por outra, presumeise a extinção pela renúncia; porém nao a
constituição de nôvo penhor: é preciso que se dê tal constituição.
Importa para se excluir a presunção do art. 803 saber-se, no caso pôsto em exame, se a restitutçfo foi em virtude de
algum contrato, e. g, empréstimo, pois não se despojou da sua posse o credor. Porque, então, o contrato pelo credor
implica não ter renunciado ao penhor: há a posse mediata do empenhante, a posse mediata do credor pignoratício,
que emprestou, e a posse imediata do dono-comodatário, ou locatário, ou o que fôr. Não.
basta para se invocar o art. ~Q3, 23 parte, se a posse foi entregue a servidor da posse (J. BIERMANN, Sachenrecht,
689) ou representante do credor (O. WARNEYER, Kommentar, II, 478), se não houve explicitude da renúncia.
A restituição, em si, não é negócio jurídico; não pode ser anulada por êrro, ou dolo (G. PLANCK, Kommentar, III, 2,
1247) ; mas, no direito brasileiro, a restituição, que importa em renúncia, é a que entra como elemento de suporte
fáctico de negócio jurídico, ainda que a renúncia só se haja presumido. Admitida a presunção, tem-se de tratar o
negócio jurídico da renúncia segundo os princípios.
Se o credor consente na venda particular do penhor sem reserva de preço, presume-se ter havido renúncia. O credor,
quando autoriza a venda do gado ou quaisquer animais, não renuncia; o seu crédito tem de ser satisfeito (Código
Civil, arts. 785 e 802, IV, in fine, Lei n. 492, de 30 de agOsto de 1937, art. 12) ; nos demais casos, presume-se ter
renunciado (art. 803), em virtude do art. 803, 13 parte: “Presume-se a renúncia do credor, quando consentir na venda
particular do penhor sem reserva do preço...
Se o credor anui em que, em vez da coisa empenhada, fique, por exemplo, nota promissória (título executivo, que é
plus em relação à dívida), ou em que, em vez da coisa empenhada, se lhe dê carta de fiança, a presunção da renúncia
impOe-se (art. g~3, SA parte). “Presume-se a renúncia do credor... quando anuir à sua substituição (do penhor) por
outra garantia”.
f) Pela satisfação parcial ou total da divida (art. 802, IV): adimplemento; venda amigável do penhor, se a permitir
expressamente o contrato, ou fOr autorizada pelo devedor (art. 774, III), ou pelo credor (art. 785) ; adjudicação
judicial ao credor; remição (Código de Processo Civil, arts. 298, VIII, e 986). Em tOdas essas espécies, o penhor
desaparece, ainda quando reste parte da dívida. Há, em todas, inclusive na última, realização do valor da coisa. O art.
785 é aquele que foi reproduzido pela Lei n. 492, de 30 de agOsto de 1937, art. 12: “Não pode o devedor vender o
gado, nem qualquer dos animais eirpenhados, sem prévio consentimento do credor”. g) Pela adjudicação judicial,
pela remição ou pela venda do penhor, autorizada pelo credor, nas ações de terceiro contra o devedor (art. 802, VI).
Não se cogita de realização do valor da coisa: trata-se de negócio jurídico abstrato em que o credor dispõe do direito
de penhor. Se há direito de terceiro sObre o direito de penhor, é preciso, para ser eficaz, contra o terceiro,
o negócio jurídico abstrato, que ele consinta.
h) Pela união na mesma pessoa do direito de penhor e do direito de propriedade. Se o direito de penhor é objeto de
direito de terceiro, a união não tem eficácia contra esse. Tem-sei pretendido que se não extinguiria, então, o direito de
penhor; o que se passa é apenas inextensão de eficácia: produz-se a extinção do gravame; o terceiro conserva os
direitos que teria, se se não houvesse operado a união. O direito real de penhor extingue-se pela união, em virtude de
regra legal (art. 802, V: “Confundindo-se na mesma pessoa as qualidades de credor e dono da coisa”). Não existe
regra igual a respeito da hipoteca; porque se previram casos em que é de interesse do dono que o direito real de
hipoteca continue. Nem se pode pré-excluir o possível penhor de proprietário Mas o penhor de proprietário exige
que a reunião das duas titularidades na mesma pessoa seja superada pela distinguibilidad6 da categoria jurídica do
penhor a despeito de reUnião das duas titularidades Ora, para que isso ocorra, é preciso, e. g., que haja registro, ou
que tenha havido criação e emissão de dois títulos incorporantes. O dono do conhecimento de depósito e do warrant
respectivo é dono das mercado rias e tem penhor sObre elas. Quer ainda estejam juntos os dois títulos, quer o
conhecimento de depósito tenha sido adquirido pelo dono do warrant, ou o warrant tenha sido adquirido pelo dono
do. conhecimento de depósito. Porém não só em tal caso se dá penhor de proprietário. A cédula rural pignoratf~j~
segundo a Lei n. 492, de 80 de agOsto de 1987, as cédulas rurais pignora ticias segundo a Lei n. 3.253, de 27 de
agOsto de 1957, podem ser empenhadas ao dono dos bens sobreos quais recai o penhor incorporado nos títulos. O
conhecimento de transporte pode ser reendossado em penhor ao dono das mercadorias, que é o dono do
conhecimento do transpórte
A união pode não ser de todo o. direito de penhor: se o credor só adquiriu parte da coisa, o penhor subsiste; se o
devedor adquiriu parte da dívida, o penhor subsiste; se o empenhante, não-devedor, adquire parte do crédito, o
penhor subsiste. O penhor sOmente se extingue se o devedor está liberado, ou se o credor adquire a coisa, ou se o
ernprestante não-devedor se faz credor. Diz o art. 804: “Operando-se a confusão tão sOmente quanto à parte da
dívida pignoratícia, subsistirá inteiro o penhor quanto ao resto”.
O Código Civil (art. 802) apenas disse: “Resolve-se o penhor: 1. Extinguindose a obrigação. II. Perecendo a coisa.
III. Renunciando o credor. IV. Dando-se a adjudicação judicial, a remissão (aliás, remição), ou a venda amigável do
penhor, se a permitir expressamente o contrato, ou fOr autorizada pelo devedor (art. 774), ou pelo credor (art. 785>.
V. Confundindo-se na mesma pessoa as qualidades de credor e dono da coisa.
VI. Dando-se a adjudicação judicial, a remissão (aliás, reniiçáo) ou a venda do penhor, autorizada pelo credor”.
O negócio jurídico bilateral, que não extinga o negócio jurídico garantido pelo penhor, mas extinga o direito real
mesmo, contém renúncia (negócio jurídico unilateral).

2. RENÚNCIA AO DIREITO DE PENHOR. — Diz o Código Civil, art. 808: “Presume-se a renúncia do credor,
quando consentir na venda particular do penhor sem reserva de preço, quando restituir a sua posse ao devedor, ou
quando anuir à sua substituição por outra garantia”.
Estatui o art. 804, a seu turno: “Operando-se a confusão tão-sOmente quanto à parte da dívida pignoratícia, subsistirá
inteiro o penhor quanto ao resto”.
A respeito do penhor, pois que o objeto há de ficar com o credor pignoratício, a entrega ao devedor pode ser em
virtude de extinção da dívida (e. g., se o devedor a solver, ou remitir, entregando também o documento), ou como
renúncia ao direito real. Não há remissão de direito real; há ren?2ncia. O art. 1.054 diz: “A entrega do objeto
empenhado prova a renúncia do credor à garantia real, mas não a extinção da dívida”. Leia-se:
renúncia do credor ao direito real de penhor (cp. art. 802, lIU. O art. 1.054 é heterotópico; o seu lugar seria sob o art.
802. Não há renúncia, se sobrevém constituto possessório. O art. 1.054 incide nas cauções de títulos de créditos não-
nominativos; aliter, quanto aos nominativos (art. 789).

A respeito do constituto possessório, convém atender-se, cuidadosamente, a que, ainda nos penhOres que só se
constituem pela chamada entrega efetiva (tradição, exceto pelo constituto possessório), pode sobrevir à constituXção
do penhor o constituto possessório. O que foi com ele, ou sem ele, constituído, constituído fica. Não se vai ao
passado apagar o que se operou.

Às vêzes, o recibo contém remissão; e. g.’ no dia do casamento de B, A, seu credor, entrega-lhe o recibo da dívida,
como presente. Advirta-se, porém, que o teor, a forma, do recibo ou quitação de modo nenhum exprime remissão, ou
dádiva. É preciso que se veja o conteúdo remissivo, isto é, que transpareça de declaração de vontade, ainda
gesticular, ou tirada das circunstâncias, do credor remitente, empregando, embora, a forma do recibo de quitação. A
entrega do título ao devedor— sem ser abdicativa (cf. “entrega voluntária”, art. 1.053, e entrega, simplesmente, art.
945) — firma a presunção do pagamento: a remissão tem de ser provada; não se presume.

3. PENHOR RURAL. — (a) O penhor agrícola tem o prazo preclusivo, portanto prazo de extinção, que é o do
Decreto-lei n. 4.360, de 5 de junho de 1942, art. 1.0 (que deu nova redação ao art. ‘7? da Lei n. 492) : “O prazo do
penhor agrícola não excederá de dois anos, prorrogável por mais dois, devendo ser mencionada, no contrato, a época
da colheita da cultura apenhada e, embora vencido, subsiste a garantia enquanto subsistirem os bens que a
constituem”. A subsistência do penhor é para garantir o pagamento enquanto não se passa a nova cultura; de modo
que, vencida a divida, se tem de promover a execução sObre a cultura empenhada que resta. Se o penhor foi sObre
máquinas e instrumentos agrícolas, o penhor agrícola que não foi penhor de produtos extingue-se, sem a subsistência
de que tratava o art. ‘7•0 da Lei n. 492, que o art. 19 do Decreto-lei n. 4.360 substituira, salvo prorrogação.
O prazo pode ser menor. Não se admite prazo maior (Código Civil, art. 782; Lei n. 492, art. 70. Decreto-lei n.
4.360, art. 1.0), mas admite-se o de dois anos ou o de menos.
(b) O prazo do penhor pecuário (Código Civil, art. 788; Lei n. 492, art. 13; Decreto-lei n. 4.360, art. 2.0) é o do art.
2.~ do Decreto-lei n. 4.360: “O penhor pecuário não admite prazo maior de três anos, mas pode ser prorrogado por
igual período,averbando-se a prorrogação na transcrição expectiva”. Ai, ou já se venceu a dívida e se executa, ou o
per ~or se extingue. Nem sequer se reproduziu o que se dizia no art. 1.0 do Decreto-lei n. 4.360.
Na Lei n. 3.253, de 27 de agOsto de 1957, sObre cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas, o art. 83 estatuiu:
“O prazo do penhor agrícola é fixado em três anos, prorrogável por mais três, e o do penhor pecuário em quatro anos,
com prorrogação por igual período e, embora vencidos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a
constituem”. No § 2.0 previu a espécie em que a cultura é de ciclo superior a dois anos.

4. CANCELAMENTO DO REGISTRO. — L~e-se no Código Civil, art. 801: “Poderá o devedor fazer cav± alar a
transcrição do instrumento pignoratício, apresentando, com a firma reconhecida, se o documento fOr particular, a
quitação do credor (art. 1.093) ~‘. Parágrafo único: “O mesmo direito compete ao adquirente do penhor por
adjudicação, compra, sucessão ou remissão (aliás, remição), exibindo seu título”.
Ésse registro não é constitutivo. É para eficácia erga omnes, quanto à datação. Nos casos em que o registro é
constitutivo, sOmente há extinção com o cancelamento.

§ 2.612. Penhor de proprietário

1. PENHOR E TITULARIDADE DO DOMÍNIO. — Também a respeito do penhor pode acontecer que venham a
ser a mesma pessoa quem é o titular do direito de propriedade e o credor. Se o crédito subsiste à reUnião das duas
situações de titularidade e há interesse jurídico em que o penhor subsista, dá-se penhor de proprietário, como pode
acontecer que seja de proprietário a hipoteca. Então, o penhor é em coisa própria: não tem o titular do domínio de
entregar o bem ao titular de direito de penhor, que haja melhor grau.
Se a obrigação garantida se extingue, extingue-se o penhor (Código Civil, art. 802, 1). Se a extinção pela confusão é
sOmente quanto a parte da dívida, subsiste o penhor quanto ao resto (art. 804). Mas, se, na espécie, o penhor só se
constitui como direito real (= só exaurge o direito real de penhor) se há registro, o direito real de penhor subsiste
enquanto não se dá o cancelamento, e isso suscita a aparição de penhOres de proprietário.
Teve-se a situação da hipoteca de proprietário e do penhor de proprietário como semelhante à do subscritor do título
ao portador antes da emissão (RICHÂRD HORN, Lhe EigentÍiiner~ hypothek, 52). A imagem não ten~ valor
científico. A hipoteca de proprietário é mais, O titulo ao portador subscrito precisa de que alguém o tome para que o
subscritor se obrigue; a hipoteca do proprietário já operou a detracção do elementor da propriedade, com que se
compOs, já gravou o prédio.

2. PENHORES RURAIS E INDUSTRIAIS. — Lê-se no Código Civil, art. 796: “O penhor agrícola será transcrito
no registro-de imoveis”. Parágrafo único: “Enquanto não cancelada, continua a transcrição a valer contra terceiros”.
Sempre que o registro é constitutivo, pode acontecer que o penhor se faça petUtor de proprietário se houve a reUnião
das titularidades sem se cancelar o penhor. O art. 796 incide em. quaisquer penhOres rurais ou industriais, porque o
Código o empregou em sentido completo e é lei subsidiária da legislação especial.
A respeito de remição, tudo se passa conforme os princípios.
Se o débito pode ser solvido antes do vencimento, é remível, livremente, o penhor. Solvida a divida, o penhor
extingue-se; salvo se ocorre sub-rogação pessoal. Pode dar-se que se componha a figura do penhor de proprietário.
A transformação da emprêsa, que era rural, em emprêsa industrial, ou vice-versa, pode influir no penhor, mas, em tal
caso, ou há o consentimento do titular do penhor à transforma çao, ou há substituição da garantia, ou o ato do
empenhante ofende o direito de penhor.

CAPÍTULO XII

AÇÕES ORIUNDAS DO DIREITO DE PENHOR

§ 2.613. Ações do titular do direito de penhor

1. AçO~s CONCERNENTES Ao DIREITO REAL. — O titular do direito de penhor tem a ação declaratória, a
vindicação do penhor (vindicatio pignoris), a ação condenatória por ofensa ao direito de penhor ou à coisa
empenhada e a ação executiva real, ação executiva pignoraticia, que de modo nenhum se confunde com a ação
executiva, pessoal ou real, que acaso tenha o crédito garantido.
2. AçÃo DECLARATÓRTA. — O titular do direito de penhor tem ação declaratória para que o juiz declare a
existência da relação jurídica de penhor, com as pretensões ou ações que lhe correspondem, ou só a existência da
relação jurídica de penhor, ou a dessa e a da ação executiva pignoratícia, ou só a eficácia da ação executiva
pignoratícia. A ação declaratória é imprescritível. A sentença só tem efeitos entre as partes. A eficácia erva. omnes só
derivaria de citação edital.

3. AçÃo CONDENATÓRIA. — Seja o devedor ou terceiro o dono do bem empenhado, o dano ao bem, feito pelo
dono, pode diminuir-Ite o valor. Daí a ação condenatória que toca ao titular do direito de penhor. Os juristas que a
pré-excluem, em sendo credor o dono do bem gravado, não têm razão: a relação jurídica de penhor é real, e não
pessoal, como pode ser a do crédito garantido. No direito brasileiro, não há diferença quanto à fonte da obrigação de
ressarcir.

Se a ofensa é ao direito real de penhor, tudo se passa como .a respeito dos outros direitos reais limitados (Tornos
XVIII,§ 2.240, e XIX, §§ 2.343, 1, 2.845, 2.409, 3 e 2.412).

4. AçÃo DE PRECEITO COMINATÓRIO. — Se há dano que possa perdurar, ou se é de temer-se o dano, pode ser
exercida a ação de preceitação, se há obrigação de fazer ou de não fazer (Código de Processo Civil, ad. 302, XII). A
ação de preceito cominatório pode ser inserta na ação confessória, ou ser exercida à parte. A ação é de cognição
incompleta, com a alternativa de que se falou no Tomo XVIII, § 2.242, 2.

5. MEDIDAS CAUTELARES. — O titular do direito real de penhor tem as ações cautelares contra o dono do bem
empenhado, se os pressupostos do art. 675 do Código de Processo -Civil (e. a ., art 676, II) são satisfeitos.
O processo é o dos arts. 675, 682, 683, 685 e 688 do Código de Processo Civil. Pode ser proposta a ação,
preparatôriamente (Código de Processo Civil, ad. 684). Cf. Código de Processo
Civil, ad. 677.

6. AÇÕES POSSESSóRIAS. — O titular do direito de penhor tem a proteção possessória, quer como possuidor
imediato, quer como possuidor mediato, segundo os princípios.
O titular do direito de penhor tem as ações possessórias ~e a de vindicação da posse, — que se> não confunde com
a vindicação do (direito real de) penhor, ação que corresponde àrei vindicatio.
Sempre que tenha de- reaver a posse do bem, a prestação ~de perdas e danos sabe nos mesmos térmos em que a
pretensão tocaria ao dono, mas o dono tem de ser inicialmente citado para ser litísconsorte, porque o titular do direito
de penhor, que recebeu a posse imediata, responde como depositário. A eficácia da prestação de perdas e danos é só
entre autor e réu (cf. ERWIN SCHULTZ, Die Plandanapruche nach § 1227 des 5GB., 81 sJ.
Se o titular do direito de penhor não mais tem a vindicatória da posse, ou não tem ação possessória contra o dono do
bem, cabe-lhe a ação de vindicação do penhor (cf. P. MIETHKE, Wesen, und Umfang der Klage des § 1007 8GB., 31
s.; ERwIN .SCHULTZ fie Ptandanspr.gehe nach § 1227 des SOB., 86).
A tradição pelo possuidor imediato ao dono do bem, contra ou sem a vontade do possuidor mediato pignoratício, é
violação da posse desse (cf. CARL FEUSTEL, Der A.nspruch uns § 1007, 23).
Os meios que tem o titular do penhor para ir buscar a coisa são os mesmos que teria o possuidor próprio, e. g., os do
Código Civil, art. 502 e 557 (assaz importante em matéria de penhor rural; cp. CARL KRONBERCERr fie Anspr-
Uche des Eigeniúmers, 72). Cumpre, ainda, observar-se que não são pertinentes discussões sobre o que se há de
entender por tradição e violação da posse (e. g., quanto ao animus), porque o sistema jurídico brasileiro abstraiu do
animus e do corpus.

7. AçÃo PELOS DANOS CAUSADOS PELO flEM EMPENHADO. —Ao titular do direito de penhor também
cabe a ação de indenização pelos danos que lhe causou o bem empenhado.
Para se saber se e como incide o art. 773, é preciso que se apure qual o uso da coisa que se atribuira ao outorgado do
penhor ou qual a situação em que o havia de guardar (R. PELTASaN, Das Recht des Pfandguiubigers, 38 s.).

§ 1614. Ação de vindicação e ação confessória

PENHOR. — O titular do direito de peposse, negando-se o ação a propor-se é


1. VINDICAÇÃo DO senhor tem a vindicatio, se lhe foi tirada a -jus in re. Se a ofensa foi só à posse, a
possessória (Tomo XIX, § 2.348).
Na vindicação, é legitimado passivo qualqúer possuidor, imediato ou mediato (O. vON GIERKE, Lhe Bedeutung des
Fahrnisbesitzes, 55 5.; II. SCHOEN, Ist die Eigentumsklage des 8GB. nur gegen den unmittelbaren oder aueh gegún
den mittelbaren Besitzer zulàssig?, 41). Não o servidor da posse
(O. voN GIERKE, fie Bedeutung des Fahrnisbesitzes, 52; M. OSTERMEYER, Handbuch des Sachenrechts, 179;
sem razão, H. ISKY, fie Geschiiftsfiihrvng, 296). -

2. PENHOR E AÇÃO CONFESSÓRIA. — A ação confessória fêz-se inversa da ação negatória, o que a diferencia
de qualquer vindicatio simétrica à rei rindicatio (cf. Tomos XIV, §§ 1.571-
-1.586, especialmente § 1.585, e XVIII, § 2.244, 1). O titular do direito real de hipoteca tem a ação confessória. A
ação confessória é ação de condenação, conforme se expôs nos Tomos

XIV, § 1.585, XVIII, § 2.244, 3-5, e XIX, § 2.349. § 2.615. Ação executiva pignoraticia

1. GARANTIA REAL E AÇÃO. — O credor que obteve garantia pignoratícia para o seu crédito tem duas ações
inconfundíveis: a ação pessoal para satisfação do crédito pessoal, que pode ser executiva (e é provável que o seja) se
a lei faz do titulo extrajudicial, que se alega, título executivo, e a ação real pela qual se pede o importe do penhor,
com os interesses. A ação pessoal, se executiva, vai sobre todos os bens do devedor, ao passo que a ação real só
apanha o bem gravado. A ação pessoal dirige-se contra o devedor, que pode não ser o proprietário do beii~ gravado; a
ação real dirige-se contra o proprietário, ou o possuidor em nome próprio, e contra todos os que possam obstar à
extração do valor do bem gravado, para se satisfazer o penhor. Se devedor e proprietário não são a mesma pessoa, a
ação executiva pode iniciar-se com a constrição do bem gravado e a constrição do patrimônio, mas aí a cumulação de
ações executivas se caracteriza, o que pode dar ensejo a algumas difículdades práticas, a respeito de exceções. As
ações reais apresentam, de regra, certas vantagens, e a constrição de todos os bens, em virtude de ação executiva
pessoal, expõe o juízo às verificações concursais. Se só se propôs a ação executiva real, a ação pignoratícia, não há
pensar-se em concurso, salvo excepcionalmente
(Pode dar-se que o direito que se garante também seja munido de ação real, o que não é frequente. Por exemplo:
o penhor foi constituído em garantia de pretensão à reivindicação, ou de pretensão real a frutos ou uso. Então, há
duas ações executivas reais, uma oriunda do direito garantido e outra oriunda do direito real de garantia. Nada obsta a
que se garanta com penhor a pretensão emanada de outro penhor, como se o subscritor e emissor do u’arrant dá
outros bens móveis em garantia da satisfação do que se promete no warrant.)
Pôsto que se diga, a respeito de ação executiva pignora.. tícia, que se “condena o demandago”, referindo-se o juiz ao
proprietário do bem gravado, que foi citado, em verdade apenas se executa, e condenação somente há quanto a todos,
incluido o proprietário do bem gravado. Nesse ponto, errou KONRAD HELLWIG (Anspruch und Klagrecht, 861;
Lehrbuch
-des deutschen Zivitprozessrechts, 1, 204; .1. BINDER, Zur Lehre von Schuld und Haftung, Jherings Jahrbucher, 77,
182) ; porque seria ver-se relação jurídica entre o titular do direito de penhor e o proprietário, o que de modo nenhum
se há de admitir, embora, se o proprietário é o devedor, possa haver relação jurídica. Tão-pouco, se há de admitir a
opinião dos que recorrem a condenação condicional” (r condenação à prestasão de x, ~e se quer evitar a execução
forçada), que Tu. KIPP <E. WINDSCIIEID, Lúhrbuch, ~, 9.~ ed., 1197> insinuava. Nem se pode reduzir a eficácia
sentencia! a ponto de se fazer declaratória a ação (o que importaria dizer-se que a sentença há de julgar que o
demandante se pode satisfazer sõL)re o bem gravado), ou simplesmente condenação a tolerar a execução
(O. STRECKER, em G. PLANCK, Komnien (ar, ~ 4a ed., 906; RICHARD HORN, fie L’iqentftmelh?/pothúk 10 5.;
sem razão,IV. HEIN, Diddunq der Zwangsvollstreckunq 154 s.; K. HELLwio, Ansprnch um) Ria grecht, 861). Num
se poderia rebaixar a decisão a mera execução adiantada, que se dá por inserta em seu pedido, como se a sentença
houvesse de enunciar que “se pode prosseguir na execução forçada” (OTTo GElE, Recktsschutzbeqehren und
Anspruehsbesuuigung, 146).
Ainda quando o proprietário, citado, alega que não há crédito, ou que não mais o há, não exaure a posição de sujeito
passivo: o devedor, que não é proprietário, poderia alegá-lo, para excluir a execução segundo a par condicio; o
proprietário argúi a inexistência, para provar que não há penhor.

2. ADIANTAMENTO DE EXECUÇÃO. — A ação executiva pignoratícia começa pela constrição, que, aí, sorna.
à eficácia do gravame o que seria peculiar à penhora, razão por~que não ressaltou, na feitura da lei, a inusualidade da
expressão “penhora” (Código de Processo Civil, arts. 299-301). Se comparamos a solução processual brasileira com
as de outros países, fàcilmente se põe em relêvo a simplicidade do que se adotou.
As exceções que o proprietário ou possuidor em nome próprio pode opor, se só se propôs a ação executiva real, não
podem ter a extensão que teriam as que são cabíveis em ação executiva pessoal. A pretensão pessoal pode estar
prescrita, e não estar prescrita a ação real. Do outro lado, a pretensão real pode já ter desaparecido, e ainda ser
plenamente eficaz o crédito pessoal.
Se se vence o penhor, a ação executiva pignoraticia dirige-se contra todos, mas, pelas circunstâncias, há de ser citado
o dono ou possuidor do bem empenhado. O devedor só é citado se é dono do bem empenhado, ou se foi cumulada a
ação executiva pessoal.

3. DEFESA DO PROPRIETÁRIO DO BEM OU DO POSSUIDOR PRóPRIO. — Na ação real, se proprietário ou


possuidor próprio é pessoa distinta do devedor, as objeções e exceções que pode opor são diferentes das que teria o
devedor, na ação pessoal, ainda executiva.
O proprietário do bem gravado pode objetar e pode excetuar, na ação executiva pignoratícia. Objeção e exceção são
como exceções, porque está o demandado diante do título executivo.
As objeções negam que haja. penhor. As exceções própria-mente ditas encobrem a eficácia do direito real.
As exceções que tem o proprietário são as que teria o devedor cuja dívida foi garantida, exceto a de prescrição de
ação do credor contra o devedor e a de responsabilidade limitada do herdeiro (Código Civil, art. 1.587). Não raro, os
juristas confundem a prescrição das ações oriundas do crédito com a “prescrição” da ação executiva pignoratícia, que
é ação real.
O proprietário não pode opor exceção de prescrição da pretensão do credor; porque a pretensão que emana do penhor
é outra pretensão, ainda quando se exercem as duas ações, a ação executiva do crédito e a ação executiva
pignoratícia. A pretensão desaparece ou prescreve sem que a pretensão do crédito garantido esteja extinta ou
prescrita; e pode prescrever a ação do crédito sem que haja prescrito a ação pignoratícia.
Nos casos de constituto possessório, o executado não tem exceção de prescrição <Código Civil, art. 168, IV).
É exemplo de exceção peremptória a exceção de enriquecimento injustificado, se o penhor foi constituído com o fim
de adimplemento de obrigação que, depois, se verificou não existir. De exceção dilatória, a de ter-se concedido
espera ao devedor.
Há, também, as exceções fundadas em relação jurídica entre o proprietário e o credor, como a de espera ou moratória
concedida ao proprietário e a de fidúcia.
O titular do direito de penhor ou é satisfeito pela execução forçada, que vá até final, extraindo o valor do bem gra-
vado, ou pela remição que o legitimado a remir leve a cabo.
Em primeiro lugar, sem se aludir, entenda-se, às exceções de direito processual, são alegáveis pelo demandado pa
ação real as objeções e exceções que se baseiem em regras jurídicas sobre fundo e forma do penhor e sobre registro,
ou em convenções pessoais entre ele e o titular do direito de penhor, como, por exemplo, pacto de prazo para
pagamento.
Porém não lhe assistem certas exceções que assistiriam ao devedor pessoal contra o titular do direito de penhor, como
a exceção non adimpleti contractus (Código Civil, art. 1.092, 1•a alínea), ou a de caução segundo o art. 1.092, 2•a
alínea, ou a excepção quanti minoris, para se exigir redução no~ preço. Não tem a de prescrição, ainda que a divida
garantida esteja prescrita e haja o devedor alegado prescrição, nem a de beneficio de inventário se o devedor morre e
os herdeiros podem invocar ou invocaram o art. 1.796 do Código Civil (beneficio de inventário).
A matéria de decisão, trânsita em julgado, a favor do devedor é alegável pelo demandado na ação real; não é õponível
a ele a decisão, trânsita em julgado, contra o devedor (G. PLANCE, Kommentar, III, 868).
O demandado, devedor conjunto, na ação real não pode opor a exceção que haveria um dos devedores conjuntos se
só deu garantia à sua dívida (J. BIERMANN, Sachenrecht, 419).
O demandado na ação real pode opor a prescrição da açá& real, porém não a prescrição da ação pessoal das
pretensões a juros e outras prestações reiteradas (cp. G. PLANCK, Komment ar, II, 868; J. BIERMANN,
Sachenrecht, 491).
As objeções de não existir, ou de já não existir, como a de ter sido solvida a dívida, são alegáveis pelo demandado. A
renúncia pelo titular do direito de penhor é objeção própria do demandado na ação real, e a remissão da dívida pelo
credor,.embora concernente à relação jurídica entre credor e devedor, é alegável pelo demandado na ação real.
Resta saber-se qual a influência, do art. 1 .503 do Código Civil no trato do penhor. “O fiador”, diz o art. 1 .508,
“ainda que solidário com o principal devedor (arts. 1.492 e 1.493), ficará desobrigado: 1. Se, sem consentimento seu,
o credor conceder moratória ao devedor. II. Se, por fato do credor, fôr impossível a sub-rogação nos seus direitos e
preferências.
III. Se o credor, em pagamento da divida, aceitar amigâvel.. mente do devedor objeto diverso do que êste era
obrigado a lhe dar, ainda que depois venha a perdê-lo por evicção”. É priíícípio de interpretação que o demandado na
ação real de penhor ou de hipoteca pode opor o que importa em estar extinto o crédito. Nem por isso, no direito
brasileirp, o que o fiador, invocando o art. 1.503, 1, poderia objetar, o demandado na ação real de hipoteca também
pode. (O prazo de espera e a renúncia à hipoteca, prometida, embora ainda não registada, seriam exceção e objeção
do demandado na ação real, mas, ai, oriundas de relação jurídica pessoal entre titular do direito de hipoteca e
demandado. Não passam ao sucessor particular do proprietário, enfiteuta ou possuidor próprio do prédio gravado.)
O terceíro dador do penhor não tem o beneficium excusswrns,~ que o fiador teria (Código Civil, art. 1.491). Sobre
a questão, no que concerne ao direito romano, II. DERNEIJEO (Das Plandrecht 1, 462 s.), MÀX SCHRÍIDER (Das
Klagerecht des For ~ gegen den Drittschuldner 26 s.), Wn4LY MOSLER (Das beneficium excussionís, 40 s.) e Orro
SCHUMANN (Konstruktion und Streitlragen des pignus nominis, 38 s.).
O demandado na ação real não tem a exceção de prévia ação, ou exceção de ordem ou beneficio de excussão
(Einrede der Vorauskíage) que tem o fiador, com base no art. 1 .491 do Código Civil, salvo se o penhor garante
divida de fiador, porque aí é própria do débito garantido.
O demandado na ação real pode opor as objeções e exceções que lhe tocam, ainda se o devedor renunciou a elas.
O demandado na ação real pode compensar a sua divida com a do titular do direito de penhor ao devedor (ei. Código
Civil, art. 1 .013, 2.8 parte). Não importa se há dois ou mais créditos do devedor contra o titular do direito de penhor
e squele escolhe outro, e não o que o devedor apontaria, ou apontou; nem se, tendo o titular do direito de penhor
outros créditos contra o devedor, quer a compensação com outro, ou outros, e não com o crédito garantido pelo
penhor.

4. AçÃo EMANADA DO CRÉDITO E AÇÃO EXECUTIVA PIGNORATICL4. — Lê-se no art. 767 do Código
Civil: “Quando excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para o pagamento da dívida e
despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante”. O art. 767 apenas explicita que a ação
executiva real é distinta da ação de condenação, ou, se é o caso, da ação executiva pessoal que se irradia do crédito.
As pretensões são inconfundíveis. “Obrigado pessoalmente”, lê-se no art. 767. Todavia, pode acontecer que a ação
oriunda do crédito também seja a) executiva, ou b) executiva real, se a lei lhe atribui tal eficácia.

5. EFICÁCIA DA PENHORA NA AÇÃO EXECUTIVA PIGNORATICL&. — A penhora, nas ações executivas


reais, como a ação executiva pignoratícia, não tem a eficácia de não poder ser transferida a propriedade do bem
gravado; de modo que, se o proprietário aliena o domínio, é eficaz a alienação e o adquirente pode suceder ao
alienante, na relação jurídica processual. Se houve cumulação das ações executivas, real e pessoal, o adquirente do
bem gravado, se não é sucessor universal, está livre de vir contra ele a execução por ação pessoal.

§ 2.616. Ações do dono do bem empenhado

1. AÇÕES DECLARATóRIA, CONDENATÔRIA, REIvINDICATÕRIA E DE PRECEITO. — O dono do bem


empenhado tem as ações declaratória negativa, de condenação e de preceito que o dono do bem hipotecado teria.
Tem, ainda, a de reivindicação, se penhor não há, ou se o titular do penhor se tornou possuidor próprio, ou ligado a
outro possuidor próprio. Tem a ação de condenação por danos ao bem empenhado.
Não há prescrição das ações do dono do bem contra o titular do direito de penhor, que tem a guarda do bem
empenhado (Código Civil, art. 168, IV).

Se o outorgante do penhor não permitiu a venda amigável do objeto empenhado (Código Civil, art. 802, IV), a
espécie há de tratar-se como tôda venda sem poder de dispor: há ineficácia real da alienação; e o contrato de compra-
e-venda não pode ser adimplido sem ser por perdas e danos. Pode dar-se a pós-eficacização (Código Civil, art. 622,
2•a parte), ou a ratificação da gestão de negócio alheio (art. 1.343), como se o dono do bem recebe o preço por que
foi vendido. O preço fica em suspenso: ou se vai entender sub-rogado no bem, no que exceda ao com que se salda a
dívida, ou não há qualquer adimplemento ou sub-rogação real (sobre isso, ROBERT NEBINCER, Der
nichtrechtmtissige Pfandverkauf, 3, 14 e 41 s.; WILHELM ELOcE, Die Wirkungen des Mobiliar-Pfandverkaufs, 60
s.).
Na espécie do art. 770, alínea 2•a, do Código Civil, não há infração do art. 765 (proibição do pacto comissário),
porque, aí, a propriedade se transferiu ab initio, trate-se de penhor irregular (pignus irregulare) de dinheiro (cf.
FRITz HAAS, Die Sicherstellung durch tlbereignung einer Geldsumme, 1 s.; EUGEN REINHARD, Die Abrede der
Pjandverwirkung, 37 s.) ou de penhor de outro bem fungível.

CAPITULO 1

CONCEITO E NATUREZA DA ANTICRESE

~ 2.617. Conceito

1. ROMANO. — No direito romano, quando se permitia que o credor, cujo crédito foi garantido com algum objeto a
ele entregue, percebesse os frutos em lugar dos interesses, dizia-se que se dava, por eficácia do pacto, anticrese. O
crédito, esse, continuava garantido pelo penhor (MARCIANO, L. 11, § 1, D., de pignoribus et hypothesis et qualiter
ea contrahantur et pactis eorum, 20, 1: “Se se fêz anticrese e alguém foi introduzido no fundo, ou em casa, retém a
posse em vez de penhor, até que se lhe pague seu dinheiro, pôsto que pelos interesses perceba os frutos, ou dando em
arrendamento, ou percebendo ele mesmo; e assim, se houver perdido a posse, sói usar da ação fn Ia.ctunV’; L. 33, O.,
de pigneraticia actione vet contra, 13, 7: “Se o devedor houver pago a dívida, pode usar da ação pignoratícia para
recuperar a anticrese; pois, enquanto haja penhor, a palavra poderá ser usada”).
O pacto anticrético distingue-se da anticrese, direito real, porque a percepção dos frutos, na anticrese, é conteúdo do
direito. Do pacto anticrético só se irradiam diréitos, pretensões e ações pessoais.
Os papiros mostram muitas antícreses e muitos pactos anticréticos
Se o titular do direito real de garantia percebia os frutos sem que se houvesse estabelecido anticrese, tinha o dever de
aplicar o valor no pagamento dos interesses e do capital, entregando o excesso ao empenhante. Se fôra
convencionada a anticrese, tinha de aplicar o percebido ao pagamento dos frutos, e não do capital, que permanecia
garantido pelo penhor (cf. A. MANIGK, Glàubigerbefriedigung dnrch Nutzung, 48 a.;Antichretische
Grundstuckshaftung im grãko-àgyptischen Recht, Festgabe fUr Dr. E. GÍ5TERBOCK, 284 s.).
A obrigação de cuidar do bem ao perceber os frutos deve ter sido revelação posterior do direito.
No direito dos papiros, anticrese e penhor estão nitidamente separados. Mais se cogita do pacto anticrético. As raízes
greco-egípcias ressaltam.
Só em dois textos, ambos de MARCIANO, aparece no Cor-pus Juris o têrmo anticrese, aliás em grego.
Não faltou quem visse na anticrese romana direito real apenas sobre imóvel (e.g., MIRAIJELLI, Diritto dei terzi,
564> mas em verdade incidia em bens imóveis e em bens móveis.
Quanto a poder ser tácita a anticrese, o que hoje podemos assentar é que não se dá conta, na discussão, da diferença
entre pacto anticrético e anticrese. O pacto anticrético podia ser tácito; a anticrese, direito real, se existia, não. O
direito de percepção que resulta de simples pacto anticrético não é conteúdo de direito real.
A expressão grega não era usual entre os Romanos. O instituto preexistia a seu emprêgo, como por todos os povos
antigos (assírio-babilônico, siríaco, greco-egípcio, helênico). O elemento comum é a co’nt raf ruitio, a contrafruição,
a fruição no lugar de algo, ou contra algo.
Na L. 33, § 1, D., de pigneraticia actione vel contra, 13, 7,a anticrese é pignoratícia; na L. 11, § 1, O., de pignoribus
et hypothesis et qwiliter ea contrahantur d de pactis eorum, 20, 1, fala-se de anticrese que não -é pignoratícia (A.
MANICK, Glàubigerbefriedígung durck Nutzung, 8 e 48).
Os dados históricos sobre a anticrese esclarecem-nos sobre as fontes do instituto, porém não nos devem perturbar ao
têrmos de construir o direito real limitadoS, que o Código Civil concebeu. O direito de anticrese é inconfundível,
conforme veremos, com o direito de hipoteca e com o direito de penhor:
não recai sobre o valor, mas sim sobre a produtividade do bem imóvel. Donde não se poder extrair o valor para se
solver a dívida. O titular do direito de anticrese usa ou usa e frui, porém não pode executar, como anticresista, o bem.
§§ 2.617 E 2.618. CONCEITO DA ANTICRESE
2. DIREITO LUSO-BRASILEIRO. — No d!reito luso-brasileiro,
-a anticrese tanto se referia a móveis quanto a imóveis. O titular do direito de anticrese podia perceber os frutos,
naturais e civis, por si ou por outrem. Tinha por si a tutela possessória (ANTÔNIO DE SOUSA DE MACEDO,
Decisiones, 194 5.; MANUEL CONÇALvES DA SILVA, Cornmentaria, II, 7). Nas Ordenações Afonsinas, Livro IV,
Título 39, o penhor tanto recaia em bens móveis como em bens imóveis. Idem, nas Ordenações Manuelinas, Livro
IV, Título 26, e nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 56. No que respeita ao conteúdo do direito de anticrese, os
deveres do titular do direito de anticrese eram os mesmos do titular do direito de penhor; mas havia de pagar os
encargos, prelevando-os dos interesses, e prestai contas, exceto se se estipulou renda certa, ou se os rendimentos
foram para paga dos interesses, quaisquer que fôssem aqueles (MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, Notas de uso
prático, 1, 817 s., que se inspirou em 5. STRYK e 1 VOET), salvo se havia usura (COELHO DA ROCHA,
Jn.stituições, II, 528, com invocação do Preussisches Áligemeines La.ndrecht, 1, 20, § 231). O que sobrasse dos
rendimentos, MELO FREIE.E (Institutiones, III, 182 s.) queria que se imputasse ao capital.

§ 2.618. Distinções e definição

1. HIPOTECA, PENHOR E ANTICRESE. — Os três institutos são inconfundíveis; e não se poderia, definir um
partindo-se de qualquer dos outros. A anticrese não é hipoteca com posse e percepção dos frutos; nem penhor com
percepção dos frutos. Ainda quando no ato de instituição de penhor se pactuam a percepção e a imputação dos frutos,
não há anticrese. Nem pactos adjectos que dessem ao titular do direito de hipoteca a posse do bem imóvel e a
percepção e imputação dos frutos a tornariam anticrese.
fl êrro ver-se na anticrese alienação do uso e da fruição; o uso e a fruição enchem, aí, o conteúdo do gravame: a
propriedade é que fica, com a anticrese, gravada; de modo que se hão de repelir aproximações fáceis mas enganosas,
como “alienação de gôzo”, “alienação de uso e fruição”, “alienação de frutos Iuturos”, “delegação de frutos por parte
do devedor”.

2. DEFINIÇÃO. — Anticrese é o direito real pelo qual se garante o adimplemento por percepção dos frutos do bem
imóvel e imputação ao quanto devido. Não se garante para o caso de não se adimplir; garante-se, com a percepção, a
solução, por imputação.
A anticrese pode ser extintiva (os frutos são imputados àsatisfação das pretensões de capital e à satisfação das presta-
çôes de interesses), ou compensativa (os frutos são imputados só à satisfação das prestações de interesses). A última
pode ser concebida como de imputação à medida que haja frutos, ora mais ora menos, ou como satisfação dos
interesses, totalmente, a cada período, quaisquer que sejam os frutos (fructus in vicem usura rum). Numa e noutra
espécie, o anticresista, com a fruição, adim pie, em vez do constituinte da anticrese. Não adimple por procura, nem
adimple porque o constituinte não adimpliu; adimple porque o direito real de anticrese lhe permite perceber e
imputar.
No direito brasileiro só se tem a anticrese como compensatória se há juros e não se diz quais foram os fixados, ou se
em garantia de crédito de que se não determinou a quantia, nem ficou para ser determinada. Então, há álea. Se o que
o anticresista usou ou o que fruiu, ou usou e fruiu não perfaz o que havia de ser prestado, perde o anticresista; se
perfaz e excede, ganha o anticresista. A álea aproveita e prejudica.
Na anticrese total ou extintiva, há uso ou fruição, ou uso e fruição em lugar de algo, que se deve. Na anticrese
extintiva, que é anticrese em garantia do crédito e dos créditos por interesses, se os há, o crédito vai-se extinguindo
conforme a percepção (ou o que teria de perceber o anticresista). Pode-se pensar em anticrese extintiva só do crédito,
mas — no direito brasileiro — tal restrição depende de cláusula do acordo de constituição. Temos, assim, três
figuras: a) a anticrese extintiva do crédito e dos créditos por interesses, que é a figura normal ou típica (Código Civil,
art. 805, § 1.0, no qual se permite a restrição no tocante ao crédito principal, verbis “sómente a conta de juros”) ; b) a
anticrese extintiva só do crédito (dela não cogita a letra da lei brasileira, mas era a espécie mais usual e a que se
tinha, em geral, como anticrese extintiva) ; e) a anticrese compensativa, expressão pouco feliz, que seria a anticrese
satisfativa só de interesses, que se permite no art. 805, § 1Y.
No direito brasileiro é preciso atender-se a que existe regra jurídica dispositiva, não-escrita, que diz: “Se não se
declara. que a anticrese sómente garante as prestações dos interesses, é de entender-se que ela garante o crédito e os
créditos acessórios pelos interesses”.
A anticrese compensativa, pelo uso, pode ser concebida. como em lugar dos interesses, mas, ai, em verdade apenas
não se mencionou o valor dos interesses. tsse valor é o valor dó uso. O capital continua devido, sem qualquer
diminuição. Aí, também a renúncia à anticrese é possível; e há de ser entendido. que só a extinção do débito extingue
o direito real de antictese.
(Os dois sentidos de compensatividade quando se fala de anticrese compensativa obriga-nos a verificar qual o
conceito que cada jurista ou juiz emprega. Em verdade, não só interesses podem ser compensados; e ao falar-se de
anticrese compensativa quer-se frisar que, na espécie, há mais do que imputação:
a automaticidade cresce de ponto. Assim, em sentido estrito,. anticrese compensativa é aquela em que o uso e a
fruição compensam, pois compensar é compesar; em sentido largo, pode-se aludir à compensação — e não só
imputação — entre o crédito, ou o crédito e os interesses, e o uso e a fruição. Uns entram no lugar dos outros, porque
se pesam ao mesmo tempo e pesam o mesmo, compensando-se.)

3. DISTINÇÕES. — No pacto anticrétitzo, seja concernente a imóvel seja a móvel, o que o outorgado percebe é jure
debitons. Na anticrese, é iure propnio.
Tão-pouco se confunde a anticrese com a procuração em. causa própria. Nessa, sem posse, o outorgado recebe o que
outrem colhe ou paga. Na anticrese, há a posse, com a percepção e a imputação à dívida. O procurador in nem suam
exerce direito. do devedor, pôsto que para si; o anticresista exerce o seu próprio direito.
• Também com a cessão de uso e fruto não se confunde a anticrese. Ali, há transferência, e não percepção e
imputação. por direito real. Quem cede desde logo aliena, e recebe a contra-prestação, ou paga. Quem dá em
anticrese ainda não paga, nem deixa para pagar depois: o anticresista mesmo se paga
No direito de retenção, há algo de pressão psíquica sobre o devedor. Na anticrese, não: o anticresista tem poder, que
o •constituinte da anticrese, ou seu sucessor, não pode tirar. £sse poder lhe advém do próprio direito.
Nem há dação em pagamento na anticrese. Na datio in solutum, o devedor solve; na anticrese, garante. Quem dá em
anticrese não solve; quem recebeu em anticrese pode renunciar à anticrese, deixando incólume o vínculo do crédito.
Quem dá em soluto solve; quem recebeu não pode renunciar, porque o crédito se extinguiu. Na própria cessio pro
solvendo, nenhum gravame há. O cessionário é adquirente dos frutos e produtos, sem qualquer direito sobre o
imóvel, O anticresista não é adquirente de uso e de fruição; nem cessionário, ainda pro solvendo. É titular de direito
real limitado.
O exercício do usufruto pode ser cedido. Mas anticrese não é cessão de exercício de usufruto. Ainda quando se
constitui usufruto em segurança, ou se cede, em segurança, o exercício do usufruto, a anticrese não perde as
características, O usufrutuário em garantia percebe e imputa, mas percepção e imputação são fins que o meio excede.
Dá-se o mesmo com o titular do exercício do usufruto.
A anticrese também não se confunde com a) o usufruto constituído em dação do pagamento. Aí, o usufruto não é para
garantia, nem se transforma em anticrese. O pagamento é feito com a constituição do usufruto, que é o que se dá. A
cláusula de poder ser solvida a dívida antes do têrmo, se o negócio jurídico de que proveio a dívida o permitia, ou
não (porque o usufruto-dação supõe pagamento à data da constituição, e então o credor abriu mão do têrmo a seu
favor), tem de interpretar-se como cláusula de resolução. Se o usufruto foi constituído lO para se ir solvendo a dívida,
não há usufruto-dação mas usufruto em garantia. Desse negócio fiduciário já tratamos.
O negócio jurídico (acordo de constituição de usufruto), de que se irradiou, com o registro o direito real de usufruto,
é abstrato. Não há descer-se à causa do negócio jurídico subjacente. A espécie a) e a espécie lO não são anticreses.
Por isso, seria impertinente invocar-se o art. 760 do Código Civil (prazo preclusivo de quinze anos). Só
circunstâncias raras poderiam configurar fraus legis. Nem cabe buscar-se ao instituto da
antícrese qualquer princípio especial para inseri-lo no instituto do usufruto com dação in solvendo, ou do usufruto em
garantia.
Se, com o nome de usufruto, se constituiu anticrese, ou vice-versa, então sim, tem-se de tratar com os seus princípios
e instituto, a despeito do nomen inris inexato.
Na antícrese não há outorga de procura para percepção de frutos: não é procuração sequer em causa própria. Nem há
na atribuição qualquer resquício de justiça de mão própria, de auto-tutela satisfativa outorgada por acordo (repila-se o
que disse E. BETTI, Diritto processuale civile, 51). O perceber éconteúdo do direito real. Não se deram frutos em
pagamento:
não é dação em soluto. A antícrese garante o pagamento; o que se dá é o direito, não aquilo a que se tem direito.
Dando-se o direito de usar ou fruir, ou de usar e fruir, o anticresista adquire poder sobre a coisa de outrem, mas esse
poder é de direito próprio. O usufrutuário também está em tal situação, mas o direito, que tem, não é em garantia,
razão por que, ainda no usufruto em garantia, em que o ser em garantia resulta de outro acordo, não se pode transferir
o usufruto, como se poderia transferir a anticrese; nem a anticrese se extingue com a morte do anticresista.
(As considerações que acima foram feitas põem em evidêntia a distinção entre alienar e dar em garantia, mas, por
igual, entre constituir direito real de usufruto, uso ou habitação, e constituir direito real de garantia, dando uso e
fruto, ou somente uso, ou somente habitação. Se A, que deve x a B, constituiu, a favor de B, direito real de habitação,
para solver, com isso, desde logo, a dívida, ou parte dela, não se pode pensar em garantia. A divida ou a parte da
dívida se extinguiu. Não se garante o que não e mais. Se A, que deve x a E, constituiu, a favor de E, direito real de
habitação com a cláusula de se extinguir quando A solver a dívida, há cláusula resolutiva, e não direito de habitação
em garantia. Se A, que deve a E, constituiu, a favor de E, direito real de habitação, estabelecendo que a dívida se iria
extinguindo à medida que corresse o tempo de habitatio, em verdade se constituiu anticrese, e só se entenderia ter
sido constituído direito de habitação em garantia se isso fôsse frisado, ou se houvesse de interpretar ser intransferível
o direito do habitador.
No direito de usufruto, ou de uso, ou de habitação, os poderes independem de qualquer dívida: grava-se, sem
qualquer acessoriedade. Na anticrese, não: grava-se porque alguém deve. O devedor é o constituinte, ou terceiro.)
Na anticrese, o satisfazer-se com o uso e a fruição, ou somente com aquele, ou sámente com essa, é jure proprio: está
no conteúdo da anticrese que o anticresísta use e frua, ou s& use, ou apenas frua. No pacto de uso ou de frutos,
adjecto ao acordo de constituição de penhor, não se dá isso: não está no conteúdo do penhor o direito, que do pacto
de uso ou de frutos se irradia. O direito oriundo do pacto é pessoal.
Nas locações combinadas com os negócios jurídicos de mútuo, o locatário usa ou usa e frui, porém em compensaçao
sucessiva. Na anticrese, não há compensação: há percepção e imputação, por direito real sobre o imóvel.
Pode dar-se — e casos têm aparecido, frequentemente —que se conclua contrato de locação ~o em contratos de
mútuo, de modo que os juros sejam pagos pelo locador com os alugueres que receberia do locatário, ou com esses se
solvam a dívida do capital empregado e as dos juros. A figura aproxima-se da figura da antícrese, mas é
inconfundível com ela. O art. 805, § 1.0, do Código Civil não pode ser invocado, para se interpretar que a lei reputou
dispositiva a regra jurídica (não-escrita) de ser a dação em garantia de capital e interesses, embora permitido o pacto
de só se garantir o capital, ou só se garantirem os interesses. Aí, a expressão “compensação” estaria em sentido
próprio (os juros são compensados com os alugueres), pôsto que seja criticável na outra, “anticresecompensativa”.
A locação de que acima falamos pode ser em conjunto com a dação de pagamento dos juros, Udos como pagos
adiantada-mente, e não há negar, então, que se têxú os alugueres também como adiantadamente pagos. Tal contrato
de locação não é contrato misto. Trata-se de locação pura. Se, ao invés disso, se’ disse no contrato de mútuo que os
juros seriam pagos pelo aluguer, ou no contrato de locação se enunciou que os alugueres seriam pagos pelos juros,
continuaram puros os contratos de mútuo e de locação, a des peito de se pré-eliminarem os atos-
-fatos do pagamento dos juros e dos alugueres. Não há, aí,.
contrato misto, mas união externa de contratos, com manifestação de vontade sobre o modo de pagamento.
O pacto comissário na anticrese é proibido, tal como na hipoteca e no penhor (Código Civil, art. 765).
A execução forçada do imóvel sómente pode ser em ação executiva, real ou pessoal, concernente ao crédito
garantido, ou a outra garantia real (hipoteca).
O conteúdo da anticrese pode ser dilatado, ou diminuído; porém não a ponto de se atribuir ao titular do direito de
anticrese ação executiva real, extrativa de valor, porque isso a transformaria em hipoteca com pacto anticrético, ou
em figura dupla (hipoteca + anticrese>.
~ da maior relevância não se confundirem as ações executivas restitutivas, que têm o usufrutuário, o usuário, o
habitador e o antícresista (ações executivas reais), com as ações executivas extrativas de valor, que tocam ao titular
do direito de hipoteca, ao titular do penhor, ou ao portador do título incorporante de hipoteca ou de penhor (ações
executivas reais, como aquelas), e aos credores por títulos executivos pessoais (ações executivas pessoais).
São esses pontos por vêzes descuidados pela doutrina estrangeira onde não se chegou a dar balanço às investigações
científicas sobre as ações executivas.
A distinção entre as três subelasses de ações executivas (restitutivas, extrativas; extrativas reais e extrativas pessoais)
é do maior interesse técnico. É indispensável à ciência e à prática.
O que acima dissemos tão profundamente interessa o direito material e o processual que, com as simples noções, se
evitam muitos erros, freqúentes na doutrina e na jurisprudência.

4. TRANSMISSIBILIDADE DO DIREITO. — t transmissível, entre vivos e a causa de morte, o direito real de


anticrese, como o são o direito oriundo do acordo de constituição ainda não registado e os que se irradiam do acordo
seguido da posse, ou do acordo registado.
A transferência do direito de anticrese tem de ser inscrita no registro de imóveis, bem assim a renúncia.
O direito real de anticrese pode ser sujeito cláusula de inalienabilidagle nos mesmos casos em que o poderia o
domínio.

A cláusulação é negócio jurídico distinto, e não se integra no conteúdo da anticrese. Tem de ser averbada a cláusula
(Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 178, c), IV).
A inalienabilidade envolve a impenhorabilidade. Pode haver impenhorabilidade sem inalienabilidade.
A transmissão da anticrese entre vivos e a causa de morte implica a transmissão do direito real e da posse, ou do
direito real e das ações que tinha o titular do direito de anticrese, inclusive as possessórias.
CAPITULO II

OBJETO DA ANTICRESE

§ 2.619. Problema do direito real

1. PRECISÕES. — Quando se vai discutir se a anticrese tinha ou tem por objeto bem imóvel ou móvel, é de mister
distinguir-se da anticrese, direito real em cujo conteúdo está a percepção dos frutos para imputação no pagamento de
interesses, ou de capital, ou de interesses e capital, o pacto de anticrese, de que não se irradia direito de percepção e
imputação que seja conteúdo de direito real.
É inegável ser direito real a anticrese. fi-lo a lei. É inegável ser direito real de garantia. Também a lei o diz. A função
satisfativa, que tem a anticrese, não se choca com ser a anticrese direito real de garantia: garante-se a satisfação, pelo
moda mais eficiente, que é o de ter o credor a posse do bem gravado e poder usá-lo e frui-lo, ou só o usar ou só o
fruir. Não se trata de modo de pagamento. Nem sequer de cláusula ou pacto de cessio causa solvendi.
O anticresista tem de imputar ao pagamento o que fôr sendo percebido. Não há qualquer fidúcia, porque o que se
colima não é menos do que o que se atribui.
Quem renuncia à anticrese não remite a dívida. Por onde’ se vê que a atribuição do direito a satisfazer-se não é
satisfação, como se dá na dação em soluto; como atribuir direito não é-apenas dar procuração, ainda em causa
própria. Se a anticrese foi constituída por terceiro, não partiu do credor, sequer, o impulso à satisfação, que é tudo que
há na anticrese.

2.DIREITO ROMANO. — Pôsto que se houvesse negado a anticrese sâbre móveis no direito romano, devido ao
“fundus vel sedes” do texto de MARCIANO, houve anticrese sobre imóveis e anticrese sobre móveis. O influxo
francês foi que a limitou, no direito posterior, aos imóveis; de jeito que não se pode pensar, diante do art. 805 do
Código Civil, em anticrese de móvel.

