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XXIII Encontro Nac. de Eng.

de Produção - Ouro Preto, MG, Brasil, 21 a 24 de out de 2003

Direção digital: a estratégia da GM e seus desdobramentos no


mercado brasileiro de carros populares

André Gustavo Carvalho Machado (UFPE, UNICAP) andregcm@terra.com.br

Resumo
O ambiente onde se trava a competição na indústria automotiva tem passado por grandes
transformações nas últimas décadas. Nesse contexto, o objetivo deste artigo foi analisar a
estratégia adotada pela General Motors (GM) para o mercado global e suas repercussões
locais, com ênfase particular no segmento de “carros populares”, a partir da decisão da
construção da fábrica do modelo Celta na cidade de Gravataí, município do estado do Rio
Grande do Sul. Os resultados mostraram que esta unidade tem adotado ações bem
articuladas e aderentes à estratégia pretendida, assim como permitiram uma melhor
compreensão dos processos organizacionais envolvidos na fabricação e comercialização do
Celta e das deficiências do sistema desenvolvido.
Palavras chave: estratégia, indústria automotiva, internet

1. Introdução
O ambiente onde se disputa o mercado na indústria automotiva tem passado por grandes
transformações nas últimas décadas. Caracterizado, anteriormente, por uma demanda estável e
mercados grandes e homogêneos, o principal paradigma adotado pelas empresas do setor
sempre foi o da produção em massa. Entretanto, os tempos mudaram. Atualmente há mais
concorrentes, mais produtos e capacidade de produção excessiva, o que tem colocado mais
pressão sobre os preços. Também há as pressões regulatórias: todo mundo quer mais
economia de combustível, menos poluição. E o cliente, freqüentemente, não está disposto a
pagar mais por isso.
Para acirrar ainda mais a competição, entre os observadores do setor há a expectativa de que,
dentro de alguns anos, não restarão mais de cinco montadoras de veículos no mundo. Assim,
diante do novo cenário competitivo e das crescentes exigências impostas pelo mercado, como
as empresas pertencentes à indústria automobilística estão se organizando para sobreviverem?
Nessa perspectiva, o objetivo deste artigo é analisar a estratégia adotada pela GM para o
mercado global e suas repercussões locais, com ênfase particular no segmento de “carros
populares”, a partir da decisão da construção da fábrica do modelo Celta na cidade de
Gravataí, município do estado do Rio Grande do Sul.
Inicialmente, realiza-se uma breve revisão da bibliografia a respeito da administração
estratégica. Em seguida, apresentam-se os procedimentos metodológicos adotados na presente
pesquisa. O desenvolvimento do trabalho dar-se-á sob três enfoques principais: a estratégia da
GM em nível mundial; sua estratégia no mercado brasileiro de automóveis; e as características
e benefícios do modelo de gestão da produção implantado na fábrica da GM em Gravataí para
a consecução da estratégia pretendida.
2. Estratégia das organizações
A intensificação da competição entre as organizações industriais tem obrigado-as a
repensarem seus processos, estruturas e políticas, de forma a se adequarem o mais rápido e de
forma mais eficientemente possível às novas e voláteis condições do mercado. Contudo, como