3. DIREITO BRASILEIRO. — A anticrese, após o Código Civil, somente pode ser constituída sobre bem imóvel. É
direito real de garantia sobre imóvel, rústico ou urbano. O pacto anticrético, inidôneo à constituição do direito real,
pode fazer-se, mas só tem eficácia pessoal, oponível a terceiros (erga omnes), se transcrito no registro de títulos e
documentos, ou no registro especial do bem móvel, mas esse registro não é constitutivo.
Na prática, diante de anticrese e diante de pacto anticrético, ainda concernente a bem imóvel, sobre o qual seria
possível constituir-se anticrese e não se constituiu, a diferença entre eficácia erga omnes porém não real e eficácia
real ressalta. Aquela não correspondem ações reais; a essa, sim. O titular de direito oriundo de simples pacto
anticrético, que o possa opor a todos, nem por isso pode vindicar o bem. Se tem a posse, as ações possessórias, que
são reais, lhe cabem, mas essas emanam da posse, e não do pacto anticrético.
Resta saber-se se, tendo-se permitido a hipoteca de navios e a de aeronaves, a despeito da natureza mobiliária de tais
bens, pode constituir-se anticrese sobre eles. A resposta énegativa.
A regra juridica do art. 810, 1, sobre navios, e a posterior, respecial, que fêz possivel objeto de hipoteca as aeronaves
(Decreto-lei n. 483, de 8 de junho de 1938, art. 137), apos a matrícula, de modo nenhum tornaram bem imóvel o
navio, ou a aeronave: apenas abriram exceção ao principio de que o penhor é que recai sobre os bens móveis e a
hipoteca o que recai sobre os bens imóveis, O problema de interpretação das leis é semelhante ao que se levanta ante
o art. 810, 1, e a legislação especial sobre aeronaves ou o art. 714, relativo à constituíçao de usufruto sobre
patrimônio, ou parte de patrimônio.
Mas, se a anticrese não se pode constituir sobre navio, nem -sobre aeronave, porque, a despeito da hipotecabilidade,
continuam bens móveis, nada obsta a que sobre qualquer deles se constitua asufruto, ou uso, ou deles se dê posse,
com pacto anticrético.’Nem a que se incluam em patrimônio hereditário.

j,Podem as heranças ser objeto de anticrese? No direito francês, R. POTEI~~ (Du Cor&trat de Nantisseríttflt, 478) af
firmava-O. No direito brasileiro, s6 ao usufruto se permitiu ser em patrimônio (Código Civil, art. 714).
Cumpre observar-se que o objeto da anticrese pode ser dispositivamente fixado, em qualidade, em quantidade, no
espaço (e. g., frutos do lado esquerdo da ponte) e no tempo.
Mas o problema é mais de técnica interpretativa do direito registário do que de interpretação das regras jurídicas —
de direita ‘civil — sobre a anticrese. A herança aberta é bem imóvel, no sistema jurídico brasileiro. Vi-lo o art. 44,
III, do Código Civil, claramente. O argumento de não se ter dito, a propósito da hipoteca e da anticiese, o que se
estatuiu a respeito do usufruto, é fraco, fragílimo; porque o art. 714 teve por fito dissipar dúvidas daqui e de alhures
quanto ao usufruto sobre patrimônio. O que se expendeu acêrca da hipoteca tem todo cabimento (Tomo XX, § 2.439,
7). A anticrese da herança tem de constar do registro de cada imóvel. Se alguns bens móveis, que se incluem no
patrimônio, poderiam ficar expostos a constituição de penhores sem posse imediata, o caminho, que se tem, e único,
é o de fazer-se constar dos livros respectivos a inclusão deles na gravação anticrética.
inventariados os bens, o acordo pode recair sobre o patrimnônio, dando-se posse ao anticresista, podendo ser
averbado o inventário ao registro de cada bem.

§ 2$20. Partes ideais e partes divisas

1. ANTICRESE EM FAETE IDEAL. — Desde que alguém seja condômino ou co-enfiteuta, pode constituir anticrese
na parte ideal. A posse que se atribui é a composse, tal como existe no momento da constituição do direito real. Tem
de haver a entrega, trate-se de posse imediata, ou de posse mediata.

2. PARTES DIVIsAS. — Se foi averbado pacto de comunhão in-o diviso dos frutos, nada obsta a que o titular da
parte real do bem e da parte divisa quanto aos frutos constitua anticrese.

Seja como fôr, para a entrega da posse a terceiro é preciso que se atenda ao art. 633 do Código Civil, concernente ao
Cumpre que se não confunda com a anticrese de parte divisa a comunhão pro divisa de anticrese. Ali, conceptual e
juridicamente, a comunhão pro divisa precede à constituição da anticrese que só sobre uma parte recai. Aqui, a
anticrese precede à divisio: recaiu sobre o todo; os cotitulares da anticrese entenderam fazer cessar a cotitularidade
ou regular o exercício, mediante estabelecimento de comunhão pra divisa.

CAPITULO III

CONSTITUIÇÃO DA ANTICRESE

§ 2.621. Quem pode constituir anticrese

1.PRECISÕES. — Somente pode gravar quem pode dispor. O instituto da hipoteca ou do penhor grava o bem imóvel
ou móvel, para extração do valor do bem; o instituto da anticrese, não: somente submete à extração do valor os
frutos. A anticrese não é hipoteca com pacto anticrético. É mais, e é menos. É mais, porque exige a entrega do imóvel
e atribui o direito (conteúdo !1 de percepção e de imputação. É menos, porque não expõe todo o bem à extração do
valor.

2.LEGITIMAÇÃO DO OUTORGANTE. — Pode constituir anticrese quem pode dispor e tem direito real de fruição,
de que possa dispor. Quem constitui anticrese só dispõe de frutos, frutas presentes e frutos futuros. O usufrutuário
tem fruição; porém não pode dispor do usufruto, — só do exercício. O exerCICio do direito de usufruto, que se
outorga a outrem, não lhe dá direito real. Não se poderia, com ésse direito de exercício,
constituir anticrese. O pacto anticrético, sim, poderia ser concluído; não a anticrese, direito real. O enfiteuta pode
constituir anticrese. O marido, sobre os bens dotais, ou o pai, sobre os bens dos filhos, não: é usufrutuário
a respeito delas, regra jurídica que afaste a constituição de outra enfiteuse pelo enfiteuta, nem de outra anticrese, pelo
anticresista. Não há usufruto de usufruto, porque se proibiu a transferência e se há de inferir, a fortiori, que o
usufrutuário não pode constituir usufruto, pôsto que possa ceder o exercício.
‘ U~iduciárío pode constituir anticrese sêbre o bem do fideicomisso. Não pode o direito real ir além do dia em que
termine a propriedade fiduciária. O fideicomissário não o pode, porque não tem posse e pois não tem, com a posse, o
uso e a fruição, que possa atribuir a outrem. Passa-se o mesmo quanto à propriedade resolúvel sem fidúcia.
A anticrese pode provir de negócio jurídico do devedor, ou de terceiro dador da anticrese (Código Civil, art. 805, ver-
bis “ou outrem por ele”).
A anticrese constituída por pessoa que não tinha legitimação para constituí-la, por não ter o direito que invocou
(domínio, enfíteuse, anticrese), é ineficaz. Não é nula, nem anulável. Por vêzes temos chamado a atenção para esse
ponto, que é de grande relevância: a falta de poder de disposição ou de constituição não é causa de invalidade.
Nenhuma regra jurídica sobre nulidade ou anulabilidade as apanha. Nenhum texto pode ser invocado para se dizer
nula ou anulável a alienação ou a gravação pelo que não tem poder de alienação ou de gravação. O que se dá é que é
ineficaz o negócio jurídico de alienação ou de gravame. O caso típico é o de quem trans fere a propriedade da coisa
alheia.
Os efeitos que se podem apontar são os pessoais e os de aquisição e outros, que a lei atribui ao possuidor de boa fé.
O credor, a quem foi dada, pelo devedor, ou por terceiro, anticrese, sem que legitinjado fôsse o dador, tem as ações
perUnentes a negócio jurídico, ou lei, que lhe impunha a constituição, e a ação oriunda do acordo de constituição. Se
o dador ilegitimado acordou, fêz registar o. acordo ou consentiu no registro do acordo, que veio a fazer-se,
entregando posse ao outorgado da anticrese, a anticrese exsurge, mas ineficazmente, porque outrem pode reivindicar,
ou vindícar a enfiteuse ou a anticrese (se de subanticrese se trata).

§ 2.622. Elementos do suporte táctico da anticrese

1. TRÊS ELEMENTOS. — No sistema jurídico brasileiro, o direito real de anticrese somente surge se se juntam os
três elementos: a) o acordo de constituição, ou o negócio jurídico unilateral, se foi constituída em testamento; b) o
registro; c) a posse do bem imóvel. O que está à base da configuração do instituto é atribuição de fruição, a fins de
garantia (percepção de frutos + imputação no pagamento da dívida). Frutos naturais ou frutos civis (Código Civil, art.
806: “O credor anticrético pode fruir diretamente o imóvel ou arrendá-lo a terceiro, salvo pacto em contrário,
mantendo, no último caso, até ser pago, o direito de retenção do imóvel”).
Na discussão para se saber se a entrega da posse é necessária à constituição da anticrese, isto é, se, sem tal entrega,
não há anticrese, o que se tem de levar em conta é o texto da lei. Ao problema de técnica legislativa pode dar-se uma
ou outra solução e, como veremos, terceira seria possível, a) Se só se considera que há anticrese se, feito o acordo e
registado, se transfere a posse, não há direito real de anticrese antes disso, porque se modelou pelo penhor o instituto.
b) Se se entende que bastam os dois elementos, o acordo e o registro, com o registro Jogo nasce o direito real e, pois,
a ação vindicativa e a de imissio de posse. e> Se, em vez disso, é de mister que haja acordo de constituição da
anticrese, registro e acordo de transf erência da posse, sem esses três elementos não há pensar-se em anticrese, direito
real, nem em ação de vindicação e de imissão.

2. CONSTITUIÇÃO E DISPOSIÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE. — O que se disse sobre acordo de constituição,


no tocante à hipoteca e ao penhor, tem aqui tôda a pertinência.
A anticrese pode ser constituída per modum ultimae voluntatis. A dificuldade que se tinha era a que decorria de ter de
ser entregue a posse, mas, no sistema jurídico brasileiro, há a saisina (Código Civil, art. 1.572), o que afasta o argu-
mento. Talvez ao tempo de W. A. LAUTERBACDH (Dissertationes aeo4eraieae, 1, 233 s.) as dificuldades teóricas
fôssem grandes; não, hoje, no sistema jurídico brasileiro. O art. 805 não fala de figurantes, ou de acordo: a referência
a “credor” só diz resPeito à posse.
Os acordos de constituição de anticrese a que faltam a escritura pública e de que se não fêz registro não valem, por
defeito de forma, e não têm a eficácia real, de que se irradiaria o direito real de anticrese (cf. 1.~ Turma do Supremo
Tribunal Federal, 22 de novembro de 1942, 1?. 9., 99, 396, aliás confundindo validade com ineficácia). É êrro dizer-
se que se trata de contrato real, O acordo de constituição é consensual, perfaz-se sem posse; a posse e o registro são
os dois outros elementos do suporte fáctico para que surja a relação jurídica real (incidiram no êrro a 5.~ Câmara do
Tribunal de Apelação do Distrito Federal, a 1.0 de agôsto de 1938, 1?. dos T., 125, 655, e outros tribunais). A ação
que nasce do acordo de constituição não é real; real é a ação que se irradia do direito real de anticrese, para cuja
formação o acordo de constituição é apenas um dos pressupostos, que pode ser muito anterior à entrega da posse e ao
registro. Se houve acordo de constituição e se houve registro, a posse perfaz o suporte fáctico.
O acordo é formal. Escrito; se o valor passa da taxa legal, rege o art. 134, II, do Código Civil (Lei n. 1.768, de 18 de
dezembro de 1952, ad. 1.0). Não há acordo oral de constituição (cf. ad. 761).
(É preciso evitar-se a confusão, encontradíça em doutrinas estranteiras, entre contrato de que haja resultado crédito,
que há de sergarantido, e acordo para constituir-se anticrese — isto é, contrato de que se irradiou o crédito, que se
quer garantir, e o acordo de constituição, que é negócio jurídico bilateral, conceptualinente posterior.)
A invalidade do negócio jurídico de que se irradiou a divida não se contamina ao acordo de constituição. O que se dá
é que, sendo nulo o negócio jurídico que determinou o crédito, esse não pode ser garantido: não há crédito, porque,
em princípio, o nulo não produz efeitos e o crédito efeito é. Se o negócio jurídico é anulável, produz efeitos e a
extinção do crédito só aconteceria com o trânsito em julgado da sentença que decretasse a anulação. Por ser direito
real de garantia a anticrese, extingue-se ao extinguir-se o crédito garantido.
Na doutrina estrangeira, alguns afirmam que o contrato (?) anticrético não é consensual e outros que é real. Ora, o
acordo de constituição é constituído e eficaz antes da entrega da passe, de modo que seria absurdo ter-se como real o
acordo de constituição ainda nos sistemas jurídicos para os quais, como para o sistema jurídico brasileiro, a posse é
um dos elementos constitutivos, necessários, do direito real de anticrese. Todavia, cumpre advedirmos em que não há
contrato de anticrese, há negócio juridico bilateral de constituição de anticrese, negócio jurídico que se perfaz com as
assinaturas da escritura pública; e adqúire eficácia erga omnes, porém ainda não real, com o registro. A posse é
indispensável à eficácia real, o que não acontece com outros direitos reais, inclusive o usufruto, o uso e a habitação,
que dão “direito à posse” (Código Civil, arts. 718, 145 e 748). É preciso que se não confundam os acordos que,
registados, têm efeitos reais, com os acOrdos que só têm eficácia real com a posse (e. g., acOrdos de constituição de
penhor e de anticrese). O acOrdo de constituição de anticrese, após registro, não basta a que o outorgado vindique
contra o possuidor, nem a que tenha efeitos relativos a posse que não se recebeu. O constituinte de anticrese que é
proprietário, porém não tem posse, não pode transferir posse, de jeito que o direito real tido nasce. Se o constituinte
transfere a pretensão à entrega da posse, transferiu posse (Código Civil, arts. 493, III, e 621).
Não há acOrdo de constituição de anticrese que seja gratuito ou oneroso. A gratuidade ou onerosidade só se refere ao
negócio jurídico básico ou subjacente. O acOrdo de constituição de anticrese é abstrato. A própria atribuição de
imputação nada tem com a causa; porque pagamento é ato-fato jurídico, não é negócio jurídico.
O acordo de constituição da anticrese é acOrdo para se perceber em lugar do devido. Por isso a aquisição dos frutos e
o fato do uso independem da causa do negócio jurídico de que se irradiou o crédito. O anticresísta não restitui o que
recebeu se o acOrdo foi feito em tempo em que já não era ilícito o objeto, ou se a ilicitude não ocorre entre o credor e
o terceiro dador da anticrese. Se B alugou a C casa de jôgo proibido, ou estabelecimento de prostituição, e deu em
garantia da dívida, depois de finda a locação, posse de bem em anticrese, o acOrdo de constituição é válido. Se foi A,
que, ainda ao tempo do negócio jurídico de locação, deu em anticrese bem seu, para garantir o crédito de B contra C,
a anticrese vale, porque o acordo de constituição é abstrato.

3. POSSE, ELEMENTO DO SUPORTE FÁCTICO. — Lê-se no Código Civil, art. 805: “Pode o devedor, ou
outrem por ele, entregando ao credor um imóvel, ceder-lhe o direito de perceber, em compensação da dívida, os
frutos e rendimentos”. No § 1? acrescenta-se: “É permitido estipular que os frutos e rendimentos do imóvel, na sua
totalidade, sejam percebidos pelo credor, somente à conta dos juros”. Ainda no art. 806:
“O credor anticrético pode fruir diretamente o imóvel ou arrendá-lo a terceiro, salvo pacto em contrário, mantendo,
no último caso, até ser pago, o direito de retenção do imóvel”, O problema da posse ressalta.
No art. 805 do Código Civil alude-se, claramente, à entrega do imóvel. Tem-se de perguntar se nasce direito real de
anticrese com o registro do acordo de constituição, ou se somente nasce com a entrega da posse. Noutros têrmos: se a
entrega é elemento do suporte fáctico, ou se é eficácia, ato de execução por parte de quem constituiu a anticrese, ou
de quem está de posse do bem imóvel. No sistema jurídico brasileiro, tudo se passa à semelhança do penhor comum
(LAFAIETE RODRIGUES. EIWIRA, Direito das coisas, II, 22) : a posse é elemento para a eficácia real, pôsto que o
acordo de constituição da anticrese não seja real (sem razão, os juristas franceses e, na doutrina italiana,
CABERLOTTO, Anticresi, Nuovo Digesto italiano, 1, 497). De jure condendo, a solução de se considerar constituída
a anticrese com o registro do acordo de constituição é admissível, em parte preferível; mas o art. 805, & Lure
condito, afasta-& Tem-se, assim, que o acordo registado não atribui mais do que o acordo antes do registro, salvo no
que se refere à eficácia erga omites. Demandado, ou o outorgante cumpre, entregando a posse, ou não cumpre e
responde por perdas e danos, expondo-se à condenação por inadimplemento, com indenização. Em todo cáso, no
sistema jurídico brasileiro, a posse adquire-se por acordo, abstraindo-se do cor-pus, e de ordinário — na velha esteira
dos modelos cartulares portuguêses — a fórmula tabelioa diz “constituo e transmito a posse, por êste ata”. Perde
interesse, então, a discussão. Quem foi outorgado de acordo de constituição e de acordo de transmissão de posse,
tem, após o registro, não a ação de imissão de posse, mas a ação possessória de esbulho ou a de manutenção. Note-se
a diferença em relação à transmissão da propriedade, que se pode dar sem a transmissão da posse.
A posse que o constituinte da anticrese há de transferir não é sempre a posse imediata. O bem imóvel pode achar-se,
por exemplo, alugado. A transmissão da posse mediata também é entrega do bem imóvel. Qualquer tradição basta
(simples, brevi manu, longa lnanu), inclusive o constituto possessório, uma vez que o art. 769 é limitado ao penhor
civil de bens corpóreos, fora do penhor mercantil, rural e industrial. A tradição de posse mediata pode ser para que se
entregue, mais tarde (condição, ou têrmo), a posse imediata, ou para que a peça o outorgado. Em tôdas essas
espécies, claro é que o direito real de anticrese já nasceu.
A posse, na anticrese, tem função instrumental; permite a fruição. Não a tem de publicidade. A alusão do art. 806 a
“direito de retenção” é expressiva, pôsto que imprópria. Os juristas franceses de longa data referem-se a “droit de
retention” e foi isso que se insinuou no art. 805 (cf. PLANIOL-RIPERT-BECQUÉ, Traité pratique, XII, 284 s.) ;
porém não há, aí, direito de retenção: há mais, há direito de percepção e imputação, há direito à posse em virtude do
próprio direito real de garantia.
A posse foi tida como elemento necessário do suporte fáctico pelo Juízo de Direito de São Manuel <São Paulo), a 6
de abril de 1927 (R. dos 7’., 62, 130), e pela 4•~ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 6 de agôsto de
1931 (80, 454).
O fato de exigir o sistema jurídico brasileiro à constituição da anticrese o tomar posse o outorgado dá ensejo a
questões que merecem exame:
a) Se o acordo de constituição da anticrese já foi registado e o outorgado exerceu a ação para haver a posse do
bem imóvel gravado de anticrese, a litigiosidade da posse do bem começa da citação (Código de Processo
Civil, art. 166, III). O outorgado ainda não tem direito real (no direito brasileiro), mas a posse do bem já se
tornou litigiosa. A espécie há de ser tratada como de ação de condenação a prestação de coisa certa.
b)
Se já se chegou à ação de execução de sentença, a penhora tem a eficácia de tôda execução por obrigação de prestar
coisa certa.
O uso e a fruição são, aí, a res certa.
b) O registro, antes da posse, tem eficácia erga omnes, pôsto que não ainda a eficácia real. A solução técnica que, a
respeito da anticrese, deu o Código Civil brasileiro, exigindo os três elementos para o nascimento do direito real de
anticrese, serve para nos mostrar que os acordos de direito das coisas podem ter eficácia erga omnes sem que se
produza a eficácia real. Aliás, o registro do penhor, que é direito real que independe de registro, apenas lhe confere
eficácia erga omnes, no que toca a possivel alegação de fraude contra credores por antedata e outras razões.
c) A inscrição da anticrese pode ser oposta ao sucessor a título particular do constituinte e dá o grau à anticrese em
relação aos direitos reais posteriormente registados. Dir-se-áque, em sistema jurídico que tem a posse como elemento
necessário à constituição do direito real de anticrese, se não justifica que a prévia entrega seja dispensada, tal como
ocorre em direito francês; mas o sucessor do constituinte da anticrese somente pode adquirir conforme o registro e o
registro está marcado pela Inscrição da anticrese.
Portanto, o registro é meio para que o acordo de constituiçao tenha eficácia erga omnes. Com ele, o acordo é
oponível a terceiros, quer se trate de terceiros adquirentes do domínio, quer de terceiros a favor de quem se constituiu
direito real. Não há, ainda, eficácia real, porque o outorgado não pode vindicar, nem exercer ação possessória. Mas já
existe ação oriunda do acordo de constituição. exercível contra o constituinte e eficaz contra terceiros. A eficácia é
semelhante, porém não se confun(le com a eficácia real.
O acordo não tem eficácia erqa afines se não foi inscrito no registro de imóveis. A transcrição no registro de títulos e
documentos não lha daria. A respeito da anticrese, pode-se dizer que registro e posse é que são ato registário
constitutivo. Antes do registro, o acordo de constituição somente vincula o constituinte. Se ao acordo de constituição,
não registado, se segue a entrega da posse, o outorgado é possuidor, que se há de tratar segundo o ad. 507, parágrafo
único, do Código Civil (“justa título”) e conforme a sua boa ou má fé.
%e tal construção é acertada, ou não , de lege ferenda, depende do que tinha por fito o legislador: a) manter a posse
como elemento do suporte táctico, à semelhança do que se passa com o penhor, o que faz da anticrese mais penhor do
que usufruto; ou b) afastar a posse, como elemento necessário, para a considerar, apenas, meio de exercício do direito
de anticrese. O direito francês e o brasileiro tomaram o caminho a); o italiano, o caminho b), cf. Código Civil
italiano, art. 1.960.
O direito do outorgado, após o registro e antes da posse, é direito à posse (não direito de posse), que dá a pretensão
pessoal contra o outorgante. A posse, que se pede, é a posse qu e baste para o exercício do uso, ou da fruição, ou do
uso e da fruição, conforme se determinou, no acordo de constituição, o conteúdo do direito de anticrese.
d) Na falência do constituinte da anticrese (ou de seu sucessor), se o art. 52 do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho
de 1945, não pode ser invocado, nem há a ação do art. 58 do mesmo decreto-lei, a anticrese fica incólume. Quanto
aos frutos percebidos, com que se solveu a dívida garantida, ou parte dela, a invocação do art. 52, II, do Decreto-lei
n. 7.661 poderia atingi-los, por serem os frutos pagamento de dívida vencida e exigível dentro do têrmo legal da
falência, por forma não prevista no contrato subjacente (contrato de que se irradiou o crédito garantido).
Se o acordo de constituição foi registado e ainda não foi prestada a posse, a entrega da posse ao outorgado dentro do
têrmo legal da falência é de classiticar-se no art. 52, III, do Decreto-l~i n. 7.661, de 21 de junho de 1945, porque
ainda não havia exsurgído o direito real.
Se o acordo de constituição não foi registado, a espécie entra na regra jurídica do art. 52, VII, do Decreto-lei n. 7.661.
Se o acordo de constituição foi registado e a posse entregue no período legal da falência, a espécie cabe no art. 52,
III, do Decreto-lei n. 7.661.
e) Quanto à posse do anticresista, nenhuma distinção há entre poder fáctico, que ele tem, e o poder fáctico do dono,
do enfiteuta, do usufrutuário, do usuário, do habitador, do titular do direito de penhor, ou do locador, ou do
comodatário. O sistema jurídico brasileiro forrou-se a tôdas as confusões entre’posse e direito e chegou, em
doutrina, a grau de desenvolvimento que nenhum outro sistema jurídico alcançou. Algumas discussões, encontradiças
em sistemas jurídicos estrangeiros, entre posse do dono, do enfiteuta, ou do usufrutuário, e “detenção” do anticre-
sista, do locatário, ou do comodatário, fazem-nos sorrir, tanto ressalta o século ou quase século de atraso das
legislações. e da doutrina.

4. REGISTRO. — O acordo de constituição de anticrese tem de ser inscrito (Código Civil, ari. 676). Se houve acordo
e posse, e não houve inscrição, não há direito real.
Qualquer crédito pessoal de interesses é menos do que anticrese. Porém também é menos do que anticrese qualquer
entrega do bem imóvel, para que o credor de interesses perceba e impute ao que lhe é devido. Ainda que tal crédito
pessoal se registe, o que se faz no registro de títulos e documentos, não se perfaz anticrese. Portanto, se o crédito é
seguido desses. dois elementos, eficácia do registro e posse, direito real não há.
São inelimináveis os três elementos: a) o acordo de constituição de anticrese; b> a posse; o) o registro. A ordem dos
dois últimos não importa: pode ser entregue a posse antes de se registar o acordo de constituição, pode-se registar o
acordo de constituição antes de se entregar a posse. A expressão “entrega” está, aí, por transmissão, mas pode-se
pensar em casos em que o constituinte da anticrese não tenha a posse e essa esteja com o outorgado ou com terceiro,
mas haja renúncia à pretensão àentrega ou cessão da pretensão à entrega.

§ 2.628. Anticrese legal

1. POSSIBILIDADE TÉCNICA. — Nada obsta a que o legislador, em regra de jus dispositivum, ou de jus cogens,
estabeleça anticrese. Então, em vez de convencional, é legal a anticrese (cf. A. MANIa, Glliubigerbefriedgung durch
Nutzung, 54).
A anticrese legal rege-se pelos princípios constitucionais concernentes à intromissão na esfera jurídica dos que
voluntáriamente poderiam constituir anticrese. O Estado estabelece oi pressupostos para que ela se constitua,
automàticamente, ou por provocação. Pode acontecer que a regra jurídica, que regula a anticrese legal, a conceba
como direito que nasce após o exercício de direito formativo gerador.
De qualquer modo, é preciso que o Estado possa, perante os princípios constitucionais, retirar à propriedade privada,
ou à enfiteuse, ou à própria anticrese, o conteúdo da anticrese, que dispositivarnente ou cogentemente estabelece, e
que o titular do direito tenha a posse, que sofra a mesma intromissão do Estado na esfera jurídica do titular.

2. REGRAS COMUNS. — Se o texto que acaso dê ensejo à anticrese legal não diz se a imputação do percebido é
aos frutos ou aos frutos e ao capital, incidem os arts. 805, § 1.0, e 806 do Código Civil.

§ 2.624. Anticrese judicial

1. FUNÇÃO DO JUIZ. — O juiz pode constituir anticrese nos mesmos casos em que pode constituir hipoteca ou
usufruto.
A anticrese judicial pode prestar serviços de monta, no regramento de relações jurídicas entre comuneiros,
interessados na extinção de comunhão, ou credores e devedores. Se os próprios figurantes a suscitam, isto é, se
acordam em que o juiz constitua judicialmente a anticrese, não acordaram na constituição da anticrese. Não é o
mesmo que acordar na constituição de direito real ou pessoal acordar em que o juiz constitua, como não é o mesmo
outorgar venda ou venda e transmissão da propriedade e outorgar procuração para vender ou para vender e transferir
a propriedade.
Sem essa provocação, pode o juiz constituir anticrese quando essa fôr melhor solução, in casu, do que a hipoteca
judicial.
2. POSSE E DIREITO A POSSE. — Se a anticrese foi constituída judicialmente, o direito real não surge antes da
posse e não contém o direito à posse.

§ 2.625. Anticrese e hipoteca

1.CONSTITUTÇÓES SIMULTÂNEAS OU SUCESSIVAS. — O mesmo bem pode ser hipotecado e gravado de


anticrese, por atos constitutivos simultâneos; ou o bem hipotecado vir a ser gravado de anticrese, ou vir a ser gravado
de hipoteca o bem já sujeito a anticrese (L. 1, C., quod cum to qui in aliena est potestate negotium gestum esse
dicitur, vel de pecidio seu quod <usiu atd de is rem verso, 4, 26; L. 14, C., de usuris, 4, 32).
Cada direito real de garantia se rege por seus princípios. Se o bem está hipotecado, ou se vem a ser hipotecado, a anti
— crese não atinge o valor do bem, porque a anticrese do sistema jurídico brasileiro não é a do direito francês, com a
influência do nantissement imobiliário. No direito francês, o anticresista tem direito de fazer vender o bem (e.g.,
PLANIOL-RIPERT, Traité pratique, XII, 284 e 288); mas tal deformação do instituto há de ser repelida pelo direito
brasileiro. Não há para a anticrese a ação executiva real do art. 298, VI ou VIII, do Código de Processo Civil,
extrativa de valor.
Certamente, o outorgado do direito de anticrese, que recebeu direito real e posse, pode ir contra o constituinte ou
contra terceiro, vindicatôriamente, se há os pressupostos, ou pela ação possessória, e tódas essas ações são executivas
reais; mas executivas reais restitutivas, e não extrativas.

2. Execução HIPOTECÁRIA. — A execução hipotecária não pode atingir a fruição, que está gravada com a
anticrese. A penhora deixa livre a percepção dos frutos pelo anticresista.
O art. 805, § 2.0, do Código Civil disse, em têrmos claro,:
“O imóvel hipotecado pode ser dado em anticrese pelo devedor ao credor hipotecário, assim como o imóvel sujeito a
anticrese pode ser hipotecado pelo devedor ao credor anticrético”. ,~ Veda o art. 805, § 2.~, que se dê anticrese de
imóvel hipotecado a quem nao é o titular do direito de hipoteca, ou que se dê hipoteca de imóvel sujeito a anticrese
se o outorgado não é o anticresista? A interpretação literal seria afirmativa; mas quem hipoteca nao aliena frutos, nem
a anticrese grava o valor do imóvel (cf. LAFAIETE RoDRIGUEs PnzmÃ. Direito das coisas, II, 26s.).

Tanto a negativa de vedação do segundo gravame é a interpretação verdadeira que o art. 808 supôe outros credores
hipotecários sem ser o anticresista: “O credor anticrético pode vindicar os seus direitos contra o adquirente do
imóvel, os.credores quirografários e os hipotecários posteriores à transcrição da anticrese”.
Na doutrina anterior e na jurisprudência posterior ~o Código Civil, tem-se entendido que o mesmo bem pode ser
gravado de hipoteca e de anticrese, ou vice-versa (TEIXEIRA DE FREITAS, COIZSOIUUÇGO das Leis Civis, art.
768; LAFAIETE IloDIUGUES PEItEIRA, Direito das Coisas, II, 27 8.; Juízo da 2.’ Vara da Fazenda Pública do
Distrito Federal, 21 de junho de 1941, R. de .1. B., 52, 195; Câmaras Cíveis do Tribunal de
Apelação de Minas Gerais, 20 de abril de 1939, R. F., 79, 302). Todada, o pacto anticrético que se insere no acordo
de constituição de hipoteca, ou que sobrevém a esse acordo, pode ser simples pacto, se não se concebeu como acordo
de constituição de anticrese e não foi inscrito. O simples pacto, que não é inscritivel, e o acordo de constituição de
anticrese, esse, se não foi inscrito, não dão pretensões e ações reais. O pacto há de ser interpretado ou como cessão de
alugueres (4.’ Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, 17 de outubro de 1949, 1?. dos T., 183, 772), ou
como outorga de direito pessoal de uso e fruição.
Cumpre que se não confunda a eficácia pessoál erga omites, que pode derivar de registro do pacto anticrético no
Registro de Titules e Documentos, com a eficácia real, que o pacto anti— critico, seja ligado a hipoteca, seja ligada a
penhor, neto tem,. no sistema jurídico brasileiro.
No penhor, havendo pacto antictético, se o objeto está na posse imediata do titular do direito de penhor, ou na sua
posse imediata mediatizada, o fato de “reter” o objeto — que é o fato de possuir, com tutela jurídica possessória —
torna fácil o uso, ou o uso e a fruição, ou a fruição, e a eficácia pessoal erga omites permite algo que fácticamente
corresponderia à anticrese de móvel, se o sistema jurídico a tivesse. Mas tal quase-coincidência fáctica não perfaz
coincidência jurídica.
Na hipoteca, qão havendo posse, a atribuição da posse com o pacto anticrético seria combinação de locação, ou outra
relação jurídica, com a percepção dos frutos, ou com o uso e a fruição,. para solução da dívida, à medida que corresse
o tempo.
Nunca seria demasiada a insistência em se caracterizar e instituto da anticrese, tal como chegou a cristalizar-se no
direito brasileiro. É direita real limitado, direito de garantia, constitui—se e exerce-se com a posse, imputando—se à
solução d; divida o que se percebe (ou que se deveria ter percebido). O anticresista tem o dever de imputar. Se não
percebe o que possa ser imputado, porque o não quis, ou porque lhe cabo a culpa na percepção defeituosa ou em não
perceber, tudo se passa como se a imputação houvesse ocorrido.
No ato constitutivo da anticrese pode ser regulada essa imputação in abstracto. Inclusive pode fixar-se o que se
reputa o valor do uso ou da fruição, ou de ambos, ou o valor mínimo, eu médio.
A respeito dos cuidados por parte do anticresista, ou por sugestão de elementos objetivos (e. g., delicadeza do bem
em anticrese), ou por sugestão de elementos subjetivos (e. g., precisar de vigilância o trato do imóvel e ser caixeiro-
viajante ou militar ou marinheiro o anticresista), ou por sugestão de suspeitas não expressas, podem os acordantes da
constituição da anticrese aumentar ou diminuir a responsabilidade do anticresista, contanto que se neto de>torrne,
em seu conteúdo, o direito real -de anticrese.
Pode-se dispor que o anticresista substituirá os animais que morrerem por animais nascidos deles, ou de igual
qualidade, miudeando-se os requisitas. Pode-se prever substituição periódica de peças, ou tratamento dos campos,
podagem das árvores e replantio.
Quanto ao dever de colhêr, versaremos o assunto a seu tempo.
O que importa é que, no exercício da autonomia da vontade (auto-regramento da vontade), os interessados não vão a
ponto de deturpar o instituto, O que foi constituído, deformando o conteúdo da anticrese, ou se terá como elemento
do conteúdo de outro instituto de direita das coisas, desprezando a interpretação o nomen iria, ou não se atende, ao
aplicar-se regra jurídica concernente à anticrese.
Se. foi estabelecido que a anticrese não diminui o crédito conforme o que se perceba, mas por valor que se deu ao
usoe à fruição, de modo que, atingido o têrmo, se extinguem crédito e anticrese, não há exprobrar-se ao anticresista
qualquer negligência em explorar e colhêr. Tôda pretensão contra me teria de ser fundada em mau uso, ou dano
causado ao bem imóvel sujeito à anticrese, ou a pertenças dele.
Se a anticrese é de parte ideal, de modo que há composse, as relações jurídicas entre o dono do bem dado em
anticrese e o anticresista são inconfundíveis com as relações jurídicas entre aquele, como compossuidor, e esse, como
compossuidor, que também é.
As ações reais e pessoais são as que se irradiam de cada relação jurídica, sendo de notar-se que a relação jurídica em
que é titular o anticresista é relação jurídica real, portanto perante todos e não só perante o dono atual do bem.
Quando o anticresista chama a juízo, nas ações reais, o dono do bem gravado de anticrese, o citado entra na relação
jurídica processual como interessado, que é, e, pelas circunstâncias do momento, provàvelmente o maior interessado.
Se o anticresista alugou o prédio, ou, por outra relação jurídica, deu a outrem a posse imediata, mediatizou-se a sua
posse.
1-lá a posse própria do dono, que acordou na gravação ou que sucedeu ao constituinte da anticrese, a posse imprópria
do anticresista, que pode já ter começado como posse mediata (e. g., o bem já estava alugado e há de o anticresista
perceber os alugueres), ou ter-se iniciado como posse imediata, que se mediatizou, conforme dissemos, ou que
continuou posse imediata.
A posse do terceiro, que vem abaixo da posse do anticresista, nãç. se engata na posse própria do dono. Por isso
mesmo, se o locatário é o dono, há a posse própria, mediata, do dono, a posse imprória, mediata, do anticresista e a
posse imprópria, imediata, do dono.
Se alguém turba ou esbulha a posse do anticresista, ou de quem houve do anticresista a posse, pode ser demandado
pelo anticresista, ou pelo que dele houve a posse. O dono, esse, sõmente tem ação possessória se e enquanto os atos
ou omissões do terceiro ofendam a sua posse

A posse do dono também pode ser turbada ou esbulhada sem que o seja a posse do anticresista.
O essencial é que, no trato das questões de posse, à posse~ e não ao direito, é que se atenda, e se procurem
caracterizar as situações tácticas e as ofensas.

CAPITULO IV

CONTEÚDO DA ANTICRESE
§ 2.626. Direito real típico

1 VALOR. — Os frutos, uma vez percebidos, podem e devem ser imputados ao pagamento da dívida e dos
juros (Código Civil. art. 805), ou só dos juros (art. 805, § 1.~>.
O valor que se apura é o dos frutos percebidos, não o do bem,sobre o qual não incide a anticrese. O anticresista
satisfaz-se, voluntàriamente, com os frutos percebidos: a imputação pelo possuidor anticrético é, aí, traço distintivo.
A realização do crédito é à semelhança da execução em justiça de mão própria. Mas, na anticrese, não há pensar-se
em justiça de mão própria, porque a satisfação é conteúdo do direito real. O direito real é de garantia, sem se tratar de
percepção e imputamento só em caso de inadimplemento: garante-se o crédito exatamente atri— buindo-se ao
outorgado o direito de adimplir, em lugar do devedor. Não há, no momento, em que a imputação se dá, qualquer fato
do devedor, razão por que a satisfação pela anticrese éinconfundível com a satisfação pela datio ii,. solutum. O fato
do devedor, ou do terceiro dador da anticrese, está attes, no ato constitutivo.
A anti crese, quer extintiva, quer compensativa, vai solvendo crédito. Na extintiva, o débito principal esvai-se; na
compensativa, só os débitos de interesses, que são acessórios. A anticrese extintiva é imputativa; e — se atendemos a
que Os interesses se vão produzindo periodicamente — a imputação
não se caracteriza: cada dívida é nova dívida, embora acessória; e extingue-se no prazo correspondente. Todavia,
pode haver discordância entre o percebido e o devido, dando-se imputação, às vêzes — o que é digno de notar-se —
a créditos futuros.
Quando se prevê que o anticresista dê contas do que percebeu a mais, ou a menos, ou do que imputou, desaparece a
álea da anticrese que se apontou em fontes romanas (e. g., L. 11, § 1, D., de pignoribus et h’ypothecis fl qua2iter ea
contrahantur et de pactis eorum, 20, 1; L. 17 e L. 14, C., de usuris, 4, 82).
A álea elimina-se completamente se não se diz qual a taxa de juros ou se estima em igual valor o uso, ou a fruição, ou
o uso e a fruição.
Seja como fôr, no sistema jurídico brasileiro, a regra é não ser aleatório o negócio jurídico de constituição de
anticrese. A álea é que pode ser introduzida.
O anticresista garante-se com o uso ou a fruTção, ou com o uso e a fruição. Se falha a sàt4sfaçáo do crédito, sem
haver pacto de álea, o crédito pode ser cobrado, inclusive com adiantamento de execução se a lei lho conferiu. A
anticrese, que falhou em sua função, não basta ao anticresista: não produz ação de execução forçada.
Na anticrese, o outorgado tem a posse, o que lhe dá a apropriação dos frutos e o uso do bem imóvel, como elemento
do conteúdo do direito. Muito diferente é o que se passa coma cessão pro solvendo de produtos e frutos, na qual não
há atribuição de posse do imóvel (menos ainda de direito real), e — se há — resultou de outro pacto, estranho à
cessão.

2. RETENÇÃO — O direito de posse que tem o anticresís ta não é direito de retenção; é o direito à posse para
perceber e imputar. A expressão que aparece no art. 806 é atécnica. Ai, o direito mesmo consiste em realização
voluntária do crê-dito. Até que se pague da divida, o anticresista permanece na posse e pode defendê-la, com as ações
possessórias. Tal direito é real, por isso erga omites. Não só se dirige contra o devedor, ou o terceiro dador da
anticrese.
Resta saber-se se o anticresista tem o direito de retenção de que fala o art. 516 do Código Civil (benfeitorias necessá-
rias e úteis) ou por despesas (arts. 1.815 e 1.889). As despesas são deduzidas dos frutos percebidos. Não há pensar-se
em direito de retenção.
Se o direito de anticrese não existia, então sim, o que se cria anticresista pode ser possuidor de boa fé e invocar o art
Traço característico da anticrese é que se outorga ao titular do direito real o satisfazer-se pelo uso e fruição, ou pelo
uso ou pela fruição, em vez de só se satisfazer em caso de inadimplemento: o ato dele é satisfativo, e não de
execução pelo inadimplemento. Nem por isso se lhe há de negar a função de garantia, como alguns juristas europeus
insinuavam.
Na insolvência e na falência, a anticrese é de tratar-se como o penhor, o usufruto e a hipoteca, porém mais como
penhor ou imufruto do que como hipoteca. É, até certo ponto, usufruto em garantia. O que mais a distingue é o poder
de imputação, ora ao pagamento do capital e interesses, o que é a regra, por ser o art. 805 jus dispositivum, por
explicitação devida ao art. 805, parágrafo único, ora só ao dos interesses. É inconfundivel com o negócio fiduciário,
porque não há excedência da atribuição a respeito do fim.
O uso ou o uso e a fruição têm de ser à semelhança do uso ou da fruição que tocam ao usufrutuário. No que o
instituto é de garantia, os princípios do penhor são invocáveis. Nem o penhor com pacto anticrético se faz anticrese;
nem o usufruto em garantia (cf. A. VON TIJER, Der Aligemeine TeU, II, 2, 190;
K. Konn, .T. v. Staudingers Kommentar, III, 569) com ela se Identifica. O usufruto em garantia teria o inconveniente
da intransferibilidade.

§ 2.627. Direitos do anticresista

• 1. POSSE E— O anticresista pode exercer a posse imediata, ou mediatizá-la (e. g .~ dando em locação o imó—
vel). Se recebeu a posse mediata, recebeu-a com o poder de vir a ter a posse imediata. Em verdade, recebeu a posse
mediata e pretensão à entrega da posse imediata.
Quanto à posse, havemos de precatar-nos contra a influência de sistemas jurídicos em que se não chegou à altura da
doutrina da posse que o direito brasileiro alcançou (e. g., do francês e do italiano, em que se reduz o anticresista a
detentor, cf. C. A. FUNÁIOLI, La Tradizione, 809, e VírroRIo TEDESCHI, L’.4ntirresi, 79>.

A fruição pode ser pelo próprio anticresista, ou em caráter de usufruíção, ou só de uso ou habitação (L. 11, § 1, D.,
de pignoribus et hypothesis et quoliter ea contrahantur et de
partis eorum, 20, 1: “aut ipse percipiendo habitandoque”). Ou se fixou o valor dos frutos, ou o valor há de ser o que
fôr estimado a cada momento, ou para certo período.
O anticresista tem direito aos frutos antes de os perceber. Os frutos pendentes são objeto do direito de anticrese,
como os frutos futuros. Sobre aqueles que já têm posse, como o usufrutuário (Tomo XIX, § 2.274). Com a separação
dos frutos, não é como anticresista que a eles tem direito, é como dono. Daí ser impertinente, aqui, a discussão
quanto a serem seus os frutos após a separação ou após a percepção. O que importa saber-se é que o direito do
anticresista é anterior à separação; donde a impenhorabilidade dos frutos pendentes. Os frutos civis, esses, são dele
desde o momento em que os recebe, mas, também, em relação aos frutos civis, o que ainda pende ou é de esperar-se
que se produza, durante a relação jurídica anticrética, não pode ser penhorado.
Se a anticrese se constituiu a non domino, regem os arts. 510-519 do Código Civil.
Quanto ao início e à cessação da anticrese, o anticresista tem direito a todos os frutos naturais pendentes ao tempo
em que recebeu a posse, uma vez que, no direito brasileiro, não se perfaz sem a posse o direito real. Se não se perfez,
só há a responsabilidade pessoal pelo acordo de constituição, mas esse permite exigir-se o que se separou ou seria
separável depois da sua conclusão, ou desde o momento em que teria de ser dada a posse. Quanto aos frutos civis, a
posse é que decide: se a entrega da posse foi a 15 do mês, o aluguer que se receber pertence metade ao dono do bem
e metade ao anticresista, salvo se antes de 15 deveria ter sido entregue. A proporcionalidade nem sempre há de reger
a distribuição dos frutos naturais e civis, porque pode não estar solvida a divida; nem é de invocar-se se o ~côrdo de
constituição tomou a separação ou a separabilidade no têrmo como exauriente da dívida. A cláusula expressa pode
adotar a proporcionalidade para o último período.
Constituída a anticrese, portanto registado o acordo de constituição e entregue a posse, os frutos naturais pendentes
1
vão ao anticresista, que os faz seus desde a separação, de modo que sobre eles nenhum direito tem o constituinte. O
direito do anticresista ao uso e à fruição, ou só a essa, começou desde o momento em que nasceu o direito real de
anticrese. Não há por onde invocar-se, quanto a despesas, o art. 511, 1.8 parte, ia fine, do Código Civil.
Extinta a anticrese, inclusive se a causa foi ter-s completado o prazo preclusivo (Código Civil, art. 760, 2.~ parte), ou
o crédito já foi satisfeito, ou não foi. Se já foi satisfeito, não há dificuldades: o que foi separado e bastou a satisfação
passou ao domínio do anticresista. Se o crédito não foi totalmente satisfeito, o que era pendente proporcionalmente
vai ao anticresista e ao constituinte da anticrese, conforme o tempo de posse. Não se pode trazer à tona o art. 512, 1.8
parte, do Código Civil, nem o art. 721, parágrafo único, porque, na anticrese, os frutos pendentes garantem (cp. art.
528).
Resta saber-se se o que cabe ao constituinte da anticrese lhe é devido como coisa própria, ou como objeto de
obrigação do anticresista. Preliminarmente, observemos que os argumentos sobre os inconvenientes da comunhão de
aquestos não colhem atendimento, porque só teriam pertinência de lege ferertda. Com a cessação da anticrese, o
anticresista deixa de ser anticresista: a sua posse termina, e a permanência na posse do bem imóvel ou é esbulhativa,
ou como gestor de negócios alheios, ou com outro título. Por outro lado, com a extinção da anticrese, a comunhão de
aquestos é inevitável, uma vez que não há, a respeito da anticrese, regra como a do art. 512, 1.8
parte, nem como a do art. 721, Civil, referente ao usufruto. As lerenda e de lege lata, militam a dos aquestos, em se
tratando de usufruto e a outros direitos, não da anticrese, que é direito real de A maior dificuldade quanto aquestos
estaria na espécie do parágrafo único, do Código considerações que, de lege favor da incomunicabilidade posses que
correspondem ao se devem trazer ao instituto garantia.
à solução art. 760,preclusivo), mas o argumento de ser óbice à cômoda disponibilidade do imóvel o existir a
comunhão de aquesto (assim, VíTToxuo TEDESCRI, L’Anticresi, 76> é insubsistente. Finda a anticrese, pela
expiração do têrmo legal ou convencional, o dono a comunhão de 2.8 parte (prazo ou enfiteuta retoma a posse do
prédio, e nesse momento o ireito do anticresista aos frutos pendentes ou é garantido com caução, ou perdura, sem
caução, como direito pessoal contra o possuidor próprio, que se reinveste na posse, ou o anticresista deixou de opor a
sua exceptio. (Já não tem ele a retenção como conteúdo do direito de anticrese; só tem a exceptio retentionis. É
preciso que se não confundam os dois conceitos.>
Quanto aos frutos civis, terminada a anticrese, a regra juri— dica do art. 512, 2.’ parte, do Código Civil, é geral: “Os
(frutos> civis reputam—se percebidos dia por dia”; e de modo nenhum a natureza do direito de anticrese, que é
direito real de garantia, com posse, se opõe à sua invocação. Os que antecipadamente se colheram hão de ser
restituidos, — pertencem ao dono ou enfiteuta do bem que estava gravado de anticrese.
Tratando-se dos frutos civis no início da anticrese, a regra jurídica do art. 512, 2.8 parte, é afastada pela própria
natureza do direito de anticrese: a eficácia do direito real de anticrese já começou, ex hypothesi; e ele mesmo
principiou de irradiar os seus efeitos desde que os três elementos do suporte fáctico se juntaram (acordo de
constituição, registro e posse). A separação dos frutos só tem a significação de ser “o que se espera” com o direito
expectativo. Antes dela, os frutos pendentes já não estão no patrimônio do constituinte, porque o uso ou a fruiçao ou
o uso e a fruição já pertencem ao anticresista.

2. PERCEPÇÃO E IMPUTAÇÃO. — A anticrese pode ser constituída para que a percepção dos frutos, naturais ou
civis, sõ— mente ocorra em caso de mora (anticrese de mora, Verzugsan— tichrese; L. 8, IX, in qi4bus caiais pignus
veZ hypotheca tacite contrahitur, 20, 2: “Cum debitor gratuita pecunia utatur, potest creditor de fructibus rei sibi
pigneratae ad modum legiti— mum usuras retinere”; cf. A. MANIGK, Gliíubigerbefriedigung durch Nutzung, 63). A
regra é conceber-se para adimplementa desde início.
No sistema jurídico brasileiro, imputam-se os frutos à 50— lução dos juros ou interesses e, depois, à amortização do
capital, em virtude do Código Civil, art. 805 (cf. L. 5, § 21, D., tu in possessionem legator-unt veZ fideicom,nissorum
servandorum causa áse Ziceat, 36, 4; L. 2, C., de partu pignoris et 1A”
orani causa, 8, 24). Salvo se se dispôs diferentemente: a) só-mente para se imputarem aos interesses (Código Civil,
art. 805, § 1.~); b) sómente em caso de mora; c) sómente para amortização do capital, se não é produtivo de
interesses (L. 1,
L. 2, L. 3 e L. 12, C., de actione pigneraticia, 4, 24; L. 1, C., de distractione pignorum, 8, 27), ou porque assim o
quisessem os figurantes.
Na anticrese, o uso ou a fruição, ou o uso e a fruição já estão destinados, dados em garantia; por isso mesmo, a
fruição é dada antes da separação dos frutos. Deu-se o fruir. Os frutos. pendentes não são suscetíveis de execução
forçada pelos credores do constituinte da anticrese, porque já esse não tem a. fruição. No sistema jurídico brasileiro,
devido a ser a tomada de posse pelo anticresista elemento necessário do suporte fáctico, não basta o registro para tal
eficácia: os três elementos têm de concorrer, para que nasça o direito real.
O anticresista, após a posse, é dono dos frutos, desde que se separem, mas já antes esses frutos estavam destinados
a ele, já seriam dele; O direito dele é direito expectativo. Não há, aí, direito formativo gerador, que dependa de
exercício.
Com a prestação dos frutos civis, adquire—os o anticresista, porque o direito expectativo se contém no direito de
anticrese~ Não se pense, porém, que a pretensão a haver os frutos civis, desde que nasce, não pertence ao
anticresista. Essa pretensão está no direito de fruição como se os frutos fôssem naturais. É êrro de muitos juristas não
atenderem a que, vencido o aluguer, sem que o locatário pague, já está no patrimônio do anticresista a pretensão a
havê-lo, separada do direito de anticreu. A cada vencimento o crédito entra no patrimônio do anticresista como bem
móvel, distinto do bem imóvel, que é o direito de anticrese (Código Civil, art. 44, 1).

3. FORÇADA E DIREITO DE ANTICRESE. — A anticrese não tem por fito extração do valor do imóvel. Não
éhipoteca + posse + pacto anticrético. No tocante ao concurso de credores,’o anticresista, como titular do direito de
crédito que com a anticrese se garantiu, é simples credor, quiçá só-mente quirografário, se o seu crédito não tem, por
si, outro privilégio. Por isso, o seu ato de ir contra o imóvel, para lhe
extrair o valor e pagar-se, é interpretado como renúncia ao direito de anticrese. Lê-se no art. 808, § 2.0: “Se, porém,
executar o imóvel por não pagamento da dívida, ou permitir que outro credor o execute sem opor o seu direito de
retenção ao •exequente, não terá preferência sobre o preço”. Entendamo-lo. O anticresista pode preferir executar o
imóvel, pelo crédito garantido: supôe-se que renunciou ao direito de anticrese, ainda que o apurado não venha a dar
para o pagamento total do crédito. O anticresista pode ficar ciente da execução do imóvel por outrem e expressa ou
tâcitamente permiti-la, bastando, para que se tenha como permissiva a sua atitude, que nao oponha o seu direito de
anticrese: então, não tem preferência sobre o preço, se por aí não é privilegiado o seu credito. Aqui, há dois
problemas que precisam ser resolvidos, separadamente. ~ Quem é anticresista e está de posse do imóvel, mas deixa
de alegar o seu direito de anticrese, perde o direito de anticrese, ou a preferência sobre o preço? Se o crédito de
outrem é posterior à anticrese, a resposta é negativa, quanto ao direito de anticrese; afirmativa, quanto à indenização
com o preço. Continua na posse, até que se pague com os frutos. Se o crédito é anterior, a alegação do direito de
anticrese não pode ter outros efeitos que o de lhe conservar o direito sobre os frutos ou o privilégio no preço dos
frutos, no concurso de credores, observados os princípios.
O anticresista retém a posse do bem gravado até que se pague da dívida. Ésse retém, “retinet”, nos vem da L. 11, § 1,
D., de pignoribus a hypothecis et qualiter ea contrahantur et de pacti.s eorurn, 20, 1, onde se diz “eo usque retinet
possessionem pignoris loco, donec i!li pecunia solvatur”, mas, conforme já advertimos, sem que se possa falar de
direito de retenção, em sentido próprio.
Quaisquer que sejam as alienações do bem gravado, persiste, incólume, o direito deanticrese. O adquirente, para
reaver a posse do bem e apagar-lhe o gravame, tem de pagar a dívida. O titular de direito de hipoteca (de data
posterior) pode executar o imóvel, desde que lhe não apanhe os frutos (sem razão, LAFAIETE RODRIGUES
PEREIRA> Direito das Coisas, II, 27, que protrala qualquer execução por parte de titular de posterior direito de
hipoteca).
Para defesa dos seus direitos, tem o anticresista embargos de terceiro.
O anticresista não tem privilégio sobre o preço do imóvel. Tem preferência, por se tratar de titular de direito real
(Código Civil, arts. 674 e 1.561).
A penhora do imóvel não alcança a anticrese, porque a execução tem de recair sobre o imóvel para extrair o valor do
domínio> deductos os direitos reais. Se o anticresista penhora o imóvel pelo crédito que a anticrese garante, entende-
se, não que renunciou à anticrese (solução francesa, M. PLANIOL
G. RIPERT-BECQUÉ, Traité pratique, XII, 290), mas sim que perde o direito de preferência sobre o preço (Código
Civil, art. 808, § 1.0), atendidas as considerações que a propósito fazemos (§ 2.629, 4).

4. PODER DE DISPOSIÇÂO QUANTO À ANTICRESE. — O exer— cicio do direito de anticrese baseia-se na


posse; se a posse é mediata, pode mediatizar-se (e. g., o anticresista dá em locação o bem gravado) ; se era mediata,
tendo outrem a posse imediata (e. g., estava locado o prédio), outrem usa, ou usa e frui, ou frui, prestando ao
anticresista frutos civis.
O direito de anticrese é herdável se o é o crédito. Se o crédito é cessivel, o direito de anticrese pode ser transferido
com o crédito. No sistema jurídico brasileiro, nunca se atribuiu à anticrese intuitus personae. j,Ésse intuitus personae
pode ser introduzido pelo devedor, ou pelo terceiro dador da anticrese, fazendo-se incessível o direito, ainda que não
no seja o crédito? Não. O que pode ser estabelecido é que o direito seja inalienável. A cláusula de inalienabilidade é
permitida nos casos em que o seria a cláusula de inalienabilidade do domínio. Idem, quanto à incomunicabilidade e à
impenhorabilidade.
A transferência e a renúncia à anticrese estão sujeitas às mesmas exigências de forma que a constituição da anticrese.
Idem, a renovação da anticrese, que outra anticrese é.

5. IMPUTAÇÃO AUTOMÁTICA. — O anticresista tem dever de colhêr, se não corre a seu risco a produção. Não
tem o dever de imputar; a imputação é ipso jure. A confusão provém do “à Ia charge de les impute?’, que se meteu no
Código Civil francês, art. 2.085, e passou a outras codificações. O Código Civil brasileiro não o recebeu; e a
expressão “compensação”, pouco feliz, por imprecisa, que aparece no ad. 805, foi empregada em sentido que pré-
exclui qualquer construção com o “dever” dc imputar. A automaticidade da imputação é incompatível com qualquer
teoria que se baseie em conceito de dever de imputar, ou que tenha como conseqUência a conceituação de tal dever.
Não se cogita de imputação por mora do devedor, pôsto que fôsse possível acordar-se em constituição de anticrese de
mora (Verzugsantichrese), em vez de anticrese de amortização (Tilgungsantichre8e).
A anticrese pode iniciar-se, quanto à imputação, antes de se vencer o crédito. O anticresista começa, por exemplo, de
residir na casa ou de receber os alugueres do prédio gravado, desde já, pOsto que o crédito só se vença em dezembro
do ano próximo. Em vez de acordarem os figurantes em que a imputação só se faça ao tempo de se vencer o crédito,
estabelecem a imputação desde logo. Depende de interpretação do acOrdo de constituição de anticrese saber-se se a)
foi pactuado recebimento solutivo desde o inicio (o que só se pode entender se a dívida podia ser solvida a qualquer
tempo, por ser a favor do devedor o têrmo, ou se, sendo possível modificar-se a cláusula de têrmo a favor do devedor,
o foi), ou se b) o recebido tem de ser restituido se, antes do vencimento, o devedor solve a divida. Não. se pode, a
priori, decidir no sentido a), ou no sentido b).
A solução b) impõe-se em se tratando de crédito sob condição. Ai, há retrocessão.
Convém frisar-se que a obrigação de retroceder nada tem com a obrigação de restituição, se o crédito não existe ou
deixa de existir por decretação de anulação ou de rescisão, ou de resolução, ou de revogação do negócio jurídico de
que se irradiara. A obrigação de retroceder supõe que a obrigação de pagar não tenha surgido.
O valor do que se imputa depende, em primeira linha, da’ que ficou estabelecido pelos figurantes do acOrdo de
constituição de anticrese, inclusive se deixaram a arbítrio de terceiro
(Código Civil, ad. 1.123), ou para ser fixado segundo a taxa do mercado ou de bOlsa (ad. 1.124). É nulo o acordo de
constituição se foi atribuida a exclusivo arbítrio de um dos figurantes a fixação (ad. 1.125).
Se nada se estipulou, tem-se de proceder à avaliação, que recai sObre o que poderia produzir, ou sObre o que
produziu o bem, conforme se abstraiu, ou não, da produção concreta.
O tempo a, que se há de referir a avaliação é aquele em que se operou ou se vai operar a imputação, — portanto, nos
créditos vencidos, o momento em que se colhem os frutos, e, nos créditos ainda não vencidos, aquele em que se
vencem.
A imputação concerne, primeiro, aos interesses, se a anticrese garante crédito e interesses. Incide, por analogia, o art.
993 do Código Civil.
Quanto aos períodos a que hão de corresponder as imputações, depende do acOrdo de constituição havê-los
determinado, ou não. Mas entendem-se seguidos os usos locais ou costume do lugar (cp. Código Civil, art. 1.192, II).
A lei de usura pode incidir, no tocante a interesses se o acOrdo de constituição leva à composição do suporte fáctico
da regra jurídica protectiva. A questão nada tem com a da infração da lei de usura pelo negócio jurídico de que
resultou o crédito de interesses.

6. IMPUTAÇÃO PARcIAL. — O sistema jurídico brasileiro não tratou da imputação parcial, em caso de anticrese.
Vale e é eficaz o pacto que estabeleça serem os frutos só em parte imputados à solução, como se, sendo de x o valor
do aluguer, sOmente metade de z se destina aos interesses, ou ao próprio capital.

7.SE É PoSSÍvEL PRÉ-ExCLUIR-SE A AUTOMATICIDADE. —Questão nova é a de se saber se podem os


figurantes pré-excluir a automaticidade da imputação. Por exemplo: se se pode pactuar que a imputação só se dê se
preceder comunicação sObre o valor do que foi colhido pelo anticresista. Temos de admiti-lo, porque é semelhante ao
que se passa com a anticrese de mora.

§ 2.628. Deveres do anticresista

1. CONSERVAÇÃO DO BEM IMÓVEL. — Tem o anticresista, possuidor imediato ou mediatizado, dever de


conservação do bem gravado, fazendo-lhe os reparos necessários ou úteis.
As obrigações do anticresista são acessórias do direito de anticrese ou limites a esse: “onera et incommoda quae hoc
íus committantur et quae creditor iure obligatur”, frisava
W. A. LAUTERBACH (Dissertationes academicae, 1, 246). O anticresista recebe a posse para usar e fruir, como
garantia do crédito que tem. O bem imóvel é alheio e há de respeitar a destinação econômica e estética que tem. No
art. 807 do Código Civil diz-se “o credor responde pelas deteriorações, que, por culpa sua, o imóvel sofrer, e pejos
frutos, que, por sua negligência, deixar de perceber”. A primeira obrigação deriva da mesma causa: ter consigo a
coisa alheia, que usa e frui, ou só frui. A segunda supõe que se não haja estimado cada período de uso e de fruição,
ou de fruição, de modo que só se tenha de imputar ao pagamento do capitale dos juros, ou do capital ou dos juros, o
apurado. Então, se o anticresista deixa, por negligência, de colhêr, diminui o que teria de ser imputado.
Se o anticresista viola qualquer dever, a sanção é a da indenização. Os juristas franceses e italianos que aí admitem a
resolução por inadimplemento, como se fôsse contrato bilateral o acOrdo de constituição e se pudessem tratar os
direitos reais como simples efeitos de direito de obrigações. As obrigações do anticresista ou são acessórias do seu
direito real ou são limiteg a esse.
Quanto ao seqUestro do bem imóvel gravado de anticrese, sOmente cabe se, antes de decisão, “fOr provável a
ocorrência de atos capazes de causar lesões de difícil e incerta reparação” (Código de Processo Civil, arts. 675 e 676,
II), ao direito do constituinte da anticrese ou seu sucessor.
Diz o art. 802 do Código Civil: “O credor anticrético responde pelas deteriorações, que, por culpa sua, o imóvel
sofrer, e pelos frutos que, por sua negligência, deixar de perceber”. Assim já era no direito anterior (CORREIA
TELES, Digesto português, III, art. 1 .234; COELHO DA ROCHA, Instituições, 527).
Desde o momento em que entregou ao dono o bem gravado, o anticresista deixa de ter o dever de conservar e
perceber com iligência os frutos. Mas é preciso que se trate de ato renunciativo, embora a transmissão da posse seja
anterior ao registro da renúncia.
~ Tem o devedor dever de reforçar a garantia anticrética O art. 764 do Código Civil incide. Refere-se ele a hipoteca,
a penhor e a anticrese (“garantia real”). Há dever de refOrço;o terceiro dador de anticrese é que só é obrigado a
prestar esforço se, por culpa sua, se perdeu, deteriorou ou desvalorizou o bem gravado de anticrese, ou se foi inserta
cláusula expressa.

2. ENCARGOS REAIS. — Ao anticresista incumbe o pagamento dos encargos reais do imóvel, como foros,
impostos e taxas que não sejam só pertinentes a valorização do imóvel (isto é, que não alteiem a fruição). Tôdas essas
despesas são deduzidas dos frutos. Se o imóvel não dá renda, nem pode ser fruido, pessoalmente, pelo anticresista, ou
se a renda não basta, ou não basta o valor da fruição direta pelo anticresista, fica a dever as despesas o devedor, e o
terceiro dador da anticrese ou adquirente do bem gravado tem de sofrer que se somem ao quanto do gravame
anticrético.

3. PRESTAÇÃO DE CONTAS. — O titular do direito de anticrese tem o dever de prestar contas (5.R Câmara
Civil da COrte de Apelação de São Paulo, 21 de agOsto de 1935, R. dos T., 101, 560; 4•a Câmara Civil, 14 de abril
de 1987, 109, 138).
A percepção e a imputação têm por fim extinção do crédito. Se há frutos excedentes, tem de os restituir o anticresista.
O anticresista é que há de indicar o deve e o haver, pOsto que o dono do bem possa estar sujeito a reembolsos. Se a
anticrese foi concebida como anticrese em que tudo ficou a cargo do anticresista que se teria de dar por pago ao
chegar-se ao têrmo, a obrigação de prestar contas é quase sem objeto. A priori, não se pode pré-eliminar a obrigação
de prestar contas. A prestação é anual, se diferentemente não se dispôs, ou se não dispõem diferentemente os usos e
costumes.
Com a posse anticrética, o crédito garantido vai-se extinguindo. Com a prestação de contas, tem-se a oportunidade
para se controlar a imputação dos frutos ao crédito, ou só aos frutos conforme, a espécie de anticrese.

Se há excesso de frutos, por terem sido separados mais do que bastariam para a extinção da dívida, sem ter havido
estima-são por tempo com exaustividade qualquer que fOsse a produção, o anticresista tem de restituir o excesso. Já
aí pode haver despesas reembolsáveis correspondentes ao excesso.
Em tudo isso, o acOrdo de constituição da anticrese, no que era inscritível e foi inscrito, é que decide. Porque é ele
que dilata ou restringe o conteúdo do direito de anticrese.
Se foi estabelecido o valor do uso e da fruição, ou daquele, ou dessa, de modo que haja quanto convencional a ser
imputado ao pagamento, não se têm de deduzir as despesas.
O anticresista, se não há o pacto a que acima aludimos, tem ação de condenação contra o constituinte ou seu
sucessor, para haver as despesas, ainda se o valor delas excede o dos frutos e, conforme as circunstâncias, o do
próprio uso. A ação há de ser exercida ao têrmo da anticrese, salvo disposição em contrário inserta no acordo de
constituição.
Quanto aos melhoramentos, a distinção entre benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias impõe-se. As benfeitorias
necessárias hão de ser pagas ao anticresista. O art. 734 do Código Civil, referente ào usufruto, não é de invocar-se.
As voluptuárias não dão pretensão ao anticresista contra o dono do bem:
se levantáveis, pode levantá-las. As úteis são indenizáveis na medida em que aumentaram a produtividade do prédio.
As necessárias entram na classe das despesas deduzíveis dos frutos.
O conteúdo da anticrese pode ser diminuído ou aumentado no ato de constituição. Os princípios a re>peito dos
direitos e de~tres, dentro da estrutura do instituto, são, na maioria dos casos, dispositivos. A dispositividade cessa
onde a manifestação de vontade dos figurantes deformaria a categoria jurídica da anticrese.
.fr
Oque atingiria as linhas características do direito real de garantia não é, sequer, suscetível de inscrição. Pode ser que
tenha efeitos pessoais, mas a inscrição ilegal nada acrescentaria a essa eficácia. Não lhe conferiria, sequer, a eficácia
de datação, como se fOsse registado no registro de títulos e documentos. A inscrição ilegal, por ser ininscritivel o
pacto ou cláusula, é sem eficácia registária.

Nos direitos reais de garantia, as obrigações do usufrutuário, do usuário, do habitador e do anticresista são acessórias
do direito de usufruto, de uso, de habitação ou de anticrese; não são obrigações correspectivas A que tem o
constituinte do direito real. A obrigação de restituir apenas nasce após terminar a anticrese.
Não há bilateralidade de prestação, no acOrdo (negócio jurídico bilateral) de constituição da anticrese. Por isso mes-
mo, não se podem invocar o art. 1.092, 1•a alínea (exceptio non adimpleti contractus) e 2a alínea (caução ao
adimplemento), e parágrafo único (resolução do acOrdo por inadimplemento).

4. RESTITUIÇÃO. — A obrigação de restituir não é conteúdo da anticrese. O anticresista tem tal obrigação quando o
deixa de ser.
Se o anticresista recebeu a posse mediata, recebeu-a como a posse de que emana a posse imediata de alguém.
Durante a anticrese, ao cessar a posse imediata à outra pessoa, ao anticresista é que vai, e não ao dono do bem dado
em anticrese, ou ao enfiteuta. Se, durante a anticrese, a posse imediata da nutra pessoa não acabou, como se, por ,ser
locatária, a locação foi prorrogada, ou renovada por ação exercida pela pessoa locatária, o anticresista nunca foi
possuidor imediato, mas, sempre, possuidor mediato. A restituição, por ter findado a anticrese, é da posse mediata,
para a qual não mais há título. A posse imediata tem de ser entregue ao dono ou enfiteuta, porque, ez hypothesi,
cessaram o direito real de anticrese e a posse mediata que teria de existir entre a posse mediata do dono ou do
enfiteuta e a posse do possuidor imediato~
Se o anticresista recebera posse imediata e a mediatizou, tem de restituir a posse imediata, O dono pode satisfazer-se
com a cessão da pretensão à entrega, se há lide entre o possuidor mediato e o imediato. Se a posse imediata não pode
ser restituida, porque nasceu ao possuidor imediato direito à continuidade na posse (e. g., prorrogação da locação),
tem-se de indagar da causa de exsurgir tal direito: a) se foi o anticresista que deixou compor-se o suporte fáctico da
prorrogação, ou de outra eficácia de continuação, responde por perdas e danos:
poderia ter feito o contrato para o tempo da anticrese, de modo que a prorrogação ou outra eficácia semelhante seria
sem o elemento da sua negligência.

CAPITULO V

EXTINÇÃO DA ANTICRESE

§ 2.629. Causas de extinção

1.CLASSIFICAÇÃO DAS CAUSAS DE EXTINÇÃO. — O direito de anticrese extingue-se “cum ipsa principali
obligatione”, isto e, se se extinguiu o crédito garantido, ou “durante principali obligatione”, por fato que a extinga a
despeito de não se extinguir o crédito.
2.ExTINÇÃo DO CRÉDITO. — A constituição da anticrese supõe que haja crédito, a cujo pagamento se impute o
percebido. Daí extinguir-se a anticrese se o crédito se extingue. O que dissemos sObre extinção da hipoteca ou do
penhor por se haver extinguido o crédito tem tOda pertinência a propósito da anticrese.
Prescrição não é causa de extinção de dívida. Apenas se encobre pretensão que corresponde ao crédito garantido. A
respeito da anticrese, cumpre observar-se que não corre prescrição a favor do anticresista, por fOrça do art. 168, IV,
porque é pessoa equiparada ao credor pignoratício a que se refere a lei. Por outro lado, a constituição da anticrese
pelo devedor (não pelo terceiro dador) importaria reconhecimento da dívida (art.. 172, V), o que interromperia a
prescrição. Os fatos da percepção e da imputação configuram o exercício continuativo do direito real de garantia e,
pois, da pretensão creditória.
Aliás, pode-se constituir anticrese em garantia de dívida prescrita.
Se vem a ser dividido o bem gravado, a anticrese continua Integra. Se ocorre divisão do crédito, nem por isso se
divide o direito de anticrese se tal divisão não tem eficácia contra o dono do prédio ou a favor dele, ~or assentimento
à divisão
O devedor pode extinguir a anticrese, pagando a dívida, salvo se pela natureza do crédito, ou outra razão, não lhe
cabe a faculdade de solver a divida antes do vencimento. Se o crédito poderia ser satisfeito antes, o dono do bem
gravado pode remir a anticrese, solvendo, antes do tempo, a divida, salvo se houve pré-exclusão de tal remibilidade.
Diz-se, então, que a anticrese é irremível: a favor do titular do direito de anticrese pactuou-se que não se poderia
pagar antes do vencimento (W. A. LAUTERBÂCH, Dissertationes aeademicae, 1, 251 s.).
Se a divida, que a anticrese garante, tem têrmo a favor do credor, não pode o dono do bem solvê-la para se livrar da
anticrese. Nem o terceiro poderia fazê-lo, de jeito que se há de pré-excluir a extinção do débito, ex hypothesi
impraticável, e a reentrada do dono do bem imóvel, terceiro dador da anticrese, na posse do bem.
Qualquer pacto que permita depositar-se o quanto devido para se extinguir a anticrese, a despeito de ser a favor do
credor o têrmo da dívida garantida, suscita problema cuja delicadeza exige que lhe dê trato especial: j,a despeito de
ser a favor do credor o têrmo do crédito garantido, é de estabelecer-se, no acOrdo de constituição da anticrese, que se
pode com prestação de certa quantia extinguir o direito real? Não se há de levar o conceito de acessoriedade do
direito de anticrese a ponto de se vedar que se estipule que Me se extinga antes de se extinguir o crédito garantido.
Ou podia ser alterada a concepção do térmo, deixando de ser só a favor do credor, e então o acordo de constituição da
anticrese influiu no próprio negócio jurídico de que se irradiou o crédito garantido; ou se há de ter a extinguibilidade
da anticrese, sem se poder apressar a solução da divida garantida, como efeito de cláusula só concernente àanticrese.
Particularmente no que concerne a terceiro dador da anticrese, essa clausulação é de grande interesse prático.
Se foi terceiro que constituiu a anticrese, a relação jurídica entre Me e o devedor é estranha à relação jurídica de
anticrese, porque o acOrdo de constituição abstrai do que se passou e nada tem com o devedor. Se o débito pode ser
pago por terceiro e o térmo é a favor do devedor, pode o terceira dador solvê-lo e reentrar na posse do imóvel.
(Advirta-se que não há no direito civil brasileiro a regra jurídica do Código Civil italiano, art. 1.964, 2.8 parte, que
permite ao devedor “extinguir em todo tempo o seu débito e reentrar na posse do imóvel”, o que, de jure condendo,
seria de repelir-se. Basta, para nos convencermos disso, notarmos que se faz a favor do devedor o têrmo que seria ser
a favor do credor, o que pode provocar dúvidas e controvérsias sObre a natureza cogente ou dispositiva da regra
jurídica e sObre a interpretação de cláusulas pré-eliminatórias da sua incidência.
O art. 126 do Código Civil é, aqui, sedes materiae: “Nos testamentos, o prazo se presume em favor do herdeiro, e,
nos contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esses, se do teor do instrumento, ou das circunstâncias,
resultar que se estabeleceu a benefício do credor, ou de ambos os contraentes”.
A anticrese garante o crédito, mas desde logo o vai extinguindo. A função satisfativa ressalta. Garante, satisfazendo.
Não há pensar-se em compensação: falta a bilateralidade de credores, cujos créditos se compensem; o anticresista
não deve ao constituinte, ou ao terceiro, cuja dívida outrem garantiu. A extinção é automática, de jeito que independe
da vontade do anticresista e da vontade do devedor ou do constituinte da anticrese ou seu sucessor. O anticresista
pode renunciar à anticrese. Enquanto não renuncia, a imputação prossegue.
Mas a imputação pode ser definitiva, se a dívids diminui a cada parcela imputada, ou sem extintividade. A imputação
que desde logo extingue retira ao crédito antes do vencimento. A imputação pode revestir-se de outras formas,
conforme fOr estabelecido pelos acordantes.

8. DuRAçÃo, PRAZO E CONDIÇÃO. — A anticrese tem prazo legal preclusivo. Dura enquanto não está paga a
dívida, porém não pode exceder de quinze anos (Código Civil, art 760).
Se há prazo para o direito real de garantia, extingue-se com o escoamento do último dia. É preciso não se confundir
com o prazo convencional da anticrese, pelo qual se extingue o direito real de garantia sem se haver extinguido o
crédito, o prazo de vencimento ou de vencimentos prestacionais do crédito, e os prazos que dizem respeito à data ou
às datas em que se começam de perceber os frutos e de se imputar no pagament’ o valor deles.
O que se disse sObre o têrmo também se entende quanto à condição resilitiva, isto é, ex nunc.
Se a resolução do crédito é ex tune, pode ser ex tunc a resolução da anticrese.
Se há resolução ex tune da anticrese, há restituição dos frutos ou do valor do uso até a data da decretação.
Diz o Código Civil, no art. 760 (Lei n. 2.437, de 7 de março de 1955, art. 1.0) : “O credor anticrético tem o direito de
reter em seu poder a coisa, enquanto a divida não fOr paga. Extingue-se, porém, esse direito decorridos quinze anos
do dia da transcrição”. O ad. 760 é me cogens. Se foi constituída para mais de quinze anos, entende-se que o foi para
quinze anos. Não há prorrogação da anticrese. Nem há renovabilidade. Renovação supóe que esteja extinta a relação
jurídica que se constitui ex nora, e uma se ligue a outra. O que se permite éque, extinta a anticrese, outra se constitua.

4. RENÚNCIA. — Se a anticrese foi constituída pelo enfiteuta, a renúncia à enfiteuse pelo enfiteuta não extingue a
anticrese, como causas nutras de extinção da enfiteuse; idem, a reUnião das duas titularidades (dono e enfiteuta), por-
que aí a enfiteuse não acabou, dando-se a consolidação, mas se juntou — como é — ao domínio, sobrevindo, com a
reUnião das titularidades, a extinção da enfiteuse: o que o titular do domínio recebe, recebe gravado.
A renúncia, negócio jurídico unilateral, tem de ser registada, cancelando-se o registro da anticrese. A declaração de
vontade é receptícia. Porém não se há de confundir com a recepticiedade o ser real o negócio jurídico da renúncia:
pode-se renunciai’ ao (lireito de anticrese, providenciar para o cancelamento e continuar com a posse do bem
gravado.
A forma é a do art. 184, II, do Código Civil (Lei n. 1.768, de 18 de dezembro de 1952, art. 1.~).
A renúncia não libera o anticresista do que devia em virtude de incidência do art. 807, nem do que deixou de pagar
de encargos reais, se percebeu ou podia perceber aquilo com que os pagasse.

Se alguém executa o imóvel, sem atender a que há a antiCrese e o titular do direito de anticrese não se op6e à
exclusão do seu direito, vindicando a anticrese (pretensão que se exerce, de regra, em embargos de terceiro), incide o
art. 808, § 1.0, 2.8 parte. Então, consumou-se a extração de todo o valor, sem se atender ao gravame. Supõe-se
ciência do titular do direito de anticrese, pois tem posse e há de ser citado. Se o valor foi extraído e com ele se não
satisfazem os credores conformCas suas preferências e privilégios, o anticresista não pode pretender que a sua
preferência se reconheça, pois precluiu. Por que? Porque o direito de anticrese não é sObre o valor e o anticresista
não fêz respeitar-se-lhe o direito de anticrese. Renunciou, por presunção da lei, a preço. Preferência, prôpriamente,
sôbi’e o valor do bem, não a perde, porque nunca teve. A resp’eito, em voto vencido ao acórdão das Câmaras
Reunidas da COrte de Apelação do Distrito Federal, a 30 de novembro de 1923 (R. F., 42, 499), o Desembargador
VIRGILIO DE SÃ PEREIRA teve argumentos preciosos: “No direito anterior, não tinha o credor anticresista
nenhuma preferência sObre o preço. Era natural que assim fôsse, porquanto o seu direito, não recaindo sobre ele, mas
sObre os frutos, e continuando o ônus da anticrese, ele continuava na posse da coisa, a perceber-lhe os frutos. Para
que o Onus continuasse, porém, era necessário que ele opusesse ao exeqilente o seu direito de retenção. tIe, o credor
anticresista, está diante da execução do quirografário como o credor privilegiado diante da concordata na falência.
Assim como perde esse o seu privilégio, se a vota, perde o credor anticresista o seu direito de retenção (7) se o não
opõe ao quirografário exeqúente.
t porque o seu direito tem por objetivo único os frutos e não o imóvel que, ensina LAFAIETE (§ 170), “em relação ao
valor do imóvel em si, o anticresista é simples quirografário. Por ser simples quirografário em relação ao valor do
imóvel é que prescreve o art. 808, § 22, do Código não ter ele preferência sObre a indenização do seguro, se o prédio
é destruído, nem, tão-pouco, sobre a da desapropriação, se ele é desapropriado, ao revés do que ocorre com o credor
hipotecário, que a tem pelo art. 137, §§ 5•O e 6.0, do Dec. n. 370, de 1890. A redação do § 1.0 do art. 808 do Código,
que é assim concebida: “Se. porém, executar o imóvel por não pagamento da divida, ou permitir que outro credor o
execute, sem opor o seu direito~ de retenção ao exeqúente, não terá preferência sObre o preço
se inspirou na seguinte lição de LAFATETE: “Assim, se ele, deixando de fazer uso do seu direito de retenção,
permite que se consume a execução do imóvel, não poderá alegar preferência sObre o preço.” A primeira vista parece
quê um argumento a contrário aqui perfeitamente se legitima, e é êste: se opuser o anticresista o seu direito de
retenção (7), terá preferência sObre o preço. Um exame mais atento me faz duvidar desta interpretação que a
princípio me pareceu curial. Os argumentos a contrário são muito falíveis e, na aplicação do direito, por vêzes
perigosos. Por eles, fazemos o legislador dizer aquilo que não quis dizer, e não raro o contrário do que realmente
dis~sc. Nem LAFATETE, nem o redator do Código, quis conferir preferência sObre o preço da coisa em favor do
anticresista. Se a anticrese é para eles Ônus real que, pela transcrição, se impõe erga omites, e, uma vez oposta, se
mantém através de tôdas as-alienações e execuções, não se compreende a preferência sObre o preço, porque não tem
o anticresista como tal senão direito a perceber os frutos e para isso a ter a posse da coisa, e, como credor, a ser pago
no vencimento da divida. Se não opõe o direito de retenção (7), ele o perde, porque privilégios não opostos são
privilégios renunciados. Se o opôs, o conserva. Mas êste privilégio consiste na retenção da coisa, na continuação da
posse, que sObre o preço nada tem que a ver o anticresista, porque o seu direito versa sObre os frutos, e não sObre a
coisa. Dai o dizer LAFATETE: “Em relação, porém, ao valor do imóvel eu; si, o anticresista é um simples
quirografário” (§ 170, n. 5). O grande civilista não teria dito isto, se na passagem anterior quisesse afirmar que o
anticresista tem preferência sObre o preço da coisa. O que ele quis, portanto, dizer e o que realmente disse foi que o
anticresista, omisso na oposição do seu direito de retenção (7) e que, por isso, o perde, não pode vir depois disputar
preferência sObre o preço da coisa em si, uma vez que, em relação a êste, ele é simples quirografário”.
A cláusula ou pacto de compensatividade (garantia só dos interésses) não pré-exclui, por si só, a renunciabilidade da
anticrese. O anticresista pode renunciar, em principio, ao seu direito real de anticrese. Ou o credor remite a divida, ou
renuncia ao direito real que se garante, ou renuncia só à anticrese. Ali, a anticrese extingue-se, porque o crédito ou
direito garantido se extinguiu. Aqui, renuncia-se à anticrese, e perdura o crédito ou direito. O direito, a que se
renuncia, é de garantia:
pode extinguir-se sem que se extinga o direito garantido, mas extingue-se se o direito garantido se extingue.

5. PERECIMENTO DO BEM IMÓVEL. — Se o perecimento do bem gravado foi total, extingue-se a anticrese. Se
foi parcial, sobre o que resta ainda incide o gravame.
Lê-se ho art. 808, § 22: “Também não a terá” — refe-rindo-se à preferência — “sObre a indenização do seguro,
quando o prédio fOr destruído, nem, se fOr desapropriado, sObre a da desapropriação”.
Também aqui cabe o que acima dissemos a propósito da impropriedade da expressão “preferência” e o que havemos
de entender nas proposições da lei. A anticrese não recai sObre valor extraível do bem imóvel gravado, à diferença do
que se passa com a hipoteca.
A regra jurídica do art. 808, § supõe que sobrevenlia destruição total do imóvel, que estava segurado. O uso ou a
fruição, ou o uso e a fruição não são, em matéria de anticrese, sub-rogados pelos interesses. Para que isso ocorresse,
seria de mister que o legislador criasse dever de depósito em lugar que pagasse interesses, ou previsse a sub-rogação
real; mas nem aquele nem esse caminho lhe pareceram acertados, e tomou o da extinção da anticrese, pois que não há
mais pensar-se no uso, ou na fruição, ou no uso e na fruição do bem que estava gravado e se extinguiu.
O art. 808, § 22, só se refere a destruição total. Mas ~que se há de entender por destruição total? Se a anticrese é de
prédio com edifício, ~,tem-se como destruído totalmente o bem imóvel se destruido somente foi o edifício? Se a
anticrese recai em fazenda de criação, ~ a destruição dos estábulos e mais dependências, por fogo ou por inundação,
há de considerar-se destruição total?
A despeito de haver o art. 762, IV e V, e §§ 1.0 e 22, que se referiram aos direitos reais de garantia, redigiu-se o art.
808. § 2.0, atendendo-se a que, na anticrese, não se grava o bem, no
que pode ser o seu valor extraível, mas sim no que é uso ou fruição, ou uso e fruição dele.
As regras juridicas que se edictaram, para que não pudessem incidir o art. 762, IV e V, e os §§ 1.0 e 29, foram regras
jurídicas que reputam impraticável a sub-rogação real imediata e, por essa razão única, afastam qualquer sub-rogação
real. Quanto à destruição total, já a previa W. A. LAUTERBACE (Dissertationes Acadenticue, 1, 253). O
perecimento há de ser total.
O § 2.0 do art. 808 do Código Civil vem do Projeto primitivo, art. 919, § 2.0. Redigiu-o, portanto, CLóVIS
HEX’ILÁQUA, que, nos seus comentários, não explicou as duas regras jurídicas que Inserira com tal § 2.0.
Separando-se as duas regras jurídicas, para lhes revelar o verdadeiro conteúdo, dentro do sistema jurídico brasileiro,
temos:
a) Se o bem gravado está seguro, é de entender-se que so se segurou pelo valor no momento do sinistro. Não se segu-
rou o direito de anticrese. Para que a anticrese continuasse, seria preciso que a lei estabelecesse responsabilidade do
constituinte da anticrese pela imediata inversão da indenização. Não se pode pensar em sub-rogação real na pretensão
à indenizacão e, depois, na indenização, sem haver gravame do valor extraivel. A anticrese só se refere a frutos e uso.
Nada obsta, porém, a que se faça o seguro com a cláusula de serem prestados ao anticresista os juros desde o sinistro,
até que se dê aplicação à indenização paga, operando-se a sub-rogação real, O art. 808, § 2.0, e, portanto, no que
tange ao seguro, ins díspo.sitivinn
Se o perecimento não é total, tal como no exemplo da fazenda de gado, a anticrese continua. Continua a anticrese
semnre que o uso ou a fruição que eram conteúdo do direito de anticrese, lit casu, continua.
b) Se o bem gravado vai ser desapropriado, o anticresista há de ser ouvido, como possuidor, com direito real, que é. A
desapropriação pode não ser para extinguir a anticrese: nade ser exatamente para que persista, como se o Estado quer
que o direito real de garantia seja sobre a divida que o assumiu. Por outro lado,, o Estado há de solver a dívida para
que a anticrese se extinga, uma vez que o anticresista não renuncia ao seu direito. O art. 808, § 2.0, tem de ser lido
como regra jurídica dispositiva e apenas implica em que se tenha como livre de qualquer dedução para indenização
de uso e fruição pelo anticresista a indenização finalmente paga ao desapropriado.

6. EFICÁCIA DA ExTINÇÃO. — Se se extingue a anticrese, extinguem-se as relaçôes jurídicas que nasceram entre
o anticresista e terceiro (W. A. LAUTERBACE, Dissertationes acudemicae, 1, 241), inclusive a de locação. Se o
bem já estava loca-do, têm de respeitar a locação o anticresista e o dono do prédio. Se foi bocado pelo anticresista, a
locação cessa com a cessação da anticrese, salvo se o dono foi figurante do contrato de loca çào.
Os problemas que podem surgir a respeito de prorrogabilicUide e renova bilidade das locações não são problemas
peculiares
•àanticrese. Dependem das leis, emergenciais ou não, sObre prorrogação ou renovação. O fim protectivo fixa na
pessoa do locatário, cujo interesse , apreciado pela lei, passa à frente do interésse dos proprietários, usufrutuários, ou
anticresistas, salvo regra jurídica expressa em contrário.

7. Usucapião no PRÊDIO CRAVADO. — A usucapião pode dar-se, a despeito do registro da anticrese; como a
respeito de quaisquer outros direitos reais limitados. Ou alguém tem posse ad Usucapionem, sendo possuidor
impróprio o anticresista, ou o anticresista perdeu a posse imprópria, e alguém usucape a propriedade do bem
gravado. Não é de afastar-se que a usucapião se operou, por exemplo, a favor do próprio anticresista. que adquiriu a
mm domino a propriedade, ou que, sendo possuidor ad usucapionem, ignorava ser anticresista.

§ 2.630. Sub-rogação e anticrese

1.OBJETO GRAVADO E INDENIZAÇÃO. — Se o perecimento não foi total e alguma indenização se recebe, com
que se dê a reparação, a sub-rogação ocorre, gravado o quanto recebido até que se inverta na restauração ou nos
consertos. Se o perecimento foi total, sObre a indenização do seguro não tem direito o anticresista, porque não foi ele
o segurador, nem lhe incumbia pagar o seguro, nem o dono do imóvel tem o dever de segurar. Dai estar no art. 808, §
2/’: “Também não a terá sobre a indenização do seguro, quando o prédio seja destruído. nem, se fôr desapropriado,
sobre a da desapropriação”.
Mas já vimos (§ 2.629, 5) qual o alcance exato do art. 808,§ 2.0.

2. DESAPROPRIAÇÃO. — Quanto à desapropriação, para se interpretar o art. 808, § 2.~, 2.~ parte, precisa-se
atender, rigorosamente, à natureza do direito de anticrese, que não é direito sâbre o valor do bem imóvel, mas é
direito real de garantia. O art. 808, § 2/’, pr. e 2.8 parte, estatui: “Também não a terá sobre a indenização..., nem, se
fôr desapropriado, sobre a da desapropriação”. O desapropriante adquire o domínio (ou o domínio e a enfiteuse, ou
só a enfiteuse) e pelo que retira ao titular do direito desapropriado presta a indenização justa e prévia, conforme a
Constituição de 1946, art. 141, § 16, 2.8 parte, e as leis. Se adquire sem o gravame, tem de solver a divida que o bem
imóvel garante, para que se extinga a anticrese. Se desapropriaria sem solver a dívida, adquire a propriedade (ou a
enfiteuse) com o gravame. Não há sub-rogação.

3. ADJUDICAÇÃO E ARREMATAÇÃO. — Os direitos reais de garantia, inclusive a anticrese, somente se


extinguem com a adjudicação ou a arrematação se o preço compreende a divida garantida. A respeito veja-se o
que se disse em interpretação do art. 849, VII, do Código Civil.

CAPITULO VI

AÇÕES ORIUNDAS DO DIREITO DE ANTICRESE

§ 2.631. Ações do titular do direito de ariticrese

1. AçÃo DECLARATÕRIA. — O titular do direito de anti‘crese tem a ação declaratória da relação jurídica real de
anticrese ou de qualquer direito que dela se irradie.

2. AçÃo CONDENATÓRIA. — O titular do direito real de anticrese tem ação condenatória por violação do seu
direito ou ofensa do bem gravado de anticrese.
No direito brasileiro, se não se entregou a posse ao outorgado da anticrese, a ação, que ele tem, é só pessoal, — a
ação decorrente do acordo, com a eficácia, erga omnes, do registro. Não tem o outorgado ação executiva por
adiantamento (Código de Processo Civil, art. 298) tem ação declaratória, com o efeito sentencial de preceitação, e a
ação de condenação, de cuja sentença, por eficácia mediata, decorre a ação executiva.
Se a anticrese somente garante os créditos de interesses, o anticresista, cuja prestação do capital não foi satisfeita,
pode Ir com a ação condenatória e, depois, com a ação judicati, ou, desde logo, com a ação executiva, se ao titulo a
lei deu a ação executiva do art. 298 do Código de Processo Civil, fazendo penhorar-se o próprio bem gravado de
anticrese. Tudo se passa à semelhança do que ocorreria se o bem imóvel estivesse gravado de anticrese e de hipoteca
posterior. A penhora não atinge o uso e a fruição, que toca ao anticresista como anticresista, mas a execução pelo
total da dívida elimina, com a extração do valor, a divida, e a anticrese há de cessar quando não mais houver
divida de que resultem juros.
Se a anticrese somente garante o capital, o anticresista pode executar pelos juros. Nada obsta a que penhorado seja o
próprio bem dado em anticrese, respeitados, aqui como na espécie ixiterior, os princípios de ordem dos bens para
penhor&

3. AçÂo DE PRECEITO COMINATÓRIO E AÇÕES CAUTELARES. — Também assiste ao titular do direito de


anticrese a pretensão à preceitação, segundo os princípios. Bem assim lhe cabem as ações cautelares, se forem
satisfeitos os pressupostos.

4. AçÃo CONFESSÕRIA. — Como a qualquer titular de direito real limitado, tem o anticresista a ação
confessória. Nela contém-se a ação de vindicação da anticrese, de que se pode ter exemplo no art. 808, § 1/’, do
Código Civil.

5. ANTICRESISTA TITULAR DE DIREITO DE HIPOTECA. — O titular do direito de anticrese, se também é


titular do direito de hipoteca, pelo mesmo crédito, somente pode- propor a ação . executiva real depois de prestar
contas do que fruiu, diretamente ou indiretamente, como anticresista. A sentença que julga a prestação de contas, é
que dará o título certo e líquido para a ação hipotecária, que é ação executiva real (Juízo de Direito da 2.~ Vara da
Fazenda Pública, 21 de junho de 1941, R. de 1. B., 52, 195; Câmaras Cíveis do Tribunal de Apelação de Minas
Gerais, 20 de abril de 1939, R. F., 79, 302). Se não se trata de anticrese, mas de simples pacto de anticrese, a matéria
dos recebimentos ou valor de uso e fruição pelo titular do direito de hipoteca só se pode alegar na contestação ao
pedido na ação executiva real, que o titular do direito de hipoteca proponha; ou em ação de prestação de contas, a que
o titular do direito de hipoteca é obrigado como procurador, salvo se houve cessão de créditos de frutos.
Os credores quirografários podem executar o bem gravado de anticrese. O que eles não podem penhorar são o uso e
os frutos. O art. 808 apenas diz que “o credor anticrético pode vindicar os seus direitos contra o adquirente do
imóvel, os credores quirografários e os hipotecários posteriores à transcrição da anticrese”. Vindicação de direito real
limitado não implica em que se não possa executar o domínio do imóvel; implica em que se não permite qualquer ato
que retire o direito real limitado. Os credores quirografários posteriores e os titulares de direito de hipoteca
posteriores podem promover a execução, respeitadas a prioridade e pocioridade da anticrese. Se não as respeitam,
cabe ação ao titular do direito de anticrese. Tirar-se do art. 808 que o imóvel, gravado de anticrege, não pode ser
penhorado pelos credores quirografários, anteriores e posteriores à anticrese, ou pelos titulares posteriores à
anticrese, é absurdo em que incorreu a nota de CLóvís BEvILÁQUA (Código Civil comentado, III, 378), arrastando à
mesma cinca a 4•a Câmara Civil do Tribunal de Apelação de São-Paulo, a 4 de outubro de 1945 (R. dos 2’., 159,
657). A defesa do titular do direito de anticrese é por embargos de terceiro (cf. Câmaras ReUnidas da Côrte de
Apelação do Distrito Federal, 30 de novembro de 1923, R. F., 42, 499).

§ 2.632. Ações do dono ou enfiteuta do bem gravado de anticrese

1. AçÕES DECLARATÓRIA , CONDENATÓRIA , REIVINDICATÓRIA

E DE PRECEITO. — O dono do bem gravado ou o titular da. enfiteuse gravada de anticrese, tem a ação declaratória
negativa, a condenatória, a rei vindicatio e a de preceito. Os princípios são semelhantes aos que regem as ações do
titular do domínio sobre o bem em usufruto.

2. AÇÕEs POSSESSóRIAS. — O dono ou enfiteuta do prédio gravado de anticrese tem a tutela possessória, como
qualque possuidor mediato, se admite a anticrese; se nega a anticrese e afirma a posse imediata, tem a ação
possessória contra quem se diz, ou não, titular do direito de anticrese e não teve a posse, ou não a tem mais. Todavia,
na ação possessória, o problema da existência do direito real limitado não pode ser discutido.
Se a anticrese foi constituída por pessoa que não era legitimada a constitui-la, dita, por abreviação, anticrese a non
domi’ no, o possuidor, que estava de boa fé, é tratado segundo os arts. 510, 511, 514 e 516 do Código Civil, e o que
estava de má fé, segundo os arts. 513, 515 e 517. No sistema jurídico brasileiro, a posse imprópria, mediata ou
imediata, do anticresista há de ser tratada como qualquer outra posse. O possuidor mediata ou imediato, que recebeu
do anticresista a posse, responde ao. anticresista e por ele responde o anticresista ao constituinte
da anticrese, mas a boa fé, em que estava o possuidor mediato inferior ao anticresista, ou o possuidor imediato, é
alegável perante o dono, ou enfiteuta, que reivindica ou exerce outra ação de restituição.
É da máxima importância observar-se que o sistema jurídico brasileiro não contém regra jurídica como a do § 957 do
Código Civil alemão, concernente à aquisição dos frutos pelo terceiro de boa fé, se de má fé quem lhe deu a posse
inferior; nem a do art. 1.153 do Código Civil italiano, que se chocaria com o sistema jurídico brasileiro a respeito de
aquisição da propriedade mobiliária.
A posse gera os direitos de que se trata nos arts. 510-516 do Código Civil, independentemente de ser própria a posse,
ou de Lei imprópria, mediata ou imediata.

Parte XIII. Cédulas rurais de garantia real (ditas cédulas de crédito rural)

PRINCÍPIOS COMUNS ÀS CÉDULAS DE


CRÉDITO RURAL

§ 2.633. Terminologia e lei especial

1. PROMESSA DE PAGAMENTO, PENHOR E HIPOTECA. —A linguagem jurídica é cheia de elipses, como


temos mostrado, e sem os resultados de análise que a tivesse feito escorreita e rigorosa. A respeito dos institutos que
a Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957, disciplinou, ressalta essa superficialidade de tratamento, imprópria à ciência.
Para que a cédula rural pignoratícia, a cédula rural hipotecária, a cédula rural mista e a nota de crédito rural se
considerem cédulas de crédito rural, tem-se de aludir ao conceito econômico de crédito rural e de se abstrair da
diferença, que existe e é ineliminável, entre os títulos em que se incorporam créditos (= direitos pessoais a prestações
de pecúnia ou de bens corpóreos ou incorpóreos) e os títulos em que se incorporam direitos reais. O titulo em que há
incorporação de algum direito trata-se como coisa, como res, e o que tem de ser prestado é objeto de direito, que se
incorporou no título, ou de direito, que direito real de garantia assegura. Na cédula rural pignoratícia, na cédula rural
hipotecária e na cédula rural mista, o que se incorpora ao título é o direito real de garantia, e não o direito de crédito,
que se garantiu; no que se refere à nota de crédito rural, sim: o elemento que se incorpora no título é o crédito
mesmo.
Aqui, como a outros respeitos, não se há de subordinar a cédula rural pignoratícia, ou a cédula rural hipotecária, ou a
cédula rural mista, ou a nota de crédito rural, ao negócio jurídico subjacente, que pode, até, não ter existido.
Mas, ainda a respeito das cédulas rurais pignoraticias, hipotecárias e mistas e das notas de crédito rural, que
abstraem, há a diferença quanto à incorporação: as cédulas rurais pignoraticias, hipotecárias e mistas incorporam
direito real de garantia, ao passo que a nota de crédito rural incorpora crédito, direito pessoal.

2. NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE E CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL. — Lê-se no art. 19 da Lei n.


3.253, de 27 de agôsto de 1957: “Os empréstimos bancários concedidos às pessoas físicas ou jurídicas, que se
dediquem às atividades agrícolas ou pecuárias, poderão ser efetuados por meio da cédula de crédito rural, nos têrmos
desta lei”. E parágrafo único: “É facultado o uso da cédula para os empréstimos em dinheiro, efetuados aos seus
cooperados pelas cooperativas de produção ou venda de gêneros de origem agrícola ou pecuária”. A cédula de crédito
rural, a que se refere o art. 1.0 da Lei n. 3.253, é título em que o direito se incorpora. A incorporação implica em que
se trate a cédula como bem cor’póreo, cuja propriedade se transmite por endosso. O direito real de garantia nasce ao
endossatário, porque se transfere a propriedade sobre o bem corpóreo que é a cédula.
A cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista segundo a Lei n. 3.253, como a cédula rural pignoratícia de que trata
a Lei n. 492, não é titulo de crédito, e sim titulo de direito real.
O que se incorpora no titulo não é o crédito garantido pelo penhor, ou pela hipoteca, ou pelo penhor e pela hipoteca,
mas o direito real.
Daí não ser rigorosa a denominação “cédulas de crédito rural”. O titulo incorpora direito real, e não crédito. A técnica
legislativa obteve, com isso, título incorporante de direito real, e não titulo de crédito, razão por que é inexata a
denominação “cédulas de crédito rural”, que alude ao negócio jurídico subjacente, de que se abstraiu. A nota rural e a
promissória rural são títulos de crédito, como a letra de câmbio, a nota promissória e a duplicata mercantil; não os
são as cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas.
§ 2.634. Cédulas de crédito rural
1. ESPÉCIES DE CÉDULAS. — Estabelece o art. 29 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957: “A cédula de crédito
rural é uma promessa de pagamento em dinheiro, com ou sem garantia real, sob os seguintes tipos e denominaçôes:
1. Cédula rural pignoratícia. II. Cédula rural hipotecária. III. Cédula rural pignoratícia e hipotecária. IV. Nota de
crédito rural”. E § 1.0: “Para a constituição da garantia real, por meio das cédulas mencionadas nos incisos 1, II e III
dêste artigo, é dispensada a outorga uxória, não se exigindo também esta para a circulação da cédula”. § 2?: “Em
caso de cobrança judicial, porém, a execução não se dará sem citação inicial da mulher, quando casado fôr o emitente
da cédula, sob pena de nulidade absoluta do processo”.
É perder tempo analisar-se trecho em que se percebe quão pouco sabia sobre o assunto de que tratava o legislador
que o redigiu. Todavia, o art. 2? precisa ser bem entendido e para isso é indispensável que lhe examinemos a primeira
proposição:
“A cédula de crédito rural é uma promessa de pagamento em dinheiro, com ou sem garantia real. . .“ Promessa de
prestação é a nota de crédito rural; a cédula rural pignoratícia é titulo em que se incorpora direito real de penhor,
direito real em garantia de promessa de prestação, de que se abstrai; a cédula rural hipotecária é título em que se
incorpora direito real de hipoteca, direito real em garantia de promessa de prestação, de que também se ab8trai; e
com a cédula rural mista passa-se o mesmo que com as duas outras espécies, que são os seus elementos. Nela, de
duas promessas se abstrat.
Sem garantia real é a nota de crédito rural, bem assim a nota promissória rural de que tratam os arts. 15 a 18 da Lei n.
3.253. Têm garantia real, isto é, são títulos incorporantes de direito real, a cédula rural pignoraticia, a cédula rural
hipotecária e a cédula rural mista.
A conseqUência mais profunda da incorporação do crédito no título, ou de qualquer direito real de garantia no titulo,
se a lei atribui a esse titulo a circulabilidade, está em que cessa, a respeito do crédito ou do direito, o que se exigiria
para a sua transferência. Quem adquire crédito, por transferência,tem de adquiri-lo segundo as regras jurídicas
concernentes àcessão de créditos. Quem adquire direito, por transferência, há de o adquirir conforme o que se
estabelece para a cessão de direitos. Por isso mesmo, está exposto às exceções (Código Civil, arts. 1.069 e 1.072) e à
compensação contra o cedente de que fala o art. 1.021, 23 parte, do Código Civil, se o devedor não foi notificado. O
que se transmite, se houve incorporação do direito no título, é a propriedade do título, razão por que também pode ser
empenhado. Há, no crédito, relação jurídica entre credor e devedor, determinadas pessoas; na propriedade do título, o
sujeito passivo é total, de jeito que, incorporando-se nele o crédito, se apaga a relação jurídica entre determinadas
pessoas, para se fazer mais relevante a relação jurídica com sujeito passivo total. Torna-se possível, assim, a
circulabilidade. A evolução jurídica caracterizou-se pela passagem do regime da incedibilidade dos créditos para o da
cessão por meio de representação in rem pra priam, inicial-mente só processual, e do negócio jurídico a favor de ter-
ceiro, e desse para o da cessão de crédito tal como hoje se tem. A incorporação do crédito nos títulos circuláveis veio
permitir que os créditos, embutidos nos títulos, como que circulem.
Mas aqui está o ponto crucial do problema: a circulação do bem corpóreo, ou ao portador, ou por endosso, ou por
outro expediente técnico, importa em que o crédito ou o direito real como que circule. Essa circulação fáctica apenas
traduz o nascimento do direito, subjetivamente, para cada portador, endossatário ou legitimado, uma vez que o direito
de crédito ou o direito real, esse, está incorporado no título e perdeu aquela ligação a determinada pessoa que existia
ao inicio, se é que existia.
Em tudo isso, o que mais importa frisar-se é que a incorporação dos direitos nos títulos faz a corporeidade suplantar,
nos princípios, a incorporeidade, de modo que a cada mudança de sujeito ativo da relação jurídica real sobre o
corpóreo o direito incorporado subjetivamente nasce ao adquirente do bem corpóreo. Noutros têrmos: a aquisição do
direito sobre o corpóreo é derivativa; a adquisição do direito incorporado,
Do que antes dissemos resulta:
a) Ao chamar-se “cédulas de crédito rural” à cédula rural -pignoratícia, à cédula rural hipotecária e à cédula rural
mista de modo nenhum se há de pensar que o direito incorporado no título é o direito de crédito e que o crédito
circula com a cédula rural: o que circula é o título, em que está o direito de penhor.
b) A diferença da cédula rural pignoratícia regida pela Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, as cédulas rurais
pignoratieia, hipotecária e mista são títulos constitutivos do penhor, da hipoteca ou do penhor e da hipoteca que neles
se incorporam.
c) A endossabilidade das cédulas rurais pignoraticia, hipotecária e mista implica que a titularidade do direito de
penhor, de hipoteca ou de penhor e hipoteca depende da propriedade das cédulas e, pois, da posse de boa fé, devido à
cambiariformidade das cédulas.
Da nota de crédito rural cogitou o art. 2.0, IV, da Lei n. 3.253. Os arts. 9~O, 10, 20 e 24 disciplinaram-na. Não se
trata de titulo que incorpore direito real de garantia, mas sim de titulo de crédito. A circulação é por endosso. Título
executivo, cambiariforme.
Da promissória rural falaram os arts. 15-18 da Lei n. 8.253. Também se trata de titulo de crédito, endossável,
executivo e cambiariforme.
Lê-se no art. 90 da Lei n. 3.253:
“A nota de crédito rural conterá, além dessa denominação, os requisitos dos ns. 1, III, IV e VI a IX do art. 3?, só
podendo ser usada para empréstimos ou financiamentos até um milhão ide cruzeiros”. No § 1.0: “São assegurados à
nota de crédito rural os privilégios do art. 1.563 do Código Civil”. No § 2.0: “Aplicam-se a esta nota as regras dos §§
2.0, 3•~ e 4? do art. 3? e ainda

e disposto no art. 4•O”• No § 3.0: “Em caso de cobrança executiva, inclusive por antecipação de vencimento pela
ocorrência da hipótese de aplicação indevida do empréstimo, assistirá ao credor o direito à multa prevista no art. 22”.
No § 4.~: “O emitente da nota de crédito rural só poderá operar nos bancos instalados na zona a que pertencer o
município de sua principal atividade”. No § 5.0: “A nota de crédito rural terá o prazo mínimo de seis meses e
máximo de cinco anos”.
No direito das coisas não temos de tratar da promissória rural. Todavia, convém refiramos os textos. Estatui o art. 16
da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957: “A promissória rural constitui promessa de pagamento em dinheiro;
assegurado pela consignação dos bens ou do seu equivalente em espécie”. E pará. graf o único: “Em caso de
desaparecimento dos bens ou do seu equivalente em espécie, gozará a promissória rural dos privilégios enumerados
no ad. 1563 do Código Civil”.
Diz o art. 17 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957:
“A promissória rural, que goza das garantias da letra de câmbio, conterá os seguintes requisitos, lançados por
extenso, no seu contexto: 1. A data do pagamento. II. A denominação “promissória rural”. III. O nome do vendedor a
quem deve ser paga e a cláusula à ordem. IV. A praça do pagamento. V. A soMa a pagar em dinheiro, com indicação
da taxa de juros, se houver, e dos bens objeto da compra e venda. VI. A data e o lugar da emissão. VII. A assinatura
de próprio punho do comprador emitente ou de mandatário especial”. E o parágrafo único:
“A promissória rural, sujeita ao sêlo proporcional, pago por verba, observará o modêlo anexo a esta lei”.
Está no art. 18 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957:
“Cabe ação executiva para a cobrança da promissória rural”. E no § 1.0: “Em qualquer hipótese, será também citado
o comprador para os fins da consignação prevista pelo art. 16”. § 2.~: “Se houver consignação, a venda dos bens se
fará nos térmos previstos no ad. 19 e seus parágrafos, assegurada ao’ credor a multa a que se refere o ad. 22”.

2. INSCRIÇÃO DAS CÉDULAS DE CRÉDITO RURAL E CANCELAMENTO. — (a> A cédula rural


pignoraticia tem de ser inscrita na Coletoria ou repartição arrecadadora federal a cuja jurisdição está sujeito, por seu
domicilio, o empenhante <Lei n. 3.253, art. 10). tsse domicilio, se há mais de um (Código Civil, art. 82: “Se, porém,
a pessoa natural tiver diversas residências onde alternadamente viva, ou vários centros de ocupações habituais,
considerar-se-á domicilio seu qualquer dêstes ou daqueles”), poderia ser qualquer deles; mas havemos de entender
que o centro de ocupação habitual, relativa a agricultura ou pecuária, a que os objetos empenhados concernem, é que
determina a competência territorial das Coletorias ou repartições arrecadadoras federais. A referência ao domicílio
não foi feliz, mas, atendendo-se ao art. 32 do Código Civil, reduzem-se a bem pouco os inconvenientes da alusão.
Quanto às pessoas jurídicas, têm como domicílio o lugar onde funcionam as respectivas diretorias e administrações,
onde elegeram domicílio especial nos estatutos ou no ato constitutivo (Código Civil, art. 35, IV). Todavia, tendo
diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles se tem como domicílio para os atos neles praticados
(Código Civil,. art. 35, § 3.0). O registro há de ser, portanto, na Coletoria ou repartição arrecadadora federal que
corresponda ao lugar onde a pessoa jurídica tem o estabelecimento agrícola ou pecuário.
Lê-se no art. 11 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957:
“Cancela-se a inscrição da cédula de crédito rural mediante simples averbação, pelo funcionário competente, da
quitação do credor originário ou do último endossatário, se houyer, lançada no título ou em separado, nesta hipótese
com a firma reconhecida, se o documento fôr particular, salvo os casos de baixa por consignação devidamente
julgada por sentença judicial”. No § 1.0: “Constarão da averbação, que pagará a taxa fixa de dez cruzeiros, o dia, o
mês e ano da quitação, nome do credor e do tabelião que fizer o reconhecimento da firmar e a data desta, além de
outros característicos”. E no § 2.0:
“O cancelamento será anotado na cédula sob a assinatura do-funcionário competente”.
A exigência de reconhecimento de firma somente se refere à assinatura do tomador ou do único ou do último endos
satário, se não foi lançada no título. A cédula pode achar-se no lugar em que se fêz a inscrição e estar ausente o
tomador, dono dela, ou o único ou último endossatário. Nesse caso, permite-se que a quitação venha em separado,
com firma reconhecida. A cédula, embora não contenha a quitação, tem de ser apresentada à Coletoria ou repartição
arrecadadora federal, para que nela se anote o cancelamento.
A averbação é feita no registro. Trata-se de averbaçãocancelativa. Antes dela, não há pensar-se em extinção do direito
real de garantia, incorporado na cédula.

Se a quitação foi apresentada ao funcionário público federal, encarregado das inscrições e das averbações cancela-
tivas, sem lhe ter sido entregue a cédula de crédito rural, e houve endosso posterior, qualquer ato de averbação
cancela-Uva é retificável, porque o registro não corresponde à realidade, aos fatos. Não deve cancelar a inscrição,
com a averbação, sem ter em seu poder a cédula, com a quitação nela lançada, ~cu para receber a anotação de que foi
feita a cancelação.
Lê-se no art. 10 da Lei xx. 3.253: “A cédula rural pignoratireia e a nota de crédito rural, para valerem contra
terceiros, serão inscritas na Coletaria ou repartição arrecadadora federal a cuja jurisdição estiver subordinado o
domicilio do devedor”.
O “para valerem contra terceiros” reflete o grau de cultura do legislador. Não percebe a diferença entre validade e
eficácia. O que ele queria dizer era .“a cédula rural pignoratícia e a nota de crédito rural, para serem eficazes contra
terceiros, serão inscritas na Coletoria ou repartição arrecadadora federal, a cuja jurisdição estiver subordinado o
domicilio do constituinte”. Se dador do penhor foi terceiro, nada tem com isso a domicílio do devedor.
E no § 1.0: “A inscrição a que se refere êste artigo será feita sob número de ordem sucessiva e transcrição integral do
título pelo funcionário competente, em livro próprio, denominado “Registro de Cédulas de Crédito Rural”, observada
a preferência, na forma estatuída pelo art. 202 do Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1989”.
O art. 202 do Decreto n. 4.857 é aquele em que se diz que o número de ordem determina a prioridade do
título e, pois, a vocioridade. Se apresentados pela mesma pessoa dois ou mais titulos, simultâneaniente, os números
são seguidos, salvo se o mesmo é o objeto, porque, nesse caso, o número de ordem é o mesmo, acrescido de letras,
segundo a ordem do alfabeto.
Está no § 2.0: “A cada distrito municipal deverá corresponder um livro para inscrição dos títulos emitidos pelos
devedores aí dondeiliados”.
A referência a domicílio provém de suposição de que há uni só centro de ocupações habituais, ou, se há mais de um,
aquele em que está o centro da atividade agrícola ou pecuária,a que as cédulas pignoraticías, hipotecárias e mistas
podem servir.
E no § 3.0: “A inscrição será anotada no verso da cédula ou da nota e, sem quaisquer outras custas ou emolumentos,
está sujeita aos seguintes ônus : 1. Por mil cruzeiros ou fraçâo em sêlo proporcional pago por meio de verba: a) dois
cruzeiros nas cédulas ou notas até duzentos e cinquenta mil cruzeiros; b) quatro cruzeiros nas cédulas ou notas que
excederem de duzentos e cinquenta mil cruzeiros e não ultrapassarem a soma de um milhão de cruzeiros; e> cinco
cruzeiros nas cédulas ou notas de importância superior a um milhão de cruzeiros; II. Emolumentos devidos ao coletor
ou ao chefe da repartição arrecadadora competente para a inscrição e remuneratórios dos seus serviços:
a) vinte cruzeiros pelas cédulas ou notas de valor até duzentos mil cruzeiros; b) quinze cruzeiros por cem mil ou
fração excedente de duzentos mil cruzeiros até quinhentos mil cruzeiros; e) trinta cruzeiros por cem mil cruzeiros ou
fração excedente de quinhentos mil cruzeiros e até um milhão de cruzeiros; d) cinqUenta cruzeiros por cem mil
cruzeiros ou fração, excedente de um milhão de cruzeiros e até um milhão e quinhentos mil cruzeiros; e) cem
cruzeiros e até o máximo de cinco mil cruzeiros por cem mil cruzeiros ou fração excedente de um milhio e
quinhentos mil cruzeiros”.
Está no § 4.~: “O endosso posterior A inscrição será averbado à margem desta sob pagamento da taxa fixa de dez
cruzeiros”.
A averbação não é constitutiva da transmissão da propriedade da cédula; nem, em se tratando de endosso-penhor, da
constituição do penhor. Apenas reforça a publicidade da transmissão da posse.
E no ~ 5.0: “Para a validade da anotação aludida no parágrafo anterior, é preciso que ela contenha o número de
ordem, livro e fôlhas da inscrição , sob a assinatura do funcionário ou chefe da coletoria ou repartição exatora”.