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destaca Porter (1999), enfatizar unicamente a eficiência operacional traz apenas vantagens de
curto prazo, uma vez que a heterogeneidade dos recursos que sustenta esta vantagem pode ser
erodida. Assim, o desempenho superior e consistente ao longo do tempo advém da criação de
uma posição exclusiva e valiosa, a qual é alcançada através da formulação e implementação
de uma estratégia competitiva.
Entretanto, diante da velocidade das mudanças, a questão principal não é somente selecionar
uma boa estratégia e posicionar a organização, mas criar também uma flexibilidade com a
qual a organização aprenda a redefinir seu posicionamento continuamente. Logo, a
capacidade para aprender e se adaptar às condições mutáveis são itens críticos de sucesso. Por
outro lado, várias empresas alcançam vantagens competitivas sem, no entanto, modificarem
freqüentemente as estratégias. Ao invés disso, elas buscam na inovação e na melhoria
contínua os atributos necessários para se destacar dos seus rivais (PORTER, 1991; PORTER,
1998).
Nesse contexto, Hamel & Prahalad (1989) entendem que a competitividade depende do ritmo
pelo qual a empresa incorpora novas vantagens no âmago de sua organização e não no
estoque de vantagens que detém em uma determinada época. Este é o mesmo posicionamento
de D’Aveni (1995), ao afirmar que em um ambiente onde as vantagens são rapidamente
erodidas, sustentá-las em vez de desenvolver outras pode ser um erro.
3. Procedimentos metodológicos
A pesquisa empreendida teve uma abordagem qualitativa descritiva e assumiu um caráter
exploratório, visando aprofundar o conhecimento em torno de um problema definido.
O motivo da escolha da GM, como representante da indústria automobilística, é atribuído ao
fato de que a mesma é a maior fabricante de automóveis do mundo e tem revolucionado o
modus operandis da produção de automóveis.
A pesquisa bibliográfica é adotada como procedimento fundamental para coleta de dados,
sendo os livros, revistas, jornais, artigos e sites dispostos na internet as fontes secundárias
utilizadas. Colhidos os dados, os mesmos foram inicialmente selecionados através de um
exame minucioso. Nesse momento, foi constatada a ausência de algumas informações, as
quais foram posteriormente obtidas através da observação participante, onde o pesquisador,
assumindo o papel de potencial comprador, buscou as informações desejadas a respeito do
processo envolvido na venda do Celta e suas características específicas em uma
concessionária credenciada pela montadora.
Em seguida, os dados foram categorizados, de modo a permitir uma melhor compreensão e
análise posterior. Finalmente, a análise e a interpretação dos dados foram realizadas buscando
verificar as possíveis relações existentes entre os fatos observados, bem como criticar e
explicar as ações e as posições tomadas, de modo a responder ao problema de pesquisa e
alcançar seu respectivo objetivo.
4. A estratégia da GM
4.1 A estratégia mundial
A GM tem 372.000 funcionários, espalhados por 30 países e é líder mundial do setor
automotivo, com uma produção de cerca de 8,6 milhões de carros por ano, o equivalente a
15,1% do mercado mundial, em mais de 200 países. Faturou, no ano de 2001, 183,3 bilhões
de dólares e teve um lucro de cinco bilhões de dólares. Entretanto, na última década, a GM
perdeu muito: aproximadamente 18% do mercado americano, do qual é líder há 74 anos;
mercado na Europa; e até o posto de maior empresa do planeta - para a Exxon (NAIDITCH,
2001).

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Com o objetivo de reconquistar o mercado perdido, modernizar a empresa e prepará-la para


um cenário em que as mudanças são cada vez mais rápidas, o chairman da GM, Jack Smith,
afirmou, em comunicado à imprensa, que a estratégia da companhia é aumentar o tamanho e
melhorar a eficiência operacional (AGÊNCIA AUTODATA, 2002).
Na visão de Richard Wagoner Junior, atual presidente da montadora, para aumentar a parcela
de mercado e a receita, é preciso uma revitalização da linha de produtos, principalmente nos
mercados desenvolvidos. A forma de se ampliar tal participação é ofertar os produtos que as
pessoas desejam, e que atendam às expectativas de qualidade, e os níveis de produtividade
que tornem competitivos em relação ao custo. Por outro lado, a fim de conseguir novos
produtos e tornar a empresa mais globalizada rapidamente a GM construiu alianças com as
japonesas Isuzu, Suzuki e Fuji e com a italiana Fiat. Outro objetivo de desempenho priorizado
pela GM é a velocidade. Há cinco anos, gastava-se de 40 a 45 meses, entre o projeto e o
lançamento de um produto. Agora, leva-se de 18 a 24 meses. Para tanto, modificou-se o
processo de tomada de decisões, implantando equipes para o desenvolvimento de produtos,
aproximando engenharia, manufatura e compras e aplicando tecnologia baseada em
computadores (NAIDITCH, 2001).
Atualmente, o desenvolvimento tecnológico tem sido o alvo principal da montadora, em
particular naqueles projetos que utilizam a internet como fonte de vantagem competitiva.
Segundo Mauro Pinto, diretor de sistemas de informação para o Mercosul da companhia, a
entrada na internet se deve a uma intenção estratégica, ou seja, dentro da indústria
automobilística, a empresa pretende ser a líder em negócios eletrônicos (MANZONI JR.,
2002). Para tanto, foi criada uma nova divisão especificamente para este fim: a e-GM
(eletronic General Motors). Ao criar uma unidade separada somente para cuidar da internet, a
empresa quer escapar da cultura burocrática, da aversão ao risco e à mudança.
Meredith (2000) pontua que se trata de uma mobilização em grande escala que permeia todos
os negócios mundiais da GM. Estima-se, por exemplo, que um plano para transferir seus 87
bilhões de dólares em vendas para ordens de pagamento online diminuirá os custos em cerca
de um bilhão de dólares. Seu impulso para o mundo virtual visa, concomitantemente, tornar
mais rápida sua pesada burocracia, com 48.700 trabalhadores no setor de serviços, e ingressar
em novos ramos de negócio.
A direção digital da GM mundial possui três eixos: dirigir, comprar e construir o carro. No
primeiro eixo, o setor tecnológico da empresa está tentando transformar os carros da GM em
aparelhos móveis de comunicação que permitam prestar serviços ao cliente 24 horas por dia,
depois de ele ter comprado o carro. O segundo trunfo da estratégia virtual da GM é o
BuyPower, um serviço de compras online e principal site de consumidores na rede, com
informações sobre todos os modelos vendidos pela GM. O terceiro ingrediente da revolução
digital da GM diz respeito à montagem do veículo - ou seja, aos componentes e insumos e às
fábricas. Nesse sentido, em fevereiro de 2000, a GM se uniu à Ford e à DaimlerChrysler para
implantar uma grande empresa de compras de componentes e comunicação na Internet – a
Covisint, por intermédio da qual se espera não apenas reduzir custos, mas também diminuir o
tempo utilizado para desenvolver um novo modelo (BAER & DAVIS, 2001).
Por fim, a montadora tem investido maciçamente em novas tecnologias e revolucionado a
organização produtiva no ambiente fabril, de modo a dar o suporte necessário para o sucesso
da estratégia digital. No Brasil, por exemplo, a GM construiu a fábrica de Gravataí-RS que foi
concebida para ser uma espécie de marco da produção industrial na era da internet, permitindo
interligar todos os participantes do processo de montagem de um carro em um único sistema,
indo desde o consumidor até os fornecedores.