Lê-se no § 6.0: “É dispensada a averbação dos endossos feitos por bancos em operações de redesconto ou caução”.
E no art. 80 da Lei n. 3.253: “As cédulas de crédito rural, bem como a promissória rural, criadas nesta lei, de prazo
não superior a um ano, são redescontáveis na Carteira de Redescontos do Banco do Brasil S. A., até o máximo de
vinte por cento acima dos limites fixados a essas operações, parte cada estabelecimento bancário”.
(b) Quanto às cédulas rurais hipotecárias e ao que é hipotecário na cédula rural mista, a Lei n. 3.253 estabeleceu que
a inscrição se faz no Registro de Imóveis, como, de lege ferenda seria de prever-se. O art. 13 da Lei n. 3.253 faz
referências a. regras jurídicas anteriores, de que oportunamente nos ocuparemos. Tal registro está sujeito à correição
obrigatória de que trata o art. 14 da Lei n. 3.253. O cancelamento é conforme o art. 288. do Decreto n. 4.857: “O
cancelamento efetuar-se-á mediante certidão, escrita na coluna das averbações do livro competente, datada e assinada
pelo oficial, que certificará a razão do cancelamento e o título em virtude do qual foi ele feito”.
A averbação dos endossos é possível, porém não tem maior alcance do que aquele que teria a averbação do endosso
da cédula rural pignoratícia.
O ad. 30 da Lei n. 3.253 é invocável a respeito das cédulas rurais hipotecárias e mistas.
E no § 2.0: “Os títulos provenientes dos financiamentos rurais a que se refere o parágrafo anterior são igualmente
redescontáveis, dentro dos limites normais de cada estabelecimento”.
(O art. 30, § 1.0, da Lei n. 3.253 foi vetado e manteve-se o veto; bem assim, o § 30)
Está no § 4.0: “A taxa do redesconto previsto neste artigo será fixada pela Superintendência da Moeda e do Crédito”.
(O que conservamos do art. 30, § 49, é o que não foi vetado. A parte final, que excluimos, foi vetada e manteve-se o
veto.)
E no § 5.0: “Se o empréstimo constante da cédula fôr utilizável em parcelas na forma prevista no art. 39, §§ 39 e
4•O, o redesconto far-se-á também parceladamente, após cada utilização e mediante prova de entrega, ao emitente,
da respectiva parcela”.
Lia-se no art. 31 do Projeto de que resultou a lei: “A cédula de crédito rural está isenta do impôsto do sêlo”. E no
parágrafo único: “A isenção estabelecida neste artigo compreende os atos de cessão, transferência, endósso ou caução
da cédula, qualquer que seja o seu valor”. Foram vetados.
205
Estabelece o art. 12 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957:
“As certidões negativas ou afirmativas de ônus fiscais, expedi-las pelas coletorias ou repartições arrecadadoras
aludidas no .art. 10 desta lei, deverão mencionar, obrigatóriamente, qualquer inscrição de cédula de crédito rural
constante do livro próprio e ainda não cancelada”. E o parágrafo único: “Os oficiais do Registro Geral de Imóveis,
não poderio inscrever, sob pena de nulidade do ato, qualquer escritura de constituição de penhor rural a partir da
entrada desta lei em vigor, sem apresentação de certidão negativa de inscrição da cédula rural pignoraticia sâbre os
mesmos bens”.
O penhor rural segundo a Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, inscreve-se no Registro de Imóveis. A Lei n. 3.253 fêz
na coletoria ou repartição arrecadadora federal a inscrição. Para que não haja os inconvenientes de dois ofícios de
registro, tinha-se de exigir para a inscrição do penhor rural segundo a Lei n. 492, posteriormente à Lei n. 3.253, a
certidão negativa de inscrição da cédula rural pignoratícia segundo a Lei n. 3.253. Quid ivris, ~quanto à inscrição da
cédula rural pignoraticia segundo a Lei n. 3.253? Pode haver inscrição anterior de penhor rural segundo a Lei n. 492.
Tal inscrição produz todos os efeitos e é possível que tenha havido expedição de cédula rural pignoraticia segundo a
Lei n. 492. A coletoria ou repartição arrecadadora em que se tem de inscrever a cédula pignoraticia segundo a Lei n.
3.253 não pode exigir a certidão negativa do oficial do registro de imóveis. A inscrição posterior é válida e eficaz,
mas, se já havia o gravame conforme a Lei n. 492, tal gravame é prior in tempore, com Udas as conseqUências.
Note-se que no art. 12, parágrafo único, se fala de “nulidade do ato”. A exigência da certidão negativa, por parte do
ofício de registro de imóveis, é para que do registro mesmo conste que tal certidão negativa da inscrição da cédula
rural pignoraticia, passada pela coletoria ou repartição arrecadadora, foi apresentada. A certidão há de ficar no
cartório do registro de imóveis, arquivada. Se falta a apresentação, devidamente certificada, é nula — não só ineficaz
— a inscrição que, com infração do ad. 12, parágrafo único, da Lei n. 3.253, se fêz no registro de imóveis (cf. Código
Civil, art. 145, V). Se a apresentação não foi feita, mas seria negativa a certidão, nem o oficial do registro
aludiu à apresentação, não há nulidade, porque a lei n~o se referiu, explicitamente à certidão da apresentação ou a
qualquer comunicação de conhecimento, a respeito, por parte do oficial do registro de imóveis. Se não houve
apresentação, nem referência a ela, e havia inscrição de cédula rural pignoratícia segundo a Lei n. 8.253, nula é a
inscrição conforme a Lei n. 492. Se a certidão do oficial do registro de imóveis foi falsa, por não poder existir
certidão negativa, a inscrição no registro de imóveis ésuscetível de retificação: não é nula. Idem, se falsa ou falsifi-
cada a certidão negativa.
Estatui o art. 24 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957:
“O emitente da cédula de crédito rural, com ou sem garantia real, fica obrigado a manter rigorosamente em dia o
pagamento dos trabalhadores rurais e dos impostos e quaisquer contribuições devidos pelos bens da exploração
financiada e, ainda, a aplicar a soma emprestada aos fins constantes do título, assistindo ao credor o direito de
exercer, como julgar conveniente, ampla fiscalização sobre as atividades objeto do financiamento e a utilização dêste
na forma ajustada”.

3. CORREIÇÃO OBRIGATÓRIA DOS LIVROS. — Lê-se no art. 14 da Lei n. 8.253 de 27 de agôsto de 1957:
“Os livros de “Registro de Cédulas de Crédito Rural” estão sujeitos a correição obrigatória, pelo menos uma vez por
semestre, dos juizes de direito das respectivas comarcas”, O art. 14 cria dever de correição ,, por parte dos juizes de
direito das comarcas, ou por parte daquele juiz de direito, que, pela lei de organização judicial, tenha a competência
para conhecer e julgar as ações em que e autor ou ré a Fazenda Nacional. A correição há de ser semestral.
Quanto aos poderes do juiz, tem-nos ele para mandar corrigir enganos evidentes, inexatidões materiais e defeitos,
desde que a correção não atinja direitos, e para decretar nulidades.
O fito principal da correição é disciplinar.
O art. 14 também incide quanto às inscrições e averbações no registro de imóveis.

4. MULTA LEGAL. — Está no art. 22 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957: “O despacho à petição inicial da
ação de cobrança, mesmo em processo administrativo, assegura ao credor o direito de receber a multa de dez por
cento sobre o~ principal e acessórios devidos”. O art. 22 estabelece a pena de dez por cento do pedido sempre que se
inicia ação de cobrança. Não é preciso que a ação iniciada tenha sido a ação executiva. A ação condenatória basta.
Não, a ação declaratória Se houve sentença em ação declaratória positiva, a favor do tomador ou do endossatário da
cédula rural pignoratícia, ou da cédula rural hipotecária, ou da cédula rural mista, a regra jurídica sobre a multa dos
dez por cento somente incide ao fazer-se a preceitação a que se refere o art. 290 do Código de Processo Civil se foi
declarado vencimento da cédula. Fora dai, é preciso propor-se a ação a que se refere o art. 290, parágrafo único, do
Código de Processo Civil.
A ação de cobrança, executiva ou não, só se pode iniciar se nasceu a ação. Ação não se confunde com pretensão. Para
que haja nascido a ação, é preciso que esteja vencida e não paga a dívida. Não basta estar vencida. t de mister a
apresentação para pagamento. Se foi despachada petição inicial de ação de cobrança, sem ter sido apresentada a
cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista, pretensão havia, porém a ação não havia nascido e o portador, titular
do direito incorporado, quis exercê-la. Exerceu ação que não tinha. Alegado que a apresentação não se dera, mas
prestado, em tempo devido, após a citação, o quanto constante do título, não há pensar-se em multa Precipitado foi o
portador, iniciando a cobrança.
No art. 22 alude-se a processos administrativos. Trata-se de processos judiciais de jurisdição administrativa. Sabemos
quanto é relativa, hoje, a importância do conceito; mas o art. 22 tem o papel de alertar que na multa — vencido e não
pago o prometido — incorre o obrigado ainda que o pedido seja feito em ação de inventário e partilha, ou em
qualquer outro processo judicial.
O art. 22 ainda faz surgirem outras questões. No art. 29, ivi. luze, a Lei n. 3.253 dispensou “o protesto para assegurar
o direito regressivo contra os endossantes e seus avalistas”. Pergunta-se: ~incorre em obrigação de pagar a multa do
art. 22 o endossante ou avalista se não lhe foi apresentado o título, nem houve protesto? O protesto pode existir. A lei
apenas o dispen sou para a permanência da ação regressiva: não se fêz depen‘dente do protesto a regressividade. Se
não houve protesta, é preciso que tenha havido apresentação para que se possa dizer não pago o titulo. Já o vimos
quanto ao empenhante. No que respeita aos endossantes e avalistas, somente se o empenhante não solve a divida
cartular têm eles de pagar. Se houve a citaçân e o empenhante não solveu a divida, o endossante ou avalista pode
solvê-la antes de ser feita a penhora em bens seus, ou antes de contestar a ação de condenação, salvo se foi alegado,
com verdade, na petição inicial, que o titulo fOra apresentado, sem ser pago, ao empenhante e ao endossante ou
avalista. AI, a ação regressiva já nascera.
•Cumpre, ainda, advertir-se em que a lei, no tocante à multa, somente se refere às petições iniciais em ações oriundas
do direito de penhor, da hipoteca ou de penhor e de hipoteca, incorporados no título. Supõe-se a apresentação da
cédula rural pignoraticia, hipotecária ou mista e exercício de ação emanada da cédula. Trata-se de título constitutivo e
incorporante. Néle, abstrai-se de qualquer negócio jurídico que acaso esteja à base da subscrição e emissão. Se a
ação, que se propõe, não está ligada à apresentação da cédula, não há pensar-se em invocação do art. 22.

5. PRINCÍPIOS COMUNS. — (a) A cédula rural pignoraticia, hipotecária ou mista só se cria e emite num exemplar,
salvo divisão do crédito em parcelas pelo menos para o efeito da criaçao e emissão de duas ou mais cédulas distintas.
O que não se admite é a pluralidade de vias. Evitaram-se, assim, os inconvenientes das vias negociáveis, que se
apontaram aos conhecimento~ de transporte marítimo.
(b) A cédula rural pignoraticia, hipotecária ou mista, à diferença da cédula rural pignoratícia regida pela Lei n. 492,
de 30 de agOsto de 1937, arts. 14-21, é título constitutivo, pois com ele se constitui, após registro, o penhor. A cédula
rural pignoraticia de que cogita a Lei n. 492 supôe penhor já constituído (Lei n. 492, art. 15>: depende de
requerimento do titular do direito de penhor e expedição pelo oficial do registro imobiliário.
Como as cédulas rurais pignoratícias regidas n. 492, as cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias segundo a Lei n.
3.253 incorporam direito de garantia a incorporação , naquelas, é posterior à criação do direito de penhor, e nessas a
incorporação é simultânea à criação do direito de garantia real, por se tratar de títulos constitutivos. TOdas seguem o
princípio da unicidade de titulo, à diferença do warrant, que é um dos dois títulos que se criam, o título incorporante
do direito de penhor.
As cédulas rurais e os warrants, ao serem endossados, já o direito de penhor existe. Não é o que se passa com os
conhecimentos de transporte, cujo endOsso-penhor é constitutivo do direito de penhor.
Nas cédulas rurais pignoraticias, segundo a Lei n. 492, o penhor preexiste ao título. Nas cédulas rurais
pignoratícias,hipotecárias e mistas regidas pela Lei n. 3.253 e nos warrants,o penhor coexiste com a criação do
título. Nos conhecimentos de transporte, o penhor sobrevém, com o endOsso, à criação.
Muito se ganha na interpretação científica das leis sObre títulos incorporantes se se atende a esses traços distintivos
entre a) as cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas regidas pela Lei n. 3.253 e os warrants, b) as cédulas
rurais pignoratícias segundo a Lei n. 492, e e> os conhecimentos de transporte.
a) Na cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista, segundo a Lei n. 3.253, incorpora-se direito de penhor, hipoteca
ou penhor e hipoteca, que nasce com a própria cédula incorporante (= nascem no mesmo momento cédula e direito
real de garantia), sendo um só o título subscrito, registado e emitido.
No warrant, um dos títulos subscritos incorpora direito real de penhor, simultáneamente nascido com ele, e emitido
ao mesmo tempo ou depois do outro título: nascem no mesmo momento a cédula do waarrant, bem corpóreo, e o
direito real de penhor, que nela se incorpora.
b> Nas cédulas rurais pignoratícias segundo a Lei n. 492, o penhor preexiste ao título, de modo que nasce o
direito real de penhor antes de nascer o título incorporante. A incorporaçãoé posterius.
c) Nos conhecimentos de transporte, o que se incorpora ao titulo é o domínio, de modo que o endOsso transfere
domínio do conhecimento e ao endossatário cabe a titularidade do direito de domínio sObre os bens transportados,
porque se incorpora pela Lei e mistas real, mas no título, e o endOsso-penhor faz nascer o direito de penhor ao
endossatário pignoratício, direito de penhor que não existia.
(e) A cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista, regida pela Lei n. 3.253, de 27 de agOsto de 1957, e a cédula
rural pignoratícia conforme a Lei n. 492, art. 15, são valôres, portanto a posse do título é requisito para se dispor do
direito nele incorporado. Para se transmitir a cédula ou se gravar a cédula, com o direito incorporado, é preciso que
se tenha a posse do título.
O possuidor próprio do título é possuidor dos bens gravados, possuidor impróprio. Dono do título, titular do direito
de penhor, que no título se incorporou; possuidor próprio do titulo, possuidor pignoratício dos bens gravados.
O possuidor por endOsso-procuração, em cujos poderes esteja o de cobrar o valor do penhor, é possuidor
impróprio, tem posse imediata de procurador. O empenhante é possuidor próprio dos bens gravados, com posse
imediata, que dependa da posse mediata, imprópria, do possuidor próprio do título.
(d) Paga por terceiro a dívida, com efeito de sub-rogação no direito de crédito e na hipoteca, sem que se lhe
entregue a cédula, a sub-rogação implica tornar-se proprietário da cédula o terceiro, a despeito de não lhe ter sido
entregue. Daí a necessidade do depósito judicial. Após esse, cabe a ação de reivindicação da cédula. Idem, quanto à
cédula rural pignoratícia segundo a Lei n. 492, art. 19. O art. 19, parágrafo único, da Lei n. 492 também é invocável
no tocante às cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas regidas pela Lei n. 3.253.
<e) A posse da cédula rural pignoratícia, hipotecária ou é necessária para o exercício do direito a ela incorporado.
Sem ela, é de pedir-se, antes, o depósito judicial, introduzindo-se ação de amortização do título (ação de substituição
da cédula), conforme os princípios do direito cambiário.

§ 2.635. Vencimento das cédulas

1. INADIMPLEMENTO E VENCIMENTO ANTECIPADO. — Lê-se no art. 23 da Lei n. 3.253, de 27 de agOsto


de 1957: “A falta de cumprimento de qualquer das obrigações do devedor, ou pela ocorrência de algum dos casos de
antecipação legal do vencimento, poderá o credor considerar vencida a cédula de crédito rural e exigir o total da
divida, independentemente de aviso judicial ou interpelação extra-judicial”. O inadimplemento na data constante do
titulo faz vencer-se a pretensão oriunda da cédula rural pignoratícia, ou da cédula rural hipotecária, ou da cédula
rural pignoratícia e hipotecária (cédula rural mista). Dies interpellat pro homine (Tomo II, § 230).
Isso não quer dizer que a multa segundo o art. 22 haja de ser paga desde que se venceu a cédula. Vencimento e não
pagamento são fatos que se não podem confundir. O título de apresentação, que se venceu, tem de ser apresentado. O
obrigado não está subordinado a pesquisas para saber quem é, no momento, o portador do título. O título há de ser
apresentado, depois do vencimento, O ad. 23 só se refere a vencimento. —
O inadimplemento, à data do vencimento, a que se refere o art. 23, pr., da Lei n. 3.253, verbis “falta de
cumprimento”, é o inadimplemento à data que consta da cédula rural pignoraticia, da cédula rural hipotecária ou da
cédula rural mista.
A lei concebeu a criação de tais cédulas sem dependência de qualquer negócio jurídico subjacente. o acordo de
constituição é abstrato.
O ad. 954, 1-111, do Código Civil diz que ao credor assiste o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo
estipulado no contrato ou marcado no Código se, executado o devedor, se abre concurso creditório (civil ou
falencial), ou se os bens hipotecados, ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor, ou se
cessarem, ou se tornarem insuficientes as garantias do débito e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las. Todos
sabem que a liquidação de bancos e casas bancárias determina o vencimento antecipado das obrigações civis e
comerciais (Decreto-lei n. 9.228, de 3 de maiô de 1946, ad. 4,0, lO, como espécie de início de liquidação concursal.
Os casos de vencimento antecipado, a que se alude no ad. 23, 2.~ parte, da Lei n. 3.253 são os do ad. 762 do Código
Civil, e não os do art. 954.
No ad. 762, o Código Civil estabelece: “A dívida considera-se vencida: 1. Se, deteriorando-se, ou depreciando-se a
coisa dada em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, a não reforçar. II. Se o devedor cair em
insolvência,ou falir. III. Se as prestações não forem pontualmente pagas, tOda vez que dêste modo se achar
estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu
direito de execução imediata.
IV. Se perecer o objeto dado em garantia. V. Se se desapropriar a coisa dada em garantia, depositando-se a parte do
preço que fOr necessária para o pagamento integral do credor”.
<a) A deterioração ou depreciação dos bens gravados ou (a) ocorre estando ele seguro, ou (1>) sem estar seguro. Se
não estavam seguros, pode dar-se a) que alguém seja obrigado à indenização, ou i» ninguém o seja. A garantia recai,
automàticamente, sabre a pretensão à indenização por seguro, ou pela responsabilidade de reparação, fundada em
culpa ou não. Se a deterioração ou depreciação foi sem qualquer indenizabilidade, o titular do direito real de garantia
pode intimar o subscritor da cédula à restituição ou ao refOrço de garantia e, caso Ole não atenda, vence-se o
gravame.
O art. 764 do Código Civil prevê as espécies em que a garantia é prestada por terceiro. Então, em regra jurídica
dispositiva, estatui que esse terceiro não fica obrigado a substituir ou reforçar a garantia, se, sem culpa sua, houve
perda, deterioração ou desvalorização.
Cumpre atender-se a que a sub-rogação real se opera quanto à pretensão à indenização ou à prestação do seguro e,
depois, quanto à indenização ou prestação feita pelo segurador. Não há lapso na continuidade do direito real.
(b) A insolvência do devedor faz vencer a cédula, porque assim resulta do art. 762, II, do Código Civil. A falência
produz o vencimento antecipado de tOdas as dívidas do falido e do sócio solidário da sociedade falida, com o
abatimento dos juros legais, se outra taxa não tiver sido estipulada (Decreto
-lei n. 7.661, de 21 de 1junho de 1945, ad. 25). Os bens gravados serão levados a leilão na conformidade da lei
processual civil, notificados os tomadores e endossatários, por despacho do juiz, sem prejuízo do que se estatui nos
arts. 821 e 822 do Código Civil (Decreto-lei n. 7.661, ad. 119). Se o síndico, dentro de trinta dias, após a publicação
do aviso a que se refere o ad. 114 e seu parágrafo, não os notificar, do dia e hora em que se há de realizar a venda do
imóvel hipotecado, pode o portador propor a ação competente — a ação executiva real —e terá o direito de cobrar as
multas que no contrato foram estipuladas para o caso de cobrança judicial (Decreto-lei n. 7.661, ad. 119, § 1.0). Se a
venda do imóvel fOr urgente, como nos casos do art. 762, 1, do Código Civil, o credor, justificando os fatos
alegados, pode pedir ao juiz a venda imediata do imóvel hipotecado (Decreto n. 7.661, art. 119, § 2.~).
Cumpre advertir-se em que a notificação do tomador ou do endossatário de modo nenhum estabelece assentimento
ou consentimento pelo silêncio, nem preclusão de preferência. Na Lei n. 3.253, o ad. 25 explicita: “Enquanto não fOr
paga a cédula rural, pignoratícia ou hipotecária, a venda dos bens apenhados ou imóveis hipotecados só será válida se
o credor anuir por escrito, prêviamente”. Uma vez que é elemento exigido - como pressuposto essencial para a
venda, a execução somente pode ir até esse momento.
Com a insolvência ou a falência do subscritor da cédula, com direito real dado por outrem, vence-se o penhor. O
dador da garantia continua a suportar o gravame, como dono (ou enfiteuta) ou possuidor próprio do bem, e o titular
pode executar a dívida, se o quer, por estar vencida, pois a garantia se fêz dependente de tal vencimento, e cabe
providenciar para a venda do bem gravado, pOsto que insolvente não seja, nem se torne falido o proprietário (ou
enfiteuta) ou possuidor próprio.
(c) Se a dívida tem de ser paga a prestações (cédulas amortizáveis), há gradual diminuição da soma devida, sem que
se possa faltar ao pagamento das parcelas, periódicas ou não. Não se trata de prestações acessórias, e sim de partes do
capital. Se há amortizabilidade a líbito, combinada, ou não, •com a amortização compulsória, o que corresponde às
partes saldadas voluntâriamente só se há de ter por pago pelo proprietário (ou enfiteuta) ou possuidor próprio desde
que se leva à averbação (cancelamento parcial). Se consta o nome de outrem, há de pensar-se em sub-rogação
pessoal, se os pressupostos se compõem. (O impOsto de renda não pode incidir sObre essas quotas ou partes; só
apanha os interesses.)
Lê-se no art. 27 da Lei n. 3.253: “O endossante da cédula, pignoratícia ou hipotecária, responde apenas pelo saldo
devedor do título sempre que tiver havido amortização, devendo constar do endOsso, neste caso, o valor líquido da
transferência”.
Valor líquido da transferência do domínio sobre a cédula pignoratícia, hipotecária, ou mista, porque é esse o direito
que se transfere. O direito de penhor, ou o de hipoteca, ou o de penhor e o de hipoteca não se transferem: estão
incorporados no título, de modo que titular deles, origináriamente, é o titular do direito de domínio sObre a cédula.
O endossante responde conforme o teor do título. Se do endOsso constar que houve amortização (= a cédula foi
endossada com o valor x —20, somente responde de aos endossatário posteriores pelo que se diz restar. Ao avalista
do endossante aproveita o art. 27. De modo que sobrevindo amortizações, que se mencionem nos endossos, os
endossantes e avalistas posteriores respondem por menos do que os endossantes e avalistas anteriores responderiam.
(d) Se há indenizabilidade, a garantia real recai na pretensão à indenização e, depois, na indenização recebida. Se não
há indenizabilidade, o subscritor continua obrigado ao pagamento da dívida ou do resto da dívida, pessoalmente
(Código Civil, art. 767). Em se tratando de garantia prestada por terceiro, o art. 767 do Código Civil não incide.
“Quando”, diz o art. 767, “excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da
dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante”. No art. 764 já se
estabelecera: “Salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia, não fica obri~ado a
substitui-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore ou desvalie”.
(e) No art. 762, V, do Código Civil estatui-se que, em se desapropriando o bem gravado, se há de depositar a parte do
preço, que fOr necessária para o pagamento integral do credor. Vence-se, aí, não a dívida garantida, mas sim o penhor
ou a hipoteca (cp. art. 954), e — solvida a dívida real
— a dívida garintida extingue-se. O pagamento ou foi feito com valor pertencente ao devedor (por pertencer a ele o
bem gravado), ou com valor pertencente ao terceiro dador da garantia. Dá-se, então, sub-rogação pessoal (art. 985,
III).
2. REMIÇÃO DA CÉDULA RURAL, PIGNORATICIA, HIPOTECÁRIA OU MISTA. — Se a cédula rural
hipotecária concerne a prédio que foi gravado de hipoteca posterior, o titular do direito de hipoteca posterior pode
remir a hipoteca a que corresponde a cédula, se essa se vence (Código Civil, art. 814). Quanto àremição pelo
adquirente do prédio (ad. 815), também pode dar-se, com as notificações de todos os tomadores e endossatários,
pessoalmente, ou por edital.
~ As cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas são remíveis ou resgatáveis a qualquer tempo?
As cédulas rurais pignoraticias estão sujeitas às regras jurídicas da Lei n. 492, de 30 de agOsto de 1937, “no que não
colidirem” com a Lei n. 3.253. É o que diz o art. 5~O da Lei n. 3.253. Lê-se no art. 19 da Lei n. 492: “É a cédula
rural pignoratícia resgatável a qualquer tempo, desde que se efetue e pagamento de sua importância, mais os juros
devidos até ao dia da liquidação; e em caso de recusa por parte do endossatário constante do registro, pode o devedor
fazer a consignação judicial da importância total da dívida, capital e juros até ao dia do depósito, citado aquele e
notificado o oficial do registro imobiliário competente para o cancelamento da transcrição e anotação no verso da
fOlha do talão arquivando a respectiva contrafé, de que constará o teor do têrmo do depósito”. No parágrafo único,
acrescenta-se: “A consignação judicial libera os bens ou animais empenhados, sub-rogando-se o vínculo real
pignoratício na quantia depositada”. Sub-rogação real automática, mas dependente do julgamento da ação de
depósito em consignação. Só se cita o endossatário que consta do registro competente, que é, para as cédulas rurais
pignoratícias regidas pela Lei n. 3.253, e da Coletoria ou repartição arrecadadora federal competente.
Quanto às cédulas rurais hipotecárias, a Lei n. 3.253, art. 7•O, subordinou-as à legislação civil (comum), de modo
que surge a questão: j,a remibilidade é a comum, ou a excepcional, conforme a Lei n. 492? Temos de afastar a
invocação da Lei n. 492, art. 19 e parágrafo único, porque falta, a respeito das cédulas rurais hipotecárias, a regra
jurídica do art. 5•O da Lei n. 3.253. Uma das conseqUências é a se ter de dar a mesma solução em se tratando de
cédulas rurais mistas, salvo se há discernibilidade e valoração separada da garantia pignoratícia.
2
1
• 2.636. Impenhorabilidade dos bens gravados cedularmente 9

1. LEI N. 492, DE 80 DE AGOSTO DE 1987, ART. 18, § 2.0. —


O principio geral é o de que os bens gravados de direito real de garantia podem ser executados, respeitada a
preferência do titular do direito real de garantia, porque nisso consiste, em primeira plana, o direito que se lhe
constituiu sObre o valor do bem. O que importa é que, com a extração do valor, se lhe dê o lugar devido na execução.
Nas ações executivas pessoais, a penhora estabelece a ineficácia da gravação posterior. A despeito desse principio de
executabilidade dos bens~ a Lei n. 492, ad. 18, § 2.0, criou princípio (excepcional) de inconstringibilidade dos bens
cedularmente gravados, e a Lei n. 3.253 estendeu-o às cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas que ela
regula.

2. PENHORA E LEI 14. 3.258, DE 27 DE ACOSTO DE 1957, Ar. 29.— Diz o art. 29 da Lei n. 3.258, de 27 de
agOsto de 1957: “Aplicam-se às cédulas de crédito rural estabelecidas nesta lei, desde que inscritas, o principio do §
29 do art. iS da Lei n. 492, de 30 de agOsto de 1937, e as disposições do Decreto-lei n. 1.003, de 29 de dezembro de
1938, bem como tOdas as garantias da letra de câmbio, dispensado, porém, O-protesto para assegurar o direito
regressivo contra os endossantes e seus avalistas”.
Preliminarmente, observe-se a diferença entre a cédula rural pignoratícia segundo a Lei n. 492 e as cédulas rurais
pignoratícia, hipotecária e mista regidas pela Lei n. 8.253 z a) o protesto é indispensável em se tratando de cédula
rural pignoratícia conforme a Lei n. 492 (arts. 22 e 23) e até para a ação executiva pignoratícia, se não houve
extração da cédula (Lei n. 492, art. 24); b) para a execução das cédulas rurais pignoraticia, hipotecária e mista
sujeitas à Lei n. 3.253, dispensou-se o protesto.
O ad. 18, § 2.0, da Lei n. 492 é aquele em que se diz não poderem “os bens nem os animais empenhados ser objeto
de penhora, arresto, seqUestro ou outra medida judicial, desde que expedida a cédula rural pignoraticia, obrigado o
devedor, sob pena de responder pelos prejuízos resultantes, a denunciar aos oficiais incumbidos da diligência, para
que a não efe-
tuem, ou ao juiz da causa, a existência do título, juntando. o aviso recebido ao tempo de sua expedição”.
A impenhorabilidade pode ter sido querida para se fraudarem credores. Em se tratando de bens imóveis, na cédula
rural hipotecária, ou na cédula rural mista, é grave, mas, devido ao texto legal, a execução fica protraída, salvo se
ainda em mãos do participe da trazes creditorum a cédula.
A pretexto de favorecer o penhor rural, as exceções que se fizeram aos princípios tornaram antipático o instituto.
Agora, as cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas. Os legisladores não perceberam que o povo e os bancos
sOmente recebem com agrado as criações legislativas que se enquadrem no sistema jurídico sem o ofenderem, sem o
arranharem, sem o ferirem. O que se afasta do sistema jurídico afasta-se da consciência jurídica do país. O que se
choca com o sistema jurídico choca-se com a consciência jurídica. O que os povos querem é que as novas regras
jurídicas sejam consentâneas com os princípios. Com pedradas no passado do povo, com postergamentos da sua
cultura, não se atraem simpatias para leis novas. Só se deve destruir onde se pode mostrar que a destruição é um bem.
A impenhorabilidade ou, em geral, a inconstrangibilidade, tratando-se de cédula rural pignoratícia regida pela Lei n.
492, começa com a expedição da cédula. É isso o que está na lei, verbis “desde que expedida a cédula rural
pignoraticia”. A alusão do art. 29 da Lei n. 8.258 a estarem inscritas atende a que as cédulas rurais pignoratícia,
hipotecária e mista da Lei n. 8.258 não são precedidas de penhor inscrito.
Para que se possa invocar o art. 29, 1.8 parte, da Lei n. 3.258, é de mister que a cédula rural pignoratícia, hipo-.
tecária ou mista esteja inscrita. Se, antes da inscrição, foi feita penhora por divida quirografária, a penhora foi eficaz
e a execução prossegue. Ineficaz foi a inscrição, posterior, da cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista.
Temos, portanto:
a) A impenhorabilidade, a que se refere a Lei n. 492,ad. 18, § 29, e, agora, a Lei n. 3.253, art. 29, 1.8 parte, é a
impenhorabilidade em ação executiva pessoal. O art. 29, 1.’parte, da Lei n. 8.258, como o art. 18, § 29, da Lei n. 492,
a

r
‘que se remete, não é regra de exceção à pocioridade dos outros direitos reais, que têm ação executiva real. O
princípio Prior tempore potior jure (Tomos II, § 569, 1; XI, §§ 1.178, 1, 1.220, 1.226, 6; XVIII, §§ 2.140, 2.147) não
sofre, com o art. 29 da Lei n. 3.258, limitação.
A distinção é de grande relevância. Com a inscrição da
-cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista, ao patrimônio do empenhante não se retira o bem ou não se retiram
os bens gravados, mas ficam coloridos, diferentemente, pelo gravarne:
marcados, assinalados pela eficácia do registro. A penhora teria de parar, em seus efeitos, onde encontrasse o direito
real de garantia. A lei estabeleceu mais do que isso: criou a impenhorabilidade enquanto o gravame existe. Mas essa
impenhorabilidade somente pode ser por dívidas pessoais ou por pretensões reais nascidas após a inscrição; não, por
pretensões reais que nasceram antes e, pois, têm por si o princípio da pocioridade.
b) Se a ação executiva pessoal já estava proposta, com eficácia constritiva que pode ser fortalecida com a inscrição
cautelar do art. 178, VI, ou do art. 178, VII, do Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939, a inscrição posterior da
cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista de modo nenhum a atinge. O art. 18, § 29, da Lei n. 492, fala de expe-
dição; a Lei n. 8.253 fala de inscrição. Até a inscrição, os bens são penhoráveis, seqúestráveis, arrestáveis ou de qual-
quer modo judicialmente constritos. Depois da inscrição, só-mente o podem ser se o título executivo é oriundo de
direito real, com pocioridade.

3. DECRETO-LEI N. 1.003, DE 29 DE DEZEMBRO DE 1938, ARTs. 19-30. — O Decreto-lei n. 1.003, de 29 de


dezembro de 1938, a que o art. 29 da Lei n. 3.253 se refere, é dessas leis, de inspiração ditatorial, em que se puseram
os interesses do Banco do Brasil acima dos interesses do povo, por vêzes acima dos próprios interesses do Brasil e
acima dos princípios jurídicos. Uma vez que o art. 29 da Lei n. 3.253 o relembra e reafirma o Decreto-lei n. 1.003,
convém que lhe examinemos o conteúdo, nos três artigos de que se compõe .
(a) Lê-se no Decreto-lei n. 1.003, art. 19: “A preferência que resultar da prioridade de inscrição hipotecária, ainda
-que em execução de hipoteca, não prejudicará o penhor rural constituído em garantia de operações da Carteira de
Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil”. Não se nega que
-a inscrição anterior de hipoteca estabeleça prioridade. Apenas, infringindo-se, hoje, o principio de isonomia
(Constituição de 1946, art. 141, § 1.0), e, no seu tempo, a Constituição de 1937, art. 122, 1, se tratou desigualmente o
penhor rural em garantia de operações da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil e as operações
de crédito rural feitas pelos outros bancos.
No que concerne à cédula rural pignoratícia, pode-se conceber que o empenhamento das partes integrantes não-
essenciais e das pertenças, tratando-se de crédito rural, isto é, com a finalidade da produção, fiquem hábeis à
gravação, a despeito da hipoteca do prédio rural. Quanto às pertenças, porque, no sistema jurídico brasileiro, não se
incluem cogentemente no objeto hipotecado (Código Civil, art. 810, II), e só a disposição especial as gravaria
(hipoteca conjunta das pertenças), assunto que nos há de interessar mais adiante.
Se está em causa cédula rural hipotecária, que é cédula que incorpora direito de hipoteca, seria aberta e frontalmente
contra o sistema jurídico dar-se à inscrição da hipoteca postenor, que se incorpora nas cédulas, eficácia contra a hipo-
teca anteriormente inscrita. A referência que se faz na Lei ix. 3.253 ao art. 1.~ do Decreto-lei n. 1.003 foi de todo im-
pensada. Com tais privilégios a favor do Banco do Brasil, ou, até, dos bancos ou casas bancárias ou cooperativas que
operem com cédulas rurais hipotecárias, nenhuma segurança se teria, de agora em diante, com o regime hipotecário
brasileiro, no que tange com os bens imóveis rurais.
Na Lei n. 3.258, art. 29, fala-se de cédulas estabelecidas nesta lei, desde que inscritas, de modo que não se há de
interpretar a remissão ao art. 19 do Decreto-lei n. 1.003 como exceção à pocioridade da hipoteca anterior: primeiro,
há de ser satisfeita, com o valor, a hipoteca anterior; depois, a cédula rural hipotecária. A interpretação que, a respeito
das cédulas rurais pignoraticias, nos permite o art. 810, II, do Código Civil, nenhum cabimento teria, em se tratando
de cédula rural hipotecária, ou de cédula rural mista, no que toca ao objeto’ hipotecado.
O art. 29, 2. parte, da Lei n. 3.253 não alude a operações da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do
Brasil, mas no ad. 1.~ do Decreto-lei n. 1.003 somente se cogita de-tais operações. Donde a questão de se saber se a)
o art. 29-estendeu a regra jurídica do art. 1.0 do Decreto-lei n. 1.003 a tôdas as operações dos bancos, casas bancárias
e cooperativas, ou se b), embora alcançando as cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas regidas pela Lei n.
3.253, apenas continua lei de privilégio atribuído à Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil. A
solução certa é b), o que ainda mais faz ressaltar, de iure condendo, a desnecessidade da regra jurídica do ad. 1.0 do
Decreto-lei n. 1.003 e, agora, do art. 29, 2.a parte, da Lei n. 3.253, no que àquele se faz remissão.
(b) Diz o art. 2.0 do Decreto-lei n. 1.003: “O penhor rural contratado com a Carteira não poderá ser anulado como’
ato em fraude de credores ou de execução, porque, antes de sua constituição, tenham sido protestados títulos do
devedor”.
O ad. 29 do Decreto-lei n. 1.003 só se refere ao penhor rural. O ad. 29 da Lei n. 8.253 estende a regra jurídica às
cédulas rurais pignoraticias, hipotecárias e mistas. A pré-exclusão da anulabilidade por fraude contra credores, bem
como a da ineficácia por ter sido inscrito depois de terem sido protestados títulos do subscritor e emitente, somente
se entende quanto aos títulos quirografários protestados, e não quanto ao protesto ou inicio de execução de títulos
incorporantes de direitos reais. A cédula rural pignoraticia, a cédula rural hipotecária ou a cédula rural mista, que se
inscreveu (o art. 29 da Lei n. 8.253 é explícito: “desde que inscritas”) depois do protesto ou do inicio de execução do
penhor, ou da hipoteca, ou da ação concernente a qualquer direito real, não pode prevalecer contra o direito real que
foi anteriormente inscrito, já dissemos o que era de mister no que respeita à cédula rural pignoraticia inscrita depois
da inscrição da hipoteca ou de letra hipotecária.
Se foi feita penhora por titulo quirografário antes da Inscrição do penhor incorporada no título (= antes do registro
da cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista), o art. 2.0 do Decreto-lei n. 1.003 não incide, porque no art. 2.0 só
se cogitou de terem sido “protestados títulos do devedor” e não de terem sido executados.
Na falência, a cédula rural pignoraticia, a cédula rural hipotecária e a cédula rural mista estão expostas à incidência
das regras jurídicas do art. 52, III e VII, do Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, porque se trata de ação
revoeatória falencial, e não de ação por fraude contra cre~ dores <Código Civil, arts. 106-113; Decreto-lei n. 7.661,
artigos 53 e 99). A ação por frande contra credores, quer se funde nos arts. 106-113 do Código Civil, quer no art. 53
ou no art. 99 do Decreto-lei n. 7.661, não pode invalidar a cédula rural pignoratícia, ou a cédula rural hipotecária, ou
a cédula rural mista. Podem essas não ter escapado ao art. 52, III, ou ao art. 52, VII, do Decreto-lei n. 7.661. Mas, aí,
a ação não é por fraude:
trata-se de ineficácia de atos constitutivos e de inscrições.
Para bem se precisar o conteúdo do art. 2.0 do Decreto--lei n. 1.003, cumpre atender-se a que as ações de nulidade e
de ineficácia escapam ao que se enuncia no art. 2.0; bem assim, as outras ações de anulação. Só se alude à fraude
contra credores e à fraude de execução, se essa se caracteriza por ter havido protesto de titulo quirografário~ A
ineficácia por fraude à execução, fora da espécie de só se juntarem os dois pressupostos (protesto anterior de título
quirografário e fraude de execução), não sofre qualquer limitação legal. Por exemplo: se já foi iniciada a execução
por titulo quirografário, a inscrição da cédula rural pignoratícia, ou da cédula rural hipotecária, ou da cédula rural
mista é ineficaz, por fôrça dos princípios implícitos no art. 895 do Código de Processo Civil. A fortiori, se se trata de
ação executiva real.
O art. 29, 23 parte, da Lei n. 3.253 não aludiu à Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil.
Pergunta--se: a) ~ A extensão da regra jurídica do art. 2.0 do Decreto-
-lei n. 1.003, às cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas transforma o conteúdo da regra jurídica, para se ler
o art. 2.0 do Decreto-lei n. 1.003 como concernente a quaisquer bancos, casas bancárias, ou cooperativas? b) aOu
somente se estende aos outros títulos (às cédulas rurais hipotecárias e mistas) o que, a propósito dos títulos tomados
pela Cadeira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, se dissera sobre o penhor rural e, pois, sobre as
cédulas rurais pignoratícias?
A resposta há de ser no sentido da interpretação estrita; portanto, no sentido de b). Os bancos, casas bancárias e coo-
perativas não podem invocar o ad. 29 do Decreto-lei n. 1.008, nem o art. 29 da Lei n. 3.258. Isso atenua os
inconvenientes do art. 29 da Lei n. 3.253 e do ad. 2.0 do Decreto-lei n. 1.003; porém deixa ainda mais viva e
flagrante a infração do princípio da isonomia.
(c) Está no Decreto-lei n. 1.008, art. 3.0: “As estradas de ferro e demais emprêsas de transporte, os armazéns gerais
e de depósitos, os comissários e outras pessoas que transportem, guardem, comprem ou de qualquer forma, recebam
produtos agrícolas ou pecuários, ficam obrigados a prestar à Carteira, por escrito, as informações que lhe forem
necessárias para conhecimento ou verificação de quaisquer ocorrências que interessam à regularidade e segurança de
suas operações. As pessoas que prestarem declarações inexatas ou incompletas, as que injustificadamente demorarem
a dar as informações que lhe forem solicitadas e as que se recusarem a prestá-las, incorrerão em multa de mil a. dez
mil cruzeiros, imposta pelo Ministro da Fazenda e elevada ao dôbro no caso de reincidência”. O ad. 39 do Decreto-
lei n. 1.003 só se referia aos bens que podiam ser objeto de penhor rural.
A Lei n. 8.253, ad. 29, estende a abrangência da regra jurídica, que passa a atribuir aos interessados tomadores a
pretensão a informações, quer se trate de inscrição de cédula rural pignoraticia, quer de cédula rural hipotecária, quer
de cédula rural mista. Dir-se-á que a solução que aqui damos se afasta da que seguimos quanto aos ads. 1.0 e 29 do
Decreto-lei n. 1.003. Mas, aqui, não se trata de privilégio da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do
Brasil, e sim de regra jurídica sobre dever e obrigação das emprêsas de estradas de ferro, das emprêsas de transportes
em geral, das emprêsas de armazéns gerais e de depósitos, comissários e outras pessoas que transportam, guardam,
compram e recebem produtos agrícolas e pecuários. O dever e a obrigação era perante a Cadeira, porque ao
legislador só interessava, no momento, a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do” Banco do Brasil. O intérprete
pode revelar, com a ratio te pia,. a regra jurídica sobre dever e obrigação de- tais emprêsasr quaisquer que sejam os
tomadores de cédulas rurais pignora-Moias, hipotecárias e mistas. Não há o direito e a pretensão. à prestação das
informações (comunicações de conhecimento, Tomo II, §§ 283, 237-239) se ainda não foi inscrita a cédula..

§ 2.687. Alienação dos bens gravados cedularmente

1. VENDA PELO DONO DOS BENS CEDULARMENTE GRAvADOS.


- — Os bens cedularmente gravados são alienáveis. Apenas é de exigir-se, para que eficazmente sejam alienados, o
consentimento do tomador das cédulas, ou dos endossatários, se foram endossadas. Pôsto que no ad. 25 da Lei n.
3.258 se fale de validade, a espécie é de eficácia, e não de validade. Lê-se no ad. 25~ da Lei n. 8.253: “Enquanto não
fôr paga a cédula rural, pignoratícia ou hipotecária, a venda dos bens apenhados ou imóveis hipotecados só será
válida se o credor anuir, por escrito, vAlidamente”. A eficácia da venda só se estabelece se o titular do direito real
cartular assentiu por escrito, prêviamente. Por’ tanto: a forma escrita do consentimento é pressuposto essencial; não
há ratificação (pós-eficacização), por declaração posterior de vontade.
No ad. 785 do Código Civil também se exige o consentimente do titular do direito de penhor para que o dono dos
bens emoenhados possam ser alienados. A falta do consentimento é causa de ineficácia relativa. O princípio é,
portanto, comum a todos os penhOres em que o empenhante tem a posse imediata. O empenhante que transferiu ao
titular do direito de penhor a posse imediata pode alienar o bem empenhado, ou os bens empenhados, sem que
precise do consentimento do titular do direito de penhor (cp. Lei n. 492, ad. 3.0).
A ação para o titular do direito que se incorpora na cédula obter que se diga ineficaz, quanto a ele, a alienação, é a
açãt declaratória negativa de ineficácia, que não está sujeita a prescrição. Tudo se passa à semelhança das alienações
de bens penhorados (fraude à execução).

2. VENDA JUDICIAL DE BENS CEDULARMENTE GRAVADOS. —Nas espécies em que, a despeito da


inscrição da cédula, as ações executivas reais podem ser propostas, ou em que a inscrição foi posterior à penhora dos
bens, com eficácia contra os portadores (tomadores e endossatários) das cédulas, a alienação judicial dos bens tem de
ser com a ciência desses. Todavia, pode, ai, prosseguir o processo executivo, inclusive para arrematação, sem
dependência de assentimento escrito e prévio dos tomadores ou endossatários. Isso importa em dizer-
-se que têm de ser notificados e hão de alegar e provar o que é do seu interesse, sendo a notificação das arrematações
segundo os princípios do direito comum (Código de Processo Civil, art. 971, cuja interpretação já se fêz no Tomo
XX, §§ 2.487, 2, 2.446, 1, 2.515, 2.550, 1, e 2.557, 2, 8).
Se houve execução pelo portador da cédula rural pignoraticia, hipotecária ou mista e se venderam judicialmente os
bens cedularmente gravados, é de perguntar-se — uma vez que alguns ~credores não os poderiam penhorar — desde
quando começa a penhorabilidade do produto da venda, deducto o valor da cédula ~ou das cédulas, dos direitos reais
anteriores à inscrição daquelas ~e dos executivos pessoais anteriores à inscrição. A penhora pode ser feita desde que
se faz o cálculo das deduções, porém nada obsta a que se inscreva, na forma do art. 178, a), VII, do Decreto n. 4.857,
de 9 de novembro de 1989, a ação executiva real, isto é, a petição de penhora, para o caso de haver resíduo.

•§ 2.638. Terceiro dador do direito de penhor ou de hipoteca,a ser incorporado


• 1. DONO DOS BENS E DIVIDA. — A lei, a despeito de aludir à finalidade do crédito rural, permitiu que terceiro
seja o dador do penhor ou da hipoteca, ou de ambos. Figuremos as espécies:
a) Os bens empenhandos ou hipotecandos acham-se de algum modo ligados à exploração agrícola ou pecuária da em-
prêsa B, que deseja emitir cédulas rurais, e a ela pertencem, ou por serem partes integrantes do prédio em que se
instala a emprêsa, ou por serem pertenças.
b) Os bens empenhandos ou hipotecandos acham-se liga.dos de algum modo à exploração agrícola ou pecuária da
em-:
prêsa B, que deseja emitir cédulas rurais, mas são de propriedade de A, pôsto que pertenças do prédio em que se
instala a emprêsa.
c) Os bens empenhandos ou hipotecandos acham-se de algum modo ligados à exploração agrícola ou pecuária da
emprêsa A, a quem pertencem, como partes integrantes ou como pertenças do prédio da emprêsa A, porém quem
deseja emitir cédulas rurais é B.
Não há nenhuma dúvida quanto à constituibilidade do direito real de garantia incorporado na cédula, na espécie a).
Tão-pouco, no que tange à espécie b). No que concerne a e), u penhor ou a hipoteca teria de reger-se pelo direito
comum:
não há a finalidade da operação, que se supõe necessária àeonstituição do penhor rural ou da hipoteca rural
incorporável em cédula.
A lei permitiu que o terceiro dê em penhor. ou hipoteca, ou em penhor e hipoteca, bens seus, de modo que de certo
modo se atenuaria o propósito de favorecer devedores que têm exploração agrícola ou pecuária se não se exigisse que
o devedor fôsse agricultor ou pecuarista.
Na Lei n. 492, de 80 de agôsto de 1987, art. 89, diz-se:
“Pode ajustar-se o penhor rural em garantia de obrigação de terceiro, ficando as coisas ou animais empenhados em
poder do proprietário e sob sua responsabilidade, não lhe sendo lícito, como depositário, dispor das mesmas, senão
com o consentimento escrito do çredor”. O art. 28 da Lei n. 3.253 é um tanto diferente e não deve ser interpretado
sem se atender à inspiração da lei, que supôs dedicada à agricultura ou à pecuária a pessoa que emite a cédula e a
finalidade- da operação (Lei n. 8.253, arts. 1.~, 89, § 2.0, 6.0, parágrafo único, e art. 8.0).
A garantia real prestada pelo agricultor ou pecuarista a dívida de outrem, que não tenha atividade agrícola ou
pecuária, não é crédito rural; de modo que a abstração da cédula, com a coparticipação do banco, ou casa bancária,
ou cooperativa, talvez da Cadeira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, ameaça extrair valor do bem
rural para crédito de finalidades não-rurais. O caminho, que se tem, para se evitar isso é o de exigirem os tomadores a
explicitação da finalidade e da aplicação da quantia ou bens prestados. Aliás, o art. 39,IV, da Lei n. 8.253, faz
pressuposto necessário da constituição da cédula rural pignoratícia, hipotecária (art. 6.0> ou mista (art. 5.0) a
“indicação do fim a que se destina o valor recebido e a forma da utilização”.

2. CONTEÚDO DO ART. 28 DA LEI N. 8.253, DE 27 DE AGOSTO DE 1957. — Estatui o art. 28 da Lei n. 3.258,
de 27 de agosto de 1957: “Se os bens vinculados à cédula de crédito rural pertencerem a terceiro, mencionar-se-á
essa circunstância, assinando ele o título juntamente com o emitente, para os fins de confirmação da respectiva
outorga”. As expressões não são felizes. Quem constitui o direito de penhor, incorporado na cédula rural pignoratícia,
ou na cédula rural hipotecária, ou na cédula rural mista, é o dono dos bens, quem quer que seja quem se aproveite do
dinheiro ou dos bens adquiríveis com a prestação. O terceiro dador do penhor, ou da hipoteca, ou do penhor e da
hipoteca, não outorga poderes para a constituição do penhor, ou da hipoteca, ou dos dois direitos reais de garantia,
assinando com o devedor. O terceiro dador do direito real de garantia, ou dos direitos reais de garantia, é também
verdadeiro subscritor da cédula. Com a leitura do art. 28 fica-se a pensar em que a cédula rural pignoratícia,
hipotecária ou mista, só é título contra o que se aproveita da prestação. Ora, as cédulas rurais regidas pela Lei n.
3.258 são títulos incorporantes de direitos reais de garantia (penhor, hipoteca, penhor e hipoteca), e não títulos
incorporantes de créditos garantidos por penhor, hipoteca ou penhor e hipoteca.
4 cédula rural pignoratícia incorpora o direito de penhor a cédula rural hipotecária incorpora o direito de hipoteca; a
cédula rural mista incorpora os dois direitos. Ambos são direitos reais. A dação pelo terceiro apenas separa quem há
de pagar. precipuamente, e quem, no momento, é o dono dos bens empenhados ou hipotecados. A separação de certo
modo choca, porque a Lei n. 3.258 concebeu a cédula rural como abstrativa do negócio jurídico subjacente e não
exigiu, sequer, penhor, inscrito, de que depois se extraisse cédula rural pignoratícia, ou hipoteca, inscrita, de que
depois se extraisse cédula rural hipotecária. Foi além da construção que à cédula rural pignoratícia havia dado a Lei
n. 492, art. 15, verbis “se o credor lho solicitar, expedir em seu favor ... cédula rural pignoratícia”.

§ 2.639. Seguro dos bens cedularmente empenhados ou hipotecados


e
1. DIREITOS REAIS DE GARANTIA E SEGURO. — A priori, não há dever de segurar-se o bem dado em
garantia real. Se está seguro, dá-se a sub-rogação real na pretensão à indenização e, depois, na indenização paga
(Código Civil, art. 762, § 1.0). Pode-se inserir no acordo de constituição a cláusula de seguro. Sobre a anticrese, §
2.629.
O dever de segurar ou resulta de lex specialis ou de acordo entre criador e tomador de títulos incorporantes.

2. CÉDULAS RURAIS PIGNORATICIAS, HIPOTECÁRIAS E MISTAS.


— No tocante às cédulas rurais regidas pela Lei n. 3.253, o seguro foi tido como dever do constituinte do penhor,
ou da hipoteca, ou, em se tratando de bens empenhados ou hipotecados pelo terceiro dador, dever daquele e desse.
Está no art. 26 da Lei n. 8.253, de 27 de agôsto de 1957: “Os bens constitutivos da garantia serão segurados contra
todos os riscos a que possam estar sujeitos e forem objeto de seguro, até final quitação da dívida, expedindo-se a
apólice à ordem do credor”. Devemos entender o art. 26: se os bens dados em garantia são suscetíveis de penhor, têm
de ser segurados contra todos os riscos, até que se solva a dívida; a apólice é à ordem do tomador, de modo que pode
ser endossada ao endossatário da cédula pignoratícia, hipotecária ou mista. A lei não cogitou da sanção para o caso de
se não cumprir o dever de segurar, nem disse a quem haveria de tocar o dever. Em primeira plana, é ao constituinte
do penhor ou da hipoteca; se há terceiro dador, pode a ele ser exigido o seguro, como ao emitente da cédula, porque e
depositário dos bens.
Há, portanto, a pretensão a que se segurem os bens dados em garantia, se a incorporação do direito real é em cédula
rural pignoratícia, hipotecária ou mista regida pela Lei n. 3.253.
No que se refere à sanção, há dever e obrigação de segurar, cabendo ao tomador e aos endossatários direito e
pretensão a que se segurem os bens dados em garantia. Nenhuma sanção há de ineficácia, ou de invalidade das
cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias ou mistas: o seguro não é pressuposto necessário; o que se estabeleceu, na
Lei n. 3.253, foi o dever e obrigação de segurar.
Resta saber-se se a regra jurídica do ad. 26 da Lei n. 8.253 é co gente, ou se é dis positiva. Noutros têrmos: se não
pode ser, ou se pode ser dispensado o seguro. A resposta é a favor de se tratar de ius dispositivum.

§ 2.640. Inscrição das cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas

1. PENHOR OU HIPOTECA E INSCRIÇÃO. — À diferença do que ocorre com as cédulas rurais pignoratícias
regidas pela Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, arts. 2.0 e 15, que são expedidas pelo oficial do registro se o
tomador o exige, as cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas regidas pela Lei n. 8.253 são subscritas e
emitidas pelo promitente e inscritas, sem que se haja de pensar em qualquer acordo de constituição de penhor que se
tenha de—inscrever antes. O acordo de constituição resulta de algum banco, casa bancária ou cooperativa tomar o
título. Note-se, com precisão, o que se passa, ou se pode passar: a> o promitente enche a cédula conforme os pres-
supostos enumerados no art. 39 da Lei n. 3.253, tendo havido acordo (prévio) de constituição da cédula; LO o
promitente enche a cédula, sem ter havido qualquer acordo (prévio) de constituição» de modo que o seu
procedimento é semelhante ao do subscritor do título cambiário ou cambiariforme que insere no título o nome de
alguém como se fôsse o tomador. Na espécie 19, ou sobrevém o acordo e a pessoa mencionada como tal assume a
posição de tomador, o que se dá pela tomada de posse da cédula, ou a pessoa que se indicou como tomador não quer
tomar a cédula. Se alguém endossa o título, falsamente (=z como se fôsse a pessoa indicada como tomador), o
endossante de boa fé é protegido, e tudo se passa, se a inscrição foi obtida, como se tomador tivesse havido, salva a
esse a alegação de falsidade.
A diferença, em relação a cédula rural pignoratícia regida pela Lei n. 492, está em que a cédula rural pignoraticia
segundo a Lei n. 492 é extraída do registro do penhor, não é título constitutivo, ao passo que são títulos constitutivos
as cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas de que trata a Lei n. 3.253.

2. EFICÁCIA DA INSCRIÇÃO. — A inscrição opera a criação do direito real de penhor ou de hipoteca, que se
incorpora na cédula. Antes da inscrição, a cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista somente contém promessa
de prestação. O direito que toca ao tomador ou ao endossatário é semelhante ao direito que tem o adquirente do
prédio antes de se proceder à transcrição do acordo de transmissão. Há vinculação, mas pessoal. O tomador ou
endossatário ainda não tem direito real sobre os bens que se apontaram como empenhandos ou hipotecandos. A
descrição é apenas para se conseguir, com a inscrição, o direi. to real de garantia, que se incorpore na cédula. Se vem
a ser impossível a inscrição, à relação jurídica, pessoal, nunca sucede relação jurídica real.

3. REGISTRO TORRENS E CÉDULAS RURAIS. — Está no ad. 26, parágrafo único, da Lei n. 3.253: “Sempre
que o imóvel objeto da garantia real fôr matriculado no Registro Torrens ser-lhe-áassegurada preferência sobre
quaisquer outros, no Banco do Brasil, para a constituição de mútuo”. Posta de lado a confusão entre cédula rural
hipotecária ou pignoraticia e negócio jurídico subjacente, há de ser lido o art. 26, parágrafo único, como
recomendação ao Banco do Brasil, para que, se o imóvel está registado no Registro Torrens, se facilitem as
operações de crédito real regidas pela Lei n. 3.253.

4. MODELOS. — Estabelece o art. 84 da Lei n. 3.258, de 27 de agôsto de 1957: “As cédulas de crédito rural
instituidas por esta lei obedecerão aos modelos anexos, de ns. 1 a 5”. Aqui, só nos interessam os três modelos de
cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista. Os outros são modelos de títulos de crédito (pessoal).
§ 2.641. Endosso das cédulas rurais pignoraticias, hipotecárias e mistas

1. AMORTIZABILIDADE E ENDOSSO. — O quanto prometido nas cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e


mistas pode ser amortizado aos poucos, segundo se preveja no acordo de constituição, inscrição e na anotação na
cédula. Cada endosso há de mencionar o valor liquido da cédula, no momento em que se endossa. Se nada se disse,
o endossante responde pelo que se fixou no último endosso anterior.
Lê-se no art. 27 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957:
“O endossante da cédula de crédito rural responde apenas pelo saldo devedor do título, sempre que tiver havido
amortização, devendo constar do endosso, neste caso, o valor líquido da transferencia
Quem pode endossar a cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista ou é dono dela, ou quem tem poder de
disposição do bem alheio. Endossando, transfere a propriedade da cédula e essa atribui ao endossatário o• direito real
de garantia, que na cédula se incorporou.

2. EFICÁCIA DO ENDOSSO. — O endosso — rigorosamente falando, como compete ao cientista — não transfere
o direito:
dá ensejo a nôvo crédito (em sentido largo), com o conteúdo Que resulta do título. A aquisição é originária, e não
derivativa (1<. R. ROMEICK, Zur Technik des BGB., Heft III: Rechtsnachfolge, 107; li. DERNBURG, Das
Biirgerliche Recht, II, §§ 145, nota 2, e 286). Ao endossatário não se podem opor as exceções que seriam oponíveis
ao endossante ou outro endossatário anterior. Tal acontece ainda quando, se há negócio jurídico subjacente, o
endossatário também é cessionário do crédito causal (sobre isso, excelentemente, profligando êrro da Suprema Côrte
alemã, veja-se KARL AULER, Eine bedenkliche wechselrechtliche Entscheidung des Reichsgerichtes, Deutsch,e
Juristen-Zeitung, 19, 620 s.).
Ao chegar às mãos do endossatário de boa fé a cédula rural pignoratícia, hipotecária ou mista, a abstração inicia-se.
O conhecimento das exceções, depois da aquisição de boa fé, é inoperante.
O endosso, antes da inscrição da cártula, faz nascer ao endossatário direito pessoal, inclusive habilita-o,a levar a
cédula à inscrição. Mas esse endêsso já é negócio juridico abstrato, como qualquer endosso.
a. AvnnÃÇÁo Do ENflôsso. — As cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas podem ser endossadas antes da
inscrição das cédulas. A transferência da propriedade e qualquer direito oriundo do ato constitutivo de direito real
(usufruto, penhor) produz-se, a despeito da falta de inscrição. O endossatário pode levar a cédula à inscrição.
(A transferência da propriedade já se produz com o endosso da cédula não inscrita. Porque o que se transfere é o
domínio sobre a cédula e todos os pressupostos para essa transmissão foram satisfeitos: houve a constituição da
cédula, houve o endosso, que contém acordo de transmissão da propriedade da cédula, e houve a tradição. A
transferência da propriedade mobiliária operou-se. O direito que se incorporou, no tocante ao acordo de constituição
do direito real, não foi o direito real de penhor, da hipoteca, ou do penhor e da hipoteca, — foi o direito oriundo do
acordo, inclusive o de completar a eficácia do acordo.)
Portador da cédula pignoratícia, hipotecária ou mista, o endossatário é — antes da inscrição — dono da cédula e
titular de todos os direitos que •se irradiam do acordo de constituição do direito real de garantia. O subscritor e
emissor vinculou-se. Os direitos, que nasceram do acordo, incorporaram-se no título.
Após a inscrição, o endosso opera a aquisição por outrem do direito real incorporado à cédula.
A averbação não atribui efeito real ao endosso. O endosso já o tem. A função da averbação é de maior publicidade,
sem que a eficácia real do endosso dependa disso.
- No art. 10, § 4•0, da Lei n. 3.253 falou-se da averbação dos endossos ocorridos após a inscrição e no § 6.0
dispensou-se a averbação dos endossos feitos por bancos em operações de redesconto ou caução. Poderia parecer que
se tornou o registro elemento constitutivo da transferência da propriedade da cédula e, pois, da aquisição do direito
real de garantia pelo endossatário. Mas isso seria absurdo e revelaria nos fazedores da lei mentalidade pouco propícia
à facilitação do crédito rural, sobre ser atentatório dos princípios concernentes ao endosso. Havemos de entender que
se reforça, com a averbação, a publicidade que está no endosso, que é declaração escrita de vontade mais trans-
missão da posse. Exatamente a respeito dos títulos incorporantes de direitos reais de garantia sem posse imediata dos
bens pelo titular do direito real de garantia, a função da cédula é a de obviar aos inconvenientes da falta, para o
titular, da posse imediata dos bens dados em garantia pela posse imediata publicativa, da cédula incorporante.
CAPITULO II

CÉDULA RURAL PIGNORATICIA

§ 2.642. Conceito e natureza

1.TRAÇOS COMUNS ÀS CÉDULAS RURAIS REGIDAS PELA LEI N. 3.253, DE 27 DE AGOSTO DE 1957.—
As cédulas rurais pignoraticias, hipotecárias e mistas, de que cogita a Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957, têm de
comum serem títulos formais, endossáveis, abstratos a partir do endôsso, certos, líquidos e executivos. O que os
distingue, com as conseqUências que daí resultam, é o objeto do direito real de garantia que, desde a inscrição, nele
se incorpora.
Ofato de ser direito de penhor o direito que se incorpora na cédula rural pignoratícia e direito de hipoteca o que se
incorpora na cédula rural hipotecária não poderia deixar de se refletir na constituição e no regramento das duas
espécies de cédulas. Há, a par dos traços comuns, os traços distintivos.
Todavia, as próprias cédulas rurais pignoraticias, segundo’
a Lei n. 3.253, não se identificam com as cédulas rurais pignoratícias regidas pela Lei n. 492, de 30 de agôsto de
1937.

2.TRAÇOS DISTINTIVOS EM RELAÇAO ÀS CÉDULAS RURAIS PIGNORATICIAS REGIDAS PELA LEI N.


492, DE 30 DE AGOSTO DE 1937, E Às LETRAS HIPOTECÁRIAS CONFORME O DECRETO N. 169-A, DE 19
DE JANEIRO DE 1890, ART. 13, § 19. — Tanto a respeito das cédulas rurais pignoratícías segundo a Lei n. 492, de
30 de agôsto de 1937, como a propósito das letras hipotecárias, há prévia constituição e registro de penhor ou de
hipoteca. Primeiro. constitui-se o penhor ou a hipoteca; os títulos subscrevem-se e emitem-se depois. As cédulas
rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas são diferentes: subscrevem-se e emitem-se; pode ocorrer, até, que circulem;
a inscrição, que lhes dá a eficácia real (zz lhes cria o direito de penhor, ou de hipoteca, ou os dois, que se incorporem
nelas), é das próprias cédulas. As letras hipotecárias podem ser ao portador; as cédulas rurais hipotecárias, não: são
nominativas endossáveis.
As cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas são apenas endossáveis. O endosso há de ser segundo se
estabelece em geral, mas em prêto, devido à Lei n. 492, art. 16. Feito em branco, o portador pode enchê-lo.

§ 2.643. Pressupostos da cédula rural pignoraticia

1. TEXTO DA LEI. — Enuncia o art. 3.~ da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957: “A cédula rural pignoratícia
conterá os seguintes requisitos, lançados por extenso no seu contexto:
7. A data do pagamento. II. A denominação “cédula rural pignoratícia”. III. O nome do credor e a cláusula à ordem.
IV. A soma a pagar em dinheiro, com indicação do fim a que se destina o valor recebido e a forma de utilização. V. A
descrição dos bens vinculados em penhor rural, por meio de simples indicação de sua espécie, qualidade, quantidade,
marca ou período de produção, se fôr o caso, além do local de situação ou depósito.
VI. A taxa do desconto ou dos juros a pagar, bem como a da comissão de fiscalização, se houver, mencionando o
tempo das respectivas prestações. VII. A praça de pagamento. VIII. A data e o lugar da emissão. IX. A assinatura do
próprio punho do emitente ou de mandatário especial”. Trata-se da enumeração dos pressupostos essenciais, porém
sem que se haja de atribuir à ordem deles, salvo quanto ao último, grande relevância.
2. DATA DO PAGAMENTO. — Ao invés de primeiro se falar do nome da cédula, fala-se, na lei, da data do
vencimento.
A ordem dos dois pressupostos não é cogente. Não importa se o vencimento, em lugar de vir antes, vem depois da
denominação, o que é mais consentâneo com os usos do comércio e dos bancos, e está no próprio modêlo que a lei
concebeu.

3. DENOMINAÇÃO “CÉDULA RURAL PIGNORATICIA”. — A denominação “cédula rural pignoratícia” é


pressuposto essencial da cédula rural pignoratícia. Tem de ser lançada em lingua portuguêsa. Não basta expressão
equivalente, nem abreviação je. g., CRP). Com a inserção da denominação, já algo da vontade do subscritor e
emitente se embute no título.
A denominação há de vir no espaço destinado ao contexto, e não fora dele. Não precisa estar em imediata conexão
com os restantes dizeres. Pode ser em cima desses, em vertical, em horizontal, atravessando todo o título, em letras
maiores, ou menores, na mesma côr, ou em côres diferentes, por impressão, ou por colorido ou branco do próprio
papel, desde que esteja no anverso da cártula.
Se falta a denominação “cédula rural pignoratícia”, a declaração, que se contém no titulo, não tem eficácia para se
constituir a cédula rural pignoratícia de que cogita a Lei n. 3.253. Tal ineficácia é declarável de ofício pelo juiz. Tem
ele o dever de fazê-lo.

4. NOME Do TOMADOR E CLÁUSULA À ORDEM. — No att. 3», III, a Lei n. 3.253 fala de se inserirem “o
nome do credor e a cláusula à ordem”. Entenda-se: da pessoa a quem se há de satisfazer a soma, dito credor, por
alusão ao negócio jurídico subjacente. Trata-se de requisito essencial. Se falta o nome do tornador, quem a enche
assume tôda a responsabilidade. Todavia, exibido em juízo, só o pode encher o subscritor e emitente, ou o tomador,
provando o negócio jurídico subjacente.
Pode haver pluralidade de tomadores (dois ou mais bancos, casas bancárias ou cooperativas, que foram os
prestadores do capital ou do crédito). As relações jurídicas entre eles escapa ao direito especial. Se só um endossa a
cédula rural pignoraticia, só esse é responsável pelo endosso. Não há endosso parcial.
A cédula rural pignoratícia não pode ser ao portador. A cláusula ao portador faria inválido o título: seria nula a cédula
rural pignoratícia.
Se o banco ou casa bancária ou cooperativa também é agricultor ou pecuarista, pode indicar-se a si mesmo como
tomador. É preciso que ressalte a distinção formal.

5.INDICAÇÃO DA SOMA A SER PRESTADA EM DINHEIRO. —O art. 3.o, jv, 1.~ parte, da Lei n. 3.253 exige
que se mencione na cédula rural pignoraticia a soma a pagar (-se) em dinheiro”.
A cédula rural pignoratícia há de referir-se ao quanto, em:dinheiro, que o penhor, nela incorporado, garante. Valôres
qua dinheiro não sejam não podem eficazmente ser indicados.
O que se há de indicar é a soma a ser prestada. Nenhuma alusão se há de inserir ao negócio jurídico subjacente. Se,
por exemplo, a figura do subscritor-emitente se dissociou em duas (subscritor e emitente), é indiferente saber-se a
quem se prestou o equivalente: se ao subscritor ou ao emitente. A cédula rural pignoratícia, como a cédula rural
hipótecária e a mista,. abstrai do que se possa ter passado entre subscritor e emitente, ou entre subscritor e tomador,
ou emitente e tomador.

6. FIM DA PRESTAÇÃO E FORMA DE INVERSÃO. — A cédula rural pignoraticia há de indicar o fim a que se
destina o valor recebido (Lei n. 3.253, art. 3.~, IV, 2~a parte) e a forma de inversão (art. 3», IV, 3.~ parte). Trata-se de
cédulas rurais pignoratícias, de modo que a lei exige que se diga qual a finalidade que tem o negócio jurídico básico,
porém sem que isso torne causal o título circulável. Alguns juristas estrangeiros, pouco afeitos à doutrina dos
negócios jurídicos abstratos, viram em exigência semelhante que se faz nas legislações dos seus países pré-exclusão
da abstratividade do título; mas sem razão. A relação jurídica entre o subscritor e emissor e o tomador do título de
crédito rural é subjacente e dela irradiam-se direitos e deveres entre o tomador e o subscritor e emissor. A indicação’
do fim na cédula rural pignoratícia não a faz causal. Desde o momento em que o banco, casa bancária ou cooperativa
adquiriu a cédula rural pignoratícia atribuiu circulabilidade por endosso à cártula, de jeito que para os terceiros o que
importa é o teor. O que não consta do título não está, para eles, no mundo jurídico. A cédula rural pignoraticia é
literal, endossável e abstrata. Nela incorpora-se direito de penhor, que só se concebeu, na espécie, para essa
incorporação .
Quanto à forma da inversão, a exigência de aludir-se a ela de modo nenhum torna causal o titulo. A aplicação do
valor prestado ou a prestar-se pode constar do orçamento, assinado pelo subscritor e emitente da cédula, ficando
integrado nela, numa só via, que o tomador rubrica. Teor de parte integrante de cédula teor é da cédula.
7. DOS BENS GRAVADOS. — O art. 3?, V, da Lei a 3.253 faz pressuposto essencial da cédula rural pignoratícia
a “descrição” dos bens empenhados, “por meio de simples indicação de sua espécie, qualidade, quantidade, marca,
ou período de produção, se fôr o caso, além do local de situação ou depósito”. Não há penhor, com a transmissão da
posse só mediata,sem essa descrição e essa indicação do lugar ou depósito.
O principio influi na inclusão delas como pressupostos essenciais. Os bens que podem ser empenhados são os de que
falames ada. 6.0 e 10 da Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1987: colheitas pendentes ou em via de formação, quer
resultem de prévia cultura, quer de produção espontânea do solo; frutos armazenados, em ser, ou beneficiados e
acondicionados para venda; madeira das matas, preparada para o corte, ou já serrada e lavrada; lenha cortada ou
carvão vegetal; máquinas e instrumentos agrícolas (art. 6.0, I-V) ; animais que se criam pascendo, para indústria
pastoril, agrícola ou de laticínios, em qualquer de suas modalidades, ou de que sejam eles pertenças (art. 10).
A cédula rural pignoratícia de que trata a Lei n. 3.253 não apanha os penhôres industriais, isto é, nela não podem
figurai como bens empenhados os que somente se regem pelo Decreto-la n. 1.271. de 16 de maio de 1939, art. 1»
(Decreto-lei n. 1.625, de 23 de setembro de 1939, art. 1.0; Decreto-lei n. 1.697, de 23 de outubro de 1939, art. 1.0;
Decreto-lei n. 2.064, de 7 de março de 1940, art. 1.0; Decreto-lei n. 3169, de 2 de abril de 1941,
-art. 1.0; Decreto-lei n. 4.312, de 20 de maio de 1942, ad. 1.0). Quando o art. 3», § 1.0, da Lei n. 3.253 diz poderem
ser vinculados ã cédula os bens suscetíveis de penhor rural, implicitamente se refere à Lei n. 492, arts. 6.~ e 10, tanto
mais quanto, no ad. 5», estabelece que continuem em vigor as regras jurídias da Lei n. 492, no que não colidirem
com a Lei n. 3.253.

8. TAXA DO DESCONTO OU DOS JUROS A PAGAR. — Tem-se de referir a taxa que se descontou à quantia
prestada, ou dos juros que hão de ser pagos, fora do quanto mencionado como devido (Lei n. 3.253, art. 3~Ó, VI, 1.
parte). No art. 3.~, V, já se falara da soma a ser paga, em dinheiro. Aqui, explicita-se que já se descontaram juros, ou
que, além da soma a ser paga, juros há que têm de ser pagos.
A falsidade na indicação da taxa de juros, e. g., para fraude à lei contra a usura, somente pode ser oposta, como
exceção, aos figurantes em contacto; portanto, segundo os princípios do direito cambiário.

9. TAXA DA COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO. — A taxa para a fiscalização é a que seja de reputar-se razoável
no tocante àvigilância na inversão do dinheiro ou na aplicação dos bens prestados. Se a taxa é demasiada, pode
ocorrer que se trate de fraus legis: com ela, o banco, casa bancária ou cooperativa frauda a proibição da usura, ou a
regra jurídica de limitação do importe de juros.

10. LUGAR DE PAGAMENTO. — A Lei n. 3.253, art. 3.o, VII, exige que se refira o lugar do pagamento, “a praça
de pagamento”. A indicação é pressuposto essencial, porém não determina competência para a ação de cobrança. Não
cabe entender-se ser o lugar do domicílio, se falta a menção (aliter, em direito cambiário e cambiariforme). O lugar
do pagamento pode ser o da criação da cédula rural pignoratícia, ou outro, mas há de ser preciso. Pode ser indicado
quem há de prestar a soma, e. g., agência de banco, casa bancária, ou cooperativa, inclusive o próprio tomador. O
lugar do pagamento pode ser no Brasil ou no estrangeiro, tal como ocorre com os títulos cambiários.

11. DATA E LUGAR DA CRIAÇÃO. — A data e o lugar da emissao, a que alude o art. 30, VIII, da Lei n. 3.253,
são a data e o lugar da criação da cédula rural pignoratícia. Trata-se de requisitos essenciais e não se presume com
poderes o portador para encher o título a que faltem data e lugar de criação. O terceiro portador fica incólume às
objeções de antedata ou do pós-data.
Se a figura jurídica do subscritor-emitente se dissociou em duas, a do subscritor e a do emitente, convém que se
explicitem data e lugar de subscrição <criação) e data e lugar da emissão, porém a declaração da data e do lugar da
emissão não é pressuposto necessário. Data e lugar “da emissão”, no art. 3», VIII, da Lei n. 3.253, são a data e o
lugar da subscrição. ~ freqúente a imprecisão de linguagem, a esse respeito, nas leis.
Se do teor da cédula consta que a assinam o subscritor e o emissor, a assinatura do emissor passa a ser elemento
necessário e de sua falta se induz que o titulo foi subscrito porém não• emitido.

12. ASSINATURA DO PRÓPRIO PUNHO DO CRIADOR DA CÉDULA RURAL PIGNORATICIA OU DE


PROCURADOR ESPECIAL. — A Lei n. 3.253, ad. 3?, IX, fala de “assinatura do próprio punho do emitente ou de
mandatário especial”. O emitente pode ser outra pessoa, e não o subscritor. O que se há de entender é que tem de
assinar do próprio punho o subscritor, que é o criador do título, ou seu representante com poderes especiais. Represen
tante, e não só procurador; nem, a fortiori, somente mandatário. A difícil legibilidade, ou a ilegibilidade, que é
frequente, não torna inválida, nem ineficaz a assinatura, desde que, não obstante haver abreviação, ou outra razão de
indiscernibilidade de pormenores, indique, inequivocamente, a alguém. Não bastam assinaturas de cruz, ou por
emblemas, sinais, ou a rôgo. A assinatura há de encerrar o contexto.
Não basta a assinatura por perfuração, em tipo, ou sinete, ou litografada. Pode ser a lápis-tinta.
Se a assinatura é falsa, ou falsificada, não há a assunção da obrigação de quem figura como criador da cédula rural
pignoratícia, pôsto que possam ser eficazes as declarações dos endossantes a favor de endossatários de boa fé. Aliter,
em se tratando de assinatura a rôgo, porque a menção “a rôgo” adverte os adquirentes do título nulo e ineficaz.
A assinatura aposta em titulo em branco, ou em papel em~ branco, que depois se tornou cédula rural pignoratícia, é
eficaz, segundo os princípios que protegem terceiros endossatários.
Se quem se disse representante não no era, ou não tinha poderes especiais, e sobrevém ratificação, a responsabilidade
do ratificante é segundo o teor da cédula rural pignoratícia. O terceiro possuidor de boa fé tem pretensão contra o
representante e contra os endossantes.
O órgão das pessoas juridicias assina conforme os poderes dos estatutos ou contrato social. É órgáo: presenta, não
representa. A assinatura do próprio punho é dele; mas subscritor E a pessoa jurídica. Todavia, se o órgão não tem
poderes e assina a cédula rural pignoratícia, responsável faz-se, pessoal-mente, pela soma a ser paga, e pelos juros, se
os há, e pela própria comissão de vigilância, se há, embora não fiquem empenhados os bens alheios que foram
indicados conforme o ad. 3•0, V, da Lei n. 3.253.
Conforme foi dito, se do teor da cédula consta que a assínam o subscritor e o emissor, a falta de assinatura daquele
importa em se entender que ainda não há a cédula, e da falta da assinatura desse se induz que foi subscrito porém não
emitido.

§ 2.644. Bens empenháveis cedularmente

1. REMISSÃO À LEI N. 492, DE 30 DE AGÔSTO DE 1937, ARTS. 6.0 E 10.— São empenháveis cedularmente: a)
as colheitas pendentes ou em via de formação, quer resultem de prévia cultura quer de produção espontânea do solo;
b) os frutos armazenados, em ser, ou beneficiados, ou acondicionados para a venda; e) as madeiras das matas, ainda
por serem cortadas, ou já em toras, ou já serradas, ou lavradas; d) a lenha cortada ou o carvão vegetal; e) as máquinas
e instrumentos agrícolas; 1) os animais que se criam pascendo, para a indústria pastoril, agrícola, ou de laticínios, em
qualquer das suas modalidades, ou de que sejam eles simples pertenças (as expressões “simples acessórios ou
pertences”, além de imprópria a primeira, são pleonásticas). Os bens enumerados em a) a e) são os que o ad. 69, I-V,
da Lei n. 492 refere; os mencionados em 1) são os do ad. 10.
D 2 O art. 3•0, § 1?, da Lei n. 3.253: “Podem ser vinculados à cédu~ quaisquer dos bens susceptíveis de penhor
rural, inclusive gêneros oriundos da produção animal”.
O ad. 3•O, § 1.~, da Lei n. 3.253 estende o objeto do penhor rural: não só alude aos animais que se criam ou~ que
são simples pertenças; refere os gêneros oriundos de produção animal. Foi-se um pouco ao campo do penhor
industrial.
2. BENS QUE HÃO DE SER ADQUIRIDOS. — Está no ad. 39, § 5~0, da Lei n. 3.253: “Se o empréstimo fôr
destinado à aquisição de bens que devam integrar a garantia, lavrar-se-á menção adicional à cédula para efeito da
averbação no registro”. O dinheiro que se presta ao subscritor e emitente da cédula rural pignoratícia pode ser
destinado à aquisição de bens de que a emprêsa precisa. Esses bens raramente poderiam bastar como objeto da
garantia; mas fàcilmente o podem integrar. O penhor recai, então, nos bens que foram descritos e nos que hão de ser
adquiridos com o dinheiro: esse dinheiro fica, desde logo, com destinação, de jeito que a mudança de aplicação é
desvio, infração da promessa e, após a inscrição da cédula rural pignoraticia, dos deveres de depositário. Adquiridos
os bens que hão de completar o objeto do penhor, faz-se menção especial na cédula, com posterior averbação no
registro.

§ 2.645. Pluralidade de penhôres incorporados

1. OBJETO E EMPENHAMENTOS. — Os objetos empenhadós ficam na posse imediata do empenhante, que


responde como depositário. Outro penhor pode ser feito, mas a sua ordem há de constar do teor da cédula rural
pignoratícia, da inscrição e da anotação no verso da cédula. Há, então, pluralidade de penhôres, sujeita aos princípios,
inclusive o de prioridade <Prior tempore, potior iure).
Nenhum penhor posterior se pode executar se não está vencido o anterior, ou se não estão vencidos os anteriores.

2. PLURALIDADE DE CRIAÇÕES E EMISSÕES E EXTENSÃO DO PROMETIDO. — Diz o art. 3~O, § 6?, da


Lei n. 3.253: “Em caso de mais de um empréstimo, sempre que forem os mesmos o eredor, o devedor e os bens
empenhados, a vinculação dêstes nas cédulas posteriores se fará por simples extensão no texto destas, do penhor já
constituído, sem prejuízo de outras garantias”< O art. 3.~, § 6.0, permite que se liguem negócios jurídicos de criação
e emissão, de modo a ter~se a gravação como estendida no que respeita ao que se promete, embora permaneça o
mesmo o objeto gravado. Para isso, a) seria preciso que o tomador ou os endossatários apresentassem os títulos para
que se fizesse o aditamento. b) A lei concebe outra solução, isto é, que tal alteração do quanto se considere como
simples alteração do negócio jurídico, ainda que se subscrevam e emitam outras cédulas. Não há. então, pensar-se em
pluralidade de negócios jurídicos, a despeito das novas cédulas. Verdade é, porém, que a transferibilidade das cédulas
posteriores leva consigo paralização dedeclarações unilaterais de vontade, o que tem como conseqUência tratar-se a
emissão como se de inicio tivesse sido de z mais y, em vez de x e, depois, ~y.

3. PENHORES SEGUNDO A LEI N. 8.253, DE 27 DE AGOSTO DE 1957, PENHORES SEGUNDO A LEI N.


492, DE 30 DE AGOSTO DE 1937, E PENHORES SEGUNDO A LEI N. 2.666, DE 6 DE DEZEMBRO DE 1955.
— A pluralidade de penhOres pode resultar a) de já haver penhor segundo a Lei n. 492, de 30 de agOsto de 1937, e
sobrevir penhor segundo a Lei n. 3.253, de 27 de agOsto de 1957; ou b) de já haver penhor segundo a Lei n. 3.253 e
sobrevir penhor de conformidade com a Lei n. 492; ou e) de já haver penhor segundo a Lei n. 492 e sobrevir penhor
regido’ pela Lei n. 2.666; ou d) de já haver penhor segundo a Lei n. 3.253 e sobrevir penhor constituído conforme a
Lei n. 2.666; ou e) de já haver penhor segundo a Lei n. 2.666 e sobrevir penhor regido pela Lei n. 492, ou pela Lei n.
3.253.
a) Se já havia penhor segundo a Lei n. 492 e sobrevém penhor regido pela Lei n. 8.253, o princípio de prioridade
milita a favor daquele. O registro do primeiro fêz-se no registro imobiliário <Lei n. 492, art. 14> a publicidade
operou-ser o direito real de garantia exsurgiu. O registro do segundo faz-se na coletoria ou repartição arrecadadora
federal, que seja competente. Os interessados não podem alegar ignorância do registro imobiliário.
b) Se já havia penhor regido pela Lei n. 3.253, o art. 12, p~ágrafo único, da mesma lei prevê a superveniência do
penhor segundo a Lei n. 492: “Os oficiais do Registro Geral de Imóveis não poderão inscrever, sob pena de nulidade
do ato, qualquer escritura de constituição de penhor rural a partir da entrada desta lei em vigor, sem a apresentação de
certidão negativa de inscrição da cédula rural pignoratícia sObre os mesmos bens”. Não há, portanto, de regra,
pensar-se em pluralidade de penhOres rurais, por inscrição anterior de penhor segundo a Lei n. 492 e posterior de
penhor segundo a Lei xi. 3.253.
e~ Se já havia penhor segundo a Lei n. 492 e sobrevém penhor regido pela Lei n. 2.666, há pluralidade de penhOres,
tendo aquele por si o princípio da prioridade, sendo o registro o mesmo em virtude do art. 1.0, § 2.~, da Lei n. 2.666.
d) Se já havia penhor constituído conforme a Lei n. 3.253 e sobrevém penhor segundo a Lei n. 2.666, dá-se a
pluralidade de penhOres, tendo por si aquele o princípio de prioridade.
e)~ Se já havia penhor segundo a Lei n. 2.666 e sobrevém penhor regido pela Lei n. 492, ou segundo a Lei n. 8.253, a
pluralidade de penhOres estabelece-se, incidindo o princípio de prioridade.

§ 2.646. Prazo das cédulas rurais pignoratícias

1. PRAZO, PRESSUPOSTO ESSENCiAL. — A data do adimplemento é pressuposto essencial para a cédula rural
pignoratícia, como para as demais cédulas rurais. Não há, no sistema jurídico, regra jurídica pela qual, faltando a
indicação do tempo em que se há de cumprir o prometido, alguma data se haja de considerar aquela em que se há de
adimplir a promessa.
Cédula sem a indicação da data, mas com o lugar para isso, é cédula incompleta e completável. Se vem a ser enchida,
protege-se o endossatário de boa fé. A interpretação da Lei n. 8.253 no sentido de, não se havendo inserto a indicação
da data de adimplemento, a despeito do lugar vago e próprio, se ter de entender que o vencimento é imediato, nos
têrmos do art. 952 do Código Civil, é de repelir-se, porque o art. 952 sOmente incide se outra regra jurídica não se
opõe a isso e os títulos a que falta, materialmente, o pressuposto essencial da data de vencimento não se podem tratar
cçmo aqueles que não a inseriram sem ser por incompletitude material. O ad. 952 do Código Civil é de invocar-se,
ou, melhor, a Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908, art. 20, § 12, alínea lY, 1•a parte, se não há lugar vago para o
enchimento.
Se cédula rural pignoraticia foi levada a registro sem ter lugar para a indicação do vencimento, deve ser recusada a
inscrição; aliter, se tem lugar para isso e não foi cheio. A solução pode ser diferente para outros institutos; não para as
cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas.
Se, a despeito da falta de lugar para o enchimento, se fêz a inscrição, então se há de admitir a invocação do art. 952
do Código Civil, ou do art. 20, § 1.0, alínea 1a, 1•~ parte, da Lei n. 2.044 (“Será pagável à vista a letra que não
indicar a época do vencimento”). Cf. Lei n. 2.044, art. 40.

2. PRAZO MÁXIMO E PRORROGAÇÃO. — Estatui o art. 33 da Lei n. 8.253, de 27 de agôsto de 1957: “O prazo
do penhor agrícola é fixado em três anos, prorrogável por mais três, e o do penhor pecuário em quatro anos, com
prorrogação por igual período e, embora vencidos, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a
constituem”. E o § 1.0: “A prorrogação deve ser averbada à margem da inscrição respectiva, mediante simples
requerimento do credor e devedor ao oficial do registro, ou sob aditivo de recomposição e ratificação da garantia”.
Lê-se no § 2.0: “Nos empréstimos garantidos por culturas de ciclo vegetativo superior a dois ou mais anos, e nos
destinados à criação e recriação de gado bovino, considerar-se-áprorrogado o prazo da cédula rural pignoratícia,
sucessivamente e por períodos anuais, até o máximo admitido para o penhor agrícola e o pecuário, com as
prorrogações dêste artigo, a partir da data de emissão, desde que, cumpridas tôdas as mais obrigações do mutuário e
mantido o primitivo valor das garantias, o principal da divida se reduza, ao fim de cada ano, da amortização
percentual que fôr estabelecida no título, sobre o total• utilizado”.
O prazo máximo do penhor agrícola é o de tres anos, prorrogável por mais três anos. Não há segunda prorrogação.
O do penhor pecuário é o de quatro, prorrogável por outros tantos. Prorrogação não é renovação, de modo que se tem
de fazer antes de terminar o prazo, para que se inicie a extensão do prazo, sem discontinuidade.
Vencido o prazo, sem ter havido prorrogação, ou vencida o prazo da prorrogação, não há pensar-se em extinção do
direito real de garantia que se incorporou na cédula. Vencimento é data de irradiação de efeitos do direito, e não
causa de extinção. Certa confusão que se notava e nota em expositores superficiais tem levado os legisladores a
explicitações que, normalmente, seriam supérfluas, como a do final do art. 38: “embora vencidos, permanece a
garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem”.
À prorrogação tem de ser averbada à margem da inscrição, com o requerimento dos figurantes. Nada obsta a que,
dentro do prazo, se prefira novo registro, em adição.
A lei previu as espécies em que o ciclo vegetativo é superior a dois ou três anos e as em que se trata de criação e
recriação de gado bovino. Aí — ainda que o ciclo vegetativo seja de dois anos, pelo menos — a prorrogação é
automática e pode ser sucessiva (uma após a outra) se concorrem os seguintes pressupostos: a) não tenha havido
inadimplemento; b) não haja diminuído o valor das garantias; c) tenha sido amortizada a dívida, percentualmente, no
fim de cada ano, setal amortização havia sido estipulada. Se a amortização foi de trinta e três, trinta e três e trinta e
quatro por cento, claro é que não há prorrogação do penhor agrícola, porque, satisfeitas nos três anos as
amortizações, se solveu a divida.
Lê-se no art. 33, § 3Y, da Lei n. 3.253, pêssimamente redigido: “Na hipótese de ocorrência da prorrogação prevista
neste artigo, caberá ao credor, antes de se operar o vencimento,
- dar aviso ao devedor, pagando por verba bancária, à conta e ordem dêste, o sêlo devido pelos acessórios (?) durante
a dilação (7), logo receba a devida amortização”.
A prorrogação é automática. Ao credor é que cabe pagar o sêlo devido por dívidas acessórias, como a de juros. O
pagamento tem de ser antes do vencimento. Se o não fêz o banco ou casa bancária ou cooperativa, nem por isso se
deixa de operar a prorrogação: tôda responsabilidade perante a Fazenda Pública e perante o constituinte do penhor
cabe ao banco, casa bancária ou cooperativa.

3. RENOVAÇÃO E NOVA INScRIÇÃo. — Quando a Lei n. 8.253, art. 33, § 1.0, alude a dois modos de registar a
prorrogação (a averbação e a recomposição aditiva ou em adição), de modo nenhum permite que, extinto o prazo
não prorrogado, ou extinto o prazo da prorrogação, se renove o penhor incorporado em cédula rural. Não há
renovabilidade do penhor incorporado em cédula. Há prorrogabilidade. Nada obsta a que se faça outra inscrição,
criada outra cédula rural pignoratícia ou criadas outras cédulas rurais pignoratícias. A inscrição posterior nada tem
com o negócio jurídico anterior; de jeito que é na cédula rural pignoratícia, que se criou após a outra, porém não
averbável. Cumpre que se não confunda com a anotação (Lei n. 3.253, art. 10, § 3.0) a averbação da prorrogação
(ad. 33, § 1.~).

§ 2.647. Liquidez e certeza das cédulas

1. TITULO CIVIL, LIQUIDO E CERTO. — Estabelece o art. 49 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957: “A
cédula rural pignoratícia é titulo civil, liquido e certo, sendo exigível pela soma dela constante, além dos juros
vencidos, com dedução de quaisquer pagamentos parciais ou parcelas porventura não utilizadas pelo devedor,
voluntAriamente ou em virtude da retenção admitida no parágrafo 4•0 do artigo 3? desta lei”.
A lei frisa que as cédulas rurais pignoratícias (e, à semelhança, as cédulas rurais hipotecárias e as mistas) são títulos
civis. O direito comercial não é de invocar-se, pôsto que o endosso seja instituto comum e cambiariforme o direito
respectivo.
O art. 4•0 da Lei n. 3.253, verbis “título civil”, tem a consequência, na aparência um tanto desconcertante, de fazer
civil o penhor segundo a dita lei, qualquer que seja a dívida que ele garante. Não importa. se a dívida é mercantil; a
garantia não se faz mercantil porque o principal o é. Assim estabelece a Lei n. 3.253, art. 4?. A lei tentou incrementar
as operações dos agricultores e criadores. Di-lo o art. 1.0: “pessoas físicas ou jurídicas, que se dediquem às
atividades agrícolas ou pecuárias”. No art. 39, IV, a Lei n. 3.253 exige que seja indicado o fim a que se destina o
valor recebido e a forma de utilização. Ésse fim é de agricultura ou de criação, e não de comércio. Em tudo isso, o
que mais ressalta é.a artificialidade dessa sobrevivência discriminadora, já tantas vêzes apontada por nós, entre o
civil e o comercial.
O art. 4? da Lei n. 3.253 tem a conseqUência de abstrair-se, radicalmente, da comercialidade da divida, se
comercial ela é.
No sistema jurídico brasileiro, o que faz mercantil o penhor é o ser em garantia de crédito mercantil. Todavia, ainda
que o crédito seja mercantil, a garantia por cédula rural pignoraticia, hipotecária ou mista é civil, e não regida pelo
direito comercial.
Acentua-se que são títulos certos e líquidos. A soma exigível é a que consta da cédula, mais os juros vencidos; da
soma desconta-se o que já foi prestado, bem como as parcelas não utilizadas. Tudo isso só se leva em consideração, ú
respeito de endossatários, se consta da cártula. As prestações parceladas hão de estar no orçamento, que é parte
integrante do título. Se a cédula foi endossada, qualquer recusa de prestação ao subscritor e emitente não atinge a
promessa da soma que consta da cédula ou dela e do orçamento. Tudo isso que se prevê no art. 39, §§ 2?, 3? e 4•o,
da Lei n. 3.258 só se passa entre tomador e promitente. O direito à soma, por parte do endosscistário, é adquirido
originôúriaà mente, e não derivativarnente. Daí a irrelevância de tudo que não conste da cédula e do orçamento ou
de alteração posterior.

2. LIQUIDEZ. — Líquido, na cédula rural pignoratícia (e nas demais cédulas rurais), é tudo que consta do título. O
que não consta do título não diminui nem aumenta a soma a ser recebida. A soma retida pelo tomador é deduzida do
que há de pagar o subscritor e emitente, se consta do título endossado; se não consta, presta-a ao subscritor e
emitente o tomador, se endossou a cédula sem a dedução. O ônus de alegar e provar que o dinheiro não foi recebido
cabe ao subscritor e emitente, porém prometeu ele conforme a cédula e a sua alegação e prova não pode eximi-lo de
solver o que foi prometido.
A solução processual óbvia é chamar o subscritor e emitente a juízo o tomador, que se recusou a prestar, para que ele
satisfaça o excesso, conforme o seu endosso. Porém o chamar a juízo o tomador não o exime da obrigação de prestar
segundo o teor do título. Qualquer obrigado cedular pode ser demandado pelo portador. Quem paga pode exigir que o
responsável anterior lhe pague; mas o dever e a obrigação do tomador perante o subscritor e emissor é estranha ao
título, por ser resultante do negócio jurídico de que, com os princípios que regem a cédula. se abstraiu.
Dir-se-á que o art. 4? permite a dedução do que não foi prestado ( em virtude do art. 8.0, § 4.0), pela recusa do
tomador; mas a lei figurou, aí, a espécie que conste do teor do título e não a que dele não conste, ou as relações entre
tomador e promitente. Se o portador é endossatário, os princípios são os de abstração do título. Títulos endossáveis
são títulos abstratos. O endossatário que cobra o que se lhe prometeu cobra o que resulta de promessa unilateral do
subscritor e emitente, quaisquer que tenham sido as circunstâncias entre o subscritor e emitente e o tomador ou os
endossatários anteriores. O seu direito há de constar do título e não se pode diminuir nem desaparecer se a
diminuição ou causa de extinção não aparece no título. Quando os legisladores fazem endossáveis os títulos,
subordinam tais títulos ao regime jurídico dos endossos e não precisam redigir regras jurídicas especiais. Passa-se o
mesmo se fazem circuláveis ao portador os títulos. Numa e noutra hipótese, adotam a técnica da abstração e afastam
as regras jurídicas da cessão. Quem faz tradição de título ao portador ou endossa e entrega a outro título endossável
não “cede” o direito incorporado no título: transfere a propriedade do título e nasce ao dono dele o direito oriundo da
promessa do subscritor.

§ 2.648. Substituição de objeto

1. OBJETO E CÉDULA RURAL PICNORATORIA. — Alguns bens que podem ser objeto de cédulas rurais
pignoratícias podem desaparecer, ou tornar-se imprestáveis, ou ser substituidos para continuidade da exploração. t
possível, outrossim, que ocorra a sub-rogação real (e. g., por haver indenizabilidade). Enquúnto a cédula rural
pignoratícia permanece com o tomador, é dado a esse exigir que se adite à cédula o que se passou, pondo-se em dia.
Tal adendo é registável, por averbação. Mais difícil é atualizar-se a cédula se já circulou sem se saber quem é o
endossatário. O endossatário que não providenciou para a averbação do endosso (Lei n. 3.253, art. 10, § 40) expôs-se
a que outrem venha averbar o endosso ao apresentante.
2. PENHOR PECUÁRIO. — Diz o art. 38, § 4•O, da Lei n. 8.253: “Sempre que se tratar da vinculação de bens em
penhor pecuário, será admitida qualquer menção adicional à cédula rural pignoraticia, para o fim de substituição ou
alteração dos animais apenhados, inclusive quanto às crias, feita a devida averbação do aditivo no registro a que se
refere o art. 10 desta lei”. O art. 83, § 42, é aplicação dos princípios. que antes foram expostos. A maior freqUência
da espécie sugeriu ao legislador a regra jurídica do art. 33, § 49, não suscetível de interpretação a contrario seneu.
A substituição dos bens vivos por outros, em virtude de mortes e nascimentos ou aquisições, é automática. ~áo
depende da menção adicional, que apenas a documenta e publica.

§ 2.649. Açôes do portador (tomador ou endossatário) da. cédula rural pignoraticia

1. AÇÕES DECLARATÓRIAS E CONDENATÓRIAS. — O tomador ou endossatário da cédula rural


pignoraticia tem as ações de declaração da relação jurídica real em que é sujeito passivo e, em conseqUência, da
relação jurídica em que é titular de direita à prestação, oriundo da promessa unilateral do subscritor e emitente. Lase
é o ponto — teórica e pràticamente — mais importante. O direito do endossatário nasce originâriarnente. Ao
tomador e ao endossatário cabem, por igual, as ações declaratórias de eficácia. Bem assim, as ações condenatórias,
que tocam ao dono da cédula rural pignoratícia como dono (por ofensas ao direito de domínio), e as que
correspondem à. pretensão ao recebimento da quantia prometida. Aquelas são derivadas;. essas, não: são originárias.

2. Ação EXECUTIVA. — Antes de comentarmos o texto da art. 19 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957,
observemos que a cultura jurídica de um povo é algo que se há de proteger contra influências de sistemas jurídicos
inferiores. De certa
tempo para cá, leituras estrangeiras estão a perturbar, lamentâvelmente , a terminologia jurídica brasileira, tesouro
que se haveria de guardar e defender. O seqUestro supóe litigiosidade. t medida constritiva cautelar. Outra coisa é a
medida constri— tiva executiva, que é início de execução, e não sómente cautela. O seqUestro foi regulado no
Código de Processo Civil, arta. 675, 676, II, 677, 682-68S, 348, 475, §§ 2? e 3•O, 477, § 2.~, 492, 659, 704, 707 e
922. A penhora, nos arts. 5,0, 1.0, 299, 300, 301, 343, § 19, 348, 704, 705, 707, 899, § 1.~, 923, X-V, 924-991, 1.00S
e 1.015. Os legisladores têm de empregar os têrmos jurídicos que o nível da civilização fixou. Não podem fazer tábua
rasa da cultura e da ciência. Não podem chamar ferro ao ouro; nem seqUestro à penhora; nem ilha à península. O
doutrinador pode ter de aplicar a diferença entre o seqúestro e o depósito cautelar, trazendo à tona dtscussôes de
outrora, que já se desanuvearam. Não pode perder tempo com os que confundem com a penhora o seqUestro. Tais
erros são imperdoáveis.
Lê-se no art. 19 da Lei n~ 3.253, de 27 de agôsto de 1957:
“Vencida e não paga a cédula rural pignoratícia, assiste ao credor o direito de promover o seqUestro dos bens
apenhados, em poder do devedor ou de quem estiverem, dando-se ao processo, daí por diante, o rito da ação
executiva, observado, porém, desde logo, o disposto nos arts. 704 e 705 do Código de Processei Civil”. E § 1.0:
“Efetuado o seqUestro e não havendo ajuste para a venda, esta se fará em leilão público, nos têrmos dos arts. 704 e
705 do Código de Processo Civil, salvo se o credor preferir realizá-la, em data à sua escolha, pelo preço do dia,
quando se tratar de mercadoria cotada em Bôlsa ou Mercado”. Estabelece o § 2.0: “Será devolvido ao devedor o
saldo que resultar da venda e, se insuficiente o produto desta para a liquidação da dívida, prosseguir-seá, por via
executiva, na cobrança do remanescente”.
Vencida e não paga a cédula rural pignoratícia, nasce a ação executiva ao dono do título, porque, sendo dono do
título, é titular do direito à quantia prometida, por aquisição originária. Se o tomador ou endossatário pede a
execução, procede-se à penhora.
Feita a penhora, ou há oferta de compra, de que resulte ajuste de compra-e-venda, ou o juiz — a requerimento do
depositário (se é o caso, por haver fácil deterioração, ou avarias, ou serem exorbitantes as despesas de guarda), ou de
parte interessada — manda à venda em leilão público, após avaliação, o objeto ou objetos empenhados e penhorados,
salvo se o autor da ação executiva prefere que se realize em data à sua escolha, pelo preço do dia, se se trata de
mercadoria cotada em Bôlsa ou mercado. Se o apurado excede o que é devido, mais as custas e despesas, recebe o
saldo o subscritor e emitente da cédula, ou o terceiro dono dos bens empenhados, se houve dação de terceiro. Pode
dar-se, conforme já dissemos, que se inicie a execução por outros credores, desde a dedução.
Se o apurado não basta para se solver a dívida cedular, há a ação executiva pessoal sobre os outros bens do subscritor
e emitente. Aliter, se o apurado não basta e o penhor foi dado por terceiro. Não há ação executiva pessoal contra esse.
Depositado o preço, dá-se a sub-rogação real: o penhor não desaparece; o objeto é que muda (cf. Lei n. 3.253, art. 19;
Código de Processo Civil, art. 705).
Se o penhor foi dado por terceiro e os bens empenhados não bastam para satisfação, a ação executiva pessoal vai
contra o devedor. Por princípio de economia pode ser nos próprios autos da ação executiva real, se foi citado, no
início, também, o devedor. Aliter, se o não foi. Feita a penhora noutros bens, tem-se de observar o que se estatui no
Código de Processo Civil, ‘irt. 301: “Feita a penhora, o réu terá dez dias para contestar a ação, que prosseguirá com o
rito ordinário”. A cada penhora, a que se procede, tem de corresponder o prazo para contestação, porque aí é que se
pode alegar quanto seja defesa de executado. Se a penhora recai em outros bens que os bens empenhados é porque
não mais se trata da ação executiva real pignoratícia.

3. PROCEDIMENTO EXECUTIVO. — Feita a penhora, após a citação para que pague dentro de vinte e qúatro
horas, cominatôriamente, pode desde logo ser requerida a venda, depois da avaliação, salvo se houve pacto sobre
preço para a venda.
O art. 927 do Código de Processo Civil incide. Os bens que se penhoram, como em tôda ação executiva real, são os
bens gravados de direito real de garantia. Os oficiais de justiça têm o prazo do art. 928 do Código de Processo Civil.
O art. 928, parágrafo único, pode ser invocado, mas, se também cabe a ação executiva pessoal, penhoram-se outros
bens, se é evidente que os empenhados não bastam para satisfação da dívida real. O demandado na ação executiva
real somente pode pedir a abertura do concurso de credores, com a notificação dos interessados, se, paga a dívida
real, os seus bens não bastam para completo pagamento dos outros credores.
Se alguma pretensão ou ação se sub-rogou, realmente. a algum, alguns ou todos os bens empenhados, a penhora recai
em tal pretensão ou ação (cp. art. 931). Os arta. 932-941 podem incidir. Pode ser nomeado depositário judicial o
próprio demandado (art. 945), cuja responsabilidade, aliás, já era a de depositário, possuidor imediato dos bens
empenhados.
Feita a penhora, tem o executado o prazo de dez dias para a contestação, contados da data da penhora (Código de
Processo Civil, art. 801).

§ 2.650. Depósito judicial ou seqUestro dos bens empenhados cedularmente

1. REMISSÃO À LEI N. 492, DE 30 DE AGOSTO DE 1937, ART. 20. — Já nos referimos à Lei ii 492, de 30 de
agôsto de 1987, art. 20, que, em caso de tentar o dono dos bens empenhados desviar ou vender, sem consentimento
do titular do direito de penhor, tais bens, dá ao interessado a ação de depósito judicial, cautelar; ou o seqUestro, se
os bens foram desviados, ou vendidos, O art. 4•O da Lei n. 3.253 diz que continuam em vigor as regras jurídicas da
Lei n. 492, de ao de agôsto de 1937, no que concerne ao penhor rural, e o art. 20 é uma delas.
Chama-se, aí, depósito (cautelar) à medida constritiva, cautelar, antes do desvio ou da alienação (não só venda> e
seqtiestro, à medida constritiva, cautelar, que se há de empregar após o desvio ou a alienação.

2. CONCEITOS PRECISOS. — No seqOestro, dá-se a terceiro a posse imediata da res litigiosa, para que a seu
tempo a entregue. É depósito judicial, mas específico. “Idem sunt, et solum differunt tanquam genus et species”,
diziam os juristas portuguéses.
A terminologia da Lei n. 492 é de admitir-se, porque, nas circunstâncias de se temer o desvio ou a alienação, o
depósito cautelar não seqúestra, — apenas torna o dep6sito decorrente do penhor depósito judicial, ou estabelece
nôvo depositário, agora judicial, sem transferência necessária da posse imediata. Se já ocorreu desvio ou alienação,
infringiu-se a lei e foi atribuida a posse imediata a outrem, razão por que se seqUestra a coisa, onde se ache. Aí, de
modo nenhum se pode pensar em nomear-se depositário judicial o desviador dos bens ou alienante em fraude do
direito de penhor.
§ 2.651. regras jurídicas comuns aos penhOres rurais

1. CONTEUDO no ART. 5Y DA LEI >4. 492, DE 30 DE AGOSTO DE 1937. — Estatul o ad. 5•Ó da Lei n. 3.253,
de 27 de agôsto de 1957: “Continuam em vigor as disposições da Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, relativas ao
penhor rural, na que não colidirem com a presente lei”. É ampla a remissio.
Os arta. 1.O~3.Ó da Lei n. 492 quase só se referem ao negócio jurídico de penhor rural, sem alusio a cédulas rurais
pignoraticias.
O art. 4•Ó da Lei n. 492 é invocável, porque expilcita que se pode empenhar sem assentimento do credor
hipotecário:
“Independe o penhor rural da consentimento do credor hipotecário, mas não lhe prejudica o direito de prelação, nem
restringe a extensão hipoteca, ao ser executada”. A regra jurídica tem menor alcance do que aquele que lhe esperava
o legislador.
O Código Civil, art. 810, II, não faz compreendidos no objeto da hipoteca as pertenças: é preciso que tenha havido
hipoteca conjunta. Se não houve, os dois direitas reais de garantia são sem coincidência, em todo o objeto de um e de
outro, e, em se tratando de partes integrantes não -essenciais e separáveis, a separação precisa a distinção entre os
abjetos. Se houve hipoteca conjunta, a hipoteca tem pocioridade, por ser anterior. (Aliás, de lege ferertda, se o
legislador entendesse exigir manifestação de vontade favorável ao penhor, por parte do titular do direito de hipoteca,
teria de dizer que o seu assentimento
— fio o seu consentimento — precisaria ser prestado. Se a hipoteca, no sistema juridíco brasileira, abrangesse o
que se iria empenhar, de consentimento é que se haveria de cogitar. Não indo até aí, devido ao art. 810, 1 e II, do
Código Civil, de assentimento é que se teria de falar. Assim, a art. 4•O da Lei n. 492 apenas explicita que o titular do
direito de hipoteca não tem de assentir para que se constitua penhor rural de bens que se acham no bem hipotecado,
sem serem partes integrantes inseparáveis.)
O art. 4~O, § 1.0, da Lei n. 492 é incidivel, permitindo-se o segundo penhor e posteriores penhôres: “Pode a devedor,
independentemente de consentimento do credor, constituir nôvo penhor rural se o valor dos bens ou dos animais
exceder ao da dívida anterior, ressalvada para esta a prioridade de pagamento”. Bem assim, o art. 49, § 2.0, em que se
explicita quer paga uma das dívidas, “subsiste a garantia para a outra, em sua totalidade”.
O que se dispensa, no art. 4~0, § 1.0, da Lei n. 492, é o assentimento, não o consentimento do titular do penhor já
inscrito; porque o principio da prioridade o p6e, de qualquer modo, a salvo da eficácia gravativa do penhor posterior.
São invocáveis os arte. 99, 11, 12 e §§ 1.0 e 2.0. da Lei n. 492. Bem assim o art. 16 e §§ 1.04.0.

2. DO PENHOR E PRAZO <AINDA A REMISSÃO ÀLEI N. 492). — Os arts. 49, § 3•O, 5•0, ,~o e 10 da Lei n.
492 são plenamente invocáveis. Os prazos furam assuntos de regras jurídicas novas <Lei n. 8.258, de 27 de agôsto de
1957, art. 88 e §§ 1.0, 2.0, 30 e 49).
Lê-se no art. 7•0, § 1.0: “Sendo objeto do penhor agrícola a colheita pendente ou em via de formação, abrange ele a
colheita imediatamente seguinte no caso de frustrar-se ou ser insuficiente a dada em garantia. Quando, porém, não
quiser ou não puder o credor, notificado com quinze dias de antecedência, financiar a nova safra, fica o devedor com
o direito de estabelecer com terceiro nôvo penhor, em quantia máxima equivalente ao primitivo contrato,
considerando-se qualquer excesso apurado na colheita apenhado à liquidação da divida anterior”. Se a cédula rural
pignoratícia não foi endossada, ou se o último endosso consta de averbação à margem da inscrição, é fácil ao
subscritor e emitente, ou terctiro dador do penhor, promover a notificação de que se fala no art. 7•0, § 1.0, da Lei n.
492. Se há endâsso averbado, porém não é o último, — ou conhece o subscritor e emitente ou terceiro dador quem,
no momento, é o endossatário e faz ser notificado, ou requere notificação edital. A solução de só se considerar
endossatário quem o é pelo registro seria contra os princípios, porque, bem que o art. 10, § 49, da Lei n. 3.253 fale do
endosso posterior à inscrição, dizendo que há de ser averbado, não deu qualquer sanção de invalidade, nem de
ineficácia. A averbação não é constitutiva; apenas publica o ato do endosso, com os efeitos probatórios que tem o
registro de títulos e documentos.
O financiamento mediante penhor há de ser, no máxi— mo, do importe do penhor anterior: o que se apurar na
colheita solve a divida do segundo penhor e, no excesso, a do anterior,. por se reputar que o apurado a mais teve
causa em restos e proventos da cultura ou exploração anterior.
Os §§ 29 e 89 do art. 79 da Lei n. 492 têm de ser observados.
O art. 7•0, § 4•0, da Lei n. 492 é sem pertinência, porque há, na Lei n. 3.253, o art. 33, §§ 1.% 2.0, 39 e 4•O•
Solvida a dívida a que se refere o segundo penhor, e possivelmente parte da dívida garantida pelo penhor anterior,
sem que se pudesse solver tôda, ou quando nada sobrou para se pagar a divida garantida pelo penhor anterior, o
empenhante continua sujeito à ação executiva por essa dívida, mas a ação é executiva pessoal. A ação executiva real
só tem ele pelo excesso, depois de satisfeito o titular do direito de penhor posteriormente constituído.
da Lei n. 492 permite que se insira no penhor agrícola o pacto de remessa dos frutos ou produtos ao credor, como
depositárior ou comissário, e a inserção de tal pacto nem obsta à expedição de cédula rural pignoratícia regida pela
Lei n. 492, nem faz. causal a cédula. O art. 3~0 4 invocável em se tratando de cédula. rural pignoratícia regida pela
Lei ii. 3.253. Tudo se passa como a respeito das cédulas rurais pignoratícias amortizáveis.