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4.2 A estratégia da GM no Brasil


Segundo Castanheira (2001), em 1992, a GM brasileira desenhou a estratégia de
disponibilizar produtos para todas as faixas de consumidores, dos populares aos caminhões
pesados. O problema dessa estratégia é a sua sustentabilidade sem presença significativa na
fatia de mercado de automóveis populares e pequenos, responsáveis pelo elevado market
share de 70% das vendas de carros no Brasil. O Corsa seria utilizado para preencher essa
lacuna, mas não obteve grande sucesso, devido a ser o automóvel mais caro de uma categoria
na qual o preço é fator determinante.
Assim, no intuito de reverter este quadro e alinhada com a intenção estratégica de focalizar a
tecnologia e os negócios virtuais, a GM desenvolveu um novo conceito, caracterizado por:
venda online, organização da produção e customização em massa.
Para implantar esta estratégia, a GM do Brasil teve que reinventar a forma de produzir e
vender automóveis. Junto com seus fornecedores, a GM desenvolveu o projeto de um novo
veículo, o Celta, e construiu uma das mais modernas fábricas do mundo em Gravataí, Rio
Grande do Sul. Trata-se do primeiro projeto de uma montadora em que a fábrica é concebida
em função dos sistemas de produção e distribuição do carro.
A escolha do Brasil para sediar esta nova experiência não foi por acaso. Tem sido no país que
as montadoras estão aplicando suas experiências mais ousadas de funcionamento num
mercado global. A Volkswagen, por exemplo, na metade da década de 90, escolheu Resende,
no Rio de Janeiro, para implantar a primeira fábrica no mundo a adotar o inovador modelo de
consórcio modular. (RESENDE et al, 2002).
A abertura do mercado, o surgimento do Mercosul e a estabilização da economia provocaram
um aumento de consumo que estimulou investimentos em tecnologia, novos mix de produtos,
ganhos de produção e novas formas de gestão. Houve também uma coincidência. Com o
aumento do desemprego no país, as pessoas, com receio de perder o trabalho, rejeitaram as
propostas de greve feitas pelos sindicatos. Em suma: não houve muita oposição às reformas.
Como conseqüência da rápida adaptação dos trabalhadores às novas regras da economia, um
estudo da empresa americana de consultoria McKinsey evidenciou que a produtividade
brasileira vem crescendo de forma acelerada, a uma taxa média de 17% ao ano, enquanto no
Japão o avanço é de apenas 3% ao ano (SIMONETTI, 1998).
O resultado foi que as empresas, principalmente as montadoras, se sentiram estimuladas a
investir no país. Os fabricantes passaram a considerar a maior economia da América do Sul
como um pólo de baixo custo de produção para a região, no qual a combinação de trabalho a
custos reduzidos, pacotes de auxílio governamental e a disponibilidade de terrenos a custos
subsidiados atraíram entre US$ 1,8 bilhões e US$ 2,4 bilhões de investimentos anuais nos
últimos cinco anos (BURT, 2001).
Já a escolha da GM pela região Sul para a construção da nova fábrica é fundamentada por três
motivos: proximidade do Mercosul; possibilidade de descentralização sem transferência de
tecnologia e com crescimento da produção e; disposição de mão de obra do terceiro pólo
metal-mecânico do país (REVISTA EMPREENDEDOR, 2001). Outro aspecto normalmente
não divulgado diz respeito ao custo da mão de obra local. Para garantir um nível máximo de
produtividade, cada trabalhador receberá no fim do mês um holerite equivalente a metade dos
vencimentos dos metalúrgicos de pólos automobilísticos tradicionais do País, como ABC
Paulista e Vale do Paraíba (LIVRE MERCADO DIGITAL, 2000).
Nesse contexto, as seções a seguir analisarão a estratégia da GM no Brasil sob a perspectiva
da venda online, organização da produção e customização em massa para a fabricação do
Celta.