4.~ RESGATABIIJIDADE. — O art. 19 da Lei n. 492, de 30 de’ agosto de 1937, é de invocar-se, por fôrça do art. 59
da Lei n. 8.253. Se a endossatário não consta do registro, o subscritor e emitente tem de requerer o depósito da
quantia segundo oart. 19, 2a parte, da Lei n. 492. No mesmo dia em que se emite a cédula rural pignoratícia, pode
resgatá-la o subscritor e emitente.
Se o endossatário não consta do registro, ou se o que consta não é o último, a citação do depósito judicial tem de ser
por edital.
O depósito tem de compreender divida e interesses que se tenham de prestar, não à data do depósito, mas à data de se
dar por feita a citação. O art. 19 da Lei n. 492 fala de “consignação judicia7 da importância total da divida, capital e
juros -até ao dia do depósito”, mas ali já se fêz a citação, tendo havido recusa.
Pergunta-se: ~ pode remir o penhor rural o terceiro dador? Sim; e a qualquer tempo. Sub-roga-se ele, pessoalmente,
ao subscritor e emitente.
Em vez de resgatar o penhor, pode o subscritor e emitente ou o terceiro dador do penhor adquirir, por endosso, a
cédula rural pignoraticia, ou as cédulas rurais pignoraticias. Ai, aquele, se é o dono, ou esse, passa a ser dono da
cédula rural pignoraticia e, em conseqUência, titular de direito real de garantia sobre coisa própria.

4. OUTRAS REGRAS JURÍDICAS A QUE SE REMETE. — O art. 20 da Lei n. 492 é invocável. Bem assim
incidem os arte. 28, 30 e 35, pr. e parágrafo único.

CAPÍTULO III

CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA

§ 2.6i2. Conceito e constituição da garantia real

1. HIPOTECA E TÍTULOS INCORPORANTES DE DIREITO DE hIPOTECA. — No sistema jurídico brasileiro,


as letras hipotecÁrias e as cédulas rurais hipotecárias são títulos incorporantes de direito de hipoteca. As duas
espécies são títulos circulantes, sendo de notar-se que as letras hipotecárias podem ser ao portador, e as cédulas rurais
hipotecárias, não.
Diz o art. 6.0 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957:
“É instituida a cédula rural hipotecária, como forma de constituíçao direta da hipoteca de imóveis rurais outorgada
em garantia dos empréstimos bancários a que se refere o ali. 1.0 desta lei, ressalvada a faculdade de uso da escritura
pública”. Acréscenta o parágrafo único: “Observada a denominação de cédula rural hipotecária, bem como a
descrição do imóvel hipotecado pelo seu nome, se houver, confrontações, superfície, benfeitorias, data da aquisição,
número de transcrição imobiliária; livro e fôlhas de respectivo registro imobiliário, aplicam-se ao titulo constante
dêste artigo os requisitos, normas e princípios do capitulo 1, seção 1, desta lei, exceto os que somente concernem ao
penhor”. O legislador, bancâriamente , alude ao negócio jurídico subjacente, que entender ser mútuo; mas é de
advertir-se em que: a) o negócio jurídico subjacente pode não ser mútuo, como se o banco, que adquiriu máquinas e
instrumentos, os presta por seu• valor ao subscritor e emitente da cédula, ou se o banco, que tem fazenda de criação,
vende animais ao subscritor e emitente; b) a cédula rural hipotecária incorpora o direito real de hipoteca, de modo
que o subscritor e emitente promete pagar e o direito real de garantia está incorporado no título, quer tenha sido
constituído por ele, quer por terceiro dador da hipoteca; e) pode ser feita a hipoteca com a subscrição e inscrição da
cédula rural hipotecária, de que constem as indicações referidas no art. 39 da Lei n. 3.253, ou preceder escritura
pública, em que se permita a subscrição e inscrição de cédula rural hipotecária (Lei n. 8.253, art. 6.0, verb~•
“ressalvada a faculdade de uso da escritura pública”).
A escritura pública não substitui, aí, a cédula rural hipotecária, nem tão-pouco constitui hipoteca, de modo que seja a
líbito do outorgado obter a cédula rural hipotecária.
A escritura pública apenas informa negócio jurídico de promessa de subscrição e emissão de cédula rural hipotecária;
portanto: promessa de declaração de vontade. A ação que tem o outorgado é a ação de que se trata no art. 1.006, e §§
19 e 2? do Código de Processo Civil.
A cédula rural hipotecária tem de ser inscrita no Registro de Imóveis, observados o art. 84 da Lei n. 492, de 30 de
agasto de 1937, o art. 2.0 do Decreto-lei n. 221, de 27 de janeiro de 1938 e o ad. 2.0, §§ 19 e 29, do Decreto-lei n..
2.612, de 20 de setembro de 1940. Não é a escritura pública, se houve, que se inscreve. A inscrição da escritura
pública seria possível. porém com invocação, por analogia, do art. 178, a), XIV, do Decreto n. 4.857, de 9 de
novembro de 1939 <ou a averbação, se se baseia o registro no art. 285 do Decreto n. 4.857, verbis “quaisquer outras
circunstâncias que, por qualquer modo, afetem o registro ou as pessoas nele interessadas”).
Lê-se no art. 19 do Decreto-lei n. 1.003, de 29 de dezembro de 1938: “A preferência que resultar da prioridade da
inscrição hipotecária, ainda que em execução de hipoteca, não prejudicará o penhor rural constituído em garantia de
operações da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil”. A regra jurídica do art. 19 do Decreto-lei
n. 1.003 tem de ser interpretada como se dissesse, em tom expositivo do direito brasileiro, em vez de enunciado de
norma edictada: “No sistema jurídico brasileiro, a hipoteca não apanha os frutos e produtos, nem as pertenças.
Porque, ao falar-se, no art. 810, II.
do Código Civil, de “acessórios dos imóveis conjuntamente” com os imóveis hipotecados, se pá. claro que se teria,
para se hipotecarem as pertenças (pois, ali, “acessórios” está por “pertenças”), de fazer hipoteca conjunta, que
recaisse nas pertenças. No art. 811, “acessões ” não são frutos e produtos, aio o que acede ao imóvel. De modo que
nenhuma hipoteca pode ter pocioridade em relação a penhor de produtos agrícolas. Não só quando se tratar de
“penhor rural em garantia de operações da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil”.
A remissão da Lei n. 3.253, art. 29, ao Decreto-lei n. 1.003, de 29 de dezembro de 1938, não há de ser interpretada
como se não houvesse no Brasil constituição política, ou se estivesse em regime de ditadura “bancária”, espécie nova
na história das ditaduras.
Diz o art. 29 do Decreto-lei n. 1.003: “O penhor rural contratado com a Carteira não poderá ser anulado como ato em
fraude de credores ou de execução, porque, antes de sua constituição, tenham sido protestados títulos do devedor”.
A pré-exclusão da anulabilidade por fraude contra credores ou da ineficácia por fraude à execução somente se estabe-
lece, com o ad. 2.0 do Decreto-lei n. 1.008, para os títulos que somente hajam sido protestados. Se os títulos já foram
etecutados, isto é, se, em virtude deles, já se fêz penhora, ou se, a fortiori, se já se iniciou a execução de sentença que
condenou à solução, o art. 29 do Decreto-lei n. 1.003 não lhes tira a eficácia de penhoramento.
O alcance prático do ad. 2.0 do Decreto-lei n. 1.003 só se pode fixar com a interpretação que demos (§ 2.636, 3) e há
de ser — devido à remissão do art. 29 da Lei n. 3.253 a todo
o Decreto-lei n. 1.003 — extensiva às cédulas rurais hipotecárias. Todavia, o art. 39 do Decreto-lei n. 1.003 não pode
ser entendido a respeito de tais cédulas.

2.REQuISITOS DA CÉDULA RURAL HIPOTECÁRIA. — A cédula rural hipotec4ria tem de conter: a) a


denominação “cédula rural hipotecária”; b) a data do pagamento; e) o nome do tomador e a cláusula à ordem; d) a
soma que se há de pagar, com indicação do fim a que se destinou a prestação, ou a que se destinaram ou se destinam
as prestações a que a soma corresponde, e a forma da utilização; e) a descrição do imóvel hipotecado, pelo seu nome,
se o tem, confrontações, superfície, benfeitorias, data da aquisição, número da transcrição imobiliária, livro e fôlha
do respectivo Registro de Imóveis; 1) a taxa de desconto ou dos juros a pagar, bem como a da comissão de fiscali-
zação, se é o caso, mencionando-se o tempo das prestações; g) a praça de pagamento; h) a data e lugar da emissão; i)
a assinatura do próprio punho do emitente ou de mandatário especial.

3. NAVIOs E AERONAVES. — As emprêsas rurais podem ter navios e aeronaves. Não são eles bens imóveis, mas
são hipotecáveis. Se não se trata de navios ou aeronaves já hipotecáveis, sobre eles podem ser tiradas cédulas rurais
pignoraticias. Se já hipotecáveis, as cédulas rurais hão de ser hipotecárias. As cédulas rurais hipotecárias sobre navios
ou sobre aeronaves têm de ser registadas, por inscrição, nos registros especiais.
O art. 79 da Lei n. 3.253 remete aos princípios do direito comum, — ao Código Civil. No art. 59, a propósito das
cédulas rurais pignoratícias, disse-se que se haviam de atender às regras jurídicas da Lei n. 492; no art. 6.0, parágrafo
único, aludiu-se ao Capitulo 1, Seção 1, da própria Lei n. 3.253, onde se acha o art. 59. Surge a questão de se saber se
se tem de consultar a Lei n. 492, a respeito de cédula rural hipotecária, como se estatuiu a propósito da cédula rural
pignoratícia. Para apontarmos caso concreto: La) a resgatabilidade da cédula rural hipotecária rege-se pela Lei n.
492, art. 19, ou b) só é remível o gravame hipotecário segundo os princípios dos arts. 814 e 815 do Código Civil? A
solução é no sentido de b). O art. 79 da Lei n. 3.253 preferiu a remissão ao Código Civil e às outras leis de direito
comum à remissão à Lei n. 492, que não cogitou da hipoteca e das cédulas rurais hipotecárias.

4. ASSENTIMENTO DA MULHER CASADA. — Lê-se no art. 70 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957: “A


cédula rural hipotecária subordina-se aos princípios da legislação civil sobre a hipoteca, ressalvado o disposto no §
1.0 do art. 2.0 desta lei”. O que dissemos a respeito do art. 29, § 1.0, da Lei n. 8.253 tem aqui o maior cabimento: se
os bens são do marido, a hipoteca
sem outorga uxória seria infração do art. 141, § 19, da Constituição de 1946, que não permite tratarem-se
desigualmente, nas leis, os cônjuges; se os bens são comuns, a regra jurídica que dá a outrem o poder de dispor viola
o art. 141, § 16, da Constituição de 1946, porque desapropria sem indenização prévia. Chega às raias do escândalo
que, para facilitação de negócios escusos de alguns bancos, se ouse permitir que o marido disponha dos bens comuns
imóveis, sem consentimento da mulher, que é tão proprietária dâles quanto o marido.
Mais uma vez precisemos a diferença: quando o cônjuge tem de declarar vontade para que o outro pratique ato
jurídico concernente a bem só pertencente a essoutro, assente; se o bem é comum, ambos são titulares do direito real,
e ambos têm de consentir.

§ 2.653. Endosso das cédulas rurais hipotecárias

1. ALIENAÇÃO DA PROPRIEDADE E GRAVAME DAS CÉDULAS RURAIS HIPOTECÁRIAS. — As cédulas


rurais hipotecárias são bens móveis, cuja propriedade se transfere por endOsso. Não se lhes permitiu a transferência
ao portador. Os arts. 16 e 17 da Lei n. 492, de 30 de agOsto de 1937, cogitaram do endOsso das cédulas rurais
pignoratícias e tais regras jurídicas incidem em se tratando de cédulas rurais pignoraticias regidas pela Lei n. 3.253,
em virtude do art. 49. Mas, a propósito de cédulas rurais hipotecárias, a Lei n. 3.253, art. 79, remete à legislação
comum. Donde alguns problemas de interpretação.
a) A propriedade da cédula rural hipotecária transfere-se por endOsso, averbável (Lei n. 3.253, art. 10, §§ 49 e 5.0).
A Lei n. 492, art. 16, pré-exclui o endôsso em branco e tal proibição <se reflete no direito das cédulas rurais
pignoratícias, por fOrça do art. 59 da Lei n. 3.253. A cédula rural hipotecária, não. Pode ser endossada em branco. A
proibição pelo art. 16 da Lei n. 492 só se refere à cédula rural pignoratícia. No plano do direito civil, a vedação da
cláusula ao portador (Código Civil, art. 1.511) não é extensiva ao endOsso em branco.
b) Ao transferir a outrem a
propriedade da cédula rural hipotecária o transferente faz dono o outorgado, mas dono da cédula rural hipotecária: o
direito de hipoteca é adquirido pelo outorgado, originàriamente. O direito está incorporado na cédula. A propósito da
posse, à diferença do que ocorre com as cédulas rurais pignoratícias, a transferência da posse da cédula rural
hipotecária não faz possuidor mediato dos objetos hipotecados o endossatário: nem o outorgante da posse da cédula
tinha posse dos objetos gravados de hipoteca, nem na tem o outorgado. Daí resulta que o possuidor da cédula rural
hipotecária não tem qualquer ação possessória no que respeita aos bens gravados de hipoteca.
Quanto à cédula rural hipotecária, ao título, à cártula,— sim. O possuidor da cédula rural hipotecária, próprio ou
impróprio, imediato ou mediato, é possuidor como qualquer outro possuidor de bem corpóreo. As pretensões e ações
são as mesmas.

2. ENDOSSO-PENHOR E ENDOSSO-PROCURAÇÃO. — Endossos tais como o endosso-penhor e o endOsso-


procuração são permitidos. Não se pode submeter a têrmo ou condição a transferência da propriedade pelo endosso.
Os endossantes anteriores são responsáveis, solidàriamente com o subscritor e emitente. Os direitos do endossatário
contra esse adquirem-se originàriamente, e não derivativamente. Não se permite endosso parcial, porém pode ser
feita a dedução a que se refere o art. 4~0 da Lei n. 3.258.
Surge. aqui, questão que merece trato especial. O endOsso não pode ser parcial, nem sujeito a têrmo ou condição.
Feito sem determinações mexas e total, apode o negócio jurídico de transferência ser condicionado ou a têrmo? Aqui,
a determinação mexa concerne à fidúcia, ou ao negócio jurídico subjacente. e não se lhe podem atribuir os efeitos do
endOsso. Ex hypothe.’u. o endosso foi total e sem qualquer condição ou têrmo. Dá-se o mesmo se o negêcio jurídico
só se referiu a parte da divida e o endosso foi total.

3. INSCRIÇÃO. — Lê-se no art. 13 da Lei n. 8.253, de 27 de agosto de 1957: “A inscrição da cédula rural
hipotecária será feita no Registro de Imóveis e Hipotecas, com as reduções previstas no art. 34 da Lei n. 492, de 30
de agOsto de 1937, art. 2.0 do Decreto-lei n. 221, de 27 de janeiro de 1938, e §§ 1.0 e 2.0. art. 2.0, do Decreto-lei n.
2.612, de 20 de setembro de 1940”.

O art. 34 da Lei n. 492 é aquele em que se fixam emolumentos do oficial do registro, acrescentando-se, no art. 34,
parágrafo único, que “o oficial não pode, sob pena de responsabilidade, recusar ou demorar a transcrição e a
expedição da cédula pignoratícia”. Entenda-se, aqui, inscrição da cédula rural hipotecária. O art. 34, parágrafo único,
está compreendido na remissão do art. 13 da Lei n. 3.258 à Lei n. 492, art. 34.
No art. 29 do Decreto-lei n. 221 diz-se: “As custas e emolumentos de tabeliães, oficiais de registros, hipotecas e
protestos em que incidam ou venham a incidir todos e quaisquer documentos relativos a operações que forem
efetuadas por intermédio da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial serão cobrados pela metade dos respectivos
regimentos”.
O art. 29, § 1.0, do Decreto-lei n. 2.612 estabeleceu que “os esclarecimentos solicitados pelas partes serão fornecidos
em uma única certidão e cobrados como um só ato, em relação a cada operação”. E o art. 2.0, § 2.0: “As custas
percebidas em excesso serão restituidas em tresdObro sem prejuízo de outras penalidades”.
Se o bem hipotecado é navio ou aeronave, a inscrição faz-se no registro especial, segundo expusemos no Tomo XX,
§§ 2.482--2.486, 2.491-2.493.
O endosso pode ser anterior ou posterior à inscrição. Feita a inscrição, podem-se averbar os endossos anteriores a ela,
com as datas ou pela ordem, e os posteriores.

§ 2.654. Ações do portador (tomador ou endossatário) da cédula rural hipotecária

1. AÇÕES DECLARATÓRIAS E CONDENATÓRIAS. — O tomador ou endossatário da cédula rural hipotecária


tem as ações de declaração da relação jurídica real em que é sujeito passivo e, em conseqúência, da relação jurídica
em que é titular de direito à prestação, oriundo da promessa unilateral do subscritor e emitente. Ésse é o ponto —
teórica e pràticamente — mais importante, conforme já dissemos. O direito do endossatário nasce originâriamente.
Ao tomador ou ao endossatário cabem, por igual, as ações declaratórias de eficácia. Bem assim, as ações
condenatórias, que tocam ao dono da cédula rural hipotecária como dono (por ofensas ao direito de domínio), e as
que correspondem à pretensão ao recebimento da quantia prometida. Aquelas são derivadas; essas, não: são
originárias.

2. AçÃo EXECUTIVA. — As cédulas rurais hipotecárias são títulos executivos. A ação executiva, que lhes toca, é
ação executiva real. O dono, enfiteuta ou possuidor do bem gravado cedularmente é demandado, porque tem ele
interesse relevante na execução; não porque seja sujeito passivo da relação jurídica, que é real e, pois, a sujeito
passivo total.
Estatui o ad. 20 da Lei n. 3.253, de 27 de agôsto de 1957:
“A cobrança da Cédula rural hipotecária ... se fará pela ação executiva, nos térmos do Código de Processo Civil”.
No art. 19, § 2.0, in une, da Lei n. 3.253, diz-se que, “se insuficiente o produto” da venda (ou da arrematação), “para
a liquidação da divida, prosseguir-se-á, por via executiva, na cobrança do remanescente”. O ad. 19 só se referiu à
cédula rural pignoratícia; os arta. 20 e 21 é que tratam da execução das cédulas rurais hipotecárias e mistas. Pergunta-
se: ~ também se pode invocar o ad. 19, § 2.0, in fine, da Lei n. 3.253 a propósito de cédulas rurais hipotecárias e
mistas? É escusado advertir-se em que, ez hypothesi, a garantia real foi dada pelo, devedor; nenhuma pertinência teria
citar-se o ad. 19, § 2.0, in une, se a garantia real (penhor, hipoteca, ou penhor e hipoteca) foi dada por terceiro. A ação
em que se prossegue é a ação pelo quanto prometido, fora das fOrças da garantia, ação executiva pessoal, que, por
principio de economia, se permitiu processar dentro dos próprios autos da ação executiva real. Quanto às cédulas
rurais mistas, há remissão do art. 21 ao art. 19 e seus parágrafos. Quanto às cédulas rurais hipotecárias, não. Porém,
se é certo que não devemos interpretar como implícita no ad. 20 essa remissão, nada obsta a que adotemos, a respeito
da execução de cédulas rurais hipotecárias, o mesmo princípio de economia. O que não se pode fazer é aplicar aos
bens hipotecados a regra jurídica da venda desde logo: os arts. 704 e 705 do Código de Processo Civil não podem ser
trazidos à tona em se tratando de bens hipotecados, quer se haja iniciado executiva real por cédula rural hipotecária,
quer se haja iniciado ação executiva real por cédula rural mista. O art. 19, § 2.0, in fine, é que é princípio geral
revelado, aí, a propósito de cédula rural pignoratícia.

3. EXCEÇÕES OPONÍVEIS PELO TOMADOR. — Estatui o art. 39, § 39, da Lei n. 8.253: “Se o empréstimo fôr
concedido para utilização parcelada, o banco ou a cooperativa mutuante abrirá com o valor emprestado uma conta
especial, vinculada ao título e que o emitente movimentará, em forma gráfica simples, por meio de cheque ou recibo
de sua assinatura, nos têrmos e épocas fixados no orçamento a que se refere o parágrafo anterior”.
Qualquer que tenha sido o negócio jurídico subjacente, se a prestação do subscritor e emitente foi por parcelas, o
banco ou cooperativa tem de abrir conta especial (não pode ser a mesma conta corrente do subscritor e emitente,
geral, aberta antes, concomitantemente, ou depois), que possa ser movimentada pelo subscritor e emitente. As datas
de movimentabilidade devem ser postas em ordem, conforme o orçamento prevê, ou conforme é previsto no negócio
jurídico subjacente, mas, nesse caso, hão de constar da cédula.
A promessa de pagamento é pelo quanto total. A não--prestação segundo o orçamento apenas atua para diminuição
do quanto devido, o que ressalta da promessa e da data em que se está.
O crédito que se abre ao subscritor e emitente é pelo total. A dedução do que não foi utilizado ou foi retido (Lei n.
8.253, arts. 49 e 89, § 4.0) é só entre subscritor e emitente, se não consta da cédula ao tempo do endosso. Ao ser
cobrada executivamente a quantia, o subscritor e emitente tem de pagá-la no todo, ou a paga o banco ou cooperativa.
Os bens gravados respondem pelo todo, porque se trata de relação jurídica real, que sómente pode ser “diminuída” se
tal diminuição consta do registro e da cédula. O endossatário a quem o direito de propriedade da cédula se transferiu
tem o direito incorporado na cédula, tal como esse direito aparece. O subscritor e emitente tem de solver o que
prometeu e o tomador endossante tem a mesma responsabilidade, conforme a aparência do título.
O endOsso faz abstrato o título. Ésse é ponto de suma importância, a que não têm prestado atenção os que pouco
sabem sobre abstração de títulos negociáveis.
O que não consta da cédula não está no mundo jurídico, a respeito da cédula. É preciso que nela esteja para que, no
tocante a ela, possa ser atendido. Se nada recebeu o subscritor e e itente, ou se somente parte recebeu, do que se lhe
prometeu, ou deu, sem que tal falta total ou parcial se mencione no titulo,o endossatário, que adquire a cédula rural
hipotecária, bem corpóreo, nada tem com o que ocorreu ou deixou de ocorrer o e não está expresso no título. O que
se incorpora no título é o que nele se menciona, ou, por fôrça de menção, faz parte integrante dele.
A conta (corrente) especial não é parte integrante da cédula. O subscritor e emitente, que depositou antes do venci-
mento, tOda a quantia devida, não se libera. Ésse depósito não é resgate. Primeiro, porque esse depósito pode ser
levantado; segundo, porque a cédula pode ter a aparência de ter sido vertido todo o quanto de que nasceu a promessa
de dívida. É sempre de grande importância observar-se que a promessa do subscritor e emitente, na cédula, é
promessa unilateral, é declaração unilateral de vontade. O endosso transfere a propriedade da cédula; não é cessão. O
direito do endossatário nasce originâriamente.
A respeito da abstratividade das cédulas rurais pignoratielas, hipotecárias e mistas, convém frisar-se o que é desde
muito sabido em ciência do direito: a alusão, no texto, ao nome do tomador e ao que entre ele e o subscritor e
emitente se passou não as faz, somente por isso, causais. A relevância da finalidade que teve a emissão tão-pouco
obsta à abstração.
A abstração presta ao tráfico o maior serviço que se poderia esperar de expediente jurídico técnico. O direito alemão
e o brasileiro cedo o acolheram e a falta de prática de alguns juristas, no Brasil, no trato dos problemas que se
relacionam com a abstratividade de alguns negócios jurídicos provém de confusões devidas a leituras de livros
estrangeiros, principalmente italianos e franceses, sabido quão tardiamente a teoria da abstração entrou nesses
sistemas jurídicos, ainda a propósito dos títulos cambiários. Aliás, a assimilação ainda não se deu perfeitamente. Há
vacilações e confusões, que espantam.
A abstração pode iniciar-se com a feitura do título (cambial), ou resultar de ato posterior (aceite ou endOsso da dupli-
cata mercantil; endOsso das cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas). A possibilidade de oposição de
exceções entre figurantes em contacto (e. g, exceção do subscritor e emitente contra o tomador) não torna causal o
título: a abstração é, conforme o étimo, abstração, e não negação de qualquer contactualidade; não se diz que não
houve, nem poderia ter havido causa; diz-se que, se houve, dela se abstrai.
O que mais importa, no sistema jurídico brasileiro, é não estar o jurista a receber sugestões de sistemas jurídicos inf
eriores ao nosso, que não têm os negócios jurídicos abstratos, ou deles têm concepção incompleta e defeituosa, ou
confessam que, em geral, a abstração lhes é desconhecida, ou antipática. Para se observar quanto se acham longe de
teoria científica da abstração, basta lembrarmos a resistência que opuseram, na uniformização das leis sObre títulos
cambiários, ao conceito de abstração e anotarmos como imperfeitamente, depois, assimilaram a teoria.
Lê-se no art. 82, § 40, da Lei n. 8.253: “Sempre que fOr estabelecida a utilização parcelada prevista no parágrafo
anterior é ressalvado ao credor o direito de recusar a entrega de qualquer prestação se, ao seu tempo, houver o
devedor faltado ao cumprimento do disposto no orçamento de aplicação ou nesta lei”.
Se o tomador deixa de prestar o que fOra creditado ao subscritor e emitente, alegando que esse faltou ao
cumprimento do que se previra no orçamento, ou na lei, assim procede porque lhe nasce exceção contra o subscritor
e emitente. Se endossou o titulo, sem que tal fato conste da cédula, vinculados estão pela totalidade da dívida o
subscritor e emitente e o tomador. Quanto aos endossatários de boa fé, Quod non est in reduZa non eM in mundo.
Cumpre lembrar-se, aqui, o art. 27 da Lei n. 8.253:
“O endossante da cédula de crédito real responde apenas pelo saldo devedor do título, sempre que tiver havido
amortização, devendo constar do endosso, neste caso, o valor líquido da transferência”. Só responde, portanto,
segundo consta do titulo (§ 2.685, 1).
Mas responde conforme o teor do título, qualquer que tenha sido o que se passou entre ele e o tomador.
Quem subscrêve título abstrato ou a que o endOsso abstratiza expõe-se a que nasçam aos endossatários os direitos,,
pretensões e ações que resultam dos dizeres do título.
Estabelece o art. 8.0, § 2.0, da Lei n. 8.258: “A aplicação do valor emprestado poderá ser ajustado em orçamento
assinado pelo emitente da cédula e que a esta se integrará, em uma so via, rubricada pelo credor, da qual deverá
constar, também por escrito, qualquer alteração posterior que mutuante e mutuário porventura admitirem”.
O orçamento prevê. O que se previu para o tempo já corrido tem-se como acontecido; o que se previu para o tempo
que vai correr tem-se como fato que se vai dar, de modo que se teria de elidir essa certeza para que o subscritor e
emitente não respondesse conforme o orçamento. O subscritor e emitente assinou-o. Fêz parte integrante da cédula o
orçamento. Está esse para a cédula como o edifício para o terreno, como a tampa para o vaso ou o tinteiro. Quem é
dono ou possuidor da cédula é dono ou possuidor do orçamento. As ações dominicais e as possessórias são as
mesmas. O próprio direito real de hipoteca incorpora-se na cédula e no orçamento. Não há alteração ao direito
incorporado sem que, em conseqUência, se altere o orçamente que o incorpora.
O orçamento é parte integrante da cédula, desde que nela se faz a referência a ele. Mas o ser parte integrante o orça-
mento não faz a promessa contida na cédula depender do que se cumpriu, ou não, do orçamento, quer da parte do
subscritor e emitente quer da parte do tomador. Por isso mesmo, se alguma alteração sobrevém entre tomador e
subscritor e emitente, há de constar da cédula rural, ou não pode ser oposta aos endossatários. Com o endOsso dá-se
a abstratização da cédula. O fato é semelhante ao que se passa no que concerne à duplicata mercantil, que se faz
abstrata com o aceite ou com o endOsso. Não há aceite de cédula rural pignoraticia, hipotecária ou mista. O endOsso
é que a abstratiza.
4. AÇÕES POSSESSóRIAS. — As ações possessórias, que cabem ao portador das cédulas rurais hipotecárias, são
as ações possessórias a respeito das cédulas mesmas, das cártulas. Nenhuma posse dos bens cedulai-mente
hipotecados tem o portador da cédula rural hipotecária. TOda a posse está com o dono dos bens que foram
hipotecados, ou com alguém a quem o dono dos bens outorgou posse, imediata ou mediata.
Conforme teremos de ver, a particularidade da posse, em se tratando de cédula rural pignoratícia e de cédula rural
hipotecária, reflete-se no que tange com a cédula rural mista (pignoratícia e hipotecária)
a> O possuidor, imediato ou mediato, da cédula rural pignoratícia possui, imediata ou mediatamente, a cédula e
possui, mediatamente, os bens que foram empenhados mediante criação e emissão de cédula rural pignoratícia. É
possuidor próprio da cédula e possuidor impróprio dos bens.
b) O possuidor, imediato ou mediato, da cédula rural hipotecária, possui, imediata ou mediatamente, a cédula e
nenhuma posse tem dos bens que foram hipotecados mediante a criação e emissão da cédula rural hipotecária. Ésses
bens sOmente são possuidos pelo dono deles, ou por pessoa que haja adquirido poder táctico sobre eles.
c) O possuidor, imediato ou mediato, da cédula rural pignoratícia e hipotecária (cédula rural mista) possui, imediata
ou mediatamente, a cédula, e possui, mediatamente, os bens que foram empenhados com a criação e emissão da
cédula rural mista, porém nenhuma posse tem quanto aos bens que por ela foram hipotecados.
O que acima se expôs apura os princípios fundamentais sobre posse e ao mesmo tempo atende aos princípios funda-
mentais sObre títulos incorporantes:
Em a), ressalta que a posse do título importa na posse dos bens empenhados: posse, ali, própria; posse, aqui, impró-
pria. Aquela posse não pode ser ofendida sem que essa o seja, mas essa pode ser ofendida sem que aquela seja
ofendida.
Em b), a posse do título nenhuma repercussão tem quanto à posse dos bens dados em garantia hipotecária. Mas o
titular do direito sObre o título tem as ações concernentes ao direito real de hipoteca, porque esse é direito
incorporado no titulo.
Em c), ocorrem a) e b), sem que a unidade do titulo implique qualquer assimilação de um direito incorporado ao
outro direito incorporado.

CAPITULO IV

CÉDULA RURAL MISTA

1 CONCEITOS. — A cédula rural mista — cédula rural


pignoratícia e hipotecária — é cédula rural em que se incorporam, ao mesmo tempo, direito de penhor e direito de
hipoteca.Não se há de confundir, portanto, com duas cédulas rurais numa das quais se incorpore direito de penhor e
na outra direito-de hipoteca. O dono. da fazenda pode constituir penhor e hipoteca; pode criar cédula rural
hipotecária sObre a fazenda e cédula rural pignoraticia sObre colheitas, máquinas, instrumentos e animais; pode criar
cédula, rural hipotecária e pignoraticia,cédula rural mista, que circule com a incorporação dos dois direitos de
garantia real. Estabelece o art. ~•O da Lei n. 3.253, de 27 de agOsto de 1957:“Sempre que o empréstimo receber a
garantia conjunta do’penhor e da hipoteca poderá ser usada a cédula rural pignora-dela e hipotecária, que fica
também estabelecida como titulo de constituição desses dois direitos reais, observado o disposto no •

há pensar-se em relação jurídica derivada de cessão de direitos. O endossante transfere propriedade; não cede direito.
O direito de penhor e o direito de hipoteca que o endossatário da cédula rural mista adquire Me os adquire
originâriomente. Não há derivatividade, razão por que o endossatário pode ter adquirido direitos que o endossante
não tinha.
A posse da cédula rural mista dá ao possuidor a posse mediata, imprópria, dos bens empenhados; nenhuma posse lhe
atribui quanto aos bens hipotecados.
O fato de se permitir a cédula rural mista e o de não serem o mesmo, em tOda a extensão, o regime jurídico
das cédulas rurais pignoraticias e o das cédulas rurais hipotecárias (e. g., quanto à resgatabilidade), cria o problema
de se saber onde se há de atender ao regime de cada espécie e onde é de mister que o regime seja um só.
A respeito dos pressupostos para a constituição do direito real de garantia, excluido o que se refere ao registro, a
duplicidade de regime impõe-se. Quanto à solução da divida e ao resgate, não: a garantia é conjunta, portanto una, a
despeito de serem dois os direitos reais, de jeito que é o regime da hipoteca que se impõe.
No tocante ao registro, a própria Lei n. 3.253, art. 8.<’, submeteu ao registro hipotecário a cédula rural mista:
“observado o disposto nos arta. 11 e 13”. O art. 13 é aquele em que se determina que a cédula rural hipotecária se
inscreva no Registro de Imóveis e Hipotecas.
O art. 19 e §§ 1.~ e 2.0 da Lei n. 3.253 somente são invocáveis a propósito dos bens empenhados, e não quanto aos
bens hipotecados. O próprio art. 21 foi explícito: “Adotar-se-á, também, a ação executiva para a cobrança da cédula
rural pignoraticia e hipotecária, prevista no art. 8.0 desta lei, sem prejuízo de se promoverem, desde logo, nos
mesmos autos, o seqUestro e a venda dos bens constitutivos do penhor, na forma do art. 19 e seus parágrafos”.
Quanto ao art. 19, § 29, iii une (“se insuficiente o produto desta” — referindo-se a venda — “para a liquidação da
divida, prosseguir-se-á, por via executiva, na cobrança do remanescente”).
Quanto ao que faltou, na extração do valor dos bens, para se solver a divida garantida pelo penhor e pela hipoteca,
nada obsta a que se prossiga nos mesmos autos, penhorando-se outros bens. O título, como titulo da divida que o
penhor garante e como título da divida garantida pela hipoteca, é título certo e líquido. Di-lo a própria Lei n. 8.253,
art. 4•O (cf. art. 6.0, parágrafo único). É de invocar-se o principio de economia para se prosseguir na ação executiva,
já agora pessoal.

§ 2.656. Ações do portador (tomador ou endossatário) da cédula rural pignoraticia e hipotecária

1. AÇÕES DECLARATÓRIAS E AÇÕES CONDENATÓRIAS. —O que dissemos sObre as ações oriundas das
cédulas rurais pignoratícias e hipotecárias tem aqui pleno cabimento. A cédula rural pignoratícia e hipotecária, a
cédula rural mista, incorpora os dois direitos reais de garantia, com tOdas as consequências. 27 de agOsto de 1957:
“Adotar-se-á, também, a ação executiva para a cobrança da cédula rural pignoratícia e hipotecária, prevista no art. 89
desta lei, sem prejuízo de se promoverem, desde logo, nos mesmos autos, o seqúestro e a venda dos bens consti-
tutivos do penhor, na forma do art. 19 e seus parágrafos”. Ainda no art. 21 se repete a alusão a seqúestro, como se
seqUestro fOsse o ato de constrição com que se inicia o procedimento executivo. Trata-se de medida constritiva
executiva, e não de medida constritiva cautelar. Se a cédula rural é mista (pignoraticia e hipotecária), permite-se que
desde logo se requeira a venda judicial, conforme se expôs a propósito do art. 19. Tal permissão da venda ~ntes de se
julgar a ação, ou antes do momento próprio, não cabe em se tratando do que apenas é hipotecável e foi hipotecado. A
lei sOmente abriu exceção para os bens empenhados.
Se os bens não bastam para a solução da dívida, o que se há de verificar em caso de venda segundo o art. 19 e §§ 1.0
e 29 da Lei n. 3.258, ou da arrematação, pode-se, nos mesmos autos, prosseguir na execução de outros bens do
devedor. Os bens do terceiro dador do penhor ou da hipoteca sOmente respondem se estão incluidos nos bens
gravados.
Se a propósito da hipoteca se entendeu que essa abrangia pertenças (Código Civil, art. 810, II), tem-se hipoteca
conjunta em que são elementos o imóvel e pertenças, ou imóveis e pertenças, ou navio ou aeronave e pertenças, e
gravação (conjunta) de hipoteca conjunta e penhor. Tem-se, então, de discriminar o que é pertença e se hipotecou
conjuntamente e o que é pertença e se empenhou. A pertença hipotecada conjuntamente com o imóvel, ou com o
navio, ou com a aeronave, só se submete ao regime jurídico da hipoteca. A pertença empenhada é sujeita às regras
jurídicas concernentes à cédula rural pignoratícia. Por conseguinte, o art. 19 e o § 19 da Lei n. 3.258 incidem a
propósito dessas, e não daquelas.
A ação de reivindicação da cédula rural pignoratícia e hipotecária tem-na o dono, porque a cédula é bem móvel. A ele
cabe, quanto aos bens empenhados, a vindicatio pignoris; não, quanto aos bens hipotecados, porque o titular do
direito de hipoteca não tem posse e seria incongruência falar-se de vindicatio. Quanto a esses bens, toca-lhe a ação
confessória, ação simétrica à negatória.
Cumpre ainda observar-se que o dono dos bens tem a ação negatória, quer se trate de bens empenhados quer de bens
hipotecados. Também lhe assiste a reivindicação. A utilidade da cédula pignoraticia e hipotecária, ou só pignoratida
ou só hipotecária, dá ensejo a ações do dono dos bens que se dizem dados em garantia. A fortiori, a inexistência.

3. AÇÕES POSSESSÓRIAS. — Os portadores das cédulas rurais mistas têm tôdas as ações possessórias que tocam
aos possuidores de bens corpóreos. No que tange com os bens empenhaths e hipotecados, cumpre que se distinga: o
portador da cédula . rural pignoratícia e hipotecária (cédula rural mista) tem a posse mediata dos bens empenhados,
não tem qualquer posse dos bens hipotecados, ainda que se trate de pertenças; as ações possessórias, no que se refere
aos bens hipotecados, só as tem o portador quanto à cédula, que é o título incorporante, não quanto ao direito
incorporado.
No caso de ter havido pacto anticrético quanto aos bens hipotecados, o titular do direito hipotecário — na espécie; o
dono da cédula rural mista — tem posse, porém só tem posse como outorgado de pacto anticrético, a que se fêz
tradição do bem ou dos bens cedularmente gravados de hipoteca, não como titular do direito de hipoteca.
Pode acontecer que o dono da cédula rural mista tenha sido nomeado depositário. Então, é possuidor como
depositário, sem qualquer direito à fruição.
Se o dono da cédula rural mista dá a outrem (ou se óutrem lhe tira) a posse própria, ou alguma posse imprópria, ou,
ali, perde a posse, que tinha, ou, aqui, a sua posse se mediatiza. É o que acontece com o possuidor da cédula rural
mista que Q empenha. O outorgado do penhor da cédula passa a ser possuidor impróprio, pignoraticio, da cédula
rural mista, sem se fazer possuidor pignoratício dos bens empenhados. O penhor, ai, é do bem corpóreo, somente,
pois o outorgado do penhor sObre os bens empenhados continua de ser quem é dono da cédula rural mista.

CAPITULO V

PERDA E DESTRUIÇÃO DAS CÉDULAS RURAIS PICNORATICIAS, HIPOTECÁRIAS E MISTAS

§ 2.657. Ação de amortização ou substituição de títulos endossáveis

1. PRINCÍPIO DA SUBSTITUVEILIDADE MATERIAL. — Vontade e expressão, fundo e forma, são elementos


que alcançam, nos títulos ao podador e nos títulos endossáveis, o máximo de fusão; mas o fundo, a vontade, não se
destrói se só a matéria foi destruida ou se perdeu. O título à ordem é formal, porém é possível amortizar-se e volver à
circulação com outro material que o enforme. O extravio e a destruição têm de ser remediados e a ação de
amortização provê a isso.
Durante o tempo em que está perdida a cédula, ou durante o tempo em que se espera a nova cédula, que substitua a
que foi destruida, não se tem por inexistente o título. A introdução da ação tem por fito exatamente a litigiosidade da
espécie. Quem perdeu quer a posse, ou que se considere morto o corpo que enformava o direito. Quem sofreu a
destruição da cédula quer que se faça outra, que a substitua: outro bem corpóreo, em que se meorpore o direito real
de penhor, ou de hipoteca, ou de penhor e hipoteca.
Tem-se como se existisse, durante o lapso, a cártula, o corpo, o titulo, ainda que nunca se venha a achar o que foi
perdido, ou tjue se tenha certeza quanto à destruição total.
Todavia, a perda ou a destruição é alegada pelo autor. Tem Me de prová-la. Tem o juiz de julgar o feito. Enquanto
não o julga, tem-se de proceder como se outrem houvesse que pudesse impugnar o alegado.

2. PRESSUPOSTO OBJETIVO. — É preciso que o portador não esteja na posse material do titulo, embora continue
possuidor. Compreende-se bem o que aqui se diz se se está em sistema jurídico, como o brasileiro, que abstraiu do
anzmus e do corpus. O autor da ação de amortização é pessoa que tem posse, a despeilo de haver perdido o corpus. A
perda da posse material, do corpus, pode ter sido devida à violência, ao dolo, ao êrro, ou ao abuso de representação
ou de atos do órgão. Qualquer destruição, que não tenha importado em derrelicção, basta como pressuposto objetivo.
Quem era possuidor do título que foi destruído, qualquer que tenha sido a causa da destruição, continua possuidor.
Fácil é entender-se isso em sistema jurídico que chegou à altura da teoria da posse, que se edificou no direito
brasileiro. O dono continua dono. O possuidor próprio continua possuidor próprio. O endossatário pignoratício
continua endossatário pignoratício e, pois que tinha posse, continua possuidor impróprio.

3. LEGITIMAÇÃO ATIVA. — Legitimado à ação de amortização é qualquer pessoa que o seria, no vencimento, para
exigir o pagamento. £sses assuntos serão tratados mais de espaço quando versarmos a ação de amortização dos
títulos cambiários.
O direito que a rege está no art. 36 da Lei n. 2.044, de SI de dezembro de 1908.
O art. 36, lA parte, da Lei n. 2.044 diz: “Justificando a propriedade e o extravio ou a destruição total ou parcial da
letra, descrita com clareza e precisão, o proprietário pode requerer ao juiz competente do lugar do pagamento, na
hipótese de extravio, a intimação do sacado ou do aceitante e dos coobrigados para não pagarem a aludida letra, e a
citação do detentor, para apresentá-la em juízo dentro do prazo de três meses e, nos casos de extravio e destruição, a
citação dos coobrigados, para. dentro do referido prazo, oporem contestação, firmada em defeito de forma do título,
ou na falta de requisito essencial ao exercício da ação cambial”.
O que aqui expomos diz respeito às cédulas rurais pignoratícias regidas pela Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, e às
cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas segundo a Lei n. 8:253.
Também obedecem aos mesmos princípios as cédulas extraidas do registro de penhor de produtos agrícolas
existentes em estabelecimentos destinados ao seu benefício ou transformação <Lei n. 2.666, de 6 de dezembro de
1955, art. 1.0 e § 2?).

1. AçÃo E SENTENÇA DE AMORTIZAÇÃO. — A ação de amortização tem por fito decretar a ineficácia da
cártula perdida ou destruída. A sentença retira toda a eficácia que poderia ter o título e constitui outra cártula em que
o direito de penhor, ou o de hipoteca ou o de penhor e o de hipoteca se incorporam.
A competência é a do lugar em que estão situados os bens e não a daquele em que ocorreu a perda ou o extravio ou a
destruição.
No lugar em que ocorreu a perda ou destruição tem-se de proceder às diligências cautelares, inclusive à tomada de
testemunhos e à perícia nos casos em que a demora possa prejudicar a proteção jurídica. Bem assim, aí é que se
promovem as ações criminais e as ações tendentes à reintegração da posse, ou à decretação da nulidade, ou à
declaração da falsidade do endosso, por ser onde se encontra o culpado.
É preciso que se atenda a cada uma das regras jurídicas sobre competência, pois há ações diferentes relativas ao mes-
mo fato.
As questões de competência judiciária prendem-se ao direito processual e às leis de organização judiciária, de modo
que só de passagem a elas podemos referir-nos. Se a ação tende àsubstituição de títulos é no lugar em que se há de
fazer tal substituição que deve correr a causa, porque o demandado é o subscritor e emitente, aí domiciliado, ou tendo
aí um dos domicílios.

2.NOVA c ETULA E CÁRTULA AMORTIZADA. — Só se expede nova cártula depois de se decretar a caducidade
da anterior, perdida, extraviada àu destruída. Se se expede a nova, sem se ter decretado a ineficácia da anterior, a
cártula nova não faz nascer direito: o portador ou endossatário não é titular de qualquer direito real de garantia, ainda
se de boa fé. Se não se pode estabelecer qual a data em que A e B adquiriram, respectivamente, de boa fé, os títulos
depois amortizados e os titulos novos, há communio incideias, tendo de ser considerados possuidores com direitos
iguais (= em quotas iguais> os possuidores da mesma cédula em duas formas diferentes.

CAPITULO 1

CONCEITO E NATUREZA DOS “WARRANTS”

§ 2.659. Posse e “warrants”

1.ANÁLISE DOS FATOS PARA PRECISÁQ DO CONCEITO. — Se o sistema jurídico não contém teoria
científica da posse, as obscuridades em tôrno do conceito dos warrant8 são enormes. Se se parte da proposição de ser
possuidor imediato, como depositário, a emprêsa de armazém geral, e possuidores mediatos, um seguido de outro, o
dono das mercadorias e o titular do direito de penhor, logo se conceitua, com facilidade, como penhor, a gravação do
warrant e se atribui ao conhecimento de depósito o ser titulo incorporante do domínio. Os sistemas jurídicos que não
têm teoria científica da posse vêem no portador do warrant titular de direito de penhor, sem posse. Figura, essa,
inadequada aos fatos e de inconvenientes graves.
Nos sistemas jurídicos em que a teoria da posse não chegou a precisões científicas, fala-se de penhor sem
desapossanlento do empenhante, ou há quejandas facilidades de expressão. Ora, tanto no penhor rural quanto no
penhor mercantil e nos warrants, há transmissão da posse mediata imprópria, com a atribuição da posq,e imediata. ao
empenhante. O fato nada tem com a hipoteca. É por isso que o titular do direito de penhor sobre máquinas, produtos
agrícolas ou qualquer bem que possa ser objeto de penhor rural, ou o titular do direito de qualquer penhor mercantil,
que se constituiu sem que a posse imediata ficasse ao titular do direito de penhor mercantil, tem posse, mediata, e
nenhuma posse tem o titular do direito de hipoteca, ainda sobre navios e aeronaves. A respeito, a confusão que
reina na doutrina francesa é lamentável. Chega-se a dizer que, no tocante a warrants, tudo se passa como a propósito
da hipoteca. Essa confusão entre penhor e hipoteca não cabe no sistema jurídico brasileiro. De regra, a hipoteca
somente recai sobre imóveis: abre-se exceção para os navios e as aeronaves. Sem exceção, só há penhor de bens
móveis, porque penhor de letras hipotecárias ou de cédulas rurais hipotecárias é penhor do título- incorporante, da
cártula, e não do direito incorporado, ou dos bens sobre os quais esse direito se constituiu. De regra, a posse imediata
do bem empenhado passa ao titular do direito de penhor: abre-se exceção para o penhor rural, o penhor mercantil, o
penhor industrial, as cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas. Na hipoteca, o outorgado não adquire posse,
e não se abriu qualquer exceção.
Para manter a sua consistência e a sua homogeneidade, o sistema jurídico brasileiro repeliu o conceito de penhor de
navios e de aeronaves: construiu o direito real de garantia como hipoteca; e admitiu penhôres onde a posse mediata
lhe pareceu bastar para se pensar ~m penhor.
A Lei n. 1.102, de 21 de novembro de 1903, art. 15 e §§ 1.~, 29 e 39, fala da criação e emissão de dois títulos,
unidos, mas separáveis à vontade: o conhecimento de depósito e o warra?tt.

2. TITULO INCORPORANTE DE DIREITO DE PENHOR. — A respeito dos ~wanants apenas nos cabe, neste
tomo, cogitar do penhor que nele se incorpora. O título, cambiariforme, executivo, é título incorporante de direito
real de garantia, de penhor, e não título de crédito.
Os juristas que consideram título de crédito o warrant não atendem ao conceito preciso de titulo de crédito, que
étítulo em que se incorpora crédito, pretensão pessoal, ação pessoal. Se se dilata o conceito, a ponto de se poder falar
de títulos de crédito, que são títulos incorporantes de direitos de obrigação e títulos representativos, a teoria dos
títulos de crédito passa a sofrer todos os inconvenientes dessa extrapolação desabusada. O conhecimento de depósito
e o warrant não são títulos de crédito.
No conhecimento de depósito, o que se incorpora é o domínio, donde representar o bem; no warrant, o que se
incorpora é o direito de penhor, de modo que o dono do título é titular do direito de penhor sobre os bens
mencionados e tem a posse que se lhe atribui com a posse do título.
A aquisição do direito de penhor, em se tratando de warrant, é originária, pois, se o transferente da posse não era
dono, a posse de boa fé faz dono do warrant o adquirente
(S. PAPENDIECK, Der Eigentumserwerb durch t7berga.be seitens dites Niehteigentúmers, 18 s.; O. CA.RLIN,
Niemand kann aut einen Artderen mehr R.echt itbertragen, ais er selbst hat, 100). Veja Tornos V, § 510, e XV, §§
1.757, 5, 7, 1.830-1.882.

§ 2.660. Função do “warrant”

1.Disposição SEM CUSTÓDIA. — Com o depósito das mercadorias no armazém de depósito, o dono delas obtém
poder de delas dispor, alienando-as ou gravando-as, sem as ter de guardar até à entrega. O conhecimento de depósito
é o título em que o domínio se incorpora o ioarra’rtt, aquele em que se incorpora o direito de penhor. Nem um nem
outro é título de crédito. Com a transmissão dos dois títulos, o adquirente tem domínio ingravado. Quem só adquire o
conhecimento de depósito adquire bem gravado de penhor. Quem só adquire o warrant apenas adquire direito de
penhor incorporado em titulo.

2. CIRCULABILIDADE E SATISFAÇÃO DO QUANTO PROMETIDO.

— O warrant tem a particularidade de ser título em que se incorporou, desde a criação, o direito de penhor. O
endosso do warrant não é endosso-penhor, é endosso comum de título no qual o direito incorporado é o direito de
penhor. A incorporação do direito de penhor ocorreu antes de se endossar o titulo. Semelhante é o que se passa com
as letras hipotecárias, as cédulas rurais pignoratícias segundo a Lei n. 492, de 30 de agôsto de 1937, as cédulas rurais
pignoratícias, hipotecárias e mistas conforme a Lei n. 3.258, de 27 de agôsto de 1957. Diferente é o que ocorre com
os conhecimentos de transporte. Nesses títulos, no momento do endosso-penhor é que se retira ao domínio o
elemento que se dá em garantia ao endossatário. Direito de penhor sômente há a partir desse momento.
Mas há diferenças técnicas entre os warrants, as letras hipotecárias e as cédulas rurais a que nos referimos.

TRATADO DE DIREITO PRIVADO

A razão disso está em que: a) o legislador, a respeito das letras hipotecárias, das cédulas rurais pignoratícias segundo
a Lei n. 492, das cédulas rurais pígnoratícias, hipotecárias e mistas segundo a Lei n. 3.253, seguiu o princípio técnico
da unicidade de titulo, e a propósito dos warrants preferiu o da duplicidade de títulos; b) a respeito dos
conhecimentos de transporte, se ateve ao principio da unicidade de titulo, mas permitiu que se criasse o penhor, por
endosso.
Quando, a respeito dos títulos incorporantes de direito de penhor se admite penhor, o endosso-penhor do titulo
incorporante de direito de penhor, como são as cédulas rurais pignoratícias, empenha o penhor.

CAPITULO XI

CONHECIMENTOS DE TRANSPORTE

§ 2.661. Conceito e natureza do conhecimento de transporte

1. CONCEITO. — O conhecimento de transporte é titulo representativo de mercadorias que foram entregues para
transporte e hão de ser entregues mediante a apresentação e recepção dele. Com a entrega das mercadorias e do
conhecimento de transporte cessa tôda representatividade e a posse imediata, que se achava com a emprêsa de
transportes ou com o transportador, passa a quem lhe entregou o conhecimento de transporte. É indiferente se a
emprêsa de transportes faz por si mesma a transportação, ou incumbe outra de a levar a cabo: o título é representativo
das mercadorias, ainda que a eanprêsa de transportes mediatize a sua posse, confiando a outra emprêsa a viagem. As
relaçôes jurídicas e possessórias que se estabelecem entre o transportador e a emprêsa de transportes, ainda que tal
mediatização da posse seja acidental (e. g., o veículo da transportadora teve de parar na estrada), são indiferentes às
relaçôes jurídicas e possessórias entre o remetente e o subscritor e emissor do conhecimento de transporte.
Os subscritores e emissores dos conhecimentos de transportes, chamados, no Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro
de 1930, “emprêsas de transporte por água, terra ou ar”, podem não ser as pessoas, físicas ou jurídicas, que
transportam, mas apenas as que recebem as mercadorias para serem transportadas e assumem as responsabilidades
que a lei lhes aponta na legislação especial e no direito comum.
A emprêsa de transportes de regra recebe a posse imediata e, realizando a transportação, conserva tal posse até que a
transmita a quem lhe entregue o conhecimento de transporte. Porém nem sempre ocorre isso, razão por que havemos
de miúdear as espécies, conforme o que acontece, normalmente, com a posse:
(a) A emprêsa de transportes recebe as mercadorias e entrega ao remetente o conhecimento de transporte, por ela
subscrito. À emprêsa, que subscreveu e emitiu o conhecimento de transporte, foi transferida a posse imediata. Essa
posse pode ser mediatizada, se sobrevém algum acidente com o navio, trem, aeronave, ou caminhão, em que a
emprêsa ia transportar as mercadorias, ou já estava transportando. Pode dar-se que não haja e pode dar-se que haja
mediatização <ir a outrem cassar a imediatidade da posse, tornando-se mediata a posse da emprêsa de transportes).
(b) A emprêsa de transportes recebe as mercadorias, para que outra as transporte, entendendo-se que a posse ime-
diata, que se lhe transfere mediante o recebimento do conhecimento de transporte, só lhe fica enquanto não a dá à
emprêsa que se incumbiu de transportar. Seja como fôr, a emprêsa de transportes que subscreveu e emitiu o
conhecimento de transporte fica como possuidora mediata, desde que a posse imediata se transfere ad transportador.
Posse mediatizada, porém sem ser necessitatis causa, como aconteceria se a espécie fôsse <a).
<c) A emprêsa de transportes não transfere a terceiro a posse imediata, embora o incumba de transportar. Então, o
transportador é servidor da posse da emprêsa de transportes.
(d) A emprêsa de transportes subscreve os conhecimentos de transporte, que ficam em poder da emprêsa transporta-
dora, para os emitir. A particularidade está em que o remetente transfere simultáneamente à emprêsa de transportes,
subscritora do conhecimento de transporte, a posse mediata das mercadorias e à emprêsa transportadora a posse
imediata.