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4.2.1 Venda online


Desde o lançamento do Celta, aproximadamente 75% do total comercializado do modelo foi
vendido online. Entretanto, menos de 5% das vendas foram efetuadas via computadores
domésticos, ficando o restante sob responsabilidade das concessionárias. Ainda que seja um
número muito pequeno de adesões ao modelo virtual, a GM acredita que é só uma questão de
tempo para que o consumidor se habitue com esta nova modalidade de compra (NAIDITCH,
2001).
Com as informações sobre a demanda fluindo na Web, o potencial de redução de custos para
os integrantes da cadeia de suprimentos é grande. O fabricante e os fornecedores reduzem
seus custos, à medida que produzem com uma projeção de demanda próxima da real e não
apenas baseados em modelos estatísticos que estimam o consumo, e os revendedores reduzem
drasticamente seus inventários. Além disso, pelo lado do consumidor, o veículo comprado
pela internet, mesmo que seja a partir de um computador na concessionária, sai com o preço
6% inferior por causa da economia do PIS, Cofins e de estoques (CESAR, 2002). Ainda, o
cliente se beneficia porque recebe exatamente o produto que deseja e não o que está estocado
numa revenda.
O que é hoje considerada uma estratégia de sucesso, no entanto, precisou ser cuidadosamente
negociada com as concessionárias, pois elas seriam peça indispensável do modelo. São 490
distribuidores, todos eles conectados pela internet, em um projeto que foi o primeiro passo
para organização empresarial e comercialização do Celta pela Web: o GM Connect. A
negociação resultou em uma margem inferior a de outros carros da montadora, que foi
compensada por custos menores para os distribuidores (MANZONI JR., 2002).
Sem as concessionárias, o modelo desenvolvido pela GM se tornaria inviável, pois as
mesmas, além das vendas, são ainda as responsáveis pela entrega, serviços e manutenção dos
automóveis comercializados. Sabendo disso, a montadora também concedeu um bônus que
pode ser utilizado pela revenda para diminuir o valor final do veículo para o cliente. Nesse
caso, surge uma situação inusitada. O veículo montado pelo cliente através do site
disponibilizado na internet pode apresentar um valor maior do que o efetivamente praticado
pelas concessionárias, fato que, ao contrário das pretensões estratégicas de vendas, restringe a
pesquisa on-line no ambiente doméstico a um papel secundário (eminentemente voltado para
o conhecimento do produto e suas características) e estimula o comprador a abdicar do
sistema virtual para a aquisição do produto em favor do antigo modelo presencial.
4.2.2 Organização da produção
O Complexo Industrial Automotivo de Gravataí representa, a exemplo do Sistema Toyota de
Produção, o rompimento do modelo inaugurado por Henry Ford ao introduzir a linha de
montagem em série. A idéia foi construir uma fábrica na qual a linha de produção e o sistema
de vendas via internet estivessem interligados e fossem regidos pelas necessidades do cliente.
Nesse sentido, a empresa montou um sistema de e-manufacturing que utiliza transmissão
eletrônica de dados para emitir ordens, buscar componentes, controlar as máquinas, interligar
toda a cadeia de produção, as revendas e os clientes. Um sistema que responde à demanda das
concessionárias mesmo para quantidades tão pequenas quanto um único item.
A fábrica consumiu um investimento de US$ 550 milhões, divididos entre a empresa (US$
350 milhões), os fornecedores (US$ 123 milhões) e o governo do Rio Grande do Sul, que
destinou US$ 77 milhões para obras de infra-estrutura (AGÊNCIA FOLHA, 2000).
O empreendimento gera 1.550 empregos diretos, por parte da montadora e dos fornecedores, e
550 indiretos, ligados a prestadores de serviços. Trata-se da fábrica da GM com o maior
índice de automação (90%), e utiliza 120 robôs. Segundo Rebouças (2001), em Gravataí, um

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único carro é montado em cerca de 17 horas, contra 22 horas gastas nas fábricas tradicionais.
A linha de montagem, em plena capacidade, pode entregar um carro a cada dois minutos e o
número de peças manuseadas no complexo industrial caiu de 3.500 para 700.
Enquanto nas fábricas de São José dos Campos e São Caetano, em São Paulo, a GM tem entre
300 e 400 fornecedores diretos, na de Gravataí são apenas 17, sendo que 16 deles estão
situados no próprio site, formando uma espécie de condomínio industrial e apenas um, a
Zamprogna, está a 20 quilômetros da montadora. Cada fornecedor (também chamado de
sistemista), está instalado numa ordem prévia e estrategicamente estudada de fornecimento e
entrega partes do carro prontas, sistemas completos para serem usados na linha de montagem.
Esta organização significa que 85% dos modelos produzidos usam componentes montados no
próprio site, percentual expressivamente maior do que na maioria das fábricas, onde 60% do
valor dos componentes são fornecidos por fornecedores externos (BURT, 2001).
A reunião de fornecedores em um condomínio, todavia, não é algo novo. Com algumas
variações, já existe em projetos como o da fábrica de caminhões da VW, em Resende-RJ. A
diferença do modelo da GM é que os sistemistas não participam da montagem do veículo e
seus funcionários não entram na fábrica, o que ajuda a preservar a cultura de cada empresa.
Outro ponto que distingue o modelo adotado em Gravataí dos demais é que os fornecedores
participam ativamente da elaboração do projeto e do desenho de cada sistema, compartilhando
conhecimentos e o conceito das peças.
Participar do condomínio implica também no compartilhamento dos serviços, fato que reduz
os custos fixos de todos os envolvidos. Os fornecedores compartilham o mesmo terreno, usam
o mesmo plano de saúde e benefícios, dividem os custos de produção, a mesma central
telefônica, restaurantes, serviços de limpeza e segurança, as contas de água e de luz e
impostos municipais.
Como o objetivo é usufruir os benefícios da filosofia just in time, cada sistemista é conectado
via internet à GM, onde recebe, em tempo real, os pedidos da linha de montagem, sendo
responsável pela entrega de peças no intervalo mínimo de 15 minutos. O mesmo acontece
com a sua fábrica de São José dos Campos, distante 1.000 quilômetros do site da montadora e
responsável pela fabricação do motor e da transmissão. Nesse caso, como a ordem é abolir os
estoques, as entregas são realizadas diariamente. Ainda, como forma de garantir a qualidade
dos produtos e serviços prestados, a GM utilizou o seu poder de barganha como comprador e
exigiu que todos os seus fornecedores obtivessem a certificação na norma QS 9000
(NAIDITCH, 2000).
Entre os benefícios observados, estão o aumento da produtividade (há uma expectativa de
alcançar até 100 unidades por funcionário), redução dos estoques (em até 50%), redução de
custos com logística, agilização dos processos, redução de gargalos, correção rápida de
eventuais problemas e diminuição do tempo de entrega ao cliente, possibilitando não só
baratear o custo final, como também criar um sistema customizado de produção.
4.2.3 Customização em massa
A GM tem empreendido esforços em direção da customização em massa. Como já
comentado, a empresa tem buscado uma maior interação com o cliente (por meio da internet)
e integrado seus fornecedores em uma mesma base de dados, de modo a permitir respostas
mais rápidas e o compartilhamento de informações. O fato de a fábrica e as unidades
produtivas dos fornecedores diretos estarem agrupados sob um modelo de condomínio
industrial, além de reduzir custos, também contribui para a redução do ciclo de produção. Este
posicionamento vem ao encontro das proposições de Pine (1993), que compreende os esforços