2. NATUREZA DO CONHECIMENTO DE TRANSPORTE. — Trata-se de título representativo. O domínio e os


direitos reais limitados transferem-se com a transferência do domínio ou dos direitos reais limitados sobre o título.
Não há pensar-se em título de crédito, a despeito dos erros de alguns juristas, brasileiros e estrangeiros. O titular do
direito de domínio, de usufruto, ou de penhor sobre o conhecimento de transporte tem
as ações dominicais, as do usufrutuário, as de titular de direito de penhor e as possessórias.
As emprêsas de estradas de ferro são tratadas como transportadoras, e não como emprésas de transportes. Os
“conhecimentos” ou “despachos” ou “notas de embarque”, que emitem, inclusive as notas de bagagem, não são
conhecimentos de transporte para os efeitos do Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, em virtude do art. 10
do mesmo decreto.
Todavia, se essas emprêsas podem assumir e assumem a função de emprésas de transportes, o que é plus em relação
à sua qualificação comum, os seus deveres e os seus direitos passam a ser os da legislação especial sobre emprêsas de
transportes, no sentido do Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930.
As emprêsas de transportes até o embarque, quando apenas entregam ao remetente os conhecimentos ou as notas de
bagagem da estrada de ferro, ou os conhecimentos e notas de bagagem da emprêsa de navegação aérea, ou de navios,
não emitem conhecimentos de transporte, mas sim conhecimentos e notas de bagagem até o embarque: a
responsabilidade delas é segundo a Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912.
(a) A concepção doutrinária segundo a qual os conhecimentos de transporte, por terra, por água ou por ar, incorporam
crédito (direito de obrigação), portanto só o direito e a pretensão a que o subscritor e emissor entregue a quantidade
de mercadoria que se especificou, ou a mercadoria especificada, tem de ser repelida. São títulos representativos, e
não títulos de crédito. Incorporam o domínio, com todos os seus elementos, ou, se foi adotada a técnica dos dois
títulos, como se dá com os conhecimentos de depósito e os warrants, o domínio e o elemento necessário à
constituição do direito real de penhor. Quando alguém entrega para transporte a mercadoria continua dono e
possuidor mediato próprio (pelo menos) o título não incorpora a obrigação do transportador, que é de transportar; o
titulo incorpora esse domínio e o elemento necessário à constituição de direito real de garantia. Por isso é que, com o
endosso, se transfere o domínio; com o endosso-penãor, se constitui o direito real de penhor.
(b) O conhecimento de transporte é titulo representativo abstrato. Não importa que nele se aluda à causa, que foi ‘o
transporte: a causa concerne ao negócio jurídico subjacente, não ao titulo (cf. L. BRtlrr, Die abstrakte Forderung,
281). Em povos que só recentemente tiveram a abstração dos próprios títulos cambiários, povos cuja mentalidade
resistiu por muito tempo a essa técnica que revela o grau de evolução da cultura e da técnica, compreende-se que
ainda se tenham como causais os títulos da natureza dos conhecimentos de transporte. O que não consta do título,
nem se entende, por lei, constar, não éoponivel ao endossatário de boa fé, ainda que se trate de endossatário
pignoratício.
O titulo é abstrato. O subscritor e emitente não pode opor ao endossatário o que não consta do título, ou o que como
subscritor e emitente do titulo cambiário não poderia opor. Pode opor que se não pagou o frete, porque o
conhecimento de transporte há de dizê-lo e, se o não disse, incide o art. 588 do Código Comercial ou o art. 2.0, VII,
do Decreto n. 19.473. O art. 588 do Código Comercial é explícito: “Contra os conhecimentos só pode opor-se
falsidade, quitação, embargo, arresto ou penhora e depósito judicial, ou perdimento dos efeitos carregados, por causa
justificada”, É certo que o ad. 586 do Código Comercial estatui que “o conhecimento concebido nos têrmos
enunciados no ad. 575 faz inteira prova entre tôdas as partes interessadas na carga, e entre elas e os seguradores,
ficando salvo a êstes e aos donos do navio a prova em contrário”; mas tais regras jurídicas têm de ser entendidas de
acordo com o art. 588.
É preciso atender-se a que a subscrição e a emissão do conhecimento de transporte são outro negócio jurídico,
inconfundível com o negócio jurídico, subjacente, do contrato de transporte. A lei permitiu a subscrição e a emissão
como elementos de outro suporte fáctico. Quando se diz que o titular do domínio do conhecimento de transporte, ou
o endossatário possuidor de boa fé tem o direito e a pretensão — não só a obter a reentrega das mercadorias — mas o
ato de transporte e a custódia das mercadorias, misturam-se os dois negócios jurídicos, o negócio jurídico do
transporte e o de criação e emissão do conhecimento de transporte. A confusão, aos olhos de quem não analisou, a
fundo, o que acontece, provém de ser o conhecimento de transporte prova do negócio jurídico subjacente, por
princípio de economia, porque poderia ter sido exigida a prova em separado e título incorporante do direito sobre as
mercadorias. A expressão “conhecimento”, connaissement, revela que no titulo se declara o que houve, quanto ao
transporte, mas ao mesmo tempo se adverte quanto à vida nova, que se inicia, com a abstratividade do título
representativo. Se o destinatário ou endossatário tem a pretensão à reentrega ou entrega, é porque lhe assiste
pretensão possessória sobre o que é seu. Em se tratando de endossatário pignoratício, a entrega é-lhe feita porque tem
a posse imprópria mediata e pretensão a haver a posse imprópria imediata. Numa e noutra espécie, não há obrigação
(pessoal) de prestar mercadorias. A emprêsa de transportes que criou o conhecimento de transporte teve de
transportar e de custodiar porque está obrigada a isso e àquilo, pelo contrato de transporte. O conhecimento de
transporte já abstrai disso: é à entrega que ele se refere, subentendendo-se, portanto, que as mercadorias já foram
transportadas. O conhecimento de transporte, com a sua literalidade e a abstração, nada tem com os fatos anteriores à
entrega: só lhe importa a entrega das mercadorias no lugar e tempo em que há de ser transferida ao possuidor
mediato do conhecimento de transporte a posse imediata, que está com a emprêsa subscritora e emissora. Essa de
modo nenhum poderia alegar contra o apresentante do conhecimento de transporte o que só se refere ao contrato de
transporte; nem esse invocar direitos, ou pretensões, que não sejam os que nascem da titularidade do domínio ou do
direito real limitado sobre o título. Nas relações entre o capitão e o carregador, ou, em geral, entre a emprêsa
subscritora e emissora e o tomador do conhecimento de transporte, as cláusulas do contrato de transporte podem vir à
tona, porque são eles figurantes em contacto. (De passagem advirtamos em que não há lugar para as teorias que vêem
no conhecimento de transporte negócio jurídico declaratório, o que excluiria tais exceções da emprêsa de transportes,
a despeito da causalidade do título. Ressalta o artifício. A endossabilidade põe o possuidor do título, se de boa fé, a
salvo das exceções; o tomador, esse, figurante em contacto, está exposto às exceções da emprêsa de transportes.)

O endossante do conhecimento de transporte, como obrigado, está sujeito aos princípios gerais do direito cambiáric-,
e cambiariforme. Não se diga que o endossatário tem direito a receber dinheiro, e não mercadorias, na ação contra o
endossante, e que, por isso, há a cambiariformidade. O endossatário tnin a ação para haver as mercadorias ou o valor
delas. A ação executiva é real e somente se o endossante não presta a mercadoria se inicia a execução pelo quanto.

3. DIREITO INTERTEMPORAL. — Estabelece o ad. 11, parágrafo único, do Decreto n. 19.473: “Os
conhecimentos de frete de transportes terrestres já expedidos antes dêste Decreto, segundo o estilo do lugar da
emissão, consideram-se plenamente válidos e gozam das regalias outorgadas neste mesmo Decreto, embora haja
ação, ou execução ainda pendente”. Com o tempo que se escoou após a promulgação do Decreto n. 19.473, o ad. 11.
parágrafo único, perdeu qualquer interesse prático.

§ 2.662. Conceito e natureza da nota de bagagem

1. CONCEITO. — A nota de bagagem é titulo representativo. Não tem a circulabilidade do conhecimento de


depósito, devido à ligação à pessoa que está no próprio conceito. Não há pensar-se em se considerar título de crédito.
Está no art. 10 do Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930: “Os conhecimentos e a entrega de bagagem,
encomenda, bem como de animais, valôres e objetos remetidos a domicílio, continuarão a reger-se pelo regulamento
geral dos transportes, o qual continuará em vigor, mesmo no concernente a cargas, em tudo quanto não colida com as
disposições dêste Decreto e da Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912”.
As notas de bagagem e as notas de encomenda, ou guias de transportes, têm enunciações e requisitos semelhantes
aos dos conhecimentos de transportes, porém não se confundem com eles, porque são títulos causais, são títulos que
apenas documentam o negócio jurídico de transporte.
A disciplina a que se refere o art. 10 do Decreto n. 19.473 está em diferentes leis, cujos textos convém que aqui
reproduzamos e analisemos:

(a) Código Comercial, art. 99: “Os barqueiros, tropeiros e quaisquer outros condutores de gêneros ou comissários,
que do seu transporte se encarregarem mediante uma comissão, frete ou aluguel, devem efetuar a sua entrega
fielmente no tempo e no lugar do ajuste, e empregar tôda a diligência e meios praticados pelas pessoas exatas no
cumprimento dos seus deveres em casos semelhantes, para que os mesmos gêneros se não deteriorem, fazendo para
esse fim, por conta de quem pertencer, as despesas necessárias, e são responsáveis às partes pelas perdas e danos que,
por malversação ou omissão sua, ou dos seus feitores, caixeiros ou outros quaisquer agentes, resultarem”.
Código Comercial, art. 100: “Tanto o carregador como o condutor devem exigir-se mútuamente uma cautela ou
recibo, por duas ou mais vias, se forem pedidas, o qual deverá conter:
1. O nome do dono dos gêneros ou carregador, o do condutor ou comissário de transportes, e o da pessoa a quem a
fazenda é dirigida, e o lugar onde deva fazer-se a entrega. 2. Designação dos efeitos, a sua qualidade genérica, pêso
ou número dos volumes, e as marcas ou outros sinais externos dêste. 3. O frete ou aluguel do transporte. 4. O prazo
dentro do qual deva efetuar-se a entrega. 5. Tudo o mais que tiver entrado em ajuste”.
O contrato de transporte pode perfazer-se sem que se exija a cautela ou recibo, a despeito do “devem exigir-se” que
aparece no art. 100.
(h) Decreto n. 15.673, de 7 de setembro de 1922, arts. 111, 121 e 122, 124, 135 e 136.
As regras jurídicas do Decreto n. 15.673 têm de ser examinadas em seu conteúdo.
O transporte de bagagem de regra inclui-se no transporte da pessoa (contrato de transporte da pessoa ~ bagagem). O
bilhete de passagem é título de legitimação, nem sempre nominativo, porém não transferível por endosso ou ao
portador.

2. NATUREZA. — A nota de bagagem só é transferível atendendo-se à sua ligação à pessoa. É título de legitimação.
Não poderia ser título ao portador; nem endossável. Lê-se no Decreto n. 15.673, de 7 de setembro de 1922, art. 122:
“Em falta do conhecimento, a carga poderá ser entregue mediante recibo assinado pelo consignatário ou por pessoa
legalmente autorizada. Esses recibos, para os fins do art. 121, substituirão

os conhecimentos, os quais ficarão por eles anulados”. No trt. 121: “A entrega das cargas, assim como das bagagens
e encomendas, far-se-á mediante restituição do conhecimento, o qual será arquivado na estação que fizer a entrega”.
“Anulados”, diz o art. 122 do Decreto n. 15.673, mas a amortização somente se dá porque foi alegada perda, extravio
ou outra causa para se não exibir. A estrada de ferro e, por analogia, a empresa de navegação marítima, fluvial ou
aérea não podem recusar-se à entrega da bagagem se o destinatário (que pode ser o mesmo remetente) ou pessoa com
poderes para isso passa recibo. O reconhecimento da firma pode ser exigido. (Observe-se que, a respeito de objetos
que não são bagagens, o art. 122 do Decreto n. 15.673 n&o pode ser invocado, por analogia, para os transportes por
água ou por terra. O Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, é que se há de consultar.)
A perda ou avaria das bagagens não despachadas que acompanham os passageiros e ficam sob sua guarda não dá
pretensão à indenização pelo fato jurídico stricto sensu: somente nasce tal pretensão se há dolo ou culpa de agentes
ou empregados da estrada de ferro (Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, art. 11; Decreto n. 15.678, de 7 de
setembro de 1922, art. 109).
A responsabilidade das estradas de feno pela perda ou avaria das bagagens despachadas é a mesma que lhe cabe em
se tratando de mercadorias que se despacharam. A responsabilidade é apenas pelo ato ilícito (dolo ou culpa) se a
posse imediata não passou à companhia. Todavia, se foi expedido conhecimento de transporte, ou nota de bagagem, e
tolerado que a bagagem ficasse com o passageiro, a responsabilidade é segundo a ler speciati.s, porque a posse
imediata não excluiu a posse mediata pela companhia, ou o passageiro apenas exerce — quanto ao poder fáctico —
atos de tolerância.
A distinção entre bagagem despachada e bagagem acompanhante reflete-se em todo o direito de transportes, a
despeito de só ser referida na Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, art. 11, e no Decreto n. 15.673, de 7 de
setembro de 1922, art. 109.
A respeito das estradas de ferro, cumpre advertir-se em que, no sistema jurídico brasileiro, não são elas, de ordinário,
emprêsas de transporte, no sentido do Decreto n. 19.478, de 10 de dezembro de 1930. Antes, § 2.661, 2.
Só o conhecimento de transporte, de que tratam o Código. Comercial, art. 575, e o Decreto n. 19.473, são
endossáveis, ou ao portador (Supremo Tribunal Federal, 18 de abril de 1951, R. F., 139, 95).
A 1.a Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 22 de fevereiro de 1931 (1?. dos 7’., 77, 350), tentou
apagar a diferença de legislação entre os conhecimentos de transportes e “o conhecimento e a entrega de bagagem,
encomenda, bem como de animais, valôres e objetos remetidos a domicílio”. Mas tal atitude menosprezaria o art. 10
do próprio Decreto n. 19.473.

§ 2.663. Pressupestos de criação do conhecimento de transporte

1. LEGTIMAÇÃO PARA SUBSCRIÇÃO E EMiSSÃO. — Emprêsa de transporte, no sentido do Decreto


ri. 19.473, é tôda emprêsa que figura no contrato de transporte de mercadorias ou bagagens, ainda que os veículos
não sejam seus, ou deles não tenham o uso. Se a emprêsa de estrada de ferro tem agências para recebimento de
mercadorias ou bagagens, mas se restringe a receber nos seus depósitos o que há de ser transportado, o conhecimento
de transporte é apenas “despacho”, “nota de transporte”, que não se destina à circulação. A lei não fêz igual a posição
das emprêsas de transporte por terra, por água ou ar. Sempre que a emprêsa de estrada de ferro subscreve e emite
conhecimentos da espécie regida pelo Decreto n. 19.473, entende-se que se considera “emprêsa de transportes”, no
sentido do art. 1.0 do Decreto n. 19.473. Fora daí, não. Certamente, há argumentos, de lege ferenda, contra a
legislação especial a respeito de estradas de ferro, se não são, no sentido do Decreto n. 19.473, emprêsas de
transportes; mas outras há, e fortes,. contra a assimilação aos transportes por água e pelo ar. Aliás, as notas de
bagagens e os despachos que emitem os barcos, barcaças, barcas e pequenos navios fluviais, se não se trata de
emprêsas de transporte, no sentido do Decreto n. 19.473, não podem ser tratados como os conhecimentos de que
cogita o Decreto n. 19.473. A qualidade de emprêsa de transporte, de que se cogita no Decreto n. 19.473, é assumível
por emprêsa que transporte, ou faça transportar, ou contrate transporte, desde que se ponha em situação de poder
subscrever e emitir conhecimentos de transporte e os subscreva e emita.
Estabelece o art. 1.0 do Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1980: “O conhecimento de frete original, emitido
por emprêsas de transporte por água, terra ou ar, prova o recebimento da mercadoria e a obrigação de entregá-la no
lugar do destino. Reputa-se não escrita qualquer cláusula restritiva, ou modificativa dessa ptova, ou obrigação. Ç
título à ordem; salvo cláusula ao portador, lançada no contexto”.
A subscrição e a emissão tocam, de regra, à mesma emprêsa. Isso não impede que a emprêsa subscritora confie a
outra emprêsa a emissão.
(a) No Decreto n. 19.473, o art. 1.0 diz que “o conhecimento de frete original” (entenda-se o original do
conhecimento de frete) “prova o recebimento da mercadoria”. Faz mais do que provar o recebimento: incorpora o
direito sobre a mercadoria, representa-a. Daí ser titulo representativo (Tomo XV, §§ 1.765, 1, 1.781, 1.821, 1.825-
1.832).
Mais uma vez frisemos ser absurdo considerar-se titulo de crédito o conhecimento de transporte. Seria extrapolar-se o
conceito de títulos de crédito.
(b) Também se fala da obrigação de entregar no lugar do destino. Tal obrigação resulta do negócio jurídico
subjacente, que é o contrato de transporte, às vêzes contrato de adesão. Sendo o conhecimento de transporte título
representativo, à apresentação dele o subscritor e emissor tem de entregar o que não é seu, pois a sua posse há de
cessar com a entrega do conhecimento de transporte.
(c) Ainda se acrescenta no art. 1.0 que a representatividade e o direito sobre posse das mercadorias não podem ser
modificados por cláusulas insertas no conhecimento de transporte.
Na Lei n. 2.681, de 7 de dezembro de 1912, art. 12, lê-se:
“A cláusula de não garantia das mercadorias bem como a prévia determinação do máximo a pagar, nos casos de
perda e avaria, não poderão ser estabelecidas pelas estradas de ferro senão de modo facultativo e correspondendo a
uma diminuição de tarifa.

Serão nulas quaisquer outras cláusulas diminuindo a responsabilidade das estradas de ferro estabelecidas na presente
lei”. O art. 12 merece interpretação. A ele remete o art. 115 do Decreto n. 15.673, de 7 de setembro de 1922. As
regras jurídicas da
e da 2.2 parte deviam vir em ordem inversa: o que lógica-mente primeiro se enuncia é que não se pode minorar a
responsabilidade do transportador por estradas de ferro; depois, permite-se, como exceção, que se tenham a) tarifas
comuns para a responsabilidade segundo os princípios da lei e b) tarifas reduzidas para a responsabilidade atenuada
ou o) pré-excluída. Se a tarifa comum é t, pode a emprêsa de estrada de ferro estabelecer que, sem responsabilidade,
a tarifa seja t — 2, e, com responsabilidade atenuada, t — 1. Não pode, porém, impor sómente o transporte com a
responsabilidade b) ou o). Além disso, se adota os transportes com as responsabilidades a) e
ou a) e o), ou a), b) e e), não lhe é dado pré-excluir a escolha pelo remetente. O remetente é que escolhe. Não pode
ter apenas ou e), ou a) ou e) ; nem se deixar a seu líbido a taxação, ainda que tenha a tarifa normal e uma das outras
ou as duas outras, atenuadas.
O art. 12 da Lei n. 2.681 não pode ser invocado se a emprêsa de transportes, subscrevendo e emitindo o
conhecimento de transporte de que trata o Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, se submeteu à disciplina
desse decreto. O art. 1.0, alínea 2.8, do Decreto n. 19.473 reputa não escrita qualquer cláusula restritiva, ou
modificativa, da responsabilidade 4a emprêsa. Temos aí uma das diferenças de tratamento das estradas de ferro: se
são emprêsas de transporte, no sentido do Decreto n. 19.473, ou se o não são.
Admitamos que a Lei n. 2.681 tem aplicação analógica a emprêsas de bondes e barcos que não se reputem emprêsas
de transportes, no sentido do Decreto n. 19.473.

2. REQUISITOS DO CONHECIMENTO DE TRANSPORTE. — Está no art. 2.0 do Decreto n. 19.478: “O


conhecimento de frete deve conter: 1. O nome ou denominação da emprêsa emissora.
II. O número de ordem. III. Á data, com indicação de dia, mês e ano. IV. Os nomes do remetente e do consignatário,
por extenso. O remetente pode designar-se como consignatário e aindicação dêste substituir-se pela cláusula ao
portador. Será ao portador o conhecimento que não contiver a indicação do consignatário. V. O lugar da partida e do
destino. Faltando a indicação do lugar da partida, entende-se ser êste o mesmo da. emissão. VI. A espécie e a
quantidade ou pêso da mercadoria. bem como as marcas, os sinais exteriores dos volumes de embalagem. VII. A
importância do frete, com a declaração de que é pago ou a pagar, e do lugar e da forma do pagamento. A importância
será declarada por extenso e em algarismos, prevalecendo a primeira em caso de divergência. Emitindo o conheci-
mento com frete a pagar e não indicada a forma do pagamento, êste será a dinheiro de contado e por inteiro, no ato da
entrega da mercadoria e no lugar do destino, se outro não tiver sido designado. A falta de pagamento do frete e
despesas autoriza a retenção da mercadoria. VIII. A assinatura do empresário ou seu representante, abaixo do
contexto”. Diz o § 1.0: “O conhecimento de frete marítimo conterá os requisitos determinados pelo art. 575 do
Código Comercial”. E o § 2.0: “O teor do conhecimento pode ser, no todo ou em parte, manuscrito, dactilografado ou
impresso; a assinatura do empresário, ou seu representante, deve, porém, ser autêntica. E o § 3.0: “O contexto incom-
pleto ou errado, pode ser completado, ou corrigido, mediante declaração escrita da emprêsa emissora, lançada no
anverso do título e devidamente datada e assinada pelo empresário ou seu representante”.
Os requisitos exigidos ao conhecimento de transporte pelo Decreto n. 19.473, art. 2.~, e pelo Código Comercial, art.
575, mostram que não se trata da nota de expedição, despacho, ou conhecimento de estrada de ferro, caminhões e
bondes. No Decreto n. 15.673, de 7 de setembro de 1922, o art. 111 apenas disse: “A nota de expedição determinará
com precisão a natureza, quantidade e destino do objeto do despacho e será assinada e datada pelo expedidor e pelo
funcionário da estrada que fizer o despacho. Uma via dessa nota, pelo menos, será entregue ao expedidor para ser
remetida ao destinatário que, mediante esse documento, receberá a mercadoria transportada. Cada nota de expedição
compreenderá sómente volumes procedentes de um só expedidor e endereçados a um só consignatário”. Se f~i expe-
dido, em vez dessa nota, o conhecimento de transporte a que se refere o Decreto n. 19.473, ad. 2.~, a
responsabilidade é instenuável e inelidível.
O nome ou a denominação da emprêsa de transportes é elemento necessário. Bem assim, o número de ordem. A data,
com indicação do dia, mês e ano, também é pressuposto indispensável. Exigem-se os nomes do remetente e do
destinatário, por extenso. Remetente e destinatário podem ser a mesma pessoa. A cláusula ao portador pode substituir
a menção do destinatário; e a cláusula é implícita se do conhecimento não consta o nome do destinatário.
A permissão do conhecimento de transporte concebido ao portador tem como conseqúência que as regras jurídicas
sobre títulos ao portador é que incidem.
A permissão implica que, à ordem o titulo, possa ser endossado ao portador, iniciando-se, então, a circulação ao por-
tador, até que um dos portadores, endossando em prêto o titulo, se insira, visivelmente, na série dos possuidores. Ésse
se faz endossante e como tal responde.
O conhecimento de transporte também pode ser nominativo não à ordem, se há cláusula expressa em contrário
(Decreto n. 20.454, de 29 de setembro de 1931, ad. 1.0: “O conhecimento de frete nominativo pode ser emitido não à
ordem, mediante cláusula expressa inserida no contexto”).
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, já se assentou que a obrigação do subscritor e emitente nasce da
declaração unilateral de vontade que subscreveu, e se repeliu que à regra escapassem os títulos representativos, como
os conhecimentos de transporte (2.a Turma do Supremo Tribunal Federal, 29 de agôsto de 1947, R. F., 117, 185).
Se o titulo não foi concebido ao portador, como seria permitido (Decreto n. 19.473, art. 2.0, IV), sem o endosso e a
posse do titulo endossado não é possível pensar-se em transmissão do domínio das mercadorias (Supremo Tribunal
Federal, 1.0 de julho de 1942, 1?. de D., 142, 295).
O Tribunal de Justiça de São Paulo, a 8 de agôsto, e à COrte de Apelação, a 28 de novembro de 1984 (R. dos T., 94,
443, e 96, 102), entenderam que endossante do conhecimento de transporte somente pode ser quem foi indicado
como destinatino (“consignatário”>. Para essa afirmação, invocou o art. 3.~,IV, do Decreto n. 19.473. O nome do
destinatário, se à ordem o conhecimento, tem a função de suporem-se transferidas a propriedade e a posse da
mercadoria, mas tal suposição pertence ao negócio jurídico subjacente, de que o conhecimento de transporte abstrai.
Se o remetente deu o nome do destinatário, sem pré-excluir que o conhecimento de transporte passe a ser do
destinatário das mercadorias, ~ o que se há de ter por firme é que o conhecimento de transporte pertence ao
destinatário? Foi o que pareceu ao Tribunal de Justiça de São Paulo e, depois, à Côrte de Apelação. Mas o
desconhecimento dos princípios é evidente. O destinatário não pode ter posse ou posse e propriedade das
mercadorias antes de ter a posse do conhecimento, salvo se o remetente disse e consta do conhecimento de transporte
que é dono e possuidor o destinatário e apenas remete como procurador ou servidor da posse.
t preciso que se não confunda a situação entre os figurantes de algum negócio jurídico subjacente, na espécie o reme-
tente e o destinatário, com a entre os figurantes do conhecimento de transporte. A posse das mercadorias, após a
subscrição e emissão do conhecimento de transporte, depende da posse do conhecimento de transporte. Se a própria
emprêsa de transportes foi incumbida de remeter ao destinatário o conhecimento de transporte, perdeu a posse das
mercadorias o remetente, porque perdeu a posse do conhecimento de transporte: à emprésa de transporte passou a
posse imediata, para ser entregue ao destinatário. Se o remetente indicou o destinatário, mas reteve o conhecimento
de transporte, não há pensar-se em transmissão da posse das mercadorias enquanto o remetente não transfere ao
destinatário a posse do conhecimento de transporte, que é titulo representativo. Enquanto tem consigo o
conhecimento de transporte, pode o remetente mudar o nome ao destinatário, desde que o faça, com tempo, perante a
emprêsa de transportes.
O Decreto n. 19.478, art. 30, § 19, diz que o primeiro endossante “deve ser o remetente, ou o consignatário”. Qual-
quer dos dois somente pode endossar se tem a posse do conhecimento de transporte: se não mais a tem, ou se ainda
não a tem, não pode endossar. O próprio endossatário, para que possa reendossar, precisa ser pos~uídor do
conhecimento de transporte.
Os atos que o remetente pratica, enquanto tem consigo o conhecimento de transporte (endosso, endosso-penhor,
endosso-procuração), são eficazes, ainda se, pelo negócio jurídico subjacente entre ele e o destinatário, já a
propriedade e a posse da mercadoria pertencessem a esse. Tudo isso só se pode apurar entre eles, e não durante a
circulação dê conhecimento de transporte, na cadeia dos endossos a possuidores de boa fé.
Se o remetente transferiu ao destinatário a posse do conhecimento de transporte, a esse — ainda que não tenha
havido endosso — cabe o poder de endossá-lo, porque foi mencionado como destinatário e recebeu a posse do
conhecimento. Se o remetente se apontou como destinatário, apenas simplificou a espécie, e evitou que outrem
pudesse endossar. Se a ninguém indicou como destinatário, entende-se que nem ele nem o destinatário foi legitimado
ao recebimento das mercadorias: legitimado é o portador, ainda que não seja o dono do conhecimento de transporte.
A tradição do conhecimento de transporte é que mais importa. Por isso, o art. 89 do Decreto n. 19.473 diz que a
tradição do conhecimento de transporte “ao consignatário exime a respectiva mercadoria de arresto, sequestro,
penhora, arrecadação, ou qualquer outro embaraço judicial, por fato, dívida, falência ou causa estranha ao próprio
dono atual do título”, salvo caso de má fé provada. Enquanto não há a tradição do título, a medida constritiva pode
recair sobre a mercadoria, por fato, dívida, falência ou causa que se ligue ao remetente. O que se refere à propriedade
das mercadorias, fora do conhecimento de transporte, é assunto que só se pode deslindar no que concerne a negócio
jurídico, ou a negócios jurídicos, de que o conhecimento de transporte abstraiu.
Assim, o julgado da Côrte de Apelação de São Paulo, a 28 de novembro de 1934, foi injusto: o remetente podia
endossar o conhecimento de transporte, podia mesmo mudar o nome ao destinatário.
Pode-se prever no conhecimento de transporte a retirada da mercadoria em pontos de parada ou escala, a datas certas
ou entre dias prefixados. Se não se determinaram datas, ou dias de possível retirada, entende-se que a retirada se pode
fazer enquanto a mercadoria está no ponto de parada ou escala, nas horas normais e sem prejuízo para a viagem do
veículo.
Tem-se de dizer qual o lugar da partida e qual o do destino. Se não se declarou qual o lugar de que hão de partir as
mercadorias, tem-se como tal o da emissão (que pode ser diferente do lugar da subscrição).
Quanto às mercadorias, hão de ser-lhes indicadas a espécie e a quantidade ou o pêso (ou uma e outro), as marcas ou
sinais exteriores que tenham ou sejam os da embalagem.
Também a importância do frete há de constar. Se não foi indicada a forma do pagamento do frete e não se tem recibo
ou menção de ter sido pago, entende-se que se há de pagar de contado e integralmente, no ato de entrega das
mercadorias, no lugar do destino, se outro não se designou.
Sem que o destinatário, inclusive simples portAdor do conhecimento de depósito, se esse foi concebido ao portador,
ou se foi endossado em branco, não paga o frete, não pode exigir a entrega das mercadorias. A entrega das
mercadorias tem de ser com a apresentação e recepção do conhecimento de transporte, satisfeito o que incumbe ao
apresentante. Não se trata de direito de retenção, mas de conteúdo do negócio jurídico que se enformou no
conhecimento de transporte.

3. ORIGINAL E OUTRAS vIAS. — Estatui o art. 1.0, parágrafo único, do Decreto n. 19.473: “Considera-se original
o conhecimento do qual não constar a declaração de segunda ou outra via. Tais vias não podem circular, sendo
emitidas somente para efeitos em face da emprêsa emissora”. O art. 1.0, parágrafo único, do Decreto n. 19.473
resolveu uma das questóes de técnica legislativa, que atormentavam e atormentam os juristas, ao terem de interpretar
regras jurídicas de outros sistemas jurídicos. Tal problema era o da circulabilidade das vias. A respeito veja-se o que
dissemos ao referirmo-nos ao art. 587 do Código Comercial, a cuja interpretação tanto serve o art. 589. Já a Lei n.
1.102, de 21 de novembro de 1903, concernente a conhecimentos de depósito e warrants, nos arts. 15 e 18,
estabelecera o principio da unicidade de dupla via. O Decreto n. 19.473, art. 1.0, parágrafo único, conservou a
multiplicidade de vias, mas limitou ao original a circulabilidade. Diz-se em dupla via o titulo repre
sentativo em que há duas- cédulas, sem que haja duas vias, pela especialidade de cada título (dois títulos diferentes e
uma via só). Diz-se titulo em duas ou mais vias o que se reproduz em -dois ou mais instrumentos: não há dupla via,
mas duas ou mais vias. Diz-se titulo único numa via só o título que se faz numa via e incorpora o direito em sua
integridade. No Código Comer. daí, arts. 575 e 587, há pluralidade de vias e tinha-se de discutir se cada uma delas ou
só o original se poderia transferir, sendo, ainda, de notar-se que a transferência da posse se faz para todo o direito de
domínio ou não (e. g., endosso-penhor>. Na Lei
n. 1.102, arts. 15 e 18, há dois títulos, que podem circular separadamente, porém em via única para cada um. No
Decreto n. 19.473, há um só título, em duas ou mais vias, mas somente uma pode circular. O endosso pode ser para a
transferência do domínio, ou para constituição de penhor ou para outorga de poderes.

§ 2.664. Circulabilidade dos conhecimentos de transporte

1. ENDOSSO E CLÁUSULA AO PORTADOR. — A circulação do conhecimento de transporte pode ser ao


portador ou por endosso. A cláusula ao portador tem de ser inserta no contexto do título.
Se nominativo o título, entende-se, na falta da cláusula à ordem, que está implícita, de modo que circula por endósso.
O endosso em branco permite a posterior circulação ao portador, até que alguém endosse em prêto.

Há diferença entre o art. 39 do Decreto n. 19.473, que faz transferivel por endosso, em prêto ou em branco, o
conhecimento de transporte e permite a cláusula ao portador, e o art. 5~7, 2A alínea, do Código Comercial, no que
está escrito:

“Sendo passado à ordem, é transferivel e negociável por via de endosso”, sem se aludir à possibilidade da cláusula ao
portador.
Lê-se no art. 39 do Decreto n. 19.478: “O conhecimento nominativo é transferivel, sucessivamente, por endosso em
prêto, ou em branco, seguido da respectiva tradição. ~ em prêto
o endosso em que consta a indicação do nome, por extenso, do endossatário; em branco, aquele que o não contém”.
Diz o § 19:

“O primeiro endossador deve ser o remetente, ou o consignatário”. E o § 2?: “O endosso em branco faz o titulo
circurar ao portador até nôvo endosso. O portador pode preenchê-lo”.. E o § 3.0: “O último endossatário e detentor
do conhecimento, presume-se proprietário da mercadoria nele declarada (art. 2.0, n. VII). A mera tradição manual
transfere o conhecimento ao portador, ou endossado em branco, para o mesmo efeito”.
O art. 587, alínea 23, do Código Comercial, está derrogado. O conhecimento de transporte por água, como o
conhecimento de transporte por terra ou por ar, pode ser à ordem ou ao portador. Não mais precisa conter a cláusula à
ordem para que se possa transmitir por endosso. Subentende-se a cláusula se foi concebido nominativamente. Todos
os conhecimentos de transporte ou são ao portador, ou são endossáveis, ou são nominativos com cláusula não à
ordem.
O primeiro endossante é o remetente, que se tem como tomador do título, ou o destinatário. Aquele, dos dois, que
tem a posse do título pode endossá-lo. Ao tomador cabe endossar, se o quer; ou enviar o título ao destinatário, para
que retire as mercadorias ao chegarem, ou endosse o título, antes disso. Nada obsta a que se endosse após a chegada.
O endosso-penhor apenas transfere posse e cria o direito ~real de garantia.
A cláusula não à ordem, que parecia pré-excluída pelo Decreto n. 19.473, foi permitida pelo Decreto n. 20.454, de 29
de setembro de 1981. A cláusula há de constar do contexto. Lê-se no art. 1.0 do Decreto n. 20.454, de 29 de setembro
de 1931:
“O conhecimento de frete nominativo pode ser emitido não à ordem, mediante cláusula expressa inserida no
contexto”.
Se o conhecimento de transporte foi concebido ao portador, dá-se a entrega do título ao tomador, que lhe pode
transferir a propriedade, ou sobre ele constituir penhor quando queira, ou a remessa ao destinatário, que passa a ser o
portador, com igual possibilidade de transferência do domínio ou de constituição de penhor. Os mesmos princípios
incidem se o título foi endossado em branco, quer pelo tomador, quer pelo destinatário, quer por algum endossatário.

2. ENDOSSO-PROCURAÇÃO. — Em vez de endossar para transferência do domínio, pode o titular do domínio


sobre o conhecimento de transporte, endossá-lo para outorga de poderes de procuração, ou para constituir penhor. O
endossatário,na primeira espécie, torna-se, com a posse, procurador; e, na segunda, titular do direito de penhor.
Diz o art. 49 do Decreto n. 19.473: “A cláusula de mandato, inserta no teor do endosso em prêto, faz o endossatário
procurador do endossador, com todos os poderes gerais e especiais relativos ao titulo; salvo restrição expressa,
constante do mesmo teor. O substabelecimento do mandato pode dar-se mediante nôvo endosso, de igual espécie”.
A outorga de procuração opera-se conforme o conteúdo que a essa foi estabelecido. Os poderes conferidos podem ser
gerais ou especiais, mas hão de só se referir ao título. Se algo mais se acrescentou, não relativo ao conhecimento de
transporte, tem-se por não-escrito. Se não se mencionaram os poderes que se outorgaram, entende-se que foram
outorgados todos os poderes. De modo que tôda restrição há de ser expressa.
No art. 49 do Decreto n. 19.473 fala-se do endosso em prêto, porque não seria aconselhável endosso em branco,
tratando-se de conferimento de poderes de procuração. Isso não quer dizer que, tendo sido feito endosso em branco,
não possa ser cheio pelo portador. O que se há de entender é que incide o art. 39, § 2.0, e o exercício dos poderes de
procuração dependem do enchimento do endosso em branco.
Entre os poderes que se têm como conferidos está o subestabelecimento, porém também esse pode ser excluido por
expressa declaração.

3.ENDOSSO-PENHOR. — Com o endosso-penhor que pode ser em prêto ou em branco, o outorgado, recebendo a
posse, torna-se titular do direito de penhor. Aqui, surge a questão de se saber se a posse imprópria mediata basta para
que se constitua o penhor, ou se é de mister que se transfira a posse imediata. Se estivéssemos diante de título causal,
haveríamos de indagar da dívida que se garantiu com o endosso-penhor. Mas o titulo é abstrato, ele mesmo mercantil,
porque comercial a atividade da emprêsa de transportes, que o subscreveu e emitiu. Por outro lado, seria contra os
princípios de boa interpretação das leis que negássemos ao direito de penhor incorporado no conheci.mento de
transporte o que se permitiu ao direito de penhor rural e industrial. A posse transmitida como elemento do suporte
láctico da constituição do penhor por endosso pode ser a posse imprópria mediata.
A diferença entre o endosso no warrant e o endosso-penhor no conhecimento de transporte está em que o warrant já
étítulo incorporante de direito de penhor sobre as mercadorias, de modo que o endosso é endosso comum, endosso
transíativo do -domínio sobre o título, com o direito de penhor que nele se incorpora, ao passo que o conhecimento
de transporte incorpora domínio e quaisquer elementos dele, suscetíveis de se tornar elemento de direito real,
principalmente de garantia, e o endosso pode transferir o domínio sobre o título, com o direito de domínio
incorporado nele, ou só a posse imprópria do título e constituir o direito de penhor com o endosso-penhor. Daí ser o
endosso do warrant transíativo do domínio do titulo, em que se incorporara o direito de penhor; e o endosso-penhor
do conhecimento de transporte, constitutivo.
A retirada da mercadoria transportada faz-se com a entrega do conhecimento de transporte. Pode ser apresentante
quem seja o portador do título. O endossatário pignoratício, mediante a tradição do título, recebe a mercadoria; e
perdem a posse imprópria do título ele, e o domínio e a posse própria, o endossante pignoratício. -
Após a perda do domínio e posse própria sobre o titulo, pelo endossante pleno, ‘e da posse imprópria, pelo endos-
satário pignoratício, continuam de ser dono e possuIdor próprio das mercadorias o que fôra endossante pignoratício
do conhecimento de transporte, e titular do direito de penhor sobre as mercadorias, com a posse imprópria delas, o
que fôra endossatário pignoratício.
As mercadorias estavam com a emprêsa de transportes.
Retirou-as o endossatário pignoraticio. As mercadorias passam à posse imediata do quem fôra endossatário
pignoratício e agora titular de direito de penhor sobre elas. Quem fôra endossante do conhecimento de transporte
deixou de ser dono do título representativo, porém continua dono das mercadorias, com aposse mediata, que era sua.
Em verdade, o que se esvai é o título, a chapa que representava as mercadorias.
Ou as mercadorias retiradas ficam sob a posse imediata ‘de quem fôra endossatário pignoratício e as retirara, ou tem
éle de providenciar para que sejam depositadas, mediatizando a sua posse imprópria e fazendo possuidor impróprio
imediato terceira pessoa. Essa terceira pessoa recebe as mercadorias
-como depositário. Se o negócio jurídico de depósito não se perfaz, continua como possuidor impróprio imediato
quem fôra endossatário pignoratício e as retirara, e o terceiro, se há, é apenas servidor da posse.
O depósito pode ser a) o comum, e é o que mais acontece se não há armazéns gerais no lugar ou se não podem
receber as mercadorias, ou b) o que se faz em armazéns gerais.
Estabelece o art. 49, parágrafo único, do Decreto n. 19.478:
“Lançada a cláusula de penhor ou garantia, o endossatário 4 credor pignoratício do endossador. Ele pode retirar a
mercadoria, depositando-a, com a mesma cláusula, em armazém geral, ou, se não, onde convier, de acordo com o
endossador. Pode também exigir, a todo o tempo, que o armazém geral emita o respectivo conhecimento de depósito
e o warrant, ficando aquele à livre disposição do dono da mercadoria, e êste à do credor pignoratício para lhe ser
entregue depois de devidamente endossado. A recusa do devedor pignoratício de endossar o warrant sujeita-o à multa
de dez por cento sobre o valor da mercadoria a benefício do credor. Sobre a mercadoria depositada com cláusula de
penhor ou garantia, somente se expedirão esses títulos mediante assentimento do credor, que se não poderá opor em
se lhe oferecendo o respectivo warrant”.
Para o depósito em armazéns gerais não precisa quem fôra endossatário pignoratício e retirara as mercadorias de
qualquer assentimento do dono delas, antes endossante pignorati cio, ou sucessor desse, por transferência do domínio
e da posse própria. Não assim para o depósito em lugar que não seja de armazéns gerais. É preciso, então, que seja
conveniente tal lugar (Decreto n. 19.473, art. 49, 2Y parte: “onde convier, de acordo com o endossador”). O depósito
cautelar é sempre possível, ainda que o dono e possuidor próprio não assinta, se se perfazem os pressupostos dos arts.
675 e 676 do Código de Processo Civil, tendo de ser citado o dono e possuidor próprio.
Feito o depósito no armazém geral, pode o depositante (que, como endossatário pignoratício, retirara as mercadorias~
exigir que se emitam o conhecimento de depósito e o warrant.

Aquele tem de ser entregue ao dono e possuidor próprio das mercadorias; esse fica sob a posse do depositário. Desde
esse momento o possuidor impróprio mediato, pignoraticio, das mercadorias está na situação de quem tem pretensão
a que o dono das mercadorias lhe endosse o warrant. Não tem ainda a posse do título, embora a tenha das
mercadorias. Avisado o dono, tem de endossar o warrant, ou sujeitar-se à multa de dez por cento sobre o valor das
mercadorias. O “aviso” é, portanto, ato cominatório, comunicação de vontade <Tomo II, §§ 283, 4, 235, 8, e 286).
O dono e possuidor próprio das mercadorias não pode opor-se, eficazmente, à subscrição e emissão do conhecimento
de depósito e do warrant, que fica em poder da emprêsa de armazéns gerais para que o dono e possuidor próprio das
mercadorias o endosse. Nem se pode opor, eficazmente, o titular do direito de penhor. Assim se há de entender o art.
49, 3Y alínea, do Decreto n. 19.473 (“Sobre a mercadoria depositada com cláusula de penhor ou garantia somente se
expedirão esses títulos mediante assentimento do credor, que se não poderá opor em se lhe oferecendo o respectivo
warrant”). Incorporado no warrant o direito de penhor, com o endosso do dono e possuidor próprio das mercadorias,
a propriedade do título passa ao titular do direito de penhor, embora não o procure ou recuse recebê-lo. Não se pode
dizer que a posse imprópria mediata lhe foi transferida, ficando como depositária do titulo a emprêsa de armazéns
gerais. A posse imprópria mediata das mercadorias ele já a tinha e está, com o direito de penhor, incorporada no
título. O que agora lhe toca é a posse do título, que se lhe oferece.

4. OUTROS ENDOSSOS. — Além do endosso transiativo da propriedade, do endósso-procuração e do endósso-


penhor, a que a lei se refere, há o endOsso-usufruto, que se há de admitir no sistema jurídico brasileiro, devido ao art.
714 do Código Civil. O endosso comum pode ser empregado em negócios jurídicos fiduciários, mas a fidúcia
somente pode ser oposta, de regra, entre fiduciante e fiduciado.

5. RESTRIÇÕES E MODIFICAÇÕES AO ENDOSSO. — Estatui o art. 59 do Decreto n. 19.473: “O endosso deve


ser puro e simpIes; reputam-se não escritas quaisquer cláusulas condicionais ou modificativas, não autorizadas em
lei. O endosso parcial é nulo. O endOsso cancelado considera-se anulado. Entretanto é hábil para justificar a série das
transmissões do título”. As regras jurídicas que compõem o art. 5~O do Decreto n. 19.473
-ou dizem respeito às determinações mexas, que se proibem nos endossos, ou às restrições quantitativas e
qualitativas, concernentes ao objeto do direito incorporado, ou ao cancelamento do endOsso.
O endOsso não pode ser condicional ou a termo . Se alguma cláusula nele se inseriu que o submete, de qualquer
modo, a condição (isto é, quanto à existência ou à eficácia), suspensíva ou resolutiva, ou a têrmo, suspensivo ou
resolutivo, têm-se por não-escrita: não é. Tão-pouco, é possível endossar-se quanto à parte das mercadorias
transportadas, se o conhecimento de transporte é um so.
O endOsso parcial, diz a lei, “é nulo”. Há diferença de trato entre o endOsso com determinação mexa (condição ou
têrmo) e o endOsso parcial: ali, não se tem por existente a determinação mexa; aqui, o endOsso mesmo foi
declaração de vontade contra a lei e, pois, é nulo.

6. CANCELAMENTO DO ENDOSSO. — O art. 5~O, 3,~ alinea, do Decreto n. 19.473 diz que “o endosso
cancelado considera-se anulado”. A terminologia do legislador é incorreta: o que se quis exprimir foi que o endOsso
cancelado é endosso revogado; retirou-se a voz, que se havia inserido no título.
Permitindo-se o cancelamento permitiu-se que se retirasse do mundo jurídico o que no mundo jurídico entrara: voz
inscreveu-se na cártula endossável, retoma-se a voz (re-vocatio). O cancelamento é o ato material, exterior, com que
se exprime a retirada da voz.

§ 2.665. Direitos do endossatário

1. DOMÍNIO E POSSE DO TITULO E TITULARIDADE DO DIREITO INCORPORADO. — Os direitos do


endossatário, se o endOsso é o comum (endOsso transíativo da propriedade do conhecimento de transporte), são o de
dono do título e o de dono das mercadorias. À diferença do que se passa com o endossatário do na rrant,
o endossatário pignoratício do conhecimento de transporte adquire posse do título e direito de penhor das
mercadorias: oendossatário do warrant adquire domínio e posse do titulo em direito de penhor das mercadorias.
Lê-se no art. 69 do Decreto n. 19.473: “O endossatário nominativo e o portador do conhecimento ficam investidos
nos direitos e obrigações do consignatário em face da emprêsa emissora. O endossador re~ponde pela legitimidade
do conhecimento e existência da mercadoria, para com os-endossatários posteriores, ou portadores”.
O endossatário do conhecimento de transporte adquire direitos e é obrigado a prestar o que o destinatário, segundo’ o
titulo, teria de prestar. O endossante responde pela legitimidade do conhecimento e pela existência da mercadoria,
perante os endossatários posteriores e, se sobreveio endosso em branco, perante os podadores cujo nome não consta
do título.
Não podem ser opostas ao endossatário de boa fé as exceções oriundas do negócio jurídico subjacente, como a de
falta desse, a de nulidade, a de ilicitude, a exceção non adimpleti contractus, a exceção non numeratae pecuniae, a
exceção causa data causa non secuta, nem as que decorram de pactos não insertos no título, como o pacto de non
peterido, ou o acordo de renovação.

2. MERCADORIAS EM TRANSITO. — Está no art. 79 do Decreto n. 19.473: “O remetente, consignatário,


endossatário ou portador, pode, exibindo o conhecimento, exigir o desembarque e a entrega da mercadoria em
trânsito, pagando o frete por inteiro e as despesas extraordinárias a que der causa. Extingue-se, então, o contrato de
transporte e recolhe-se o respectivo-conhecimento. O endossatário em penhor ou garantia não goza dessa faculdade”.
A emprêsa de transportes assumiu a obrigação de entrega em certo lugar. Todavia, a lei permite que o dono do
conhecimento de transporte e, pois, das mercadorias, prefira o desembarque das mercadorias em trânsito. Interrompe-
se o transporte. Para que o portador-dono do conhecimento de transporte o possa exigir é preciso: a) que seja possível
o desembarque, respeitada a escala do veículo, ou que a alteração não traga qualquer pirejuízo à emprêsa de
transportes, ou àquela a que emprêsa de transportes confiou a transportação; b) que a pessoa exiba o conhecimento
de transporte e o possa entregar ao serem retiradas as mercadorias em trânsito ou o deixe,. com as devidas garantias,
em poder da emprêsa de transportes; e) que preste o frete inteiro, ou a parte que se teria de pagar ao fim da viagem,
se não foi integralmente pago à remessa das mercadorias; d) que preste ou dê caução de prestar as despesas
extraordinárias a que der causa.
O endossatário em penhor ou garantia não tem a pretensão à retirada das mercadorias em trânsito. Se o
conhecimento’ de transporte foi endossado em penhor ou em garantia, ou o dono do título e, pois, das mercadorias,
não tem a posse imediata do título e, pois, não pode satisfazer o que acima se exige como pressuposto b), ou o dono
do título e, pois, das mercadorias, tem a posse imediata e pode exibir e entregar o conhecimento de transporte,
entendendo-se que o titular do direito incorporado de penhor continua titular do direito de penhor sobre as
mercadorias, pôsto que o conhecimento de transporte haja sido recolhido pela emprêsa de transportes, que o pode
inutilizar.

§ 2.666. Fatos da vida jurídica do título

1. MEDIDAS CONSTRITIVAS. — As medidas constritivas, sejam cautelares (arresto, sequestro, ou outras) sejam
executivas (penhora, arrecadação), não podem recair nas mercadorias transportadas, desde a entrega ao transportador
até à retirada no lugar do destino, ou em trânsito (= até à entrega do conhecimento de transporte pelo portador
legitimado à emprêsa de transportes). Porque o domínio sobre elas está incorporado no titulo. O conhecimento de
transporte, esse, é suscetível de arresto ou de penhora, ou de qualquer outra medida constritiva, e a constrição recai,
também, nas mercadorias, pois o domínio sobre elas se incorporou ao título.
Se o conhecimento de transporte foi endossado em procuração, ou em penhor ou garantia, pode ser constrito por
divida do endossante ou do titular do direito de penhor. Ali, a constrição é sobre o domínio; aqui, sobre o direito de
penhor, que se incorporou ao título com o endosso-penhor e a transferência da posse imprópria.

Diz o art. 8.0 do Decreto n. 19.473: “A tradição do conhecimento ao consignatário, ao endossatário ou ao portador,
exime a respectiva mercadoria de arresto, seqUestro, penhora, arrecadação, ou qualquer outro embaraço judicial, por
fato, dívida, falência, ou causa estranha ao próprio dono atual do titulo; salvo caso de má fé provada. O
conhecimento, porém, está sujeito a essas medidas judiciais, por causa que respeite ao respectivo dono atual. Neste
caso, a apreensão do conhecimento equivale à da mercadoria
Não é a posse imediata do conhecimento de transporte que mostra, sempre, quem é o dono, ou titular de direito de
penhor, pessoa cujo nome consta como endossatário; se em branco, entende-se dono quem o possui imediatamente,
mas o possuidor pode alegar e provar que somente é possuidor impróprio (e. g., titular de direito de penhor). Pode
dar-se que não seja possuidor, mas apenas servidor da posse. Se à ordem se criou o titulo, e endosso é que indica a
quem pertence: se em prêto, aquela pessoa cujo nome consta como endossatário; se em branco, .o portador, conforme
acima se disse. Se nominativo com a cláusula mio à ordem (Decreto n. 20.454, de 29 de setembro de 1931, art. 1.0),
dono é quem consta do título.

2. PERDA, EXTRAVIO E DETERIORAÇÃO OU DESTRUIÇÃO. —Lê-se no ad. 99 do Decreto n. 19.473: “Em


caso de perda, ou extravio, do conhecimento, qualquer interessado pode avisar a emprêsa de transporte no lugar do
destino, para que retenha a respectiva mercadoria”. O aviso de que se trata é comunicação
-de conhecimento (Tomos 1, §§ 8, 1, 26, 1, e 44, 4, e II, §§ 233-287). Qualquer interessado pode avisar, mas o aviso
pel3 remetente ou pelo destinatário, tem importância maior -para a atitude da emprêsa de transportes. Se endossável
o titulo, ou ao portador, tem-se como dono o endossatário ou quem no momento o possui, de modo que o aviso pela
pessoa que se diz endossatário ou portador é aviso por pessoa que se diz dono. O remetente e o destinatário têm
maiores razões para serem ‘cridos. Dai a diferença de tratamento, na técnica legislativa.
Principalmente porque, no sistema jurídico brasileiro, antes -do endésso, ao remetente e ao destinatário, se o
conhecimento de transporte foi concebido à ordem, com o nome do destinatário.
o que mais importa é a posse do conhecimento de transporte: o destinatário, sem o conhecimento de transporte,
ainda não tem a posse do conhecimento de transporte, nem, portanto, a dasmercadorias; o remetente, se fêz tradição
do conhecimento ao destinatário, perdeu a posse que tinha.
<a) Estabelece o art. 99, § 1.0, do Decreto n. 19.473: “Se o aviso provier do consignatário, ou do remetente, a emprê-
sa anunciará o fato três vêzes consecutivas, à custa do comunicante, pela imprensa do lugar do destino, se houver,
senão pelo da Capital do Estado, ou da localidade mais próxima que a tenha. Não havendo reclamação relativa à
propriedade, ou penhor, do conhecimento durante os dias do anúncio e mais os dois imediatos, a mercadoria será
entregue ao notificante de acordo com as disposições legais ou regulamentares. Se o aviso provier de outrem, que
não o consignatário, ou o remetente, valerá como reclamação contra a entrega da mercadoria, para ser judicialmente
processada na forma do § 2.0, a seguir”.
O comunicante presta o que é indispensável às despesas, eu, de acordo com a emprêsa de transportes, promete, ou
promete e dá caução de as prestar.
Estatui o ad. 9,0, ~ 2.0, do Decreto n. 19.473: “Havendo reclamação, a mercadoria não será entregue e o reclamante,
exibindo outra via ou certidão do conhecimento, fará, no fôro da comarca do lugar do destino, justificação do fato e
do seu direito, com intimação do órgão do Ministério Público, publicando-se em seguida editais como determina o §
19 dêste artigo, e afixando-se como de costume. Onde houver Hôlsa de Mercadorias e Câmara Sindical de
Corretores, far-se-á público pregão e aviso a quem interessar possa. Findo o prazo, aguardar-se-ão mais quarenta e
oito horas. Se não aparecer oposição, o juiz proferirá sentença, nas subseqUentes quarenta e oito horas e, uma vez
passado o prazo para o agravo (§ 5.0), poderá ordenar a expedição de mandado de entrega da mercadoria ~ao
reclamante”.
A reclamação ou oposição a que se refere o art. 99, § 29, pode ser feita com a exibição do original do conhecimento
de transporte, que legitima o exibente e tem o efeito de que fala
e
o art. 99, § 6.0. Se o foi com outra via ou certidão do conhecimento, dá-se a incidência do art. 99, § 2.0. Resta a
espécie em que o reclamante não tem o original, nem via, nem certidão. Então, desapossado também foi e tem de
propor a sua ação ~ segundo adiante se expõe, como espécie (c).
Lê-se no art. 99, § 8.0, do Decreto n. 19.473: “Havendo oposição, o juiz marcará o prazo de cinco dias para prova,
arrazoando as partes, afinal, no prazo de dois dias cada uma. Conclusos os autos, o juiz proferirá sentença em cinco
dias”.
Está no art. 99, § 49, do Decreto n. 19.473: “Todos os. prazos judiciais correrão em cartório, independentemente de.
assinação em audiência
Diz o art. 99, § 59, do Decreto n. 19.473: “Da sentença, tenha, ou não, havido oposição, caberá agravo de petição”.
Estabelece o art. 99, § 6.0, do Decreto n. 19.473: “A exibição do conhecimento original suspenderá as diligências
judiciais e extrajdiciais prescritas pelo presente artigo, continuando o titulo a produzir plenamente os efeitos que lhe
são próprios”.
A exibição do conhecimento original, qu se disse ter sido perdido ou extraviado, tem como conseqUência a
suspensão do procedimento. Ou o exibente mostra o seu direito à posse do título, ou outro processo se instaura contra
o esbulhador, ou o falsificador do endosso. As medidas constritivas terão de ser noutro processo. O procedimento
cessará definitivamente com a sentença.
Se o conhecimento de transporte foi emitido nominativa— mente, não à ordem, “em caso de perda, destruição, furto,
ou roubO , “a entrega da respectiva mercadoria se fará ao destinatário por segunda via, ou certificado do despacho,
de acordo com os regulamentos em vigor”. Se a emprêsa de transportes. tem aviso de cessão ou penhor do
conhecimento, tem de depositar a mercadoria por conta e risco da pessoa a quem pertencer (Decreto n. 20.454, de 29
de setembro de 1931, art. 29, 1a e 2•a alíneas).