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para proporcionar respostas rápidas por intermédio da cadeia de valor como o melhor meio de
levar a organização inteira para a customização em massa.
Pelo lado da fabricação, as táticas relacionadas à manufatura enxuta e a utilização eficiente de
tecnologia de informação têm sido pré-requisitos para o sucesso da competição baseada no
tempo, contribuindo sobremaneira, também, para a redução dos custos envolvidos. A
eficiência nos custos, inclusive, é fator crítico de sucesso no mercado de carros populares,
onde o preço constitui um critério determinante na escolha de compra do consumidor. Nesse
caso, a montadora parece ter utilizado o conceito da fábrica focalizada ao produzir apenas um
produto: o Celta. Entretanto, ainda que esta estratégia utilizada pela GM possa conduzir às
vantagens supracitadas, a competição baseada na customização em massa exige o
desenvolvimento, produção, comercialização e entrega de produtos e serviços disponíveis
com suficiente variedade e personalização que atenda à vontade de todos os clientes. Nessa
perspectiva, muito ainda tem que ser feito. Atualmente, há apenas cinco opções de cores e
cinco versões (as quais variam entre si, de acordo com o conjunto de opcionais desejados pelo
cliente) disponibilizadas diretamente pela fábrica. Itens personalizados podem ainda ser
escolhidos pela internet, mas, assim como o pagamento do veículo, os itens apenas podem ser
adquiridos na concessionária, a qual também é responsável pela sua instalação.
Outro aspecto a ser melhorado está no tempo compreendido entre o pedido e a entrega do
produto, que varia entre uma semana (caso a fábrica tenha o produto em estoque) e,
aproximadamente, três semanas (no caso de lista de espera), prazos que também sofrem
alguma variação dependendo da localização geográfica da concessionária que enviou o
pedido. Nesse particular, surge uma incoerência com os pressupostos da produção sob
medida: a existência de estoques. O problema é que a fabricação customizada de carros em
grandes quantidades apresenta algumas singularidades em relação a outros sistemas de
produção (como a fabricação de computadores, por exemplo), que torna muito difícil a
ausência total de produtos estocados. Uma das diferenças mais óbvias está na prensagem das
chapas de metal. Não há como ligar as prensas só quando o pedido chega, pois elas fabricam
um lote mínimo de acordo com o número de batidas. Por isso, entre outros fatores, a fábrica
acaba tendo que manter um estoque de chapas.
5. Conclusão
Diante do novo cenário da competição mundial, a GM tem se esforçado para realizar as
mudanças necessárias que garantam sua sobrevivência. No intuito de aumentar de tamanho e
melhorar sua eficiência, a montadora tem buscado revitalizar sua linha de produtos, atender as
necessidades dos clientes, aumentar a produtividade e a velocidade no desenvolvimento e
fabricação de produtos. Além disso, tem realizado alianças que permitam o desenvolvimento
de novas competências ou o fortalecimento das já existentes, contribuindo para introduzir
novos produtos em novos mercados mais rápido do que fizesse sozinha.
Alinhada com a estratégia global, e de modo a estabelecer os critérios que a organização usará
para mapear seu progresso nos próximos anos, foi definida como intenção estratégica a
liderança nos negócios eletrônicos. Para tal, diversas ações têm sido empreendidas e
coordenadas pela divisão e-GM. A expectativa da empresa com os investimentos na internet é
que se possa reduzir custos, agilizar os processos administrativos e operacionais, melhorar a
interação com os clientes, desenvolver novos negócios, integrar a cadeia de fornecimento com
as unidades fabris, programar melhor a produção, reduzir estoques e customizar produtos.
Nesse sentido, a construção da fábrica de Gravataí foi um marco na indústria automotiva
mundial e uma ação bem articulada e aderente com a intenção estratégica da montadora. Mais
do que isso, ela representa um laboratório para novas técnicas de produção e quase todas as
novas iniciativas da GM são baseadas em conceitos gerados internamente. Em conseqüência

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das inovações empreendidas pela montadora, novos estudos são necessários para melhor
entender os processos organizacionais envolvidos na fabricação do produto, relacionamento
com o cliente e na logística adotada pelo Complexo Industrial Automotivo de Gravataí.
6. Referências
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ENEGEP 2003 ABEPRO 8

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