3. RETIRADA DAS MERCADORIAS. — Estatui o art. 99, § 7.Or do Decreto n. 19.473: “As mercadorias de valor
até mil cruzeiros poderio ser retiradas, independentemente do conhecimento,.mediante as cautelas instituidas nas Jeis
ou regulamentos em vigor. A estimativa desse valor, não tendo sido feita na ocasião do despacho, competirá ao
prudente arbítrio da emprêsa de transportes no momento da entrega da mercadoria. As mercadonas de valor superior
a mil cruzeiros, que forem nominal. mente consignadas a qualquer repartição federal, estadual ou municipal, poderão
ser entregues, no destino, independente do resgate do respectivo conhecimento original se a repartição consignatária
oficialmente o pedir à emprêsa transportadora, por escrito, e der a esta recibo idôneo passado em forma regular”
(Decreto-lei n. 4.938, de 9 de novembro de 1942, art. 1.~).
Lê-se no art. 99, § 89, do Decreto n. l~9.473: “A emprêsa poderá requerer o depósito por conta de quem pertencer a
mercadoria não retirada em tempo, nos casos permitidos em lei ou regulamento, bem como no do § 29 dêste artigo.
Continuam em vigor as disposições relativas aos gêneros perigosos, nocivos ou de fácil deterioração. Os gêneros
alimentícios, destinados a consumo imediato, poderão ser entregues ao destinatário, em falta de conhecimento,
mediante as formalidades usuais”, O art. 99, § 89, refere-se às mercadorias se houve perda ou extravio do
conhecimento de transporte (verbis “bem como no do § 2.0 dêste artigo”) e aos casos em que apenas o portador do
conhecimento de transporte não se apresentou. Temos, pois, de considerar aqui a primeira espécie. A segunda merece
trato à parte.
(b) Está no art. 29 do Decreto n. 20.454: “Em caso de perda, destruição, furto, ou roubo, de conhecimento de frete
não à ordem, a entrega da respectiva mercadoria se fará ao destinatário por segunda via, ou certificado do despacho
de acordo com os regulamentos em vigor. Se, entretanto, a emprêsa de transporte tiver aviso de cessão, ou penhor, do
conhecimento, depositará a mercadoria por coúta e risco de quem pertencer”.
Estabelece o artigo único do Decreto n. 21.736, de 17 de agôsto de 1932: “Nos casos de perda ou extravio de
conhecimento que tenha consignação nominal, desde que nenhuma reclamação tenha sido apresentada à emprêsa de
transportes,no lugar de destino, para retenção de mercadoria, o destinatário só poderá retirá-la mediante assinatura de
têrmo de responsabilidade”.
Estatui o artigo único, § 12, do Decreto n. 21.786: “Quando a emprêsa julgar conveniente à sua salvaguarda, poderá,
se assim o entender, exigir fiador idôneo”.
Está no artigo único, § 22, do Decreto n. 21.736: “esse têrmo ficará sujeito ao sêlo do n. 23, § 1.~, tabela A, do
Decreto n. 17.358, de 10 de novembro de 1926”.
Cc) As leis especiais nada disseram sobre a ação do possuidor do título à ordem, ou ao portador, em caso de perda ou
extravio, para a substituição do título. Nem sobre a ação dos outros interessados a que, aliás, alude o art. 9~O do
Decreto xi. 19.473, de 10 de dezembro de 1930.
DevIdo à curta vida do conhecimento de transporte, mais importa a retirada das mercadorias do que a substituição
do título representativo. Amortiza-se sem se substituir; implicitamente se amortiza, porque se atende à legitimação do
autor.
Todavia, pode dar-se que se tenha de amortizar e substituir o titulo extraviado, ou de se substituir o título destruido.
A necessidade de substituição dos conhecimentos de transporte é rara, O que mais importa é a retirada, dissemos;
porém é de prever-se a hipótese da emprêsa de transportes que tenha assumido a guarda durante tempo que justifique
ter-se de substituir o título.
Se ao portador, regem os arts. 336-342 do Código de Processo Civil. Se à ordem, a solução é a de atender-se à quali-
dade cambiariforme do endosso e invocar-se o art. 36 da Lei n. 2.044, de 31 de dezembro de 1908.

§ 2.667. Ações dos portadores de conhecimentos de transporte

1. CONHECIMENTOS DE TRANSPORTE NOMINATIVOS NÃO Á RDEM, À ORDEM E AO PORTADOR. —


Ação de quaisquer portadores é a ação vindicativa, se alguém ofende o direito de domínio (rei vindicatio) ou o direito
de penhor, no caso de caução do titulo, endosso-penhor ou penhor do título ao portador (pignoris
vindicatio). O portador tem tôdas as ações e dono das mercadorias.
Contra a emprêsa de transporte, a ação do portador é a ação para haver as mercadorias transportadas (ou em trânsito,
Decreto n. 19.473, de 10 de dezembro de 1930, art. 7.0). Ação executiva real, que, se não é caso de reivindicação, só
se pode conceber como possessória.
Cumpre que se não confunda com a ação pessoal, que advenha do contrato de transporte, ação que toca ao figurante
do negócio jurídico subjacente de transporte contra a emprêsa de transportes.
A entrega pelo transportador é apenas reflexo da temporariedade do serviço de transporte. Salvo se a emprêsa de
transporte se faz possuidora própria, ou possuidora imprópria, com a negação do direito de domínio do portador, a
ação do portador do conhecimento de transporte é possessória. Tôda correspectividade seria estranha ao título
representativo. Tudo se passa, quanto à recusa, como se se tratasse de depositário ou de locatário que não quisesse
entregar o bem depositado ou locado.
O endossatário, que é portador, tem de apresentar o titulo para receber as mercadorias. Quem não tem posse
imediata não pode apresentar; mas o endossatário, possuidor mediato, pode apresentar o título, por ato do possuidor
imediato, e o endossatário, possuidor imediato, pode fazê-lo, por ato de servidor da posse.
A ação executiva do dono de conhecimento nominativo de transporte e do portador-endossatário é ação executiva
real.

2. ENDOSSATÁRIO PIGNORATICIO OU TITULAR DO DIREITO DE PENHOR DO TITULO AO


PORTADOR. — O endossatário pignoratício tem contra a emprêsa de transportes as mesmas ações que teria o dono
do conhecimento de transporte, salvo a ação para desembarque e entrega das mercadorias em trânsito, de que fala o
art. 72 do Decreto n. 19.473.
A ação executiva do endossatário pignoratício ou do titular do direito de penhor do título ao portador é ação
executiva real, tendo de ser citado o dono do conhecimento de transporte. Ação executiva extrativa de valor,
As ações possessórias endossatário pignoratorio e as do titular de penhor do titulo ao portador aio as que
correspondem às ofensas à posse. A ofensa pode ser à posse das mercadorias. Quem tem posse do conhecimento de
transporte tem posse das mercadorias.

Parte XV. Transmissão da propriedade e de direitos reais em garantia

CAPITULO 1

CONCEITO E NATUREZA DA TRANSMISSÃO EM GARANTIA

§ 2.668. Alienação e gravame


1.DILEMA CONCEPTUAL. — Quem aliena não grava, posto que aquele que grava em garantia comece a expor o
bem à alienação, se a garantia consiste em subordinar ao seu fim o valor do bem. Para a extração do valor tem-se de
alienar.
tem a legal ownership; outro, a equitable ownership. Em 1878, declarou-se inoponível a terceiros qualquer negócio
jurídico de tal estrutura irregistado; em 1882, considerou-se ineficaz entre os próprios figurantes.
(c) No sistema jurídico alemão, as dificuldades de poder ser inquinado de oculto e simulativo o negócio jurídico, o
que a jurisprudência repeliu, atendendo à prática do tráfico.
O dilema conceptual continuava o mesmo: ~ alienação, ou gravame? Uns, com a decisão de 1910 (Reichsgericht),
penderam para a assimilação aos direitos reais de garantia, e até se falou de penhor oculto. Passou-se o mesmo com a
cessão de direitos em segurança (Sichenengsabtretung>. Seja como fôr, a identificação seria impossível e
proposições como “o direito tedido não sai do patrimônio do cedente e não entra no patrimônio do cedido”, são
chocantes. Por outro lado, os conceitos de propriedade formal jurídica (formell-j uristisches Eigentum) e propriedade
material econômica (materiell-wirt.schaftíiches Eigentum) ressoam como confissão de fracasso na construção
jurídica, sem as escusas do empirismo inglês.

2. PROPRIEDADE E POSSE. — A transmissão da propriedade em garantia (transmissão em segurança) contém a


transmissão da propriedade mais o acordo de não poder o adquirente dispor da propriedade do bem e de ter restitui-lo
ao se solver ou se extinguir por outro modo a dívida. A acUo fiduejue, com infâmia para o demandado, protegia o
transmitente, em caso de violação da fidúcia pelo adquirente (cf. Tomo XX, §§ 2.413.
2, 2.567, 2).
A transmissão em garantia pode ser apenas da posse, o que se passa sempre que se transfere ao credor a posse do bem
sem que se hajam satisfeito os requisitos para a constituição do penhor, O credor não se torna titular do direito real de
penhor; apenas se garante com a posse, nascendo-lhe, com o acordo de garantia, exceção contra as ações possessórias
do dono do bem entregue.
A tese da validade da transmissão da propriedade em segurança tem por si ser abstrato o acordo de transmissão. No
sistena jurídico brasileiro, se aparece a cláusula em segurança, o que de mais pode acontecer é transformar-se a
propriedade em propriedade resolúvel.
Assim, o sistema jurídico a) repele que somente por isso, pelo fato de subjazer ou justijazer ou pós-jazer o acordo de
garantia, se crie invalidade da transmissão, que, ex h.pothesi, se operou, e apenas deixa margem a que se vá contra o
ato de transmissão se, segundo os princípios comuns, bá causa de invalidade ou de ineficácia.
A inserção da condição resolutiva ou resilitiva ou do têrmo resolutivo, essa, nem sempre se teria concebido, e supôe
— em qualquer circunstância — que esteja mexa à propriedade transmitida a determinação. Propriedade resolúvel é
propriedade em que há condição ou termo; e condição e têrmo são determinações mexas, e não anexas.

§ 2.669. Função e eficácia

1. FUNÇÃO DA TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE EM GARANTIA.

— Já falamos da função que teve a transmissão fiduciária da propriedade antes de se haverem criado os direitos reais
de garantia. Tal papel supletivo continuou de ter onde não se pode empenhar, sem que se transmita a posse imediata.
A proibição do constituto possessório no penhor <Código Civil, ad. 769, 1.a parte) leva à prática das transmissões da
propriedade em garantia. Porém transmissões em garantia aparecem ainda onde seria possível, sem a transmissão da
posse imediata, constituir-se penhor.
O inconveniente maior da transmissão da propriedade em segurança é dar-se mais, com ela, do que se precisaria dar:
transfere-se domínio, ou domínio e posse, onde bastaria gravar-se. Subjacente a isso está o acordo de segurança,
segundo o qual o adquirente tem de retrotransferir a propriedade ao alienante, extinta a dívida que com a transmissão
se garantiu.
Quanto à alienação pelo adquirente, é possível, sem que se hajam de invocar as regras jurídicas sobre o penhor (O.
WARNEYER, Kommentar, II, 461). No plano do direito das obrigações, responde ele pelas violações do pacto. No
plano do direito das coisas, é ele dono e, como dono, pode transferir o que tem. Proprietário ele o é, como qualquer
outro.tese ponto é o que mais importa para se fixar o conceito de transmissão em segurança. O que é matéria do
direito das comas no direito das coisas fica; o que já se passou no direito das obrigações, sem penetrar no direito das
coisas, fica no direito das obrigações. Compreende-se que antes da disciplina jurídica dos direitos reais de garantia se
haja lançado mão dOse expediente, que exerceu função de segurança; e também que dele se valessem os antigos e se
valham hoje os interessados quando as circunstâncias lhes apontam inconvenientes, in casu, das constituições de
direitos reais de garantia.
A obrigação de restituir, logo após ser solvida integralmente a divida, existe e é pessoal.
A relação jurídica entre o transferente e o adquirente é relação jurídica de fidúcia, pessoal. Por ele está sujeito,
pessoal-mente, a restrição ao poder de dispor e ao dever de retrotransferir.
Se, ao alienar o bem cuja propriedade se transferiu em garantia, o adquirente-transferente fêz pacto com o terceiro em
que se alude ao que entre ele e o fiduciante existe, o terceiro vincula-se ao transmitente e ao fiduciante.

2. GARANTIA SEM ACESSORIEDADE. — A transmissão da propriedade em segurança não é acessória do


crédito garantido. Por isso mesmo, pode-se transmitir o crédito, que se garantiu, sem se transmitir a propriedade.
Pode-se penhorar ou arrastar o crédito, sem se penhorar ou arrestar a propriedade transferida. Também se pode
transmitir, penhorar ou arrestar a propriedade sem se transmitir, penhorar ou arrestar o crédito. Todavia, o cessionário
do crédito, se não se há de entender que a cessão foi sem a garantia, tem pretensão àtransferência da propriedade,
pois que, ex kypothesi, se lhe prometeu a transferência.

3. “— No art. 765, o Código Civil proibe o pacto de ficar o credor com o bem dado em garantia (pignoratícia,
anticrética, ou hipotecária) se a dívida não fôr paga no vencimento. Surge a questão de se saber se o ad. 765 incide —
por analogia — em se tratando de transmissão da propriedade em segurança.

Pela permissibilidade, MARTIM WOLFF (Lehrbuch, III, 27•a32•a ed., 617), O. WARNEYER (Kommentar, II, 459),
K.Ãrn, KOBER (J. v. Staudingers Komment ar, III, 1037) e L. SCHÃFPER (Die Rechtsprechung tiber die
Sicherungstibereignung, Árchiv flir Bilrgeriiches Recht, 38, 15). Sem razão, G. PLANCK (Kommentar, ~~~, 4.~ ed.,
1205), L. RAAPE <Die Verfallklausel bei PI and und Sicherungrubereignung, 50 s.) e outros.
Raciocinemos. Quem é outorgado em pacto de transmissão em segurança não poderia ficar subordinado à ratio legis
do art. 765 do Código Civil porque já é adquirente. O que a lei proibe é que ao outorgado da segurança se dê o direito
formativo gerador ou o direito expectativo, ou a pretensão a adquirir o bem sobre que recai o direito real de garantia.
Mas o outorgado em pacto de transmissão em segurança já é o proprietário:
não se poderia negar tornar-se aquilo que ele já é. Pode-se vedar o vir a ser, não o ser. Ao titular do direito real de
garantia não se permite que se torne mais do que é. Aplicar-se o art. 765 ao outorgado em pacto de transmissão em
segurança seria negar-se a alguém poder continuar de set o que já é.

4. CONCURSO DE CREDORES. — No concurso de credores do alienante em segurança, o adquirente não pode a)


exigir que se detraia da massa o quanto para se pagar, mas b) há de ser pago integralmente para poder volver à massa
o bem cuja propriedade se transferiu em garantia. A solução a> exporia o adquirente a ter de retrotransmitir sem
pagamento integral, como se não houvesse condição suspensiva da pretensão à restituição. A solução b) atende a que,
se é certo que se não constituiu direito real de garantia, se constituiu mais, e não poderia o adquirente ser privado da
extração do valor do bem, que ainda é seu, para integralmente se pagar.
No concurso dos credores do adquirente em segurança, há o crédito desse e a pretensão do transmitente, conforme o
pacto.

5. TRANsMIssÃO DA PROPRIEDADE EM SEGURANÇA E VENDA COM DOMÍNIO REsERVADO. — A


transmissão da propriedade em segurança é inconfundível com a venda com reserva de domínio. Ali, o domínio passa
ao outorgante; aqui, não. Aqui, a propriedade ainda não foi adquirida; está suspensa a aquisição.
O que passou ao outorgado não é domínio, nem passou apenas o direito de obrigação; passou o direito ao uso e à
posse, passou direito ezpectativo. E’ isso o que se penhora (Código de Processo Civil, art. 343 e §§ 1.~, 2.0 e 3,0), A
coisa vai a leilão porque está na esfera jurídica do dono e na esfera jurídica do outorgado da venda com reserva de
domínio. A venda com reserva de domínio é venda, com entrega da coisa e direito expectativo à aquisição.
Não há operação em segurança. O expediente é mais do que o da venda a crédito, sem entrega da coisa e sem o
direito expectativo, porque, nessa, somente há a pretensão pessoal, o direito de obrigação: na venda com reserva de
domínio, há a entrega e o direito expectativo à aquisição da propriedade. Mas o expediente é menos do que a
transmissão da propriedade em segurança e do que o próprio empenhamento.
Analisando-se a denominação “venda com reserva de domínio”, percebe-se que se fala de venda como se se tratasse
de transferência: tôda venda ainda é sem a transmissão do domínio, salvo se o acordo de transmissão e a tradição
ocorreram simultâneamente. Então, haveria a) o contrato de compra-e-venda, b) o acordo de transmissão e e) a
tradição menos o efeito de transmissão. Tradição há e há acordo de transmissão, porém se retira (= se reserva) a
eficácia de transmissão que a tradição, após o acordo, determinaria. Com essa retirada ( =com essa reserva), o
outorgado tem a pretensão obrigacional (= pessoal> oriunda do contrato de compra-e--venda, tem a posse, com o
uso, e tem direito expectativo à aquisição.
Em alguns países, os juristas lançam mão de construção jurídica com a aquisição sob condição resolutiva. Mas o êrro
é manifesto. Resolução há do negócio jurídico de compra-e-venda, se advém inadimplemento por parte do
outorgado; não da propriedade, porque essa não se transferiu.
Porque a cláusula de reserva de domínio é concernente ao adimplemento do contrato de compra-e-venda, a
impossibilidade da transmissão formal condicional do imóvel afasta, radicalmente, tal cláusula, em se tratando de
contrato de compra-e-venda de imóveis, O que é possível é a cláusula do art. 1.163 do Código Civil (pacto
comissório), combinado com o art. 647 (resolutividade). Raramente, mas dentro dos princípios. pode dar-se que a
cláusula de reserva de domínio se interprete como cláusula do ad. 647.
Quanto aos bens móveis, não há impossibilidade da transmissão condicional. O acordo de transmissão pode ser sob
condição suspensiva, o que não importa dizer-se que o contrata de compra-e-venda tenha sido condicional.
Condicionou-se o acordo de transmissão, O contrato de compra-e-venda é a prazo quanto ao preço e quanto à entrega
da coisa. O comprador não teria posse própria, mas posse imprópria, como o mandatário, o locatário, ou o
administrador. Na venda com reserva de domínio, há entrega da posse própria, sem se perfazer a transmissão da
propriedade; algo falta, não para- que a posse imprópria se faça posse própria e engendre a transmissão do domínio,
mas sim para que o acordo de transmissão da propriedade se torne eficaz. Melhor: complete a sua eficácia.
Com o advento da condição, não mais se exige qualquer ato ou manifestação de vontade do vendedor. Antes desse
advento, a manifestação de vontade do vendedor seria renúncia (O. WARNEYER, Kommentar, 1, 778). Por isso,
mesmo que se, não transferiu a propriedade, o bem é do vendedor e sujeitar-se-ia à falência desse; mas entende-se
que o comprador, em tal espécie, já tem algo de execução do contrato de compra-e--venda e certa eficácia do acordo
de transmissão, O administrador da massa concursal do vendedor pode exigir a execução e pode exercer as outras
ações do vendedor; o administrador massa concursal do comprador pode adimplir e tudo se passa como se o
comprador houvesse adimplido (R. JAFFÉ, Der Eigentumsvorbehalt beim Kauf, 88).
Há a condição suspensiva mexa no acordo de transmissão. A propriedade só se transfere quando o preço fôr
totalmente pago. Portanto: o acordo de transmissão foi condicional, a despeito da entrega; de jeito que, pago o preço,
completamente, a transmissão se opera (o acordo de transmissão já se tornou eficaz para a transmissão e tradição já
houvera). Como a transmissão, antes disso, não se opera, o inadimplemento pode dar ensejo à resolução do contrato
de compra-e-venda (Código Civil, ad. 1.092, parágrafo único).
O pactum regervati dominji inclui-se no contrato de compra-e-venda ou em outro em que se prometa alienar a coisa,
mas em verdade supôe que se haja inserido o acordo de transmissão sujeito a condição ou a têrmo. Não é a
transmissão que se torna condicional ou a têrmo; é o acordo de transmissão. Nem o consentimento à transmissão,
nem a transmissão mesma estão em causa: o que está em causa é o acordo de transmissão. A transmissão mesma não
foi condicional. Transmissão formal condicional tem-se, explícita, no direito imobiliário, a propósito da propriedade
resolúvel (arts. 647 e 648).
É preciso ter-se muito cuidado em se não confundirem acordo de transmissão da propriedade e transmissão: nada
obsta a que se acorde em que se adquirirá a propriedade no dia em que se realize certa condição (e. g., se o govêrno
resolveu não mais desapropriar o prédio) ; satisfeita a condição e transcrito -o acordo, transfere-se a propriedade: não
houve aquisição da propriedade sob condição suspensiva, houve acordo de trans-missão com condição para se
transmitir. Quanto a móveis, a reserva de domínio concerne ao acordo de transmissão, e não ao contrato causal.
Transmissão resolúvel há no direito de propriedade imobiliária, porque está nos arte. 647 e 648. Aí, é a propriedade
que se transmite e a propriedade (efeito da transmissão!) torna-se resolúvel, porque no acordo assim se estabeleceu,
ou se estabeleceu no ato jurídico unilateral de disposição.
Quando o vendedor da coisa móvel se reserva a propriedade até se lhe pagar o preço, ou todo o preço, o que se há de
entender é que o acordo de transmissão é sob condição suspensiva, embora se haja entregue a coisa. De transmissão
da propriedade só se há de cogitar quando a condição se implir; por exemplo, quando se satisfizer o preço. O contrato
de compra--e-venda foi incondicional; o que foi condicional foi o acordo de transmissão da propriedade. Se o
devedor incorre em mora, há inadimplemento do contrato de compra-e-venda; donde a possível resolução (art. 1.092,
parágrafo único), por inadimplemento do contrato. Porque o contrato de compra-e-venda, contrato consensual, foi
incondicional, o art. 1.126 não é invocável.
Uma vez que a cláusula de reserva de domínio se refere ao acordo de transmissão, e não ao contrato de compra-e-
venda, os riscos da coisa passam, com a entrega, ao comprador (arg. ao art. 1.127). Porém não fica imune à exigência
da caução de
pagar no tempo ajustado, sobrevindo-lhe insolvência, pôsto que tenha havido entrega da coisa (cp. ad. 1.131).
Se o acordo de transmissão foi com condição suspensiva, só é registável, tratando-se de bem imóvel, quando se
implir a condição; tratando-se de bem móvel, há reserva de domínio. Se a condição foi o pagamento do preço, a
propriedade só se transmite quando seja pago.
§ 2.670. Transmissão da propriedade em segurança transmissão da posse imediata com
1. PROPRIEDADE E POSSE. — Se há a transmissão da propriedade em segurança e se atribui ao adquirente a posse
imediata, tem ele propriedade e posse. Pode, por exemplo, mediatizar-se como possuidor, alugando o bem, ou
depositando-o, ou por outro modo de entrega da posse imediata.
Para que yalha e seja eficaz a transmissão da propriedade mobiliária em segurança só é preciso que o acordo de
transmissão seja válido e eficaz, que a tradição se haja operado (posse própria imediata, ou posse própria mediata,
inclusive pelo constituto possessório, ou pela cessão da pretensão à entrega) e que nenhuma regra jurídica cogente se
oponha à transmissão.
A transmissão da propriedade mobiliária válida e eficaz persiste ainda que o pacto subjacente (de segurança) não no
seja. Tem ela a eficácia que teria qualquer transmissão de propriedade mobiliária sem pacto de segurança. O acordo
de transmissão da propriedade é abstrato e não o deixa de ser pelo fato de se lhe sobpor o pacto de segurança. O
adquirente é dono verdadeiro do bem cuja propriedade se transferiu, e não simples titular de direito real de garantia.
Daí ter ação de reivindicação ainda contra o transferente. No concurso de credores do transferente, tem direito à
separação do bem porque se trata de bem de terceiro.
O adquirente da propriedade móvel não pode — no sistema jurídico brasileiro — adquirir a propriedade sem adquirir
posse.A posse, que adquire, pode ser a posse imediata própria, ou a posse mediata própria, inclusive pela cessão da
pretensão à entrega. Adquirir a propriedade do bem imóvel sem adquirir a posse é inconcebível, porque isso só seria
possível a sucessor que o fôsse de quem não mais seja possuidor e o sucessor, em tal espécie, sucederia na relação
jurídica do domínio e na relação possessória, ainda que relação jurídica de reintegração de posse. .0 esbulhado pode
2. PODERES DO ADQUIRENTE COM POSSE IMEDIATA. — Se a transmissão da propriedade em segurança se
faz com entrega da posse imediata ao credor, tem ele mais poderes do que aqueles de que necessitaria como credor
cujo crédito foi garantido. Se aliena a propriedade para extrair o valor do bem e pagar-se, tem poderes para deduzir
do valor o que lhe é devido, mas fica obrigado pelo restante. Se, no alienar, ou em qualquer ato, viola o que foi
pactuado, cabe ao transferente pretensão e ação, pessoais, para haver a propriedade do bem.
Os terceiros que tratam com o adquirente da propriedade em segurança adquirem os direitos que adquiririam
quaisquer terceiros que tratassem com adquirentes da propriedade sem qualquer pacto de segurança. Se de qualquer
modo, no plano do direito das obrigações, se vincularam como adquirentes da propriedade em segurança, assumem
os deveres e obrigações que tinha e teria o alienante.

§ 2.671. Transmissão da propriedade em segurança sem transmissão da posse imediata

1. TRANSMISSÃO EM SEGURANÇA E CONSTITUTO POSSESSÓRIO. — Se para o que tem de garantir


dívida sua ou de outrem há conveniência (ou necessidade) em que lhe fique a posse imediata, os caminhos que tem
são o de empenhar sem transmissão da posse imediata, e o de transferir a propriedade sem a posse imediata.
Ocorrendo, na espécie de penhor, que a lei não permita o constitut5 possessório, só há a segunda solução. O credor
passa a ser dono e possuidor mediato (nunca dono sem posse, ab initio, porque, tratando-se de propriedade mobi
liária, a tradição é elemento necessário da transmissão do domínio, Código Civil, art. 620), e o constituinte somente
possuidor imediato. A posse do credor é própria.
A transmissão da propriedade, aí, é em segurança, mas incondicional (no plano do direito das coisas, porque só aí é
que se pode falar de transmissão da propriedade). O credor é que
— no plano do direito das obrigações — é obrigado a retransferir a propriedade do bem ao ver solvida a dívida, ou
extinta por outra causa (condição suspensiva). Assim, o comerciante fica com os móveis do escritório, ou do
armazém, ou da loja, e ao solver a dívida tem pretensão contra o credor, que o deixou de ser, para haver a
propriedade dos bens. Mas pretensão pessoal.
Muito diferente é o que ocorre na propriedade resolúvel (Código Civil, art. 647), em que a reversão é automática:
a pretensão e a ação de restituição são reais.
2. TRANSMISSÃO DE PROPRIEDADE EM SEGURANÇA E PERMISSÃO AO TRANSMITENTE-
PoSSUÍDOR PARA ALIENAR. — Se o alienante busca meios pecuniários para o seu negócio e precisa de vender e
comprar, mantendo o estoque, nada obsta a que o dono dos bens que ficaram sob a posse do alienante permita ao
alienante vender o que foi objeto da transmissão. Os bens pertencem ao credor, mas o alienante, possuidor imediato,
tem o poder de dispor em nome próprio. O que o alienante vai adquirindo, para conservar o estoque, cai,
automâticamente, no patrimônio do credor.

§ 2.672. Validade da transmissão da propriedade em segurança

1. PosiçÃo DOS PROBLEMAS. — Há dois problemas, pelo menos, no tocante à validade: no que respeita à
aquisição da propriedade; no que respeita ao pacto de restituição. Um pertence ao direito das coisas; o outro, ao
direito das obrigações.
No que tange à transmissão da propriedade mobiliária, advirta-se desde logo em que todo acordo de transmissão,
trate-se de propriedade sobre bens móveis, ou de propriedade sobre bens imóveis, é negócio jurídico abstrato. Â
transmissão poderia ser de propriedade resolúvel, com a condição (resolutiva> do pagamento da dívida, mas, em tal
espécie, não haveria transmissão da propriedade em segurança. Transmissão da propriedade em segurança há se há
convenção de garantia, e aqui a propriedade não é sujeita a condição resolutiva.

2. NULIDADE E ANULABILIDADE. — Quanto ao negócio jurídico de direito das obrigações, pode ser nulo por
incapacidade absoluta do figurante (Código Civil, ad. 145, 1), por ilicitude ou impossibilidade do objeto (ad. 145,
II>, por defeito de forma (art. 145, III), ou nas espécies do ad. 145, IV e V. A anulabilidade por fraude contra credores
é de prever-se com freqOência (Código Civil, arts. 147, II, 53 parte, 106-118). Bem assim, por simulação (arts. 102-
105).
*
Os princípios concernentes à ineficácia e à invalidade de atos jurídicos anteriores à abertura do concurso, ou da
falência, incidem. Aqui, ora eles se referem a negócios jurídicos de direito das obrigações, ora a negócios jurídicos de
direito das coisas, mas tudo se passa sem exceção aos princípios. A transmissão da propriedade em segurança é
relativamente ineficaz, ou atacável por fraude contra credores, nos mesmos casos em que o seria a propriedade
transmitida sem ser em segurança.

§ 2.673. a”Praeter legem” ou “contra legem”?

1. Posíção DO PROBLEMA. — Partindo-se da premissa de ser admitida a transmissão da propriedade em segurança,


discute-se se a) apenas se preencheu lacuna da lei (função praeter legem.), ou se b) houve costume contra legem, que
se fixou. A opinião c) de se tratar de instituto secundum legenz, que Vem guarida no direito alemão (Código Civil
alemão, § 228, alínea 2.8), não seria de acolher-se no sistema jurídico brasileiro, no qual falta aquela regra jurídica
alemã, que diz: “Se, para segurança de pretensão, foi transferido um direito, não se pode pedir a retrotransmissáo
com fundamento na prescrição da pretensão”). A regra jurídica alemã também existe no sistema jurídico brasileiro,
porém não escrita, de modo que não há por onde, invocando-se tal regra jurídica, se ter como secundum legem a
transmissão da propriedade em segurança. Ainda há quarta opinião d), segundo a qual a transmissão da propriedade
em segurança seria contra legem, sem que a possa legitimar o costume, uma vez que, a respeito de bens móveis,
fraudaria o ad. 769 do Código Civil, que veda o penhor com o constituto possessório.
É preciso, em tudo isso, não se deixar de ver a função econômica, o caráter próprio (II. LANGE. Ware und Geld, 23
ed., 194), anômalo, da transmissão da propriedade em segurança. Mas anomalia somente devida a acidente, a união
puramente externa de negócios jurídicos (Tomo IV, §§ 870, 3, e 407, 4), de jeito que não há com-sorte dos negócios
jurídicos.

2. “PRAETER LECEM”. — A transmissão da propriedade em segurança é praeter legem. Tal transmissão da


propriedade opera-se como em quaisquer outras espécies. Não há condição resolutiva, porque, se houvesse, estaria
em causa o art. 647 do Código Civil: a segurança seria devida pela concepção mesma da condição, o inadimplemento
seria, ai, o fato que faria resdlver-se a propriedade (ou resilir-se). Não é a mesma coisa. Nem há condição suspensiva,
porque, ex hqjpothesi, a propriedade já se transmitiu.
Chegamos assim ao ponto crucial. Mas a exposição que fizemos deu-nos a solução. Vimos que a anomalia é mais
aparente do que real. Vimos que a união externa entre os dois negócios jurídicos é que permite a função, o caráter
econômico próprio, da transmissão da propriedade em segurança. tsse caráter é que é anômalo. Não o jurídico.
No mundo jurídico, não há qualquer anomalia na transmissão da propriedade em segurança, desde que a construção
se faça com respeito estrito dos princípios. Há o negócio jurídico da transmissão, que produz todos os seus efeitos, e
há o negócio jurídico obrigacional, que produz os seus, sem diminuir os daquele. A retrotransmissão é apenas objeto
de obrigação do adquirente. O negócio jurídico de direito das obrigações não invade o direito das coisas. Tudo se
passa mercê da união externa. Graças a esse esclarecimento dos fatos, com a atenção dedicada ao exame do que se
introduziu na vida dos negócios, problema que pareceu grave aos juristas, apresenta-se em suas linhas precisas e
demonstra a observância dos princípios que muitos creram ofendidos.

CAPITULO II

CONTEÚDO DA TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE EM SEGURANÇA

§ 2.674. Preliminares

1.PRECISÕES CONCEPTUAIS. — Ao falar-se de conteúdo da transmissão da propriedade em segurança já se


excede o que se poderia atribuir à transmissão da propriedade, porque se alude à garantia que, segundo o direito
brasileiro, é externa ao fato de direito das coisas.
A transmissão da propriedade em segurança não se há de construir, no direito brasileiro, como propriedade sob
condição resolutiva, nem como direito real de preempção , que não temos. Tudo se passa como eficácia entre os
figurantes, ou, em virtude de registro, como eficácia oponivel a terceiros.

A transmissão da propriedade em segurança é abstrata, como tôda transmissão de propriedade. Não importa qual foi a
causa. Todavia, a regra jurídica do art. 717 do Código Civil suíço considerou inoponivel aos terceiros a transferência
da propriedade em segurança, se foi empregado constituto possessório. O direito civil brasileiro não tem tal regra
jurídica, pôsto que nele se encontre a do art. 769, a propósito de penhor civil. Ora, a transmissão da propriedade pode
operar-se com o constituto possessório; e a própria regra do direito suíço sómente concerne à eficácia em relação a
terceiros, e não a existência, a validade e a eficácia entre os figurantes. No direito brasileiro, regem, em sua inteireza,
os princípios: a transmissão da propriedade opera-se; a eficácia da dação em segurança é que só é entre figurantes,
salvo se por fôrça do registro ou outra razão especial se estende aos terceiros. O direito à restituição do atribuinte
fiduciário (fiduciante, dador fiduciário de garantia) é pessoal, e pessoais as pretensões e ações. A oponibilidade a
terceiros é que pode ter maior alcance do que a simples dação em seguranca teria entre os figurantes.
Por outro lado, a interpretação extensiva do art. 769 do-Código Civil que procurasse inserir no direito brasileiro regra
jurídica que se assemelhasse à do Código Civil suíço, art. 717, teria de pesquisar tôdas as espécies de penhor, afim de
se saber onde a transmissão da propriedade em segurança seria ofensiva do art. 769 do Código Civil, porque o seria,
na espécie, a constituição de direito de penhor simétrica à transmissão da propriedade em segurança.

2. EFICÁCIA ENTRE FIGURANTES E EFICÁCIA “ERGA OMNES”..


— O sistema jurídico brasileiro não tem a propriedade fiduciá— ria fora dos arts. 647 e 1.733-1.739 do Código
Civil, como instituto de direito das coisas. Tem a transmissão da propriedade, fiduejâríamente, concebida a fidúcia no
plano do direito das obrigações, mas suscetível, mediante a publicidade registária, de eficácia erga omnes. O registro
é determinado pela natureza do bem. Assim, tratando-se de bem imóvel, tem de ser a averbaçao de que fala o art. 286
do Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939.
Quanto aos bens móveis, cuja transmissão da propriedade depende de registro, tudo se passa à semelhança do que
ocorre com os bens imóveis. No tocante àqueles que são objeto de propriedade transmissível sem necessidade de
registro, os problemas pertencem ao plano da eficácia. Tem-se de perguntar se a fiduciariedade é oponivel a terceiros
e em que situação o

§ 2.675. Pretensôes e ações do dador da segurança


1. DECLARAÇÃO E CONDENAÇÃO . — O dador da segurança tem a ação declaratória da relação jurídica entre
ele e o adquirente da propriedade em segurança, inclusive quanto à eficácia. Para a ação declaratória da eficácia erga
omnes precisaria da citação edital de quem possa ser interessado.
Também lhe assiste a ação de condenação.
O Tribunal de Apelação de São Paulo, a 6 de agôsto de 1940 (7?. dos 7’., 132, 103), entendeu que o portador do
conhecimento de transporte endossado em plena propriedade em garantia não é obrigado a exibi-lo. Não está certo. O
acórdão reconheceu que se tratava de transmissão em garantia. Portanto, o negócio jurídico submete o endossatário à
própria restituição do título, em retroendosso, se se solve a dívida. Tudo isso, a que é estranho o título, tornado
abstrato desde a subscrição, só se refere ao negócio jurídico subjacente; mas a exibição foi pedida, ex h-ypothesi,
pelo empenhante com o pita da transmissão da propriedade do titulo representativo.

2. EMBARGOS DE TERCEIRO. — 0 dador da segurança tem contra o outorgado da segurança a ação de


embargos de terceiro, por lhe assistir direito a que não se aliene o bem. Os embargos de terceiro não são apenas açao
do titular do direito de domínio ou de direito real limitado, ou do possuidor; amparam qualquer direito (cf.
SILVESTRE GOMES DE MORAIS, Tractatus de Ezecutionibus, IV, 219; MANUEL GONÇALVES DA SLvA,
Commentaritt, III, 360>. Desde que o direito do dador da segurança (que é, aí, o transmitente) pode ser oposto a
terceiros, ainda que não seja direito real, os embargos de terceiro podem ser usados. Após investigações notáVeis, os
juristas alemães chegaram à mesma conclusão, invocando o § 771 da Ordenação Processual Civil alemã, onde se diz
que, no caso de algum terceiro alegar que lhe toca direito que se oponha à alienação do objeto em execução forçada,
pode apresentar a sua ação de oposição à execução em forma de demanda. É a WiderspflLChSklGtle, que tem o dador
da segurança por transmissão da propriedade (GUSTAV BOERMER, Grundlagen der biirgerlichen Rechtsorditttflg,
II, 165).
A sabedoria técnica do direito luso-brasileiro e do brasileiro preparou-nos para a solução da questão, com os
elementos niesmos da ação de embargos de terceiro.
Há um ponto que merece ser aqui esclarecido. A restituição, se houve transmissão da propriedade em segurança, só
édevida no plano das obrigações. Não há pretensão real à restituição; só há pessoal. Mas o pacto de transmissão da
propriedade em segurança contém, necessâriameilte, porque está no próprio conceito de transmissão da propriedade
em segurança, promessa, por parte do adquirente, de restituir a propriedade. Uma vez que, para que se dê a
restituição, é preciso que haja declaração de vontade do adquirente (vontade de retrotransferir), tal promessa pode ser
adimplida voluntariamente, ou por fôrça sentencial. O art. 1.006 do Código de Processo Civil pode ser invocado.
No concurso de credores, o dador da segurança também se defende por ação de restituição ou por embargos de
terceiro, conforme o Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, arta. 76 e § 1.0, 77 e 78, ou 79 e §§ 1.0 e 2.0 (E.
JAEGER, Kommentar zur Konkursordnung, 6.~ e 7•& ed., § 43, notas 38-40 a).
O penhor ou a hipoteca subsiste ainda que haja prescrito a pretensão do crédito que se garantiu com o penhor ou
com a hipoteca. Daí em diante, se a ação executiva real não prescreveu, pode ele propô-la, pôsto que já não lhe seja
dado ir, com a ação executiva do crédito, contra o patrimônio do devedor. Dá-se o mesmo em caso de transferência
da propriedade em segurança. A transferência subsiste, a despeito de estar prescrita a pretensão, que se garantiu.

3. Cxsnons E TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE EM SEmIlIANÇA. — Por vêzes, a - atribuição fiduciária da


propriedade, e não só a que se faz em segurança, tem por fito subtrair àexecução pelos credores o bem cuja
propriedade se transfere. Não se podem anular tais atos jurídicos por simulados (Código Civil, arts. 102-05), nem se
hão de considerar nulos, por ilicitude ou impossibilidade do objeto (Código Civil, ad. 145, II), nem em fraude à lei.
Não se pode pensar em anulabilidade por simulação, porque não se aparentou conferir ou transmitir direito a pessoa
diferente daquela a quem realmente se conferiu, ou transmitiu, nem houve declaração falsa, nem qualquer outra
falsidade em confessar ou condicionar, nem houve antedata, ou pós-data. Por outro lado, nulidade não há por
impossibilidade ou ilicitude do objeto, pois que a transmissão, ex h~pothesi, se, podia dar e se deu.
Os credores, após a transmissão fiduciária da propriedade, podem penhorar o direito à restituição que nasceu ao
alienante.
Mas as transmissões fiduciárias de propriedade, inclusive -as em segurança, podem ser anuladas por fraude contra
credores, se há, em verdade, transmissão gratuita, ou remissão de dívida, quando já insolvente o devedor, ou
reduzido, pelo ato, à insolvência (Código Civil, arts. 106-113).
Na falência, a transmissão da propriedade em segurança pode ser alcançada, em sua eficácia, pelo ad. 52, III, do De-
creto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, ou pelo ad. 52, VII (ou pelo ad. 52, VIII), ou, em sua validade, pela ação
do .art. 53.
A ação revocatória do ad. 52, III, VII e VIII, do Decreto-lei n. 7.661 foi criada exatamente para apanhar os atos de
transmissão escapos às regras jurídicas sobre anulabilidade por simulação.

§ 2.676. Eficácia em relação a terceiros

. — O negócio jurídico da transmissão da propriedade em segurança em verdade contém dois negócios jurídicos: o
acOrdo de transmissão da propriedade e o negócio jurídico de segurança. A eficácia entre figurantes é a normal. A
eficácia em relação a terceiros tem de ser examinada: a) quanto ao acordo de transmissão e os mais elementos, que,
juntos a ele, perfazem a transmissão (acordo de transmissão da propriedade imobiliária e registro; acordo de
transmissão da propriedade mobiliária e tradição); b) quanto ao pacto ou acOrdo de garantia, similar ao de
empenhamento, ou ao de hipoteca, ou ao de anticretização. tsse pacto não cria penhor, nem hipoteca, nem anticrese,
porque o que se deu ao credor foi mais do que direito sabre o valor extraível do bem, foi o próprio bem: onde só se
devia gravar, alienou-se a propriedade, transferiu-se.
A pretensão que tem o alienante contra o adquirente é de direito das obrigações. Falta-lhe qualquer ação real. Ação
real teria o alienante da propriedade resolúvel em caso de se atingir o têrmo ou de se implir a condição.
O fiduciário recebe poderes de proprietário e está apto, perante o direito das coisas, a exercê-los. No plano do direito
das obrigações , está adstrito a só os exercer conforme o acordo de garantia. É possível que esteja de conformidade
com esse acordo perceber os frutos, no que o poder conferido pela transmissão da propriedade e o poder estabelecido
no acOrdo de garantia coincidiriam. Mas é possível que se hajam. restringido os poderes de uso e fruição, de modo
que não coincidiriam, em toda a extensão, o poder de direito das coisas e o poder de direito das obrigações. As
restrições obrigacionais podem ser ainda mais fundas, como se o fiduciante estipula que o adquirente não pode
alienar, ou não pode gravar o bem cuja propriedade lhe foi transferida. Tôdas essas restrições somente ocorrem no
direito das obrigações: delas só direitos pessoais, pretensões e ações pessoais ou exceções pessoais podem nascer.
Todavia, nos casos em que se permite a cláusula de inalienabilidade, a transmissão clausulada põe o alienante a salvo
dos atos de disposição para os quais, sem a clausulação, teria poderes o adquirente. Porém essa restrição de poder, de
natureza real> ocorreria no direito das coisas, sem depender, portanto, do pacto de transmissão em segurança.

2. PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA. — Quanto ao acordo de transmissão da propriedade imobiliária, se se lhe


segue o registro, a transmissão opera-se. O outorgado passa a ser o dono do bem dado em garantia, porque o acordo,
em si, é abstrato. O acordo de garantia, esse, concebido no plano do direito das obrigações, liga ao outorgante o
outorgado. -O registro publicou, suficientemente, a transmissão dapropriedade do imóvel. Não há, porém, inscrição
de direito (real) à restituição do bem dado em garantia. Tem-se, portanto, de pensar na registabilidade do acordo de
garantia. Ainda que se faça a inscrição consoante o art. 178, a), XIV, do Decreto n. 4.857, de 9 de novembro de 1939,
ou a averbação segundo o art. 285, in fine, do Decreto n. 4.857, a publicidade somente estende a terceiros a eficácia
pessoal do acordo de segurança, — não cria direito real. Para bem se colhêr a diferença, pense-se no pacto de
retrovenda: no direito brasileiro, tal pacto, uma vez registado, sôrnente se faz oponivel a terceiros, como pacto de
direito das obrigações (Código Civil, arts. 1.149-1.157) ; no direito alemão, o registro do mesmo pacto fari% nascer o
direito real, cf. Código Civil alemão, §§ 504 e 1.094.

3.PROPRIEDADE MOBILIÁRIA. — Se o acordo é de transmissão da propriedade mobiliária, o elemento que falta,


para que a transmissão se Opere, é a tradição. O direito brasileiro não conhece aquisição da propriedade mobiliária a
não-dono (Código Civil, art. 622), salvo onde se há de atender a princípios excepcionais concernentes a títulos
cambiários e cambiariformes. Se quem é dono aliena a propriedade e transfere a posse, a aquisição pelo outorgado
ocorre, com tôdas as conseqfiências. Não se pré-exclui como elemento do suporte fáctico da transmissão da
propriedade mobiliária a transferência da posse pelo constituto possessório, nem a transferência da posse pela cessão
da pretensão à restituição da coisa. Seja como fôr, se houve o acordo de transmissão da propriedade sobre o bem
móvel, corpóreo ou incorpóreo, e a transferência da posse, deu-se a transmissão, e o fato de se ter acordado em que
tal transmissão exerça função de garantia não pode ferir a natureza abstrata da transmissão.
Dir-se-á que muitos são os inconvenientes, porque os terceiros ignoram o que em verdade se passou, transmitindo-se
só em segurança. Primeiramente, observemos que nenhuma diferença há entre essa transmissão, que se faz em
segurança, e qualquer outra transmissão, sem qualquer negócio jurídico subjacente ou sobrejacente que lhe atribua
alguma função. Tudo isso nada tem com a transmissão da propriedade, que deriva de acordo abstrato. Em segundo
lugar, convém advertirmos em que as transmissões da propriedade mobiliária em segurança são atacítveis por
terceiros como seriam as outras transmissões da propriedade mobiliária, em que nenhuma fidúcia aparecesse.
Finalmente, a transmissão da propriedade em segurança continua qual é, porque já se operou, no instante em que o
seu suporte fáctico se perfez, e nada tem, em si, com o negócio jurídico de dação em segurança. Ésse é que precisa
ser oponível contra terceiros. Para que o seja, tem de atender aos princípios que regem a eficácia erga omnes, que não
se identifica com a eficácia real.
Se, na espécie, a transmissão da propriedade mobiliária depende de registro, tudo se há de entender à semelhança do
que acontece em se tratando de transmissão da propriedade imobiliária.
O problema do proprietário em segurança sem posse é difícil de ocorrer, porque, de regra, a posse mediata lhe foi
transferida e a alegabilidade e a prova desse elemento do suporte fáctico têm de resolver-se segundo os princípios,
sem que tenha qualquer importância ser em segurança, ou não, a transmissão da propriedade. Assim, os juristas que
insistem em versá-lo, deixam de considerar que a espécie é raríssima. Se A transfere a B a propriedade do terreno a,
de que não tem posse própria, nem por isso é deficitária a transmissão da propriedade, que independe da transmissão
da posse. Se A acorda em transferir a B a propriedade do bem móvel b, sem lhe transmitir a posse, que não tem, nem
cedeu a B a pretensão à restituição da posse, porque tal pretensão não existe, ou não é executável, A não transferiu
propriedade mobiliária. Se foi feita a cessão de pretensão de que cogita e art. 621 do Código Civil, a oponibilidade
dela a terceiros rege-se pelos princípios comuns.
Aqui, algo se há de dizer sobre o contrato estimatório. Na espécie mais freqUente, o vendedor ambulante ou o
caixeiro--viajante deixa com o outorgado o bem, com a obrigação de ser pago o preço dentro de certo prazo, ou de
ser restituído. Noutra, que cada dia cresce de aplicações, entregam-se bens a leiloeiros, ou a expositores, ou a
especialistas em antiguidades, ou outras mercadorias, para a venda pública, ou particular, ou restituição, se não se
obteve o preço mínimo em que se desejava. Os livros, que os editôres dão, em consignação, aos livreiros, são objeto
de contrato estimatório. Passa-se o mesmo com jóias, modelos de moda e outros artigos de produção industrial ou de
simples manufatura. Não há transferência da propriedade, porque o outorgante não quer vender fiado, nem a
prestações. Todavia, o ace-ipiens adquire o poder de dispor, e o tradens o perde.
Tal negócio jurídico pode ser empregado como em segurança. AI, não há aquela união externa de acOrdo de direito
das coisas e de acOrdo de direito das obrigações: há negócio jurídico misto. Dois contratos, em contrato uno. Em
todo caso, pode acontecer que a vontade dos contraentes não tenha ido até ai e apenas haja composto contrato de tipo
duplo. De qualquer modo, não há confundir-se o contrato estimatório com o acordo de transmissão fiduciária, ou com
o de transmissão em segurança, e a fortiori com o de transmissão da propriedade resolúvel. NIo há, na figura,
qualquer transmissão: a transmissão pode ocorrer depois, satisfeito o preço, ou depositado, ou apenas tornado
prestação devida pelo accipiens.
Ao contrato estimatório, Trôdelvertrag, o que mais importa é o uso do comércio. Os princípios que se lhe aplicam
são os princípios concernentes à transmissão da propriedade, os do mandato e da comissão, da obra e da sociedade.
Nem o Código Civil, nem o Código Comercial o previram. Contrato atípico, insinuou-se na vida comercial e através
de séculos não conseguiu tipicizar-se.
Se algum pacto de segurança se insinua, ainda mais se complica a figura do contrato estimatório.
A eficácia quanto a terceiros rege-se pelos princípios gerais.
Para terminar, observemos que o que se disse sobre transmissão da propriedade imobiliária em segurança de certo
modo se há de atender a respeito da propriedade dos bens móveis, corporeos ou incorpóreos, que só transfere
mediante registro.
Não há transferência da propriedade em segurança do navio ou da aeronave, ou da patente de invenção, ou da marca
de indústria e comércio, ou de outro sinal distintivo, sem que se faça o registro, porque faltaria a transmissão. O
acOrdo de garantia somente precisaria de registro para eficácia em relação a terceiros; mas essa eficácia não pertence
ao direito das coisas, não é real. É preciso ter-se sempre presente a diferença entre eficácia erga omites e eficácia
real.
O acOrdo de direito das obrigações rege-se por seus princípios; o acOrdo de direito das coisas, pelos seus. A união é
ex terna e externa mantém-se.

CÀPITULO III

CONSTITUIÇÕES DE DIREITOS REAIS LIMITADOS EM GARANTIA

§ 2.677. Figuras jurídicas de dação em segurança


1.DIREITOS REAIS DE GARANTIA E DIREITOS REAIS EM GARANTIA. — A semelhança do que se passa
com o domínio, os direitos reais limitados podem ser constituídos e até transmitidos em garantia. Não todos, O
usufruto, uso e a habitação não podem ser transmitidos em garantia; podem ser constituídos em garantia, O exercício
do usufruto pode ser transmitido em garantia; não, o exercício do uso e da habitação. Servidões temporárias podem
ser constituídas em garantia; não, porém, transmitidas.
Cumpre que se não confundam as constituições e as transferéncias de direitos reais limitados em segurança com os
direitos reais de garantia. Nas constituições e transferências de direitos reais limitados em segurança há o acordo de
constituição ou de transmissão e o negócio jurídico da outorga tia garantia, tal como ocorre com a transmissão da
propriedade em segurança, porém a Garantia não se insere no direito real limitado a ponto de fazê-lo direito real de
garantia.
Mais uma vez notemos que é a fímbria de direito das ~obrigações que diferencia (a) do acordo de transmissão da pro-
priedade em segurança, externamente unido ao acordo de transmissão da propriedade, de direito das coisas e abstrato,
o acordo de transmissão de propriedade resolúvel, e (19 do acordo de constituição ou de transmissão do direito real
limitado em segurança, externamente unido ao acordo de constituição ou de transmissão do direito real limitado, de
direito das coisas e abstrato, o acordo de constituição ou de transmissão do direito real de garantia.
Direitos reais de garantia, o direito civil brasileiro somente conhece o penhor e a caução de crédito, a hipoteca e a
anticrese. Cumpre, ainda, notar-se que tais direitos reais limitados podem, também, ser transmitidos em segurança,
tal como acontece com o domínio. As figuras jurídicas, que daí resultam, não se confundem, por sua vez, com o
penhor de direitos de penhor e de hipoteca, regulados pelo Decreto n. 24.778, de 14 de julho de 1934, art. 1.0:
“Podem ser objeto de penhor os créditos garantidos por hipoteca ou penhor, os quais, para esse efeito, considerar-se-
ão coisa móvel”, Os direitos de penhor são bens móveis; os direitos de hipoteca, bens imóveis. O art. 19 do Decreto
n. 24.778 considera-os bens móveis, para os subordinar ao regramento jurídico do penhor. Aí, nasce direito real limi-
tado, de garantia, sobre direitos reais limitados, o que é diferente da transmissão em segurança de tais direitos reais
de garantia. Em segurança transmitem-se direitos, sem que o direito que surge seja direito real de garantia.
O que dissemos a propósito dos direitos reais limitados também se entende com os direitos pessoais transferíveis.
Podem ser transmitidos em segurança, em vez de constituídos direitos reais sobre ele. É o caso da transmissão de
crédito em segurança, dita cessão de crédito em segurança, de que nenhum direito real surge, ao passo que da caução
de crédito se irradia direito de penhor, direito real de garantia. A caução ou penhor de créditos é instituto de direito
das coisas. A cessão de crédito e;n segurança, não: pertence, tão-só, ao direito das obrigações.

2. DIREITOs REAIS DE GARANTIA SOBRE TÍTULOS INCORPORANTES E TRANSFERÊNCIA, EM


SEGURANÇA, DA PROPRIEDADE DOS TÍTULOS. — Os títulos incorporantes, quer de direitos reais (domínio;
penhor, hipoteca), quer de direitos pessoais, podem ser dados em garantia, conforme a lei da sua circulação. Se ao
portador, como qualquer outro bem móvel. Se endossáveis, mediante endosso-penhor. Tais negócios jurídicos, de que
nasce direito real de penhor, não se identificam com as transferências em segurança, quer por ato de disposição ao
portador, quer por endosso. Também se pode empregar como outorga de garantia a procuração ou o endosso-
procuraçao .
Se o título é incorporante de direito de domínio (= se é título representativo de bem suscetível de ser objeto de
propriedade), o endosso-penhor, com a tradição, se endossável o título, ou a entrega da posse a quem se outorgou
direito de penhor, se ao portador o título, é que cria o direito de penhor. Se o título é incorporante de direito de
penhor, o endosso dominical transfere a propriedade do título e faz nascer ao endossatário o direito de penhor. Passa-
se o mesmo com a tradição do titulo ao portador, se se transfere a propriedade. Mas pode acontecer que, em vez de
transferir o domínio do titulo incorporante de direito de penhor, o dono dele prefira empenhá-lo, segundo as regras
jurídicas que concernem ao empenhamento de bens móveis ou de títulos endossáveis. Então, o penhor é sobre titulo
incorporante de direito de penhor. Não nasce ao outorgado o mesmo direito de penhor que originàriamente lhe
nasceria se lhe fôsse transferida a propriedade do título.

§ 2.678. Constituição de direitos reais em segurança

1.USUFRUTO EM SEGURANÇA. — Do usufruto em segurança já se falou no Tomo XIX, § 2.310, 3. Todavia,


aqui é o lugar mais próprio, pôsto que da constituição, em segurança, do usufruto não resulte direito real de garantia.
Ainda quando se constitui a favor do titular do direito de hipoteca para imputação dos frutos à dívida hipotecária, o
usufruto em segurança não se torna direito real de garantia. Isso importa dizer-se que a promessa de garantia não se
insere no suporte fáctico do direito real: fica de fora, no direito das obrigações. O usufruto pode ser condicional, em
vez de vitalício: a condição resolutiva é a extinção do crédito hipotecário, sem que se precise pensar em promessa de
renúncia ao usufruto ao se extinguir o crédito. Devido ao art. 717 do Código Civil, transferido o direito de hipoteca, o
usufruto, que é intransferível, não se transfere, pôsto que se haja de entender prometida a transferência do exercício.
Muito diferente é o que se passa com a anticrese. Por outro lado, o usufruto constituído em segurança extingue-se
com a morte do usufrutuário. No direito alemão, em que se precisou do usufruto em segurança devido à falta do
instituto da anticrese. pro curou-se obviar a isso com a criação de pessoas jurídicas, bancos usufrutuários, a quem se
outorga o usufruto, e o exercício desse é cedido ao titular do direito de hipoteca, ou de simples direito de crédito.
Se, em vez de se fazer condicional o usufruto, isto é, se, em vez de ser concebido para se extinguir quando fôr
solvida a dívida, nada se insere no acordo de constituição de usufruto que seja alusivo à dívida, então, sim, há
usufruto constituído em segurança. O direito real de usufruto não é atingido pela eficácia do pacto de constituição em
segurança: há aquela mesma união eterna de acordos, a que nos referimos quando se trata da transmissão da
propriedade em segurança. O que — no plano do direito das obrigações — se pode exigir é a renúncia do
usufrutuário ao usufruto. No plano do direito das coisas, nada há, no sistema jurídico brasileiro, a fazer-se. Todavia,
uma vez que o pacto de constituição em segurança contenha promessa de renúncia, pode haver invocação do Código
de Processo Civil, art. 1.006.
BIBLIOGRAFIA
2. Uso E RABITAÇÀO . — O uso e a habitação podem ser constituídos em segurança, porém sem se tornarem
direitos reais de garantia. O que se refere à segurança é estranho ao instituto do uso, ou da habitação, e permanece no
direito das obrigações. Nem eles, nem o exercício de qualquer deles podem ser transferidos em segurança.

3. DIREITOS PESSOAIS EM SEGURANÇA. — A cessão de direitos em segurança, se o direito é pessoal, passa-


se no direito das obrigações, no que se refere à transferência e no que se refere à dação de garantia. Também os dois
negócios jurídicos não fazem um só, nem a cessão de direitos em segurança tem qualquer eficácia intrínseca, que
justifique pensar-se em instituto-tipo. Também ocorre, na cessão em segurança, que o meio acede o fim. O fim é
garantir; emprega-se, como simples meio, a transferência.

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